CASAMENTO
ANULAÇÃO
SIMULAÇÃO
ERRO-VÍCIO
CESSAÇÃO DO VÍCIO
CADUCIDADE DO DIREITO DE ACÇÃO
Sumário

I- A simulação caracteriza-se por uma falta de correspondência entre a vontade declarada e a vontade real, mas distingue-se de outros vícios da vontade porque na simulação existe acordo entre declarante e declaratário, donde, não sendo alegada a existência de um acordo entre os nubentes mas apenas a divergência entre a vontade real e a declarada de um deles, não estamos em presença de um casamento simulado.
II- Não se podendo fundar, por isso, a anulação do casamento na existência de um casamento simulado não é aplicável o prazo de caducidade da ação previsto no art.1644.º do Código Civil.
III- Sendo invocado em sustentação do pedido de anulação do casamento que a ré, contrariamente ao autor, não pretendia um verdadeiro casamento com os efeitos inerentes, desde logo, constituir família, mas antes, através dele, conseguir proveitos económicos, enriquecer, obter autorização de residência e divorciar-se, tudo de acordo com um plano que traçou antes do casamento e que está a executar, deve ser convocado, como fundamento da anulação, o erro que vicia a vontade previsto no art.1636.º do C.C..
IV- O prazo de caducidade da ação fundada nesse erro é de seis meses a contar da cessação do vício, por aplicação do art.1645.º do C.C.
V- A cessação do vício corresponde ao momento em que o autor deixou de estar em erro sobre as alegadas intenções da ré, o que, no caso, face à específica configuração da ação, ocorre quando toma conhecimento do invocado plano da ré, contando-se daqui o prazo de caducidade de seis meses.
VI- Não litiga de má-fé a parte que, em ação de anulação de casamento, exceciona a inaplicabilidade da lei portuguesa com base no disposto no art.49.º do Código Civil, mas admitiu a aplicação dessa lei na ação de divórcio que instaurou por via da aplicação dos artigos 52.º e 55.º daquele código.

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

I-Relatório
1- A…, instaurou contra R…, ação de anulação de casamento civil, pedindo que seja anulado o casamento que contraiu com a ré e que esta seja condenada a pagar-lhe uma indemnização não inferior a €150.000,00.
Alegou, aqui sumariamente, que as partes contraíram casamento civil, no dia … de Julho de 2016 nas ilhas M…; veio a aperceber-se que a ré não visava a constituição de uma relação conjugal e de família mas “um aproveitamento pessoal, monetário e de residência na europa, através de um enlace concreto mas ilícito e viciado nos pressupostos”, “culminando com o objetivo de garantir uma autorização de residência, nacionalidade e posição estável em Portugal, através do matrimónio;” e “contraiu casamento com o A. sob manifesto vício de pressupostos, reserva mental e de forma absolutamente simulada e absolutamente invalidante erro que viciou a vontade de casar, determinante, e sobre qualidades essenciais da R., e mantidas ocultas daquele” e “nunca o A. haveria contraído matrimónio ou encetado um putativo projeto familiar com alguém com tão baixas qualidades morais, e afetivas.”
2- Contestou a ré invocando, entre outras exceções, a caducidade do direito do autor pedir a anulação do casamento, porquanto, o autor invoca factos ocorridos antes de 2020 ou neste ano e já haviam decorrido mais de três anos sobre a data do casamento aquando da propositura da ação.
3-O autor respondeu à matéria das exceções, pugnando pela respetiva improcedência e, quanto à caducidade, invocando que alegou na petição que “E o momento (no dizer da p.i., neste ano, ou seja aquele em que os presentes autos deram entrada, 2021) em que essas testemunhas e terceiros devidamente identificados deram conhecimento ao A.” e só este último momento releva para qualquer putativa caducidade. Pediu a condenação da ré como litigante de má-fé.
4- Em seguida foi proferido saneador-sentença que termina com o seguinte dispositivo:
“Assim, e nos termos do disposto nos artigos 1635.º e 1644.º do Código Civil, bem como no disposto nos artigos 576.º, n.º 1 e 3 e 579.º do Código de Processo Civil, julgo verificada a excepção peremptória de caducidade do direito de acção de anulação do casamento, absolvendo assim a R. do pedido deduzido pelo A.”

5- No mesmo saneador-sentença foi ainda decidido o seguinte:
“A. Relativamente à questão da lei portuguesa ser ou não aplicável, não se está perante uma qualquer questão de nulidade ou sequer de erro na forma de processo.
Em bom rigor, impõe referir-se que nas relações entre cônjuges e no divórcio, é aplicável a lei nacional comum aos cônjuges – arts. 52.º e 55.º do Código Civil, sendo que não tendo os cônjuges a mesma nacionalidade, é aplicável a lei da residência habitual comum – art.º 52.º, n.º 2 e 55.º, n.º 1 do Código Civil.
Assim, o A. ao ter intentado a presente acção, invocando o Direito substantivo Português, não cometeu qualquer erro. O que aliás, a R. não pode desconhecer, dado que, em momento anterior à propositura dos presentes autos, foi ela quem instaurou acção de divórcio contra o aqui A., também no Tribunal de Família e Menores de C…, - e que corre termos no J… -, e, do que nos é dado a ver, a aqui R., não invocou na acção de divórcio, qualquer preceito de Direito do G… ou de M….
Ao invés, invocou como fundamento para o divórcio o disposto no art.º 1781.º, als. a) e d) do Código Civil e, nos artigos 68.º e 69.º do articulado por si apresentado, alega mesmo que o Direito aplicável será o Direito português por ser o da residência comum dos cônjuges.
Pelo que, ao invocar o que invocou nos presentes autos, contrariando assim o que afirmou primeiramente na outra acção, incorreu numa clara manobra de litigância de má-fé, na medida em que alegou o que sabia ser contrário à verdade e ao Direito. – art.º 542.º, n.º 1 e n.º 2, als. a) e d) do Código de Processo Civil.
Pelo que, condeno a R., nesta parte, como litigante de má-fé, em 2 UC´s de multa.”
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6 -O autor recorreu da decisão referida em 4, recurso que termina com as seguintes conclusões:
A. O presente recurso reporta-se à decisão proferida pelo Tribunal a quo, prolatada em 11.11.2024, e na qual a Mm.ª julgadora - de acordo com o despacho-sentença antecedente -, decidiu pela procedência de excepção de caducidade do direito de acção, sem cuidar contabilizar o período de legal decretamento da suspensão dos prazos processuais, de caducidade e afins e omitiu pronúncia sobre o pedido de chamamento do Ministério Público, para efeitos da matéria controvertida nos autos, nos termos constantes do articulado inicial (artigos 103.º e ss.), no sentido deste exercer a legitimidade que também lhe é própria.
B. É, assim, absolutamente necessária a reversão desta decisão ilegal.
C. A decisão ora recorrida, é incompreensível, errada, ilegal e injusta, porquanto nos
autos o aditamento à queixa-crime em que o Recorrente demonstra o conhecimento dos factos às autoridades através de aditamento à queixa crime de 11 de fevereiro de 2021, e não qualquer “queixa crime de 2020”, conforme documento n.º 7 junto com a p.i.;
D. Tal evidencia que a sentença recorrida erra crassamente ao concluir que os factos
ocorridos e a considerar se confundem com quaisquer factos que deram origem à queixa crime original e “...cujos números de processo são do ano de 2020,...”, mas que conheceram vários (salvo erro, pelo menos sete) aditamentos sucessivos, como demonstra o documento n.º 7 com a p.i. inequivocamente.
E. Acresce que para efeitos da contagem de prazo de caducidade, e dos 6 (seis) meses
após a data de conhecimento dos factos que determinam o erro e logro em que a Recorrida manteve o Recorrido, não cuida sequer a Mm.ª julgador considerar o disposto nas sucessivas Leis que, durante o período de pandemia por Sars-Cov2 (Covid19) determinaram a suspensão dos prazos judiciais, designadamente aqueles de caducidade, conforme detalhamos no corpo das presentes alegações.
F. Designadamente o disposto no ns.º 1, 3 e 4 do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 03-
19, que aprovou as medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, e a especial e prioritária suspensão de todos os prazos judiciais, processuais e de caducidade.
G. Prevendo o legislador no n.º2 deste mesmo artigo que “...O regime previsto no presente artigo cessa em data a definir por decreto-lei, no qual se declara o termo da situação excecional. ...”, esta cessação operou sob a forma de Lei, publicada sob o n.º 13-B/2021, de 05 de abril, que veio exatamente determinar a cessação do regime de suspensão de prazos processuais e procedimentais adotado no âmbito da pandemia da doença COVID-19, alterando precisamente a Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março.
