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ESCRITURA DE PARTILHA
CONFISSÃO EXTRAJUDICIAL
FORÇA PROBATÓRIA
PROVA TESTEMUNHAL
ADMISSIBILIDADE
Sumário
Sumário: (elaborado pela relatora - art. 663º, nº 7, do Código de Processo Civil): 1. A escritura pública de partilha, enquanto documento autêntico (art. 369º, nºs 1, e 2, CC) lavrado por documentador revestido de fé pública garante a veracidade do que se passou na sua presença e que é descrito no documento, mas já não garante que aquilo que foi dito pelo(s) declarante(s) corresponde à verdade. 2. A declaração feita na escritura pública por um dos intervenientes em como já tinha recebido as tornas devidas e apuradas a seu favor constitui uma confissão extrajudicial, que goza de força probatória plena contra o confitente (arts. 352º, 355º, nº 1 e 4 e 358º, nº 2, do CC). 3. Apesar do art. 393º, do CC, estabelecer que não é admissível a prova por testemunhas quando o facto estiver plenamente provado por documento ou por outro meio com força probatória plena, se a convicção do tribunal quanto à inveracidade do facto confessado se formar a partir de um ou mais documentos, é de admitir nessas circunstâncias, ainda que como mero complemento probatório, a prova testemunhal, que, assim, não oferece os perigos que poderia ter se desacompanhada de tal começo de prova. Não obstante, para que tal suceda, é necessário que o princípio de prova escrita diga respeito ou relate situação fáctico-jurídica atinente ao próprio confitente e não a terceiros, ainda que tenham produzido declarações confessórias idênticas.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
Relatório Me…, e Ma…, residentes na Alameda …., em …, propuseram a presente ação declarativa de condenação, sob a forma única de processo comum, contra A…, A.P…, e M…, todos residentes na Alameda ….., em …, pedindo a condenação destes, nos seguintes termos:
a) A reconhecerem o direito de propriedade das Autoras sobre o prédio misto sito na Alameda …, na freguesia de …, e na Canada …., freguesia da …, concelho de …;
b) A restituírem às Autoras a parte do prédio que ocupam livre de pessoas e bens e em boas condições de limpeza e habitabilidade;
c) A pagarem às Autoras a quantia mensal de € 250,00, a título de indemnização por cada mês de ocupação abusiva, contados desde a citação até à entrega efetiva do prédio.
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Os Réus foram citados e contestaram a ação. Impugnaram os factos alegados pelas Autoras e deduziram ação reconvencional contra ambas, tendo, a final, formulado os seguintes pedidos:
a) Sejam absolvidos de todos os pedidos contra si formulados;
b) Sejam as Autoras/reconvindas condenadas a reconhecerem o contrato de comodato que foi feito aos Réus A… e mulher A.P… relativamente ao prédio urbano que os mesmos habitam com sua filha, sito na Alameda …., com o n.º …. e, por via disso, condenadas a admitir que os Réus habitem tal imóvel; ou
c) Serem as Autoras condenadas a pagarem aos Réus as quantias pelos mesmos despendidas nas obras ou benfeitorias realizadas, que assumem valor não inferior a € 6.500,00, que melhor será determinado pela avaliação ou pela prova documental que os Réus lograrem obter; Em alternativa,
d) Sejam as Autoras condenadas ao pagamento em causa na alínea anterior por força do enriquecimento sem causa;
e) Sejam as Autoras condenadas a reconhecerem aos Réus o direito de retenção da casa onde habitam enquanto não procederem ao pagamento do que lhes é devido a título de benfeitorias ou do enriquecimento sem causa;
f) Sejam as Autoras condenadas a pagarem aos Réus no caso de alguma procedência da ação, o valor existente nas estufas de ananás, a apurar em execução de sentença;
g) Sejam as Autoras condenadas a reconhecerem a falsidade constante da escritura de partilhas no que ao pagamento de tornas diz respeito, por não corresponder à realidade;
h) Seja a Autora Ma… condenada a pagar aos Réus a quantia das tornas em dívida, no montante de € 11.250,00, acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento.
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As autoras apresentaram réplica, no âmbito da qual, e além do mais, declinaram a existência do enriquecimento sem causa convocado pelos réus, por entenderem não estarem verificados os respetivos pressupostos, e, que, para o caso de assim não se entender, sempre teria de concluir-se pela prescrição do direito à restituição, nos termos previstos pelo 482º, do CC.
Concluíram, pedindo a improcedência da ação reconvencional.
Foram notificadas para exercerem, querendo, o contraditório relativamente às exceções deduzidas na contestação, o que fizeram, concluindo, a final, pelo respetivo indeferimento.
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Dispensou-se a realização da audiência prévia.
O processo foi saneado, procedeu-se à fixação do objeto da causa e enunciaram-se os temas da prova.
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Realizou-se audiência de discussão e julgamento, após o que foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
“Por todo o exposto, julgo a presente ação parcialmente procedente por parcialmente provada e, em consequência:
a. Declaro as AA. ….titulares, na metade para cada qual, do direito de propriedade das AA. sobre o prédio misto sito…., na freguesia de … na …, nº… freguesia da …, concelho de …, condenando, sequentemente, os RR…. reconhecerem tal direito;
b. Condeno as AA… a reconhecerem, até à data da citação levada a cabo nestes autos, o contrato de comodato que foi feito aos RR. A. e A.P… relativamente ao prédio
urbano que os mesmos habitam com sua filha, sito na …com o nº…. de polícia;
c. Condeno as AA …a pagarem aos RR… a quantia de € 9.819,36 (nove mil oitocentos e dezanove euros e trinta e seis cêntimos) a título de indemnização pelas benfeitorias úteis que implementaram no bem referido em b.;
d. Condeno as AA… a reconhecerem aos RR. A. e A.P… o direito de retenção
do bem referido em b. enquanto não procederem ao pagamento do valor referido em c.;
e. Condeno as AA… a reconhecerem a falsidade constante da escritura de partilhas no que ao pagamento de tornas diz respeito;
f. Na sequência do que se aponta em e., condeno a A. Ma… a pagar ao R… a quantia das tornas em divida, no montante de €11.250,00 (onze mil duzentos e cinquenta euros) acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento;
g. No mais vão AA. e RR. absolvidos.
Custas pelas AA. e RR. na proporção de 85% e 15%, respetivamente.
Registe e notifique.”
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Os Réus/reconvintes vieram recorrer da sentença na parte em que as Autoras/reconvindas foram condenadas a pagarem, a título de benfeitorias, a quantia de € 9.819,36, pedindo que tal decisão seja substituída por outra que as condene a pagarem a quantia de € 35.100,00, tendo alinhado, a final, as seguintes conclusões:
“a) A sentença recorrida apresenta incongruências nos pontos 24, 29, 31, 32, 33, 35 e 36 dos factos dados como provados, sendo também contraditória com a prova pericial produzida e dada por provada;
b) No ponto 24, foi dado como provado que a A. Me… interpôs uma ação judicial contra os RR. A… e mulher a fim de que estes entregassem a casa onde habitam no âmbito do Proc. n.º …, quando na realidade quem propôs tal ação foi Ma…, conforme se verifica pela apensação de tal processo aos presentes autos;
c) No ponto 29 dos factos dados como provados é referido que A.P… intentou uma ação de condenação aí melhor identificada, quando tal ação foi instaurada por H…, conforme consta do Proc. n.º … que se encontra apensado aos presentes autos;
d) No ponto 31 dos factos dados como provados, o Tribunal a quo elencou diversos trabalhos de melhoramento previstos no ponto 29, sendo que tal ponto é totalmente omisso relativamente a tais trabalhos;
e) A matéria fáctica dada como provada nos pontos 32 a 36 revela-se contraditória
entre si;
f) Não se compreende como concluiu o Tribunal a quo pelos valores das benfeitorias mencionados nos pontos 32 e 33 dos factos dados como provados para depois dar como provado que a casa ocupada pelos RR. à presente data tem um valor estimado em 61.900,00€, valendo os trabalhos nela feitos pelo R. a partir de 1994 o valor de 35.100,00€ e sendo o valor do imóvel antes das obras realizadas pelo R. atualizado para 1994, estimado em 14.200,00€.
g) As benfeitorias realizadas pelo R. implicaram um aumento significativo no valor do imóvel, que hoje tem um valor estimado de 61.900,00€, valendo os trabalhos feitos pelo R. a partir de 1994 o valor de 35.100,00€, tal como resulta da prova pericial e que foi dada como matéria provada;
h) Deveria o Tribunal a quo ter condenado as AA. no pagamento aos RR. do valor de 35.100,00€ pelos trabalhos feitos no imóvel e não o valor de 9.819,36€ como o fez, valor este que se mostra injusto e contraditório com a prova pericial dada como matéria provada.”.
