NULIDADES DA SENTENÇA
OMISSÃO DE FUNDAMENTAÇÃO
CONTRADIÇÃO
ININTELIGIBILIDADE
IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
INSTRUMENTALIDADE DA IMPUGNAÇÃO
ÓNUS DE IMPUGNAÇÃO
UTILIDADE DA IMPUGNAÇÃO
Sumário


I. Tendo determinada realidade sido dada como assente em sentença proferida (versão positiva), e tendo a sua mera impugnação sido dada como não provada na mesma decisão (versão negativa), pretendendo a parte impugnar esta última no seu recurso de apelação terá igualmente que sindicar aquela primeira (integrando-a simultaneamente no objecto do dito recurso), sob pena de não se poder conhecer do mesmo, por inadmissível contradição com factos definitivamente provados.

II. Por força dos princípios da utilidade, da economia e da celeridade processual, o Tribunal ad quem não deve reapreciar a matéria de facto quando o(s) facto(s) concreto(s) objecto da impugnação for(em) insusceptível(eis) de, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, ter(em) relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe ser inútil.

III. Dependendo a apreciação do recurso pertinente à interpretação e aplicação do Direito ao caso concreto, do prévio sucesso do simultâneo recurso interposto sobre a matéria de facto fixada, sendo este último julgado improcedente, fica necessariamente prejudicado o conhecimento daquele primeiro.

Texto Integral


Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais) os Juízes da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, sendo

Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos;
1.ª Adjunta - Lígia Paula Ferreira de Sousa Santos Venade;
2.º Adjunto - José Carlos Pereira Duarte.

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ACÓRDÃO

I - RELATÓRIO

1.1. Decisão impugnada
1.1.1. AA, residente na Rua ..., no ... (aqui Autora e Recorrente), propôs a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra BB e marido, CC, residentes na Rua ..., ..., ..., em ... (aqui Réus e Recorridos), pedindo que

a) fosse anulada uma transmissão de bens imóveis (que melhor identificou) efectuada por si a favor da Ré (no dia 31 de Julho de 2018, no cartório notarial ...), por incapacidade acidental respectiva, a qual era do conhecimento dela e notória para qualquer pessoa de normal diligência;

b) (subsidiariamente) fosse anulada, por erro sobre o objecto e sobre os motivos determinantes da vontade, a referida transmissão de bens imóveis (no dia 31 de Julho de 2018, no cartório notarial ...);

c) (subsidiariamente) fosse o negócio celebrado reduzido a um único prédio urbano (que melhor identificou), sendo anulada a transmissão de três prédios rústicos (que melhor identificou);

d) (cumulativamente) fosse declarada inexistente ou nula uma transmissão de veículos automóveis que se encontravam registados em nome do seu marido a favor dos Réus.

Alegou para o efeito, em síntese, que, no dia 31 de Julho de 2018, transmitiu à Ré (BB) diversos bens imóveis, sendo que, mercê do seu debilitado estado de saúde, não tinha capacidade para percepcionar, entender e discernir o que fazia, o que era do conhecimento da Ré (BB) e notório para qualquer pessoa de normal diligência colocada na posição desta; e só teve conhecimento dos exatos termos do acto por si praticado em 13 de Fevereiro de 2019, quando a sua outra filha, DD, lhe exibiu a escritura de compra e venda em causa. Justificar-se-ia, assim, a anulação da dita escritura de transmissão de bens, por incapacidade acidental sua.
Mais alegou que na celebração da dita escritura pública de transmissão de bens pensava que mesma apenas tinha por objecto um terreno, e se encontrava salvaguardada a possibilidade da outra filha, DD aceder à piscina construída no mesmo (e que só nesse pressuposto concordara com tal transmissão), o que depois não se verificou. Justificar-se-ia, assim, a anulação da dita escritura de transmissão de bens, por erro dela própria sobre o seu objecto e sobre os motivos determinantes da sua vontade; ou, subsidiariamente, a redução do negócio à transmissão do terreno referido (dele se excluindo os demais prédios).
Alegou ainda que, após a morte do marido, EE (ocorrida em ../../2009), teve conhecimento que, cinco dias antes, a Ré (BB) transmitiu para si própria, bem como para o seu marido, veículos automóveis (que melhor identificou) do mesmo, invocando um contrato de compra e venda verbal que nunca existiu. Justificar-se-ia, assim, a declaração de inexistência ou de nulidade da transmissão de propriedade sobre os ditos veículos.
 
1.1.2. Regularmente citados, os Réus (BB e marido, CC) contestaram, pedindo que a acção fosse julgada improcedente, reconhecendo-se a validade de todos os negócios pretendidos invalidar pela Autora (AA).
Alegaram para o efeito, em síntese, ser falsa a versão dos factos trazida aos autos por ela, uma vez que a mesma sempre soube e teve consciência dos elementos da escritura de transmissão de bens que agora pretende invalidar, nomeadamente que os imóveis dela objecto, apesar de juridicamente autónomos, terem sempre sido fisicamente unidos como se fossem um só, não fazendo sentido qualquer transmissão isolada dos mesmos (por desse modo se criarem problemas jurídicos e de gestão que não seriam facilmente resolúveis).
Mais alegaram que a transmissão dos veículos automóveis a seu favor foi sempre do conhecimento da Autora (AA) e da irmã da Ré, tendo inclusivamente sido realizada com o seu consentimento.
Por fim, alegaram encontrar-se caduco o direito da Autora (AA) de pedir o reconhecimento da invalidade dos negócios havidos, por ter proposto a acção muito para além do ano, contado sobre o seu conhecimento, que a lei lhe conferia para o efeito.

1.1.3. A Autora (AA) respondeu à excepção peremptória de caducidade invocada pelos Réus (BB e marido,  CC), pedindo que a mesma fosse julgada improcedente e reiterando o seu pedido inicial.
Alegou para o efeito, em síntese, apenas ter tido conhecimento dos factos onde fundou a presente acção, por intermédio da sua filha DD no dia 13 de Fevereiro de 2019, pelo que, em 1 de Fevereiro de 2020, quando propôs a presente acção, ainda estava em prazo para o fazer.
Mais alegou que, ainda que assim se não entendesse, aquele prazo de um ano reportar-se-ia ao direito de obter a anulação do negócio jurídico, sendo certo que ela própria aqui pedia igualmente a sua nulidade ou inexistência.

1.1.4. Foi proferido despacho: dispensando a realização de uma audiência prévia; fixando o valor da acção em € 300.000,00; saneador (certificando a validade e a regularidade da instância); relegando o conhecimento da excepção de caducidade para a sentença final; identificando o objecto do litígio e enunciando os temas da prova; apreciando os requerimentos probatórios das partes; e deferindo  realização de perícia médico-legal à Autora e ao seu falecido marido (este exclusivamente com base nos registos clínicos respectivos).

1.1.5. Tendo a primitiva Autora (AA) falecido em ../../2023, e devidamente processado o incidente de habilitação de herdeiros respectivos, foi proferida sentença, declarando «habilitada DD para prosseguir nos autos como sucessora de AA».

1.1.6. Realizada a audiência final, foi proferida sentença, julgando a acção totalmente improcedente, lendo-se nomeadamente na mesma:
«(…)
DECISÃO
Pelo exposto,
- julga-se procedente a excepção de caducidade do direito de acção de anulação e de redução do contrato de dação em pagamento e, consequentemente, absolve-se os Réus do pedido de anulação e de redução do negócio;
- julga-se improcedente a acção, por não provada, e, em consequência, absolve-se os Réus do pedido de declaração de nulidade da transmissão dos seguintes veículos automóveis: semi - agrícola com a matrícula C-....5, veículo automóvel marca ... com a matrícula UB-..-.., veículo automóvel marca ... com a matrícula NA-..-.., veículo automóvel marca ... com a matrícula BI-..-.. e tractor com a matrícula CV-..-...

Custas a cargo da Autora (art. 527º do CPC).
(…)»
*
1.2. Recurso
1.2.1. Fundamentos
Inconformada com esta decisão, a Autora (DD, habilitada no lugar da primitiva AA) interpôs o presente recurso de apelação, pedindo que fosse julgado procedente e se revogasse a sentença recorrida, sendo substituída por decisão a julgar procedentes todos os seus pedidos.
 
Concluiu as suas alegações da seguinte forma (aqui se reproduzindo as respectivas conclusões ipsis verbis, com excepção da concreta grafia utilizada e de manifestos e involuntários erros e/ou gralhas de redacção):

I. A sentença é nula nos termos das als. b) e c) do artigo 615.º do CPC.

II. A redação do facto provado V) deveria ser alterada pois FF apenas concordou transmitir o bem identificado na alínea F), a), com a condição de ter acesso à piscina, e ainda, com a condição de a casa do ... ser dividida em sede de partilhas, o que resulta das declarações prestadas pela própria e pelo depoimento de GG.

III. Existe contradição entre o facto provado V) e a própria fundamentação da matéria de facto na parte em que diz.

IV. O facto não provado 5. deveria ser dado como provado, pois que resulta provado que HH necessitou de cuidadores, o que se extrai dos depoimentos de HH, FF e GG, bem como do relatório pericial na parte em que refere que HH vive com a filha FF e com o genro, bem como na parte em que refere que foi acompanhada com o genro, que lhe faz muita companhia durante o dia e com quem faz as refeições.

V. Verifica-se contradição entre facto não provado 5. e o facto provado O).

VI. O facto não provado 16. deve ser dado como provado, o que resulta do depoimento de HH quando diz o seguinte “E nós chegámos à conclusão que a amiga da do condomínio, que era amiga da minha filha, que por sua vez era amiga da advogada, e a advogada por sua vez, era amiga da notária”.

VII. A sentença, ao mesmo tempo que ignora a prova produzida, não explica porque decidiu dar tal facto como não provado; não se verifica qualquer fundamentação para dar o facto em causa como não provado.

VIII. O facto não provado 19. deve ser considerado provado, já que resulta do depoimento de HH, do depoimento da Perita II e do relatório pericial a diminuição e afetação da capacidade de perceção, entendimento e discernimento.

IX. A sentença, ao mesmo tempo que ignora a prova produzida, não explica porque decidiu dar tal facto como não provado; não se verifica qualquer fundamentação para dar o facto em causa como não provado.

X. O facto não provado 23. deve ser dado como provado, pois que resulta do depoimento de HH, de GG e de FF que HH apenas teve conhecimento que não tinha apenas transmitido a propriedade do bem imóvel referido na alínea F), a), mas igualmente a dos restantes bens imóveis descritos na alínea e bem assim que a sua filha FF não havia concordado com a transmissão de tais bens.

XI. Verifica-se, igualmente, uma total ausência de fundamentação neste ponto.

XII. O facto não provado 31. deve ser dado como provado, pois que resulta da prova documental junta aos autos – assento de óbito e certidões automóveis – que a transmissão dos veículos automóveis ocorreu, objetivamente, após a morte de EE.

XIII. Nesta parte, considerando que se trata, apenas, de uma confrontação de datas que não merece opinião ou ponderação, a sentença, ao contrariar o elemento objectivo que dos documentos resulta, é ininteligível e, portanto, ferida de obscuridade.

XIV. Verifica-se uma contradição entre o facto não provado 31. e o facto provado BB) na medida em que considera provado que os veículos foram registados em nome dos Réus em meados de Maio de 2009, mas considera não provado que a 1.ª Ré tenha efetuado a transmissão dos veículos automóveis para seu nome e do seu marido após a morte do seu pai, EE.

XV. O facto não provado 33. deve ser considerado provado, já que resulta do depoimento de JJ, da perita KK, do perito LL e do relatório pericial que EE tinha metástases cerebrais quando ocorreu a transmissão.

XVI. Verifica-se discrepância entre os depoimentos prestados e as conclusões retiradas pelo tribunal.

XVII. A decisão recorrida é obscura e ambígua, encontrando-se igualmente marcada pela falta de fundamentação, o que obriga a que seja declarada nula, o que desde já se requer.

