FACTOS NÃO ALEGADOS
FACTOS COMPLEMENTARES
FACTOS CONCRETIZADORES
CONTRADITÓRIO
Sumário

Sumário: (1):
I – Não se justifica alterar a matéria de facto da decisão recorrida quando se verifica que o aditamento pretendido pela Apelante é inócuo e sem repercussão na decisão a proferir, constituindo a prática de um acto inútil e, por conseguinte, proibido por lei e ilícito, nos termos do disposto no artº 130 do CPC.
II – A matéria que consubstancia juízos conclusivos e de valor, não pode integrar a fundamentação de facto da sentença, na medida em que impedem a perceção da realidade concreta já descrita.
III - Encontrando-se o julgamento da matéria de facto limitado aos factos articulados pelas partes por força do estipulado no artº 5, nº 2 do CPC, o Tribunal da Relação encontra-se impedido de proceder ao aditamento de factos não alegados pelas partes, se o Juiz do julgamento, não os incluiu na sentença objecto de recurso e, se a questão não foi suscitada pelas partes no decurso da instrução da causa.
III - O princípio do contraditório plasmado no artº 5º, nº 2, al. b) in fine do CPC, exige que seja dada ao Autor a possibilidade prévia, não só de se pronunciar sobre o requerido aditamento, mas também de indicar, prova adicional à referida matéria.

Texto Integral

Acordam as Juízes na 8ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I – Relatório
Condomínio ………., representado por …………….. propôs acção declarativa que seguiu a forma de processo ordinário contra CHARIB C / F & S... Gestão de Condóminos Lda., sociedade comercial por quotas, ……………..
Veio o Autor peticionar a condenação da Ré no pagamento, a título de indemnização por danos patrimoniais, o valor de 48 295,23€ acrescido de juros de mora.
Fundamentou o seu pedido na responsabilidade da Ré ao actuar na qualidade de administrador do condomínio autor e nessa qualidade ter admitido uma alteração ao preço de uma empreitada o que, por sua vez, acarretou um aumento do preço.
Entende que a Ré ao agir em violação do determinado em assembleia de condóminos acarretou prejuízos para o autor condomínio que urge reparar.
Citada para contestar veio a Ré pugnar pela improcedência da presente ação alegando, em síntese, que a alteração à empreitada se deveu à necessidade de realização de obras urgentes e que, no seu entender, não foi possível parar a obra para levar à votação em assembleia de condóminos sendo certo que se a obra fosse parada surgiriam diversas responsabilidade e prejuízos.
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Foi elaborado despacho saneador, fixado o objecto do litígio e selecionados os temas de prova, tendo sido designada data para a realização da audiência de julgamento que veio a ter lugar com observância das formalidades legais.
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Em 20.01.2025 foi proferida sentença que julgou a acção procedente e, em consequência, condenou a Ré CHARIB C / F & S... Gestão de Condóminos Lda. a pagar ao Autor Condomínio ……………, a quantia de € 48.295,93 (quarenta e oito mil duzentos e noventa e cinco euros com noventa e três cêntimos) acrescida da quantia devida a título de juros moratórios civis, às taxas legais que se forem sucedendo no tempo, computada desde a citação até integral e efetivo pagamento.
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Recorreu a Ré desta decisão, apresentando os argumentos sintetizados nas respectivas conclusões, que seguem:
“1- A Ré está irresignada com a sua condenação, considerando-a injusta, por um lado, e, por outro, desadequada ao caso concreto.
2- No modesto entendimento do Condomínio, o Tribunal de primeira instância decidiu mal tanto no que à matéria de facto diz respeito mas, também, quanto à aplicação do direito.
3- No que toca à matéria de facto, o Tribunal a quo mal andou ao não ter discriminado no ponto 13 da matéria de facto dada como provada, por referência ao alegado no artigo 20º da contestação e ao documento nº. 8 da Petição Inicial, que a referida assembleia extraordinária teve lugar num período de pandemia e que, em virtude disso, a mesma foi efectuada sem a presença de condóminos, tendo os mesmos assegurado a sua participação através de procurações antecipadamente preparadas para o efeito.
4- Mal andou, igualmente, o Tribunal ao não dar como provado o alegado nos artigos 12º a 17º da Contestação.
5- Isto porque da prova produzida resultou que, para além dos orçamentos apresentados terem por base o caderno de encargos e mapa de quantidades elaborados por …, estes apresentavam graves omissões e lapsos – neste sentido os documentos nºs. 2, 15 e 16 da Petição Inicial e os documentos nºs. 11 e 12 da Contestação e o depoimento do Engenheiro ……., fiscal da obra, entre os 15 minutos e 44 segundos e os 16 minutos e 28 segundos, entre os 17 minutos e 41 segundos e os 21 minutos e 43 segundos, entre os 44 minutos e 32 segundos e os 44 minutos e 55 segundos; o depoimento do Engenheiro ……… entre os 6 minutos e 42 segundos e os 7 minutos e 47 segundos, entre os 8 minutos e 11 segundos e os 9 minutos e 22 segundos, entre os 14 minutos e 21 segundos e os 21 minutos e 48 segundos, entre os 25 minutos e 58 segundos e os 27 minutos e 57 segundos, entre os 28 minutos e 42 segundos e os 31 minutos e 06 segundos, entre os 44 minutos e 42 segundos e os 46 minutos e 28 segundos; o depoimento do Engenheiro ……. entre os 22 minutos e 8 segundos e os 22 minutos e 14 segundos; as declarações de parte da C / F & S..., na pessoa de ……, entre os 34 minutos e 38 segundos e os 35 minutos e 49 segundos, entre 1 hora, 6 minutos, 31 segundos e 1 hora, 9 minutos e 55 segundos, entre 45 minutos e 13 segundos até aos 45 minutos e 35 segundos.
6- Tendo ficado, ainda, provado, de acordo com os documentos nºs. 11 a 17 da Petição Inicial e nº. 8 da Contestação e o depoimento do Engenheiro ……, que ao nível dos trabalhos a mais de natureza contratual o acréscimo ao valor inicial da empreitada foi de 21.157,05 € (22.999,53 € - 1.842,48 €) e ao nível dos não contratuais o acréscimo foi de 27.138,18 € - nomeadamente conforme o depoimento entre os 13 minutos e 2 segundos e os 34 minutos e 56 segundos e, bem assim, entre os 40 minutos e 5 segundos e os 40 minutos e 16 segundos.
7- Neste seguimento, importava que o Tribunal a quo, da mesma forma que transpôs para os factos provados a tabela integrante dos “Trabalhos Não Previstos – Patologias Diversas” referente à proposta TNP_01_Ob.072.2020 de 30/11/2020 - vide documento junto com a Petição Inicial sob o nº. 22 – deveria ter dado, igualmente, como provados e transposto a factualidade constante nas três tabelas juntas como documento nº. 23 da Petição Inicial correspondente a “Trabalhos Não Previstos – Junta Dilatação Fracção L” referente à proposta Ob.072.2020 TNP_02_ de 11/03/2021, “Trabalhos Não Previstos – Desvio de Esgoto junto Fracção J” referente à proposta Ob.072.2020 TNP_03_ de 11/03/2021 e Trabalhos Não Previstos – Caleiras de Drenagem no Bloco D” referente à proposta Ob.072.2020 TNP_04_ de 12/03/2021.