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As Autoras/reconvindas não responderem ao recurso.
Interpuseram recurso subordinado e formularam as seguintes conclusões:
“i. O presente recurso subordinado vem interposto da sentença do doutro tribunal a quo proferida a 17-12-20224, nos termos do artigo 633.º n.ºs 1 e 2 do CPC,
ii. O presente recursa visa alteração da matéria de facto provada e não provado no que concerne ao pagamento das tornas no âmbito da escritura de partilha.
iii. E ainda da parte em que reconhece o direito sem causa das Recorrentes e ainda.
iv. O facto 14 da matéria de facto não pode ser dado como provado, pois contraria a prova documental junta aos presentes autos, mais precisamente a escritura de partilha.
v. O facto 14 é dado como provado com base nos depoimentos das testemunhas H… e A.A…, irmãs das Recorrentes e do Recorrido marido e ainda do que vem do apenso ….
vi. Da transação celebrada no âmbito daquele processo não é possível inferir que o Recorrido marido, que nem é parte na mesma não recebeu as tornas devidas.
vii. Aqueles depoimentos não podem fazer prova da falta de pagamento pois, as testemunhas têm um interesse direto no desfecho da presente ação pois encontram-se numa situação idêntica à dos Recorridos,
viii. Habitam numa casa que não lhes pertence, sem pagarem qualquer quantia por isso.
ix. A escritura de partilha junta aos presentes autos é documento particular autêntico e tem força probatória plena, ao contrário do depoimento testemunhal que é livremente apreciado pelo tribunal.
x. Na escritura de partilha consta expressamente que “declaram o primeiro, a segundo, a terceira e o quarto outorgantes que, já receberam as tornas devidas apuradas a favor de cada um deles”.
xi. Estamos perante uma declaração feita pelos outorgantes à parte contrária, na respetiva escritura de partilhas e o seu conteúdo traduz uma confissão do pagamento das tornas, nos termos do artigo 352.º do CC, o que configura uma confissão extrajudicial feita em documento autêntico, artigo 355.º n.º 4 do CC.
xii. Salienta-se que não foi invocado pelos Recorridos nenhum vicio que pudesse afetar a sua vontade prestada na escritura de partilha pelo que não estamos perante a situação prevista no artigo 359.º do CC.
xiii. Assim, deve o facto 14 ser alterado com seguinte redação: As AA. Pagaram as tornas devidas ao pai e aos irmãos, tal como declarado na escritura de partilha.
xiv. E, consequentemente, devem os factos n.ºs 37 e 47 da matéria de facto não provada, serem dados como provados.
xv. Quanto ao instituto do enriquecimento sem causa, este não pode ser aplicável, pois o direito à restituição do enriquecimento sem causa prescreve no prazo de 3 anos, nos termos do artigo 482.º do CC, exceção esta invocada em sede de réplica e que não foi sequer considerada na douta sentença recorrida.
xvi. As faturas das obras juntas aos autos pelos Recorridos reportam-se a 2011, pelo que há muito que tal direito se encontra prescrito.
xvii. Nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 393.º do “1. Se a declaração negocial, por disposição da lei ou estipulação das partes, houver de ser reduzida a escrito ou necessitar de ser provada por escrito, não é admitida prova testemunhal.2. Também não é admitida prova por testemunhas, quando o facto estiver plenamente provado por documento ou por outro meio com força probatória plena.”
xviii. Assim, não é admissível prova testemunhal do pagamento das tornas, pois esse facto está provado por escritura publica com força probatória plena.
xix. Não existindo sequer um indício de prova escrita que indique o contrário, ou seja, que as ora Recorrentes não procederam ao pagamento das tornas.
xx. Ora, a disposição plasmada nos n.ºs 1 e 2 do artigo 393.º do CC é imperativa e não pode ser ignorada sem mais, sem uma acrescida prova e respetiva fundamentação.
xxi. A declaração prestada em sede de escritura de partilha constitui uma confissão extrajudicial que não pode ser afastada por prova testemunhal ou presunções judiciais, a lei é clara nesse sentido.
xxii. Assim, não devem ser as Autoras condenadas a reconhecerem a falsidade constante da escritura no que respeita ao pagamento das tornas, nem ser a Autora Ma… condenada a pagar ao Recorrido marido a quantia de 11.250.00€ a título de tornas, por estas já terem sido pagas.
Nestes termos, e nos melhores de direito que V. Exas doutamente suprirão, deve a douta sentença recorrida ser revogada e substituída por outra nos termos acima expostos,
Porque só assim se fará JUSTIÇA!”.
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Os Réus/reconvintes não contra-alegaram.
*
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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Objeto do recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das partes, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. arts. 635º, nº 4, 639º, nº 1, e 662º, nº 2, todos do Código de Processo Civil), sendo que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e é livre na interpretação e aplicação do direito (cf. art.º 5º, nº3 do mesmo Código).
No caso, as questões que importa decidir são as seguintes: Do recurso principal:
- Impugnação da decisão relativa à matéria de facto;
- Se se impõe a alteração da condenação das Autoras/reconvindas quanto ao valor das benfeitorias; Do recurso subordinado
- Impugnação da decisão relativa à matéria de facto;
- Se a sentença deve ser revogada no que diz respeito à condenação das Autoras/reconvindas no reconhecimento da falsidade da escritura pública e quanto à condenação no pagamento de tornas.
Fundamentação de Facto Impugnação da decisão relativa à matéria de facto. i. Do recurso principal
Embora sem o referir expressamente, os Réus/Reconvintes impugnam a decisão relativa à matéria de facto, quanto aos pontos concretamente assinalados nas conclusões, ainda que alguns evidenciem constituir meros lapsos.
Vejamos.
Relativamente ao ponto 24 da matéria de facto, dizem que a ação à qual coube o nº …. não foi proposta por Me…, mas por Ma….
Ora, vista a dita ação, verifica-se que a mesma foi proposta por Me…, contra A… e mulher A.P…, constando da sentença proferida a final a identificação da autora nos termos indicados na petição inicial.
Porém, visto também o processo nº … (ambos estão apensos a este processo), no qual figura como Autora H…, e, como Ré, Me…, diz-se, ali, que esta é também conhecida por Me..C…D… e ainda por Ma…D….
Deste modo, tendo em consideração o que resulta daqueles processos, cumpre alterar o dito ponto 24, conformando-o com a informação deles resultante (ainda que não em conformidade estrita com a decisão alternativa pugnada pelos recorrentes), o qual passa a ter, então, a seguinte redação:
24. Já há alguns anos que Me… – também conhecida por Me…D… e Ma… D… - interpôs uma ação judicial contra A… e mulher A.P…(uma ação de reivindicação com forma ordinária), a fim de que estes entregassem a casa onde habitam, processo que tomou o nº…., que correu seus termos no … juízo do então Tribunal Judicial de Ponta Delgada, processo que terminou com a desistência da instância, seja da ação seja da reconvenção.
*
Relativamente ao ponto 29 dos factos provados, dizem os recorrentes que a ação judicial a que coube o nº … foi proposta por H…, e não por A.A….