XVIII. Quanto à impugnação da matéria de facto, a redação do facto provado V) deve ser alterada, já que resultou do depoimento de FF e de GG que FF apenas aceitaria a transmissão da propriedade do imóvel em caso de lhe ser concedido acesso à piscina

XIX. Não pode o facto provado V) ser considerado provado com a redação com que lhe foi atribuída, devendo, outrossim, referir que FF apenas aceitaria a transmissão da propriedade do imóvel em caso de lhe ser concedido acesso à piscina.

XX. O facto não provado 5. deve ser dado como provado, pois, conjugado o depoimento de GG, o de FF, o de HH e o de MM, com o relatório pericial, resultou provado que HH necessitou de cuidadora, função que foi desempenhada pela sua filha FF e pelo seu marido.

XXI. O facto não provado 16. deve ser considerado provado, já que resultou expresso do depoimento de HH a presença de testemunhas de especial relação com a 1.ª Ré.

XXII. O facto não provado 19. deve ser dado como provado, já que resultou do depoimento de HH, da Perita Exma. Sra. Dra. II, bem como do relatório pericial que a capacidade de discernimento, perceção e entendimento em 2018 se encontravam amplamente prejudicadas e diminuídas.

XXIII. O facto não provado 23. deve ser considerado provado, porque resulta do depoimento de HH, de GG e de FF que apenas a 13 de Fevereiro de 2019 é que HH teve conhecimento que tinha transmitido a propriedade de todos os imóveis, e não apenas do imóvel referido na alínea F), a), bem como foi quando tomou conhecimento que a sua filha FF não tinha concordado com a transmissão dos imóveis

XXIV. Isto resulta igualmente provado pela análise do pedido de fotocópia da escritura pública que foi efetuado apenas a 30.01.2019 – doc. 5 junto com o requerimento probatório da Autora.

XXV. O facto não provado 31. deve ser dado como provado, já que resulta da prova documental junta aos autos que a 1.ª Ré efetuou a transmissão dos veículos automóveis para o seu nome e do seu marido apenas após o falecimento do seu pai, EE.

XXVI. O facto não provado 33. deve ser considerado provado já que, resulta não apenas do relatório pericial, como do depoimento de JJ, da Exma. Sra. Dra. Perita KK e do depoimento do Exmo. Sr. Dr. Perito LL que EE apresentava metástases cerebrais quando ocorreu a transmissão dos veículos em causa nos autos.

XXVII. No que à matéria de direito diz respeito, com a capacidade de perceção, de entendimento e discernimento seriamente afetadas, HH não tinha condições para tomar conhecimento do negócio de dação em pagamento na data de 31 de Julho de 2018.

XXVIII. HH só tomou conhecimento do conteúdo do negócio a 13 de Fevereiro de 2019.

XXIX. Aplicada a norma do artigo 332.º, n.º 1 do Código Civil e conjugada com a do artigo 287.º do mesmo diploma, resulta que não se verificou a caducidade do direito para instaurar ação.

XXX. No que diz respeito à incapacidade acidental, aplicado o direito à situação de facto, verifica-se que a declaração negocial foi efetuada por HH quando se encontrava acidentalmente incapacitada de entender o seu sentido.

XXXI. A 1.ª Ré, aqui recorrida, tinha conhecimento da incapacidade acidental de HH, o que era notório.

XXXII. Assim, ao abrigo do artigo 257.º do Código Civil, a declaração negocial deverá ser anulada.

XXXIII. A transmissão dos veículos deve ser declarada inexistente ou nula, já que inexistiu a declaração de vontade de EE (artigo 217.º do Código Civil).

XXXIV. Foram violados, entre outros, os artigos 615.º do CPC, 257.º, 332.º, n.º 1 329.º do CC.
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1.2.2. Contra-alegações
Os Réus (BB e marido, CC) contra-alegaram, pedindo que se julgasse o recurso improcedente e se mantivesse a sentença recorrida.

Concluíram as suas alegações da seguinte forma (aqui se reproduzindo as respectivas conclusões ipsis verbis, com excepção da concreta grafia utilizada e de manifestos e involuntários erros e/ou gralhas de redacção):

1. Ao contrário do alegado pela recorrente, os factos que constam da sentença como provados e não provados não devem ser alterados, porquanto não estão em oposição uns com os outros, estão devidamente fundamentados e não foi produzido nenhum meio de prova em audiência de julgamento que contrarie a douta decisão do Tribunal a quo nesta questão.

2. Consequentemente, o presente recurso deverá ser julgado improcedente, mantendo inalterada a Sentença ora recorrida
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1.2.3. Processamento ulterior do recurso
O recuso foi admitido pelo Tribunal a quo como «recurso de apelação interposto, que sobe imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo», o que não foi alterado por este Tribunal ad quem.
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No despacho de admissão do recurso, o Tribunal a quo pronunciou-se sobre as nulidades assacadas à sentença por ele proferida nos seguintes termos:
«As nulidades da sentença são as elencadas no art. 615º, n.º 1, do CPC.

A recorrente alega as nulidades previstas nas alíneas b) e c) dessa disposição legal. Com o devido respeito por outro entendimento, a mera leitura integral da sentença em recurso permite concluir que não existem as nulidades invocadas – a decisão está fundamentada de facto e de direito e estes fundamentos de facto ou de direito não estão em oposição com a decisão nem esta é ininteligível por força de alguma ambiguidade ou obscuridade».
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II - QUESTÕES QUE IMPORTA DECIDIR

2.1. Objecto do recurso - EM GERAL
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CPC), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art. 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC) [1].
Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida) [2], uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais (destinando-se, por natureza, à sua reapreciação/reponderação e consequente alteração e/ou revogação, e não a um novo reexame da causa).
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2.2. QUESTÕES CONCRETAS a apreciar
Mercê do exposto, e do recurso de apelação interposto pela Autora (AA), 03 questões foram submetidas à apreciação deste Tribunal ad quem:

1.ª - É a sentença recorrida nula, nomeadamente por não especificar os fundamentos que a justificam (subsumindo-se desse modo ao disposto no art.º 615.º, n.º 1, al. b), do CPC), ou por os seus fundamentos estarem em oposição com a decisão proferida (subsumindo-se desse modo ao disposto no art. 615.º, n.º 1, al. c), I parte, do CPC), ou por ocorrer ambiguidade ou obscuridade que a torna ininteligível (subsumindo-se desse modo ao disposto no art.º 615.º, n.º 1, al. c), II parte, do CPC)?

2.ª - Fez o Tribunal a quo uma errada interpretação e valoração da prova produzida, nomeadamente porque  

. não permitia que se desse como demonstrado, com a sua actual e limitada redacção, o facto provado enunciado na sentença recorrida sob a alínea V) («DD havia dito à Ré que concordava que a Autora lhe transmitisse, pelo menos, o bem identificado na alínea F), a).»);

. e impunha que se dessem como demonstrados os factos não provados enunciados na sentença recorrida sob o número 5. («5. O referido na alínea M) fez com que a Autora necessitasse inclusive de cuidadora, função que foi desde há muito desempenhada pela sua filha FF e, posteriormente, também pelo marido desta»), sob o número 16. («A escritura de dação em pagamento foi realizada em cartório da especial relação da Ré, tendo sido testemunhas pessoas igualmente da especial relação da Ré»), sob o número 19. («Durante o ano de 2018 a Autora viu a sua já débil saúde agravada, o que originou que a sua capacidade de percepção, de entender e de discernir se encontrassem seriamente prejudicadas e diminuídas»), sob o número 23. («Apenas em 13 de Fevereiro de 2019 a Autora teve conhecimento que não tinha apenas transmitido a propriedade do bem imóvel referido na alínea F), a), mas igualmente a dos restantes bens imóveis descritos na alínea e bem assim que a sua filha DD não havia concordado com a transmissão de tais bens»), sob o número 31. («A Ré, após a morte do seu pai, efectuou a transmissão dos veículos automóveis Semi - Agrícola - C-....5, Veículo automóvel marca ... – UB-..-.. e Veículo automóvel marca ... - NA-..-.. para seu nome, e dos veículos automóvel marca ... – BI-..-.. e Tractor – CV-..-.. para nome do seu marido, aqui Réu») e sob o número 33. («Quando essa transmissão ocorreu, EE tinha metástases cerebrais») ?

3.ª - Deverá ser alterada a decisão de mérito proferida (nomeadamente, face ao prévio sucesso da impugnação de facto feita), por forma a que se julgue a acção totalmente procedente (condenando-se os Réus nos pedidos formulados)?
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2.2.2. Ordem do seu conhecimento
Lê-se no art.º 663.º, n.º 2, do CPC, que o «acórdão principia pelo relatório, em que se enunciam sucintamente as questões a decidir no recurso, expõe de seguida os fundamentos e conclui pela decisão, observando-se, na parte aplicável, o preceituado nos artigos 607.º a 612.º».
Mais se lê, no art.º 608.º, n.º 2, do CPC, que o «juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras».
Ora, tendo sido invocada pela Recorrente (Autora) a nulidade da sentença proferida pelo Tribunal a quo (vício que, a verificar-se, obsta à sua validade), deverá a mesma ser conhecida de imediato, e de forma prévia às remanescentes questões objecto aqui de sindicância, já que, sendo reconhecida, poderá impedir o conhecimento da mesma [3].
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III - QUESTÃO PRÉVIA - Vícios da decisão de mérito

3.1. Nulidades da sentença versus Erro de julgamento
As decisões judiciais proferidas pelos tribunais no exercício da sua função jurisdicional podem ser viciadas por duas distintas causas (qualquer uma delas obstando à eficácia ou à validade das ditas decisões): por se ter errado no julgamento dos factos e do direito, sendo então a respectiva consequência a sua revogação; e, como actos jurisdicionais que são, por se ter violado as regras próprias da sua elaboração e estruturação, ou as que balizam o conteúdo e os limites do poder à sombra do qual são decretadas, sendo então passíveis de nulidade, nos termos do art.º 615.º, do CPC [4].
Precisando, «os vícios da decisão da matéria de facto não constituem, em caso algum, causa de nulidade da sentença», já que «a decisão da matéria de facto está sujeita a um regime diferenciado de valores negativos - a deficiência, a obscuridade ou contradição dessa decisão ou a falta da sua motivação [5] - a que corresponde um modo diferente de controlo e de impugnação: qualquer destes vícios não é causa de nulidade da sentença, antes é susceptível de dar lugar à actuação pela Relação dos seus poderes de rescisão ou de cassação da decisão da matéria de facto da 1ª instância (artº 662º, nº 2, c) e d) do nCPC)» (Ac. da RC, de 20.01.2015, Henrique Antunes, Processo n.º 2996/12.0TBFIG.C1, com bold apócrifo) [6].
Outros há, porém, que, concordando em princípio com esta posição, não deixam de admitir que poderão existir vícios da decisão de facto idóneos a justificar, de per se, a nulidade da própria sentença, enfatizando o facto desta, desde o CPC de 2013 (e ao contrário do que sucedia com o anterior, de 1961) conter agora simultaneamente a decisão de facto e a decisão de direito [7].
Ora, não obstante se estar perante realidades bem distintas, é «frequente a enunciação nas alegações de recurso de nulidades da sentença, numa tendência que se instalou e que a racionalidade não consegue explicar [8], desviando-se do verdadeiro objecto do recurso que deve ser centrado nos aspectos de ordem substancial. Com não menos frequência a arguição de nulidades da sentença acaba por ser indeferida, e com toda a justeza, dado que é corrente confundir-se o inconformismo quanto ao teor da sentença com algum dos vícios que determinam tais nulidades».
Sem prejuízo do exposto, e «ainda que nem sempre se consiga descortinar que interesses presidem à estratégia comum de introduzir as alegações de recurso com um rol de pretensas “nulidades” da sentença, sem qualquer consistência, quando tal ocorra (…), cumpre ao juiz pronunciar-se sobre tais questões (…)» (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, págs. 132 e 133).
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3.2. Nulidades da sentença
3.2.1. Omissão de fundamentação
3.2.1.1. Lê-se no art.º 615.º, n.º 1, al. b), do CPC, que «é nula a sentença quando»:

. omissão de fundamentação - «Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão».

