INSOLVÊNCIA
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
CRÉDITOS LABORAIS
RESOLUÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO POR INICIATIVA DO TRABALHADOR
ABUSO DE DIREITO
Sumário


(i) A aplicação do instituto do abuso do direito depende de terem sido alegados e provados os competentes pressupostos e, bem assim, da possibilidade de enquadrar as suas consequências no pedido feito ao Tribunal, o que decorre do princípio do dispositivo.
(ii) Verificados tais pressupostos, o abuso do direito é do conhecimento oficioso do tribunal.
(iii) A sede própria para a invocação da caducidade é a contestação, função que na reclamação de créditos em processo de insolvência é desempenhada pela resposta à impugnação prevista no n.º 1 do art. 131 do CIRE, o que é consequência do princípio da concentração da defesa, consagrado no art. 573/1 do CPC, que tem como corolário lógico a preclusão. Não sendo essa exceção invocada na resposta à impugnação, o julgador não pode conhecer dela, designadamente em sede de recurso, exceto se a lei impuser o seu conhecimento oficioso.
(iv) É nula, por excesso de pronúncia, a sentença de verificação e graduação de créditos em processo de insolvência na parte em que recusa a verificação de um crédito adrede reclamado pelo respetivo titular, incluído na lista de créditos reconhecidos pelo administrador da insolvência e não impugnado qua tale por qualquer interessado com fundamento na inobservância do ónus da prova dos respetivos factos constitutivos.
(v) A mesma sentença é nula, mas por omissão de pronúncia, na parte em que nada diz sobre créditos cuja não inclusão na lista de créditos reconhecidos pelo administrador da insolvência foi objeto de impugnação pelo credor reclamante.
(vi) A declaração de insolvência do empregador titular de empresa não importa a extinção automática dos contratos de trabalho, que ficarão sujeitos às vicissitudes da empresa, dependendo das opções que vierem a ser tomadas no âmbito do processo.
(vii) Mantendo-se a empresa em laboração, recai sobre o administrador da insolvência o dever de continuar a cumprir integralmente as obrigações para com os trabalhadores até ao encerramento definitivo da empresa.
(viii) Atua em abuso do direito o trabalhador que resolve o contrato de trabalho invocando como justa causa o não pagamento da retribuição que lhe era devida, durante um período de dez anos, escassos dias depois de o empregador ter sido declarada insolvente, em resposta a pretensão por si formulada nesse sentido, e sem que previamente tivesse comunicado essa intenção ao administrador da insolvência nomeado, dando-lhe a possibilidade de regularizar a situação.
(ix) A consequência do exercício do direito de resolução do contrato de trabalho nesses termos é equiparação dos seus efeitos aos que são próprios da cessação por denúncia por iniciativa do trabalhador.

Texto Integral


I.
1).1. AA (Requerente) intentou, no dia 3 de maio de 2023, ação especial destinada à declaração de insolvência de EMP01..., Empreendimentos Turísticos de Caça, Lda. (Requerida).
Alegou, em suporte, a qualidade de trabalhador da Requerida, desde setembro de 1993, com a categoria profissional de guarda florestal, a falta de pagamento dos respetivos salários, subsídios, diuturnidades e despesas de deslocação, acrescidos de juros, contados desde julho de 2013, sendo titular, a esse título, de créditos no valor total de € 118 417,82, e a impossibilidade de a Requerida cumprir as suas obrigações vencidas.
Na sequência, perante a não apresentação de contestação, foi proferida sentença, datada de 8 de setembro de 2023, a declarar a insolvência da Requerida, nomear administrador da insolvência, agendar assembleia de credores e fixar em 30 dias o prazo para a reclamação de créditos.

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1.2). No dia 13 de outubro, a administradora da insolvência apresentou o relatório previsto no art. 155 do CIRE, que culminou com a proposta de “[c]onversão em definitivo o encerramento do Estabelecimento da insolvente, com a notificação do Serviço de Finanças e do Instituto de Segurança Social IP, a efetuar pelo Tribunal, para o encerramento oficioso nos termos do artigo 65.º, n. º3 do C.I.R.E.”
Esse relatório foi acompanhado da lista provisória de credores, entre os quais foi incluído o Requerente, enquanto titular de um crédito privilegiado, no montante total de € 118 417,82, assim discriminado: “I- Créditos laborais peticionados no âmbito do Processo 514/21.9T8BGC, a correr termos no Tribunal de Trabalho de Bragança; A título de indeminização: Uma mensalidade por cada ano de trabalho (30 anos x 760,00€ (ordenado mínimo) = 22.800,00€; Salários em atraso desde Maio de 2021 até ao presente, no total de 29 meses: 22.040,00€; Subsídio de natal e Férias equivalente a 4 meses de ordenado, subsídio de férias e Natal referente aos anos de 2021 e 2022: 3.040,00€; Diuturnidades em falta no total de quatro por mês, sendo cada uma de 50; Subsídio de refeições equivalente ao período de 29 meses (264 dias por ano x 2= 528 dias, num total de 638 dias x 5,00€= 3.190,00€).”
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1.3). A assembleia de credores foi realizada no dia 30 de outubro de 2023, tendo sido nela aprovada, com o voto unânime dos credores reclamantes a quem foi reconhecido esse direito, entre os quais o Requerente, a proposta de encerramento “definitivo do estabelecimento da insolvente com efeitos desde a data de declaração da insolvência.”
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1.4). Entretanto, decorrido o prazo fixado para a reclamação de créditos, a administradora da insolvência apresentou a lista de créditos reconhecidos e não reconhecidos, incluindo na primeira créditos titulados pelo Requerente, no montante total de € 116 409,00, vencidos “desde 2013” e garantidos por “privilégio mobiliário geral; privilégio imobiliário especial”, que descreveu nos seguintes termos: “Reclamante admitido junto da SS em 01/01/1994; Processo 514/21.9T8BGC, a correr termos no Tribunal de Trabalho de Bragança I-Créditos laborais de Julho de 2013 a Maio 2021-- salários na quantia 68 620,00€; subsídio de férias 2013 a 2019 de 5110,00€; subsídio Natal desde Julho de 2013 a 2019 : 5110,00€ ; subsídio alimentação 2013 a 2021 : 8830,36€; diuturnidades 867,62€, formação 2614,40€;créditos laborais desde junho de 2021 a Setembro 2023 (19 710,00€); subsídio de ferias e natal de 2021 a 2022 (3 040,00€); subsídio alimentação de junho 2021 a set.2023 (2 506,68€).”
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1.5). Notificado, o Requerente impugnou a lista dizendo que os créditos por si reclamados na ação n.º 514/21.9T8BGC, como tal reconhecidos na lista provisória, ascendem ao montante de € 118 417,82, devendo ser acrescidos dos seguintes créditos adrede reclamados: “a) Uma mensalidade por cada ano de trabalho (30 anos x 760,00 euros (ordenado  mínimo) = 22 800.00 euros), que perfaz a quantia de 22 800.00 euros; b) Salários em atraso desde Maio de 2021 até ao presente no total de 29 meses no total de 22 040,00 euros; c) Subsídios Natal e Férias equivalente a 4 meses de ordenado, subsídio de férias e Natal referentes aos anos de 2021 e 2022, no total de 3 040,00 euros. d) Sem prescindir de diuturnidades em falta no total quatro por mês, sendo cada uma de 50 e) Subsídio de refeições que nunca recebeu, o que considerando o período de 29 meses, o que equivale a (264 dias por ano x 2= 528 dias, sendo no total 638 dias), o que multiplicando por 5,00 euros, perfaz a quantia de 3 190,00 euros.”
Concluiu que o montante total dos seus créditos deve ser fixado em € 169 487,00.
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1.6). Também a credora Banco 1..., SA, impugnou a lista de créditos reconhecidos dizendo que a insolvente encerrou a sua atividade no ano de 2013, com a consequente extinção do posto de trabalho do Requerente. No ano subsequente a esse facto, o Requerente não invocou qualquer direito de crédito sobre a insolvente, pelo que os seus créditos prescreveram nos termos do disposto no n.º 1 do art. 337 do Código do Trabalho. De qualquer modo, não foi identificado qualquer imóvel pertencente à insolvente onde o Requerente prestasse a sua atividade, pelo que os créditos titulados por ele, a serem reconhecidos, não poderão ser qualificados como privilegiados, mas como comuns.
Concluiu que não deve ser reconhecido qualquer crédito titulado pelo Requerente da insolvência.
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1.7). A mesma credora respondeu à impugnação apresentada pelo Requerente da insolvência reiterando o alegado na sua impugnação e acrescentando que: o requerimento de impugnação é nulo, por ineptidão, decorrente da falta de alegação de factos essenciais relativos à constituição dos créditos; o Requerente da insolvência não tem direito à quantia de € 17 318,80, relativa às deslocações realizadas entre a sua residência e o local de trabalho; também não tem direito à indemnização de € 22 860,00, uma vez que, mesmo na tese que apresentou, o contrato de trabalho cessou por denúncia da sua parte, ut art. 400 do Código do Trabalho, e não por resolução por justa causa.
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1.8). O Requerente da insolvência, por seu turno, apresentou resposta à impugnação da credora Banco 1..., SA, reiterando a sua alegação e acrescentando que tinha como local de trabalho a Quinta ..., que corresponde ao conjunto dos prédios apreendidos para a massa insolvente.
Concluiu que a reclamação da credora Banco 1..., SA, deve improceder e que esta deve ser condenada, como litigante de má-fé, no pagamento de multa, de valor não inferior a € 15 000,00, e de indemnização, no valor de € 1 500,00.
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1.9). A credora Banco 1..., SA, respondeu ao pedido de condenação como litigante de má-fé reafirmando a bondade da sua posição quanto à cessação do contrato de trabalho do Requerente e concluindo pela improcedência de tal pretensão.
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1.10). A administradora da insolvência apresentou parecer do seguinte teor (transcrição):

“DA IMPUGNAÇÃO APRESENTADA POR AA - ref.ª ...25 de 30.10.2023
Em primeira linha cumpre esclarecer que a lista provisória é elaborada de acordo com as reclamações de créditos apresentadas e de acordo com a mesma, que, pese embora de oferecer confusa, conclui a signatária que o valor reclamado ascende ao montante total de 118.417,82€.
Refira-se ainda que a lista de créditos reconhecidos é elaborada nos termos do artigo 129.º do CIRE e é quanto a esta que julgamos referir-se o impugnante, porquanto a lista provisória não é objeto de impugnação.
No que respeita ao valor reconhecido na lista de credores elaborada nos termos do art.º 129.º do CIRE, A signatária não reconheceu o crédito ao impugnante , nos exatos termos reclamados ( cf. doc. 1- reclamação de créditos que se junta para integral conhecimento), tendo expedido missiva ao impugnante nos termos do n.º 4 do artigo 129.º do CIRE, em 24.10.2023, conforme documento já junto aos autos, da qual fez constar que reconhecia ao credor o valor total de 116.409,06 €, com natureza privilegiada, em montante diverso do reclamado, uma vez que não se reconhece qualquer compensação/ indemnização nos termos reclamados, porquanto a cessação do contrato de trabalho deveu-se a denúncia da iniciativa do trabalhador, além disto não se reconhece qualquer quantia respeitante a deslocações, por manifesta falta de documentos probatórios. Não se reconhecendo ainda a duplicação da reclamação do salário do mês de maio de 2021 e respetivo subsídio de alimentação.
Ora, quanto à alegada indemnização/compensação referida pelo impugnante que informa cifrar-se em 22.800,00€, sempre se dirá que não se poderá concordar com os cálculos apresentados pelo impugnante, pois que foi o mesmo que se despediu por livre iniciativa, conforme missiva que se anexa remetida em 25.09.2023 (cf. doc.2), constando da mesma de forma expressa a intenção de “denúncia” do contrato de trabalho, pelo que não é aplicável o regime de cálculo da compensação/indemnização previsto na impugnação de um mês por cada ano de trabalho.
Além disto, bem se sabe que não terá sido por “mero capricho” como o próprio refere que o impugnante se despediu. No entanto, não se deixa de estranhar que com créditos devidos desde 2013 e sendo o requerente da insolvência em 03.05.2023 que veio a ser declarada em 08.09.2023, venha o credor, que está condignamente assessorado de Mandatário Judicial nos autos, apresentar a carta de despedimento por sua própria iniciativa, a qual faz preterir o direito a indemnização/compensação nos moldes constantes da impugnação.
Refira-se ainda que em anexo à reclamação de créditos, foi apresentada a minuta da petição inicial do Processo 514/21.9T8BGC, da qual constam discriminadas despesas de deslocações (17.318,80€), que se fizeram incluir no valor de 118.417,82€ reclamado e que a signatária não poderá reconhecer por absoluta falta de prova das mesmas.
Assim, será por lapso ou esquecimento que o impugnante refere não ter peticionado aqueles valores referentes a deslocações.
Da reclamação de créditos consta ainda reclamado o valor do salário de maio de 2021 e respetivo subsídio de alimentação, que repare-se já estava contabilizado no valor apurado no Processo 514/21.9T8BGC (no artigo 28.º do documento anexo à reclamação de créditos), pelo que o impugnante considerou o valor em duplicado.
Pelo exposto, entende-se que deva improceder a impugnação aduzida.
DA IMPUGNAÇÃO APRESENTADA PELO Banco 1..., SA quanto a AA- ref.ª ...25 de 02.11.2023
A signatária mantem a posição assumida na lista de créditos reconhecidos, de acordo com os elementos de que dispõe. Refira-se que o Instituto da Segurança Social notificado para informar da existência de trabalhadores ativos, esclareceu que a sociedade insolvente teria afeto como único Trabalhador por Conta de Outrem (TCO) AA desde ../../1994 (cf. doc.3), pelo que não se poderá ignorar que o mesmo era, pelo menos, formalmente trabalhador da insolvente, a que acresce o facto de ter sido o impugnante a dar mote à declaração de insolvência.
Assim, sem prejuízo da posição absolutamente extremada do impugnante quanto a existência de contrato de trabalho, a verdade é que interessará aos autos o apuramento da verdade dos factos, que por certo resultará da prova que vier a ser produzida em sede de audiência de discussão e julgamento.”
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1.11). Frustrada a tentativa de conciliação, foi proferido despacho a: fixar o valor processual da reclamação de créditos no valor correspondente ao dos créditos reclamados; julgar não verificada a nulidade do requerimento de impugnação apresentado pelo Requerente da insolvência; afirmar tabularmente a verificação dos demais pressupostos processuais; identificar o objeto do litígio [na parte que releva: “O crédito laboral reclamado pelo credor AA, identificado sob o n.º 4 na lista de créditos reconhecidos.”]; e enunciar os temas da prova [também na parte que releva: “- Apurar se a sociedade insolvente “EMP01...” encerrou a sua atividade no ano de 2013 e comunicou, verbalmente, ao trabalhador AA o seu despedimento; - Apurar se o trabalhador AA exerceu as suas funções de guarda-florestal sob ordens, orientação, direção e fiscalização da gerência da sociedade insolvente “EMP01...”, ininterruptamente, desde a data da sua contratação (01/01/1994) até a data da cessação do contrato de trabalho (25/09/2023); - Apurar se a cessação do contrato de trabalho de AA ocorreu por denúncia do trabalhador ou por resolução com justa causa; - Apurar a existência de despesas de deslocação efetuadas pelo trabalhador AA com viatura própria; - Apurar o local e/ou locais onde o trabalhador AA exerceu as suas funções como guarda-florestal ao serviço da sociedade insolvente “EMP01....”].