E do que já se deixou referido, resta concluir que lhes assiste razão, pelo que o dito ponto da matéria de facto passa a ter a seguinte redação:
29. H… intentou uma ação de condenação contra a ora Autora Ma…, visando que esta fosse condenada a pagar-lhe o montante que se tinha obrigado a nível de tornas na partilha referida em 2., ação que terminou por acordo, no qual a Autora H… desistiu do pedido que formulou a troco da cedência por parte da Ré Ma…, sem ónus ou encargos, de uma das casas implantadas no terreno aqui em causa, para a usar e nela habitar.
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Os recorrentes concluem sob a alínea d), o seguinte: “No ponto 31 dos factos dados como provados, o Tribunal a quo elencou diversos trabalhos de melhoramento previstos no ponto 29, sendo que tal ponto é totalmente omisso relativamente a tais trabalhos”.
Assiste-lhes razão, sendo notório que o dito facto, na sua parte final, enferma de um lapso de escrita. Efetivamente, percorrido o quadro factual fixado em 1ª instância, verifica-se que é no ponto 20 da matéria de facto que estão elencadas as obras de melhoramento executadas no imóvel em discussão e a que se reporta a factualidade descrita em 31.
Deste modo, e procedendo-se à correção do referido lapso, determina-se que neste ponto da matéria de facto, onde se lê, “Os trabalhos de melhoramento apontados em 29. corresponderam:…”, passe a ler-se: “Os trabalhos de melhoramento apontados em 20. corresponderam:…”
*
Finalmente, dizem os Réus/Reconvintes, e ora recorrentes, que a matéria de facto dada como provada nos pontos nºs 32 a 36 revela-se contraditória entre si (alínea e), das conclusões). Não concretizam a apontada contradição, como não cumprem com os ónus contidos no art. 640º, nº 1, als. b), e c), do CPC: não indicam os meios probatórios que impunham uma decisão diversa da que foi proferida quanto a cada um dos pontos concretamente assinalados, como não indicam, relativamente a qualquer deles, a decisão que no seu entender deveria ser proferida. As restantes alíneas da sua síntese conclusiva revelam, por outro lado, que a verdadeira discordância dos recorrentes prende-se com a decisão de mérito tomada com base na dita matéria de facto, discussão que não pode ser travada em sede de impugnação da decisão relativa à matéria de facto.
Assim sendo, por incumprimento dos referidos ónus por parte dos recorrentes e não se vislumbrando qualquer contradição entre os factos assinalados, cumpre rejeitar o recurso de facto na parte ora assinalada.
* ii. Recurso subordinado
As Autoras vieram impugnar o facto dado como provado sob o nº 14.
Dizem, para tanto, que a prova de tal facto contraria a prova documental constante dos autos, mais concretamente, a escritura de partilhas, documento particular e autêntico, com força probatória plena; que o seu conteúdo traduz uma confissão extrajudicial do pagamento das tornas feita em documento autêntico; e que não foi invocado pelos Recorridos nenhum vício que pudesse afetar a vontade prestada na escritura de partilha, razão pela qual não estamos perante a situação prevista no artigo 359.º do CC.
Concluem, deste modo, que o facto 14 deve ser alterado e passar a ter a seguinte redação: As Autoras pagaram as tornas devidas ao pai e aos irmãos, tal como declarado na escritura de partilha; consequentemente, os factos n.ºs 37 e 47 da matéria de facto não provada devem considerar-se como provados.
Sob o ponto nº 14, deu-se como provado o seguinte:
14. Acontece que as Autoras não pagaram as tornas devidas ao pai nem aos irmãos, apesar destes terem declarado, em tal documento, já as terem recebido.
Sob os nºs 37 e 47, resultou como não demonstrada a seguinte factualidade:
37- Que na altura da escritura de partilha foram pagas pelas Autoras as tornas ao pai e aos irmãos na parte que lhes cabia que estes receberam;
47. O Réu marido recebeu a sua parte das tornas em dinheiro, no valor de €11.250,00 (onze mil duzentos e cinquenta euros), assim como o pai das Autoras, tal como declarado pelos mesmos na escritura.
Com relevância para a reapreciação da decisão de facto, urge chamar à colação os seguintes factos, que não foram objeto de impugnação:
2. A 1.3.2007 as Autoras adquiriram o prédio referido através da escritura de partilha em vida, primeiro apenas a nua propriedade, já que o progenitor das Autoras ficou com o usufruto dele;
3. Todos os irmãos das Autoras consentiram na adjudicação apontada em 2., pois todos intervieram na escritura de partilha;
6. Aquando da escritura de partilha referida em 2. e ainda com o pai das Autoras e do Réu A…, ficou estipulado que a nua propriedade do prédio identificado em 1. seria adjudicada às Autoras na proporção de um meio para cada qual, sendo atribuído ao prédio o valor de €150.000,00 (cento e cinquenta mil euros), sendo este o valor do bem a partilhar;
7. Tal como consta da escritura de partilha os restantes herdeiros prestaram o seu
consentimento à adjudicação nas condições referidas;
13. Em razão da adjudicação apontada em 2., a Autora Me… teria de repor € 37.500,00 ao pai … e a Autora Ma… teria de repor a cada um dos irmãos (…) o valor que lhes cabia de € 11.250,00 para lhes preencher os respetivos quinhões e ainda € 3.750,00 para acabar de repor ao quinhão do pai.
A propósito da matéria objeto de impugnação, diz-se na sentença recorrida, o seguinte:
“O que está em 13. e 14…vem de forma clara dos depoimentos das AA., das declarações das testemunhas H… e A.A…, saindo ainda de forma clara do que vem do apenso …. Para isso não perdendo de vista o artº.393º do CC, percebemos que é coisa que resulta de forma evidente dos elementos probatórios apontados. No que toca a esta questão (a de terem ou não os beneficiários de tornas recebido o valor dos respetivos quinhões) é de relevância extrema a regra do artº.394º, nº.1 do CC que reza, “é inadmissível a prova por testemunhas, se tiver por objeto quaisquer convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de documento autêntico ou dos documentos particulares mencionados nos artigos 373º a 379º, quer as convenções sejam anteriores à formação do documento ou contemporâneas dele, quer sejam posteriores”.
Desse modo, estariam os RR. impedidos de provar por testemunhas tudo o que se questionava neste particular. No entanto, cumpre analisar melhor aquela possível interdição de prova. O Prof Vaz Serra, no seu estudo sobre as provas, nos BMJ nºs.110 a 112, que serviu de base à disciplina do Código Civil de 1966, aborda a questão da inadmissibilidade da prova testemunhal que tiver por objeto convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de documento, autêntico ou particular. Sendo certo que foi da doutrina aí explanada que resultou o teor do artº.394º desse diploma. Advoga aquele ilustre professor a não consagração absoluta do princípio da sua inadmissibilidade. Na esteira do direito italiano, defende a possibilidade de o fazer quando aquela prova “...seja acompanhada de circunstâncias que tornem verosímil a convenção que com ela se quer demonstrar...” – BMJ nº.112, pág.193 -, exemplificando com a prova da simulação pelos simuladores, ou “...quando tenha em vista fazer valer a ilicitude do contrato dissimulado...”, ou melhor, “...quando está em jogo um interesse público que deve prevalecer sobre o das partes” - págs.197 e 198. É nesse pressuposto que, estando já em vigor o Código Civil de 1966, se bate por uma interpretação restritiva do artº.394º, apontando as referidas exceções ao princípio aí consagrado da inadmissibilidade de prova testemunhal. Assim, na Ver. Leg. Jurisprudência, Ano 103º, pág.13: “...parece razoável que a prova testemunhal seja admitida quando, em consequência das circunstâncias do caso concreto, for verosímil que a convenção tenha sido feita...”. E, mais adiante: “...a convicção do tribunal está já parcialmente formada com base nessas circunstâncias e a prova testemunhal limitou-se a completar essa convicção, ou antes, a esclarecer o significado de tais circunstâncias”. Do mesmo modo, nessa mesma revista, Ano 107º, onde afirma: “esta doutrina (as restrições à admissibilidade) não foi formulada expressis verbis no código por isso se ter considerado desnecessário” - pág.311; “as exceções que estes códigos fazem à regra da inadmissibilidade da prova testemunhal contra ou além do conteúdo de documentos parecem igualmente verdadeiras no nosso direito, apesar do silêncio do código acerca delas” - pág.312. Ainda nessa revista, Ano 110º, pág.383 e sgs., Ano 111º, págs.3 e sgs., e Ano 115º, págs.121 e sgs., volta a sustentar a mesma opinião. No mesmo sentido, pronunciou-se o Prof Mota Pinto, in CJ, 1985, Tomo III, pág.9. Mais recentemente ver o acórdão da Relação de Lisboa de 18.5.99, in CJ, Tomo III, pág.102. Perscrutando, a essa luz, o caso sub judice, constata-se que, tendo em conta as circunstâncias específicas aqui em causa, é admissível a prova testemunhas já que estarmos perante situação que permita extravasar o âmbito da proibição estabelecida por aquele artº.394º, nº.1 do CC.”
