HIPOTECA
REGISTO
CESSÃO
EXPURGAÇÃO DE HIPOTECA
Sumário

Sumário: (elaborado pela relatora - art. 663º, nº 7, do Código de Processo Civil):
1. A cessão da hipoteca determina a alteração do titular do direito, consubstanciando, nessa medida, um facto constitutivo, que para ser eficaz carece de ser registado (cf. arts. 687º, do CC e 2º, nº 1, al. h), e 4º, nº 2, ambos do Código de Registo Predial).
2. Não estão reunidos os pressupostos da expurgação de hipoteca previstos na al. a), do art. 721º, do CC, quando a hipoteca está registada a favor de quem não é titular do crédito.

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

Relatório
“LINHA LATERAL – Construção Civil e Investimentos Imobiliários, Lda.”, com sede na Estrada…., veio propor contra “ARES LUSITANI STC SA”, com sede na Avenida …., ação declarativa para expurgação de hipotecas, pedindo que, julgada procedente por provada, seja proferida decisão nos seguintes termos:
a) Seja ordenado o registo da presente ação nos termos do disposto nos artigos 1.º alínea h), 3.º, n.º 1, alíneas a), e b), e 8.º-B, n.º 3 alínea a), todos do Código de Registo Predial;
b) Seja a ação julgada procedente, por provada, ordenando-se a citação da Ré para receber o quantitativo identificado no artigo 9.º da petição inicial, sob pena do mesmo ser depositado à ordem dos presentes autos;
c) Sejam expurgadas as hipotecas identificadas na petição e ordenado o cancelamento do respetivo registo, lavrado a favor da Ré.
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A ação foi registada.
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A Ré foi citada e apresentou contestação.
Disse, em síntese, aceitar a confissão da Autora vertida nos arts. 1º, a 9º, da petição inicial, nomeadamente, o reconhecimento da existência de valores em dívida, acrescentando que aquela limita-se a afirmar na ação o que já decorre da lei.
Termina, pedindo que seja julgada procedente a contestação, com as devidas consequências legais.
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“NOVO BANCO, S.A., com sede na Avenida ….., veio deduzir incidente de oposição espontânea, nos termos e ao abrigo do disposto nos arts. 333º, e segs., do CPC e 723º, nº 2, do CC, fundamentando a intervenção na circunstância de a procedência dos pedidos formulados pela Autora serem necessariamente incompatíveis com direitos próprios (de crédito).
Alega, em seu abono, que para que a Autora possa expurgar a hipoteca registada sob a Ap. 34 de 2006/02/07 terá de pagar-lhe integralmente o valor do respetivo crédito, incluindo os juros de mora relativos a 3 anos, ao invés de o fazer relativamente à Ré.
Termina, pedindo:
a) Seja admitido o incidente de oposição espontânea nos termos e para os efeitos dos art.ºs 333.º, e ss. do CPC;
b) E, consequentemente, seja o mesmo julgado totalmente procedente, por provado, ordenando-se, assim, que o crédito (incluindo capital e juros vencidos entre 20.12.2011 e 29.12.2014) garantido pela hipoteca registada sob a Ap. 34 de 2006/02/07 incidente sobre a descrição ….. da Conservatória do Registo Predial de …., freguesia de …, seja pago ao Novo Banco, S.A.
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A oposição espontânea foi liminarmente admitida, com a consignação de que o opoente passaria a assumir o estatuto de parte principal.
As partes primitivas foram notificadas para, querendo, deduzirem oposição.
A Ré nada disse.
A Autora veio declarar nada ter a opor à oposição e terminou, pedindo seja ordenado o depósito do montante de € 15.824,00, para efeitos de pagamento ao Novo Banco do crédito garantido (capital + três anos de juros) pela hipoteca registada sob a inscrição Ap. 34 de 2006/02/07 e, em consequência, seja ordenado o expurgo da mesma, bem como o respetivo cancelamento de tal inscrição hipotecária.
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Em resposta à contestação da autora, veio o opoente dizer e reiterar que o valor que lhe é devido ascende a €16.063,00, dos quais €13.290,98, a título de capital, e o remanescente, a título de juros vencidos entre 20/12/2011 e 29/12/2014, à indicada taxa contratualizada, acrescida de mora.
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Foi realizada tentativa de conciliação, tendo ficado documentado na Ata respetiva, o seguinte:
“(…)
Após foi pela Mm.ª Juiz tentada a conciliação das partes, nomeadamente quanto ser alcançado acordo diligenciando as partes pela emissão de documentos de distrate e de serem esses documentos levados a registo, tendo sido pela il. mandatária da Autora declarado não ser viável essa via de entendimento.
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Nesta sequência foi pelo Tribunal explicitado que antevendo dificuldades de registo e obviando problemas decorrentes, possa haver alteração do pedido e possa ser refeito o registo da ação, por forma a que o Interv. Principal possa fazer o distrate da transmissão da hipoteca, no sentido a que possa ser proferida sentença e que possa ser expurgada.
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De seguida foi pela il. mandatária da Autora, com a anuência do Interv. Principal e da Ré declarado discordar dessa via de entendimento.”
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Foi dispensada a realização de audiência prévia com a anuência das partes e prolatada de imediato decisão sobre o mérito da causa, precedida igualmente de acordo das partes nesse sentido.