8- Tendo, também, ficado provado que a obra realizada não excedeu, quanto ao seu objecto essencial, a deliberação tomada pelo condomínio, tendo, apenas e tão somente, excedido o montante nela fixado, embora tal se tivesse devido à já invocada deficiência do caderno de encargos e respectivo mapa de quantidades.
9- Já que para a reparação pretendida pelos condóminos foram necessárias maiores quantidades do que as inicialmente previstas e outros trabalhos de base que não estavam, igualmente, contemplados.
10- Importava, igualmente, dar como provado, porque foi feita prova nesse sentido (nomeadamente através das declarações de parte que identificaram discriminadamente as fracções e os seus problemas, do depoimento dos Engenheiros, em especial do ….. e da acta correspondente ao documento nº. 6 da Petição Inicial), que existiam diversas fracções afectadas directamente pelas patologias nas zonas comuns que foram objecto de reparação pela S... & F... aquando da sua intervenção no prédio, afectação, essa, que punha em causa a qualidade de vida e segurança dos condóminos – como concretização do alegado no artigo 18º da Contestação.
11- Assim como as datas do início das obras e o seu fim por referência à matéria alegada nos artigos 20º e 21º da contestação – documentos nºs. 8, 9 e 24 juntos com a Petição Inicial.
12- E que para a não realização de uma assembleia à data dos factos pesaram, para além da natureza das obras, as contingências vividas decorrentes da pandemia COVID 19 – vide depoimento do Engenheiro ……..entre os 17 minutos e 41 segundos e os 21 minutos e 43 segundos e as declarações de parte entre os 47 minutos e 11 segundos e os 49 minutos e 9 segundos.
13- Por fim, por referência ao alegado no artigo 18º da Contestação, deveria o Tribunal de primeira instância ter dado como provada a natureza dos trabalhos efectuados, nomeadamente dos trabalhos a mais, a sua natureza urgente e a impossibilidade de parar os trabalhos em virtude da referenciada urgência e dos compromissos e responsabilidades assumidas.
14- Sendo que, nessa decorrência, os trabalhos a mais foram de duas tipologias, se assim lhes podemos chamar: uns que se trataram, única e exclusivamente, de um acréscimo de quantidades dos trabalhos que já estavam previstos (os chamados contratuais/previstos) e outros que se trataram de trabalhos diferenciados mas fundamentais e imprescindíveis para a realização dos trabalhos deliberados em assembleia ou simplesmente urgentes (os chamados não contratuais/previstos).
15- Devendo, assim, ter dado como provado que o acréscimo do valor da obra decorreu dos seguintes trabalhos ou quantidades não previstos (vide documentos nºs. 11 a 17, 22 e 23 da PI e nº. 8 da Contestação):
a) Trabalhos diferenciados: conforme discriminados nos “Trabalhos Não Previstos – Patologias Diversas” referente à proposta TNP_01_Ob.072.2020 de 30/11/2020 – vide documento junto com a Petição Inicial sob o nº. 22 , “Trabalhos Não Previstos – Junta Dilatação Fracção L” referente à proposta Ob.072.2020 TNP_02_ de 11/03/2021, “Trabalhos Não Previstos – Desvio de Esgoto junto Fracção J” referente à proposta Ob.072.2020 TNP_03_ de 11/03/2021 e Trabalhos Não Previstos – Caleiras de Drenagem no Bloco D” referente à proposta Ob.072.2020 TNP_04_ de 12/03/2021 – documento nº. 23 da Petição Inicial e Proposta P.053C.2020);
b) Acréscimo de quantidades aos trabalhos previstos.
16- Para prova do supra invocado nos pontos 4,6,7, 8, 9, 10, 12, 13, 14 e 15 das conclusões, foi produzida prova conforme seguidamente discriminado: documentos nºs. 2, 3, 6, 9, 11 a 17, 22 e 23 da Petição Inicial e documentos nºs. 2 a 8 da Contestação; depoimento do Engenheiro ….., entre os 2 minutos e 9 segundos e os 3 minutos e 12 segundos, entre os 3 minutos e 33 segundos e os 11 minutos e 39 segundos, entre os 17 minutos e 41 segundos e 21 minutos e 43 segundos, entre os 17 minutos e 41 segundos e 21 minutos e 43 segundos, entre os 24 minutos e 18 segundos e os 26 minutos e 07 segundos, entre os 29 minutos e 4 segundos e os 29 minutos e 31 segundos , entre os 44 minutos e 32 segundos e os 44 minutos e 55 segundos, entre os 51 minutos e 10 segundos e os 51 minutos e 14 segundos ; o depoimento do Eng. ……… entre o 1 minuto e 5 segundos e o 1 minuto e 25 segundos, entre os 8 minutos e 11 segundos e os 9 minutos e 22 segundos, entre os 13 minutos e 2 segundos e os 13 minutos e 35 segundos, 14 minutos e 21 segundos e os 21 minutos e 48 segundos, 22 minutos e 18 segundos e os 25 minutos e 5 segundos, 25 minutos e 58 segundos e os 27 minutos e 57 segundos, entre os 28 minutos e 42 segundos e os 31 minutos e 06 segundos, entre os 32 minutos e 7 segundos e os 34 minutos e 56 segundos, entre os 44 minutos e 42 segundos e os 46 minutos e 28 segundos, entre os 49 minutos e 17 segundos e os 49 minutos e 23 segundos; o depoimento de …….. entre o minuto 14 e 46 segundos e os 14 minutos e 55 segundos; as declarações de parte entre os 45 minutos e 13 segundos e os 45 minutos e 35 segundos, entre os 47 minutos e 11 segundos e 49 minutos e 9 segundos, entre os 52 minutos e 37 segundos e os 54 minutos e 28 segundos, entre a uma hora, 5 minutos e 52 segundos e a 1 hora 6 minutos e 15 segundos.