A escritura pública de partilha lavrada em 1 de março de 2007 e identificada no ponto 2 da matéria de facto constitui documento autêntico (cf. art. 369º, nºs 1, e 2, CC), fazendo, por conseguinte, prova plena quanto aos factos percecionados pela autoridade pública documentadora (art. 371º, nº 1, CC).
O documento autêntico lavrado por documentador revestido de fé pública garante a veracidade do que se passou na sua presença e que é descrito no documento, mas já não garante que aquilo que foi dito pelo(s) declarante(s) corresponde à verdade.[1]
Na dita escritura pública, cuja cópia foi junta com a petição inicial, o ora Réu A… declarou que já tinha recebido as tornas devidas e apuradas a seu favor.
A declaração de já haver recebido as tornas que lhe eram devidas pela sobredita Autora/reconvinda, consubstancia o reconhecimento de um facto que aqui lhe é desfavorável e que beneficia aquela, traduzindo uma confissão extrajudicial, que goza de força probatória plena contra o confitente (cf. arts. 352º, 355º, nº 1 e 4 e 358º, nº 2, do CC).
Dispõe o art. 347º, do CC, que “ A prova legal plena só pode ser contrariada por meio de prova que mostre não ser verdadeiro o facto que dela for objeto, sem prejuízo de outras restrições especialmente determinadas na lei”, estabelecendo o art. 393º, do CC, que não é admissível a prova por testemunhas quando o facto estiver plenamente provado por documento ou por outro meio com força probatória plena, esclarecendo Pires de Lima e Antunes Varela[2] que a doutrina desta norma deve cingir-se “… aos factos cobertos pela força probatória plena do documento. Assim, nada impede que se recorra à prova testemunhal para demonstrar a falta ou os vícios da vontade, com base nos quais se impugna a declaração documentada.
O documento prova, em dados termos, que o seu autor fez as declarações dele constantes; os factos compreendidos na declaração consideram-se provados, quando sejam desfavoráveis ao declarante. Mas o documento não prova nem garante, nem podia garantir, que as declarações não sejam viciadas por erro, dolo ou coacção ou simuladas.
Por isso mesmo a prova testemunhal se não pode, neste aspecto, considerar legalmente interdita”.
No caso, não vem alegado que a declaração confessória do Réu/Reconvinte tenha na sua génese qualquer dos apontados vícios, como não foi invocada a falsidade do documento.
No entanto, constitui entendimento jurisprudencial, aparentemente maioritário, que perante princípio(s) de prova escrito(s) verosímeis, ou seja, suscetíveis de conduzirem à prova de facto que demonstre a inveracidade da declaração confessória, será de admitir, apenas como complemento probatório, a prova testemunhal.
Nestas circunstâncias, se o facto que se visa provar já se prefigura verosímil por um começo de prova por escrito, admite-se a prova testemunhal, na medida em que a mesma não oferece os perigos que poderia ter se desacompanhada de tal começo de prova: a convicção do tribunal começa por formar-se com base num ou mais documentos, pelo que a prova testemunhal nunca constituirá a única prova do facto.
A este respeito, neste sentido, entre muitos outros, cita-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12/10/2023, proferido no processo nº 227/18.7T8FNC.L1.S1, cuja consulta está acessível em www.dgsi.pt, e onde se lê, o seguinte: “As declarações que os contraentes hajam produzido perante a entidade pública, designadamente o preço do imóvel e que o mesmo se encontra recebido são objecto de percepção e a realidade dessas afirmações, cabendo nas percepções do notário e implicando o reconhecimento de um facto que é desfavorável a quem o declara, é qualificado pelo artigo 352º do Código Civil como confissão. Trata-se de uma confissão extrajudicial em documento autêntico, feita à parte contrária, admissível pela sua própria essência, que goza de força probatória plena contra o confitente, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 355°, nºs 1 e 4, e 358°, n° 2 do Código Civil. A força probatória plena da confissão pode, no entanto, ser contrariada por meio de prova do contrário, nos termos do disposto no art.º 347º do Código Civil que textua: “A prova legal plena só pode ser contrariada por meio de prova que mostre não ser verdadeiro o facto que dela for objecto (...)”. Por outro lado, a força probatória dos documentos autênticos só pode ser ilidida pela prova do contrário, verbi gratia, pela prova de que o preço acordado não foi percebido pelo vendedor, apesar da declaração constante da escritura, o que pode ser suscitado com a alegação de falsidade da escritura onde ficou exarada a confissão extrajudicial (art.º 372º n.º 1 do Código Civil) ou estar a sua vontade omissa ou viciada no momento da declaração (art.º 359º n.º 1 do Código Civil). No âmbito da prova testemunhal, o art.º 393 n.º 2 do Código Civil adverte para a sua inadmissibilidade quando o facto estiver plenamente provado por documento ou por outro meio com força probatória plena, acrescentando o art.º 394 do Código Civil igual inadmissibilidade (da prova testemunhal) se tiver por objeto quaisquer convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de documento autêntico, ou dos documentos particulares mencionados nos artºs. 373º a 379º, ambos do Código Civil quer as convenções sejam anteriores à formação do documento ou contemporâneas dele, quer sejam posteriores. Também o n.º 1 do art.º 394º do Código Civil exceciona a admissibilidade da prova testemunhal quando se tenha “por objecto quaisquer convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de documento autêntico ou dos documentos particulares mencionados nos artigos 373.º a 379.º, quer as convenções sejam anteriores à formação do documento ou contemporâneas dele, quer sejam posteriores”. Cabem assim no âmbito deste preceito as convenções que contrariam (ou se opõem) ao declarado no documento assim como todas as que acrescentam (ou adicionam) qualquer clausulado. E o legislador foi mais impressivo ao expressar no n.º 2 que a proibição é aplicável ao “acordo simulatório e ao negócio dissimulado, quando invocado pelos simuladores” pretendendo deixar claro que a proibição também abrange aquele vício de vontade, ou seja aquela divergência entre a vontade e a declaração. (…) Vaz Serra comentava na Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 103º, página 13, ao insistir que “os arts. 394º e 395º não formulam expressamente excepções às regras neles contempladas. Mas tal não quer dizer que tais regras não sejam aplicáveis, pois da razão de ser destas concluiu-se que não têm alcance absoluto, havendo que ressalvar algumas hipóteses em que a prova testemunhal será admissível apesar de ter por objecto uma convenção contrária ou adicional ao conteúdo do documento”. No equilíbrio interpretativo das observações que se deixaram sinalizadas e no sentido de ultrapassar a questão da admissibilidade da prova testemunhal relativamente aos factos declarados na escritura perante o notário, tornou-se pacífico o entendimento do Supremo Tribunal de Justiça no sentido de “A proibição de prova prevista no artigo 394, nº 2, do C.C. respeita, apenas, ao recurso à prova testemunhal, ou por presunções judiciais, do artigo 351 daquele diploma substantivo, como meio de prova exclusivo, do acordo simulatório, ou de negócio dissimulado” Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15 de dezembro de 1098, Processo nº. 98A795, em www.dgsi.pt. Ou, no mesmo sentido e posteriormente o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de fevereiro de 2010, proferido no Processo n.º 566/06.1TVPRT.P1.S1 quando renova que “A prova testemunhal relacionada com convenção contrária ao conteúdo da escritura pública é de ter como admissível quando complementar (coadjuvante) de um elemento de prova escrito que constitua um suporte documental suficientemente forte para que, constituindo a base da convicção do julgador, se possa, a partir dele, avançar para a respectiva complementação. Existindo um princípio de prova escrita suficientemente verosímil, fica aberta a possibilidade de complementar, mediante testemunhas, a prova do facto contrário ao constante da declaração confessória, ou seja, de demonstrar não ser verdadeira a afirmação consciente e voluntariamente produzida perante o documentador.” E no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de fevereiro de 2017, proferido no âmbito do Processo n.º 3071/13.6TJVNF.G1.S1 deixou-se expresso que não obstante todas as objeções que se possam suscitar “ não repugna aderir à interpretação menos restritiva, desde que o “princípio de prova” seja um documento que não integre facto - base de presunção judicial pois sendo-o o n.º 2 do artigo 394.º poderia entrar em colisão com o citado artigo 351.º CC.”. Adicionando esse documento a existência de acordo simulatório ou um negócio dissimulado pode lançar-se mão da prova testemunhal para confirmar ou infirmar, tornando-se, então, o primeiro elemento de prova e sem que colida com o citado n.º 2 do artigo 394. Também Mota Pinto, in Coletânea de Jurisprudência, ano 1985, III, página 9, escreve que “Constitui excepção à regra do art.º 394º e, por isso, deve ser permitida a prova por testemunhas no caso de o facto a provar estar já tornado verosímil por um começo de prova por escrito. Também deve ser admitida tal prova testemunhal existindo já prova documental susceptível de formar a convicção da verificação do facto alegado quando se trate de interpretar o conteúdo de documentos ou completar a prova documental”.