H. Esta Lei, no seu artigo 5.º veio exatamente dispor que tais prazos (que nos autos não começaram sequer a correr, por efeitos da disposição citada anteriormente) “...são alargados pelo período correspondente à vigência da suspensão. ...”;
I. Ora, tendo entrado em vigor em 06 de abril de 2021, e tendo os factos ocorrido em
data em que qualquer caducidade se encontrava suspensa, salvo melhor opinião a decisão recorrida não poderia ter o sentido que teve, mas tão somente e apenas o sentido exatamente contrário.
J. Venerandos Desembargadores, a decisão tal como foi tomada contraria frontalmente a Lei e o conceito e princípio da tutela jurisdicional efetiva, direito fundamental
previsto na Constituição da República Portuguesa (CRP) que implica, em primeiro lugar, o direito de acesso aos tribunais para defesa de direitos individuais, não podendo tal acesso ser obstaculizado ou dificultado de forma não objetivamente exigível.
K. Mais exige que o tribunal a quo garanta às partes um direito a um processo equitativo (artigo 20.º, n.º 4 da CRP), dentro de um quadro legalmente fundamentado. Tudo o
que, sempre com o devido respeito e distância, não sucede com a sentença ora recorrida e que cumpre reverter.
L. Notem os Venerandos Desembargadores que a realidade e os factos indesmentíveis
demonstram que o Recorrente só soube das intenções ocultas e logro perpetrado pela Recorrida aquando da revelação pelas testemunhas identificadas no documento n.º 7, e que levou de imediato esses factos ao conhecimento das autoridades em fevereiro de 2021, data em que quaisquer prazos de caducidade estavam legislativamente suspensos.
M. Interpôs os presentes autos em 04 de outubro do mesmo ano, sendo que a Lei que
determinou a cessação (e alongamento) de qualquer prazo de caducidade (Lei m.º 13- B/2021, de 05.04) foi publicada a 05 de abril, com entrada em vigor a 06.04.2021.
N. É impossível e errado concluir-se legalmente por qualquer caducidade do direito de acção nos autos, e requer-se aos Venerandos Desembargadores operem superiormente pela reversão desta irregularidade jurídica de imediato.
O. Acresce ainda que, com a decisão aqui recorrida, o Tribunal a quo não se pronunciou sequer sobre a legitimidade do Ministério Público e invocação pelo Recorrente em
sede dos artigos 102.º e ss para efeito da legitimidade que sobre este impende, designadamente face à situação de fraude e de permanência em território português por parte da Recorrida o que, salvo melhor opinião, constitui uma grave omissão de pronúncia por parte do Tribunal em face à gravidade dos factos, e que viola o princípio da obrigação de decisão.
P. A decisão da Mm.ª juiz nos autos não se limita a errar na aplicação do Bom Direito: na realidade acresce que para além de desconsiderar em absoluto toda a segunda parte da exposição do Recorrente, viola os elementares princípios e disposições legais que nos protegeram a todos durante a nefasta pandemia.
Q. Viola, por conseguinte, a decisão recorrida viola frontalmente pelo menos os artigos 1635.º e 1644.º ambos do Código Civil; o disposto nos artigos 576.º, n.ºs 1 e 3, 579.º e art. 615°/1/d, todos do Código de Processo Civil, e ainda o disposto no artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020 de 19.03 e no artigo 5.º da Lei n.º 3-B/2021 de 05.04, o que não se pode admitir e não admite, requerendo-se de V.ªs Ex.ªs se dignem proferir Douta decisão superior que revogue a decisão anterior e substituindo-a por outra que declara a sua tempestividade, fazendo dessa forma Boa, e Sã, Justiça o que expressamente e para todos os efeitos se requer!
R. Acresce para os efeitos do presente recurso que as partes nos autos, atentas as divergências que inviabilizam qualquer vida em comum, têm a correr competentes acções para a dissolução matrimonial, instâncias essas que, atenta a prejudicialidade da questão controvertida nos presentes autos, determinaram que as respetivas acções fossem suspensas até decisão final proferida nos presentes autos.
S. Conforme decorre também da sentença recorrida, ordenou a Mm.ª juiz a quo que “...Informe-se o processo de divórcio que corre termos no J… do… Tribunal de Família e Menores, entre as mesmas partes. ...” o que, seguramente, e com graves efeitos para o Recorrente e para a economia processual emanante, não deve ser permitido pelos Venerandos Desembargadores, mais se requerendo seja conferido efeito suspensivo ao presente Recurso.
T. Conforme se retira de toda a alegação nos autos, a sentença recorrida e a decisão
impõem liminarmente um pesado ónus, e uma tremenda injustiça ao Recorrente. Se os efeitos suspensivos não forem decretados ao presente recurso – o que não se concebe atenta a infinita sapiência e sensibilidade dos Venerandos Desembargadores -, é certo que a Recorrida apossar-se-à de quaisquer montantes que obtenha nos processos de dissolução do matrimónio, para prejuízo do Recorrente e dos seus filhos.
U. Alegado e comprovado pelo Recorrente a manifesta inexistência de fundamento legal e fáctico para provimento da presente acção na forma da sentença recorrida, considerando a natureza e dificuldades demonstradas nos autos, o Recorrente mais requer sejam atribuídos efeitos suspensivos nos autos, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 647.º do CPC, sem obrigação de prestação de caução nos autos, até prolação de Acórdão definitivo e transitado em julgado.
V. O que não se pode admitir, requerendo-se de V.ªs Ex.ªs se dignem proferir Douta decisão superior que revogue a decisão anterior e substituindo-a por outra que declara a sua tempestividade, fazendo dessa forma Boa, e Sã, Justiça o que expressamente e para todos os efeitos se requer!
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7- A ré recorreu do despacho referido em 5) na parte atinente à condenação como litigante de má-fé, terminando com as seguintes conclusões:
I. A Douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo carece de fundamento de facto e de direito ao condenar a Ré aqui Recorrente como litigante de má-fé, não sendo conforme ao disposto no artigo 542.º do Código de Processo Civil.
II. A Recorrente, no divórcio, invocou a lei portuguesa como a lei aplicável ao divórcio, nos termos do artigo 52.º, ex vi do artigo 55.º, ambos do Código Civil, que estabelece que o divórcio e as relações entre os cônjuges são reguladas pela lei nacional comum, sendo que, não tendo os cônjuges a mesma nacionalidade, é aplicável a lei da sua residência habitual comum, neste caso, a lei portuguesa.
III. O invocado artigo 52.º, ex vi do artigo 55.º, ambos do Código Civil, é referente às relações entre cônjuges e ao divórcio.
IV. Nestes autos, e como fundamento para a não aplicabilidade da lei portuguesa, a Recorrente invocou, não aquele normativo, mas sim o artigo 49.º do Código Civil, que é aplicável ao regime da falta e de vícios da vontade dos contraentes.
V. Nos presentes autos discute-se, não o divórcio ou as relações entre os cônjuges, mas sim a validade do matrimónio de dois estrangeiros, com base em alegados vícios da vontade, alegando o Autor que o matrimónio “não passava de uma fabricação”.
VI. Não peticiona o Autor que seja decretado o divórcio (que o Autor, aliás, nunca aceitou), mas sim a anulabilidade do casamento, com base em alegados vícios da vontade.
VII. A Recorrente não alegou a mesma matéria de direito em ambas as acções, contrariamente ao que entendeu o Tribunal a quo.
VIII. Limitou-se a exercer um direito processual e constitucional que lhe assiste – o direito ao contraditório.
IX. A Recorrente não agiu com dolo, ou mesmo negligência grave.
X. Não deduziu pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar, tendo fundamentado as suas alegações, de facto e de direito, nem fez do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
XI. Assim, deverá ser revogada a Douta Sentença, na parte que condena a Recorrente como litigante de má-fé, com todas as consequências legais.”

8- Contra-alegou a ré no recurso do autor dizendo “De resto, não assiste ao Recorrente qualquer razão, uma vez que, efectivamente, se verifica a caducidade do direito de acção, conforme Doutamente Decidido pelo Tribunal a quo.”
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Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir
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Objeto do recurso/questões a decidir:
Sendo o objeto dos recursos balizado pelas conclusões apresentadas, nos termos conjugados dos arts.635.º n.º4 e 639.º n.º1 do CPC, sem prejuízo das questões de que o tribunal possa conhecer oficiosamente (art.608.º, n.º 2, in fine, em conjugação com o art. 663.º, n.º 2, parte final, ambos do CPC), prefiguram-se no presente caso as seguintes questões a decidir: 
A- recurso do autor:
- omissão de pronúncia do tribunal a quo quanto à pedida intervenção do Ministério Público nos autos, qualificação desse eventual vício e respetivas consequências.
- erro de julgamento quanto à verificação da caducidade do direito pelo decurso do prazo.
B- recurso da ré
- saber se a ré litigiou de má-fé ao invocar a exceção de inaplicabilidade da lei portuguesa à presente ação.