17- Por fim, deveria o Tribunal a quo ter dado como provado que os preços aplicados aos trabalhos a mais não eram superiores aos praticados no mercado, sendo, até, o aumento de quantidades regido pelos preços já contratualizados, tudo conforme do depoimento do Engenheiro ………… entre os 26 minutos e 47 segundos e os 29 minutos e 04 segundos:
18- Este Tribunal não deverá, ainda, ficar insensível às condições especialmente adversas e parciais em que decorreram as prestações de depoimento dos Engenheiros ………… e …… e, bem assim, as declarações de parte – tudo conforme decorre dos seguintes trechos do depoimento de ……. entre os 49 minutos e 53 segundos e os 50 minutos e 1 segundo, entre os 50 minutos e 6 segundos e os 50 minutos e 14 segundos, entre os 51 minutos e 24 segundos e os 51 minutos e os 50 segundos, entre os 52 minutos e 10segundos e os 52 minutos e 53 segundos, entre a 1 hora, 1 minuto e 26 segundos e a 1 hora, 3 minutos e 36 segundos; os seguintes trechos do depoimento de …….. os entre os 37 minutos e 49 segundos e os 39 minutos e 6 segundos, entre os 46 minutos e 44 segundos e os 47 minutos e 24 segundos e o seguinte trecho das declarações de parte entre 1 minuto e 2 segundos e os 2 minutos e 7 segundos. 19- Por outra banda, ao nível da matéria de direito, entende a C / F & S... que a apreciação feita não é a mais acertada, já que as obras em causa tinham, nitidamente, um carácter urgente, não estando, por isso, sujeitas a deliberação da assembleia de condomínio.
20- O referenciado carácter de urgência decorreu de vários factores, entre eles:
a) a própria natureza dos trabalhos previstos que visavam, genericamente, impedir o agravar da situação de degradação das fachadas que se encontravam já há algum tempo a causar transtornos acentuados na vida de muitos condóminos, dando origem a infiltrações no interior de fracções (conforme docs. nºs. 2, 3 e 6 da PI que identificaram a obra contratualizada como prioritária e os referenciados depoimentos dos Engenheiros e da condómina …… e, bem assim as declarações de parte);
b) a natureza de urgência dos trabalhos não previstos que, sendo de duas tipologias:
uns que serviam de base aos trabalhos referenciados em a) e tinham de ser executados para que a empreitada deliberada pudesse avançar e outros que diziam respeito a situações particulares igualmente urgentes, desde a resolução de um junta de dilatação que fazia entrar água numa fracção, até à resolução de um problema de esgoto que entrava numa fracção, à colocação de uma caleira para evitar transbordos de água que colocavam em causa a segurança na circulação dos condóminos;
c) as penalizações constantes no contrato de empreitada para as paragens da obra;
d) o tempo que seria necessário e o novo investimento para fazer regressar a empreiteira à obra.
21- Sendo que, sem conceder no argumento supra referenciado, não deve ser ignorado o facto de que, à data dos factos, decorria a pandemia COVID 19.
22- A urgência de uma obra não pode apenas corresponder aos casos em que um prédio se encontra na iminência de ruir.
23- O facto de existirem diversas patologias no Edifício que provocavam insegurança, insalubridade e perigo para a saúde dos condóminos faz com que as reparações em causa assumam o carácter de urgência.
24- Tanto assim é que foram consideradas prioritárias ao nível do relatório de patologias efectuado e tanto assim é que existiam condóminos a ameaçar avançar com obras a suas expensas caso o condomínio não as concretizasse.
25- Não podendo, nem devendo ser ignorado que existiu uma deliberação de base às obras e que os trabalhos a mais realizados serviram, em parte, para viabilizar essa deliberação e, noutra, para resolver outras obras urgentes, conforme foi possível demonstrar (relativas a águas e esgotos que interferiam no acesso e no interior das fracções de alguns condóminos).
26- Importa, ainda, exortar este Tribunal a atentar a toda a jurisprudência citada mas, em particular, ao Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 22-10-2105, relatado por Teresa Pardal, cujos contornos e entendimento aplicado parece aproximar-se muito do que deveria suceder no caso sub judice: “A conduta do administrador do condomínio que adjudica a uma empreiteira obras que não estavam incluídas no orçamento aprovado pela deliberação da assembleia de condóminos é vinculativa para estes se forem obras urgentes, cuja necessidade foi constatada no decurso das obras orçamentadas, nos termos do artigo 1162º do CC.”
27- Ainda neste Acórdão se pode ler o seguinte: “…se é certo que a necessidade de realização destas obras não aparece explicada (…), basta ler as suas alíneas para se concluir que as mesmas se impunham, pois, se não fossem realizadas, as obras orçamentadas perderiam a sua eficácia e utilidade (…) ou então os prejuízos já sofridos nas fracções de alguns dos condóminos constituiriam o condomínio em responsabilidade civil (…).” -
28- Continua: “Deste modo, a actuação da administração tem de se enquadrar no âmbito das reparações indispensáveis e urgentes a que se refere o artigo 1427º do CC e a eventual inobservância de instruções resultante de não ter havido uma deliberação de condóminos a adjudicar os trabalhos está justificada nos termos do artigo 1162º do mesmo código queestabelece que “o mandatário pode executar o mandato ou afastar-se das instruções recebidas, quando seja razoável supor que o mandante aprovaria a sua conduta, se conhecesse certas circunstâncias que não foi possível comunicar-lhe em tempo útil.”
29- “Com efeito, os trabalhos em causa apresentavam-se como urgentes, não só pela sua própria natureza (destinando-se a evitar infiltrações e danos por estas provocados, existindo fracções em que tais danos já se verificavam), mas também pelo facto de a constatação da sua premente necessidade ter surgido no decurso das obras adjudicadas, razão pela qual a suspensão das obras e os prejuízos daí decorrentes, desaconselhavam a convocação de uma assembleia extraordinária e sendo, pelo contrário, aconselhável o aproveitamento da presença da empreiteira já contratada e que tinha conhecimento dos vícios a reparar.” – Ibidem.
30- Acresce, ainda, que, apesar do aumento considerável que estes trabalhos não orçamentados trouxeram para o preço global a pagar, (…), não sendo alegados factos de que se pudesse concluir que o mesmo é excessivo para os trabalhos em causa.” – Ibidem.
31- Caso a administração não efectuasse ou suspendesse a execução das obras em causa, corria o risco de ser responsabilizada por isso.
32- Contudo, veio, na mesma, a ser responsabilizada por ter efectuado as obras que o próprio condomínio precisava e ansiava, mais parecendo que, encontrando-se servido, intenta a presente acção como um aproveitamento económico que poderá ser considerado um enriquecimento ilícito, já que ficou o condomínio com a obra feita e pretende, agora, ficar com o valor a ela correspondente: é o melhor de dois mundos…para o condomínio!
33- Mas trata-se, nitidamente, de uma situação injusta para a administração que, após tantos anos de contactos de condóminos insatisfeitos e exigentes e numa altura particularmente desafiante em que se tinha instalado uma pandemia, tentou fazer o melhor por aquele condomínio.
34- Do disposto no artigo 1427º do Código Civil, a contrario, decorre que o administrador do condomínio deve levar a efeito reparações indispensáveis e urgentes nas partes comuns do edifício, sendo elas as reparações necessárias à eliminação, num curto prazo, de vícios ou patologias existentes nas partes comuns que possam, a qualquer momento, causar ou agravar danos no edifício ou conjunto de edifícios, ou em bens, ou colocar em risco a segurança das pessoas.