Na sentença recorrida, salvo o devido respeito por opinião contrária, e não obstante as citações doutrinais nela efetuadas, não encontramos especificadas as circunstâncias concretas que permitiram admitir a prova testemunhal para sustentar a falsidade das declarações referenciadas no ponto 14 dos factos provados, nomeadamente, o(s) princípio(s) de prova escrita que conduziram à admissibilidade da prova testemunhal e/ou declarações de parte.
Analisados os meios probatórios documentais produzidos nos autos, temos de concluir pela inexistência de elementos suscetíveis de constituírem princípio de prova escrita.
Concretizemos:
a) A ação judicial que deu origem ao processo nº …, proposta contra a ora Autora Ma…, no âmbito da qual lhe foi pedido que procedesse ao pagamento das tornas fixadas na dita escritura pública, permitiria formar uma primeira convicção de que as tornas não tinham sido pagas, reforçada com o desfecho que viria a ter tal ação: desistência do pedido formulado contra a ali Ré e aqui Autora, Ma…, a troco da cedência por parte desta, sem ónus ou encargos, de uma das casas implantadas no terreno aqui em causa.
Sucede, porém, que tal ação judicial foi proposta por H… (facto 29), não permitindo a dita prova documental constituir um princípio de prova escrita relativamente a um sujeito distinto, neste caso, o Réu A… ou, diga-se, ainda, relativamente a qualquer das outras pessoas referenciadas no facto nº 14, sendo que no confronto com o pedido formulado pelos Réus/reconvintes e acima assinalado sob a alínea g), sempre seria de discutir a exceção da ilegitimidade, posto que não estão na ação reconvencional todos os demais sujeitos identificados no ponto nº 14 (quanto aos pai das Autoras, já falecido, os respetivos sucessores).
Contendo-nos, não obstante, no âmbito da reapreciação da prova e não podendo a sobredita ação judicial constituir um princípio de prova escrita quanto à alegada falta de veracidade da confissão extrajudicial do Réu A…, na qual vem sustentado o pedido de pagamento de tornas, não é admissível, in casu, e com base em tal documento, admitir-se a prova por testemunhas ou por declarações de parte.
b) Com o requerimento probatório a que corresponde a referência citius 5406177, os Réu/Reconvinte juntou cópia de extrato de conta bancária de que é titular, com o objetivo de demonstrar que no ano de 2007 nela não deu entrada o valor que a Autora/Reconvinda alega ter pago.
Trata-se de documento insuscetível de constituir um princípio de prova escrita, desde logo por não resultar da declaração confessória o modo do recebimento das tornas, pelo que sempre seria de ponderar a possibilidade de as mesmas terem sido recebidas em numerário, acrescendo que a circunstância de inexistir entrada do valor correspondente às tornas na conta identificada no dito extrato, no hiato temporal nele assinalado, também não permitiria formar uma primeira convicção quanto à falta do recebimento das mesmas, por se desconhecer, desde logo, se o Réu é titular ou cotitular de qualquer outra conta bancária.
Deste modo, o referido documento não vale como princípio de prova escrita, não sendo de admitir também, com base nele, a prova testemunhal ou por declarações de parte.
Consequentemente, o facto 14, que foi julgado como provado, tem-se como não demonstrado no que diz respeito ao Réu A…s. No mais, o dito ponto contém matéria inócua e mesmo insuscetível de ser apreciada nesta ação, por nela não serem partes as demais pessoas visadas.
As recorrentes pretendem, ainda, que os factos julgados como não provados sob os pontos 37 e 47, sejam dados como provados, tal como consta da escritura pública.
A escritura pública apenas permite ter como demonstrado o que dela consta efetivamente, pelo que tendo por base tal documento e em face do objeto do processo (reconvenção), impõe-se o aditamento do seguinte facto:
- Na escritura pública de partilha referenciada supra sob o nº 2, A…declarou já ter recebido as tornas devidas apuradas a seu favor.
Por conseguinte, por ser este o facto objetivo revelado pelo documento em causa que importa à decisão de mérito, e na sequência do que anteriormente se deixou dito, determina-se a eliminação dos factos 37 e 47 dos factos não provados.