II- Fundamentação
2.1- Fundamentação de facto:
Os factos que importam à decisão são os acima referidos constantes do relatório e, ainda:
1. O autor, na petição inicial alegou o seguinte:
“103. Conduta esta que para mais também se enquadra num tipo legal de crime, conforme o disposto no art.º 186.º da Lei nº 23/2007, de 4/07 (que aprovou o regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional)1 , na redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 28/2019, de 29 de março),
104. Tendo já sido à data de entrada da presente acção também oficiado o Ministério Público para efeitos de (i) exercer litisconsórcio voluntário e ocupar posição nos presentes autos em defesa do interesse público, e para efeitos de (ii) prossecução da competente acção penal.
 105. O que desde já se requer seja valorado para os devidos efeitos nos presentes autos.”
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2.2-Fundamentação de direito:
A- recurso do autor
2.2.1 -Nulidade da decisão por omissão de pronúncia 
Embora sem a qualificar como nulidade de sentença o autor invoca na conclusão A) do recurso que o tribunal a quo omitiu pronuncia sobre o pedido de chamamento do Ministério Público e na conclusão O) volta a dizer que o tribunal não se pronunciou sobre a legitimidade do Ministério Público face à invocação feita nos arts.102.º e seguintes da petição inicial.
Vejamos:
O autor recorre do saneador sentença na parte, como é evidente, que lhe foi desfavorável, ou seja, quanto à procedência da exceção de caducidade. E é em relação à decisão recorrida que eventual nulidade da mesma por omissão de pronuncia deve ser configurada em primeira linha.
O art.615.º do CPC no seu n.º1 diz que é nula a sentença quando: a) não contenha a assinatura do juiz;
b) não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade que torne a decisão ininteligível;
d) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) o juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
Por seu turno, o n.º4 desse artigo diz-nos que as nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades. 
No caso concreto, a entender-se que a omissão que vem invocada se referiria à decisão recorrida, a nulidade convocava a al. d) do n.º1 do art.615.º. do CPC, da qual decorre que se verifica nulidade da sentença se o juiz deixar de se pronunciar sobre “questões” que devia apreciar. É pacífico que a nulidade só se verifica quando o juiz não aprecie “questões”, não correspondendo estas a toda e qualquer argumento das partes ou a toda ou qualquer razão apresentada em sustentação da pretensão deduzida. Como se escreve no sumário do AC. TRL de 6.6.2024 (José Manuel Monteiro Correia) “A nulidade em apreço está conexionada com o disposto no n.º 2 do art.º 608.º do CPC, segundo o qual deve o juiz, na sentença, resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Do que se trata aqui é, como decorre dos normativos legais supra transcritos, de uma ‘omissão de pronúncia’ do tribunal relativamente a “questões” de que devesse conhecer, o que afasta, por conseguinte, a não consideração de simples argumentos, razões ou juízos valor aduzidos pelas partes em suporte da solução que preconizam para a concreta questão em litígio. Como referia José Alberto dos Reis, “[s]ão, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte”. (acessível em www.dgsi.pt).
Por outro lado, há que distinguir entre as nulidades da sentença, a que respeita o art.615.º do CPC e as nulidades processuais previstas no art.195.º do CPC, umas e outras com um regime de arguição próprio, as primeiras em decorrência do n.º4 do art.615.º só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a decisão se a mesma não admitir recurso e as segundas, a arguir em conformidade com o disposto nos art.196.º a 199.º do CPC, ou seja, perante o tribunal que profere a decisão (ou omitiu o acto devido) e não em via de recurso.
No caso dos autos a omissão de pronuncia invocada, em rigor, não é apontada à decisão recorrida, mas traduz-se numa alegada omissão de pronúncia relativamente a uma questão autónoma face à questão que foi apreciada relativa à caducidade do direito do autor pedir a anulação do casamento. Tratar-se-ia, assim, de uma nulidade processual por não ter o tribunal recorrido tomado posição sobre aquilo que o autor entende ser “chamamento do Ministério Público”, chamamento que alia à legitimidade deste. Ora, sendo a omissão referenciada à falta de decisão sobre esse “chamamento”, o qual, a ter sido deduzido enquanto tal, impunha decisão anterior à prolação do despacho saneador, e a ser admitido, impunha a citação do assim chamado à ação, é evidente que tal eventual omissão não se pode reconduzir a omissão de pronuncia do art.615.º n.º d) do CPC, porque não está em causa a falta de pronuncia do tribunal sobre qualquer questão atinente e/ou conexa com a exceção de caducidade que foi resolvida. Donde, a dita omissão reporta-se a eventual nulidade processual prévia por falta de decisão sobre o que vinha invocado no art.102.º e segs, da petição, - que o autor entende ser um chamamento à ação do Ministério Público - cuja arguição não cabe neste recurso e haveria de ter sido invocada nos termos do art.195.º e segs. Diga-se, contudo, que contrariamente ao que vem propugnado, o autor não formulou no petitório final da petição inicial, cujo pedido concreto que foi feito é o que indicado ficou no relatório supra, qualquer chamamento do Ministério Público à ação, pelo que, o que vem dito no art.102.º e segs. não foi traduzido em qualquer pedido concreto nem na dedução de qualquer incidente de intervenção de terceiros, sendo certo que não decorre do invocado art.186.º da Lei 23/2007 de 4.7., qualquer legitimidade para o Ministério Público intervir nesta ação, legitimidade que teria que buscar-se no regime da ação de anulação e dos fundamentos da mesma, embora, à margem de qualquer sustentação legal, o autor se refira no art.104.º da p.i., à figura do litisconsórcio voluntário.
Assim, inexiste qualquer omissão de pronuncia na decisão recorrida que a inquine de nulidade, reconduzindo-se a omissão invocada a eventual nulidade processual cujo conhecimento não cabe no recurso da decisão que julgou procedente a exceção de caducidade do direito de pedir a anulação do casamento.
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2.2.2- Caducidade do direito de anulação do casamento/erro de julgamento
No mais o recurso do autor insurge-se contra a decisão recorrida por entender que não se verifica o decurso do prazo para requerer a anulação do casamento, tendo o tribunal recorrido errado ao considerar esgotado tal prazo, aduzindo a respeito que o aditamento à queixa crime é de 11.2.2021 e que o tribunal a quo não atendeu à suspensão dos prazos decorrentes das chamadas “Leis Covid”.
A decisão recorrida analisou a questão nos seguintes termos:
“Relativamente a esta questão, impõe ter-se presente o que o A. invoca como fundamento para a acção de anulação.
Ora, como já vimos supra, o A. invoca a “sua situação matrimonial não passava de uma fabricação consciente construída ao longo do tempo pela R.”, “As condutas da R. foram premeditadas há longo tempo; Foram e são deliberadas e concertadas de acordo com objectivos pessoais sórdidos, e apenas constantes de um projecto de vida individual e pessoal”, “E que resultaram na materialização com o A. de um casamento simulado e consentimento absolutamente viciado por parte da R.”, “Visando, sempre e desde o início, um aproveitamento pessoal, monetário e de residência na Europa, através de um enlace concreto mas ilícito e viciado nos pressupostos.”. Invoca também comportamentos da R., como sua mulher e mãe dos filhos em comum, que no seu entender, serão crimes perpetrados contra si e contra as crianças, havendo inclusivamente processos de inquérito-crime, ambos de 2020 e processos de promoção e protecção iniciados em benefício das crianças, também em 2020, o que seria revelador das verdadeiras intenções da R. relativamente ao A.
Isto é, por um lado, o A. invoca que o seu casamento não passou de um plano interesseiro da R., com vista a enriquecer à sua custa e obter outros benefícios e, por outro, que o comportamento da R., na pendência do casamento, é fundamento para a anulação do mesmo e que, caso ele A., soubesse dessas intenções, nunca teria casado com a R.
Vejamos se assim é.
Dispõe o artigo 1635.º do Código Civil,
“O casamento é anulável por falta de vontade:
 a) Quando o nubente, no momento da celebração, não tinha a consciência do acto que praticava, por incapacidade acidental ou outra causa;
b) Quando o nubente estava em erro acerca da identidade física do outro contraente;
c) Quando a declaração da vontade tenha sido extorquida por coacção física;
d) Quando tenha sido simulado.
Ora, é a previsão da al. d) – a simulação - que o A. invoca ao referir que o seu casamento foi simulado, na medida em que a R. só pretendeu casar-se consigo por motivos financeiros e de aquisição de nacionalidade, não pretendendo uma verdadeira união conjugal.