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1.12). Realizou-se a audiência final e, após o seu encerramento, foi proferida sentença, datada de 14 de fevereiro de 2025, entretanto retificada por despacho de 9 de abril de 2025, em que, entre o mais, foi decidido: julgar “parcialmente procedente a impugnação apresentada pelo credor AA, reconhecendo-se, em consequência, o direito às retribuições auferidas entre junho de 2021 e até à data da resolução do seu contrato de trabalho, acrescidas do subsídio de férias e de Natal que se venceram”, e “totalmente improcedente a impugnação apresentada pelo credor Banco 1..., S.A, relativamente ao credito reconhecido ao credor AA”; graduar tais créditos (créditos laborais) em segundo lugar, para pagamento pelo produto da venda dos bens imóveis que constituem as verbas 11 e 12, em terceiro lugar – portanto, atrás dos créditos reconhecidos à credora Banco 1..., SA –, pelo produto da venda dos bens imóveis que constituem as verbas 2, 14 e 29, em primeiro lugar, pelo produto da venda dos demais bens.
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2). Inconformado, o Requerente da insolvência (daqui em diante, Recorrente), interpôs o presente recurso, através de requerimento composto por alegações e conclusões, estas do seguinte teor (transcrição):

1. O Tribunal a quo não apreciou os fundamentos da decisão de rescisão contratual do credor/trabalhador, os fundamentos invocados, que é a falta de pagamento de qualquer salário ao trabalhador/credor até setembro de 2013 (artigo 396 do C.T.), diga-se falta de pagamento esta que está admitida na relação de créditos reconhecidos e até indiretamente pela intervenção do fundo de garantia salarial nos autos que satisfez tal débito pela sociedade insolvente.
2. Ou seja, o Tribunal a quo limitou-se a apreciar a rescisão contratual e nada mais entendeu apreciar, numa atitude que contraria sequer o princípio do tratamento mais favorável ao trabalhador que é a aplicação das normas regulamentares que constam no C.T. e que preveem a atribuição de uma indeminização em caso de rescisão por justa causa, como in casu.
3. Violou assim o tribunal a quo a lei substantiva, cometeu um erro de julgamento que teve a sua causa na interpretação e subsunção dos factos e do direito, que se estendeu à sua própria qualificação, o que, em qualquer das circunstâncias, afetou e viciou a decisão proferida pelas consequências que acarreta, em resultado de um desacerto, de um equívoco ou de uma inexata qualificação jurídica ou, como enuncia a lei, de um erro.
4. Devendo o Venerando Tribunal ad quem suprir tal erro, fazendo aplicar a lei substantiva ao caso concreto no que concerne à aplicação dos artigos 394º, 396º do C.T., mandando alterar a lista de créditos reconhecidos, devendo constar desta uma mensalidade por cada ano de trabalho (30 anos x 760,00 euros (ordenado mínimo) = no total de 22 800.00 euros.
5. Na lista de créditos reconhecidos ao credor/trabalhador AA, aqui recorrente, consta a atribuição do subsídio de alimentação desde junho 2021 a set.2023(2506,68€), e tal não foi impugnado /reclamado por nenhuma das partes.
6. Da douta decisão aqui em crise consta: “Da mesma forma, o pagamento do subsídio de alimentação não é obrigatório por lei. Assim, face ao exposto, competia ao credor demonstrar que, durante a vigência da sua relação laboral com a insolvente, recebia efetivamente esses valores, o que não conseguiu provar.”
7. Ora, segundo o princípio do dispositivo o tribunal a quo só se deve pronunciar sobre as questões que as partes tenham suscitado, pelo que não se pode se pronunciar na matéria que já foi estabelecido e reconhecido como crédito pela administradora de insolvência.
8. Devendo nesta parte ser declarada nula tal decisão pelo tribunal ad quem (subsídio de alimentação) para todos os efeitos legais, mantendo-se a decisão, nesta parte constante da lista de créditos reconhecidos. (Vide art.s 615.º, n.º 1, al. d) do Código de Processo Civil).
9. Em 30/10/2023 o aqui reclamante da lista de créditos reconhecidos, peticionou em relação à sua parte o seguinte: (entrada Citius 2338191) “Acontece que: 5. Na lista provisoria de credores aparece o aqui reclamante com o valor da ação no total de 118 417,82 euros, bem como a descrição dos direitos de crédito e indeminizações invocados e aqui no número 3. deste requerimento impugnatório. (Doc. 1 em anexo) / 6. Contudo, não aparece a soma do valor do reclamado de 51 070,00 euros com o valor do crédito que dispunha no processo 514/21.9T8BGÇ, o valor de 118 417,82 euros. / 7. Dando o entendimento que se tratava de um lapso da Srª Administradora de Insolvência, pois estava descrito as razões do crédito, mas não a sua soma. / 8. Ou seja, deveria constar na terceira coluna o valor de 169 487,00 euros, ficando assim sanada a divergência.
10. Da douta decisão em crise nada consta de resposta a esta matéria reclamada, supondo-se que tal divergência viria a ser sanada em sede de decisão judicial pelo Tribunal a quo, pois tratava-se de um mero erro da administradora de insolvência, mas relevante atento os valores em causa.
11. E para tal facto bastaria consultar o processo em apenso 514/21.9T8BGÇ, ou sequer consultar os valores reclamados pelo aqui autor e já considerados anteriormente pela administradora de insolvência na lista provisoria de credores.
12. Contudo em sede de sentença o Tribunal a quo não se pronunciou sobre tal erro, mantendo inalterável o valor constante da lista provisoria de credores em 116 049,06 euros.
13. Estamos por isso perante nulidade por omissão de pronúncia [art. 615.º, n.º 1), d), do CPC], uma violação do estatuído no nº 2 do artigo 608.º, do mesmo diploma, pois o tribunal deixou de conhecer questões temáticas centrais suscitadas pelo reclamante/recorrente o que aliás se devia conhecer oficiosamente, atento o erro evidente de calculo na listas de créditos admitidos em nome do aqui credor em conjugação com as anteriores listas provisórias admitidas como no processo 514/21.9T8BGC que se encontra apenso aos autos.
14. Nulidade da decisão aqui em crise que para todos os efeitos se invoca nos termos do artigo 615, nº 1 do C.P.C., devendo ser declarada nula a sentença para todos os efeitos legais.”
 
Pediu que, na procedência do recurso, seja “declarada nula a decisão judicial aqui em crise, remetendo-se os autos para a 1º instancia, ou em alternativa, revogando-se a douta decisão em apreço suprindo os erros constantes da lista de créditos reconhecidos, acrescidos de uma indeminização calculada nos termos do artigo 394 do C.T., como na manutenção do subsídio de alimentação já calculado pela administradora de insolvência.” (sic)
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3) Respondeu a credora Banco 1..., SA (Recorrida), dizendo, em síntese, que: ainda que a declaração de vontade do Recorrente pudesse ser entendida como uma forma de resolução do contrato de trabalho com justa causa, estaria há muito decorrido o prazo de 60 dias para esse efeito previsto nos arts. 394/5 e .../2 do Código do Trabalho, com a consequente caducidade do direito do Recorrente; os mais de dez anos decorridos desde que o Recorrente deixou de receber as retribuições criaram na insolvente a convicção de que nunca iria resolver o contrato de trabalho como esse fundamento, pelo que, em qualquer caso, haveria um exercício abusivo do direito.
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4). Notificado para se pronunciar quanto a esta última questão, atenta a sua natureza oficiosa, o Recorrente pugnou pela respetiva improcedência.
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5). O recurso foi admitido como apelação, com subida em separado e efeito meramente devolutivo, o que não foi alterado por este Tribunal ad quem.
Concomitantemente, o Tribunal de 1.ª instância pronunciou-se de forma especificada sobre as nulidades imputadas à sentença recorrida, ut art. 617/1 do CPC, concluindo que as mesmas não foram cometidas.
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6). Realizou-se a conferência, previamente à qual foram colhidos os vistos dos Exmos. Srs. Juízes Desembargadores Adjuntos.
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II.
As conclusões da alegação do recorrente delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo da ampliação deste a requerimento do recorrido (arts. 635/4, 636 e 639/1 e 2 do CPC). Não é, assim, possível conhecer de questões nelas não contidas (art. 608/2, parte final, ex vi do art. 663/2, parte final, do CPC).
Também não é possível conhecer de questões novas – isto é, de questões que não tenham sido objeto de apreciação na decisão recorrida –, uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais, destinando-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação.
Ressalvam-se, em qualquer caso, as questões do conhecimento oficioso, que devem ser apreciadas, ainda que sobre as mesmas não tenha recaído anterior pronúncia ou não tenham sido suscitadas pelo Recorrente ou pelo Recorrido, quando o processo contenha os elementos necessários para esse efeito e desde que tenha sido previamente observado o contraditório, para que sejam evitadas decisões-surpresa (art. 3.º/3 do CPC).
Tendo isto presente, as questões que se colocam no presente recurso, à luz das conclusões formuladas pelo Recorrente, podem ser sintetizadas nos seguintes termos, seguindo a ordem lógica do seu conhecimento:
1.ª Nulidade da sentença recorrida por excesso de pronúncia (conclusões 5 a 8) e omissão de pronúncia (conclusões 9 a 14);
2.ª Erro de julgamento no que tange à qualificação da causa de cessação do contrato de trabalho celebrado entre o Recorrente e a insolvente (conclusões 1 a 8).
Para além destas, coloca-se ainda a questão (3.ª), suscitada na resposta da Recorrida, de saber se a resolução do contrato de trabalho por parte do Recorrente com fundamento no não pagamento das retribuições vencidas desde julho de 2013 configura um exercício abusivo desse direito potestativo.
Esta última é, como facilmente se constata, uma questão que não foi colocada ao Tribunal a quo. Entende-se, no entanto, que o conhecimento ex officio do abuso do direito se impõe sempre que os pressupostos factuais tenham sido alegados e provados e desde que as suas consequências estejam compreendidas no pedido, o que encontra apoio legal no art. 334 do Código Civil e no art. 5.º/3 do CPC. Na verdade, os Tribunais não podem deixar de, por si e em qualquer momento, ponderar os valores fundamentais do sistema, que tudo comporta e justifica, no que não estão vinculados às alegações jurídicas das partes. Neste sentido, RC 2.12.2008 (162/06.3TBVLF.C1), relatado por Teles Pereira. Na doutrina, António Menezes Cordeiro (Litigância de Má-fé, Abuso do Direito de Ação e Culpa In Agendo, 2.ª ed., Coimbra: Almedina, 2014, p. 133).
De fora do objeto do recurso está a questão, também colocada na resposta da Recorrida, de saber se caducou o direito de o Recorrente resolver o contrato de trabalho por alegadamente ter sido exercido depois de decorrido o prazo de 60 dias para esse efeito previsto nos arts. 394/5 e .../2 do Código do Trabalho.
Com efeito, a caducidade do direito de resolução com invocação de justa causa constitui uma exceção perentória, na medida em que implica a inutilização das vantagens da qualificação da situação como de justa causa, apesar de se manterem os efeitos extintivos da declaração resolutória, que não é de conhecimento oficioso (art. 303, ex vi do art. 333/2, ambos do CPC) e, portanto, deve ser invocada por quem tenha legitimidade para esse efeito. Neste sentido, RP 17.11.2014 (739/12.8TTMTS-A.P1), Maria José Costa Pinto.
Quando a caducidade é estabelecida em matéria não excluída da disponibilidade das partes e não é, portanto, de conhecimento oficioso, suscita-se a questão de saber quem a pode invocar. De acordo com Luís Carvalho Fernandes (Teoria Geral do Direito Civil, II, Fontes, Conteúdo e Garantia da Relação Jurídica, 5.ª ed., Lisboa: UCE, 2010, pp. 710-711), à semelhança do que sucede em sede de prescrição, têm legitimidade para o fazer não apenas o devedor, mas também os credores deste e os terceiros com legítimo interesse na declaração de caducidade, sendo aplicável o disposto no art. 305 do Código Civil.
A sede própria para a invocação da caducidade é a contestação, função que no presente processo especial é desempenhada pela resposta à impugnação prevista no n.º 1 do art. 131 do CIRE, o que é consequência do princípio da concentração da defesa, consagrado no art. 573/1 do CPC, que tem como corolário lógico a preclusão. A esta luz, compreende-se que Lebre de Freitas / Isabel Alexandre (Código de Processo Civil Anotado, II, 4.ª ed., Coimbra: Coimbra Editora, 2019, p. 566) escrevam que “[o] réu tem o ónus de, na contestação, impugnar os factos alegados pelo autor, alegar os factos que sirvam de base a qualquer exceção dilatória ou perentória (com a única exceção das que forem supervenientes) (…) Se não o fizer, preclude a possibilidade de o fazer.”
Daqui decorre também que a eventualidade se apresenta como uma consequência do princípio da concentração da defesa na contestação. Com efeito, é ampla a liberdade do réu para estruturar sua defesa segundo a estratégia que mais lhe aprouver. Poderá mesmo aduzir fundamentos de defesa que se apresentem relativamente contraditórios entre si, desenvolvendo uma argumentação escalonada, de modo que o acolhimento de um deles prejudique o conhecimento do subsequente e assim sucessivamente, mediante o denominado sistema da eventualidade da defesa, deste modo chamado porque os fundamentos sucessivos só serão conhecidos se ocorrer o evento de o precedente ser afastado pelo juiz (cf. Cândido Rangel Dinamarco, Teoria Geral do Novo Processo Civil, 2.ª ed., São Paulo: Malheiros, 2016, pp. 120-121). É por ter o ónus de alegar todos os fundamentos de defesa de que dispõe, concentrando-os na contestação, sob pena de não mais os poder invocar (preclusão), ainda que eles sejam incompatíveis entre si, que o réu (rectius, o requerido) deve observar uma ordem de conhecimento sucessiva.
Deste modo, admitindo a legitimidade da Recorrida para invocar a caducidade do direito de resolução do contrato, sempre se tem de dizer que essa questão deveria ter sido colocada na resposta à impugnação. Não tendo sido, ficou definitivamente precludido o seu conhecimento.
***
III.
1). Antes de avançarmos com a resposta às questões enunciadas, respigamos a fundamentação da sentença recorrida na parte que releva para o conhecimento do recurso.
Assim, foram ali considerados como factos provados os seguintes enunciados:

“1. Todos os factos que constam da lista de credores reconhecidos e elabora pela Administradora de Insolvência junta a 23.10.2023, que se dá aqui por reproduzidos, no que respeita aos créditos que não mereceram qualquer impugnação.
