CONTRATO DE ARRENDAMENTO
CONTRATO DE SUBARRENDAMENTO
EXTINÇÃO
DIREITO À HABITAÇÃO
Sumário

1 - Com a extinção do contrato de arrendamento extingue-se o contrato de subarrendamento, ainda que este seja eficaz em relação ao senhorio.
2 - O direito à habitação consagrado no art. 65º da Constituição tem como sujeito passivo o Estado, as regiões autónomas e as autarquias locais e não os proprietários e senhorios.

Texto Integral

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa

Nos presentes embargos de terceiro deduzidos por AA, que correm por apenso à ação executiva que Libstone Campo de Ourique Lda move contra Pátio Pitoresco, Lda, a embargante interpôs recurso do despacho de indeferimento liminar dos embargos.
Na alegação de recurso, a recorrente formulado as seguintes conclusões:
«I. A Recorrente celebrou contrato de subarrendamento com a sociedade Pátio Pitoresco, LDA., em 2018, e desde então reside no imóvel com seu agregado familiar, sendo mãe solteira de dois filhos menores.
II. Em 2020, a sociedade Libstone Campo de Ourique, LDA. moveu ação declarativa contra a arrendatária principal, Pátio Pitoresco, LDA., visando por fim ao contrato de arrendamento com a correspondente entrega do imóvel (“Ação Principal”), processo que correu à revelia absoluta da Recorrente, bem como de outros subarrendatários.
III. O tribunal julgou procedente a Ação Principal, declarando a caducidade do contrato de arrendamento e ordenando a entrega do imóvel, decisão posteriormente confirmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa.
IV. Foi instaurada execução para entrega do imóvel, sem que a Recorrente fosse parte, vez que também não teve participação na ação declarativa que fundamentou tal medida.
V. A Recorrente, ocupante do imóvel por contrato de subarrendamento válido, foi notificada apenas em janeiro de 2025 para desocupar o imóvel, sem a oportunidade de apresentar defesa.
VI. Foram interpostos embargos de terceiro para salvaguardar seus direitos, mas o tribunal indeferiu liminarmente, alegando falta de legitimidade.
VII. Simultaneamente, a Recorrente ajuizou providência cautelar contra ambas as sociedades, a qual também foi liminarmente indeferida, porquanto entendeu o Douto Tribunal não ser este o meio adequado, devendo os Recorrentes fazer valer os seus direitos no próprio processo executivo através dos mecanismos legais disponíveis, como os embargos de terceiro – Cfr. Doc. 1 – Sentença, que se junta e dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
VIII. O contrato de subarrendamento, conforme os artigos 1060.º e 1088.º do Código Civil, é juridicamente protegido e garante direitos à Recorrente, incluindo o direito de defesa contra atos expropriatórios.
IX. Nos termos do artigo 1037.º do CC, a Recorrente deveria ser protegida contra a perda da coisa locada, podendo utilizar meios possessórios, incluindo embargos de terceiro, conforme artigo 1285.º do CC.
X. O artigo 1061.º do CC estabelece que a sublocação autorizada produz efeitos perante o locador, conferindo ao subarrendatário direitos juridicamente protegidos.
XI. O tribunal a quo baseou-se única e exclusivamente no artigo 1089.º do CC para fundamentar a caducidade automática do subarrendamento e a consequente ilegitimidade da subarrendatária.
XII. Ocorre que, em prol do princípio da segurança jurídica, a caducidade de qualquer direito exige a fixação de um prazo específico, cujo decurso resulta na extinção desse direito.
XIII. Nesse sentido, o simples facto de o legislador empregar o termo “caducar” no artigo 1089.º do Código Civil não significa que tenha pretendido instituir um novo prazo de caducidade para os contratos de subarrendamento. Tal interpretação seria inadmissível, uma vez que o referido normativo não estabelece qualquer prazo, limitando-se a prever a extinção do contrato em razão de um fator externo e alheio à vontade do subarrendatário.
XIV. Aliás, não é demais ressaltar que a interpretação que o Tribunal a quo faz ao aplicar o 1089.º do CC ao caso concreto (em que há um subarrendamento total, como é o caso!), colide com o previsto no artigo 1090.º do CC, o qual prevê expressamente a possibilidade de o senhorio substituir-se ao arrendatário, resolvendo-se o contrato de arrendamento originário, passando o subarrendatário a arrendatário direto.