Contudo, relativamente a esta matéria há que ter presente a opinião da doutrina, relativamente ao casamento simulado, segundo a qual: “Mesmo que os cônjuges casem determinados por razões que não o estabelecimento de uma plena comunhão de vida (como evitar a solidão; adquirir estatuto social e patrimonial confortável; obter nacionalidade estrangeira, etc.), caso se disponham a esta comunhão de vida e ela venha a verificar-se, o casamento não será simulado.” In Código Civil Anotado, Livro IV Direito da Família, sob a Coordenação de Clara Sottomayor, Almedina, 2020, pág. 163, entendimento também perfilhado por Guilherme de Oliveira, in Manual de Direito da Família, Almedina, 2.ª Edição, 2021, pág. 87. Já o art.º 1636.º do Código Civil também é relevante, na medida em que o A. invoca que caso soubesse das verdadeiras intenções da R., jamais teria casado com a mesma.
Dispõe tal preceito:
“O erro que vicia a vontade, só é relevante para efeitos de anulação quando recaia sobre qualidades essenciais da pessoa do outro cônjuge, seja desculpável e se mostre que sem ele, razoavelmente, o casamento não teria sido celebrado.”
A este propósito, e na anotação ao artigo, constante do Código Civil Anotado, Livro IV Direito da Família, sob a Coordenação de Clara Sottomayor, Almedina, 2020: “O erro deve referir-se a circunstâncias contemporâneas à celebração do casamento, uma vez que o que se pretende é a sua anulação devido à existência de um vício que afectou a sua formação (e não a sua dissolução posterior).” e “tem de recair sobre as qualidades essenciais do outro nubente; tem de ser próprio, desculpável e subjectiva e objectivamente essencial”. No que respeita às qualidades essenciais, “estas não podem ser transitórias ou acessórias e têm de ser idóneas para determinar o nubente na sua decisão de se casar. “Podem ser naturais (físicas e psíquicas – como por exemplo, deformidades físicas graves, impotência, doenças infectocontagiosas ou transmissíveis geneticamente) ou morais ou de carácter (como prática de crimes ou desonestidade nos negócios), como jurídicas (estado civil; situação de insolvência, estado religioso, nacionalidade, etc).”
Daqui, rapidamente concluímos que a doutrina é bastante exigente relativamente a este erro que vicia a vontade, não sendo assim todo e qualquer erro, atendível, nem mesmo os defeitos do outro, excepto se os mesmos recaírem em situações como as supra descritas, ou análogas.
Também não contam as mudanças ocorridas nas pessoas após o casamento (tal pode ser fundamento de divórcio, mas não de anulação do casamento).
Dispõe o art.º 1640.º do Código Civil:
 “1. A anulação por simulação pode ser requerida pelos próprios cônjuges ou por quaisquer pessoas prejudicadas com o casamento.”, sendo que no caso dos autos, a acção foi instaurada pelo cônjuge-marido.
Por seu turno, dispõe o art.º 1644.º do Código Civil: “A acção de anulação por falta de vontade de um ou ambos os nubentes, só pode ser instaurada dentro dos três anos subsequentes à celebração do casamento ou, se este era ignorado do requerente, nos seis meses seguintes ao momento em que dele teve conhecimento.”
Ora, tendo as partes casado em Julho de 2016 e tendo a acção sido interposta em Outubro de 2021, dúvidas não temos de que já, há muito, havia decorrido o prazo de 3 anos previsto na lei – em Julho de 2019 -, estando assim caducado o direito de interpor a acção, previsto na primeira parte do artigo.
Posto isto, impõe-se saber se o Autor só tomou conhecimento da falta de vontade da R. - à data da celebração do casamento - numa vida conjugal plena, nos 6 meses anteriores à interposição da acção.
Note-se que relativamente a esta matéria, não podemos avançar sem deixar, desde já, de referir que há quem considere que o prazo de 6 meses previsto na última parte do artigo, não é sequer aplicável aos próprios nubentes.
É assim importante ter conhecimento da doutrina de Sónia Moreira e Isabel Menéres Campos, na anotação ao artigo 1644.º do Código Civil, na obra já anteriormente citada, pág. 168, onde referem mesmo que para os cônjuges há um único prazo de caducidade de 3 anos após o casamento, sendo que o prazo adicional de 6 meses, contado a partir do momento em que o Requerente teve conhecimento da falta de vontade de um ou de ambos os cônjuges, é um prazo adicional, só para terceiros, para que estes terceiros não se vejam prejudicados pelo casamento simulado.
Não obstante o que acabou de se referir, e porque a lei não é absolutamente clara sobre este aspecto, impõe-se aferir se, por hipótese, podendo um dos nubentes beneficiar de tal prazo de 6 meses após o conhecimento da falta de vontade por parte do outro nubente, se, relativamente ao aqui A., o prazo já havia ou não decorrido. Vejamos.
Da análise da petição inicial, e não obstante o extenso articulado, retiramos que os factos que o A. invoca relativamente ao comportamento da R, quer para consigo, quer para com os filhos comuns, e que considera reveladores da falta de vontade da R. num casamento verdadeiro, são factos que até foram objecto de queixa-crime, cujos números de processo são do ano de 2020, sendo que a petição inicial dos presentes autos é de Outubro de 2021, pelo que, não pode agora o A. invocar que só tomou conhecimento dos mesmos, 6 meses antes da propositura, o que, diga-se em abono da verdade, o A. não ousou sequer afirmar na petição inicial. Sendo que, ao invés, ao longo de todo o articulado inicial, o A. foi descrevendo comportamentos que descreve como interesseiros e censuráveis da R. (na perspectiva do A.), praticamente desde finais de 2019 e ao longo de todo o ano de 2020, ao ponto de o terem feito deduzir as queixas-crime que deduziu contra a mesma, nesse mesmo ano de 2020.
Pelo que, também de acordo com a parte final do disposto no art.º 1644.º do Código Civil, e se considerarmos que o mesmo pode ser aplicável ao nubente A., o direito de acção já tinha caducado há muito para além dos 6 meses após o conhecimento do A. do alegado plano da R., porquanto a acção foi apenas instaurada em Outubro de 2021.
Pelo exposto, impõe-se concluir que o direito de acção de anulação do casamento civil, há muito que havia caducado, aquando da propositura da presente acção.”
O tribunal a quo entendeu que o recorrente fundava o pedido de anulação numa situação de simulação por parte da ré, face ao que havia sido invocado na petição pelo autor e, também, convocou na análise efetuada a existência de erro por parte do autor.
Vejamos, tendo em vista aferir qual o prazo de caducidade que se aplica no presente caso, uma vez que a lei estabelece prazos diferentes consoante o fundamento invocado para pedir a anulação do casamento.
Nos termos do art.1631.º o casamento é anulável quando:
a)Contraído com algum impedimento dirimente;
b)Celebrado, por parte de um ou de ambos os nubentes, com falta de vontade ou com a vontade viciada por erro ou coacção;
c) Celebrado sem a presença das testemunhas, quando exigida por lei.
No caso concreto, só pode ser convocada a alínea b) desse artigo.
É o art.1635.º do Código Civil que concretiza, taxativamente, os fundamentos da anulabilidade por falta de vontade (alínea b) do artigo antes transcrito), dispondo o seguinte:
“O casamento é anulável por falta de vontade:
a) Quando o nubente, no momento da celebração, não tinha a consciência do acto que praticava, por incapacidade acidental ou outra causa;
b) Quando o nubente estava em erro acerca da identidade física do outro contraente;
c) Quando a declaração da vontade tenha sido extorquida por coacção física;
d) Quando tenha sido simulado.
Relativamente a esse normativo, apenas poderia ser convocada, em face das alegações do autor, que menciona que o casamento foi simulado pela ré, a al. d), onde se prevê o casamento simulado. Note-se que a previsão constante da alínea b) é apenas atinente ao erro acerca da identidade física do outro contraente, e nada vem invocado pelo autor que se reconduza a haver algum erro sobre a identidade física de qualquer dos contraentes do casamento.
Por seu turno, o art.1640.º do CC, diz que:
1. A anulação por simulação pode ser requerida pelos próprios cônjuges ou por quaisquer pessoas prejudicadas com o casamento.
2. Nos restantes casos de falta de vontade, a acção de anulação só pode ser proposta pelo cônjuge cuja vontade faltou; mas podem prosseguir nela os seus parentes, afins na linha recta, herdeiros ou adoptantes, se o autor falecer na pendência da causa.
Donde, no caso de ser invocada simulação, qualquer dos cônjuges pode requerer a anulação.