Apreciada a causa, foi proferida a seguinte decisão:
“De acordo com o supra exposto e de harmonia com o disposto nos preceitos legais citados, julgo a acção parcialmente procedente, por parcialmente provada e, em consequência:
A. Determino que a ré Ares Lusitani, STC, S.A., receba a quantia de 22 143,04 € (vinte e dois mil cento e quarenta e três euros e quatro cêntimos) relativa à integralidade do crédito hipotecário garantido pela hipoteca registada sob a AP. 1 de 2003/02/19, incidente sobre o prédio urbano denominado …., sito em …., descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de ….. sob o n.º …., da freguesia de …. e inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo …. da freguesia de …., já depositado à ordem dos presentes autos;
B. Declaro o prédio urbano denominado …., sito em …, descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º …, da freguesia de … e inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo …, da freguesia de … livre, por expurgação, da hipoteca voluntária constituída para garantia do capital de 50 000 €, acrescida de juros à taxa de 7,5% e mais 4% em caso de mora e despesas até 2000 €, registada sob a AP. 1 de 2003/02/19 a favor de ARES LUSITANI – STC S.A.;
C. Ordeno o cancelamento do registo da hipoteca decorrente da AP. 1 de 2003/02/19 sobre o prédio urbano denominado …, sito em …, descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º …, da freguesia de … e inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo … da freguesia de …;
D. Absolvo os réus do mais peticionado e julgo improcedente a oposição espontânea;
E. Condeno, no pagamento das custas do processo, a autora, “Linha Lateral, Lda.” e o réu Novo Banco, S.A., na respectiva proporção de 21% e, a primeira ré, “Ares Lusitani, STC, S.A.”, na proporção de 58% (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil).
Registe e Notifique.”
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A Autora não se conformou com a decisão, e dela veio interpor recurso, ao qual aderiu o opoente “Novo Banco, S.A.”, tendo rematado as alegações recursivas com a seguinte síntese conclusiva:
“a) A douta sentença recorrida padece de um claro erro de julgamento, por conter um vício notório que se prende com um erro na apreciação efetuada dos meios de prova,
nomeadamente, na análise perfunctória dos documentos e na fixação dos factos materiais da causa, motivo pelo qual, deve ser reapreciada tanto a matéria de Direito, como também a matéria de Facto;
b) É pois notória a existência de erro na apreciação da prova, face aos elementos (prova documental não impugnada) que constam dos autos, bem como aos factos que estão plenamente provados por acordo ou confissão das partes;
c) Com efeito, ao longo de todo o processo o Novo Banco (apelidado de Réu na douta sentença recorrida) fundamentou e fez a devida prova dos termos legais que o impossibilitaram de registar a seu favor a hipoteca “readquirida” através da escritura denominada de “Distrate Parcial de Cessão de Créditos” outorgada em 21/07/2021, conforme se encontra provado nos factos assentes sob os n.ºs 14 e 15;
d) O email remetido pelo Cartório Notarial ao Novo Banco em 09/08/2021 e junto aos autos em 26/10/2023 sob a Ref.ª Citius “24326216”, não foi impugnado, nem pela Autora, nem pela Co-Ré, resultando claro do seu teor que foi o próprio Cartório Notarial a sugerir a intervenção do Novo Banco nestes autos, de modo a resolver por via dos mesmos o que não se conseguiu resolver por outra via, ou seja, o registo da presente ação (vide facto assente sob o n.º13) inviabilizou o registo da hipoteca a favor do Novo Banco, tendo o respetivo Conservador informado que iria recusar o mesmo, por não ser possível pela via registral acautelar o princípio do trato sucessivo;
e) É assim claro que este facto, que “nasceu” durante a pendência destes autos, não é de somenos importância, e que tal documento (o email remetido pelo Cartório Notarial ao Novo Banco em 09/08/2021) tem interesse para a decisão da causa, porque diz respeito à prova do concreto acervo de factos a considerar pelo juiz, nos termos do artigo 5.º do CPC (por ser relevante para a decisão da causa) e não se afigurar impertinente (isto é, é aparentemente idóneo para demonstrar o facto que com ele se pretende provar e este ainda não se encontre provado por qualquer outra forma);
f) Com base no mesmo pressuposto, têm ainda de ser tidos em consideração os documentos comprovativos dos valores depositados (via depósito autónomo) nestes autos, em 22/03/2023 sob a Ref.ª Citius “23026552”, porque importantes para a boa decisão da causa e/ou como o próprio douto Tribunal a quo afirmou no despacho (datado de 13/03/2023 sob a Ref.ª Citius “141702988”) em que ordenou tal depósito, a Autora devia proceder ao mesmo “a fim de acautelar todas as soluções plausíveis de Direito”;
g) Pelo que, face ao que resulta do processado, do acordo e confissão das partes e da análise crítica dos documentos junto aos autos, tanto pelo Novo Banco, como pela Autora, ora Apelante, devem ser aditados à factualidade assente, os seguintes factos:
i) “Devido ao registo da presente ação o Novo Banco não conseguiu registar a alteração do titular da hipoteca por si “readquirida” na pendência de tal ação, através da escritura denominada de “Distrate Parcial de Cessão de Créditos” outorgada em 21/07/2021, e registada sob a AP 34 2006/02/07”;
ii) “A Autora procedeu ao depósito autónomo (DUC 701 880 033 297 932) no valor de € 16.063,00 (dezasseis mil e sessenta e três euros), para pagamento ao Novo Banco (hipoteca registada sob a Ap. 34 2006/02/07) nos precisos termos que foram contabilizados pelo mesmo (vide requerimento apresentado em 30/05/2022 sob a Ref.ª Citius “21166087”), valor que corresponde ao capital e juros de mora relativos a 3 anos”;