XV. Ora, de qualquer das formas, a subarrendatária nunca poderia ser privada do seu direito de defesa antes de tomar conhecimento da situação jurídica que fundamentaria a sua eventual desocupação do imóvel.
XVI. O caso concreto trata de subarrendamento total, onde a Recorrente é a única possuidora do imóvel, tornando a sua posição ainda mais relevante e passível de proteção.
XVII. A aplicação isolada do artigo 1089.º do CC ignora princípios fundamentais como segurança jurídica e boa-fé contratual, além de violar o direito ao contraditório da Recorrente.
XVIII. A falta de intervenção da Recorrente na ação declarativa que decretou a caducidade do arrendamento principal compromete a validade da decisão e sugere a existência de litisconsórcio necessário, nos termos do artigo 33.º, n.º 2 do CPC.
XIX. A decisão do Tribunal a quo coloca em risco direitos fundamentais da Recorrente, como o direito à habitação e à família (arts. 65.º e 67.º da CRP), e viola os arts. 18.º e 20.º da CRP, sobre os quais se estabelece que qualquer restrição a direitos, liberdades e garantias só pode ocorrer nos casos expressamente previstos na Constituição e dentro dos limites estritamente necessários para proteger outros direitos igualmente relevantes, garantindo ainda o acesso à justiça e a tutela jurisdicional efetiva.
XX. Assim, e mesmo que se considere a existência de um conflito com o direito de propriedade da Exequente/Embargada (art. 62.º da CRP), importa notar que o seu interesse é essencialmente comercial e que por outro lado, a Recorrente enfrenta dificuldades pessoais e não dispõe de soluções alternativas adequadas, pelo que sempre se entenderá que deve ser o seu direito a prevalecer.
XXI. Diante do exposto, impõe-se a reforma da decisão recorrida, a fim de reconhecer a legitimidade da Recorrente para apresentar embargos de terceiro, possibilitando a defesa de seus direitos sobre o imóvel em questão.»
A exequente respondeu à alegação da recorrente, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
É a seguinte a questão de decidir:
- da manifesta improcedência dos embargos de terceiro.
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Na decisão recorrida, pode ler-se:
“conforme resulta dos autos principais, foi instaurada execução de que estes autos são um apenso contra Pátio Pitoresco, Lda., para entrega de coisa certa (imóvel), sendo apresentado como título executivo sentença proferida no âmbito do processo que correu termos com o n.º 14135/20.0T8LSB, no Juízo Local Cível de Lisboa - Juiz 14, transitada em julgado, com o seguinte segmento decisório:
«Declarar a cessação por caducidade do contrato de arrendamento que tem por objecto o prédio urbano sito na Rua…, por oposição à renovação.
b) Condenar a Ré a entregar à Autora o identificado prédio urbano, livre e devoluto de pessoas e bens».”
Pode ler-se ainda:
«o documento que apresentou em 30/01/2025 não é o contrato de subarrendamento que alega ter outorgado com a arrendatária/locadora, mas sim o contrato de arrendamento outorgado mediante documento particular datado de 31 de Março de 2012, em que a posição contratual de inquilino foi cedida à ré/executada Pátio Pitoresco (contrato esse que permite, efectivamente, na cláusula 7.ª a sublocação – “pelo presente contrato, os senhorios autorizam expressamente os inquilinos a sublocar total ou parcialmente o locado …, sem necessidade de qualquer autorização”).»
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Nos termos do art. 342º nº 1 do C.P.C., “se a penhora, ou qualquer ato judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens, ofender a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular quem não é parte na causa, pode o lesado fazê-lo valer, deduzindo embargos de terceiro”.
Resulta do art. 1253º al. a) do C.C. que “são havidos como detentores ou possuidores precários os que exercem o poder de facto sem intenção de agir como beneficiários do direito”.
O arrendatário não é, pois, possuidor, mas mero detentor.
Por força do art. 1037º nº 2 do C.C., “o locatário que for privado da coisa ou perturbado no exercício dos seus direitos pode usar, mesmo contra o locador, dos meios facultados ao possuidor nos artigos 1276.º e seguintes”.
Conforme resulta do art. 1060º do C.C., “a locação diz-se sublocação, quando o locador a celebra com base no direito de locatário que lhe advém de um precedente contrato locativo”.
Resulta do art. 1061º do C.C., “a sublocação só produz efeitos em relação ao locador ou a terceiros a partir do seu reconhecimento pelo locador ou da comunicação a que se refere a alínea g) do artigo 1038º”.