35- Esta norma tem a redacção da Lei 8/2022, que só entrou em vigor em 10/04/2022, mas o mesmo resultava da redacção anterior que apenas não esclarecia expressamente o que é que eram reparações indispensáveis e urgentes.
36- Do anterior artigo 1436º, alínea f), agora alínea g) na redacção da Lei 8/2022, decorre que o administrador do condomínio deve realizar os actos conservatórios dos direitos relativos aos bens comuns, ou seja, “os destinados a evitar a deterioração ou destruição dos bens, podendo ter natureza material ou judicial.”
37- Por todos estes motivos aqui explanados, a Ré entende que a factualidade em causa não é susceptível de preencher os pressupostos da responsabilidade civil.
38- E, face ao exposto, o Tribunal “a quo” não avaliou convenientemente a matéria de facto e fez uma muito má aplicação da matéria de direito, pelo que violou o disposto nos artigos 473º, 483º, 492º, nº. 2, 487º, nº. 2, 493º, 562º, 563º, 987º (por analogia), 1154º, 1157º, 1159º, 1162,º, 1163º, 1421º, 1424º, 1427º a contrario, 1430º, 1436º, alínea f) à data dos factos – alínea g) na actual redacção, todos do Código Civil.”
Termina, solicitando que seja dado provimento ao seu recurso e que, a sentença recorrida seja revogada, sendo substituída por outra que absolva a Ré do pedido, assim
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O Recorrido Condomínio ….., contra-alegou, concluindo do seguinte modo:
“1) Recorre a ré, da sentença que condenou a Autora a devolver € 48.295,93, valor que corresponde ao acréscimo significativo no preço da empreitada, aprovado pela administração (ré), sem para tal estar mandatada.
2) Efetivamente, resulta da factualidade provada em sede de julgamento e muito bem que (pontos 14 a 24 da fundamentação de facto), o aumento no valor do orçamento contratado para as obras de reabilitação do prédio não teve a aprovação da assembleia de condóminos.
3) Se não foi aprovado pelos condóminos a este não pode ser oponível.
4) De facto, esta ação não se desencadeou por causa da existência ou não de erros no caderno de encargos ou se havia ou não necessidade de realizar mais trabalhos;
5) Mas antes, resultou tão só da falta de legitimidade da ré para representar a autora numa aprovação à alteração ao contrato de empreitada em relação ao preço, sem mandato. É isto que se discute.
6) Portanto, nem a pandemia (facto desconsiderado pelo tribunal porque é completamente irrelevante) nem o caderno de encargos justificam o exercício irregular das funções por parte da ré na qualidade de administração de Condomínio.
7) Além do mais, o caderno de encargos que esteve na base do contrato de empreitada, não admitia qualquer alteração que envolvesse revisão de preços, refere expressamente “não serão admitidos a apresentação do orçamento e celebração do contrato, associado a erros ou omissões da lista de trabalhos e/ou do presente caderno de encargos (…) não são admitidos nem serão aprovados processos de qualquer natureza envolvendo revisão de preços acordados” (cfr. doc. 2 da P.I.).
8) A tese de obras urgentes não colhe aqui.
9) Não estamos perante uma obra de conservação urgente por forma a não degradar de imediato e irremediavelmente algo no prédio.
10) Falamos em obras de restauração de grande monta.
11) Pelo conteúdo do caderno de encargos, atas (nomeadamente as assembleias a que se refere a recorrente 17.01.2019 e 06.02.2020) e depoimentos dos condóminos, não são referidos danos no interior de frações decorrentes das patologias, a que se referem as reparações prioritárias (já verificadas desde 2019), nem outros danos eminentes que afetassem a segurança do edifício ou pessoas.
12) Aliás, o caderno de encargos que teve por base o contrato de empreitada, apreciado na assembleia de 17.01.2019 diz expressamente “neste caderno não é reportada/referida qualquer patologia no interior das frações habitacionais”
13) A recorrente pôs ênfase no depoimento do Engenheiro ……….. (a mesma testemunha que admitiu não serem obras urgentes, minuto [00:51:43]) e engenheiro …………., bem como, no depoimento fraco, medíocre e desonesto do legal representante (…………).
14) Os depoimentos das testemunhas …………, e os engenheiros ….. e ….. limitaram-se a referir um conceito subjetivo de obras urgentes, tudo com base “na minha opinião” “considero que eram urgentes” “no meu entendimento” mas não demonstraram factos concretos que permitissem ao tribunal concluir e dar como provado a urgência das obras de reparação.
15) O depoimento do engenheiro …….. afastou a urgência da empreitada referiu que a obra chegou a parar para que a Ré pudesse se inteirar do novo orçamento e caso não fosse aprovado a realização das novas obras a empreitada pararia.
16) A paragem da obra foi confirmada pelo condómino ……., só vem reforçar a posição do tribunal a quo de que as obras a mais, de facto não eram urgentes, não cabem no conceito de obras urgentes do artigo 1427.º n.º 2 do Código Civil.
17) Por outro lado, a prática de aprovar um novo orçamento muito superior ao inicialmente aprovado pelos condóminos para as obras, sem que para o efeito estivesse mandatado a Ré, acarreta responsabilidade civil.
18) Do exposto resulta que o administrador não pode, por si só, executar obras nas partes comuns do condomínio se para tal não for mandatado pela assembleia uma vez que tal constituiu um ato de administração que extravasa o âmbito das funções que a lei lhe atribui.
Tal conclusão retira-se da interpretação conjunta dos artigos 1436.º e 1437.º do Código Civil (cfr. Ac. da RC, de 20.01.2011, proc. 2236/11.0TBCLD.C1, www.dqsi.pt). – acórdão recorrido.
19) Tão pouco a apelante convocou de imediato assembleia extraordinária para ratificar a sua actuação. Portanto, é manifesto que a apelante excedeu as suas funções e que o condomínio sofreu prejuízo em resultado dessa actuação; em consequência, tem a obrigação de indemnizar o condomínio.
20) Não assiste razão à recorrente, nem na matéria de facto nem na matéria de direito de que recorre.
21) A falta de motivação (falta de fundamentação e/ou omissão de pronúncia) da decisão da matéria de facto não constitui vício da sentença suscetível de gerar nulidade à luz do art. 615" do CPC, sendo antes patologia que pode determinar a aplicabilidade da solução estabelecida no art. 662º, nº 2, d) do CPC.
22) Não assiste nenhuma razão à ré no presente recurso em todo o seu âmbito e extensão.”
Terminou, pugnando pela improcedência do recurso, com manutenção integral da sentença recorrida.
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O recurso foi admitido como sendo de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
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Nada obsta ao conhecimento do mérito do recurso.
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Foram colhidos os vistos legais.
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São as conclusões formuladas pelo recorrente que delimitam o objeto do recurso, no tocante ao desiderato almejado por aquele, bem como no que concerne às questões de facto e de direito suscitadas, conforme resulta das disposições conjugadas dos arts. 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do CPC.