iii) “A Autora procedeu ao depósito autónomo (DUC 701 380 033 297 991) no valor de € 22.932,30 (vinte e dois mil novecentos e trinta e dois euros e trinta cêntimos), para pagamento à Ares Lusitani (hipoteca registada sob a Ap. 1 2003/02/09), valor que corresponde ao capital e juros de mora relativos a 3 anos e que foi contabilizado à taxa e sobretaxa indicada pela mesma.”;
h) A douta sentença recorrida padece também nulidade, por violação de princípios
estruturantes do processo civil e do sistema registral e ainda normas do Direito Substantivo;
i) Com efeito, Não tem razão o douto Tribunal a quo, nem o que afirma relativamente ao registo da hipoteca ser considerado constitutivo e o facto do Novo Banco não ter conseguido (pelos motivos já explicitados) registar a alteração do titular da hipoteca registada sob a AP 34 de 2006/02/07 leva à conclusão a que o mesmo chegou na douta sentença recorrida;
j) A Jurisprudência tem entendido que não tem natureza constitutiva o registo de transmissão de hipoteca, em consequência da cessão do crédito garantido ou transmissão autónoma daquela, pois nada na Lei o impõe;
k) Termos em que, relativamente à hipoteca “readquirida” pelo Novo Banco mediante escritura outorgada em 21/07/2021, que tal como consta da mesma (vide facto assente sob o n.º14) havia sido cedida por lapso e sem o respetivo crédito, a Lei não impõe a natureza constitutiva do registo (cfr. artigos 727° do CC e 4.º e 5.º do CRP), pois apenas se alterou a pessoa do credor, mantendo-se a hipoteca, com as características que anteriormente possuía, designadamente o seu registo;
l) O disposto no artigo 687.° do CC apenas se reporta ao registo da hipoteca, ao atribuir-lhe natureza constitutiva, nada na Lei impõe a natureza constitutiva em caso de transmissão autónoma da hipoteca (como foi o caso dos presentes autos) em que apenas e, tão somente, se altera o titular/credor hipotecário, nada mais;
m) Assim, e desde logo, se impunha uma decisão diferente, por também em relação ao Novo Banco se mostrarem reunidos os pressupostos de expurgação da hipoteca registada sob a AP. 34 de 2006/02/07;
n) Porém, e sempre sem conceder, acresce ainda que, se é verdade que o registo de hipoteca é constitutivo da mesma e não menos verdade que a sentença não pode condenar em objeto diverso de que se pedir (cfr. artigo 609.º do CPC e princípio do dispositivo), certo é que todos os “envolvidos” estão no processo e o pagamento da dívida cujo recebimento o douto Tribunal a quo não ordenou, poderia, efetivamente, originar a expurgação da hipoteca registada sob a AP 34 de 2006/02/07, mediante uma solução de agilização processual (princípio de adequação formal) que promovesse, sem atropelo do Direito, tal desiderato;
o) Pois, não faz qualquer sentido que seja necessário cancelar o registo da presente ação para que o Novo Banco possa registar a hipoteca a seu favor, para de seguida a distratar mediante recebimento do valor que já se encontra depositado nos autos para tal efeito (conforme supra demonstrado) e ainda faz menos sentido que o douto Tribunal a quo tenha sugerido em sede de audiência a alteração/ampliação do pedido, quando bem sabia que não era com tal alteração que o Novo Banco iria conseguir promover tal registo de hipoteca a seu favor e sem este nem sequer tal alteração/ampliação seria possível, pois a única hipoteca que há a expurgar é precisamente a que já se encontra registada sob AP 34 de 2006/02/07;
p) Em suma, e por um lado, sempre se poderá dizer que implicitamente (pedido implícito é aquele que, com base na natureza das coisas, está presente na acção, apesar de não ter sido formulado expressis verbis) o processo contém todos os elementos que acautelam a verdade material e formal, com vista a dirimir o “conflito” e alcançar aquela que seria a decisão justa para todos, se se abandonar a concepção liberal de processo, assente exclusivamente no princípio do dispositivo, aplicando-se um sistema misto, no qual aquele princípio é progressivamente mitigado pelo princípio do inquisitório;
q) Efetivamente, as regras processuais podem ser afastadas quando não se mostrem idóneas para a justa composição do litígio, isto, no que respeita à alegada delimitação dos poderes de cognição do Tribunal e submissão ao princípio do dispositivo;
r) Se todas as partes estão de acordo, o douto Tribunal a quo pode agilizar uma solução dentro do próprio processo que resolva o tema de vez, pois, em 23/03/2021, quando os presentes autos foram instaurados, tal tema/problema nem sequer existia (a ação foi instaurada contra a titular de ambas as hipotecas registadas), tendo sido criado na sua pendência e exatamente por causa do registo da presente ação;
s) Ora volvidos 3 anos sobre tal data e depois de ter sido permitida a discussão entre todos os envolvidos, o douto Tribunal a quo veio decidir na ótica mais formal (e sem razão como se viu) e dispendiosa para todos e quiçá violando o princípio da economia processual, pois, nada garante que extintos estes autos, fora deles seja possível um acordo nos mesmos moldes que permita o expurgo da hipoteca, em causa;
t) Efetivamente, a Autora, ora apelante, não é a devedora originária e teve ocasião de informar o douto Tribunal a quo das dificuldades que teve em resolver a situação pela via extrajudicial, veja-se o teor do requerimento apresentado em 12/10/2021 sob a Ref.ª Citius “19659914”, o que motivou o recurso aos presentes autos, uma vez que os valores em discussão “extrajudicialmente” eram sempre muito superiores aos que a Lei elenca como sendo devidos, eram na realidade os valores devidos pelos devedores originários e não os valores que a hipoteca garante de acordo com o disposto no artigo 693.º do CC;