Enunciando as regras próprias de elaboração da sentença, lê-se no art.º 607.º, n.º 2 e n.º 3, do CPC, que a «sentença começa por identificar as partes e o objecto do litígio, e enunciando, de seguida, as questões que ao tribunal cumpre conhecer», seguindo-se «os fundamentos de facto», onde o juiz deve «discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as regras jurídicas, concluindo pela decisão final».
Mais se lê, no n.º 4 do mesmo art.º 607.º citado, que, na «fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção»; e «tomando ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras da experiência».
Por fim, lê-se no n.º 5 do mesmo art.º 607º, que o «juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto», não abrangendo, porém, aquela livre apreciação «os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão da partes».
Reafirma-se, assim, em sede de sentença cível, a obrigação imposta pelo art.º 154.º, do CPC, e pelo art.º 205.º, n.º 1, da CRP, do juiz fundamentar as suas decisões (não o podendo fazer por «simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade», conforme n.º 2 do art.º 154.º citado).

Com efeito, visando-se com a decisão judicial resolver um conflito de interesses (art.º 3.º, n.º 1, do CPC), a paz social só será efectivamente alcançada se o juiz passar de convencido a convincente, o que apenas se consegue através da fundamentação [9].
Reconhece-se, deste modo, que é a fundamentação da decisão que assegurará ao cidadão o respectivo controlo e, simultaneamente, permitirá ao Tribunal de recurso a sindicância do bem ou mal julgado: a «motivação constitui, portanto, a um tempo, um instrumento de ponderação e legitimação da decisão judicial e, nos casos em que seja admissível (…) de garantia do direito ao recurso» (Ac. da RC, de 29.04.2014, Henrique Antunes, Processo n.º 772/11.7TBBVNO-A.C1) [10].

Logo, e em termos de matéria de facto, impõe-se ao juiz que, na sentença, em parte própria, discrimine os factos tidos por si como provados e como não provados (por reporte aos factos oportunamente alegados pelas partes, ou por reporte a factos instrumentais, ou concretizadores ou complementares de outros essenciais oportunamente alegados, que hajam resultado da instrução da causa, justificando-se nestas três últimas hipóteses a respectiva natureza). 
Impõe-se-lhe ainda que deixe bem claras, quer a indicação do elenco dos meios de prova que utilizou para formar a sua convicção (sobre a prova, ou não prova, dos factos objecto do processo), quer a relevância atribuída a cada um desses meios de prova (para o mesmo efeito), desse modo explicitando não só a respectiva decisão («o que» decidiu), mas também quais os motivos que a determinaram («o porquê» de ter decidido assim).
Este esforço, exigido ao Juiz de fundamentação e de análise crítica da prova produzida, «exerce a dupla função de facilitar o reexame da causa pelo Tribunal Superior e de reforçar o autocontrolo do julgador, sendo um elemento fundamental na transparência da justiça, inerente ao acto jurisdicional» (José Lebre de Freitas, A Acção Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3.ª edição, Coimbra Editora, Setembro de 2013, pág. 281).

De seguida, e do mesmo modo, o art.º 607.º, n.º 3, do CPC, impõe ao juiz que proceda à indicação dos fundamentos de direito em que alicerce a sua decisão, nomeadamente identificando as normas e os institutos jurídicos de que se socorra, bem como a interpretação deles feita, concluindo com a subsunção do caso concreto aos mesmos.
Dir-se-á mesmo que «é na segunda parte da sentença, através da determinação, interpretação e aplicação das normas aos factos apurados, que reside a verdadeira motivação (fundamentação) da sentença. A importância capital desta parte da sentença reflecte-se claramente no facto de o art. 668º (1, b) [hoje, art. 615.º, n.º 1, l b)] incluir entre as causas de nulidade da sentença a falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão» (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, Limitada, 1985, pág. 666).

Enfatiza-se, porém, que saber se a «análise crítica da prova» foi, ou não, correctamente realizada, ou se a norma seleccionada é a aplicável, e foi correctamente interpretada, não constitui omissão de fundamentação, mas sim «erro de julgamento»: saber se a decisão (de facto ou de direito) está certa, ou não, é questão de mérito e não de nulidade da mesma [11].
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Precisa-se, porém, que vem sendo pacificamente defendido (quer pela doutrina, quer pela jurisprudência) que só a falta absoluta da indicação dos fundamentos de facto ou de direito será geradora da nulidade em causa, e não apenas a mera deficiência da dita fundamentação [12].
Com efeito, «há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade»; e, por «falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto» (José Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume V, Coimbra Editora, Limitada, pág. 140).
A concreta «medida da fundamentação é, portanto, aquela que for necessária para permitir o controlo da racionalidade da decisão pelas partes e, em caso de recurso, pelo tribunal ad quem a que seja lícito conhecer da questão de facto» (Ac. do STJ, de 11.12.2008, citado pelo Ac. da RC, de 29.04.2014, Henrique Antunes, Processo n.º 772/11.7TBVNO-A.C1).
*
Todo o exposto é extensível aos próprios despachos, com as necessárias adaptações, conforme decorre do art. 613.º, n.º 3, do CPC.
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3.2.1.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)
Concretizando, veio a Autora (DD, habilitada no lugar da primitiva AA) arguir a nulidade da sentença por falta de fundamentação, uma vez que o juízo crítico de não demonstração dos factos não provados enunciados sob os números 6, 16, 23, 31 e 33 estaria omisso nos autos.
Contudo, e salvo o devido respeito por opinião contrária, ainda que o Tribunal a quo não tivesse fundamentado aquele seu juízo crítico, relativamente aos referidos cinco factos não provados invocados pela Autora (DD, habilitada no lugar da primitiva AA), essa omissão não cominaria de nula a sentença recorrida (permitindo apenas a devolução dos autos ao Tribunal a quo, para que suprisse essa sua concreta omissão, nos termos da al. d) do n.º 2 do art.º 662.º do CPC).

Com efeito, e conforme já explicitado supra, tendo a sentença recorrida um elenco de factos provados e não provados, a explicitação do juízo crítico da prova produzida que justificou a construção de tais elencos, a identificação das normas legais tidas por aplicáveis à resolução do litígio, a interpretação das mesmas e a posterior subsunção dos factos provados às ditas normas, não é a sentença nula por falta de fundamentação.
A eventual omissão, ou insuficiência, da apreciação crítica da prova quanto aos factos não provados enunciados sob os números 6, 16, 23, 31 e 33 será apreciada na sindicância (igualmente pedida nesse sentido pela Autora) à matéria de facto, por ser essa a sede própria.

Improcede, assim, o primeiro fundamento da arguição de nulidade que alegadamente afectaria a sentença recorrida (por falta de fundamentação).
*
3.2.2. Contradição
3.2.2.1. Lê-se no art.º 615.º, n.º 1, al. c), I parte, do CPC, que «é nula a sentença quando»:

. contradição - «Os fundamentos estejam em oposição com a decisão (…)».

Esta nulidade está relacionada, por um lado, com a obrigação imposta pelos art.ºs 154.º e 607.º, n.ºs 3 e 4, ambos do CPC, e pelo art.º 205.º, n.º 1, da CRP, do juiz fundamentar as suas decisões; e, por outro lado, com o facto de se exigir que a decisão judicial constitua um silogismo lógico-jurídico, em que o seu decisório final deverá ser a consequência ou conclusão lógica da conjugação da norma legal [premissa maior] com os factos [premissa menor].
Reconhece-se, deste modo, que é precisamente a fundamentação da decisão que assegurará ao cidadão o respectivo controlo; e, simultaneamente, permitirá ao Tribunal de recurso a sindicância do bem ou mal julgado.
Por outras palavras, «os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, funcionam na estrutura expositiva e argumentativa em que se traduz a sentença, como premissas lógicas necessárias para a formação do silogismo judiciário». Logo, «constituirá violação das regras necessárias à construção lógica da sentença que os fundamentos da mesma conduzam logicamente a conclusão diferente da que na mesma resulta enunciada» (Ac. da RG, de 14.05.2015, Manuel Bargado, Processo n.º 414/13.6TBVVD.G) [13].
Realidade distinta desta, reitera-se, é o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou o erro na interpretação desta: quando - embora mal - o juiz entenda que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação ou dela decorre, o que existe é erro de julgamento e não oposição nos termos aludidos (Lebre de Freitas, A Acção Declarativa Comum, Coimbra Editora, 2000, pág. 298).
Precisando, o erro de julgamento gerador da violação de lei substantiva decompõe-se numa das seguintes vertentes: erro de determinação da norma aplicável; erro de interpretação; ou erro de aplicação do direito, isto é, erro de subsunção dos factos e do direito, ou estender-se à sua própria qualificação [14].
Logo, saber se a decisão (de facto ou de direito) está certa, ou não, é questão de mérito e não de nulidade da mesma [15].
*
3.2.2.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)
Concretizando novamente, veio a Autora (DD, habilitada no lugar da primitiva AA) arguir ainda nulidade da sentença por contradição, verificada entre o facto provado enunciado sob a alínea O) e o facto não provado enunciado sob o número 5, bem como entre o facto provado enunciado sob a alínea BB) e o facto não provado enunciado sob o número 31.
Contudo, e salvo o devido respeito por opinião contrária, ainda que os factos provados e não provados sindicados fossem contraditórios entre si, essa oposição não cominaria de nula a sentença recorrida (permitindo apenas a eventual alteração ou anulação da decisão de facto, nos termos da al. c) do n.º 2 do art.º 662.º do CPC).

Com efeito, e conforme já explicitado, a contradição que cominaria de nula a sentença é apenas a que se verifique entre os seus fundamentos (de facto e/ou de direito) e a decisão final.
Ora, no caso dos autos, nem a Autora (DD, habilitada no lugar da primitiva AA) afirma ser essa a sua realidade, uma vez que, tendo o Tribunal a quo deixado por provar os factos (por si alegados) relativos à respectiva incapacidade acidental e aos respectivos erro sobre o objecto do negócio e/ou sobre os motivos, bem como tendo dado como provada a efectiva celebração, pelo seu marido (EE) com a Ré (BB), de um contrato e compra e venda de veículos automóveis de que era proprietário, concluiu, lógica e necessariamente, pela improcedência dos pedidos de reconhecimento da invalidade da dação em pagamento celebrada por ela própria e de reconhecimento da inexistência do negócio celebrado pelo seu marido.
A eventual contradição entre o facto provado enunciado sob a alínea O) e o facto não provado enunciado sob o número 5, bem como entre o facto provado enunciado sob a alínea BB) e o facto não provado enunciado sob o número 31, será apreciada na sindicância (igualmente pedida nesse sentido pela Autora) à matéria de facto, por ser essa a sede própria.

Improcede, assim, o segundo fundamento da arguição de nulidade que alegadamente afectaria a sentença recorrida (por contradição entre os seus fundamentos e a decisão respectiva).
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3.2.3. Ininteligibilidade
3.2.3.1. Lê, no art.º 615.º, n.º 1, al. c), II parte, do CPC, que «é nula a sentença quando»:
4
. ininteligibilidade - «(…) ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível».