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Posto isto, e após apreciação da decisão relativa à matéria de facto, o quadro factual (renumerado) é o seguinte:
Factos Provados:
1. As Autoras são proprietárias e legítimas possuidoras do prédio misto, constituído por 9.154 m2 de terra, sito na …, na freguesia de …, concelho de …, onde se encontra, para lá do mais, construída uma casa de moradia com superfície coberta de 250,00 m2, área bruta dependente com 117,00 m2 e quintal com a restante área, perfazendo a área total do terreno 617,00 m2, ocupados este prédio urbano, sito na …, descrito na Conservatória do Registo Predial de …. sob o nº… e inscrito na respetiva matriz, quanto à parte rústica sob artigo …, com o valor patrimonial de €360,00 e quanto à parte urbana sob o artigo …, com valor patrimonial de €107.784,00;
2. A 1.3.2007 as Autoras adquiriram o prédio referido através da escritura de partilha em vida, primeiro apenas a nua propriedade, já que o progenitor das Autoras ficou com o usufruto dele;
3. Todos os irmãos das Autoras consentiram na adjudicação apontada em 2., pois todos intervieram na escritura de partilha;
4. Previamente à escritura de partilha, foi celebrada escritura de habilitação de herdeiros da mãe das Autoras e do Réu A…, M.E.;
5. Sucederam como herdeiros de M.E. o marido e os seus cinco filhos, respetivamente: J…, A.A., H., A…, Me… e Ma…;
6. Aquando da escritura de partilha referida em 2. e ainda com o pai das Autoras e do Réu A… vivo, ficou estipulado que a nua propriedade do prédio identificado em 1. seria adjudicada às Autoras na proporção de um meio para cada qual, sendo atribuído ao prédio o valor de €150.000,00 (cento e cinquenta mil euros), sendo este o valor do bem a partilhar;
7. Tal como consta da escritura de partilha os restantes herdeiros prestaram o seu
consentimento à adjudicação nas condições referidas;
8. O pai, na altura sobrevivo, ficou com o usufruto vitalício do prédio, no valor de
€ 52.500,00 (cinquenta e dois mil e quinhentos euros);
9. Até à presente data e por vontade das Autoras todos os irmãos delas, assim como as suas famílias, vivem no prédio referido em 1., incluindo os Réus;
10. As Autoras sempre permitiram que o irmão A…, assim como a sua família, habitasse na sua propriedade a título gratuito por aquele pertencer à família, tal como sucedeu com as outras irmãs, partindo do princípio que o Réu A… sempre respeitaria o direito de propriedade delas;
11. No prédio apontado em 1., para além da casa constante da inscrição e descrição prediais, encontram-se edificadas outras três habitações, todas elas dotadas de água municipalizada e luz, onde moram os irmãos das Autoras, a saber:
a) uma casa com garagem onde moram os Réus A. e mulher A.P… e filha M..;
b) uma casa onde mora uma irmã das Autoras e do Réu marido – H…com os filhos …; e
c) uma casa onde mora outra irmã das Autoras e do Réu marido – A.A… e marido…;
12. Todas as casas foram construídas ainda no tempo dos pais das Autoras e do Réu marido, …, todas elas tendo caixa de correio própria e baixada de água e luz, estando, porém, a propriedade com um ónus real de não fracionamento por destaque, pela inscrição F de 2.11.2000 (como consta aliás da escritura de partilha);
13. Em razão da adjudicação apontada em 2., a Autora Me… teria de repor € 37.500,00 ao pai … e a Autora Ma… teria de repor a cada um dos irmãos (A…, H… e A…) o valor que lhes cabia de € 11.250,00 para lhes preencher os respetivos quinhões e ainda € 3.750,00 para acabar de repor ao quinhão do pai;
14. Na escritura pública de partilha referenciada supra sob o nº 2, A… já ter recebido as torna devidas apuradas a seu favor.
15. Desde sempre que as Autoras, o Réu marido e família, bem como as outras duas irmãs e suas famílias, vivem no prédio dos autos, cada qual em suas casas;
16. Em 31 de março de 2009, ou seja, já depois da escritura de partilhas apontada em 2., o pai das Autoras e do Réu marido, assinou com elas e este uma declaração a dizer que autorizava o filho A… a proceder ao arranjo, cultivo e exploração das 5 estufas de ananases que possuía na quinta onde residiam, podendo em caso de venda de tal quinta ser compensado pelos gastos que tivesse com as estufas, mais declarando que autorizava o filho a morar na casa anexa ao prédio, podendo nela fazer as obras que tivesse convenientes e que, em caso de falecimento do filho A… ocorrer antes da mulher A.P., que esta poderia ficar a morar na casa com a filha do casal (a R. M…) enquanto não casassem ou vivesse em condições idênticas às dos cônjuges;
17. O Réu A… procedeu ao arranjo, cultivo e exploração das estufas de ananases e vive com a mulher e filha na casa que os pais lhe destinaram e nela fez os arranjos, obras e benfeitorias que são necessárias e úteis à habitação da mesma com o mínimo de condições;
18. Após o casamento dos Réus A… e A.P., pelo ano de 1994 os pais dele, marido, J… e M.E., na qualidade de donos e legítimos proprietários do prédio misto identificado no artigo 1, comunicaram aos filhos e em particular ao Réu marido, que este e a mulher poderiam ir viver para uma das casas de habitação existentes no prédio, a que ainda ocupam desde então de forma ininterrupta, para que nela morassem de forma gratuita, podendo utilizá-la, gozá-la e frui-la como quisessem e entendessem, nela constituindo a sua habitação permanente;
19. Os Réus A… e A.P… aceitaram as condições indicadas pelos pais do Réu marido, e lá foram viver para tal casa de habitação existente no prédio, composta que era por dois quartos de dormir, uma sala de estar, uma cozinha, um quarto de banho e um corredor, onde a sua filha M.. nasceu e têm o seu centro de vida, recebendo amigos e correspondência;
20. A casa, para manter as condições de habitabilidade, foi precisando de obras que foram levadas a efeito pelo Réu A… e esposa, designadamente:
. os soalhos dos quartos e a armação do telhado tiveram que ser substituídos e recuperados, bem como as janelas velhas existentes;
. melhoramentos na casa de banho, que tinha as loiças partidas, que foram substituídas e colocados azulejos nas paredes;
. cimentados chãos e colocadas tijoleiras;
. as velhas canalizações de água foram substituídas; e
. a casa foi pintada;
21. Obras que foram feitas com o conhecimento de toda a gente e das Autoras, em particular, à vista de todos, sem oposição de quem quer que seja e com o conhecimento e
concordância de todos os irmãos, incluindo das Autoras;
22. As obras iniciais para recuperação da casa foram executadas em 1994 e foram feitas com o conhecimento e autorização dos pais do Réu marido, J.. e M.E…, que, àquela data, eram os donos e legítimos proprietários e possuidores do prédio;
23. A recuperação de tal casa valorizou o prédio no seu conjunto;
24. Já há alguns anos que Me.. – também conhecida por Me…D. e Ma…D… - interpôs uma ação judicial contra A… e mulher …. (uma ação de reivindicação com forma ordinária), a fim de que estes entregassem a casa onde habitam, processo que tomou o nº…, que correu seus termos no … juízo do então Tribunal Judicial de Ponta Delgada, processo que terminou com a desistência da instância, seja da ação seja da reconvenção.
25. Os Réus vêm detendo, por determinação do pai já falecido e com concordância das Autoras, a exploração da parte rústica do prédio onde se encontram cinco estufas de produção de ananás, nas quais fizeram investimentos na sua manutenção bem como na produção de ananás, estufas que lhes foram entregues para que as explorasse graciosamente;
26. Todos os irmãos das Autoras sempre viveram no prédio objeto dos presentes autos a título gratuito pois habitavam todos juntos como uma família;
27. Mesmo após a morte do pai, as Autoras sempre permitiram que os Réus vivessem na casa que ocupam a título gratuito sem lhes pedir nada em troca;
28. Os Réus sempre receberam os subsídios do Governo Regional que ronda o valor anual de €10.000,00 (dez mil euros), dos quais nunca deram um centavo às Autoras;
29. H… intentou uma ação de condenação contra a Autora Ma…, visando que esta fosse condenada a pagar-lhe o montante que se tinha obrigado a nível de tornas na partilha referida em 2., ação que terminou por acordo, no qual a Autora H… desistiu do pedido que formulou a troco da cedência por parte da Ré Ma…, sem ónus ou encargos, de uma das casas implantadas no terreno aqui em causa, para a usar e nela habitar.