u) Por outro lado, e sempre sem conceder, ainda sobre a questão de ser atribuído efeito constitutivo ao registo da hipoteca e a produção dos efeitos da hipoteca voluntária estar dependente da sua inscrição no registo predial, diga-se que tais efeitos só interessam numa situação de incumprimento, sendo que, a devedora, ora Apelante, cumpriu a obrigação (via depósito autónomo) dentro do prazo estabelecido, pelo que o direito do credor (Novo Banco) emergente da hipoteca não registada, não chegou por isso a ser exercido, logo a mesma extinguiu-se sem nunca ter tido alguma eficácia real;
v) Com efeito, estando dado com facto assente (n.º17 da factualidade assente) o valor do capital em dívida a que se reporta o contrato garantido pela hipoteca registada sob a AP. 34 de 2006/02/07, os juros a considerar à taxa contratualizada (4,026%), acrescida de 2% de mora e a data a partir da qual são devidos e tendo o douto Tribunal a quo justificado que a “matéria do ponto 17. dos factos provados, invocada pelo Novo Banco no requerimento do incidente de oposição espontânea, e, no que tange à data de início de contagem de juros, considerada provada na medida de que a indicação é mais favorável à contraparte e tendo em conta que o Novo Banco não requereu qualquer rectificação dessa alegação, que foi expressamente aceite pela autora no seu requerimento de 12.10.2021 (Ref.ª CITIUS 19659914) – cfr. arts. 352.º do Código Civil e art. 46.º do Código de Processo Civil, foi, nesse contexto processual, considerada como provada” e ainda tendo em consideração os depósitos autónomos efetuados pela Autora, ora Apelante, em em 22/03/2023 sob a Ref.ª Citius “23026552”, e o teor do despacho datado de 13/03/2023 sob a Ref.ª Citius “141702988”, a decisão teria sempre, e obrigatoriamente, de ser diferente da ora recorrida;
w) Senão vejamos, foi efetuado o depósito do valor devido ao Novo Banco, com a expressa menção de que tal montante se destinava ao mesmo e sem que tal valor fosse impugnado por qualquer um dos Réus, logo o direito do credor emergente da hipoteca (Novo Banco), não registada, não necessita mais de ser exercido, tendo-se extinguido a mesma, sem sequer ter tido alguma eficácia real, nos termos e conforme dispõe o artigo 730.º alínea a) do CC, pelo que, e em consequência, sempre deveria ter sido ordenado expurgo da hipoteca registada sob a Ap. 34 de 2006/02/07 e o cancelamento do respetivo registo;
x) Na verdade o crédito que a mesma garantia foi pago, bastando apenas acautelar a entrega do seu montante ao credor e tal hipoteca não tem mais razão de ser, encontrando-se por isso vazia de conteúdo;
y) Em conclusão, quer por uma via, quer por outra, o douto Tribunal a quo podia/devia ter decidido diferente, no sentido de ordenar o expurgo da dita hipoteca e cancelamento do respetivo registo, pelo que mal andou ao decidir como decidiu.”.
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Não foi apresentada resposta ao recurso.
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O recurso foi admitido e no despacho da respetiva admissão, a Mº juíza do tribunal a quo, em cumprimento do disposto no art. 617º, nº 1, do CPC, pronunciou-se sobre a nulidade imputada à sentença, concluindo pela sua não ocorrência.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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Objeto do recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das partes, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. arts. 635º, nº 4, 639º, nº 1, e 662º, nº 2, todos do Código de Processo Civil), sendo que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e é livre na interpretação e aplicação do direito (cf. art.º 5º, nº3 do mesmo Código).
No caso, as questões que importa decidir são as seguintes:
- Nulidade da sentença;
- Impugnação da decisão relativa à matéria de facto;
- Se a sentença deve ser alterada nos termos pugnados pelos recorrentes.

Fundamentação de Facto
Em 1ª Instância foi fixado o seguinte quadro factual:
1. A favor da autora, pelo averb. - AP. 657 de 2014/03/18, da apresent. 1019 de 2011/03/25, mostra-se registada a aquisição, mediante execução específica do contrato de promessa de compra e venda que havia celebrado com P… e M…, a propriedade do prédio urbano denominado …, sito em …, descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º …, da freguesia de … e inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo … da freguesia de …, com todos os ónus e/ou encargos que sobre ele recaíam à data de 06.03.2006 (data da celebração do contrato-promessa);
2. Sobre tal imóvel encontram-se registadas duas hipotecas, a saber:
2.1.“AP. 1 de 2003/02/19 – Hipoteca Voluntária –
 CAPITAL: 50.000,00 Euros
MONTANTE MÁXIMO ASSEGURADO: 69.250,00 Euros SUJEITO(S) ATIVO(S):
** BANCO INTERNACIONAL DE CRÉDITO, S.A.
(…)
SUJEITO(S) PASSIVO(S):
M…
P…
Fundamento: Garantia do bom pagamento do financiamento concedido à sociedade Métrica-Mobiliário e Equipamento de Cozinha, Ldª. e de todas e quaisquer outras responsabilidades que a sociedade tenha ou venha a ter perante o referido Banco, seja qual for a forma que revistam, nomeadamente sob o forma de empréstimos, de aberturas de crédito em conta corrente, descobertos em conta de depósito à ordem ou descobertos de letras, livranças ou cheques, ou provenientes de garantias bancárias, até ao montante de 50.000,00 Eur juro anual de 7,5% mais 4% em caso de mora - despesas: 2.000.00 Eur”
*
2.2. “AP. 34 de 2006/02/07 – Hipoteca Voluntária –
CAPITAL: 17.000,00 Euros
MONTANTE MÁXIMO ASSEGURADO: 22.729,00 Euros
SUJEITO(S) ATIVO(S):
** BANCO INTERNACIONAL DE CRÉDITO, S.A.
(…)
SUJEITO(S) PASSIVO(S):
** P…
** M…
Fundamento: Garantia de empréstimo - juro anual de 5,90% acrescido de 4% em caso de mora, a título de cláusula penal - despesas: 680,00 Eur.”