Nos termos do art. 1038º als. f) e g) do C.C., “são obrigações do locatário… não proporcionar a outrem o gozo total ou parcial da coisa por meio de cessão onerosa ou gratuita da sua posição jurídica, sublocação ou comodato, excepto se a lei o permitir ou o locador o autorizar; comunicar ao locador, dentro de quinze dias, a cedência do gozo da coisa por algum dos referidos títulos, quando permitida ou autorizada”.
O art. 1089º do C.C. dispõe o seguinte:
“1 - A autorização para subarrendar o prédio deve ser dada por escrito.
2 - O subarrendamento não autorizado considera-se, todavia, ratificado pelo senhorio se ele reconhecer o subarrendatário como tal.”
 «… se o senhorio reconhecer o sublocatário como tal, com a segurança e inequivocidade exigidas, ou tiver autorizado a sublocação, que, de qualquer modo deverá ser comunicada, nos termos referidos, então estaremos perante um subarrendamento eficaz, …
Só nestes casos, portanto, é que o subarrendatário poderá recorrer a embargos de terceiro, nos termos dos artigos 1037 e seguintes do Código de Processo Civil, para defender a sua posição» (www.dgsi.pt Acórdão do STJ proferido a 3 de junho de 1997, no processo 97A090).
Conforme foi estipulado no contrato de arrendamento celebrado entre exequente e executada, “os senhorios autorizam expressamente os inquilinos a sublocar total ou parcialmente o locado”.
No art. 32º da petição de embargos, pode ler-se:
“Sendo a Embargante subarrendatária, condição que perdura há mais de 7 anos, consolidada pela devidamente comunicada aos então proprietários”.
Não foram realizadas diligências probatórias com vista a apurar se foi ou não comunicado ao senhorio o subarrendamento.
Nos termos do art. 345º do C.P.C., “sendo apresentada em tempo e não havendo outras razões para o imediato indeferimento da petição de embargos, realizam-se as diligências probatórias necessárias, sendo os embargos recebidos ou rejeitados conforme haja ou não probabilidade séria da existência do direito invocado pelo embargante.”
O tribunal recorrido entendeu haver razões para o imediato indeferimento da petição de embargos.
Na fundamentação da decisão recorrida, pode ler-se:
“enquanto subarrendatária não está legitimada, com base nesse subarrendamento, a deduzir embargos de terceiro contra o acto de entrega do imóvel, já que tal qualidade, no caso vertente, tem-se por caducada.”
Conforme resulta do art. 1089º do C.C., “o subarrendamento caduca com a extinção, por qualquer causa, do contrato de arrendamento, sem prejuízo da responsabilidade do sublocador para com o sublocatário, quando o motivo da extinção lhe seja imputável”.
«São dois os princípios que dominam a disposição: de um lado, a subordinação do subarrendamento ao arrendamento (relação do contrato derivado ou subcontrato, em face do contrato principal); do outro, a responsabilidade do arrendatário para com o subarrendatário, se o contrato se extinguir por acto daquele» (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, anotação ao art. 1102º).
«O subarrendamento não sobrevive à extinção do arrendamento. Qualquer que seja a causa dessa extinção, se o arrendamento termina, termina o subarrendamento, porque este vive nos termos daquele.
Isto não tem nada que ver, note-se, com o reconhecimento do contrato pelo senhorio. O reconhecimento permite que o subarrendamento seja legal, mas não lhe permite perdurar para além do arrendamento em que se funda. A lei qualifica esta situação como de caducidade: não é pois necessário ao senhorio resolver as sublocações existentes.
O princípio do subcontrato é o de que a posição do subcontratante está na dependência do contrato principal. Se aquele se extingue, o subcontrato não pode deixar de se extinguir, porque foi feito nas forças e limites do contrato principal»
«…  o senhorio não precisa de intentar a acção também contra os subarrendatários. Pode ignorá-los; a sentença terá efeitos automaticamente contra estes» (Oliveira Ascensão, Subarrendamento e Direitos de Preferência no Novo Regime do Arrendamento Urbano, Revista da Ordem dos Advogados, Ano 51, Vol. I, Abril 1991, pág. 49 e ss).