A redacção em causa surge pela primeira vez com o novo CPC, face ao fim do anterior pedido de aclaração da sentença (uma vez que, se a sentença é ininteligível, passa agora a ser nula).
 Precisando, a «sentença é obscura quando contém algum passo cujo sentido é ininteligível; é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes. Num caso não se sabe o que o juiz quis dizer; no outro hesita-se entre dois sentidos diferentes e porventura opostos. É evidente que, em última análise, a ambiguidade é uma forma especial de obscuridade. Se determinado passo da sentença é susceptível de duas interpretações diversas, não se sabe, ao certo, qual o pensamento do juiz» (Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, V Volume, Coimbra Editora, Limitada, pág. 151, com bold apócrifo).
Por outras palavras, «a ambiguidade da sentença exprime a existência de uma plurissignificação ou de uma polissemia de sentidos (dois ou mais) de algum trecho, seja da sua parte decisória, seja dos respetivos fundamentos», e «a obscuridade, de acordo com a jurisprudência e doutrinas dominantes, traduz os casos de ininteligibilidade da sentença» (Remédio Marques, Ação Declarativa À Luz Do Código Revisto, 3.ª edição, pág. 667, com bold apócrifo) [16].
Ocorrerá, então, a dita ininteligibilidade da decisão quando não se consiga perceber o que se decidiu; ou quando o que se escreveu é passível de mais do que uma interpretação, ou de um sentido diverso e, porventura, oposto.
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3.2.3.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)
Concretizando uma derradeira vez, veio por fim a Autora (DD, habilitada no lugar da primitiva AA) arguir a nulidade da sentença por ambiguidade e obscuridade, resultantes da falta de fundamentação dos factos não provados enunciados sob os números 16, 19, 23 e 33.
Contudo, e salvo o devido respeito por opinião contrária, ainda que não tivesse sido fundamentada a alegada falta de prova dos mesmos, essa omissão não cominaria de ininteligível a sentença recorrida (permitindo apenas a devolução dos autos ao Tribunal a quo, para que suprisse essa sua concreta omissão, nos termos da al. d) do n.º 2 do art.º 662.º do CPC).
 
Com efeito, e conforme já explicitado, a ininteligibilidade que cominaria de nula a sentença é apenas a que se verifique quando não se saiba o que se decidiu, o que não é o caso aqui eleito pela Autora (DD, habilitada no lugar da primitiva AA), porque dúvidas não tem a mesma que os factos que elegeu neste segmento do seu recurso ficaram por demonstrar, alegadamente porque, conforme o afirmou o Tribunal a quo na sentença recorrida, «não terem sido confirmados por qualquer meio de prova».
Poderá muito legitimamente a Autora (DD, habilitada no lugar da primitiva AA)  discordar do entendimento exposto pelo Tribunal a quo (por isso o tendo sindicado ao longo de múltiplas páginas e dezenas de artigos, do corpo das suas alegações de recurso, desse modo demonstrando que percebeu, não só a decisão, como a respectiva fundamentação, por isso ambas contrariando de forma tão exaustiva); mas a eventual razão que lhe possa assistir não comina de nulidade a sentença proferida, justificando antes um pedido de reponderação do assim ajuizado.

Improcede, assim, o terceiro e último fundamento da arguição de nulidade que alegadamente afectaria a sentença recorrida (por ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível).
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IV - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

4.1. Decisão de Facto do Tribunal de 1.ª Instância
4.1.1. Factos Provados
Realizada a audiência de julgamento no Tribunal de 1.ª Instância, resultaram provados os seguintes factos:

A) AA (aqui Autora) e BB (aqui Ré) são mãe e filha; e CC (aqui Réu) é marido da Ré

B) Em ../../1967 a Autora (AA) casou com EE sob o regime de comunhão de adquiridos.

C) Da união da Autora (AA) com EE nasceram:
. DD;
. a Ré (BB).

D) No dia ../../2006 os Réus (AA e CC) contraíram casamento entre si.

E) Desde meados dos anos 70 que a casa de morada da família ficou instalada na residência que a Autora (AA) tinha à data da sua morte.

F) Em ../../1990, com o falecimento do seu pai, NN, a Autora (AA) adquiriu, por sucessão a propriedade, entre outros, dos seguintes terrenos:

a) Prédio Urbano, situado em ..., da freguesia ..., do Concelho ..., descrito na conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...96, inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... sob o artigo ...60;

b) Prédio Rústico, sito no ..., da freguesia ..., do Concelho ..., descrito na conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...27, inscrito na matriz predial rústica da freguesia ... sob o artigo ...43;
c) Prédio Rústico, sito em ..., da freguesia ..., do Concelho ..., descrito na conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...42, inscrito na matriz predial rústica da freguesia ... sob o artigo ...21;

d) Prédio Rústico, sito no ..., da freguesia ..., do Concelho ..., descrito na conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...82, inscrito na matriz predial rústica da freguesia ... sob o artigo ...29.

G) A Autora (AA) e o seu marido efectuaram obras de beneficiação e reabilitação no prédio urbano situado em ....

H) A Autora (AA) e o seu marido procederam à remodelação e reaproveitamento do terreno descrito na alínea F), d), nomeadamente através da construção de uma piscina de 8m por 14m (para servir a casa sita no prédio urbano), com água aquecida e sal e cobertura, tendo ainda requalificado construções antigas já existentes, para efeitos de balneários, casa de máquinas e construções para arrumos e aparcamento de veículos, tudo em pedra.

I) A Autora (AA) e o seu marido procederam, ainda e igualmente, à construção de um muro (igualmente em pedra) para delimitar o referido terreno.

J) Em finais da década de 80, inícios da década de 90, a Autora (AA) e o seu marido foram alvo de um processo executivo, que correu termos sob o n.º 774/87 e respectivos apensos no 1.º Juízo do Tribunal Tributário de 1.ª Instância do Porto, onde foi penhorada e colocada à venda a casa de morada de família do casal, sita em Rua ..., ... ..., e descrita na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...90, Livro n.º ...6, Secção 2, da Freguesia ..., fracção ..., e inscrito na matriz sob o n.º ...57.

K) O processo executivo n.º 774/87 (do 1.º Juízo do Tribunal Tributário de 1.ª Instância do Porto) terminou por pagamento integral da quantia em dívida, tendo a aqui Ré (BB) exercido o direito legal de remissão que lhe cabia.

L) Em 1994/1995 a Ré (BB) saiu da casa de morada da família, tendo ido viver para ... (onde constituiu família) e ainda hoje reside, não obstante manter o seu domicílio fiscal na residência da Autora (AA).

M) Em 2009 a Autora (AA) viu o seu estado de saúde deteriorar-se, tendo passado a ser acompanhada em Pneumologia no Centro Hospitalar Universitário de ..., EPE, com o seguinte quadro clínico:
. DPOC com enfisenna grave em ex-fumadora pesada, AlATT norma;
. Funcionalmente obstrução grave/muito grave;
. Biópsia transtorácica de nodularidade do LSE em 2012 - processo inflamatório crónico + fibrosa. Seguimento de nodularidades até 2015 com estabilidade;
. Cardiomiopatia não isquémica, seguida em Consulta de Cardiologia - Prof OO - Implantado CD], disfunção severa do VE;
. Doença auto-imune - Esclerose sistémica sem esclerodermia + Gastrite crónica + Osteoporose;
. Acentuado emagrecimento desde longa data, já avaliada por Endocrinologia e Psiquiatria, acompanhamento em Consulta Dietética;
. Internamento em Janeiro/2019.

N) Em 16 de Abril de 2009, o marido da Autora (AA) e pai da Ré (BB), foi internado na Casa de Saúde ..., onde veio a falecer vítima de doença prolongada em ../../2009.

O) A Autora (AA) manteve sempre uma relação muito próxima com a sua outra filha e, desde que esta casou, com o seu genro, os quais continuaram a residir com ela.

P) Durante as suas visitas a Ré (BB) falava com a Autora (AA) sobre, pelo menos, a possibilidade de esta lhe transmitir o bem imóvel identificado na alínea F), a).

Q) A Ré (BB) dizia ainda à Autora (AA) que a sua irmã (DD) tinha concordado em que ela lhe transmitisse o referido imóvel.

R) A Ré (BB) foi buscar a Autora (AA) para a realização da escritura (levando-a, antecipadamente, a almoçar).

S) Em 31 de Julho de 2018, por escritura pública epigrafada «DAÇÃO EM PAGAMENTO», foram transmitidos à Ré (BB) os imóveis descritos na alínea F), pelo valor de € 300.000,00.

T) Na escritura intervém a Autora (AA), como «PRIMEIRA OUTORGANTE», e a Ré (BB), por si e na qualidade de procuradora em representação do Réu (CC), como «SEGUNDA OUTORGANTE», dela constando:
«(…)
DISSE A PRIMEIRA OUTORGANTE:
Que, em pagamento de dívida contraída, por contratos não titulados, perante a segunda outorgante, que nesta data perfaz o montante de trezentos mil euros, pela presente escritura, em pagamento à segunda outorgante, livre de ónus ou encargos, no indicado valor total de trezentos mil euros, o prédio urbano e os prédios rústicos a seguir indicados, não possuindo quaisquer outros prédios rústicos contíguos aos agora cedidos (…).
DISSE A SEGUNDA OUTORGANTE, por si:
Que, aceita a presente dação em pagamento, nos precisos termos exarados, e, em consequência, declara extinta a dívida.
(…)
Esta escritura, à qua é conferida fé pública por delegação do Estado Português, foi lida às outorgantes e às mesmas explicado o seu conteúdo, na sua presença simultânea.
(…)»

U) Em finais de Janeiro de 2019 a Autora (AA) viu a sua saúde agravar-se ainda mais, tendo tido necessidade de ser internada nos cuidados intensivos do Hospital ..., passando posteriormente para os intermédios; e tendo tido alta em 14 de Fevereiro de 2019.

V) DD havia dito à Ré (BB) que concordava que a Autora (AA) lhe transmitisse, pelo menos, o bem identificado na alínea F), a).

W) A Autora (AA) solicitou à Ré (BB) que esta lhe enviasse as cadernetas prediais urbanas dos referidos terrenos, uma vez que era esta que tinha a password do portal das Finanças.

X) Em Agosto de 2018 a Ré (BB) enviou por e-mail, para a sua irmã DD, as cadernetas prediais urbanas dos referidos terrenos.

Y) As cadernetas prediais enviadas haviam sido consultadas/impressas em 2016.

Z) À data da sua morte (../../2009) o marido da Autora (AA) era proprietário dos veículos automóveis/motorizados com as seguintes matrículas: ciclomotor marca ... e ciclomotor marca ...–00–71.

AA) Em ../../2009 (dia anterior ao seu internamento, cinco dias antes do seu falecimento) o pai da Ré (BB) transmitiu mediante contrato verbal de compra e venda os veículos Semi - Agrícola - C-....5, veículo automóvel marca ... – UB-..-.., veículo automóvel marca ... - NA-..-.., veículo automóvel marca ... – BI-..-.. e tractor – CV-..-...

BB) Em meados de Maio de 2009 os três primeiros veículos foram registados em nome da Ré (BB) e os dois últimos em nome do Réu (CC).
*
4.1.2. Factos não provados
Na mesma decisão, o Tribunal de 1.ª Instância considerou não provados os seguintes factos:

1. As obras aludidas na alínea G) atingiram valor superior a € 300.000,00.

2. As obras referidas nas alíneas H) e I) ascenderam a valor superior a € 60.000,00.

3. Era intenção da Autora (AA) e do seu marido tornar a casa sita no prédio urbano na sua habitação principal, após a sua reforma, e bem assim que a restante família e netos pudessem usufruir da piscina, por forma a estarem mais perto destes e a proporcionarem momentos de reunião e convívio.

4. Não obstante a aqui Ré (BB) ter exercido direito de remissão, quem na prática, e na realidade, efectuou o pagamento da quantia foi o seu pai.

5. O referido na alínea M) fez com que a Autora (AA) necessitasse inclusive de cuidadora, função que foi desde há muito desempenhada pela sua filha DD e, posteriormente, também pelo marido desta.

6. Desde essa data que a relação entre a Autora (AA) e a Ré (BB) se veio progressivamente a afastar, passando aquela largos períodos sem ver e/ou falar, quer com a Ré, quer com os seus netos.