3. Pelo averb. - AP. 1572 de 2017/09/26, da apresent. 1 de 2003/02/19, foi registada a favor do BANCO ESPÍRITO SANTO, S.A., por fusão, a hipoteca voluntária a que se alude em 2.1.;
4. Pelo averb. - AP. 1572 de 2017/09/26, da apresent. 34 de 2006/02/07, foi registada a favor do BANCO ESPÍRITO SANTO, S.A., por fusão, a hipoteca voluntária a que se alude em 2.2;
5. Pelo averb. - AP. 1605 de 2017/09/26, da apresent. 1 de 2003/02/19, foi registada a favor do NOVO BANCO, S.A., por transmissão do crédito por deliberação do Banco de Portugal, a hipoteca voluntária a que se alude em 2.1.;
6. Pelo averb. - AP. 1605 de 2017/09/26, da apresent. 34 de 2006/02/07, foi registada a favor do NOVO BANCO, S.A, por transmissão do crédito por deliberação do Banco de Portugal, a hipoteca voluntária a que se alude em 2.2.;
7. Pelo averb. - AP. 1535 de 2019/08/02, da apresent. 1 de 2003/02/19, foi registada a favor da ARES LUSITANI STC, S.A., por transmissão de crédito, a hipoteca voluntária a que se alude em 2.1.;
8. Pelo averb. - AP. 1535 de 2019/08/02, da apresent. 34 de 2006/02/07, foi registada a favor da ARES LUSITANI STC, S.A., por transmissão de crédito, a hipoteca voluntária a que se alude em 2.1.;
9. O Novo Banco instaurou contra os sujeitos passivos da hipoteca, anteriores proprietários do imóvel em causa, a execução da hipoteca registada para garantia do pagamento do capital no valor de 50 000 € (cinquenta mil euros), a qual correu seus termos no Tribunal Judicial da Comarca de … Juízo de Execução de …- Juiz …, sob o n.º ….e, na qual foi peticionado, nomeadamente, o pagamento do capital no valor de 16 618,25 €, acrescido dos juros calculados à taxa de 7,50% e sobretaxa devida pela mora de 4,00%, desde 22.05.2010 a 16.06.2011, no valor de 2045 €, e respetivo imposto de selo de 81,67 €;
10. O Novo Banco também instaurou contra os sujeitos passivos da hipoteca, anteriores proprietários do imóvel em causa, a execução da hipoteca registada para garantia do pagamento do capital no valor de 17 000 €, a qual correu seus termos no Tribunal Judicial da Comarca de … Juízo de Execução de … - Juiz …, sob o n.º … e, na qual foi peticionado o pagamento do capital no valor de 13 520,38 €, acrescido dos respetivos juros calculados à taxa de 3,871% e sobretaxa devida pela mora de 4,00%, calculados desde 29/07/2011 (data do incumprimento dos mutuários) até 26.04.2012, no montante de 740,91 €;
11. No âmbito de tais execuções, o imóvel foi penhorado, tendo tais penhoras sido lavradas provisoriamente por natureza (artigo 92.º n.º 2 alínea a) do Código do Registo Predial), em virtude do registo de aquisição já se encontrar lavrado a favor de um terceiro, a ora autora;
12. Ambas as execuções foram extintas, por deserção da instância e, sem que o credor hipotecário tivesse sido ressarcido;
13. Pela ap. 169 de 2021/03/29, mostra-se registada a presente acção;
14. Mediante escritura denominada de “Distrate parcial de cessão de créditos” outorgada em 21 de julho de 2021, lavrada de fls. … do Livro de Notas para Escrituras diversas n.º --- do Cartório Notarial …., a Ares Lusitani e o Novo Banco declararam:
“(…) - Que, por escritura pública de CESSÃO DE CRÉDITOS outorgada em sete de Junho de dois mil e dezanove e exarada a folhas … do livro de notas para escrituras diversas número …, deste Cartório Notarial, o NOVO BANCO cedeu à ARES, parte da sua carteira de créditos em Portugal (doravante "Escritura").
- Que conjuntamente com essa cessão de créditos, foram também cedidas as hipotecas que acompanham os indicados créditos.
- Que, por lapso, na indicada escritura, foram cedidas algumas hipotecas, sem os respetivos créditos, hipotecas essas melhor identificadas e que recaem sobre os imóveis também identificados no documento complementar à presente escritura, elaborado nos termos do número 1 do artigo 64.º do Código do Notariado, que adiante se arquiva como parte integrante da presente escritura.
- Que, pela presente escritura, expressamente DISTRATAM parcialmente a referida escritura de CESSÃO DE CRÉDITOS, transmitindo a ARES de volta ao NOVO BANCO, que aceita, as hipotecas identificadas no documento complementar à titularidade do NOVO BANCO.
- Que as partes expressamente declaram que, por aquelas hipotecas indevidamente
transmitidas por ocasião da Escritura não foi pago qualquer valor, não havendo, por isso,
lugar a qualquer restituição e estando restituídas, de parte a parte, todas as prestações, de
qualquer natureza, que tenham sido efetuadas por ocasião dos negócios ora distratados, dão por extinto, em todos os seus efeitos, o mencionado contrato no que respeita às identificadas hipotecas, retroagindo as partes à situação original em que se encontravam em momento anterior à sobredita Escritura. (…)”
15. Do documento complementar da aludida escritura consta:
“(…) Referência interna: …
Prédio urbano sito na freguesia de: …
Concelho: …
Descrição: …
Conservatória do Registo Predial de…;
Artigo matricial: …, da União das Freguesias de …;
Hipotecas que se transmitem: Ap. 34 de 2006 02 07, registada a favor da ARES LUSITANI-STC, S.A;
Documentos consultados e exibidos:
- ….;
- Caderneta predial obtida via internet em 09.07.2021.”