2. Foram apreendidos para a massa os seguintes bens, a saber: 2.1. Verba um - Saldo bancário de 7.578,58€, referente a saldo titulado pela insolvente na Banco 2..., S.A. na conta D.O. n.º  ...13, transferido para a conta da Massa Insolvente.;
2.2. Verba dois – PRÉDIO MISTO – sito em Quinta ..., ... e ... – com a área total de 1093940 m2 – composto terra para centeio com amendoeiras; horta para batata com vinha, oliveiras, árvores de fruta, nogueiras, sobreiros e pinhal; terreno de pasto; terra para trigo e batata e três edificações: a) Casa de rés-do-chão e 1.º andar, destinada a habitação, com a área coberta de 110,00 m2 - artigo ... (...); b) Casa térrea que serve de palheiro, com a área coberta de 49,00 m2 - artigo 394 (...); c) Casa térrea para arrumações, com a área coberta de 33,00 m2 - artigo ... (...). Artigos rústicos: 1178 (...); 597 (...) e 160 (LIGARES), com as seguintes confrontações; Norte: EMP02..., S.A.; Sul: Caminho, BB e EMP02... - Empreendimentos Silvícolas, S.A. ; Nascente: CC; Poente: DD, EE e EMP02..., S.A., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob as descrições ...68 da freguesia ... e ...46 da freguesia ..., ambos do concelho ... e, inscrito nas matrizes: a) rústica sob o artigo n.º ...89, da União Das Freguesias ... e ..., com o valor patrimonial tributário de atual de € 11,67 (onze euros e sessenta e sete cêntimos); urbana sob o artigo n.º ..., da freguesia ..., destinado a habitação, com o valor patrimonial tributário de atual de € 10.698,10 (dez mil seiscentos e noventa e oito euros e dez cêntimos).; b) urbana sob o artigo n.º ..., da freguesia ..., destinado a habitação, com o valor patrimonial tributário de atual de € 10.698,10 (dez mil seiscentos e noventa e oito euros e dez cêntimos); c) urbana sob o artigo n.º 394, da freguesia ..., destinado a arrecadação e arrumos, com o valor patrimonial tributário de atual de € 1.684,90 (mil seiscentos e oitenta e quatro euros e noventa cêntimos); d) urbana sob o artigo 394, da freguesia ..., destinado a arrecadação e arrumos, com o valor patrimonial tributário de atual de € 1.136,80 (mil cento e trinta e seus euros e oitenta cêntimos). E) rustica sob o artigo n.º 1178, da freguesia ..., com o valor patrimonial tributário de atual de €1.436,84 (mil quatrocentos e trinta e seis euros e oitenta e quatro cêntimos); PRÉDIO RÚSTICO sito em ... – com a área de 156177 m2 – composto por terra de centeio e amendoeiras, com as seguintes confrontações: Norte, Proprietário; Nascente, Termos de ...; Sul, Caminho; Poente; DD, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob a descrição ...67 da freguesia ..., concelho ... e, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo n.º ...60, da freguesia ..., com o valor patrimonial tributário de atual de €333,55 (trezentos e trinta e três e cinquenta e cinco cêntimos).
2.3. Verba três: PRÉDIO RÚSTICO – sito em ... – com a área de 14000 m2 – composto por terra para trigo, com as seguintes confrontações: Norte, FF; Nascente, GG; Sul, Proprietário; Poente, HH, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob a descrição ...51 da freguesia ..., concelho ... e, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo n.º ...81, da freguesia ..., com o valor patrimonial tributário de atual de € 52,52 (cinquenta e dois euros e cinquenta e dois cêntimos).
2.4. Verba Quatro: PRÉDIO RÚSTICO – sito em ... – com a área de 41400 m2 – composto por Horta, vinha, oliveiras e amendoeiras, com as seguintes confrontações: Norte, ...; Nascente, Caminho; Sul e Poente, Veneranda ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob a descrição ...52 da freguesia ..., concelho ... e, inscrito na matriz predial rustica sob o artigo n.º ...32, da freguesia ..., com o valor patrimonial tributário de atual de € 674,72 (seiscentos e setenta e quatro euros e setenta e dois cêntimos).
2.5. Verba Cinco - PRÉDIO RÚSTICO – sito em ... – com a área de 3200 m2 – composto por terra para centeio, com as seguintes confrontações Norte, II; Nascente, JJ; Sul, Veneranda ...; Poente, KK, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob a descrição ...89 da freguesia ..., concelho ... e, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo n.º ...34, da freguesia ..., com o valor patrimonial tributário de atual de € 7,18 (sete euros e dezoito cêntimos);
2.6. Verba seis - PRÉDIO RÚSTICO – sito em ... – com a área de 6400 m2 – composto por terra para centeio, com as seguintes confrontações: Norte, LL; Nascente, MM; Sul, NN; Poente, KK, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob a descrição ...88 da freguesia ..., concelho ... e, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo n.º ...35, da freguesia ..., com o valor patrimonial tributário de atual de € 14,22 (catorze euros e vinte e dois cêntimos).
2.7. Verba Sete: PRÉDIO RÚSTICO – sito em ... – com a área de 151201 m2 – composto por Terra de trigo com oliveiras de grande porte, estacas sem rendimento, amendoeiras, fruteiras, sobreiros, com as seguintes confrontações: Norte, Proprietário; Nascente e Poente, Caminho; Sul, OO, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob a descrição ...17 da freguesia ..., concelho ... e, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo n.º ...75, da freguesia ..., com o valor patrimonial tributário de atual de € 1.558,64 (mil quinhentos e cinquenta e oito euros e sessenta e quatro cêntimos).
2.8. Verba oito: PRÉDIO RÚSTICO – sito em ... – com a área de 85000 m2 – composto por Terra para centeio, com oliveiras, figueiras, amendoeiras, sobreiros, com as seguintes confrontações: Norte, NN; Nascente, PP; Sul, proprietário; Poente, QQ, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob a descrição ...22 da freguesia ..., concelho ... e, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo n.º ...29, da freguesia ..., com o valor patrimonial tributário de atual de € 327,56 (trezentos e vinte e sete euros e cinquenta e seis cêntimos).
2.9. Verba nove: PRÉDIO RÚSTICO – sito em ... – com a área de 13600 m2 – composto por Terra para centeio, com as seguintes confrontações: Norte, RR e Irmãos; Sul, Nascente e Poente, GG, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob a descrição ...11 da freguesia ..., concelho ... e, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo n.º ...50, da freguesia ..., com o valor patrimonial tributário de atual de € 22,45 (vinte e dois euros e quarenta e cinco cêntimos).
2.10. Verba dez: PRÉDIO RÚSTICO – sito em ... – com a área de 6400 m2 – composto por Terra para centeio com um sobreiro, com as seguintes confrontações: Norte e Poente, KK; Nascente, JJ; Sul, LL, descrito na Conservatória do Registo Predial ... descrição ...12 da freguesia ..., concelho ... e, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo n.º ...33, da freguesia ..., com o valor patrimonial tributário de atual de € 14,81 (catorze euros e oitenta e um cêntimos).
2.11. Verba onze: PRÉDIO RÚSTICO – sito em ... – com a área de 7400 m2 – composto por Terra para centeio com amendoeiras, com as seguintes confrontações: Norte, SS; Nascente, TT; Sul, Proprietário; Poente, UU, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob a descrição ...80 da freguesia ..., concelho ... e, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo n.º ...15, da freguesia ..., com o valor patrimonial tributário de atual de € 18,41 (dezoito euros e quarenta e um cêntimos).
2.12. Verba doze: PRÉDIO RÚSTICO – sito em ... – com a área de 13300 m2 – composto por Terra com oliveira e amendoeiras, com as seguintes confrontações: Norte, VV; Nascente, WW; Sul e Poente, XX, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob a descrição ...81 da freguesia ..., concelho ... e, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo n.º ...16, da freguesia ..., com o valor patrimonial tributário de atual de € 111,18 (cento e onze euros e dezoito cêntimos).
2.13. Verba treze: PRÉDIO RÚSTICO – sito em ... – com a área de 14000 m2 – composto Terra para centeio, vinha com cepas decrépitas e oliveiras, com as seguintes confrontações: Norte, YY; Nascente; Caminho; Sul, VV; Poente, ZZ, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob a descrição ...82 da freguesia ..., concelho ... e, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo n.º ...53, da freguesia ..., com o valor patrimonial tributário de atual de € 41,60 (quarenta e um euros e sessenta cêntimos).
2.14. Verba catorze: PRÉDIO RÚSTICO – sito em ... – com a área de 23172 m2 – composto Horta, terra para centeio, vinha, oliveiras, com as seguintes confrontações: Norte, RR e Irmãos; Nascente, Caminho; Sul, YY; e Poente, ZZ, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob a descrição ...00 da freguesia ..., concelho ... e, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo n.º ...52, da freguesia ..., com o valor patrimonial tributário de atual de € 46,09 (quarenta e seis euros e nove cêntimos).
2.15. Verba quinze: PRÉDIO RÚSTICO – sito em ... – com a área de 41100 m2 – composto por ... com oliveiras e amendoeiras, com as seguintes confrontações: Norte, II, ...; Sul, TT; Poente, SS, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob a descrição ...62 da freguesia ..., concelho ... e, inscrito nas matrizes prediais rústicas sob o artigo n.º ...17 e ...20, da freguesia ..., com o valor patrimonial tributário de atual de € 183,16 (cento e oitenta e três euros e dezasseis cêntimos) e €40,85 (quarenta euros e oitenta e cinco cêntimos) respetivamente.
2.16. Verba dezasseis: PRÉDIO RÚSTICO – sito em ... – com a área de 32500 m2 – composto por Terra para trigo com oliveiras e sobreiros, com as seguintes confrontações: Norte, ZZ; Sul, AAA; Nascente, Caminho; Poente, BBB, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob a descrição ...63 da freguesia ..., concelho ... e, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo n.º ...55, da freguesia ..., com o valor patrimonial tributário de atual de € 138,12 (cento e trinta e oito euros e doze cêntimos).
2.17. Verba dezassete: PRÉDIO RÚSTICO – sito em ... – com a área de 10000 m2 – composto por Terra de centeio, com as seguintes confrontações: Norte, II; Nascente, CCC; Sul, DDD; Poente, DD, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob a descrição ...01 da freguesia ..., concelho ... e, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo n.º ...68, da freguesia ..., com o valor patrimonial tributário de atual de €22,00 (vinte e dois euros).
2.18. Verba dezoito: PRÉDIO RÚSTICO – sito em ... – com a área de 14500 m2 – composto terra com oliveiras, com as seguintes confrontações: Norte, Nascente e Poente, Veneranda de SS; Sul, GG, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob a descrição ...41 da freguesia ..., concelho ... e, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo n.º ...28, da freguesia ..., com o valor patrimonial tributário de atual de € 157,57(cento e cinquenta e sete euros e cinquenta e sete cêntimos).
2.19. Verba dezanove: PRÉDIO RÚSTICO – sito em ... – com a área de 85000 m2 – composto terra com oliveiras e amendoeiras, com as seguintes confrontações: Norte, Termos de ...; Nascente, YY; Sul, GG; e Poente, EEE, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob a descrição ...3 da freguesia ..., concelho ... e, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo n.º ...51, da freguesia ..., com o valor patrimonial tributário de atual de € 149,49 (cento e quarenta e nove euros e quarenta e nove cêntimos).
2.20. Verba vinte: PRÉDIO RÚSTICO – sito em ... – com a área de 15400 m2 – composta por terra para centeio com amendoeiras, com as seguintes confrontações: Norte, FFF; Nascente, ..., Veneranda da ...; Poente ,Proprietário ,descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob a descrição ...53 da freguesia ..., concelho ... e, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo n.º ...31, da freguesia ..., com o valor patrimonial tributário de atual de € 50,58 (cinquenta euros e cinquenta e oito cêntimos).
2.21. Verba vinte e um: PRÉDIO RÚSTICO – sito em ... – com a área de 12000 m2 – composto terra para centeio, com as seguintes confrontações: Norte, XX; Sul, ...; Nascente, Termos de ..., e Poente, CCC, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob a descrição ...95 da freguesia ..., concelho ... e, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo n.º ...71, da freguesia ..., com o valor patrimonial tributário de atual de € 26,49 (vinte e seis euros e quarenta e nove cêntimos).
2.22. Verba vinte e dois: 2/3 do PRÉDIO RÚSTICO – sito em ... – com a área de 245000 m2 – composto de terra para centeio e terreno de pasto, com as seguintes confrontações: Norte, Ribeiro; Sul, Termos de ...; Nascente, GGG; Poente, Termos de .... O prédio encontra-se omisso na Conservatória do Registo Predial, encontrando-se inscrito na matriz predial rústica sob o artigo n.º ...95, da freguesia ..., ..., com o valor patrimonial tributário de atual de € 110,73 (cento e dez euros e setenta e três cêntimos).
2.23. Verba vinte e três: PRÉDIO RÚSTICO – sito em ... – com a área de 250000 m2 – composto por terra para centeio, com as seguintes confrontações: Norte, HHH, Termos de Urros; Nascente, Termos de Ligares; Poente, III O prédio encontra-se omisso na Conservatória do Registo Predial, encontrando-se inscrito na matriz predial rústica sob o artigo n.º ...37, da União de Freguesias ... e ..., concelho ... com o valor patrimonial tributário de atual de € 35,91 (trinta e cinco euros e noventa e um cêntimos).
2.24. Verba vinte e quatro: PRÉDIO RÚSTICO – sito em ... – com a área de 9000m2 –composto terra para centeio, com as seguintes confrontações; Norte: JJJ; Sul: DD; Nascente: ...; Poente: KKK, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob a descrição ...14 da freguesia ..., concelho ... e, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo n.º ...96, da União Das Freguesias ... e ..., com o valor patrimonial tributário de atual de € 20,20 (vinte euros e vinte cêntimos).
2.25. Verba vinte e cinco: PRÉDIO RÚSTICO – sito em ..., ... m2 – composto terra para centeio, com as seguintes confrontações: Norte: LLL; Sul: Caminho; Nascente: MMM; Poente: NNN, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob a descrição ...33, encontrando-se inscrito na matriz predial rústica sob o artigo n.º ...88,daUnião de Freguesias de Felgueiras e ..., concelho ... com o valor patrimonial tributário de atual de €10,18 (dez euros e dezoito cêntimos).
2.26. Verba vinte e seis: PRÉDIO RÚSTICO – sito em ..., ... m2 – composto terra para centeio, com as seguintes confrontações: Norte: LLL; Sul: Caminho; Nascente: NNN; Poente: OOO, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob a descrição ...34, encontrando-se inscrito na matriz predial rústica sob o artigo n.º ...92, da União de Freguesias ... e ..., concelho ... com o valor patrimonial tributário de atual de € 35,31 (trinta e cinco euros e trinta e um cêntimos).