Esta limitação dos poderes de cognição do Tribunal da Relação não se verifica em sede de qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cfr. art. 5º n.º 3 do CPC)2.
Por outro lado, não pode o Tribunal de recurso, conhecer de questões que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas3.
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II. Do objecto do recurso
São questões a decidir:
- Erro na decisão sobre a matéria de facto (ampliação requerida)
- Erro na decisão sobre a matéria de direito
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III – Fundamentos
De Facto:
Fundamentação de Facto na 1ª Instância
Nesta sede, é este o texto da decisão recorrida:
“1) A Ré CHARIB C / F & S... Gestão de Condóminos Lda. (doravante CHARIB), é uma empresa que se dedica à gestão de condomínios e de serviços conexos, como limpeza, jardinagem e manutenção de piscinas, conforme melhor resulta da ata N.º 1 de 2022, foi a anterior administração do condomínio ….. e tem como sócio gerente o réu ……. (cfr. doc 1 junto com a PI que aqui se dá por integralmente reproduzido).
2) A Ré CHARIB foi administradora do condomínio A. tendo sido exonerada, por deliberação da assembleia de condóminos do A., no dia 28.11.2022.
3) Na mesma assembleia referida em 2) ………………….., foram nomeados como administradores do condomínio A. para o exercício de 28 de novembro de 2022 a outubro de 2023.
4) O Condomínio ………., em 2019, apresentava várias patologias nas fachadas das frações, garagens e na casa do lixo (melhor descritas no caderno de encargos elaborado pelo técnico …… - Gestão de projetos e obras, junto como doc. 2. que aqui se dá por integralmente reproduzido).
5) Atento o teor do documento referido em 4) o Edifício necessitava, entre outras, da realização de obras que reparassem os problemas de fissuração de paredes, fissuração de fingimentos exteriores janelas e portas, entradas de água e humidades interiores, infiltrações nos tetos da garagem que se encontravam sem impermeabilização, humidades em lajes de varandas, pintura, degradação do pavimento da garagem.
6) As assembleias de condóminos do ……. entre os anos de 2018 a 2019 tiveram como ordens de trabalhos a discussão de vários aspetos relacionados à manutenção das áreas comuns do Condomínio, à reparação das patologias e deliberação do respetivo orçamento.
7) Neste seguimento, a 17 de janeiro de 2019, após convocatória efetuada pela Ré CHARIB, na qualidade de administradora do condomínio do Edifício ……, realizou-se uma assembleia-geral de condóminos, cujo 1.º ponto da ordem de trabalhos, conforme ata n.º 37, foi “a análise ao Caderno de Encargos para trabalhos de reabilitação das zonas comuns do prédio. Deliberação acerca dos orçamentos de reparações, e deliberação sobre o valor da quota extra, (vide ata n.º 37 junta como doc. 3 que aqui se dá por integralmente reproduzida).
8) Resulta da ata da reunião da assembleia geral de 17 de janeiro de 2019, ata n.º 37, que “foi falado na possibilidade de realizar a obra em três fases distintas, sendo que a prioridade será a reparação e pintura das fachadas das fracções, deixando por exemplo as garagens para uma segunda fase, e a terceira fase muros exteriores e casa do lixo” tendo ainda sido deliberado “por maioria (…) o pagamento de uma quota extra no valor de 85000 € (…) por um período de 36 prestações mensais, com inicio 114 em Fevereiro de 2019”.
9) Na sequência da assembleia referida em 8), a primeira fase referente à reparação e pintura das fachadas das frações do prédio foi objeto de dois orçamentos:
a. Em janeiro de 2019, ……., elaborou o orçamento no valor de 99.935,22€ (cfr. doc. 4)
b. A empresa CAF Construções, Lda. apresentou outro orçamento no montante de 98.908,40 € (cfr. doc. 5),
10) A 6 de fevereiro de 2020, após convocatória efetuada pela Ré CHARIB, na qualidade de administradora do condomínio do ………., realizou-se uma assembleia-geral de condóminos, cujo 4.º ponto da ordem de trabalhos, conforme ata n.º 38, foi “Deliberação acerca dos orçamentos para os trabalhos de reabilitação das zonas comuns dos prédios”.
11) Na ata referida em 10), resulta:


12) Na data de 13 de julho de 2020, a sociedade S... & F... enviou um email para a administração do Condomínio .........@charib.com com o orçamento/proposta P.053A.2020 referente à execução da primeira fase de obras no valor de 43.012,84 € + IVA, cfr. doc. 7 junto com a PI (fls. 71 verso a 75 e que aqui se dá por integralmente reproduzido).
13) Após a apresentação das propostas referidas em 9) e 12), no dia 09 de outubro de 2020, em cumprimento ao deliberado no ponto 4 da ata n.º 38 referida em 10) e 11), realizou-se uma assembleia extraordinária do condomínio com a seguinte ordem de trabalho “Deliberação acerca dos orçamentos para os trabalhos de reabilitação das zonas comuns do prédio”. (cfr. ata n.º 39 junta a fls.78 que qui se dá por integralmente reproduzida).
14) Na ata referida em 13) resulta:

15) No dia 26 de outubro de 2020, a Ré CHARIB, em representação do Condomínio Autor, tendo em consideração o referido em 13) e 14), outorgou com a sociedade S... & F..., Lda., escrito particular denominado “Contrato de Empreitada: CE 004.2020 P.053ª.2020 de 13.07.2020 – Reabilitação de fachadas do edifício …..”. (cfr. doc.9 junto com a PI a fls. 99 e que aqui se dá por integralmente reproduzido)
16) De acordo com as cláusulas 1, 2, 8 e 9 do escrito referido em 15), a empreiteira obrigou-se perante o dono da obra (Autor), a executar a obra de “Reabilitação de Fachadas do Edifício ……, de acordo com a proposta 167 P.053A.2020, de 13.07.2020, que corresponde ao orçamento no montante de 43.012,84 €, valor a que acresce o IVA, a ser pago pelo dono da obra da seguinte forma:
a. 12.903,85 € (…) na data da assinatura do presente contrato;”
b. 30. 108,99 € (…) com autos de medição mensais.”
17) A empreiteira em respeito ao acordado na cláusula 9, alínea a) do escrito referido em 15), emitiu a Fatura FA 2020/216, no montante de 13.549,04 € (IVA incluído) a pagar pelo dono da obra no mesmo dia da assinatura do contrato de empreitada (cfr. doc. 9 e 10).