16. O capital em dívida relativo à hipoteca registada sob a Ap. 1 de 2003/02/09, a que se reporta 2.1. dos factos provados, é de 16 618,25 € e, os juros a considerar são calculados à taxa contratualizada de 7,5% acrescida de 3% de mora, desde 22.05.2010 até 22.05.2013, no montante de 5312,30 € e, o imposto de selo, calculado sobre os juros à taxa de 4%, importa o montante de 212,49 €;
17. O capital em dívida a que se reporta o contrato que foi garantido pela hipoteca registada sob a Ap. 34 de 2006/02/07, a que se refere 2.2. dos factos provados, é de 13 290,98 € e, os juros a considerar são calculados à taxa contratualizada de 4,026% acrescida de 2% de mora, contados desde 22.05.2010.

Fundamentação de Direito
Da nulidade da sentença
Os recorrentes imputam à sentença recorrida o vício da nulidade, sintetizando, assim, as suas alegações:
“h) A douta sentença recorrida padece também nulidade, por violação de princípios estruturantes do processo civil e do sistema registral e ainda normas do Direito Substantivo;
i) Com efeito, Não tem razão o douto Tribunal a quo, nem o que afirma relativamente ao registo da hipoteca ser considerado constitutivo e o facto do Novo Banco não ter conseguido (pelos motivos já explicitados) registar a alteração do titular da hipoteca registada sob a AP 34 de 2006/02/07 leva à conclusão a que o mesmo chegou na douta sentença recorrida.”         
As nulidades da sentença constituem um vício da própria decisão e encontram-se tipificadas no art. 615º, do CPC, que dispõe o seguinte:
1-É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido”.
As nulidades da decisão prendem-se com vícios estruturais da sentença, do seu conteúdo, ou relativos à extensão do poder jurisdicional em face do caso concreto submetido a juízo, não se confundindo, por isso, com o eventual erro de julgamento de facto e/ou de direito, com a eventual injustiça da decisão ou a sua não conformidade com o direito substantivo aplicável[1], realidades distintas mas comummente confundidas pelas partes.
“…, as causas de nulidade da decisão elencadas no artigo 615º do Código de Processo Civil visam o erro na construção do silogismo judiciário e não o erro de julgamento, não estando subjacentes às mesmas quaisquer razões de fundo, motivo pelo qual a sua arguição não deve ser acolhida quando se sustente a mera discordância em relação ao decidido”[2]. Deste modo, as objeções que se traduzem na invocação de erros de julgamento de facto e/ou de direito, a ocorrerem, poderão vir a determinar, apenas, a modificação da decisão relativa à matéria de facto e/ou a revogação (total ou parcial) da sentença, mas não a sua nulidade.
No caso, e como transparece cristalinamente das conclusões assinaladas, os recorrentes não imputam à sentença recorrida qualquer dos vícios taxativamente enumerados na sobredita norma, antes manifestam a sua discordância perante a solução de direito aplicada à parte do litígio que ora constitui objeto do recurso.
Improcede, por conseguinte, e nesta parte, a apelação.
*
Da impugnação da decisão de facto
Segundo o art. 662º, nº 1, do CPC, “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
O recorrente que impugne a decisão sobre a matéria de facto “… deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.” (cf. art. 639º, nº 1, CPC), explicando António Abrantes Geraldes[3] que esta norma tem cariz genérico, “de tal modo que tanto se reporta aos recursos em que sejam unicamente suscitadas questões de direito, como àqueles que também envolvam a impugnação da decisão da matéria de facto. Em qualquer caso, cumpre ao recorrente enunciar os fundamentos da sua pretensão no sentido da alteração, anulação ou revogação da decisão, rematando com as conclusões que representarão a síntese das questões que integram o objeto do recurso”.
Os apelantes deixaram indicados na alínea g), das suas conclusões, os factos que no seu entender devem ser aditados à decisão de facto e que importarão uma análise jurídica distinta da que foi efetuada em 1ª instância.
São os seguintes:
i) “Devido ao registo da presente ação o Novo Banco não conseguiu registar a alteração do titular da hipoteca por si “readquirida” na pendência de tal ação, através da escritura denominada de “Distrate Parcial de Cessão de Créditos” outorgada em 21/07/2021, e registada sob a AP 34 2006/02/07”;
ii) “A Autora procedeu ao depósito autónomo (DUC 701 880 033 297 932) no valor de € 16.063,00 (dezasseis mil e sessenta e três euros), para pagamento ao Novo Banco (hipoteca registada sob a Ap. 34 2006/02/07) nos precisos termos que foram contabilizados pelo mesmo (vide requerimento apresentado em 30/05/2022 sob a Ref.ª Citius “21166087”), valor que corresponde ao capital e juros de mora relativos a 3 anos”;
iii) “A Autora procedeu ao depósito autónomo (DUC 701 380 033 297 991) no valor de € 22.932,30 (vinte e dois mil novecentos e trinta e dois euros e trinta cêntimos), para pagamento à Ares Lusitani (hipoteca registada sob a Ap. 1 2003/02/09), valor que corresponde ao capital e juros de mora relativos a 3 anos e que foi contabilizado à taxa e sobretaxa indicada pela mesma.”.
No que diz respeito ao facto descrito em i), dizem os recorrentes que o mesmo é evidenciado pelo email remetido pelo Cartório Notarial, ao Novo Banco, em 09/08/2021, junto aos autos em 26/10/2023 sob a Ref.ª Citius 24326216 e que não foi objeto de impugnação pela Autora ou pela Co-Ré.
Quanto à restante factualidade, dizem que a mesma é demonstrada pelos documentos comprovativos dos valores depositados (via depósito autónomo) à ordem destes autos, em 22/03/2023 sob a Ref.ª Citius “23026552”, precedendo despacho do  tribunal em 13/03/2023, sob a Ref.ª Citius “141702988”, no qual se considerou que a  Autora devia proceder aos depósitos a fim de acautelar todas as soluções plausíveis de direito.
A impugnação respeita os ónus previstos no art. 640º, nº 1, als. b), e c), do CPC, aqui aplicáveis.