Contudo, apesar do autor se referir em várias ocasiões do seu articulado inicial a “casamento simulado”, apenas à ré imputa a simulação, pelo que, o autor não invoca nesta ação de anulação uma verdadeira situação que se possa reconduzir ao casamento simulado. A simulação caracteriza-se por uma falta de correspondência entre a vontade declarada e a vontade real, como é comum aos vícios atinentes à falta de vontade, mas distingue-se de outras situações porque na simulação existe acordo entre declarante e declaratário, “Se, por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante, o negócio diz-se simulado.”- art.240.º n.º1 do Código Civil. Embora no casamento simulado, afigura-se-nos, a lei não exija a presença do requisito “no intuito de enganar terceiros”, a simulação não abdica do conluio/acordo entre o declarante e o declaratário, porquanto, é esse acordo que é o elemento distintivo do negócio simulado e permite distinguir o vício que o afeta de outros eventuais vícios da vontade, também, legalmente previstos e, desde logo, das situações de erro. Se um dos nubentes quando declara pretender casar com o outro, o faz com essa vontade real, mesmo que a vontade declarada pelo outro contraente não corresponda à sua vontade real porque não pretende que se produzam com o contrato os seus efeitos jurídicos, tendo outra qualquer intenção, não sendo tal facto do conhecimento da contra parte, não estamos em presença de um casamento simulado. Embora estejamos no âmbito da anulação do casamento a simulação não deixa de ter a sua feição natural, como sublinha Pedro Branquinho Ferreira Dias, “Sobre a legitimidade do Ministério Público para requerer a anulação de casamentos por simulação: o caso particular dos chamados “casamentos brancos”, Julgar Online, 2013, “Na linha da doutrina tradicional1, são seus elementos integradores: a intencionalidade da divergência entre a vontade real e a vontade declarada, o acordo entre declarante e declaratário (acordo simulatório) e o intuito de enganar terceiros. Manuel de Andrade2 , nas suas magistrais lições, falava em «divergência intencional entre a vontade e a declaração, procedente do acordo entre o declarante e o declaratário e determinada pelo intuito de enganar terceiros». Na simulação, as partes acordam em emitir declarações não correspondentes à vontade real, com o fim de enganar terceiros. Na sua génese, encontram-se, pois, declarações negociais queridas, para valer com força vinculativa, mas que não foram sinceras.” (acessível em https://julgar.pt). E como se escreve no Acórdão do TRL de 29.4.1993 (rel. Loureiro da Fonseca)  “o sentido da expressão "casamento simulado" não pode ser outro que não seja aquele em que há falta absoluta de consenso, em que a vontade dos cônjuges não se dirigia à criação do vínculo matrimonial, com os correspondentes direitos e obrigações. Ou como refere o Prof. Varela, obr. citada, pag. 257, "a simulação no casamento consiste especialmente no acordo das partes em se não sujeitarem às obrigações e não exercitarem os direitos que, essencialmente, decorrem do matrimónio". Por conseguinte, deste conceito que se perfilha de "casamento simulado", não é elemento essencial o intuito de enganar terceiros.”.
Desta feita no caso concreto só impropriamente o autor pode falar de simulação, concluindo-se que não é esse o vício que colhe a esta ação, porquanto, é transversal a toda a alegação que o autor não se conluiou com a ré para celebrar o casamento que nenhum queria, antes o autor se apresenta como tendo sido enganado pela ré que, ao contrario de si, não pretendia uma verdadeira união familiar e comunhão de vida.
O art.1644.º do CC estabelece sobre o prazo da ação de anulação fundada na falta de vontade, na qual quadra aquela que tenha por fundamento a simulação, que:
A acção de anulação por falta de vontade de um ou ambos os nubentes só pode ser instaurada dentro dos três anos subsequentes à celebração do casamento ou, se este era ignorado do requerente, nos seis meses seguintes ao momento em que dele teve conhecimento.
O que resulta da interpretação desse artigo é que o prazo para instaurar a ação é de três anos e conta-se da data do casamento. Mas se o casamento  (diz a lei se este) era ignorado do requerente, então o prazo é um prazo diferente de 6 meses a contar do momento em que teve conhecimento da existência do casamento, discutindo-se se esse prazo de seis meses independe da duração que tenha tido o casamento, o que se nos afigura ser o caso, ou se deve ser balizado, não obstante, pelos três anos mencionados na norma. O art.1644.º do C.C. não sofreu alterações e sobre o mesmo escreveram os Professores Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. IV, em anotação ao artigo: “A anulação fundada na falta de vontade, a que se refere este artigo, corresponde aos quatro casos típicos previstos no art.1635.º. O prazo geral de caducidade, a que o direito de anulação se encontra sujeito nesses casos, é de três anos após a celebração do casamento. Findo este prazo, o direito de impugnação, em princípio, caduco. A lei prevê, no entanto, a possibilidade de o requerente ignorar a celebração do casamento. É hipótese que na prática, dificilmente se verificará, em relação a qualquer dos nubentes. Teoricamente, porém, desde que a falta de vontade cobre o caso de o nubente, no momento da celebração, não ter a consciência do acto que praticava, há que contar com a eventualidade prevista na parte final do art.1644.º, mesmo quanto a um dos nubentes. Assim, se evitará o risco da caducidade da anulação antes do nubente ter conhecimento da constituição do vínculo matrimonial. Este prazo de seis meses, posterior á data em que o requerente teve conhecimento da celebração do casamento, só reveste interesse, como é evidente, no caso de o seu termo exceder o período de três anos subsequentes à celebração do casamento.”. De igual forma escreve Cristina M. Araújo Dias, “Algumas Reflexões Sobre o Casamento Civil Simulado”, separata de Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Lebre de Freitas, acessível em https://repositorium.sdum.uminho.pt/ “Verificando-se uma das hipóteses consagradas no art. 1635.°, a anulação só pode ser requerida pelo cônjuge cuja vontade faltou (art. 1640.°, n.º 2), dentro dos três anos subsequentes à celebração do casamento ou, se este era ignorado do requerente, nos seis meses seguintes à data em que dele teve conhecimento (art.1644.°).”
Daqui decorre que a ação de anulação, requerida pelo nubente com conhecimento da celebração do casamento, com fundamento em simulação, caduca no prazo de três anos a contar da data dessa celebração, não acrescendo nenhum outro prazo.
De qualquer forma, em consequência do que acima se deixou dito, não é este o prazo a que se tem que atender nesta ação porque não se aplica o referido normativo, por não ser o fundamento da ação o casamento simulado pelos cônjuges. Mas mesmo que se admitisse tal fundamento, no que se não concede, o prazo de três anos a contar do casamento, esgotou-se em 2019, pelo que, com base em simulação, o direito do autor obter a anulação do casamento estava caducado à data em que instaurou a ação e tal prazo não beneficiou de qualquer suspensão por via das leis que foram publicadas em 2020 para fazer face a tudo o que decorreu da pandemia do coronavírus, posto que já se encontrava esgotado à época. Porém, não é esse o prazo relevante.
Quanto às demais situações de falta de vontade, previstas no n.º2 do art.1640.º a ação só pode ser proposta pelo cônjuge cuja vontade faltou, o que conjugadamente com o disposto no art.1635.º, determina que só pode a ação ser proposta pelo cônjuge que não tinha consciência do acto por incapacidade acidental ou outra, pelo cônjuge que estava em erro sobre a identidade física do outro contraente ou pelo cônjuge sujeito a coação física, tudo situações que não estão em causa  nos autos. E também não está em causa situação que consubstancie coação moral sobre o autor (art.1638.º).
Em face do que o autor alega o fundamento/vício a considerar é o da celebração do casamento em erro sobre qualidades da ré, o que autor também menciona na petição, embora sem particular clareza neste âmbito.
Por outro lado, embora, como se viu, não estejamos em presença de uma ação de anulação do casamento por este ser simulado, daqui não decorre que não possa relevar a “simulação” imputada à ré, ou seja, o facto da mesma, contrariamente ao autor, não pretender um verdadeiro casamento com os efeitos daí decorrentes, mas um fim diferente. Mas tais factos relevarão agora ao nível do erro em que o autor, eventualmente, incorreu aquando do casamento. 
Vejamos mais detalhadamente:
O art.1645.º do C.C. que dispõe:
A acção de anulação fundada em vícios da vontade caduca, se não for instaurada dentro dos seis meses subsequentes à cessação do vício.
Sobre tal normativo, escrevem os Professores Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit. pag.199 “O art.1645.º reduz de um ano para seis meses, quer o prazo (de caducidade) geral fixado no artigo 287.º para a arguição da anulabilidade, no comum dos negócios jurídicos impugnáveis, quer o prazo estabelecido na legislação anterior (…) para o requerimento da anulação do casamento, fundada em erro ou na coação de que um dos nubentes, ou ambos eles, tivessem sido vitimas. O início da contagem dos prazos é o mesmo em todas as disposições referentes à matéria, sem embrago da diferença existente entre as fórmulas nelas usadas. A cessação do vício, a que se referem os artigos 287.º e 1645.º do Código Civil vigente, coincide praticamente com o conhecimento do erro e a cessação da coação (…). Só a partir dessa data a inércia do nubente pode revestir o significado que serve de suporte psicológico-jurídico à caducidade do direito de impugnação.”         