2.27. Verba vinte e sete: PRÉDIO RÚSTICO – sito em ..., ... m2 – composto terra para centeio com amendoeiras, com as seguintes confrontações: Norte: LLL; Sul: Caminho; Nascente: PPP; Poente: QQQ, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob a descrição ...13, freguesia ..., encontrando-se inscrito na matriz predial rústica sob o artigo n.º ...90, da União de Freguesias ... e ..., concelho ... com o valor patrimonial tributário de atual de € 17,51 (dezassete euros e cinquenta e um cêntimos).
2.28. Verba vinte e oito: PRÉDIO RÚSTICO – sito em ... – com a área de 39300 m2 – composto por Horta para batata, terra para centeio, vinha, oliveiras, amendoeiras, laranjeiras e figueiras, com as seguintes confrontações: Norte: Caminho ; Sul: RRR E Irmão; Nascente: Caminho; Poente: SSS, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob a descrição ...88, freguesia ..., encontrando-se inscrito na matriz predial rústica sob o artigo n.º ...44, da freguesia ..., concelho ... como valor patrimonial tributário de atual de €287,31 (duzentos e oitenta e sete euros e trinta e um cêntimos).
2.29. Verba vinte e nove: PRÉDIO RÚSTICO – sito em Boa ... – com a área de 2094 m2 – composto por terra com Oliveiras, com as seguintes confrontações: Norte: Caminho; Sul: TTT; Nascente: TTT; Poente: TTT, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob a descrição ...59, encontrando-se inscrito na matriz predial rústica sob o artigo n.º ...79, da freguesia ..., concelho ... com o valor patrimonial tributário de atual de €20,50 (vinte euros e cinquenta cêntimos).
2.30. Verba trinta: PRÉDIO RÚSTICO – sito em ... – com a área de 55300 m2 – composto por Terra para trigo, com oliveiras e terra para centeio, com as seguintes confrontações: Norte: Ribeiro; Sul: UUU; nascente e poente: VVV, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob a descrição ...74, freguesia ..., encontrando-se inscrito na matriz predial rústica sob o artigo n.º ...75, da freguesia ..., concelho ... com o valor patrimonial tributário de atual de €246,76 (duzentos e quarenta e seis cêntimos).
2.31. Verba trinta e um: PRÉDIO RÚSTICO – sito em ... – com a área de 20000 m2 – composto por Terra para trigo, com as seguintes confrontações: norte: WWW; sul: Ribeiro; nascente: VVV; poente: TTT, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob a descrição ...75, freguesia ..., encontrando-se inscrito na matriz predial rústica sob o artigo n.º ...87, da freguesia ..., ... com o valor patrimonial tributário de atual de €104,45 (cento e quatro euros e quarenta e cinco cêntimos).
2.32. Verba trinta e dois: PRÉDIO RÚSTICO – sito em ... – coma área de 12600m2 – composto por Terra para centeio, com as seguintes confrontações: Norte: Caminho; Sul: TTT; XXX; Nascente: VVV; Poente: TTT, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob a descrição ...16, encontrando-se inscrito na matriz predial rústica sob o artigo n.º ...77, da freguesia ..., concelho ... como valor patrimonial tributário atual de € 18,26(dezoito euros e vinte e seis cêntimos).
2.33. Verba trinta e três: PRÉDIO RÚSTICO – sito em ... – com a área de 7000 m2 – composto por Terra de Trigo, com as seguintes confrontações: Norte: YYY; Sul: QQQ; Nascente: QQQ; Poente: ZZZ, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob a descrição ...17, encontrando-se inscrito na matriz predial rústica sob o artigo n.º ...86, da freguesia ..., ... com o valor patrimonial tributário atual de € 36,66(trinta e seis euros e sessenta e seis cêntimos).
2.34. Verba trinta e quatro: um atrelado metálico, no valor de 20,00€ (vinte euros).
2.35. Verba trinta e cinco: um atrelado para trator agrícola da marca ..., do ano de 1998, com matrícula AV-....7, no valor de 200,00€ (duzentos euros).
2.36. Verba trinta e seis: Trator agrícola com balde da marca ..., com 46467 horas, do ano de 1998 com matrícula ..-..-LP., no valor de 7.000,00€ (sete mil euros).
2.37. Verba trinta e sete: Trator agrícola de lagartas com charrua e pá de arrasto da marca ..., no valor de 4.000,00€ (quatro mil euros).
2.38. Verba trinta e oito: um atrelado para trator agrícola com depósito da marca ..., com matrícula AV-....6, no valor de 350,00€ (trezentos e cinquenta euros).
2.39. Verba trinta e nove: Viatura ligeira mista da marca ..., modelo ... 4x4, a gasóleo, de cor ..., do ano de 1993, com a matrícula ..-..-BT, em estado de sucata, no valor de 250,00€ (duzentos e cinquenta euros).
2.40. Verba quarenta: Viatura ligeira de mercadorias da marca ..., modelo ... Y, a gasóleo, de cor ..., do ano de 1989, com a matrícula QH-..-.., em estado de sucata, no valor de 100,00€ (cem euros).
2.41. Verba quarenta e um: Viatura ligeira de mercadorias da marca ..., modelo ..., a gasóleo, de cor ..., do ano de 2007, com a matrícula ..-DB-.., em estado de sucata, no valor de 100,00€ (cem euros);
2.42. Verba quarenta e dois: Quantia pecuniária depositada no Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, I.P. à ordem da insolvente, no montante de 437,48€, tendo sido realizada a transferência para a conta bancária da massa insolvente.
2.43. Verba quarenta e três: Direito à exploração da concessão da zona de caça- Processo n.º ...24....
3.1. Hipoteca voluntária registada a favor do Banco 1... S.A. pela AP ...44 de 2015/03/18, com um MMA de 212.500,00€
3.2. Penhora registada a favor do predito banco, pela AP. 11 de 2021/04/06, na quantia exequenda de 190.320,83€ e
3.3. Arresto registado pela AP. ...88 de 2021/06/15 – Autor da Ação: AA - Processo n.º 514/21.... - Procedimento Cautelar Comum - Tribunal Judicial da Comarca de Bragança - Juízo do Trabalho de Bragança.
4.1. Hipoteca voluntária registada a favor do Banco 1... S.A. pela AP ...44 de 2015/03/18, com um MMA de 212.500,00€;
4.2. Penhora registada a favor do predito banco, pela AP. 11 de 2021/04/06, na quantia exequenda de 190.320,83€ e
4.3. Arresto registado pela AP. ...88 de 2021/06/15 – Autor da Ação: AA - Processo n.º 514/21.... - Procedimento Cautelar Comum - Tribunal Judicial da Comarca de Bragança - Juízo do Trabalho de Bragança
3. Sobre a VERBA DOIS recai a seguinte:
4. Sobre a VERBA CATORZE recai a seguinte:
5. Sobre a VERBA VINTE E NOVE recai a seguinte:
5.1. Hipoteca voluntária registada a favor do Banco 1... S.A. pela AP ...44 de 2015/03/18, com um MMA de 212.500,00€;
5.2. Penhora registada a favor do predito banco, pela AP. 11 de 2021/04/06, na quantia exequenda de 190.320,83€;
5.3. Arresto registado pela AP. ...88 de 2021/06/15 – Autor da Ação: AA - Processo n.º 514/21.... - Procedimento Cautelar.
6. A “EMP01..., Empreendimentos Turísticos de Caça, Lda.” é uma sociedade por quotas que tem como objeto a criação e comercialização de espécies cine cinegéticas e a gestão turística de zonas de caça, atividades agrícolas e turísticas.
(…)
12. AA no período compreendido entre 1993 e setembro de 2023 exercia, sob a direção e fiscalização da insolvente, as funções de Guarda Florestal, auferindo o valor de 730,00€.
13. A insolvente deixou de cumprir com o pagamento das retribuições a devidas a AA entre julho de 2013 e maio de 2021, bem como de junho de 2021 a setembro de 2023.
14. AA, com data de 25.09.2023 remeteu para a Administradora de Insolvência uma comunicação escrita com os seguintes dizeres: “Assunto: Rescisão de contrato de Trabalho. Carta com aviso de receção (…) AA, funcionário da sociedade EMP01..., empreendimentos turísticos de caça, desde setembro de 1993, vem, por este meio, ao abrigo do n.º1 do artigo 400.º do Código do Trabalho, denunciar o contrato de trabalho celebrado com V. Exas por falta de pagamento das competentes retribuições, diga-se desde julho de 2013 e que deu fundamento ao processo 514/21.9T8BGC. Assim, a partir desta data deixarei de desempenhar funções laborais de guarda-florestal nos imóveis de V. sociedade. Solicito a V.exa. que realizem o apuramento dos vencimentos a que tenho direito até à data da minha rescisão, incluindo férias e subsídios de férias, sem prescindir da indemnização a calcular nos termoss do artigo 396 do CT (…)”.
15. No âmbito da ação com o n.º de processo 514/21.9T8BGC, que correu termoss no Juízo de Trabalho de Bragança, o credor AA intentou uma ação contra a insolvente, pugnado que esta fosse condenada a pagar-lhe a quantia global de 188.417,82€, referente aos créditos laborais vencidos e não pagos, acrescido de juros.
16. O Fundo de Garantia Salarial entregou ao credor AA a quantia de €10.863,94, a título de remunerações e indemnização pela cessação do contrato de trabalho.
***
2). Foi considerado, como facto não provado, o seguinte enunciado:

“a) No ano de 2013, a “EMP01...” comunicou, verbalmente, a AA que estava despedido, não necessitando mais dos seus serviços, pois a sociedade iria deixar de ter atividade.”
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3). Finalmente, depois de ter exposto as razões que o levaram a considerar como provados os enunciados discriminados no ponto 2). e como não provado o enunciado discriminado no ponto 3)., o Tribunal a quo fundamentou a sua decisão em termos jurídicos do seguinte modo (transcrição):

A) Quanto à impugnação apresentada pelo Recorrente:

“O credor AA, sustentado na relação laboral que manteve com a insolvente desde 1993 até 2023, altura é que comunicou a rescisão do seu contrato de trabalho, veio pugnar pelo reconhecimento de créditos laborais.
Nesta medida, o credor em referência alega que reclamou no âmbito do processo n.º 514/21.9T8BGC – Juízo de Trabalho de Bragança créditos laborais, cujo computo final cifrou em 118.417,82€, valor que foi reclamado, todavia apenas foi reconhecido o valor global de 116.409,06€.
Nesta esteira, o credor, além de pugnar pelo reconhecido do valor remanescente não reconhecido, pugna que lhe deve ser reconhecido 51.070,00€, por corresponder aos créditos laborais que se venceram entre maio de 2021 ate é data em que deduziu a sua reclamação contra a lista de credores reconhecidos e não reconhecidos.
Vejamos,
Deste feita, dispõe o artigo 11.º do Código do Trabalho que “Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas.”
Com efeito, como tem sido entendimento pacífico, os dois elementos constitutivos do contrato de trabalho são: i. a subordinação económica e ii. a subordinação jurídica. A primeira corresponde à circunstância à retribuição que é dada ao trabalhador, ao passo que a segunda se traduz que o mesmo está sujeito às ordens; direção e fiscalização de outrem.
Com reflexos que o infra se irá referi, resulta provado que o credor AA exerceu funções como Guarda Florestal, sob as ordens e as orientações da insolvente, nomeadamente através o seu sócio gerente AAAA.
Assim, não suscitam quaisquer dúvidas que o credor AA foi trabalhador da sociedade insolvente.
Continuando,
O referido credor insurge-se relativamente à forma como o seu crédito foi reconhecido, todavia com parcial razão.
Desde logo, não podemos deixar de acompanhar o raciocínio vertido pela Administrador de Insolvência vertido no teor dos esclarecimentos vertidos na resposta às impugnações da lista de credores do dia 27.11.2023, e confirmada em sede de audiência de discussão e julgamento, quando refere que inexiste qualquer prova quanto as quantias correspondentes às deslocações que o credor AA teve, circunstância que se transpôs para o julgamento.
Nesta medida, não podemos olvidar que invocando o Reclamante a existência de um elemento que constituam a causa de pedir da reclamação (ou integrante dela), incumbir-lhe-á o ónus da prova dos factos constitutivos daquele tipo de contrato, designadamente a dita subordinação – cf. art. 342º, nº 1, do Código Civil.
Prosseguindo,
No que refere à quantia da compensação por rescisão do contrato de trabalho, com fundamento no disposto no artigo 400.º, n.º1 do Código de Trabalho importa ter em consideração o teor do referido artigo que estabelece o seguinte: “O trabalhador pode denunciar o contrato independentemente de justa causa, mediante comunicação ao empregador, por escrito, com a antecedência mínima de 30 ou 60 dias, conforme tenha, respetivamente, até dois anos ou mais de dois anos de antiguidade.”
Ora, como ensina Paula Quintas e Hélder Quintas, “ na denúncia, a causa da desvinculação não é relevada, podendo ocorrer a todo o momento (contratual), com ressalva da salvaguarda do tempo de aviso prévio, tanto mais longo quanto for a antiguidade do trabalhador, por se presumir que será mais penoso e difícil para o empregador promover a substituição do trabalhador, atentado, nomeadamente, à maior experiência e conhecimentos angariados” – cf. Código do Trabalho anotado e comentado, 6.ª ed., Almedina, junho de 2021, p. 938.
Donde, “a possibilidade de denúncia do contrato pelo trabalhador assume-se como um caso específico de cessação do contrato em que prevalece o princípio da denúncia livre ou da liberdade de desvinculação, pois que o trabalhador não pode ser forçado a continuar a prestar trabalho contra a sua vontade, pois que só este entendimento se coaduna com o princípio da liberdade de trabalho (artigo 47.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa), que se projeta na faculdade de o trabalhador, livremente e a todo o momento, fazer cessar a relação laboral “ – cf. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 27.02.2023, P. 361/22.0T8AVR, P1, relatado por Nelson Fernandes, disponível em www.dgsi.pt
Assim, partindo do quadro-normativo invocado pelo credor AA, o mesmo denunciou por iniciativa própria o contrato, pelo que aqui não haver direito a qualquer indemnização.
Seja como for, importa ter em consideração o momento temporal em que operou esta desvinculação contratual.
Desta feita, temos de ter em consideração que, não obstante o credor AA ter intentado a ação contra a insolvente, pugnado por créditos salariais, a verdade é que esteve ao serviço desta até ao momento em que decidiu resolver o contrato, nos termos já aventados.
Neste passo, como bem nota a Administradora da Insolvência, o credor, em sede de impugnação, reclama a remuneração de maio de 2021, quando a mesma já foi reclamada em sede da predita ação laboral e, concomitantemente, reconhecida.
Por outro lado, o credor apenas terá direito à retribuição até ao momento em que decidiu resolver o contrato de trabalho, que operou, como resulta provado em setembro de 2023.