O email apresentado em 26 de outubro de 2023 (referência citius 24326216) não constitui prova bastante do facto descrito supra sob i). Efetivamente, lido o documento verifica-se que nele é exprimida, em primeiro lugar, uma opinião por parte da funcionária (do Cartório Notarial) que o subscreve: “O Novo Banco aqui, com base na escritura outorgada em 21.07, tem de ir ao indicado processo se habilitar, para poder se pronunciar sobre o tema”; em segundo lugar, é transmitida a informação de que “A Conservatória do Registo Predial pretende que se desista do indicado pedido de registo de distrate, sob pena de recusa do mesmo”, finalmente, é questionado o Novo Banco, S.A, se concorda com a desistência de pedido de registo.
De acordo com os elementos dos autos, o aqui opoente não terá avançado com o pedido de registo na sequência do recebimento do dito email. Porém, nada obstava que o tivesse feito, e caso o mesmo tivesse sido efetivamente recusado, sempre lhe assistiria o direito de impugnar a decisão (recurso hierárquico ou impugnação judicial – cf. arts. 140º a 142º, do CRP).
A dita informação constante do email não configura uma recusa de registo e só uma decisão de recusa provinda da entidade competente, motivada nos termos descritos em i), é que permitiria ter como assente a factualidade de índole conclusiva tal como ali vem descrita.
Improcede, por conseguinte, e nesta parte a impugnação.
Os recorrentes não impugnaram a matéria de facto provada sob os pontos 16, e 17, a qual permite apurar o valor de cada um dos créditos em discussão, carecendo, por conseguinte, de fundamento o aditamento dos factos descritos sob ii) e iii).
Na realidade, cremos que o pedido de aditamento prende-se com a circunstância de os recorrentes pretenderem que se dê como assente o destino a dar aos valores identificados em cada um daqueles pontos, com o fundamento de que as declarações exaradas aquando da junção do comprovativo  de cada um dos depósitos não foram impugnadas. Ora, uma e outra das declarações foram produzidas em requerimento “avulso”, pelo que a ausência de resposta à dita declaração não tem relevância jurídica (efeito cominatório pleno), relevando apenas do ponto de vista factual a realização dos depósitos, acrescendo que as ditas declarações – na parte em que se referem ao destino a dar ao valor dos depósitos – não deixam de constituir matéria de direito, que não pode ser ponderada em sede de decisão de facto, na medida em que cabia ao julgador, em face dos factos 16 e 17, definir os valores que deveriam ser pagos, e, em face da restante factualidade apurada, determinar a quem deveriam ser entregues para efeitos de expurgação de cada uma das hipotecas.
Improcede, por conseguinte, a impugnação.
*
Destarte, para além dos factos constantes do relatório, os factos a ponderar no âmbito da reapreciação de mérito, são os que resultaram apurados em 1ª instância.
Sob a epígrafe “expurgação da hipoteca”, dispõe o art. 721º, do CC.
“Aquele que adquiriu bens hipotecados, registou o título de aquisição e não é pessoalmente responsável pelo cumprimento das obrigações garantidas tem o direito de expurgar a hipoteca por qualquer dos modos seguintes:
a) Pagando integralmente aos credores hipotecários as dívidas a que os bens estão hipotecados;
b) Declarando que está pronto a entregar aos credores, para pagamento dos seus créditos, até à quantia pela qual obteve os bens, ou aquela em que os estima, quando a aquisição tenha sido feita por título gratuito ou não tenha havido fixação de preço.
Constitui objeto do presente recurso o pedido de expurgação da hipoteca referenciada sob o ponto 2.2, que foi julgado improcedente, por não provado, pelos seguintes fundamentos:
“ No que tange à hipoteca registada sob a Ap. 34 de 2006/02/07, como resulta dos factos provados sob pontos 1., 2.2.,4., 6., 8., 10., 11., 12., 14., 15. e 17. dos factos provados:
- A autora adquiriu dos devedores originários o imóvel dos autos, onerado com a hipoteca cuja expurgação pretende;
- A hipoteca encontra-se presentemente registada em nome de Ares Lusitani, sociedade diversa do credor Novo Banco.
- O credor Novo Banco não é titular inscrito de qualquer hipoteca incidente sobre o imóvel adquirido pela autora.
(…)
Tal como se referiu supra e resulta expresso do art. 687.º do Código Civil, a hipoteca deve ser registada, sob pena de não produzir efeitos, mesmo em relação às partes. Tal obrigatoriedade de registo e a dependência dele para a produção de efeitos, resulta ainda das normas dos arts. 2.º, n.º 1 al. h) e 4.º, n.º 2 do Código de Registo Predial supra enunciadas.
O registo da hipoteca é, portanto, constitutivo da mesma, dependendo do registo dos respectivos factos constitutivos a eficácia absoluta do acto/ negócio de constituição da garantia. Neste sentido, vide Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01.04.2014, proferido no processo n.º 3204/12.0YYLSB-A.L1.S1, Rel. Cons. Alves Velhos, disponível em www.dgsi.pt.
Assim, não se encontrando em nome do réu Novo Banco, efectivo titular do crédito que esta garantiu quando da sua constituição, a hipoteca registada sob a Ap. 34 de 2006/02/07, impõe-se concluir que a hipoteca não produz efeitos entre a autora (que não é o devedor responsável pelo seu pagamento) e o Novo Banco.
Por outro lado, não sendo a Ares Lusitani, em nome de quem a hipoteca se mostra registada o titular efectivo do crédito subjacente à constituição originária da hipoteca, não pode o Tribunal ordenar que se faça o pagamento a esta ré com vista à expurgação da hipoteca. Concomitantemente, também não pode ordenar que, com vista à expurgação de uma hipoteca titulada pela ré Ares Lusitani, se faça o pagamento à ré Novo Banco, não sendo indiferente, ao contrário da posição assumida pela autora a quem é que se ordena o pagamento, tendo em conta que o registo da hipoteca é constitutivo e que o Tribunal se encontra limitado pelo pedido na amplitude da decisão a proferir.