Os vícios da vontade que estão previstos neste artigo 1645.º e relativamente aos quais colhe o prazo de seis nele previsto, são, como resulta já da citação do cometário dos ilustres professores, o erro e a coação. Nem todos os vícios de vontade previstos na parte geral, artigos 240.º e seguintes do Código Civil podem ser invocados para anular um casamento. E já se viu que é o art.1631.º que contempla as causa de anulabilidade do casamento. A falta e vícios da vontade previstos na alínea b) desse artigo, estão, subsequentemente, regulados nos arts.1635.º sob a epígrafe “Anulabilidade por falta de vontade”, no art.1636.º quanto ao erro, aí se dizendo que “O erro que vicia a vontade só é relevante para efeitos de anulação quando recaia sobre qualidades essenciais da pessoa do outro cônjuge, seja desculpável e se mostre que sem ele, razoavelmente, o casamento não teria sido celebrado.”, e, no art.1638.º relativamente à coação moral. Donde, no que a vícios da vontade concerne (por contraponto à falta de vontade) o casamento pode ser anulado por erro e coação moral, que são os únicos vícios relevantes em matéria de casamento. “Em primeiro lugar para que haja coação é necessário que a ameaça tenha sido determinante da vontade. É preciso que seja essencial e não apenas incidental. Que a declaração de casar não tivesse sido emitida, se não fora o receio de o declarante se expor ao perigo com que foi ameaçado. (…) Em segundo lugar a coação pressupõe o emprego da ameaça com a intenção de extorquir a declaração (…)” Pires de lima e Antunes Varela, ob. cit. pag.187. Assim, a coação tem que ser anterior ou no mínimo contemporânea do casamento, pois só dessa forma o pode ter determinado. Não relevam factos posteriores à celebração do casamento. Quer isto dizer que no caso concreto tal figura não tem aplicação, posto que tudo o que vem alegado não se reconduz à existência de qualquer ameaça/coação do autor aquando da celebração do casamento.
Resta-nos, como já acima antecipámos, a hipótese legal do erro.
E em caso de anulação fundada em erro, o prazo de caducidade para instaurar a ação de anulação do casamento é de 6 meses a contar da cessação do vício. Os vícios pressupostos na norma são, pois o erro ou a coação (esta não aplicável no caso concreto), pelo que, o que conta para início do prazo de caducidade é a data em que se pode afirmar que o nubente que celebrou o casamento com erro, tomou conhecimento da existência desse erro, deixando, naturalmente, de estar em erro para, ao invés, passar a estar ciente da sua existência. De facto, a partir da altura em que o nubente tem conhecimento de que agiu em erro ao emitir a declaração que levou ao casamento, o vício cessa, e a partir daí, sob pena de caducidade, deve interpor a ação de anulação, tanto mais que, como já antes se aflorou, a lei não pretende que os casamentos que hajam sido celebrados com vícios se mantenham sem definição durante muito tempo, fixando prazos curtos para os interessados agirem sob pena da situação se consolidar na ordem jurídica.
A decisão recorrida também afere a caducidade em relação ao prazo de seis meses, mas situa-o na parte final do art.1644.º (inaplicável in casu) e não, como se afigura dever ser, no art.1645.º do CC que é a norma que se aplica em situação de pedido de anulação com fundamento em erro.
O que importa saber é então se à data em que o autor instaurou a ação tinham decorrido mais de seis meses relativamente à data em que se deve considerar que o vício (o erro) cessou. O tribunal recorrido considerou que “Da análise da petição inicial, e não obstante o extenso articulado, retiramos que os factos que o A. invoca relativamente ao comportamento da R, quer para consigo, quer para com os filhos comuns, e que considera reveladores da falta de vontade da R. num casamento verdadeiro, são factos que até foram objecto de queixa-crime, cujos números de processo são do ano de 2020, sendo que a petição inicial dos presentes autos é de Outubro de 2021, pelo que, não pode agora o A. invocar que só tomou conhecimento dos mesmos, 6 meses antes da propositura, o que, diga-se em abono da verdade, o A. não ousou sequer afirmar na petição inicial. Sendo que, ao invés, ao longo de todo o articulado inicial, o A. foi descrevendo comportamentos que descreve como interesseiros e censuráveis da R. (na perspectiva do A.), praticamente desde finais de 2019 e ao longo de todo o ano de 2020, ao ponto de o terem feito deduzir as queixas-crime que deduziu contra a mesma, nesse mesmo ano de 2020.”, concordando-se, embora, no essencial com a conclusão tirada no sentido de que o autor na petição invoca factos reportados desde finais de 2019 e sobretudo decorridos no ano de 2020, sendo ainda certo que, com base nessa factualidade, o autor alega ter apresentado queixas crime identificando três processos crime do ano de 2020, afigura-se-nos, também, que se impunha atentar nos termos em que o autor convoca o erro em que diz ter incorrido quando se casou com a ré, o logro que vem mencionar nas conclusões de recurso. E é de facto decisiva para a questão que nos ocupa a construção factual que se extrai da petição e em que o autor se funda para pedir a anulação do casamento com base, note-se, naquilo que diz ser um plano traçado pela ré que “simulou no casamento” por não pretender uma vida em comum mas outros objetivos, plano esse que, diz o autor, está a ser executado pela ré através dos comportamentos que relata – estes efetivamente reportados essencialmente ao ano de 2020, sobretudo a partir de outubro, quando a ré lhe comunica a intenção de se divorciar. Por conseguinte, a alegação do autor constante da p.i., desdobra-se, por um lado, na invocação de uma série de acontecimentos – agressões físicas e verbais, pedidos de dinheiro, gastos sucessivos em produtos de luxo, mensagens ameaçadores por parte da ré e atitudes desta relativamente aos filhos comuns  -, acontecimentos que deram origem a queixas crime ainda no ano de 2020 e aditamentos às mesmas também desse ano e, ainda, processos relativos à regulação das responsabilidades parentais; mas, por outro lado, e é neste aspeto que o autor faz incidir o seu erro, o autor invoca que esses factos, sobretudo, a partir da comunicação da intenção de se divorciar, são premeditados pela ré e resultam da execução por esta do plano que havia gizado e que passava por se casar com o autor “simuladamente” (porque não pretendia uma verdadeira vida em comum e constituir família), divorciar-se dele e obter, por essa via, dinheiro, dizendo o autor que a ré visava enriquecer à sua custa e com o casamento e aquisição da nacionalidade portuguesa. Ora, nesta parte, alega o autor que apenas tomou conhecimento desse “plano” e das verdadeiras intenções da ré (entre as quais a de não pretender um verdadeiro casamento), quando as testemunhas que identifica lhe relataram os factos que descreve no art.62.º da pi., com o seguinte teor:
“Ou seja,  A saber, a D.ª S….., amiga da R. e vizinha do casal, chocada com os acontecimentos narrados na última participação que envolveram as crianças finalmente contou ao A. com relevo para as finalidades nos autos, que:
a. a R., desde dezembro do ano de 2019 que lhe dizia pessoalmente, e por variadas vezes e formas que o seu objetivo e plano sempre foi e é insinuar e envolver-se com o A… de uma forma amorosa e marital, ter filhos e com isso simular a existência de uma vida marital e conjugal;
b. e que uma vez atingidos esses objetivos na altura certa pretendia abandonar a casa e deixar-lhe o cuidado dos seus filhos desde que este lhe pagasse o valor de 1 (um) milhão de euros;
c. reiterou claramente que era isso que pretendia e ia conseguir, a todo o custo!
d. a R. não só manifestou essa intenção e realidade perante vários dos seus vizinhos e pessoas de convívio próximo, à data, desta (a saber, a D.ª S… e demais família) como não tinha qualquer pejo de o fazer perante pessoas que ela não conhecia, como era o caso das amigas da D.ª S…, o que causava estranheza e algum embaraço a esta;
e. a R., por várias vezes, afirmou perante si e pessoalmente que queria e sonhava com o dia da morte do seu marido e aqui A. (!),
f. descrevendo em detalhe e em seguida toda a sua narrativa explícita dizendo-lhe: “...para que pudesse ir ao seu funeral de botas da marca Fendi, chapéu Gucci, etc, e ser a viúva mais chique e rica...” - ou seja, com os bens materiais que - na impossibilidade de serem por si comprados à custa do emprego que insiste em não ter -, só podem ser obtidos pela R. à custa do A. e através desta escabrosa fraude, e logro, de contornos diabólicos e pérfidos -;
g. a R. mais informou a sua amiga, D.ª S… que ela própria consideraria matá-lo (!), para que o seu cenário ideal – à data fantasia realista, supra descrita -, se transformasse em realidade.”