18) No dia 2 de dezembro de 2020 a empreiteira S... & F..., Lda. remeteu à Ré CHARIB o e-mail infra:

19) No dia 6.11.2020 a empreiteira remeteu à Ré CHARIB o 184 seguinte email:
20) Foi então, pela Ré CHARIB remetido à empreiteira o 192 seguinte email:

21) Para além da fatura referida em 17) e na sequência dos factos referidos em 18) a 20) a empreiteira S... & F..., Lda. emitiu as seguintes faturas (valores sem IVA):
a. No dia 30/11/2020, Fatura FA 2020B/25, no valor de 11.960,58 € (cfr. doc. 11 junto com a PI o qual se dá aqui por integralmente reproduzido);
b. No dia 21/12/2020, Fatura FA 2020/271 no valor de 8.410,33 € (cfr. doc.12 junto com a PI o qual se dá aqui por integralmente reproduzido);
c. No dia 29/01/2021, Fatura FA 2021/19 no montante de 8035,33 € (cfr. doc. 13 junto com a PI o qual se dá aqui por integralmente reproduzido);
d. No dia 26/02/2021, Fatura FA 2021/43 no montante de 11.528,72 € (cfr. doc. 14 junto com a PI o qual se dá aqui por integralmente reproduzido);
e. No dia 31/03/2021, Fatura FA 2021/77 no valor de 9.962,68 € (cfr. doc. 15 junto com a PI o qual se dá aqui por integralmente reproduzido); acrescido de juros de mora nos valores de 116,79 €; 8,25 € e 1,19 €. (cfr. Fatura 2021/257 que se junta como doc. 18 e Fatura 2021/346 que se junta como doc.19 junto com a PI o qual se dá aqui por integralmente reproduzido).
f. No dia 30/04/2021, Fatura FA 2021B/8, à quantia de 221 24.297,67 € (cfr. doc. 16 junto com a PI o qual se dá aqui por integralmente reproduzido), acrescido de juros de mora no valor de 861,14 €; 341,10€; 224 50,33 €; 287,61€ e 140,36 € (cfr. Fatura FA 225 2021/257 que se junta como doc. 18 junto com a PI o qual se dá aqui por integralmente reproduzido, Fatura FA 2021/346 (cf. doc. 19 junto com a PI o qual se dá aqui por integralmente reproduzido); e Fatura FA 2022/41 (cf. doc. 20 junto com a PI o qual se dá aqui por integralmente reproduzido) e Fatura FA 2022/128 (cf. doc. 21 junto com a PI o qual se dá aqui por integralmente reproduzido).
g. No dia 31/08/2021, Fatura FA 2021/205, no valor de 4.208,91€ (cfr. doc. 17 junto com a PI o qual se dá aqui por integralmente reproduzido); acrescido de juros de mora no valor de 30,03 €; 59,09 €; 60,05 €; 30,03€ (cfr. Fatura FA 2021/257 que se junta como doc. 18 com a PI o qual se dá aqui por integralmente reproduzido), Fatura FA 2021/346 (que se junta como doc. 19 com a PI o qual se dá aqui por integralmente reproduzido); Fatura FA 2022/41 (que se junta como doc. 20 com a PI o qual se dá aqui por integralmente reproduzido); e Fatura FA 2022/128 (que se junta como doc. 21 com a PI o qual se dá aqui por integralmente reproduzido).
22) Do auto de receção provisória da empreitada consta:

23) A Ré CHARIB teve intervenção no ato referido em 19) em representação do Autor, sem dar conhecimento aos condóminos e sem convocar a assembleia de condóminos para o efeito.
24) No âmbito da obra de reabilitação referida em 16) foram emitidos os autos de medição de fls. 144 a 150 verso dos autos que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
ii. Indicação dos factos não provados
a) Nenhum com interesse para a decisão.”
***
Erro na decisão sobre a matéria de facto:
De acordo com o disposto no artº 640, nº 1, als. a) a c) do CPC:
“Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
- Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
- Os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunha decisão, sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da recorrida;
- A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.
De acordo com Abrantes Geraldes4, quando o recurso se reporta a decisão relativa à matéria de facto, o art. 640.º do CPC estabelece que o recorrente deve, obrigatoriamente, indicar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões) e, fundando-se a impugnação em meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados, especificar, na motivação, aqueles que, em seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos, devendo, ainda, consignar, na motivação do recurso, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos.
A Recorrente preencheu estes requisitos, pelo que, cumpre apreciar, cada um dos concretos pontos da matéria de facto impugnados.
Entende a Recorrente que deveria ter ficado a constar do ponto 13 dos factos assentes que “a assembleia extraordinária realizada no dia 09.10.2020, teve lugar num período de pandemia e que, em virtude disso, a mesma foi efectuada sem a presença de condóminos, tendo os mesmos assegurado a sua participação através de procurações antecipadamente preparadas para o efeito.”
Mencionou ainda que importava, igualmente, dar como provado, “as datas do início das obras e o seu fim por referência à matéria alegada nos artigos 20º e 21º da contestação e que para a não realização de uma assembleia à data dos factos pesaram (…) as contingências vividas decorrentes da pandemia COVID 19.”
Consta do referido ponto 13, o seguinte texto:
“Após a apresentação das propostas referidas em 9) e 12), no dia 09 de outubro de 2020, em cumprimento ao deliberado no ponto 4 da ata n.º 38 referida em 10) e 11), realizou-se uma assembleia extraordinária do condomínio com a seguinte ordem de trabalho “Deliberação acerca dos orçamentos para os trabalhos de reabilitação das zonas comuns do prédio” (cfr. ata n.º 39 junta a fls.78 que qui se dá por integralmente reproduzida).”
Esta pretensão foi contestada pela Recorrida.
Apreciando:
A Apelante não aduziu qualquer argumento que permita concluir pelas vantagens da inclusão do aditamento proposto, assim como, não se vislumbra qualquer reflexo jurídico nesta alteração.
As circunstâncias em que ocorreu a referida assembleia (período de pandemia e com os condóminos representados por procuração), por si só, em nada acrescentam. Não há matéria alegada nos autos, nem provada, que permita concluir pela irregularidade, inconveniência ou consequências para as deliberações de tal assembleia, ou de outras que lhe seguissem, se tivessem sido convocadas, nas mesmas circunstâncias.
Não alegou a Recorrida, o motivo pelo qual não convocou nova assembleia, quando se inteirou através da comunicação de e-mail enviado pela empreiteira em 06.11.2020 identificado no ponto 19 da matéria de facto assente, de que as obras iriam ter um custo substancialmente superior ao aprovado na assembleia de condóminos de 09.10.2020.
Nem os condicionalismos resultantes da pandemia, aparecem na versão dos factos alegada na contestação, como impeditivos de tal convocação e justificativa para que a Recorrida tivesse aceite, por iniciativa própria e sem autorização dos condóminos (facto nº 20), a assunção de uma despesa no montante € 91 308, 07, em vez do montante inicialmente aprovado - € 43.012,84 + IVA (facto nº 16).
Não havendo qualquer relação entre os factos cujo o aditamento se requer, com o facto de não ter sido convocada nenhuma outra assembleia de condóminos para rever o novo orçamento não analisado nem aceite, proposto pela empreiteira junto da Recorrente, resta concluir que o aditamento requerido se mostra inócuo, na medida em que não interfere com a decisão final.