7. Em Julho de 2017, sabendo que a outra filha da Autora (DD) iria casar, e durante o período em que esta esteve ausente de férias, a Ré (BB) passou a visitar a Autora (AA) frequentemente, com os netos desta.

8. Durante essas visitas a Ré (BB) comentava com a Autora (AA) que a sua irmã devia casar em regime de separação de bens, para que a casa descrita na alínea F), a) não ficasse fora da família, até porque ela própria já lá teria, alegadamente, investido dinheiro.

9. Passado esse período de férias, a Ré (BB) voltou a afastar-se da Autora (AA).

10. Desde o Natal de 2017 a Ré (BB) deixou mesmo de visitar a Autora (AA), para tristeza desta.

11. Em Julho de 2018, e novamente durante o período em que a outra filha da Autora (DD) esteve ausente em férias, a Ré (BB) voltou, novamente, a ter uma relação de muita proximidade com a Autora (AA), visitando-a quase diariamente e falando com ela telefonicamente.

12. Aquando do referido na alínea P), a Ré (BB) argumentava junto da Autora (AA) que era a única forma de o referido bem não ficar, no futuro, para os filhos do actual marido da sua irmã DD, saindo assim da família.

13. O referido na alínea Q) era condição essencial para que a Autora (AA) transmitisse o imóvel à Ré (BB).

14. No dia 30 de Julho de 2018 a Ré (BB) informou a Autora (AA), telefonicamente, que tinha já agendado a escritura pública.

15. No dia 30 de Julho de 2018 a Ré (BB) não transmitiu à Autora (AA) qualquer outro detalhe.

16. A escritura de dação em pagamento foi realizada em cartório da especial relação da Ré (BB), tendo sido testemunhas pessoas igualmente da especial relação dela.

17. O teor da escritura de dação em pagamento não foi explicado à Autora (AA), nem lhe foi entregue, no final, uma cópia da mesma.

18. A Ré (BB) garantiu que, posteriormente, iria fornecer à Autora (AA) cópia da escritura de dação em pagamento, o que nunca sucedeu.

19. Durante o ano de 2018 a Autora (AA) viu a sua já débil saúde agravada, o que originou que a sua capacidade de percepção, de entender e de discernir se encontrassem seriamente prejudicadas e diminuídas.

20. No dia 31 de Julho de 2018 a Autora (AA) encontrava-se incapaz de entender o negócio que ia realizar e a declaração negocial que ia emitir, o que a Ré (BB) bem sabia.

21. A situação da Autora (AA) referida já se verificava antes do referido mês de Julho de 2018; e só cessou em 14 de Fevereiro de 2019, quando, após internamento hospitalar, passou a dispor de oxigénio de forma diária e permanente.

22. No dia anterior à sua alta foi a Autora (AA) confrontada, pela sua filha DD, com uma cópia da escritura pública.

23. Apenas em 13 de Fevereiro de 2019 a Autora (AA sa) teve conhecimento que não tinha apenas transmitido a propriedade do bem imóvel referido na alínea F), a), mas igualmente a dos restantes bens imóveis descritos na alínea, e bem assim que a sua filha DD não havia concordado com a transmissão de tais bens.

24. A diminuição da capacidade de percepção, entender e discernir da Autora (AA) eram do conhecimento, não só da Ré (BB), sendo ainda notória para qualquer pessoa de normal diligência colocada na posição daquela.

25. A Ré (BB) aproveitou-se da diminuição da capacidade de percepção, entender e discernir da Autora (AA) para concretizar a transmissão dos bens identificados para seu nome.

26. A Autora (AA) ficou sempre convencida que na escritura puública realizada em 31 de Julho de 2018 apenas tinha transmitido à Ré (BB) o prédio identificado na alínea F), a), e não a totalidade dos bens imóveis identificados nessa alínea.

27. Em Agosto de 2018, tendo sido necessário reconstruir um muro no terreno referido na alínea F), b), a Autora (AA) custeou as referidas despesas, na convicção de ainda ser a proprietária do mesmo, tendo continuado a agir na convicção de ser a proprietária dos referidos terrenos, custeando despesas e diligenciando no sentido da administração dos referidos bens até 14 de Fevereiro de 2019.

28. O referido na alínea V) aconteceu no pressuposto que a Ré (BB) sempre havia sido correcta e tido uma conduta exemplar para com DD e com a mãe de ambas, tanto que era intenção da irmã, de futuro, proceder à construção de uma habitação (no mesmo quarteirão) para, com a sua família, poder usufruir da piscina instalada no terreno identificado na alínea F), d).

29. A Ré (BB) sempre foi adiando o envio dos documentos referido na alínea W), recusando-se igualmente a fornecer o acesso online ao referido portal, uma vez que, supostamente, já teria tudo “zipado”.

30. Com a atitude referida na alínea X) pretendia a Ré (BB) encobrir da sua irmã (e sobretudo da sua mãe), não só o negócio realizado, mas igualmente e sobretudo a dimensão e alcance do mesmo, ou seja, quais os bens que na realidade haviam sido transmitidos.

31. A Ré (BB - CC), após a morte do seu pai, efectuou a transmissão dos veículos automóveis Semi - Agrícola - C-....5, veículo automóvel marca ... – UB-..-.. e veículo automóvel marca ... - NA-..-.. para seu nome; e dos veículos automóvel marca ... – BI-..-.. e tractor – CV-..-.. para nome do Réu (CC), seu marido.

32. É falso que EE tenha transmitido os veículos referidos no número anterior para os Réus (BB e marido, CC), deixando de fora a mulher e a outra filha.

33. Quando essa transmissão ocorreu, EE tinha metástases cerebrais.

34. Após a realização da escritura pública supra descrita, a relação da Autora (AA) com a Ré (BB) voltou a esmorecer, sendo que há vários meses (contados da propositura da acção) que a Autora apenas esporadicamente e de passagem via a sua filha ou os seus netos, os quais não a visitaram, inclusive, nos seus internamentos posteriores a Fevereiro de 2019.
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4.2. Modificabilidade da decisão de facto
4.2.1. Incorrecta apreciação da prova legal - Poder (oficioso) do Tribunal da Relação
Lê-se no art.º 607.º, n.º 5, do CPC, que o «juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto», de forma consentânea com o disposto no CC, nos seus art.º 389.º (para a prova pericial), art.º 391.º (para a prova por inspecção) e art.º 396.º (para a prova testemunhal).
Contudo, a «livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes» (II parte, do n.º 5, do art.º 607.º, do CPC citado).

Mais se lê, no art.º 662.º, n.º 1, do CPC, que a «Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa».
Logo, quando os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas, a dita modificação da matéria de facto - que a ela conduza - constitui um dever do Tribunal de Recurso, e não uma faculdade do mesmo (o que, de algum modo, também já se retiraria do art.º 607.º, n.º 4, do CPC, aqui aplicável ex vi do art. 663.º, n.º 2, do mesmo diploma).
Estarão, nomeadamente, aqui em causa, situações de aplicação de regras vinculativas extraídas do direito probatório material (regulado, grosso modo, no CC), onde se inserem as regras relativas ao ónus de prova, à admissibilidade dos meios de prova, e à força probatória de cada um deles, sendo que qualquer um destes aspectos não respeita apenas às provas a produzir em juízo.
Quando tais normas sejam ignoradas (deixadas de aplicar), ou violadas (mal aplicadas), pelo Tribunal a quo, deverá o Tribunal da Relação, em sede de recurso, sanar esse vício; e de forma oficiosa. Será, nomeadamente, o caso em que, para prova de determinado facto tenha sido apresentado documento autêntico - com força probatória plena - cuja falsidade não tenha sido suscitada (art.ºs 371.º, n.º 1 e 376.º, n.º 1, ambos do CC), ou quando exista acordo das partes (art.º 574.º, n.º 2, do CPC), ou quando tenha ocorrido confissão relevante cuja força vinculada tenha sido desrespeitada (art.º 358.º, do CC, e art.ºs 484.º, n.º 1 e 463.º, ambos do CPC), ou quando tenha sido considerado provado certo facto com base em meio de prova legalmente insuficiente (vg. presunção judicial ou depoimentos de testemunhas, nos termos dos art.ºs. 351.º e 393.º, ambos do CC).
Ao fazê-lo, tanto poderá afirmar novos factos, como desconsiderar outros (que antes tinham sido afirmados).
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4.2.2. Incorrecta livre apreciação da prova
4.2.2.1. Âmbito da sindicância (provocada) do Tribunal da Relação
Lê-se no n.º 2, als. a) e b), do art.º 662.º, do CPC, que a «Relação deve ainda, mesmo oficiosamente»: «Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade de depoente ou sobre o sentido do seu depoimento» (al. a); «Ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova» (al. b)».
«O actual art. 662.º representa uma clara evolução [face ao art. 712.º do anterior CPC] no sentido que já antes se anunciava. Através dos n.ºs 1 e 2, als. a) e b), fica claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e fundar a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis.
(…) Afinal, nestes casos, as circunstâncias em que se inscreve a sua actuação são praticamente idênticas às que existiam quando o tribunal de 1ª instância proferiu a decisão impugnada, apenas cedendo nos factores de imediação e da oralidade. Fazendo incidir sobre tais meios probatórios os deveres e os poderes legalmente consagrados e que designadamente emanam dos princípios da livre apreciação (art. 607.º, n.º 5) ou da aquisição processual (art. 413.º), deve reponderar a questão de facto em discussão e expressar de modo autónomo o seu resultado: confirmar a decisão, decidir em sentido oposto ou, num plano intermédio, alterar a decisão num sentido restritivo ou explicativo» (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, págs. 225-227).
É precisamente esta forma de proceder da Relação (apreciando as provas, atendendo a quaisquer elementos probatórios, e indo à procura da sua própria convicção), que assegura a efectiva sindicância da matéria de facto julgada, assim se assegurando o duplo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto em crise (conforme Ac. do STJ, de 24.09.2013, Azevedo Ramos, comentado por Teixeira de Sousa, Cadernos de Direito Privado, n.º 44, págs. 29 e segs.).
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4.2.2.2. Modo de operar o duplo grau de jurisdição - Ónus de impugnação
Contudo, reconhecendo o legislador que a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto «nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência», mas, tão-somente, «detectar e corrigir pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento» (preâmbulo do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro), procurou inviabilizar a possibilidade de o recorrente se limitar a uma genérica discordância com o decidido, quiçá com intuitos meramente dilatórios.
Com efeito, e desta feita, «à Relação não é exigido que, de motu próprio, se confronte com a generalidade dos meios de prova que estão sujeitos à livre apreciação e que, ao abrigo desse princípio, foram valorados pelo tribunal de 1ª instância, para deles extrair, como se se tratasse de um novo julgamento, uma decisão inteiramente nova. Pelo contrário, as modificações a operar devem respeitar em primeiro lugar o que o recorrente, no exercício do seu direito de impugnação da decisão de facto, indicou nas respectivas alegações que servem para delimitar o objecto do recurso», conforme o determina o princípio do dispositivo (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pág. 228, com bold apócrifo).
Lê-se, assim, no art.º 640.º, n.º 1, do CPC, que, quando «seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnada diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas».
Precisa-se ainda que, quando «os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados», acresce àquele ónus do recorrente, «sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes» (al. a), do n.º 2, do art.º 640.º citado).
Logo, deve o recorrente, sob cominação de rejeição do recurso, para além de delimitar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar, deixar expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada; e esta última exigência (contida na al. c), do n.º 1, do art. 640.º citado), «vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar a interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente», devendo ser apreciada à luz de um critério de rigor [17] enquanto «decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes», «impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo» (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pág. 129, com bold apócrifo).
Dir-se-á mesmo que as exigências legais referidas têm uma dupla função: não só a de delimitar o âmbito do recurso, mas também a de conferir efectividade ao uso do contraditório pela parte contrária (pois só na medida em que se sabe especificamente o que se impugna, e qual a lógica de raciocínio expendido na valoração/conjugação deste ou daquele meio de prova, é que se habilita a contraparte a poder contrariá-lo).
Por outras palavras, se o dever - constitucional (art.º 205.º, n.º 1, da CRP) e processual civil (art.ºs154.º e 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC) - impõe ao juiz que fundamente a sua decisão de facto, por meio de uma análise crítica da prova produzida perante si, compreende-se que se imponha ao recorrente que, ao impugná-la, apresente a sua própria. Logo, deverá apresentar «um discurso argumentativo onde, em primeiro lugar, alinhe as provas, identificando-as, ou seja, localizando-as no processo e tratando-se de depoimentos a respectiva passagem e, em segundo lugar, produza uma análise crítica relativa a essas provas, mostrando minimamente por que razão se “impunha” a formação de uma convicção no sentido pretendido» por si (Ac. da RP, de 17.03.2014, Alberto Ruço, Processo n.º 3785/11.5TBVFR.P1).
Com efeito, «livre apreciação da prova» não corresponde a «arbitrária apreciação da prova». Deste modo, o Juiz deverá objectivar e exteriorizar o modo como a sua convicção se formou, impondo-se a «identificação precisa dos meios probatórios concretos em que se alicerçou a convicção do Julgador», e ainda «a menção das razões justificativas da opção pelo Julgador entre os meios de prova de sinal oposto relativos ao mesmo facto» (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, Limitada, 1985, pág. 655).
«É assim que o juiz [de 1ª Instância] explicará por que motivo deu mais crédito a uma testemunha do que a outra, por que motivo deu prevalência a um laudo pericial em detrimento de outro, por que motivo o depoimento de certa testemunha tecnicamente qualificada levou à desconsideração de um relatório pericial ou por que motivo não deu como provado certo facto apesar de o mesmo ser referido em vários depoimentos. E é ainda assim por referência a certo depoimento e a propósito do crédito que merece (ou não), o juiz aludirá ao modo como o depoente se comportou em audiência, como reagiu às questões colocadas, às hesitações que não teve (teve), a naturalidade e tranquilidade que teve (ou não)» (Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, Almedina, 2014, pág. 325).
 «Destarte, o Tribunal ao expressar a sua convicção, deve indicar os fundamentos suficientes que a determinaram, para que através das regras da lógica e da experiência se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento dos factos provados e não provados, permitindo aferir das razões que motivaram o julgador a concluir num sentido ou noutro (provado, não provado, provado apenas…, provado com o esclarecimento de que…), de modo a possibilitar a reapreciação da respectiva decisão da matéria de facto pelo Tribunal de 2ª Instância» (Ana Luísa Geraldes, «Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto», Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Volume I, Coimbra Editora, 2013, pág. 591, com bold apócrifo).
Dir-se-á mesmo que, este esforço exigido ao Juiz de fundamentação e de análise crítica da prova produzida «exerce a dupla função de facilitar o reexame da causa pelo Tribunal Superior e de reforçar o autocontrolo do julgador, sendo um elemento fundamental na transparência da justiça, inerente ao acto jurisdicional» (José Lebre de Freitas, A Acção Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3.ª edição, Coimbra Editora, Setembro de 2013, pág. 281).
É, pois, irrecusável e imperativo que, «tal como se impõe que o tribunal faça a análise crítica das provas (de todas as que se tenham revelado decisivas)… também o Recorrente ao enunciar os concreto meios de prova que devem conduzir a uma decisão diversa deve seguir semelhante metodologia», não bastando nomeadamente para o efeito «reproduzir um ou outro segmento descontextualizado dos depoimentos» (Ana Luísa Geraldes, «Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto», Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Volume I, Coimbra Editora, 2013, pág. 595, com bold apócrifo).
Compreende-se que assim seja, isto é, que a «censura quanto à forma de formação da convicção do Tribunal não» possa «assentar de forma simplista no ataque da fase final da formação dessa convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção.
Doutra forma, seria uma inversão da posição dos personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar, pela convicção dos que esperam a decisão» (Ac. do TC n.º 198/2004, de 24 de Março de 2004, publicado no DR, II Série, de 02.06.2004, reproduzindo Ac. da RC, sem outra identificação).