No que respeita ao pagamento das diuturnidades e do subsídio de alimentação, importa ter em consideração que as diuturnidades apenas são devidas caso estejam previstas no contrato individual de trabalho, no contrato coletivo ou em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho (IRCT), nos termos do artigo 262.º do Código do Trabalho. Da mesma forma, o pagamento do subsídio de alimentação não é obrigatório por lei. Assim, face ao exposto, competia ao credor demonstrar que, durante a vigência da sua relação laboral com a insolvente, recebia efetivamente esses valores, o que não conseguiu provar.
Assim, deverá ser julgada parcialmente procedente a impugnação apresentada pelo credor AA, reconhecendo-se, em consequência, o direito às retribuições auferidas entre junho de 2021 e a data da resolução do seu contrato de trabalho, acrescidas do subsídio de férias e de Natal que se venceram.”
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B) Quanto à impugnação apresentada pela Recorrida Banco 1..., SA, visando os créditos reconhecidos ao Recorrente:

“O credor Banco 1..., S.A. impugnou, por um lado, o crédito atribuído a AA e, por outro, a sua qualificação, defendendo que este último devesse ser considerado como crédito comum. Em síntese, o referido credor sustentou que, em 2013, a insolvente teria comunicado verbalmente a AA – à época já despedido – a não necessidade dos seus serviços.
Contudo, tendo em conta a totalidade dos elementos já expostos, bem como o conjunto dos factos reconhecidos como provados e não provados, não se verifica qualquer prova que corrobore as alegações formuladas por este credor, razão pela qual a sua impugnação deve ser julgada improcedente.
Ademais, considerando que os créditos atribuídos a AA decorrem da sua atividade profissional, estes deverão conservar a qualificação que lhe foi atribuída na própria lista de credores reconhecidos apresentada pela Administradora de Insolvência.”
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IV.
1).1. Avançamos com a resposta à 1.ª questão.
A  sentença – e, por extensão legal, os despachos judiciais (art. 613/3 do CPC) – pode estar viciada por duas causas distintas: por padecer de um erro no julgamento dos factos e do direito – o denominado error in iudicando –, sendo a consequência a sua revogação pelo tribunal superior; por padecer de um erro na sua elaboração e estruturação, neste caso por o julgador ter ficado aquém ou ter ido além daquilo que constituía o thema decidendum, sendo a consequência a nulidade, conforme previsto no art. 615 do CPC. Nas situações do primeiro tipo, estão em causa vícios intrínsecos do ato de julgamento; nas do segundo, vícios formais, extrínsecos ao ato de julgamento propriamente dito, antes relacionados com a sua exteriorização ou com os seus limites. Neste sentido, inter alia, RG 4.10.2018 (1716/17.8T8VNF.G1), Eugénia Cunha, RG 30.11.2022 (1360/22.8T8VCT.G1), Maria João Pinto de Matos, RG 15.06.2022 (111742/20.8YIPRT.G1), Rosália Cunha, RG 12.10.2023 (1890/22.1T8VCT.G1), e RG 20.02.2025 (4042/22.7T8VCT-A.G1), José Alberto Moreira Dias.
Com interesse, diz a alínea d) do n.º 1 do art. 615 do CPC que é nula a sentença quando “[o] juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.”
***
1).2. Na primeira parte da norma acabada de citar, está em causa a denominada omissão de pronúncia e, na segunda, o excesso de pronúncia”, o que chama à colação o disposto no art. 608/2 do CPC, nos termos do qual “[o] juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.”
Seguindo RG 13.07.2022 (6711/15.9T8VNF-L.G1), Maria João Pinto de Matos, diremos que “Questões”, para este efeito, são “todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que requerem decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os pressupostos específicos de qualquer ato (processual) especial, quando realmente debatidos entre as partes” (Antunes Varela, RLJ, Ano 122.º, pág. 112); e não podem confundir-se “as questões que os litigantes submetem à apreciação e decisão do tribunal com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os pressupostos em que a parte funda a sua posição na questão” (José Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume V, Coimbra Editora, Limitada, pág. 143).

Como se pode ler no aresto:
“Há, pois, que distinguir entre questões a apreciar e razões ou argumentos aduzidos pelas partes (para sustentar a solução que defendem a propósito de cada questão a resolver): "São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão" (Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, V Volume, Coimbra Editora, pág.143 (…).
As questões postas, a resolver, "suscitadas pelas partes só podem ser devidamente individualizadas quando se souber não só quem põe a questão (sujeitos), qual o objeto dela (pedido), mas também qual o fundamento ou razão do pedido apresentado (causa de pedir)" (Alberto dos Reis, op. cit., pág. 54). Logo, "as "questões" a apreciar reportam-se aos assuntos juridicamente relevantes, pontos essenciais de facto ou direito em que as partes fundamentam as suas pretensões" (Ac. do STJ, de 16.04.2013, António Joaquim Piçarra, Processo n.º 2449/08.1TBFAF.G1.S1); e não se confundem com considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes (a estes não tem o Tribunal que dar resposta especificada ou individualizada, mas apenas aos que diretamente contendam com a substanciação da causa de pedir e do pedido).
Por outras palavras, as "partes, quando se apresentam a demandar ou a contradizer, invocam direitos ou reclamam a verificação de certos deveres jurídicos, uns e outros com influência na decisão do litígio; isto quer dizer que a "questão" da procedência ou improcedência do pedido não é geralmente uma questão singular, no sentido de que possa ser decidida pela formulação de um único juízo, estando normalmente condicionada à apreciação e julgamento de outras situações jurídicas, de cuja decisão resultará o reconhecimento do mérito ou do demérito da causa. Se se exige, por exemplo, o cumprimento de uma obrigação, e o devedor invoca a nulidade do título, ou a prescrição da dívida, ou o pagamento, qualquer destas questões tem necessariamente de ser apreciada e decidida porque a procedência do pedido depende da solução que lhes for dada; mas já não terá o juiz de, em relação a cada uma delas, apreciar todos os argumentos ou razões aduzidas pelos litigantes, na defesa dos seus pontos de vista, embora seja conveniente que o faça, para que a sentença vença e convença as partes, como se dizia na antiga prática forense" (Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, Volume III, Almedina, Lisboa, pág. 228…).
Logo, a omissão de pronúncia circunscreve-se às questões de que o tribunal tenha o dever de conhecer para a decisão da causa e de que não haja conhecido, realidade distinta da invocação de um facto ou invocação de um argumento pela parte sobre os quais o tribunal não se tenha pronunciado.
Esta nulidade só ocorrerá, então, quando não haja pronúncia sobre pontos fáctico-jurídicos estruturantes da posição dos pleiteantes, nomeadamente os que se prendem com a causa de pedir, o pedido e as exceções, e não quando tão só ocorre mera ausência de discussão das "razões" ou dos "argumentos" invocados pelas partes para concluir sobre as questões suscitadas, deixando o juiz de os apreciar, conhecendo, contudo, da questão (Ac. do STJ, de 21.12.2005, Pereira da Silva, Processo n.º 05B2287…).
Já, porém, não ocorrerá a dita nulidade da sentença por omissão de pronúncia quando nela não se conhece de questão cuja decisão se mostra prejudicada pela solução dada anteriormente a outra (Ac. do STJ, de 03.10.2002, Araújo de Barros, Processo n.º 02B1844). Compreende-se que assim seja, uma vez que o conhecimento de uma questão pode fazer-se tomando posição direta sobre ela, ou resultar da ponderação ou decisão de outra conexa que a envolve ou a exclui (Ac. do STJ, de 08.03.2001, Ferreira Ramos, Processo n.º 00A3277).
Igualmente "não se verifica a nulidade de uma decisão judicial - que se afere pelo disposto nos arts. 615.º (sentença) e 666.º (acórdãos) - quando esta não aprecia uma questão de conhecimento oficioso que lhe não foi colocada e que o tribunal, por sua iniciativa, não suscitou" (Ac. do STJ, de 20.03.2014, Maria dos Prazeres Beleza, Processo n.º 1052/08.0TVPRT.P1.S1).”
***
1).3. Como vimos, na segunda parte da norma do art. 615/1, d), está em causa o denominado excesso de pronúncia que ocorre quando o juiz conhece de questões de que não podia tomar conhecimento por violação da segunda parte do n.º 2 do art. 608.
Não haverá excesso de pronúncia se a questão que o tribunal decidiu, sem que tal lhe tivesse sido pedido, for do conhecimento oficioso. Também não haverá excesso de pronúncia se o tribunal, para decidir, usar fundamentos jurídicos diferentes dos invocados pelas partes, uma vez que o art. 5.º/3 estabelece o princípio iura novit curia e, muito menos, se o tribunal, na fundamentação, aduzir argumentos que a parte não apresentara, já que uma coisa são as questões e, outra, são os argumentos que suportam a sua resolução.
***
1).4. Feitas estas considerações gerais, vejamos agora as questões a conhecer pelo juiz na reclamação de créditos em processo de insolvência.
Sabemos que a sentença que decrete a insolvência deve fixar um prazo de 30 dias para a reclamação dos créditos sobre a insolvência (art. 36/1), prazo esse que não se suspende em férias judiciais, consequência da natureza urgente atribuída pelo CIRE (art. 9.º/1) ao processo de insolvência, seus incidentes, apensos e recursos.
Todos os credores da insolvência têm o ónus de reclamar os seus créditos, através de requerimento endereçado ao administrador da insolvência (art. 128/2), para que a sentença de verificação e graduação de créditos os gradue. E isto é assim mesmo para os créditos já reconhecidos através de uma decisão definitiva. Sem prejuízo, a falta de reclamação do crédito no processo de insolvência não acarreta necessariamente a preclusão do direito, uma vez que o n.º 1 do art. 129 diz que o administrador da insolvência pode reconhecer quer os credores que tenham reclamado os seus créditos dentro do prazo fixado pelo juiz, quer os credores cujos direitos constem dos elementos da contabilidade do devedor ou que sejam, por outra forma, do conhecimento do administrador da insolvência, ainda que não tenham reclamado os seus créditos.
Nos 15 dias seguintes ao termo do prazo para a reclamação de créditos, o administrador da insolvência elabora uma lista dos créditos reconhecidos e não reconhecidos, acompanhada de uma proposta de graduação, a qual deve ter por referência a composição previsível da massa insolvente e respeitar o disposto nos arts. 140/2 – o qual estatui que a graduação é geral para os bens da massa insolvente e é especial para os bens a que respeitem direitos reais de garantia e privilégios creditórios – e 241/1, d).
Da lista dos credores reconhecidos deve constar (art. 129/2): a) a identificação de cada credor; b) a natureza do seu crédito; c) o montante de capital e juros à data do termo do prazo das reclamações; d) as garantias pessoais e reais; e) os privilégios; f) a taxa de juros moratórios aplicável; g) as eventuais condições suspensivas ou resolutivas; e h) o valor dos bens integrantes da massa insolvente sobre os quais incidem garantias reais de créditos pelos quais o devedor não responda pessoalmente.
Quanto à lista de credores que não tenham sido reconhecidos, o administrador da insolvência deve especificar os motivos que o levaram a essa tomada de posição (art. 129/3).
Nos 10 dias seguintes ao termo do prazo para o administrador da insolvência apresentar a lista de créditos reconhecidos e não reconhecidos, pode qualquer interessado – entendendo-se como tal o insolvente e os credores relativamente aos respetivos créditos, bem como todos os credores em relação aos quais exista possibilidade de conflito com o titular do crédito reconhecido (Maria José Costeira, “Classificação, Verificação e Graduação de Créditos no Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas”, AAVV, Catarina Serra (coord.), I Congresso de Direito da Insolvência. Coimbra: Almedina, 2013, p. 250) – impugnar a lista de credores reconhecidos e não reconhecidos, com fundamento na indevida inclusão ou exclusão de créditos, na incorreção do montante ou da qualificação do crédito.
Não sendo apresentada qualquer impugnação relativamente à lista de credores reconhecidos e não reconhecidos, o juiz deve proferir, de imediato, uma sentença de verificação e graduação dos créditos, precludindo, dessa forma, a possibilidade de os credores reconhecidos e não reconhecidos impugnarem o reconhecimento ou não dos seus créditos.
Nessa sentença, o juiz deve homologar a lista de credores reconhecidos que tiver sido elaborada pelo administrador da insolvência, que não tenham sido objeto de impugnação, e proceder à graduação dos créditos em função dessa lista. Se concordar com a proposta de graduação de créditos que tiver sido elaborado pelo administrador da insolvência, pode limitar-se a homologar essa proposta (art. 130/3 na redação que lhe foi dada pelo DL n.º 57/2022, de 25.08). Sem prejuízo, como se diz no art. 130/1, o juiz não deve homologar a lista de credores reconhecidos se concluir pela verificação de um erro manifesto.
Esta ressalva tem levado a jurisprudência maioritária a entender que a falta de impugnação das listas de credores reconhecidos e não reconhecidos não importa a produção de um efeito cominatório pleno.