Nos termos do art. 863º nº 2 do C.P.C., “o agente de execução suspende as diligências executórias sempre que o detentor da coisa, que não tenha sido ouvido e convencido na ação declarativa, exibir algum dos seguintes títulos, com data anterior ao início da execução:
a) Título de arrendamento ou de outro gozo legítimo do prédio, emanado do exequente;
b) Título de subarrendamento ou de cessão da posição contratual, emanado do executado, e documento comprovativo de haver sido requerida no prazo de 15 dias a respetiva notificação ao exequente, ou de o exequente ter especialmente autorizado o subarrendamento ou a cessão, ou de o exequente ter conhecido o subarrendatário ou cessionário como tal”.
«Significa isto que o subarrendamento válido e eficaz sobrevive à extinção do arrendamento? Não. Significa apenas que o subarrendatário tem então a possibilidade de se fazer ouvir. Mas se não apresentar alguma razão válida em contrário, o subarrendamento não deixa de ser arrastado pela queda do arrendamento» (Oliveira Ascensão, obra citada).
O art. 1090º do C.C., sob a epígrafe “direitos do senhorio em relação ao subarrendatário”, dispõe o seguinte:
“1 - Sendo total o subarrendamento, o senhorio pode substituir-se ao arrendatário, mediante notificação judicial, considerando-se resolvido o primitivo arrendamento e passando o subarrendatário a arrendatário directo.
2 - Se o senhorio receber alguma renda do subarrendatário e lhe passar recibo depois da extinção do arrendamento, é o subarrendatário havido como arrendatário direto.”
«O nº 1 prevê um caso de extinção do arrendamento, que não tem como consequência, contra o que resultaria do disposto no artigo anterior, a extinção do subarrendamento; este transforma-se em arrendamento directo» (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, anotação ao art. 1102º).
Na petição de embargos, a embargante não alegou factos dos quais se possa extrair que passou de subarrendatária para arrendatária direta.
Foi a qualidade de subarrendatária que a embargante invocou, mas, por força da cessação do contrato de arrendamento por oposição à renovação, a embargante já não tinha a qualidade de subarrendatária quando deduziu os embargos de terceiro.
Nas conclusões recursivas, pode ler-se:
«A decisão do Tribunal a quo coloca em risco direitos fundamentais da Recorrente, como o direito à habitação e à família (arts. 65.º e 67.º da CRP), e viola os arts. 18.º e 20.º da CRP, sobre os quais se estabelece que qualquer restrição a direitos, liberdades e garantias só pode ocorrer nos casos expressamente previstos na Constituição e dentro dos limites estritamente necessários para proteger outros direitos igualmente relevantes, garantindo ainda o acesso à justiça e a tutela jurisdicional efetiva.»
“… conforme tem salientado o Tribunal Constitucional na sua jurisprudência (cf., entre outros, os Acórdãos n.ºs 130/92, 131/92, 151/92, 633/95, 32/97, 374/2002, 212/2003, 590/2004 e 168/2010), o direito à habitação é configurado um direito a prestações, cujo principal destinatário é o Estado, a quem são impostas um conjunto de incumbências no sentido criar as condições necessárias tendentes a assegurar tal direito (cf. o n.º 2 do referido artigo 65.º), bem como a adoção de políticas no sentido de estabelecer um sistema de renda compatível com o rendimento familiar e de acesso à habitação própria (cf. o n.º 3, idem) e ainda, em conjunto com as regiões autónomas e as autarquias locais, a adoção de outras medidas adequadas à prossecução daquele direito (cf. o n.º 4, ibidem). Significa isto que as pretensões fundadas no direito à habitação não têm como destinatários diretos os particulares nas relações entre si, mas antes o Estado e igualmente as Regiões Autónomas e autarquias locais.
É que o resulta, designadamente, do referido Acórdão n.º 130/92:
«…
O direito à habitação tem, assim, o Estado - e, igualmente, as regiões autónomas e os municípios - como único sujeito passivo - e nunca, ao menos em princípio, os proprietários de habitações ou os senhorios. Além disso, ele só surge depois de uma interpositio do legislador, destinada a concretizar o seu conteúdo, o que significa que o cidadão só poderá exigir o seu cumprimento, nas condições e nos termos definidos pela lei.»” (www.tribunalconstitucional.pt Acórdão do Tribunal Constitucional 50/2022).
É nas condições e nos termos dos arts. 861º nº 6, 864º e 865º do C.P.C. que, em sede de ação executiva, é possível atender às necessidades de habitação do detentor da coisa imóvel arrendada.        
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Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
Custas pela recorrente, sem prejuízo da decisão do I.S.S. sobre o pedido de apoio judiciário.

Lisboa, 26 de junho de 2025
Maria do Céu Silva
Amélia Ameixoeira
Rui Oliveira