É a estes relatos e aos que descreve no art.73.º da p.i., que o autor referencia o termo da situação de erro e engano a que esteve sujeito. É o que se extrai das seguintes alegações: “76. Nessa altura (durante este ano), alertado que foi para uma versão e encadeamento dos factos que o surpreende em absoluto e choca profundamente,”, “78. Contactou ainda com outras pessoas do círculo da R., e do casal, para tentar apurar se tais factos seriam verdadeiros,”, “79. Para lhe ter sido confirmado pela D.ª S… e ver-lhe confirmada toda a horrível história e plano arquitetado pela R., desde o primeiro momento,”, “82. O A. foi, desde o início do seu casamento e durante todo este tempo, vítima de uma burla executada premeditada e conscientemente pela R.”, “91. Isto, - pasme-se! -, de acordo com o relato direto, confessional e autoral por parte da R. a terceiros e que apenas agora e perante os últimos acontecimentos e receio manifesto pela vida do A. e das crianças, estas testemunhas decidiram vir adiante e contar o que sabiam, mas que por pena e reserva não fizeram antes!”, “92. Foram os factos e tristes acontecimentos ocorridos na presença de terceiros este ano que precipitaram estas graves mas explicativas revelações que merecem a mais grave e severa censura e rápida declaração e cessação deste pseudo-matrimónio, o que desde já se requer!”. Relatos que o autor situa, laconicamente é certo, neste ano, ou seja, em 2021.
Não cumpre agora saber se o que é alegado é suficiente ou não para anular o casamento, embora se constate que na petição inicial, o que dificulta a compreensão da factualidade relevante, o autor não fez, na exposição, a distinção devida entre factos, meios de prova e os juízos de valor que tece sobre a pessoa da ré, juízos de valor esses dirigidos a comportamentos da ré cujos factos deles integrantes não são expostos de forma clara e objetiva. Mas, nessa decorrência, não cabendo, outrossim, saber se o autor logra ou não provar os factos que alega quanto às intenções da ré ao celebrar o casamento, e o engano assim provocado, a ação, contudo, não está, manifestamente, fundada na ocorrência dos factos mais objetivos que são relatados pelo autor e que se traduzem naquilo que apoda de condutas violentas, agressivas e criminosas, que levaram à apresentação de queixas crime contra a ré, reportadas efetivamente ao ano de 2020. O elemento distintivo – mal ou bem, irreleva - que o autor entendeu imprimir à ação para obter a anulação do casamento não assenta nessas ocorrências tout court (relativamente às quais, há que afirmá-lo, o prazo de seis meses para com base nelas instaurara a ação já se esgotara quando a interpôs, o que seguramente o autor não desconheceria), mas naquilo que o autor invoca que das mesmas se extrai ou que por elas a ré pretende conseguir, ou seja, tais condutas exteriorizam, corporizam as intenções da ré ao casar-se consigo, o plano da ré. Assim, o autor centraliza o erro em que diz ter incorrido quando casou nas ditas intenções da ré, que a mesma firmou antes de casar e pretendia pôr em prática através do casamento, e que o autor diz apenas ter tido conhecimento com as revelações das ditas testemunhas neste ano (artigo da p.i. já acima transcrito), e que resultam do que a ré ia propagando, ao longo do tempo, a esses terceiros e que estes terceiros apenas agora (cfr. art.91.º da p.i.) lhe deram conhecimento. O erro que sustenta a ação, nesta configuração que é a que decorre da invocação da simulação do casamento pela ré, situa-se e estriba-se em ter casado sem saber os verdeiros intentos da ré, os quais veio a conhecer - na decorrência das condutas agressivas e do propósito da ré se divorciar (isto ainda em 2020), - aquando do relatado pelas testemunhas, já em 2021. Por isso, estando assim configurada a causa de pedir da ação, o erro do autor persiste até ter conhecimento dos factos relevados pelas testemunhas que indica, pois só a partir daqui é que se pode afirmar que o vício em que se funda (com os concretos contornos que se deixam analisados) cessou, passando a conhecer o plano da ré antes traçado por ela e que, diz, está sendo executado através das diversas e concretas condutas ocorridas nas datas indicadas, essencialmente na segunda metade de 2020. E a nosso ver, vista a decisão recorrida, dela não resulta, apesar de fazer uma referência na parte final ao plano da ré, que tenha levado em linha de conta a concreta configuração do erro que é invocado e, em face disso, tenha situado corretamente o início do prazo de caducidade. Estamos em presença, no caso concreto, de uma situação algo sui generis da configuração do erro e do conhecimento dele, mas é em função da situação tal como configurada que se impõe aferir se colhe a procedência da exceção de caducidade. Não basta, por isso, na economia da petição inicial atentar apenas nas datas que são referenciadas pelo autor a cada um dos acontecimentos que descreve no elenco dos artigos da petição, quase todas atinentes a 2020, como já se deixou repetido. Impõe-se, ao invés, como, também, já se disse, caracterizar a concreta situação de erro em que o autor diz ter incorrido e se, em face do que foi alegado, esse erro cessou e quando. O tribunal recorrido situou a cessação do erro ainda em 2020, por referência aos sucessivos factos relatados ocorridos nesse ano e ao facto das queixas crime datarem também desse ano, mas, com o devido respeito, descurou o essencial da alegação atinente ao concreto erro sobre as intenções da ré, o plano por esta traçado, e que, alegadamente, persistiu até às revelações feitas pelas testemunhas. Descurou, nessa medida também, a altura das revelações feitas por estas testemunhas e que é afinal a data derradeira da cessação do vício. Veja-se que o autor alega na petição: “6. Nunca suspeitou o A., até recentemente, que a sua situação matrimonial não passava de uma fabricação conscientemente construída ao longo do tempo pela R., como seguidamente se demonstrará”, “11-Facto é que o A. não mais pode considerar a conduta da R. senão como uma conduta tendente a constituir e manter uma relação matrimonial consigo sob falsos pressupostos, de forma absolutamente simulada e com objetivos de vantagem patrimonial, designadamente para aquela obter a autorização de residência em Portugal…”, “16. Só posteriormente, e à luz de acontecimentos então futuros (e relatados nas queixas crimes já identificadas e requeridas juntar aos presentes autos) o fizeram considerar e constatar que a R. urdiu e executou um plano e um propósito sórdido e repugnante que mais detalhadamente se esclarecerá, tudo com relevo direto para a matéria nos presentes autos.”, “30. E que posteriormente veio a constatar, horrorizado, tratar-se na realidade de um plano longamente concebido e executado, que a R. ocultou sempre daquele, mas puerilmente confessou a várias testemunhas e seus conhecidos.”, “31. O A. efetivamente começou a suspeitar que algo muito grave se passava a partir do momento em que: …”, “44. Prosseguindo, sem perceber porquê, o A. repentinamente - e sem que nada o fizesse prever -, é confrontado com a atitude fria e cruel da R.”, “46. Ainda sem saber que a R. vinha urdindo e executando o que hoje se sabe consistir numa estratégia ardilosa e maquiavélica, conforme demonstraremos,”, “47. E que aquela havia determinado a hora de executar o golpe final do seu plano: uma vez declarada a intenção de divórcio, iria adotar para com o A. e os bébés cada vez mais intensos comportamentos agressivos e violentos, verbais e físicos, forçando a ruptura através de compensação material avultada e imediata.”, “49. Na realidade, em face de todos os acontecimentos melhor descritos nos processos crime acima identificados e a correr termos, ocorridos em frente a terceiras pessoas, foi reportado ao A. pela primeira vez e na primeira pessoa, pelas testemunhas diretas e que adiante melhor se identificarão,”, “50. Que todas as condutas da R….foram premeditadas há longo tempo”, “58. E tendo revelado ao A. que a R. para consecução dos seus objetivos perversos e ilícitos agiu, e age, executando um plano que concebeu com absoluta premeditação, extrema crueldade e frieza,”, “61. Partilharam por fim com o A. a verdadeira história que ouviram da boca da R. e que explicam os acontecimentos dignos de uma narrativa de horror que temos vindo a formalizar nos vários autos já identificados.”, “102. A R. gizou e utilizou o A. para o chamado ‘casamento de conveniência’, ou o casamento contraído com o único objectivo de proporcionar a si mesma vantagens ilegais, como seja, p. ex., a obtenção de vantagens patrimoniais e uma autorização de residência ou visto de residência em Portugal,”, “124. Num estratagema abjeto que envolveu contrair de forma viciada matrimónio e conceber e gerar filhos, para agora executar impiedosamente a estratégia ilícita, imoral e criminosa de extorquir o A. num valor que estima em um milhão de euros,”, “125. E que revelou a vários terceiros, e pelo menos às aqui testemunhas nos autos!”. A ação está estruturada com base na existência de um plano por parte da ré, que a norteou para casar com o autor, plano que o autor desconhecia e que só veio a ter conhecimento em 2021, com o revelado pelas testemunhas, donde o prazo de caducidade só pode correr a partir da data em que o autor conheceu o plano e que não foi em 2020 face ao que consta da petição. Relativamente a 2021, embora o autor venha no recurso invocar a participação às autoridades de 11.2.2021, na ação apenas se refere ao doc.7, sem invocar data definida em que as testemunhas lhe deram conhecimento dos factos. Mas uma coisa é certa, sendo mencionado e referenciado esse relato das testemunhas aquele documento, datado de 11.2.2021, o relato tem que ser anterior ou contemporâneo, sem indicação de data concreta. Por conseguinte, já se pode concluir que o tribunal recorrido não podia situar o inicio do prazo de caducidade no final de 2020, e não sendo invocada uma data certa em que ocorreu o conhecimento do plano e em decorrência o fim do erro, não se logra afirmar que quando o autor instaurou a ação em 4.10.2021 já tivessem decorrido mais de seis meses desde a cessação do vicio.