Assim,
STJ  25.11.2008, 08A3102, Silva Salazar: “I. Perante a lista de credores apresentada pelo administrador da insolvência, e mesmo que dela não haja impugnações, o Juiz não pode abster-se de verificar a conformidade substancial e formal dos títulos dos créditos constantes dessa lista, nem dos documentos e demais elementos de que disponha, com a inclusão, montante, ou qualificação desses créditos, a fim de evitar violação da lei substantiva. II. Detetando a existência, nessa lista, de erro manifesto, se este for de natureza meramente formal, sendo a sua retificação insuscetível de influir nos direitos das partes, nada se vê que obste a que desde logo proceda a tal retificação e a que elabore logo de seguida sentença de homologação e graduação”;
STJ 15.05.2013, 3057/11.5TBGDM-A.P1.S1, António Abrantes Geraldes: “I. O relevo que no processo de insolvência deve ser dado ao princípio par conditio creditorum justifica a intervenção oficiosa do juiz na verificação dos créditos, ainda que a lista apresentada pelo administrador da insolvência – que frequentemente nem é jurista – não sofra qualquer impugnação, devendo ser recusada a sua homologação quando verifique que está afetada por erro manifesto (art. 129.º do CIRE). II. Neste sentido, deve o juiz recusar a homologação da lista apresentada pelo administrador que apresenta como créditos reconhecidos créditos reclamados exclusivamente com fundamento em avales prestados pela insolvente em livranças subscritas em branco e que ainda não foram preenchidas. III. Tais créditos apenas podem ser reconhecidos como créditos sob condição suspensiva”;
STJ 21.04.2015, 793/ 10.7T2AVR-A.C1.S1, João Camilo: “I. A recusa de homologação da lista de créditos reconhecidos elaborada pelo administrador da massa insolvente pode ter lugar por erro manifesto, nos termos do art. 130.º, n.º 3, do CIRE. II. Este erro manifesto permite e impõe ao julgador que afira da bondade formal e substancial dos créditos constantes da lista, não se limitando aos meros erros formais, podendo e devendo abranger razões ligadas à substância dos créditos em apreço que podem ser objeto de censura pelo julgador, mesmo na ausência de qualquer impugnação”;
STJ de 10.12.2015, 836/12.0TBSTS-A.P1.S1, Fonseca Ramos: “I. Do art. 130.º, n.º 3, do CIRE colhe-se que a ausência de impugnação de créditos constantes da lista apresentada pelo Administrador da Insolvência, nos termos do art. 129.º do CIRE, não impede o Juiz de exercer um controle sobre a respetiva legalidade, não apenas formal mas substantiva: os requisitos da elaboração da lista pelo AI contêm normas procedimentais e juízos de qualificação jurídica (por exemplo, quanto se considera que o crédito X ou Y dispõe de garantia real ou é um crédito privilegiado). Se pensarmos que muitas vezes o AI não é jurista, a possibilidade desculpável de erro existe. II. O conceito indeterminado “erro manifesto” tem latitude e elasticidade para conferir ao juiz, o poder-dever de analisar a lista elaborada em cumprimento do art. 129.º, n.ºs 1 a 3, e não a homologar ao abrigo do n..º 3 do art. 130.º do CIRE. O conceito deve ser interpretado de forma ampla”;
RC de 17.05.2016, 836/14.5T8ACB-C.C1, Maria Domingas Simões: “Não se discute que a letra da lei [art. 130.º, n.º 3] parece atribuir efeito cominatório à falta de impugnações, salvo o caso de erro manifesto. Todavia, cedo foi notada a inadequação da solução, quando entendida como redutora do papel do juiz a uma mera formalidade, competindo-lhe apenas apor a chancela à lista elaborada pelo Sr. AI, e isto desde logo face à constatação de que, tratando-se de matéria de enorme relevo e idêntica complexidade jurídica, a ausência de impugnações não dá quaisquer garantias de que a lista se encontre corretamente elaborada”;
RL 07.07.2016, 10163-14.2T2SNT-A.L1-8, Teresa Prazeres Pais: “A recusa de homologação da lista de créditos reconhecidos elaborada pelo administrador da massa insolvente pode ter lugar por erro manifesto, nos termos do art. 130o, no 3, do CIRE. Este erro manifesto permite e impõe ao julgador que afira da bondade formal e substancial dos créditos constantes da lista, não se limitando aos meros erros formais, podendo e devendo abranger razões ligadas à substância dos créditos em apreço que podem ser objeto de censura pelo julgador, mesmo na ausência de qualquer impugnação. Constando daquela lista de créditos não impugnada créditos de trabalhadores da insolvente, como beneficiando de privilégio imobiliário especial, mas sem especificar sobre que imóvel versa esse privilégio, não pode o julgador, sem mais, fazer incidir esse privilégio sobre os imóveis apreendidos para a massa insolvente”;
RC de 18.10.2016, 46/14.T8ACB-B.C1, Arlindo Oliveira: “A circunstância da lista de créditos apresentada pela A.I., não ter sido impugnada não impõe, sem mais, a decisão homologatória por parte do tribunal”;
RG 07.12.2017, 8675/15.0T8VNF-I.G1, Eva Almeida: “O erro manifesto da lista apresentada pelo Sr. A.I., em cumprimento do disposto no art. 129.º, n.º 1, do CIRE, pode ser arguido a todo o tempo, enquanto a sentença de verificação de créditos não transitar em julgado, pois, devendo ser conhecido ex officio, não está sujeito ao prazo das impugnações previsto no art. 130 do CIRE”;
RP de 25.06.2019, 2180/11.0T2AVR-C.P1, José Igreja Matos: “[...] III. No âmbito do artigo 130.º, n.º 3 do CIRE e para o preenchimento do conceito de “erro manifesto”, estará vedada uma interpretação que transforme a atividade do juiz no âmbito do processo de insolvência numa mera chancela formal por atos ou omissões praticados por terceiros. IV. Uma intervenção do juiz meramente formal é impensável para a ecologia do sistema judicial que vive necessariamente de uma pulsão pela verdade material; justamente como reflexo destas preocupações sobre o papel do juiz deve interpretar-se em termos amplos o conceito de “erro manifesto”, não podendo o juiz abster-se de verificar a conformidade substancial dos títulos dos créditos constantes da lista que vai homologar. V. Assim, não está vedada ao juiz no âmbito da deteção de um eventual “erro manifesto” escrutinar sobre a indevida inclusão de um crédito na lista, do seu montante ou das suas invocadas qualidades”.
No sentido contrário – isto é, de que a falta de impugnação das listas de credores reconhecidos e não reconhecidos, nos termos do art. 130, importa a produção de um efeito cominatório pleno, razão pela qual o juiz deve limitar-se a proceder à homologação dessas listas, STJ de 20.05.2010, 1336/06.2TBBCL-G.G1.S1, Alberto Sobrinho.
Sendo apresentada impugnação, cabe ao impugnante alegar os respetivos fundamentos. Assim, por exemplo, se a impugnação se fundar no não reconhecimento de um crédito, cabe ao impugnante alegar os factos constitutivos do mesmo. Já se a impugnação se fundar no indevido reconhecimento de um crédito cabe ao impugnante alegar factos impeditivos, modificativos ou extintivos desse crédito.
Nos dez dias seguintes ao termo do prazo para impugnar, o administrador da insolvência, o devedor e qualquer interessado que assuma a posição contrária podem responder, salvo se a impugnação se fundar na indevida inclusão de determinado crédito na lista de credores reconhecidos, na falta de indicação das condições a que se encontra sujeito ou no facto de lhe ter sido atribuído um montante excessivo ou uma quantia de grau superior à correta, casos em que só o próprio titular pode responder (arts. 130 e 131).
Segundo o art. 131/3, deve ser apresentada resposta à impugnação, “sob pena de a impugnação ser julgada procedente.” Daqui parece resultar que a falta de resposta tem um efeito cominatório. A jurisprudência tem, porém, vindo a fazer uma interpretação restritiva deste preceito legal, isto é, que a falta de resposta à impugnação, apesar de implicar que os factos não impugnados se considerem admitidos por acordo, “não pode levar à procedência automática da pretensão impugnatória (efeito cominatório pleno)”. Ao invés, nos termos do art. 136, o tribunal deve “verificar que factos é que estão provados, nomeadamente por confissão ficta decorrente da não contestação da impugnação e por documentos, aplicando-lhes depois o direito que for devido.” Assim, STJ 5.04.2022, 2115/19.2T8STS-E.P1.S1, José Rainho. No mesmo sentido, STJ 23.10.2018, 650/12.2TBCLD-B.C1.S1, Catarina Serra, e RC de 28.04.2015, 1642/10.1TBVIS-D.C1, Maria Domingas Simões, lendo-se neste último que “[a]pelando aos critérios interpretativos plasmados no n.º 3 do art. 9.º do Código Civil, sobretudo à unidade do sistema jurídico, o preceituado no n.º 3 do art. 131.º do CIRE deverá ser interpretado restritivamente, no sentido de consagrar um cominatório semipleno, solução harmónica com a inequívoca natureza e estrutura declarativa do processo de graduação de créditos, com importação da disciplina do processo declarativo comum (cf. art. 17 do CIRE).” Em sentido contrário, RP 26.11.2013, 710/11.7TJPRT-C.P1, Rui Moreira.
Como vimos na Parte II., a resposta à impugnação é a sede própria para a invocação de todos os fundamentos de defesa.
Terminado o prazo das respostas às impugnações, a comissão de credores, caso exista, deve juntar aos autos o seu parecer sobre as impugnações. Esse parecer não é obrigatório e a sua omissão não gera qualquer consequência para o normal andamento do apenso.
Após a tentativa de conciliação, o processo é concluso ao juiz para os termos previstos nos arts. 595 e 596 do CPC (prolação de despacho saneador e despacho de identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova). No despacho saneador constam os créditos reconhecidos e não impugnados, os aprovados na tentativa de conciliação e aqueles que como tal possam ser considerados face aos elementos de prova juntos aos autos, declarando-os verificados e graduando-os.
Encerrada a audiência final, o juiz profere sentença de verificação e graduação dos créditos no prazo de 10 dias (art. 140/1).
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1).5. Este esboço do regime da reclamação de créditos em processo de insolvência permite-nos concluir que ao juiz apenas cabe, em regra, conhecer dos créditos cujo reconhecimento ou não reconhecimento seja objeto de impugnação. Ressalvam-se, quanto aos créditos cujo reconhecimento ou não reconhecimento não tenha sido objeto de impugnação, as situações de erro manifesto a que fizemos referência.
Havendo impugnação, os poderes de cognição do juiz estão balizados pelos fundamentos invocados pelo impugnante e, bem assim, pelo respondente, sem prejuízo daqueles que sejam do conhecimento oficioso.
Com interesse, importa densificar o conceito de erro manifesto.
Erro manifesto é aquele que facilmente se deteta e evidencia por si próprio e no contexto em que a declaração é exarada, à semelhança do que sucede com os erros de cálculo ou de escrita dos atos das partes (art. 146/1 do CPC). Não pode, portanto, ser qualificado como tal o erro que se não deteta “da mera análise da lista apresentada pelo administrador da insolvência e dos elementos objetivos disponíveis nos autos.” Assim, RG 06.10.2016, 306/15.4T8PRG-B.G1, João Peres Coelho. No mesmo sentido, RC 11.12.2012, 1358/09.1FIG-D.C1, Maria Inês Moura, RC 13.10.2015, 178/ 13.3TBSPS-A.C1, Arlindo Oliveira, RP 18.12.2018, 152/10.1TYVNG-A.P1, Leonel Serôdio, e RG 17.11.2022, 326/18.7T8MDL-C.G1, Conceição Sampaio.
Na jurisprudência, podem ver-se ainda, com interesse:
RC 23.04.2013, 3/12.2TBFCR-D.C1, Maria José Guerra: “O segmento do preceito contido no art. 130.º, n.º 3, do CIRE – salvo o caso de erro manifesto – deve interpretar-se em termos amplos, por forma a considerar que o juiz não deve abster-se de verificar a conformidade substancial e formal dos títulos dos créditos constantes da lista que vai homologar, tendo em conta que o erro tanto pode respeitar à natureza e montante do crédito como às suas qualidades”;
RE 30.06.2016, 189/14.1TBVNO-B.E1, Manuel Bargado: “O “erro manifesto” a que alude o no 3 do artigo 130.º do CIRE, tem de ser um erro existente na relação de créditos apresentada pelo administrador da insolvência, e de que o juiz se aperceba nomeadamente pela análise das reclamações de créditos, o qual não se confunde com eventuais causas de exclusão do crédito não alegadas e comprovadas nos autos”;
RE 08.11.2018, 1545/12.5TBCTX-D.E1, Maria Domingas Simões: “O conceito de erro manifesto a que alude o n.º 3 do art. 130 do CIRE deverá ser interpretado em termos latos, abrangendo a indevida inclusão/exclusão do crédito na lista apresentada, a incorreção do montante relacionado e/ou a sua indevida qualificação”;
RG de 17.12.2018, 6661/17.4T8VNF.G1, Jorge Teixeira: “O “erro manifesto” a que alude este último preceito do CIRE, que abrange o erro formal e o erro substancial, tem de ser um erro existente na relação de créditos apresentada pelo administrador da insolvência, e de que o juiz se aperceba nomeadamente pela análise das reclamações de créditos, o qual não se confunde com eventuais causas de exclusão do crédito não alegadas e comprovadas nos autos.”
Em qualquer caso, conforme RC 5.04.2022, 3049/21.6T8CBR-A.C1, Helena Melo, “[n]ão incumbe ao juiz, previamente à homologação da lista de créditos definitiva, proceder a atividade investigatória para apreciação da conformidade de cada um dos créditos dela constantes, com vista à correção da posição do administrador da insolvência, que não foi impugnada.”
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1).6. Transpondo agora estas considerações para o caso dos autos, temos que o Recorrente, invocando a sua qualidade de trabalhador da insolvente, reclamou os seguintes créditos sobre a insolvência:
A) Já reclamados na ação n.º 514/21.9T8BGC:
a) Salários de julho de 2013 a maio de 2021: € 68 620,00;
b) Juros sobre esses salários: € 18 777,40;
c) Subsídios de férias de julho de 2013 a maio de 2021: € 5 110,00;
d) Subsídios de Natal de julho de 2013 a maio de 2021: € 5 110,00;
e) Subsídio de alimentação de julho de 2013 a maio de 2021: € 8 830,36;
f) Diuturnidades: € 867,62;
g) Formação profissional: € 2 614,40;
h) Despesas de transporte: € 17 380,00;
B) Ulteriores à apresentação da petição inicial daquela ação:
i) “Uma mensalidade por cada ano de trabalho (30 anos x 760,00 euros (ordenado mínimo) = 22 800.00 euros), que perfaz a quantia de 22 800.00 euros”;
j) “Salários em atraso desde maio de 2021 até ao presente no total de 29 meses no total de 22 040,00 euros”;
k) “Subsídios Natal e Férias equivalente a 4 meses de ordenado, subsídio de férias e Natal referentes aos anos de 2021 e 2022, no total de 3 040,00 euros”;
l) “Sem prescindir de diuturnidades em falta no total quatro por mês, sendo cada uma de 50”;
 m) “Subsídio de refeições que nunca recebeu, o que considerando o período de 29 meses, o que equivale a (264 dias por ano x 2= 528 dias, sendo no total 638 dias), o que multiplicando por 5,00 euros, perfaz a quantia de 3 190,00 euros.”
Dos créditos reclamados, foram reconhecidos pela administradora da insolvência os das alíneas a) (€ 68 620,00), c) (€ 5 110,00), d) (€ 5 110,00), e) (€ 8 830,36), f) (€ 867,62), g) (€ 2 614,40). Foram ainda reconhecidos os créditos das alíneas j), k) e m) até setembro de 2023 (€ 19 710,00, € 3 040,00 e € 2 506,68, respetivamente), num total de € 116 409,00.
Daqui resulta, a contrario, o não reconhecimento dos créditos das alíneas b) (€ 18 777,40), h) (€ 17 380,00), i) (€ 22 800,00) e l) (não contabilizado), bem como dos créditos das alíneas j), k) e m) no período subsequente a setembro de 2023.
O Recorrente impugnou o não reconhecimento destes créditos.
A Recorrida, por seu turno, opôs-se ao reconhecimento de todos os créditos alegando a cessação, em momento anterior (2013), do contrato de trabalho invocado com fonte deles e, bem assim, a sua prescrição, por não terem sido reclamados no ano subsequente à cessação do contrato de trabalho.
A mesma Recorrida apresentou resposta à impugnação do Recorrente, na qual acrescentou que, em qualquer caso, o Requerente da insolvência não tem direito à quantia de € 17 318,80, relativa às deslocações realizadas entre a sua residência e o local de trabalho; também não tem direito à indemnização de € 22 860,00, uma vez que, mesmo na tese que apresentou, o contrato de trabalho cessou por denúncia da sua parte, ut art. 400 do Código do Trabalho, e não por resolução por justa causa.