30. O prédio aqui em causa situa-se na …, nº …, freguesia de …, concelho de … e, no que toca à casa onde habitam os Réus, trata-se de uma moradia que foi alvo de obras de melhoramentos que não foram alvo de licenciamento;
31. Os trabalhos de melhoramento apontados em 20, corresponderam:
• Substituição da estrutura da cobertura e da própria cobertura;
• Melhoramentos da IS.;
• Execução de pavimento térreo e aplicação de mosaico;
• Assentamento de tetos falsos em forro de madeira;
• Pinturas;
• Assentamento de vãos exteriores e interiores; e
• Execução de redes de águas e esgotos;
32. As melhoras feitas pelo Réu, na casa que ocupa, no ano de 1994, ascendem a
€ 1.694,72, valor que atualizado ao ano de 2023 corresponde a € 3.197,74;
33. As melhorias feitas pelo Réu, na casa que ocupa, no ano de 1998, ascendem a € 36,91, valor que atualizado ao ano de 2023 corresponde a €61,94 e os melhoramentos correspondentes aos documentos do processo apenso 2701/07.3TBPD ascendem, aos dias
de hoje, a €3.259,68 no que toca a material e, quanto à mão de obra para o colocar, a € 3.300,00;
34. Os melhoramentos feitos pelos Réus apontados em 30. eram indispensáveis para que o imóvel fosse habitável;
35. A casa ocupada pelos Réus, à data de hoje, tem um valor estimado em € 61.900,00…valendo os trabalhos nela feitos a partir de 1994, o valor de € 35.100,00;
36. O valor do imóvel, antes das alegadas obras, atualizado para 1994, é estimado em €14.200,00.
* Factos não provados
a) As AA. não pagaram as tornas devidas ao pai nem aos irmãos, apesar destes terem declarado, em tal documento, já as terem recebido;
b) O Réu A…, desde que o pai faleceu, trata muito mal as irmãs …, ameaçando-as e impedindo a utilização da totalidade do prédio que lhes pertence, as quais vivem com medo dele;
c) O Réu A… não deixa as Autoras usufruírem da parte exterior do prédio, privando-as, desta forma, de qualquer rentabilização económica do prédio e, do mesmo modo, do pleno uso do seu direito de propriedade sobre o mesmo;
d) O comportamento dos RR. impede as AA. de exercerem o seu direito de gozo, inerente ao direito de propriedade e também de exercerem a sua posse e detenção na totalidade;
e) À data em que a casa ocupada pelos Réus lhes foi entregue gratuitamente pelos pais, a mesma tinha as paredes no tosco e houve que rebocá-las;
f) Foram os pais do Réu marido que a este e à mulher incentivaram para fazer tais obras pois a casa seria a habitação deles próprios;
g) Se as obras levadas por diante na casa ocupada pelos Réus não tivessem sido feitas, a mesma, que se encontrava no prédio dos autos e que foi entregue graciosamente aos Réus para que nela tivessem a sua residência, há muito teria ruído;
h) Todas as obras realizadas no prédio foram efetuadas pelo pai das Autoras quando este ainda era vivo;
i) No ano em que o Réu marido alega ter efetuado as obras, com 23 anos de idade, não tinha posses monetárias suficientes para as custear, muito menos pelo valor que alega;
j) Os Réus não realizaram quaisquer obras no prédio das Autoras;
k) O Réu A… procedeu às seguintes obras na casa que ocupa no prédio das AA.:
• Rebocos de paredes exteriores e interiores;
• Execução de redes de instalações elétricas e telefónicas; e
• Execução de rede de gás.
Fundamentação de Direito
Os Réus/Reconvintes pediram a condenação das Autoras/Reconvindas no pagamento das quantias que despenderam nas obras ou benfeitorias realizadas no imóvel, que quantificaram em valor não inferior a € 6.500,00, a ser melhor determinado pela avaliação ou pela prova documental que lograssem obter.
De acordo com o disposto no art. 552º, nº 1, al. e), do CPC, na petição inicial o autor/reconvinte tem de indicar o pedido, constituindo este um elemento essencial da ação/reconvenção.
O pedido tem de ser concreto, preciso. Não são admitidos pedidos vagos, que, desde logo, não permitem o exercício cabal do contraditório.
“Por regra, os pedidos formulados na petição inicial devem ser determinados no seu quantitativo ou conteúdo. Há, porém, situações em que o autor, no momento da propositura dação, não tem condições para concretizar aquilo que pretende. Quando assim for, é excecionalmente admitido a formular um pedido genérico que não se confunde naturalmente com pedidos de conteúdo indeterminado ou vago, reveladores de ineptidão da petição (art. 186º, nº 2, al. a)).[3]
O art. 556º do CPC define as circunstâncias excecionais em que é admissível a formulação de pedidos genéricos:
a) quando o objeto mediato da ação seja uma universalidade, de facto ou de direito;
b) Quando não seja ainda possível determinar, de modo definitivo, as consequências do facto ilícito, ou o lesado pretenda usar da faculdade que lhe confere o art. 569º, do Código Civil;
c) quando a fixação do quantitativo esteja dependente de prestação de contas ou de outro ato que deva ser praticado pelo réu.
De acordo com o nº 2, da mesma norma, nos casos previstos nas alíneas a) e b), o pedido é concretizado através de liquidação, nos termos do disposto no artigo 358º, com a exceção ali prevista no que tange às situações previstas na alínea a).
Um pedido genérico é um pedido indeterminado, ilíquido. O facto de os reconvintes terem liquidado, em parte, o pedido, não lhe retira em termos globais a natureza de pedido genérico, pois logo de imediato acrescentam que o pedido será “… melhor determinado pela avaliação ou pela prova documental que lograssem obter” e ao assim concluírem, imprimem-lhe um cariz ilíquido, indeterminado, que no caso não lhes era permitido, por não estarem verificados quaisquer dos pressupostos contidos na norma assinalada.
Os reconvintes não foram convidados a aperfeiçoar a reconvenção, de modo a concretizarem devidamente o pedido, nem a questão foi apreciada oficiosamente pelo tribunal recorrido ou suscitada por qualquer das partes, nomeadamente, pelas reconvindas.
Não obstante o exposto, é possível descortinar na formulação do pedido a pretensão dos reconvintes receberem, no mínimo, o valor que liquidaram referente a custos que suportaram antes da propositura da reconvenção (e, que, por isso, estavam em condições de conhecer e indicar ao tempo da formulação do pedido), pelo que entendemos não ser de reconduzir a situação à falta ou ininteligibilidade do pedido, evidenciando ainda os autos que as Autoras/Reconvindas não viram coartado o seu direito de defesa no que diz respeito à parte do pedido liquidada.
Está, porém, este tribunal de recurso impedido de condenar em valor superior ao que foi liquidado, e, nomeadamente, naquele que ora vem pedido pelos Reconvintes/Apelantes, sob pena de violação do disposto no art. 609º, nº 1, do CPC e da consequente nulidade da decisão por excesso de pronúncia (cf. art. 615º, nº 1, al. e), 1ª parte, do CPC).
No recurso subordinado, a propósito da condenação no pagamento dos custos suportados com a realização das obras, as Autoras/Reconvindas, concluem o seguinte: “Quanto ao instituto do enriquecimento sem causa, este não pode ser aplicável, pois o direito à restituição do enriquecimento sem causa prescreve no prazo de 3 anos, nos termos do artigo 482.º do CC, exceção esta invocada em sede de réplica e que não foi sequer considerada na douta sentença recorrida.”
As recorrentes não imputaram à decisão recorrida nulidade fundada em omissão de pronúncia (art. 615º, nº 1, al. d, CPC).
Lê-se na decisão recorrida, o seguinte:
“Ora, tendo em conta o que se demonstrou e consta dos factos acima apontados, não resta qualquer dúvida que as AA., pela declaração que subscreveram e consta do ponto 16. dos factos, entregaram ao R. seu irmão a casa aqui em causa tal como a parte rústica do prédio onde o mesmo explora as estufas, para que ele delas se servisse, com a obrigação de a restituir…logo, com ele outorgaram um contrato de comodato o qual haveria de se extinguir quando para tal fosse solicitado pelas proprietárias - artº.1137º, nº.2 do CC.
A morte do progenitor das AA., tendo em conta a intervenção destas na declaração a que se refere o ponto 16. dos factos provados, porque proprietárias plenas do prédio, pois o usufruto dele caiu com o falecimento do progenitor, também outorgaram o documento que consubstancia o comodato aqui em causa que perdurou até à interposição da presente causa que haveremos de assumir como interpelação para a entrega do bem.
Aqui chegados haveremos, sem qualquer margem para dúvidas de reconhecer os RR. como legítimos ocupantes do prédio e da casa que ocupam em razão do comodato de que beneficiam e até à interpelação para a entrega consubstanciada com a interposição desta ação.