De todo o exposto resulta que o âmbito da apreciação do Tribunal da Relação, em sede de impugnação da matéria de facto, estabelece-se de acordo com os seguintes parâmetros: só tem que se pronunciar sobre a matéria de facto impugnada pelo recorrente; sobre essa matéria de facto impugnada, tem que realizar um novo julgamento; e nesse novo julgamento forma a sua convicção de uma forma autónoma, mediante a reapreciação de todos os elementos probatórios que se mostrem acessíveis (e não só os indicados pelas partes).
Contudo (e tal como se referiu supra), mantendo-se em vigor os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova, e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e não de certeza absoluta -, precisa-se ainda que o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1.ª Instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados. 
Por outras palavras, a alteração da matéria de facto só deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação quando o mesmo, depois de proceder à audição efectiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direcção diversa, e delimitam uma conclusão diferente daquela que vingou na 1.ª Instância. «Em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte» (Ana Luísa Geraldes, «Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto», Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Volume I, Coimbra Editora, pág. 609).
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4.2.2.3. Carácter instrumental da impugnação da decisão de facto
Veio, porém, a jurisprudência precisar ainda que a impugnação da decisão de facto não se justifica a se, de forma independente e autónoma da decisão de mérito proferida, assumindo antes um carácter instrumental face à mesma.
Com efeito, a «impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, consagrada no artigo 685.º-B [do anterior CPC], visa, em primeira linha, modificar o julgamento feito sobre os factos que se consideram incorrectamente julgados. Mas, este instrumento processual tem por fim último possibilitar alterar a matéria de facto que o tribunal a quo considerou provada, para, face à nova realidade a que por esse caminho se chegou, se possa concluir que afinal existe o direito que foi invocado, ou que não se verifica um outro cuja existência se reconheceu; ou seja, que o enquadramento jurídico dos factos agora tidos por provados conduz a decisão diferente da anteriormente alcançada. O seu efectivo objectivo é conceder à parte uma ferramenta processual que lhe permita modificar a matéria de facto considerada provada ou não provada, de modo a que, por essa via, obtenha um efeito juridicamente útil ou relevante» (Ac. da RC, de 24.04.2012, António Beça Pereira, Processo n.º 219/10.6T2VGS.C1, com bold apócrifo).
Logo, por força dos princípios da utilidade, economia e celeridade processual, o Tribunal ad quem não deve reapreciar a matéria de facto «quando o(s) facto(s) concreto(s) objecto da impugnação for insusceptível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente», convertendo-a numa «pura actividade gratuita ou diletante» (Ac. da RC, de 27.05.2014, Moreira do Carmo, Processo n.º 1024/12.0T2AVR.C1).
Por outras palavras, se, «por qualquer motivo, o facto a que se dirige aquela impugnação for, "segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito", irrelevante para a decisão a proferir, então torna-se inútil a actividade de reapreciar o julgamento da matéria de facto, pois, nesse caso, mesmo que, em conformidade com a pretensão do recorrente, se modifique o juízo anteriormente formulado, sempre o facto que agora se considerou provado ou não provado continua a ser juridicamente inócuo ou insuficiente.
Quer isto dizer que não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objecto da impugnação não for susceptível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, antemão, ser inconsequente, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processual consagrados nos artigos 2.º n.º 1, 137.º e 138.º.» (Ac. da RC, de 24.04.2012, António Beça Pereira, Processo n.º 219/10.6T2VGS.C1, com bold apócrifo) [18].
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4.2.2.4. Caso concreto (cumprimento do ónus de impugnação)
4.2.2.4.1. Cumprimento do ónus de impugnação
Concretizando, considera-se que a Autora (DD, habilitada no lugar da primitiva AA) recorrente cumpriu o ónus de impugnação que lhe estava cometido pelo art.º 640.º, n.º 1, do CPC (conclusão distinta de saber se existe fundamento para a pretendida alteração dos factos julgados como provados e como não provados), à excepção do facto não provado enunciado sob o número 31.

Com efeito, a Recorrente (Autora) indicou, no corpo das alegações e nas conclusões do seu recurso: os concretos pontos de facto que considerava incorrectamente julgados (o facto provado enunciado sob a alínea V) e os factos não provados enunciados sob os números 5, 16, 19, 23, 31 e 33); os concretos meios probatórios que imporiam decisão diferente (uma diferente ponderação da prova pessoal, documental e pericial produzidas, que discriminou para cada um daqueles factos); as exactas passagens da gravação das declarações e dos depoimentos que elegeu para fundar a sua sindicância, que inclusivamente transcreveu; e a decisão que, no seu entender, se impunha (o dar-se uma nova - ampliada -  redacção ao facto provado enunciado sob o número 5, e o darem-se como demonstrados os factos não provados enunciados na sentença recorrida sob os números 5, 16, 19, 23, 31 e 33).