Ora, conforme já foi decidido por este Tribunal da Relação de Lisboa, no acórdão proferido em 22.10.2024 (Processo 729/19.0T8LSB.L1)5:
“A apreciação da impugnação da matéria de facto não subsiste por si, assumindo um carácter instrumental face à decisão de mérito do pleito, pelo que só se justifica nos casos em que da modificação da decisão possa resultar algum efeito útil relativamente à resolução do litígio no sentido propugnado pelo recorrente; quando a modificação pretendida não interfere no resultado declarado pela 1ª instância, é dispensável essa reapreciação.”
Sendo inábil para interferir no resultado da decisão final, a requerida alteração, mostra-se dispensável.
Constitui a prática de um acto inútil, logo ilícito, como decorre do disposto no artº 130 do CPC.
Nesse sentido, o Tribunal da Relação do Porto, em 11.12.20246, proferiu a seguinte decisão, que subscrevemos:
“Logo que faleça a possibilidade de uma qualquer alteração da decisão da matéria de facto poder ter alguma projecção na decisão da matéria de direito em sentido favorável ao recorrente, deixa de ter justificação a impugnação deduzida, traduzindo-se antes na prática de um acto inútil, por isso, ilícito”.
Assim sendo, improcede o recurso nesta sede.
*
Mencionou a Recorrente que mal andou o Tribunal ao não dar como provado o alegado nos artigos 12º a 17º da Contestação.
Discorda a Recorrida desta tese.
Vejamos:
A sentença recorrida não menciona a existência de nenhum facto não provado com interesse para a decisão da causa.
Logo, em bom rigor, o Tribunal “a quo” não considerou os mencionados factos como não provados, simplesmente, não os inclui no rol da factualidade assente.
Sendo assim, o que a Recorrente pretende é que seja efectuada essa inclusão.
Vejamos se lhe assiste razão:
Consta desses artigos o seguinte:
“12º A verdade é que os orçamentos apresentados para a primeira fase da obra tiveram, todos eles, como base o caderno de encargos elaborado por … e junto aos presentes autos sob documento nº. 2 da Petição Inicial e junto sob os documentos nºs. 10 e 11 desta Contestação.
13º E o problema esteve no facto desse caderno de encargos apresentar diversas omissões e lapsos – tudo conforme documentos nºs. 2 a 9 que junta e dá como integralmente reproduzidos.
14º Omissões e lapsos que apenas foram descobertos no desenrolar da obra pela empreiteira.
15º E confirmados pela fiscalização da obra.
16º E que fizeram com que a mesma encarecesse.
17º Entre as falhas detectadas estão os mapas de quantidade que ficaram aquém das necessidades.”
Acrescenta a Recorrente que, “neste seguimento, importava que o Tribunal a quo, da mesma forma que transpôs para os factos provados a tabela integrante dos “Trabalhos Não Previstos – Patologias Diversas referente à proposta TNP_01_Ob.072.2020 de 30/11/2020 - vide documento junto com a Petição Inicial sob o nº. 22 – tivesse dado, igualmente, como provados e transposto a factualidade constante nas três tabelas juntas como documento nº. 23 da Petição Inicial correspondente a “Trabalhos Não Previstos – Junta Dilatação Fracção L” referente à proposta Ob.072.2020 TNP_02_ de 11/03/2021, “Trabalhos Não Previstos – Desvio de Esgoto junto Fracção J” referente à proposta Ob.072.2020 TNP_03_ de 11/03/2021 e Trabalhos Não Previstos – Caleiras de Drenagem no Bloco D” referente à proposta Ob.072.2020 TNP_04_de 12/03/2021.”
À semelhança do que referimos “supra”, também aqui, a Apelante não aduziu qualquer argumento que permita concluir pelas vantagens da inclusão do aditamento proposto, assim como, não se vislumbra qualquer reflexo jurídico nesta alteração.
Não é pelo facto do orçamento aprovado pela Assembleia de condóminos se encontrar incompleto ou conter omissões, que há justificação para a Recorrente não ter dado conhecimento à Recorrida do orçamento rectificativo daquele, de forma que esta se pudesse pronunciar sobre o mesmo, aprovando-o ou rejeitando-o.
Esta circunstância não legitima a actuação da Recorrente que não indagou da opinião dos condóminos, substituindo-se, sem autorização, nem poderes, fazendo tábua rasa sobre a vontade dos mesmos.
Pelo que, a inserção requerida revela-se inútil, pois não tem a virtualidade de modificar a decisão final.
Sendo inábil para interferir no resultado da decisão final, a requerida alteração, mostra-se dispensável.
Constitui a prática de um acto inútil, logo ilícito, como decorre do disposto no artº 130 do CPC.
Assim sendo, não merce censura a decisão recorrida, pelo facto de omitir na matéria de facto provada, a factualidade constante dos artºs. 12 a 17 da contestação.
Pelo que, improcede o recurso nesta sede.
*
Defendeu a Recorrente que deveria ter ficado provado que “a obra realizada não excedeu, quanto ao seu objecto essencial, a deliberação tomada pelo condomínio, tendo, apenas e tão somente, excedido o montante nela fixado, embora tal se tivesse devido à já invocada deficiência do caderno de encargos e respectivo mapa de quantidades. Já que para a reparação pretendida pelos condóminos foram necessárias maiores quantidades do que as inicialmente previstas e outros trabalhos de base que não estavam, igualmente, contemplados.”
Opôs-se a Recorrida a esta pretensão.
Cumpre decidir:
A versão do texto que se pretende aditar à factualidade assente, na parte sublinhada, mostra-se eivada de juízos conclusivos e de valor. A factualidade que interessa à decisão a proferir, relacionada com o custo da obra (montante aceites pela Recorrida por confronto ao montante pedido pela empreiteira), bem como os trabalhos adicionais efectuados por esta, já se mostra discriminada nos pontos 15 a 17 e 18 e 19. Sendo que, a matéria que consubstancia juízos conclusivos e de valor, não pode integrar a fundamentação de facto da sentença, na medida em que estes impedem a perceção da realidade concreta já descrita7.
Pelo que, também nesta sede, improcede o recurso em análise.
*
Por fim, entende a Apelante que se devem dar como provados, os seguintes factos:
“- Existiam diversas fracções afectadas directamente pelas patologias nas zonas comuns que foram objecto de reparação pela S... & F... aquando da sua intervenção no prédio, afectação, essa, que punha em causa a qualidade de vida e segurança dos condóminos;
- Os trabalhos a mais efectuados tinham natureza urgente;
- Era impossível parar os trabalhos em virtude da referenciada urgência e dos compromissos e responsabilidades assumidas.
- Os preços aplicados aos trabalhos a mais não eram superiores aos praticados no mercado, sendo, até, o aumento de quantidades regido pelos preços já contratualizados.”
Discorda a Recorrida deste entendimento.