(…) os RR. estavam legitimados a ocuparem a casa onde habitam e o chão onde estão implantadas as estufas que exploram…coisa que sucedeu até à interposição desta ação que, pela sua citação extinguiu o comodato que a tanto dava estribo…pelo que nenhuma prova se fez quanto a qualquer dano que os RR. tenham causado às AA.
Não é questionável que os RR., legitimados no documento que temos no ponto 16. dos factos, podiam proceder ao arranjo, cultivo e exploração das 5 estufas de ananases que possuía na quinta onde residiam, podendo em caso de venda de tal quinta ser compensado pelos gastos que tivesse com as estufas, mais declarando que autorizava o filho a morar na casa anexa ao prédio, podendo nela fazer as obras que tivesse convenientes… Ora, com base na autorização concedida, podiam os RR. executar nas estufas as obras que fossem necessárias e por elas serem…eventualmente…compensados, sendo que sempre o seriam quanto às obras que executassem na casa com vista a mantê-la habitável.
No que toca às estufas nenhuma obra de manutenção foi alegada pelos RR., razão pela qual, no que toca a essas nada há de decidir, coisa distinta ocorreu quanto à casa…na qual, os RR., como está bastamente provado, levaram por diante obras que na perícia foram contabilizadas e que se destinaram a mantê-la habitável.
Diz o artº.1273º do CC que:
“1. Tanto o possuidor de boa-fé como o de má-fé têm direito a ser indemnizados das benfeitorias necessárias que hajam feito, e bem assim a levantar as benfeitorias úteis realizadas na coisa, desde que o possam fazer sem detrimento dela.
2. Quando, para evitar o detrimento da coisa, não haja lugar ao levantamento das benfeitorias, satisfará o titular do direito ao possuidor o valor delas, calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa.”
E o artº.216º do CC:
“1. Consideram-se benfeitorias todas as despesas feitas para conservar ou melhorar a coisa.
2. As benfeitorias são necessárias, úteis ou voluptuárias.
3. São benfeitorias necessárias as que têm por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa; úteis as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação, lhe aumentam, todavia, o valor...”.
As obras levadas por diante pelo RR. na casa que ocupam nos termos provados, têm caráter necessário e aumentaram o valor do imóvel e não podem do mesmo serem levantadas sem seu deterioramento, úteis, portanto.
Aqui chegados podemos concluir que só há lugar ao pagamento de indemnização por benfeitorias realizadas pelo possuidor ou equiparado da coisa se estiverem em causa benfeitorias necessárias ou benfeitorias úteis que não possam ser levantadas sem deterioramento da coisa…e só há lugar ao levantamento de benfeitorias úteis e de benfeitorias voluptuárias que não causem detrimento da coisa e que tenham sido realizadas de boa ou má-fé quanto às primeiras e de boa-fé quanto às segundas.
Assim, e por força dos preceitos que supra se transcrevem, têm os RR. direito a serem ressarcidos a coberto das regras do enriquecimento sem causa…como impõe o artº.1273º do CC..
(…)
Tal como decorre do Ac. do STJ de 27.9.212, acessível em www.dgsi.pt: “Sendo o comodatário equiparado ao possuidor de má-fé quanto às benfeitorias úteis, uma vez cessado o contrato de comodato, tem direito a levantamento dessas benfeitorias que puderem ser separados do prédio, sem detrimento deste, isto é, sem dano permanente, irreparável ou dificilmente reparável do prédio. A separação e levantamento de benfeitorias úteis que se encontrem ligadas ao solo de um prédio rústico é suscetível de causar alterações potenciadoras de serem qualificadas como dano que, dada a sua reduzida dimensão e reversibilidade pela capacidade de regeneração da natureza, são juridicamente irrelevantes. As benfeitorias que constituem partes integrantes são, por via de regra, suscetíveis de serem levantadas sem detrimento, quer da coisa benfeitorizada, quer delas próprias. Diversamente, as benfeitorias que constituem partes componentes porque incorporadas na estrutura da coisa benfeitorizada, são insuscetíveis de serem levantadas sem tal detrimento. Todavia, tratando-se de prédio rústico não é, em condições normais, configurável o seu detrimento, pois que a sua reposição é possível e facilmente realizável.
As benfeitorias nele implantadas e incorporadas são impossíveis de dele serem levantadas e separadas, pois que isso implica a própria destruição delas. O direito de propriedade tem a virtualidade de absorver tudo quanto se vier a incorporar no seu objeto, adquirindo o respetivo titular por acessão tudo o que, do exterior, lhe acrescer. Por via disso, as benfeitorias implantadas e incorporadas por quem se encontra juridicamente relacionado com a coisa, objeto do direito de propriedade, integram-se imediatamente neste, restando ao autor daquelas o direito a, no caso de se verificarem os pressupostos do enriquecimento sem causa, reclamar a restituição do valor correspondente ao enriquecimento para compensar o respetivo empobrecimento.”
Daqui se vê que o apelo ao instituto do enriquecimento sem causa prende-se, tão só, e por força do disposto no nº 2, do art. 1273º, do CC com a aplicação das regras destinadas ao cálculo da compensação monetária devida ao comodatário pelas benfeitorias realizadas na coisa que possuía, não emergindo o direito dos reconvintes daquele instituto jurídico, antes do regime referenciado na decisão recorrida e que não vem posto em causa. E, assim sendo, com exceção das normas convocáveis para o referido cálculo, não são aplicáveis outras, nomeadamente, as atinentes à prescrição do exercício de direito fundado em enriquecimento sem causa.
Finalmente, na sequência das alterações introduzidas à fundamentação de facto, e sem necessidade de fundamentação exaustiva, porque despicienda, cumpre dizer o seguinte:
- Impõe-se revogar a sentença na parte em que as Autoras/Reconvindas foram condenadas a reconhecerem a falsidade constante da escritura de partilhas no que ao pagamento de tornas diz respeito, uma vez que tal matéria – a falsidade da declaração do Réu/Reconvinte - não resultou provada;
- Impõe-se revogar a sentença na parte em que a Autora/Reconvinda foi condenada a pagar aos Réus a quantia das tornas, no montante de € 11.250,00 (cumpre salientar que só estavam aqui em causa as tornas devidas ao Réu e Reconvinte A…), por resultar da factualidade apurada que o Réu confessou extrajudicialmente o seu recebimento.
Decisão
Pelo exposto, e no âmbito do quadro de facto e de direito que se deixaram traçados, acordam os Juízes desta 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, no seguinte:
a) em julgar improcedente a apelação dos Réus/Reconvintes;
b) em julgar parcialmente procedente o recurso subordinado das Autoras/Reconvindas, e revogar a sentença na parte em que foram condenadas a reconhecerem a falsidade constante da escritura de partilhas no que ao pagamento de tornas diz respeito; bem como na parte em que a Autora/Reconvinda Ma… foi condenada a pagar ao Réu/Reconvinte, A…, a título de tornas, a quantia da €11.250,00 (onze mil duzentos e cinquenta euros), absolvendo-as, respetivamente, de tais pedidos.
As custas da reconvenção ficam a cargo de Reconvintes e Reconvindas, na proporção dos respetivos decaimentos (art. 527º, ºs 1, e 2, do CPC).
Custas da apelação a cargo dos Réus/Reconvintes (art. 527º, nºs 1, e 2, do CPC).
Custas do recurso subordinado a cargo das recorrentes e dos recorridos, na proporção de 5% e 95%, respetivamente.
Notifique.
Lisboa, 26 de junho de 2025
Cristina Lourenço
Vítor Manuel Leitão Ribeiro
Amélia Ameixoeira
_______________________________________________________ [1] Vaz Serra, in “Revista de Legislação e Jurisprudência”, Ano 111, pág. 302. [2] In, “Código Civil Anotado”, Volume I, 4ª Edição, Coimbra Editora, pág. 342. [3] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa, in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. I, 2ª Edição, pág. 640.