Contudo, e salvo o devido respeito por opinião contrária, pretendendo sindicar o facto não provado enunciado sob o número 31 («A  Ré, após a morte do seu pai, efectuou a transmissão dos veículos automóveis Semi - Agrícola - C-....5, Veículo automóvel marca ... – UB-..-.. e Veículo automóvel marca ... - NA-..-.. para seu nome e dos veículos veículo automóvel marca ... – BI-..-.. e Tractor – CV-..-.. para nome do seu marido, aqui Réu»), a Autora (AA), esqueceu-se de impugnar igualmente o facto provado enunciado sob a alínea AA) («Em ../../2009 (ou seja, o dia anterior ao seu internamento, cinco dias antes do seu falecimento) o pai da Ré transmitiu mediante contrato verbal de compra e venda os veículos Semi - Agrícola - C-....5, Veículo automóvel marca ... – UB-..-.., Veículo automóvel marca ... - NA-..-.., Veículo automóvel marca ... – BI-..-.. e Tractor – CV-..-..»), desconsiderando-se para este efeito a sua mera e pura impugnação consubstanciada no facto não provado enunciado sob o número 32 («É falso que EE tenha transmitido os veículos referidos no número anterior para os Réus, deixando de fora a mulher e a outra filha»), também ignorado pela Autora no seu recurso.
Com efeito, tais factos resultaram da sua prévia e própria alegação, logo em sede de petição inicial, onde defendeu nunca ter existido qualquer contrato de compra e venda verbal de veículos; e, por isso, pedindo de forma conforme no seu petitório final o reconhecimento da sua inexistência/nulidade, e não a sua anulação por qualquer vício que o tivesse afectado (já que só pode haver vício sobre um objecto previamente existente, que assim seja por ele afectado, e não sobre uma inexistência).
Ora, o Tribunal a quo considerou provado que o marido da Autora (AA) e pai da Ré (BB) celebrou com esta, cinco dias antes do seu falecimento, um contrato de compra e venda verbal, pelo qual lhe transmitiu a propriedade de veículos automóveis e agrícolas seus. Assim, pretendendo a Autora, no seu recurso, ver reconhecida por este Tribunal ad quem uma realidade distinta, que ela própria alegara na sua petição inicial (que a Ré, após a morte do pai, procedeu ao registo desses automóveis em seu nome e do seu marido, sendo «falso que EE tenha transmitido os veículos referido (…) para os Réus, deixando de fora a mulher e a outra filha»), impunha-se que tivesse igualmente impugnado aquela outra, e contraditória, realidade.
Não o tendo feito, estando a mesma definitivamente assente, não pode este Tribunal ad quem conhecer nesta parte do objecto do seu recurso, isto é, do facto não provado enunciado sob o número 31, que, por isso, se rejeita. 
Concluindo, exclui-se necessariamente do objecto do presente recurso qualquer sindicância ao negócio que teve por objecto veículos automóveis, cuja validade não pode mais ser contestada.
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Prosseguindo, e agora relativamente ao juízo crítico próprio da Recorrente (Autora), assentou o mesmo na reclamação de uma diferente valoração a fazer das declarações próprias, de depoimentos prestados e de documentos que seleccionou como base para a sua sindicância (uma vez que escolheu desvalorizar o resultado das perícias médico-legais cuja realização ela própria impetrara).
Recorda-se, a propósito, que os art.ºs 640.º, n.º 1, al. b), e 662.º, n.º 1, do CPC, afirmam inequivocamente que a matéria de facto previamente julgada deverá ser alterada quando a prova produzida imponha decisão diversa da recorrida, e não apenas quando a admita, permita ou consinta. Ora, para esse efeito, o recorrente terá que contrariar a apreciação crítica da prova realizada pelo Tribunal a quo, demonstrando e justificando por que razão as regras da lógica e da experiência por ele seguidas não se mostrariam razoáveis no caso concreto, conduzindo a um resultado inadmissível, por não sufragado por elas.
Por outras palavras, admitindo-se necessariamente que o Tribunal a quo ouviu integralmente os depoimentos, e consultou criteriosamente os documentos escolhidos, certo é que fez dos mesmos uma outra valoração, ajuizando todo o seu conjunto face à demais prova produzida e às regras da experiência. Assim, pretendendo o recorrente sindicar este juízo, importará que indique as razões objectivas pelas quais entende que à prova que seleccionou (já antes vista e apreciada pelo Tribunal a quo) deveria ter sido dada outra relevância, o que a simples reiteração do seu conteúdo, e a reclamação conclusiva da respectiva suficiência, é claramente inidónea para este efeito.
Ora, no caso dos autos, a Autora (DD, habilitada no lugar da primitiva AA) recorrente não o fez de forma idónea, ao reiterar o teor das declarações e dos depoimentos já ouvidos pelo Tribunal a quo, e dos documentos já por ele consultados; e ao concluir (subjectivamente) pela sua suficiência para o sucesso da respectiva tese.
Contudo, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça vem defendendo que a menor suficiência da fundamentação probatória do recorrente não releva como requisito formal do ónus de impugnação, mas, quando muito, como parâmetro da reapreciação da decisão de facto, na valoração das provas, exigindo maior ou menor grau de fundamentação, por parte do tribunal de recurso, consoante a densidade ou consistência daquela fundamentação (conforme Ac. do STJ, de 19.02.2015, Tomé Gomes, Processo n.º 299/05.6TBMGD.P2.S1).   
Estaria, assim, este Tribunal da Relação em condições de poder proceder, nos termos autorizados pelo art.º 640.º, do CPC, à reapreciação da remanescente matéria de facto pretendida pela Autora (DD, habilitada no lugar da primitiva AA), aqui recorrente.
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4.2.2.4.2. Utilidade da impugnação feita (e do seu conhecimento)
4.2.2.4.2.1. Fundamentos de anulação da dação em pagamento
Concretizando novamente, verifica-se que, após o cumprimento do ónus de impugnação da matéria de facto pela Autora (DD, habilitada no lugar da primitiva AA), constituiriam objecto do recurso a sindicância da validade da escritura de dação em pagamento efectuada por ela em 31 de Julho de 2018, já que alegadamente a teria celebrado quando se encontrava acidentalmente incapacitada para entender o conteúdo da sua declaração; ou, subsidiariamente, quando se encontrava em erro sobre o seu objecto (pensando estar a transmitir à Ré um único prédio urbano e não, simultaneamente, três adicionais prédios rústicos) e sobre os motivos determinante da sua vontade (pensando que, quanto àquele prédio urbano, a sua outra filha anuíra à transmissão, com determinados pressupostos).
Contudo, e como a própria Autora (DD, habilitada no lugar da primitiva AA), bem e reiteradamente, o defendeu ao longo dos autos, a relevância jurídica - enquanto causa de anulação de negócio -, pressupõe, no caso da incapacidade acidental, que «o facto seja notório ou conhecido do declaratário» (art.º 257.º, n.º 1, do CC); e no caso do erro, «que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade, para o declarante, do elemento sobre que incidiu o erro» (art.º 247.º, por remissão do art.º 251.º, ambos do CPC).
Ora, e salvo novamente o devido respeito por opinião contrária, tendo o Tribunal a quo deixado por provar estas duas realidades (de demonstração imperativa para se assegurar a procedência da acção), a Autora (DD, habilitada no lugar da primitiva AA) não as incluiu, como estava obrigada, no objecto do seu recurso.
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Com efeito, e relativamente ao carácter notório ou conhecido da Ré (BB) da incapacidade acidental da Autora, encontra-se o mesmo vertido no facto não provado enunciado sob o número 20 («Encontrando-se a Autora, à referida data, incapaz de entender o negócio que ia realizar e a declaração negocial que ia emitir, o que a Ré bem sabia») e no facto não provado enunciado sob o número 24 («A diminuição da capacidade de percepção, entender e discernir da Autora eram do conhecimento não só da Ré, sendo ainda notória para qualquer pessoa de normal diligência colocada na posição desta»).
Nenhum deles foi, porém, impugnado pela Autora (DD, habilitada no lugar da primitiva AA).
Ficou, assim, definitivamente por provar nos autos um dos elementos da previsão do art.º 257.º do CC; e, por isso, definitivamente excluída a possibilidade de se anular a dação em pagamento realizada pela Autora em 31 de Julho de 2019 por incapacidade acidental própria.
Assim sendo, torna-se inútil a prova da incapacidade acidental (hipotética ou efectiva) em que a Autora se encontrasse em 31 de Julho de 2018 (porque se tornou inidónea nos autos para fundar a anulação de negócio pretendida), vertida no facto não provado enunciado sob o número 19 («Durante o ano de 2018 a Autora viu a sua já débil saúde agravada, o que originou que a sua capacidade de percepção, de entender e de discernir se encontrassem seriamente prejudicadas e diminuídas»), o que aqui se declara.
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Já relativamente ao conhecimento pela Ré (efectivo ou por não o dever ignorar) do carácter essencial, para a Autora, da sua outra filha (DD)) ter concordado em que transmitisse para aquela o prédio urbano, dir-se-á que, independentemente daquele conhecimento da Ré (ou da falta dele), certo é que a condição (essencial para a Autora) alegada, vertida no facto não provado enunciado sob o número 13 («O referido na alínea Q) era condição essencial para que a Autora transmitisse o imóvel à  Ré») - conjugado com o facto provado enunciado sob a alínea Q) («A Ré dizia ainda à Autora que a sua irmã, DD, tinha concordado em que lhe transmitisse o referido imóvel») -, não se provou; e igualmente não se provou o único pressuposto do consentimento prestado por DD alegado no artigo 45.º da petição inicial, vertido no facto não provado enunciado sob o número 28  («O referido na alínea V) aconteceu no pressuposto que a Ré sempre havia sido correcta e tido uma conduta exemplar para com DD e com a mãe de ambas, tanto que era intenção da imã, de futuro, proceder à construção de uma habitação (no mesmo quarteirão) para, com a sua família, poder usufruir da piscina instalada no terreno identificado na alínea F), d).»).
Os mesmos factos não provados enunciados sob os números 23 e 28 não foram, porém, impugnados pela Autora (DD, habilitada no lugar da primitiva AA).
Com efeito, e de forma absolutamente conforme com o que foi alegado na petição inicial (no seu artigo 27.º), ficou assente nos autos, no facto provado enunciado sob a alínea V) que «DD havia dito à Ré que concordava que a Autora lhe transmitisse, pelo menos, o bem identificado na alínea F), a)»; e não ficou provado que esse consentimento (independentemente dos concretos pressupostos em que se alicerçava)  fosse «condição essencial para que a Autora transmitisse o imóvel à Ré», conforme facto não provado enunciado sob o número 13.
Ficou, assim, definitivamente por provar nos autos um dos elementos da previsão do art.º 247.º, aplicável ex vi do art.º 251.º, ambos do CC; e, por isso, definitivamente excluída a possibilidade de se anular a dação em pagamento realizada pela Autora em 31 de Julho de 2019 por erro sobre os motivos determinantes da sua vontade de venda.
 Assim sendo, torna-se inútil a prova dos exactos termos a que DD condicionou o seu acordo na transmissão à Ré (BB) de património da Autora, mãe comum, vertida na pretendida ampliação do facto provado enunciado sob a alínea V) (««PP havia dito à Ré que concordava que a Autora lhe transmitisse, pelo menos, o bem identificado na alínea F), a)»»), o que aqui se declara.
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Por fim, e relativamente ao conhecimento pela Ré (efectivo ou por não o dever ignorar) de estar a Autora convencida que seria apenas objecto da dação em pagamento um prédio urbano e não simultaneamente outros três adicionais prédios rústicos, dir-se-á que, independentemente daquele conhecimento pela Ré (ou da falta dele), certo é que esse alegado limitado objecto do negócio, vertido no facto não provado enunciado sob o número 26 («A Autora ficou sempre convencida que na escritura pública realizada em 31 de Julho de 2018 apenas tinha transmitido à Ré o prédio identificado na alínea F), a), e não a totalidade dos bens imóveis identificados nessa alínea»), não se provou.
O mesmo não foi, porém, impugnado pela Autora.
Ficou, assim, definitivamente por provar nos autos um dos elementos da previsão do art.º 247.º, aplicável ex vi do art.º 251.º, ambos do CC; e, por isso, definitivamente excluída possibilidade de se anular a dação em pagamento realizada pela Autora em 31 de Julho de 2019 por erro sobre o objecto do negócio.

 Assim sendo, torna-se inútil, por juridicamente irrelevante, a prova da pretensa incapacidade acidental da Autora, e não tendo ficado provado o seu erro (quer sobre os motivos determinantes da sua vontade, quer sobre o objecto do negócio), sem que haja procedido à sindicância (no seu recurso) desta não prova, ficou por demonstrar o seu direito de anulação e/ou redução da escritura de dação em pagamento; e, em consequência, prejudicada a prova da caducidade ou da tempestividade do seu exercício em juízo,  vertida no facto provado enunciado sob o número 23 («Apenas em 13 de Fevereiro de 2019 a Autora teve conhecimento que não tinha apenas transmitido a propriedade do bem imóvel referido na alínea F), a), mas igualmente a dos restantes bens imóveis descritos na alínea, e bem assim que a sua filha DD não havia concordado com a transmissão de tais bens»), o que aqui se declara.
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4.2.2.4.2.2. Remanescente matéria de facto impugnada
Concretizando uma derradeira vez, e face à não prova dos factos essenciais já referidos, os remanescentes em apreciação, ainda que se provassem, seriam inidóneos para, concertadamente com os demais já assentes, assegurarem uma alteração do juízo de mérito (de improcedência da acção) do Tribunal a quo.
Com efeito, estão em causa os factos não provados enunciados sob o número 5 («O referido na alínea M) fez com que a Autora necessitasse inclusive de cuidadora, função que foi desde há muito desempenhada pela sua filha DD e, posteriormente, também pelo marido desta»), sob o número 16 («A escritura de dação em pagamento foi realizada em cartório da especial relação da Ré, tendo sido testemunhas pessoas igualmente da especial relação dela») e sob o número 33 («Quando essa transmissão ocorreu, EE tinha metástases cerebrais»).
Declara-se, assim, prejudicado o seu conhecimento.
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Mostra-se, assim, totalmente improcedente o recurso sobre a matéria de facto apresentado pela Autora (DD, habilitada no lugar da primitiva AA) [19] ; e, por isso, mantem-se inalterada a decisão de facto proferida pelo Tribunal a quo.
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V - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO (conhecimento prejudicado)

O pedido de alteração do decidido na sentença proferida nos autos, no que respeita à interpretação e aplicação do Direito, dependia do prévio sucesso da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, não se revestindo de autonomia.
Com efeito, o reconhecimento de que caberia à Autora (DD, habilitada no lugar da primitiva AA) o direito de invalidar a escritura de dação em pagamento realizada em 31 de Julho de 2018 dependia da  prova dos factos que alegou para o efeito (incapacidade acidental própria e conhecimento da mesma pela Ré, e/ou erro sobre os motivos determinantes da sua vontade e/ou sobre o objecto do negócio e conhecimento pela Ré do carácter essencial para si própria dos elementos sobre que recairam os ditos erros); e o reconhecimento de que caberia à Autora (DD, habilitada no lugar da primitiva AA) o direito de obter o reconhecimento da inexistência de qualquer manifestação de vontade do seu marido de transmitir à Ré veículos automóveis dependia da prova dos factos que alegou para o efeito (precisamente, a inexistência de qualquer manifestação de vontade do seu marido no sentido da referida transmissão, no caso de venda). Ora, e neste aspecto, a prova inicial (melhor se diria, a respectiva ausência) permaneceu inalterada
Assim, não tendo a Autora (DD, habilitada no lugar da primitiva AA) tido êxito na pretensão de alteração da matéria de facto considerada para o efeito na sentença recorrida, ficou necessariamente prejudicado o conhecimento do recurso sobre a matéria de direito que dele dependesse, nos termos do art.º 608.º, n.º 2, do CPC, aplicável ex vi do art.º 663.º, n.º 2, in fine, do mesmo diploma.
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Concluindo, e decidindo em conformidade com o antes ajuizado, terá de improceder totalmente o recurso de apelação da Autora (DD, habilitada no lugar da primitiva AA).
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VI - DECISÃO

Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto pela Autora (DD, habilitada no lugar da primitiva AA), e, em consequência, em

· Confirmar integralmente a sentença recorrida.
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Custas da apelação pela Autora (art.º 527.º, n.º 1 e n.º 2, do CPC).
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Guimarães, 05 de Junho de 2025.