Com efeito, não cabe nesse processo determinar outro pagamento de dívida que não aquele que especifica e estritamente origine a expurgação da hipoteca, tendo em conta o pedido efectuado pela autora e que delimita os poderes de cognição do Tribunal, à luz da previsão do no art. 609.º, n.º 1, do Código de Processo Civil e do princípio do dispositivo.
Neste contexto, não produzindo a hipoteca efeitos entre o comprovado credor Novo Banco e a autora, já que a garantia não se mostra registada a favor do réu Novo Banco, e não sendo outro o pedido da acção que não a expurgação da hipoteca, importa concluir que não se mostram reunidos os pressupostos de expurgação da hipoteca registada sob Ap. 34 de 2006/02/07, a que se referem os arts. 687.º e 723.º, n.º 3 do Código Civil supra enunciados.
Termos em que, nesta parte, a acção e a oposição espontânea deverá improceder (…)”.
A decisão não nos merece censura.
Em primeiro lugar cumpre assinalar as seguintes conclusões dos recorrentes:
“p) Em suma, e por um lado, sempre se poderá dizer que implicitamente (pedido implícito é aquele que, com base na natureza das coisas, está presente na acção, apesar de não ter sido formulado expressis verbis) o processo contém todos os elementos que acautelam a verdade material e formal, com vista a dirimir o “conflito” e alcançar aquela que seria a decisão justa para todos, se se abandonar a concepção liberal de processo, assente exclusivamente no princípio do dispositivo, aplicando-se um sistema misto, no qual aquele princípio é progressivamente mitigado pelo princípio do inquisitório;
q) Efetivamente, as regras processuais podem ser afastadas quando não se mostrem idóneas para a justa composição do litígio, isto, no que respeita à alegada delimitação dos poderes de cognição do Tribunal e submissão ao princípio do dispositivo;
r) Se todas as partes estão de acordo, o douto Tribunal a quo pode agilizar uma solução dentro do próprio processo que resolva o tema de vez, pois, em 23/03/2021, quando os presentes autos foram instaurados, tal tema/problema nem sequer existia (a ação foi instaurada contra a titular de ambas as hipotecas registadas), tendo sido criado na sua pendência e exatamente por causa do registo da presente ação;
s) Ora volvidos 3 anos sobre tal data e depois de ter sido permitida a discussão entre todos os envolvidos, o douto Tribunal a quo veio decidir na ótica mais formal (e sem razão como se viu) e dispendiosa para todos e quiçá violando o princípio da economia processual, pois, nada garante que extintos estes autos, fora deles seja possível um acordo nos mesmos moldes que permita o expurgo da hipoteca, em causa”.
Muito sinteticamente, cumpre apenas dizer que se todas as partes estavam de acordo quanto aos termos do litígio, não alcançamos como não lograram pôr-lhe termo  mediante transação, uma vez que o objeto do processo não versa sobre direitos indisponíveis, e que para acautelar tal possibilidade, e como revelam os autos, foi inclusivamente agendada uma tentativa de conciliação no âmbito da qual não só as partes não formalizaram qualquer acordo, como declinaram a possibilidade que lhes foi conferida pela Mmª juíza do tribunal a quo, no sentido de a Autora compatibilizar o pedido com a realidade processual que o opoente veio transmitir ao processo após a sua intervenção espontânea nos autos (cf. ata da diligência em causa).
Neste quadro, é incompreensível a alusão ao primado do formalismo, em detrimento do princípio da economia processual e não descortinamos que regras processuais deveriam ter sido afastadas para resolver a questão a contento dos ora recorrentes (sendo que nem os próprios as identificam).
Mediante escritura denominada de “Distrate parcial de cessão de créditos” outorgada em 21 de julho de 2021, cuja celebração foi motivada por transmissão anterior e indevida de hipotecas, a Ré transmitiu de volta ao NOVO BANCO, a hipoteca voluntária que fora constituída sobre o imóvel identificado em 1 (ver facto 2.2), para garantia de crédito de que aquela instituição bancária continua a ser titular.
A cessão da hipoteca determina a alteração do titular do direito, consubstanciando, nessa medida, um facto constitutivo que para ser eficaz carece de ser registado (cf. arts. 687º, do CC e 2º, nº 1, al. h), e 4º, nº 2, ambos do Código de Registo Predial).
A hipoteca mantém-se registada a favor da Ré, que não é titular do crédito que a hipoteca visa garantir.
E o ora opoente, titular do crédito, não é credor hipotecário, por não ter a hipoteca registada a seu favor, pelo que não estão reunidos os pressupostos contidos no sobredito art. 721º, al. a), do CC, que delimitam o âmbito de cognição do tribunal à luz da ação configurada pela Autora, e que, ditam, em consequência, a sua improcedência, aderindo-se, no mais, aos fundamentos da decisão recorrida.

Decisão
Em face do exposto, acordam as Juízas da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar improcedente a apelação e em manter a decisão recorrida.
Custas a cargo dos recorrentes (art. 527º, nº 1, CPC).

Lisboa, 26 de junho de 2025
Cristina Lourenço
Maria Teresa Lopes Catrola
Maria Carlos Duarte do Vale Calheiros
_______________________________________________________
[1] Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio da Nora, “Manual de Processo Civil”, Coimbra Editora, Limitada, 2ª Edição, pág. 686; Acórdão do STJ de 11/10/2022, proferido no processo nº  602/15.0T8AGH.L1-A.S1, disponível in www.dgsi.pt.
[2] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3/03/2021, Processo Nº 3157/17.8T8VFX.L1, acessível em www.dgsi.pt.
[3] “Recursos em Processo Civil”. 6ª Edição, pág. 181.