Daqui decorre que, no que tange ao Recorrente, a Recorrida impugnou a lista de créditos reconhecidos mediante a alegação de um facto impeditivo da sua constituição (prévia cessação do contrato de trabalho) e de um facto extintivo (prescrição). E respondeu à impugnação da lista (tácita) de créditos não reconhecidos impugnando os factos que, segundo o Recorrente, substanciam a constituição de dois deles.
Deste modo, perante as impugnações, o tribunal não podia limitar-se a homologar aquelas listas; tinha de decidir das impugnações, conhecendo para esse efeito dos factos constitutivos dos créditos e dos factos impeditivos e extintivos deles.
Mais concretamente, não estando questionada a celebração do contrato de trabalho, nem os direitos e obrigações dele emergentes para as partes, o tribunal tinha, numa sequência lógica, de conhecer da sua alegada cessação no ano de 2013.
Uma resposta afirmativa a esta questão, levaria ao não reconhecimento da totalidade dos créditos reclamados pelo Recorrente, prejudicando o conhecimento das demais questões.
Já uma resposta negativa implicaria, por um lado, que se tivesse como adquirido que o Recorrente, por força do contrato de trabalho, era titular dos créditos por si reclamados e reconhecidos pela administradora da insolvência, salvo se esse reconhecimento assentasse num erro manifesto, e, por outro, que passasse a conhecer da constituição dos créditos não reconhecidos pela administradora da insolvência.
Restaria, finalmente, conhecer do facto extintivo (prescrição) invocado quanto a todos os créditos.
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1).7.1. O que antecede permite-nos concluir que, uma vez respondida negativamente a questão da cessação do contrato de trabalho no ano de 2013, se tinha como adquirida a constituição dos créditos incluídos pela administradora da insolvência na lista de créditos reconhecidos, entre eles o relativo aos subsídios de alimentação vencidos entre julho e maio de 2021 (€ 8 830,36) e entre junho de 2021 e setembro de 2023 (€ 2 506,68). Apenas assim não teria de ser, abrindo-se então a possibilidade de conhecimento, se tivesse existido um erro manifesto.
Ora, a decisão de não verificar o crédito em questão na sentença foi fundamentada na não formação de uma convicção positiva quanto à sua constituição, o que evidencia bem que não se tratou de um conhecimento baseado num erro manifesto.
Isto permite-nos concluir que assiste razão ao Recorrente: esta questão, qua tale, não podia ser conhecida.
A sentença recorrida enferma, assim, de nulidade por excesso de pronúncia.
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1).7.2. Por outro lado, perante o não reconhecimento, por parte da administradora da insolvência, dos créditos das alíneas b), h) i), l), bem como dos créditos das alíneas j), k) e m), no que tange ao período subsequente a setembro de 2023, havia que conhecer dos respetivos factos constitutivos.
Como se constata, dentre estes créditos, a sentença é totalmente omissa quanto ao crédito da alínea b), o que redunda numa omissão de pronúncia que gera a sua nulidade.
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1).8. A nulidade da sentença tem um regime próprio de arguição, previsto no n.º 4 do art. 615, nos termos do qual (a) se a sentença admitir recurso ordinário, a nulidade deve ser arguida como fundamento autónomo deste, perante o tribunal ad quem; (b) se a sentença não admitir recurso ordinário, a nulidade deve ser arguida perante o tribunal que proferiu a sentença, através de reclamação.
Conforme se explica em RG 15.02.2024 (548/22.6T8VNF.G1), do presente Relator, na primeira hipótese, interposto o recurso em que é arguida a nulidade, compete ao juiz apreciá-la no próprio despacho em que se pronuncia sobre a admissibilidade do recurso (art. 617/1, 1.ª parte).
Nesta sequência, se o juiz indeferir a arguição não cabe recurso dessa decisão, prosseguindo o recurso para apreciação da questão (art. 617/1, 2.ª parte). Já se o juiz suprir a nulidade, considera-se o despacho proferido como complemento ou parte integrante da sentença, ficando o recurso interposto a ter como objeto a nova decisão (art. 617/2). Neste caso, o recorrente pode, em dez dias, desistir do recurso, alargar ou restringir o respetivo âmbito, em conformidade com a alteração introduzida, permitindo-se que o recorrido responda a tal alteração, em igual prazo (art. 617/3). Se o recorrente, por ter obtido o suprimento pretendido, desistir do recurso, pode o recorrido, no mesmo prazo, requerer a subida dos autos para decidir da admissibilidade pretendida (art. 617/4). Como referem Lebre de Freitas / Isabel Alexandre (Código de Processo Civil Anotado, II, 4.ª ed., Coimbra: Coimbra Editora, 2019, p. 746), o termo admissibilidade é incorreto: “o tribunal superior pronunciar-se-á, sim, sobre o conteúdo da alteração, isto é, sobre o novo conteúdo da sentença (que a alteração integra) e não sobre se era admissível alterar a sentença.”
Na segunda hipótese, arguida a nulidade perante o juiz que proferiu a sentença, por dela não caber recurso ordinário, o juiz profere decisão definitiva sobre a questão suscitada; no entanto, se a alterar, a parte prejudicada com a alteração pode recorrer, mesmo que a causa esteja compreendida na alçada do tribunal, não suspendendo o recurso a exequibilidade da sentença (art. 617/6, 1.ª parte).
Não procedendo a parte prejudicada de qualquer um desses modos, permite que a nulidade em questão fique sanada. A propósito, RG 18.01.2024 (1731/23.2T8GMR-J.G1), do presente Relator. Diga-se, aliás, que não se trata, em rigor, de uma nulidade, mas de uma anulabilidade, uma vez que o Tribunal não pode conhecer dela ex officio. Este entendimento – do não conhecimento oficioso das referidas nulidades previstas nas alíneas b) a e) do n.º 1 do art. 615 do CPC – estriba-se na circunstância de várias disposições legais (arts. 614/1, 615/2 e 4 e 617/1 e 6, todos do CPC) preverem, em determinadas circunstâncias, a possibilidade do seu suprimento oficioso, assim indicando que o conhecimento do vício constituirá a exceção e não a regra e que, em contrapartida, há necessidade de alegação. Neste sentido, STJ 30.11.2021, (1854/13.6TVLSB.L1.S1), Maria da Graça Trigo, RG 1.02.2018 (1806/17.7T8GMR-C.G1), José Amaral, RG 17.05.2018 (2056/14.0TBGMR-A.G1), Maria João Pinto de Matos, RG 4.10.2018 (4981/15.1T8VNF-A.G1), Maria João Pinto de Matos, RG 7.02.2019 (5569/17.8T8BRG.G1), José Alberto Moreira Dias, e RG 19.01.2023 (487/22.0T8VCT-A.G1), José Carlos Pereira Duarte; na doutrina, Lebre de Freitas / Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado cit., pp. 735-736, e Rui Pinto, “Os meios reclamatórios comuns da decisão civil (arts. 613.º a 617.º do CPC)”, Julgar Online, maio de 2020, p. 10.
Verificada uma das indicadas nulidades da sentença, cabe à Relação supri-la, salvo se não dispuser dos elementos necessários para esse efeito, por força do disposto no art. 665/1 do CPC, donde resulta que, ainda “que declare nula a decisão que põe termo ao processo, o tribunal de recurso deve conhecer do objeto da apelação” (n.º 1); e, se “o tribunal recorrido tiver deixado de conhecer certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, a Relação, se entender que a apelação procede e nada obsta à apreciação daquelas, deve delas conhecer no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha dos elementos necessários” (n.º 2).
Deste modo, como escreve António Abrantes Geraldes (Recursos em Processo Civil, 7.ª ed., Coimbra: Almedina, julho de 2022, pp. 387-388), “ainda que a Relação confirme a arguição de alguma das (…) nulidades da sentença, não se limita a reenviar o processo para o tribunal a quo. Ao invés, deve prosseguir com a apreciação das demais questões que tenham sido suscitadas, conhecendo do mérito da apelação, nos termos do art. 665º, nº 2.” Logo, “a anulação da decisão (v.g. por contradição de fundamentos ou por omissão de pronúncia) não tem como efeito invariável a remessa imediata do processo para o tribunal a quo, devendo a Relação proceder à apreciação do objeto do recurso, salvo se não dispuser dos elementos necessários”, já que só “nesta eventualidade se justifica a devolução do processo para o tribunal a quo.”
Daqui não resulta qualquer preterição do contraditório do duplo grau de jurisdição: conforme escreve Miguel Teixeira de Sousa (“Nulidade da sentença; regra da substituição – Jurisprudência 2019 (83)”, Blog do IPPC [4.11.2023)), “a garantia do duplo grau de jurisdição vale para cima, não para baixo. Quer isto dizer que a consagração do duplo grau de jurisdição visa assegurar que uma decisão possa ser apreciada por um tribunal superior, não que o tribunal superior tenha de fazer baixar o processo ao tribunal inferior para que este o aprecie e para que, depois, o processo lhe seja remetido em recurso para nova apreciação.” Acrescentamos que já no preâmbulo do DL nº 329-A/95, de 12.12, se afirmava expressamente a opção do legislador pela supressão de um grau de jurisdição, a qual seria, no seu entendimento, largamente compensada pelos ganhos em termos de celeridade na apreciação das questões controvertidas pelo tribunal ad quem.
No que tange à nulidade por excesso de pronúncia, há que declará-la e, de seguida, conhecer do restante objeto do recurso sem, para esse efeito, considerar a questão indevidamente apreciada pelo tribunal a quo.  Isto passa, no caso vertente, pela verificação do crédito relativo ao subsídio de alimentação nos indicados períodos, no montante total de € 11 337,04 (€ 8 839,36 + € 2 506,68), tal como foi reconhecido na lista de créditos apresentada pela administradora da insolvência.
Já quanto à nulidade por omissão de pronúncia, impõe-se o conhecimento da questão omitida.
Em qualquer caso, o Tribunal ad quem terá que reconstruir a decisão de mérito.
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1).9.1. Procedendo então a esta última tarefa – conhecimento da impugnação no que tange ao não reconhecimento do créditos de juros sobre os salários de julho de 2013 a maio de 2021 – diremos que não suscitada dúvida que entre o Recorrente, como trabalhador, e a insolvente, como empregadora, foi celebrado um contrato de trabalho, tal como definido no art. 11 do Código do Trabalho: “Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas.”
Desta definição do contrato de trabalho resulta que a retribuição consiste na contrapartida patrimonial da atividade prestada (ou disponibilizada) pelo trabalhador, principal obrigação decorrente do contrato para o empregador. Dito de outra forma, o trabalhador coloca a sua força de trabalho à disposição do empregador mediante um preço, o que corresponde ao sinalagma trabalho-salário (João Leal Amado et al., Direito do Trabalho – Relação Individual, Coimbra: Almedina, 2019, p. 771).
Para que uma prestação possa ser considerada como retribuição, esta deve ter fundamento no contrato ou nos usos, e deve ser paga de forma periódica e regular (art. 258/1 e 2 do CT). Nos termos do disposto no n.º 3 do art. 258 do CT, presume-se que qualquer prestação paga pelo empregador ao trabalhador consiste em retribuição. Esta é uma presunção iuris tantum dado que, como é óbvio, nem tudo o que o empregador paga ao trabalhador é remuneração. Deste modo, provando-se a existência de uma dada prestação patrimonial efetuada pelo empregador ao trabalhador, recairá sobre aquele o ónus de demonstrar que não se verificam os referidos elementos próprios e caraterizadores da retribuição (João Leal Amado et al, Direito do Trabalho cit., p. 775).
A periodicidade da prestação deve ser certa, não sendo obrigatório que esta se vença mensalmente, como é comum, visto que esta está associada à principal função da retribuição – a sua função alimentar –, que consiste na satisfação de necessidades essenciais como a alimentação, o vestuário ou a habitação (João Leal Amado, “O Incumprimento da Obrigação Retributiva e o art. 364.º, n.º 2, do Código do Trabalho”, AAVV, António Moreira (coord.)VIII Congresso Nacional de Direito do Trabalho: Memórias, Coimbra: Almedina, 2006, p. 119). Por este motivo, a retribuição merece uma proteção legal acrescida que se manifesta, por exemplo, no princípio da irredutibilidade da remuneração (art. 129/1, d, do CT), na proibição de compensação através de créditos remuneratórios (art. 279 do CT), na proibição de cessão da totalidade da remuneração (art. 280 do CT) ou na impenhorabilidade parcial da remuneração (art. 738 do CPC). 
A retribuição vence-se de forma certa, regular e automática, o que dispensa a necessidade de prévia interpelação por parte do trabalhador (João Leal Amado, loc. cit., p. 119), estando a forma de cumprimento sujeita aos trâmites legais do art. 276 do CT.
Uma vez vencida, não sendo efetuado o seu pagamento, o empregador (devedor) fica constituído em mora, nos termos do art. 278/5 do CT, com a consequente obrigação de indemnizar o trabalhador (credor).
Tratando-se de obrigação pecuniária, o montante da indemnização corresponde aos juros de mora calculados à taxa legal (art. 806 do Código Civil).
Assim, havendo mora da insolvente quanto ao pagamento dos referidos salários, o Recorrente tem direito aos juros de mora reclamados, procedendo, nesta parte, o recurso.
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2).1. Vejamos agora a resposta à 2.ª questão.
Relembrando, está em causa o crédito indemnizatório reclamado com fundamento na resolução do contrato de trabalho celebrado entre o Recorrente e a insolvente.
A este propósito, impõe-se começar por dizer, em atenção ao momento em que cessou o contrato – independentemente da respetiva causa – que o contrato de trabalho não caduca ipso facto com a declaração de insolvência do empregador.
Explicando, diremos que o CIRE trata dos efeitos da declaração de insolvência nos negócios do insolvente que se encontrem em curso no Capítulo IV do Título IV.
Contém-se aí uma disposição – a do art. 113 – relativa ao contrato de trabalho. Esta, no entanto, apenas versa sobre o destino do contrato na perspetiva da insolvência do trabalhador, pelo que se entende que estão excluídos do seu âmbito de aplicação os efeitos sobre os contratos de trabalho quando ocorre a insolvência do empregador.
Para Pedro Romano Martinez (“Apontamentos sobre a cessação do contrato de trabalho à luz do Código de Trabalho”, Lisboa: AAFDL, 2004, pp. 51 e ss.), aos casos de insolvência do empregador, deve aplicar-se o art. 111 do CIRE, preceito onde se regulam os efeitos da declaração de insolvência nos contratos que impliquem a realização de uma prestação de serviço duradoura. De acordo com o autor, os contratos de trabalho não se extinguem por caducidade aquando da declaração de insolvência. Sem prejuízo, depois da declaração, os contratos podem ser denunciados pelo administrador da insolvência com um pré-aviso de sessenta dias (art. 108/1 ex vi art. 111/1), implicando esta denúncia antecipada o pagamento de uma compensação ao trabalhador calculada nos termos do art. 108/3 do CIRE.
Este entendimento é, todavia, rebatido pelos demais autores que se pronunciam sobre a questão.