O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos

Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos;
1.ª Adjunta - Lígia Paula Ferreira de Sousa Santos Venade;
2.º Adjunto - José Carlos Pereira Duarte.


[1] «Trata-se, aliás, de um entendimento sedimentado no nosso direito processual civil e, mesmo na ausência de lei expressa, defendido, durante a vigência do Código de Seabra, pelo Prof. Alberto dos Reis (in Código do Processo Civil Anotado, Vol. V, pág. 359) e, mais tarde, perante a redação do art. 690º, do CPC de 1961, pelo Cons. Rodrigues Bastos, in Notas ao Código de Processo Civil, Vol. III, 1972, pág. 299» (Ac. do STJ, de 08.02.2018, Maria do Rosário Morgado, Processo n.º 765/13.0TBESP.L1.S1, nota 1 - in www.dgsi.pt, como todos os demais citados sem indicação de origem). 
[2] Neste sentido, numa jurisprudência constante, Ac. da RG, de 07.10.2021, Vera Sottomayor, Processo n.º 886/19.5T8BRG.G1, onde se lê que questão nova, «apenas suscitada em sede de recurso, não pode ser conhecida por este Tribunal de 2ª instância, já que os recursos destinam-se à apreciação de questões já levantadas e decididas no processo e não a provocar decisões sobre questões que não foram nem submetidas ao contraditório nem decididas pelo tribunal recorrido».
[3] No mesmo sentido, de distinção das nulidades da sentença dos vícios que afectam a própria elaboração da decisão de facto (estes últimos entendidos como passíveis de serem qualificados como nulidades processuais, nos termos do art.º 195.º, n.º 1 do CPC), Ac. da RL, de 29.10.2015, Olindo Geraldes, Processo n.º 161/09.3TCSNT.L1-2.
[4] Neste sentido, Ac. do STA, de 09.07.2014, Carlos Carvalho, Processo n.º 00858/14.
[5] Entende-se por: deficiência, o não ter sido dada resposta a todos os pontos de facto controvertidos ou à totalidade de um facto controvertido; obscuridade, o haver respostas ambíguas ou pouco claras, permitindo várias interpretações; contradição, o colidirem entre si as respostas dadas a certos pontos de facto, ou colidirem essas respostas com factos antes dados como assentes, sendo entre si inconciliáveis; e falta de fundamentação, o não ter o Tribunal fundamentado, ou fundamentado devidamente, as respostas ou alguma delas (José Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2008, pág. 664).
[6] No mesmo sentido, de distinção das nulidades da sentença dos vícios que afectam a própria elaboração da decisão de facto (estes últimos entendidos como passíveis de serem qualificados como nulidades processuais, nos termos do art.º 195.º, n.º 1 do CPC), Ac. da RL, de 29.10.2015, Olindo Geraldes, Processo n.º 161/09.3TCSNT.L1-2.
[7] Neste sentido, de eventual não distinção dos vícios que afectam a elaboração da decisão de facto das nulidades da sentença, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 3.ª edição, Almedina, Março de 2018, págs. 733 e 734, onde se lê que «atualmente a sentença contém tanto a decisão sobre a matéria de direito como a decisão sobre a matéria de facto (cf. o art. 607-4), pelo que os vícios da sentença não se autonomizam hoje dos vícios da decisão sobre a matéria de facto, diversamente do que antes sucedia (cf. os arts. 608 e 653-4 do CPC de 1961). Esta circunstância, se não justifica a aplicação, sem mais, do regime do art. 615 à parte da sentença relativa à decisão sobre a matéria de facto - desde logo porque a invocação de vários dos vícios que a esta dizem respeito é feita nos termos do art. 640 e porque a consequência desses vícios não é necessariamente a anulação do ato (cf. os n.ºs 2 e 3 do art. 662) -, obriga, pelo menos, a ponderar, caso a caso, a possibilidade dessa aplicação».
[8] «Porventura esta tendência encontrará a sua raiz num modelo processual em que o decurso do prazo para a interposição de recurso apenas se iniciava depois de serem apreciadas pelo tribunal a quo eventuais nulidades decisórias que eram autonomamente arguidas», sendo certo porém, que «há muito que foi ultrapassado esse quadro normativo» (António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, Almedina, 2018, pág. 737).
[9] Neste sentido, Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lex Edições Jurídicas, 1997, pág. 348.
[10] No mesmo sentido, Ac. da RG, de 12.01.2010, António da Costa Fernandes, Processo n.º 809/1996.G1, onde se lê que o «dever de fundamentar as sentenças visa tornar possível um duplo controlo. Em primeiro lugar, um controlo intraprocessual, permitindo às partes o fácil exercício dos meios de impugnação, através do conhecimento dos motivos da decisão, e em facilitar o trabalho das instâncias superiores de recurso. Em segundo lugar, um controlo extraprocessual. Este último traduz-se na possibilidade de a comunidade jurídica e a opinião pública controlarem o modo como os órgãos jurisdicionais exercem o poder que lhes está atribuído. Trata-se, neste caso, de um “controlo democrático difuso que deve poder ser exercido por aquele mesmo povo em nome do qual a sentença é proferida” - cfr. o art. 202º, 1, da CRP».
[11] Neste sentido, Ac. do STJ, de 08.03.2001, Ferreira Ramos, Processo n.º 00A3277.
[12] No mesmo sentido, Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Volume III, Almedina, pág. 141.
Por todos, José Lebre de Freitas, Código de Processos Civil Anotado, Volume 2.º, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2008, págs. 703 e 704, e A Acção declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3.ª edição, Coimbra Editora, Setembro de 2013, pág. 332.
Contudo, e para este autor e para Isabel Alexandre, face à solução consagrada no CPC de 2013 (de integrar na sentença tanto a decisão sobre a matéria de facto, como a fundamentação respectiva), só a falta da primeira integra a nulidade prevista no art.º 615.º, n.º 1, al. b), do CPC, e não também a falta da segunda (v.g. genérica referência a toda a prova produzida na fundamentação da decisão de facto, ou conclusivos juízos de direito), a que será aplicável o regime previsto no art.º 662.º, n.º 2, al. d) e n.º 3, als. b) e d), do CPC (conforme Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 3.ª edição, Almedina, Março de 2018, pág. 736, com indicação de jurisprudência conforme). 
[13] No mesmo sentido, Ac. da RC, de 11.01.1994, Cardoso Albuquerque, BMJ, n.º 433, pág. 633, onde se lê que «entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica pelo que se, na fundamentação da sentença, o julgador segue determinada linha de raciocínio apontando para determinada conclusão e, em vez de a tirar, decide em sentido divergente, ocorre tal oposição».
Ainda, Ac. do STJ, de 13.02.1997, Nascimento Costa, BMJ, n.º 464, pág. 524; e Ac. do STJ, de 22.06.1999, Ferreira Ramos, CJ, 1999, Tomo II, pág. 160.
[14] Neste sentido, com maiores desenvolvimentos, Ac. do STJ, de 02.07.2015, Ana Luísa Geraldes, Processo n.º 5024/12.2TTLSB.L1-S1.
[15] Neste sentido, Ac. do STJ, de 08.03.2001, Ferreira Ramos, Processo n.º 00A3277.
[16] No mesmo sentido, Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, pág. 693, onde se lê que «o pedido de aclaração tem cabimento sempre que algum trecho essencial da sentença seja obscuro (por ser ininteligível o pensamento do julgador) ou ambíguo (por comportar dois ou mais sentidos distintos)».
[17] A exigência de rigor, no cumprimento do ónus de impugnação, manifestou-se igualmente a propósito do art.º 685º-B, n.º 1, al. a), do anterior CPC, de 1961, conforme Ac. da RC, de 11.07.2012, Henrique Antunes, Processo n.º 781/09, onde expressamente se lê que este «especial ónus de alegação, a cargo do recorrente, deve ser cumprido com particular escrúpulo ou rigor», constituindo «simples decorrência dos princípios estruturantes da cooperação e lealdade e boa fé processuais, assegurando, em última extremidade, a seriedade do próprio recurso».
[18] No mesmo sentido:
.  Ac. da RC, de 14.01.2014, Henrique Antunes, Processo n.º 6628/10.3TBLRA.C1 - onde se lê que, de «harmonia com o princípio da utilidade a que estão submetidos todos os actos processuais, o exercício dos poderes de controlo da Relação sobre a decisão da matéria de facto da 1ª instância só se justifica se recair sobre factos com interesse para a decisão da causa (artº 137 do CPC de 1961, e 130 do NCPC)», pelo que se «o facto ou factos cujo julgamento é impugnado não forem relevantes para nenhuma das soluções plausíveis de direito da causa é de todo inútil a reponderação da decisão correspondente da 1ª instância»; e isso «sucederá sempre que, mesmo com a substituição, a solução o enquadramento jurídico do objecto da causa permanecer inalterado, porque, por exemplo, mesmo com a modificação, a factualidade assente continua a ser insuficiente ou é inidónea para produzir o efeito jurídico visado pelo autor, com a acção, ou pelo réu, com a contestação».                                              
. Ac. do STJ, de 09.02.2021, Maria João Vaz Tomé, Processo n.º 26069/18.3T8PRT.P1.S1 - onde se lê que «nada impede a Relação de apreciar se a factualidade indicada pelos recorrentes é ou não relevante para a decisão da causa, podendo, no caso de concluir pela sua irrelevância, deixar de apreciar, nessa parte, a impugnação da matéria de facto por se tratar de ato inútil».
[19] Neste sentido, Ac. do STJ, de 09.02.2021, Maria João Vaz Tomé, Processo n.º 26069/18.3T8PRT.P1.S1, onde se lê que a «Relação não se abstém de conhecer da impugnação da decisão de facto quando, a propósito de alguns pontos da matéria de facto, considerou que não foram cabalmente observados pelos recorrentes os ónus previstos no art. 640,º, n.º 1 do CPC e, quanto a outros pontos, reputou tratar-se de matéria irrelevante para a decisão final».
Assim, o «dever de reapreciação da prova por parte da Relação apenas existe no caso de os recorrentes respeitarem todos os ónus previstos no art. 640.º, n.º 1 do CPC e de a matéria em causa se afigurar relevante para a decisão final».