É certo que temos a data indicativa de 11.2.2021, mas é inconsequente para levar à procedência da exceção, posto que, mesmo que se pretendesse ver nela (o que ao autor teria que admitir posto que a invoca), o início do prazo de caducidade, o mesmo, a essa altura, estava suspenso e só se reiniciou a 6 de Abril, pelo que, os seis meses que o autor tinha para instaurar a ação terminavam a 6 de outubro, e a ação foi instaurada a 4 de outubro. De facto, no que concerne à suspensão de prazos decorrentes das chamadas “leis covid”, que o autor vem invocar no recurso, não releva a suspensão de prazo reportada ao ano de 2020, porque para que a suspensão opere é mister que o prazo esteja em curso e já se concluiu que só se pode situar a cessação do vício já em 2021; contudo, opera a suspensão decorrente da Lei n.º4-B/2021 de 1 de fevereiro (art.4.º), entre 22 de janeiro e 6 de abril, data em que cessou com a entrada em vigor da Lei nº 13-B/2021 de 5/4, que no seu art.7.º põe fim à suspensão, que durou um total de 74 dias.
Não se logrando estabelecer, pelo que ficou exposto, o início do prazo de caducidade antes de 22.1.2021, releva apenas a data de 6 de Abril e, contando daqui o citado prazo, o mesmo não estava esgotado aquando da instauração da ação, dado que nos termos do art.279.º alínea c) do C.C. “O prazo fixado em semanas, meses ou anos, a contar de certa data, termina às 24 horas do dia que corresponda, dentro da última semana, mês ou ano, a essa data; mas, se no último mês não existir dia correspondente, o prazo finda no último dia desse mês”.
Impõe-se a revogação do despacho recorrido, improcedendo a exceção de caducidade.
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B-Recurso da ré
A Ré recorre do despacho que a condenou como litigante de má-fé, defendendo que invocou nesta ação a inaplicabilidade da lei portuguesa, tendo em conta o disposto no art.49.º do C.C., o que não fez no processo de divórcio, porquanto, aí, seria aplicável o disposto no art.52.º do mesmo código por via da remissão do art.55.º, pelo que, não se verificam os pressupostos da litigância de má-fé.
O art.542.º n.º1 do CPC determina que tendo a parte litigado de má-fé é condenada em multa e indemnização à parte contrária se esta a pedir.
A lei define o litigante de má-fé como aquele que com dolo ou negligência grave tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar (al. a) do n.º 2), tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa (al. b), tiver praticado omissão grave do dever de cooperação (al. c), tiver feito do processo ou dos meios processuais uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar sem fundamento sério o trânsito em julgado da decisão (al. d).
Resulta de tal normativo legal que, além de se exigir um comportamento processual suscetível de integrar qualquer das previsões das alíneas do n.º2, é mister que os factos permitam concluir que tal comportamento é doloso ou praticado com negligência grave. É doloso o comportamento querido pela parte visando determinado resultado, o que, aplicado à conduta processual, se traduz na vontade de i) deduzir pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não ignorava; ii) alterar a verdade dos factos ou omitir factos relevantes para a decisão da causa; iii) praticar omissão grave do dever de cooperação; iv) fazer do processo ou dos meios processuais uso manifestamente reprovável. Já a conduta processual praticada com grave negligência corresponde aquela em que a parte atua com violação do dever de cuidado, violação essa que, no caso, se prefigura fortemente censurável face ao comportamento alternativo que lhe seria exigível. Assim, ocorrerá uma conduta gravemente negligente se a parte porque não atentou nem observou os deveres de cuidado que a situação impunha e que seriam facilmente observados por um litigante médio colocado na mesma situação, deduz pretensão ou oposição infundada, altera a verdade dos factos, omite factos relevantes, não cumpre o dever de cooperação ou faz do processo ou dos meios processuais uso manifestamente reprovável.
O que se impõe é saber se tais pressupostos se verificam no caso concreto, ou seja, por ter a ré invocado na contestação a inaplicabilidade da lei portuguesa, quando o não fez na ação de divórcio que intentou contra o autor, ação onde admitiu como aplicável a lei portuguesa que aí expressamente invocou. O tribunal a quo entendeu que ao invocar o que invocou nos presentes autos, contrariando assim o que afirmou primeiramente na outra acção, incorreu numa clara manobra de litigância de má-fé, na medida em que alegou o que sabia ser contrário à verdade e ao Direito. – art.º 542.º, n.º 1 e n.º 2, als. a) e d) do Código de Processo Civil.
Não corroboramos o entendimento da decisão recorrida, afigurando-se-nos que assiste razão à ré quando vem dizer que se tratam de ações distintas não se aplicando a ambas os mesmos normativos do código civil, concretamente, o art.52.º e 55.º do C.C., pressuposto na decisão recorrida.
De facto, o art.52.º do C.C., sob a epigrafe “relações entre os cônjuges”, diz que: 1.Salvo o disposto no artigo seguinte, as relações entre os cônjuges são reguladas pela lei nacional comum. 2. Não tendo os cônjuges a mesma nacionalidade, é aplicável a lei da sua residência habitual comum e, na falta desta, a lei do país com o qual a vida familiar se ache mais estreitamente conexa. 
Este artigo é aplicável à separação judicial de pessoas e bens e ao divórcio, por via do disposto no art.55.º n.º1 do C.C., pelo que, a lei, quando os cônjuges não tem a mesma nacionalidade manda aplicar a lei da residência habitual comum.
Esta ação é uma ação de anulação de casamento, à qual, se nos afigura ser defensável o posicionamento da ré que entende aplicar-se o art.49.º do Código Civil, onde se dispõe: “A capacidade para contrair casamento ou celebrar a convenção antenupcial é regulada, em relação a cada nubente, pela respectiva lei pessoal, à qual compete ainda definir o regime da falta e dos vícios da vontade dos contraentes. Assim, o facto da ré ter instaurado a ação de divórcio invocando a lei portuguesa e a invocação nesta ação de anulação de casamento da inaplicabilidade de tal lei, não se configura como a dedução de pretensão infundada ou cuja falta de fundamento não podia ignorar, nem contraria, no rigor das coisas, a sua posição assumida na ação de divórcio,  antes se traduz na defesa de um entendimento jurídico com respaldo na lei, tendo em conta que de facto a ré no art.5.º da contestação invoca o art.49.º do C.C. em sustentação da defesa a este respeito apresentada, norma que não rege para os casos de divórcio, mas é atinente ao regime da falta de vontade e vícios da vontade dos contraentes, que é a matéria em causa nos autos. Por conseguinte, mesmo que o tribunal recorrido entendesse que o entendimento jurídico da ré não é de seguir, não podia, com propriedade, sustentar, como sustentou, que a ré contraria o que afirmou primeiramente na outra ação. Não há qualquer contradição entre o comportamento da ré na ação de divórcio e a sua defesa, neste segmento, apresentada nesta ação, porquanto, as normas legais implicadas numa e noutra são distintas, e à luz delas, não se pode concluir que a ré com dolo ou negligência grave veio deduzir oposição infundada ou teve comportamento que integra qualquer outras das previsões do n.º2 do art.542.º do CPC. Assim, sem necessidade de maiores considerações a condenação como litigante de má-fé mostra-se infundada e deve ser revogada.

III- Decisão:
Pelo exposto, acordam as juízas da 8.ª Secção Cível:
- em julgar procedente o recurso do autor, revogar a decisão recorrida e julgar improcedente a exceção de caducidade do direito de ação.
 - julgar procedente o recurso da ré e revogar o despacho recorrido que a condenou como litigante de má-fé.
Custas do recurso do autor pela recorrida/ré, sem prejuízo do apoio judiciário.
Custas do recurso da ré pelo recorrido/autor.
           
Lisboa, 26.6.2025
Fátima Viegas
Ana Paula Nunes Duarte Olivença
Carla Figueiredo