Veremos se tal pretensão é admissível:
Argumenta a Recorrente que está em causa a concretização do alegado no artigo 18º da Contestação no que concerne ao aditamento dos primeiros três factos referidos.
Consta do teor do artº 18º da Contestação o seguinte:
“Contudo, tendo em conta a fase da obra em que foram identificadas, a sua natureza, o carácter urgente da empreitada e, bem assim, todos os compromissos que tinham já sido assumidos, não foi possível parar a obra por forma a aguardar uma deliberação da assembleia de condomínio”.
Também aqui é possível constatar que a redação deste artigo é composta por considerações genéricas, conclusivas e juízos de valor, insusceptíveis de ser incluídas na matéria de facto.
A isto acresce que as “concretizações” sugeridas vão além do que foi alegado na contestação.
Nunca a Ré alegou que as patologias detectadas pela empreiteira, punham em causa a qualidade de vida e segurança dos condóminos, nem que os trabalhos a mais efectuados, tinham natureza urgente.
No tocante ao último facto, admite a Ré expressamente que não alegou “directamente essa questão mas tendo a má gestão sido suscitada pelo Condomínio Autor ao longo da sua Petição Inicial, nomeadamente no seu artigo 34º, veio a revelar-se importante dar como provado que os preços aplicados aos trabalhos a mais não eram superiores aos praticados no mercado, sendo, até, o aumento de quantidades regido pelos preços já contratualizados.”
Por força do estipulado no artº 5, nº 2 do CPC, o julgamento da matéria de facto está limitado aos factos articulados pelas partes.
Podia o Juiz do julgamento, se entendesse estar perante factos complementares resultantes da discussão da causa, ter considerado os mesmos na sentença objecto de recurso.
Porém, esta questão não foi suscitada pelas partes no decurso da instrução da causa e, o princípio do contraditório plasmado no artº 5º, nº 2, al. b) in fine do CPC, exige que tivesse sido dado à Autora a possibilidade prévia, não só de se pronunciar sobre o requerido aditamento, mas também de indicar, prova adicional à referida matéria.
Não foi dada esta oportunidade à Autora, pelo que, não pode agora o Tribunal da Relação, introduzir, em violação do referido princípio do contraditório, a nova factualidade como pretendido pela Ré.
Nesse sentido, acolhemos a tese perfilhada pelo Supremo Tribunal de Justiça nos seguintes acórdãos:
- De 03.11.20238, segundo o qual:
“Se determinados pontos não foram alegados pelas partes, nem constam do elenco dos factos provados e não provados constantes da sentença da primeira instância, eles são insusceptíveis de constituir o objecto de impugnação da decisão de facto dirigida a aditá-los à factualidade provada.”
- De 07.12.2023, que decidiu o seguinte:
“A possibilidade de serem considerados factos não alegados pelas partes que resultaram da instrução da causa, nos termos do artº 5º, nº 2 do CPC, exige que ambas as partes tenham tido a possibilidade de se pronunciar sobre os factos aditados, o que inclui a possibilidade de se pronunciar sobre os factos aditados, o que inclui a possibilidade de produzir prova e contraprova sobre eles.
Essa possibilidade só pode ser proporcionada se o Tribunal, antes de proferir sentença, sinalizar às partes os factos que, apesar de não terem sido por elas alegados, se evidenciaram na instrução da causa e sejam relevantes para a decisão da mesma, permitindo que estas se pronunciem sobre eles e concedendo-lhes prazo para indicarem os meios de prova que pretendam produzir, relativamente aos factos aditados ao objecto do litígio.”
No caso em pareço, por não ter sido assegurado o contraditório na primeira instância, não é permitido ao Tribunal da Relação valorar a prova indicada pela Recorrente e decidir que a factualidade respectiva se encontra provada, procedendo ao requerido aditamento.
Pelo que, não sendo permitido ao Tribunal da Relação a inserção de novos factos não alegados pelas partes e não contraditados, nem se vendo como indispensável a requerida ampliação nos termos do disposto no artº 662, nº 2, al. c) do CPC, improcede o recurso da Apelante, nesta parte.
*
Fundamentação de Facto em 2ª Instância:
A decisão da matéria de facto não foi alvo de modificação.
Apenas a factualidade tida como assente pela Mmª Juiz “a quo” pode fundamentar a solução jurídica do litígio.
*
De Direito:
Erro na decisão sobre a matéria de direito (alegado):
Apreciado o presente recurso, conclui-se que o mesmo assenta em fundamentos jurídicos que pressupunham a alteração da decisão sobre matéria de facto.
Ora, tendo em consideração o insucesso de tal pretensão e, verificando-se que o Tribunal recorrido procedeu a um correcto enquadramento jurídico da temática da responsabilidade civil prevista nos artigos 483.º, 562.º e 563.º do Código Civil, é evidente que a Ré Recorrente, ao anuir na realização de obras que não se encontravam orçamentadas, o que levou a um acréscimo do preço que tinha sido deliberado em assembleia, excedeu os poderes que lhe tinham sido atribuídos, ficando, para o efeito, e nos termos do art. 798.º 563 do Código Civil, constituída na obrigação de indemnizar o condomínio pelo prejuízo sofrido. Prejuízo esse, equivalente ao custo acrescido que o condomínio teve de suportar em resultado da atuação indevida da Ré, independentemente dos benefícios que daí tenham resultado para o prédio.
Não merecendo censura o enquadramento jurídico, fica prejudicada a apreciação do mérito da acção, nos termos do art. 608.º, n.º 2, “ex vi” do art. 663º, nº 2, do CPC).
*
A responsabilidade tributária inerente incidirá sobre a Apelante, que decaiu integralmente na respectiva pretensão (cfr. artº 527, nºs 1 e 2 do CPC).
*
IV – Decisão
Pelo exposto, atentas as disposições legais citadas e as considerações expendidas, as Juízes da oitava secção deste Tribunal de recurso, julgam improcedente o mesmo e, em consequência, confirmam a sentença recorrida.
Custas pela Apelante (art. 527 nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil).
Notifique.
*
Lisboa
Marília Leal Fontes
Cristina da Conceição Pires Lourenço
Maria Teresa Lopes Catrola

1. Por mim elaborado, enquanto relatora, cfr. art.º 663º nº 7 do Código de Processo Civil
2. Neste sentido cfr. GERALDES, Abrantes António, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 5ª Edição, Almedina, 2018, págs. 114 a 116.
3. Neste sentido cfr. GERALDES, Abrantes António, in “Opus Cit.”, 5ª Edição, Almedina, 2018, pág. 116.
4. In “Recursos em Processo Civil, 7ª Edição, Almedina, págs. 197 e 198
5. In www.dgsi.pt
6. In www.dgsi.pt.
7. Neste sentido, “vide” também o Acórdão do TRG de 16.03.2023, Proc. 1262/20.2T8GMR.G1 in www.dgsi.pt
8. In www.dgsi.pt