Assim, Maria do Rosário Palma Ramalho (“Aspetos Laborais da Insolvência. Notas breves sobre as implicações laborais no regime do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas”, AAVV, Estudos em memória do Professor Doutor José Dias Marques, Coimbra: Almedina, 2007, pp. 695-696) exclui a aplicação do art. 111 com base num argumento literal, num argumento dogmático, num argumento teleológico e num argumento de natureza constitucional.
Do ponto de vista literal, o regime da insolvência distingue contrato de trabalho de contrato de prestação de serviço, referindo-se especificamente àquele nos arts. 113 e 277 do CIRE, o que evidencia que o legislador não o quis incluir na previsão da norma do art. 111, que ademais se refere a contratos de prestação duradoura de serviços realizados no interesse do insolvente, o que afasta o contrato de trabalho, na medida em que nele está sempre em causa (também) o interesse do trabalhador.
Do ponto de vista dogmático, o nosso sistema jurídico tem presente a distinção entre contrato de prestação de serviço e contrato de trabalho, delimitando-os legalmente (arts. 1152 e 1154 do Código Civil e art. 11 do CT). Não é, portanto, de admitir que o CIRE preveja a aplicação do mesmo regime a dois contratos tão distintos, afastando-se dessa orientação geral.
Do ponto de vista teleológico, da aplicação do art. 111 resultaria, para o administrador da insolvência, o direito potestativo de denunciar o contrato de trabalho nos sessenta dias após a declaração de insolvência, o que estaria em contradição com o dever de prover à continuação da exploração da empresa previsto no art. 55/1, b).
Do ponto de vista constitucional, ao conceder ao administrador da insolvência a liberdade de denunciar o contrato de trabalho, o legislador estaria a permitir que o princípio da proibição dos despedimentos sem justa causa, consagrado no art. 53 da CRP, fosse contornado, criando uma forma de cessação do contrato de trabalho tipificada na lei laboral.
No mesmo sentido da não aplicação do art. 111 aos contratos de trabalho, genericamente por entenderem que ele não se coaduna com o regime aplicável aos vínculos laborais, autores como Luís Carvalho Fernandes (“Efeitos da Declaração de Insolvência no Contrato de Trabalho segundo o Código da Insolvência e Recuperação de Empresas”, Coletânea de Estudos Sobre Insolvência, Lisboa: Quid Juris, 2009, pp. 215-246), Luís Carvalho Fernandes / João Labareda (Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, I, Lisboa: Quid Juris, 2005, p. 415) e Joana Vasconcelos (“Insolvência do Empregador e Contrato de Trabalho”, AAVV, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Manuel Henrique Mesquita, II, Coimbra: Coimbra Editora, 2009, pp. 1093-1094) sustentam que, em caso de insolvência do empregador, há lugar à aplicação, aos contratos de trabalho, do art. 277 que, sob a epígrafe de Relações laborais, dispõe que “[o]s efeitos da declaração de insolvência relativamente a contratos de trabalho e à relação laboral regem-se exclusivamente pela lei aplicável ao contrato de trabalho.”
Este entendimento no sentido da aplicação do art. 277 é criticado por Luís Menezes Leitão (Direito da Insolvência, 3.ª ed., Coimbra: Almedina, 2011, p. 204), para quem a norma em questão não contém “uma disposição remissiva de natureza substantiva”, mas uma mera norma de conflitos da qual não decorre qual o regime aplicável às relações laborais.
Ainda de acordo com este autor, é no CT que se encontra especificamente regulada a situação da insolvência do empregador e a recuperação da empresa.
De facto, salvaguardando os efeitos especiais que decorrem da administração judicial da empresa insolvente, o art. 347/1 do CT prevê a manutenção dos contratos de trabalho e a satisfação das obrigações a eles inerentes pelo administrador da insolvência, pelo que é o regime laboral que determina a não cessação dos contratos, exceto nos casos em que se verifica o encerramento definitivo do estabelecimento.
No mesmo sentido, Maria do Rosário Palma Ramalho (loc. cit., p. 607) escreve que estamos perante uma lacuna do CIRE, o que nos remete para o art. 347/1 do CT, norma que, ao prever que “[a] declaração judicial de insolvência do empregador não faz cessar o contrato de trabalho, devendo o administrador da insolvência continuar a satisfazer integralmente as obrigações para com os trabalhadores enquanto o estabelecimento não for definitivamente encerrado”, consagra um princípio da intangibilidade dos contratos, cujo fundamento encontra arrimo na possibilidade de recuperação da empresa admitida pelo legislador. A mesma autora explica, num outro texto (“Os trabalhadores no processo de insolvência”, AAVV, III Congresso de Direito da Insolvência, Coimbra: Almedina, 2015, pp. 383-412), que o conceito de estabelecimento deve ser equiparado, no contexto do direito da insolvência, ao de empresa.
Desta breve síntese, resulta evidente que a doutrina admite, ainda que com diferentes fundamentos, que a declaração de insolvência da entidade patronal não importa a extinção imediata do vínculo laboral. Como resume Joana Costeira (Os Efeitos da Declaração Judicial de Insolvência no Contrato de Trabalho – A Tutela dos Créditos Laborais, Coimbra: Almedina, 2021, p. 44), o destino do contrato de trabalho “ficará sujeito às vicissitudes da empresa, dependendo das opções que vierem a ser tomadas no âmbito do processo de insolvência.”
Compreende-se que assim seja: o processo de insolvência, não obstante ter uma finalidade essencialmente liquidatória, admite a manutenção e a recuperação da empresa, o que pressupõe que não existam soluções de continuidade na execução das prestações laborais. Deste modo, é de excluir a eficácia extintiva automática da declaração da insolvência (Luís Carvalho Fernandes, loc. cit., p. 230), reservando ao administrador da insolvência o dever de continuar a cumprir integralmente as obrigações para com os trabalhadores até ao encerramento definitivo da empresa (art. 347/1, parte final, do CT), o que resulta do disposto no art. 81/1 e 4, onde lhe é atribuída a responsabilidade pela administração da massa insolvente e a representação do devedor para todos os efeitos de carácter patrimonial que interessam à insolvência. Isto sem prejuízo, claro está, da possibilidade de o administrador da insolvência, ainda antes do encerramento definitivo do estabelecimento, pode fazer cessar os contratos de trabalho dos trabalhadores cuja colaboração não seja indispensável à manutenção do funcionamento da empresa (art. 347/2 do CT).
Como decorrência lógica do que antecede, temos que apenas o encerramento definitivo da empresa constitui causa de cessação dos contratos de trabalho celebrados pelo insolvente na qualidade de empregador. Em rigor, opera a figura da caducidade, resultado de uma impossibilidade superveniente de o empregador receber a prestação de trabalho, mas também de o trabalhador a prestar (art. 343, b), do CT), posto que a empresa deixa de existir, o que é confirmado pelo art. 346/2 do CT.
Dizendo de outra forma, o encerramento definitivo da empresa determina, ipso facto, a cessação das relações laborais, havendo apenas que observar o procedimento previsto para o despedimento coletivo, nos termos do art. 347/3 do CT, salvo se estiver em causa uma microempresa. Não sendo cumprido tal procedimento, embora com as adaptações necessárias à situação concreta, estaremos perante um despedimento ilícito, conforme foi entendido em RP 1.02.2010 (1/08.0TJVNF-AY.S1.P1), relatado por Soares de Oliveira.
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2).2. Isto dito, a administradora da insolvência reconheceu, na lista de créditos, os salários devidos ao Recorrente até setembro de 2023, inclusive, data em que este pôs termo ao contrato de trabalho, através da declaração transcrita no ponto 14. da fundamentação de facto (factos provados). Reconheceu também os créditos relativos ao subsídio de alimentação e aos proporcionais dos subsídios de férias e de Natal correspondentes ao tempo de serviço prestado até àquela data.
Tendo improcedido a tese da Recorrida no sentido de que tal contrato cessou em julho de 2013 – o que levou à improcedência da impugnação quanto àqueles créditos, com o consequente reconhecimento dos mesmos –, podemos assentar que o contrato de trabalho em questão se manteve em vigor até ao final do mês de setembro de 2023.
A questão que se coloca é, portanto, saber qual foi a causa de cessação de tal contrato: resolução pelo trabalhador com fundamento em justa causa, como sustenta o Recorrente, ou denúncia (ad nutum) pelo trabalhador, como foi entendido pela administradora da insolvência, tese que vingou na sentença recorrida?
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2).2.1. A figura da resolução e a figura da denúncia, enquanto modalidades de cessação do contrato de trabalho pelo trabalhador, não se confundem, apesar de no regime anterior ao Código do Trabalho terem estado unificadas numa única conceitualização: rescisão. De facto, a resolução era então denominada rescisão com justa causa e a denúncia rescisão com aviso prévio (cf. Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho, II – Situações Laborais Individuais, 6.ª ed., , Coimbra: Almedina, p. 929).   
Estas duas modalidades, irrenunciáveis pelo trabalhador (cf. Júlio Gomes, Direito do Trabalho, I, Relações Individuais de Trabalho, Coimbra: Coimbra Editora, 2007, p. 1066), têm em comum o facto de provirem da iniciativa do trabalhador e de serem independentes do assentimento do empregador, que a elas não se pode opor. Para as distinguir importa considerar um elemento essencial, presente na resolução e ausente na denúncia.
Assim, para que opere a resolução do contrato por iniciativa do trabalhador é necessária a existência de uma justa causa de resolução, através da qual o trabalhador adquire o direito, potestativo e facultativo, de resolver o contrato imediatamente, existindo, portanto, um motivo que justifica a cessação do contrato de trabalho.
Já na denúncia o trabalhador não necessita de invocar qualquer justa causa ou sequer qualquer motivo ou razão sendo, por isso, de exercício livre.
Tendo isto presente, a resposta à questão enunciada tem de ser encontrada na referida declaração emitida pelo Recorrente, o que pressupõe a sua exegese à luz dos cânones dos arts. 236 e 238 do Código Civil
De acordo com o art. 236/1, “a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele”, de um lado e, de outro (art. 236/2), “sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante é de acordo com ela que vale a declaração emitida.” O sentido da declaração negocial é aquele que seria apreendido por um declaratário normal, ou seja, medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declarante. A normalidade do declaratário, que a lei toma como padrão, exprime-se não só na capacidade para entender o texto ou conteúdo da declaração, mas também na diligência para recolher todos os elementos que, coadjuvando a declaração, auxiliem a descoberta da vontade real do declarante.
Como se pode ler em RG 6.03.2025 (2389/23.4T8VRL.G1), do presente Relator, a interpretação da declaração negocial deve procurar uma conciliação dos interesses do declarante e do declaratário dentro do sistema legislativo respeitante ao negócio jurídico. É evidente que o declarante tem interesse em ver relevar apenas a sua vontade, ao contrário do declaratário que pretende poder confiar naquilo que ele próprio entendeu. Mas a vontade é um elemento interno, puramente do foro psicológico e, como tal, insuscetível de conhecimento. Passível de conhecimento é unicamente a manifestação externa, a qual permite retirar as conclusões quanto à vontade real, subjacente como elemento psicológico. Consequentemente, objeto da interpretação é a manifestação da vontade, o elemento externo, a própria declaração negocial. O fim da interpretação é o sentido da mesma. O sentido a que se refere o n.º 1 do art. 236 é o sentido pretendido pelo declarante.
Deste modo, a interpretação deve partir de elementos objetivos para obter, através deles, na medida do possível, o elemento subjetivo. O declaratário padronizado encontra-se em função das circunstâncias concretas que envolverem a proposta negocial e dos traços tipo lógicos que o aceitante apresenta: competência linguística, profissão e localização de atividade, nível cultural, conhecimentos técnicos relacionados com o contrato, etc.. Decisiva é a vontade do declarante, se ao declaratário for possível conhecê-la. Quando o declarante não pode contar razoavelmente com o sentido deduzido pelo declaratário normal do seu comportamento, o risco linguístico ou o risco do entendimento é imputado ao declaratário (art. 236/1, 2.ª parte).
A declaração de aceitação vale como aceitação da proposta com esse sentido. O consenso corresponde à intenção do proponente que, por hipótese, o aceitante conhece; o contrato é, portanto, interpretado de harmonia com a real intenção do proponente, que o aceitante efetivamente compreendeu. Essa falsa demonstratio pode resultar de ignorância (as partes recorrem a termos não adequados por não saberem melhor), de negligência (as partes recorrem a uma linguagem descuidada), de o declaratário ter tido notícia de qualquer circunstância decisiva que não era obrigado a conhecer, ou até da própria vontade real do declarante, de equívoco do declaratário, numa perspetiva objetiva, quanto à interpretação da declaração, chegando, porém, ao resultado desejado pelo seu autor.
A interpretação do negócio jurídico repercute-se na determinação lato sensu da factispecie contratual, que compreende a sua qualificação jurídica e a consequente construção do material de facto de que o intérprete deve retirar os intentos prosseguidos pelas partes. A declaração não se encontra apenas vertida nas palavras adotadas, mas em tudo o que carreia a expressão da vontade. Trata-se, pois, de determinar o valor da declaração, o sentido relevante para o ordenamento jurídico da manifestação de vontade contratual. O intérprete deve indagar, através da declaração, a vontade real das partes contraentes, sendo as diversas cláusulas entendidas umas mediante as outras, e atribuindo a cada uma delas o sentido que resulta do contexto global, precisamente porque se trata de um pensamento unitário.
Nesta medida, o intérprete deve determinar o alcance global do ato negocial praticado, considerado na sua unidade. Apresentando-se a iniciativa negocial como que funcionalizada à obtenção de uma determinada modificação da esfera económica (e, evidentemente, também da jurídica) daqueles que a empreendem, deve presumir-se que todos os componentes do regulamento negocial se encontram numa relação de coerência com o resultado pretendido e podem ser reconstruídos no seu alcance à luz daquele resultado.
Quanto aos negócios formais, em princípio, a declaração negociar não pode valer com um sentido que não tenha um mínimo de ressonância no texto do documento respetivo (art. 238/1). Contudo, um sentido desprovido desta correspondência sempre pode valer se se revelar conforme à vontade real das partes do negócio e as razões determinantes da forma se não opuserem a essa validade (art. 238/2).  Uma análise rigorosa impõe que se continuem a observar as regras do art. 236, ainda que adaptadas à unicidade textual e frequentemente circunscritas pelos limites do art. 238. A dupla tarefa da interpretação de cada uma das declarações em separado pode ser simplificada, porque não há necessidade de proceder ao controlo de imputabilidade ao declarante. Na verdade, à coincidência entre declaratário de uma das declarações e declarante da outra, que é comum a todos os contratos com duas partes, junta-se a coincidência do texto em que se baseia a interpretação. Se o resultado da interpretação das declarações conjuntas for idêntico, em função da compreensão pelo declaratário, assegurado está que esse sentido é comum e imputável às mesmas pessoas, agora vistas como declarantes.
A tarefa não se esgota na interpretação da declaração. Inclui um segundo momento lógico para a verificação do consenso, resultado de um processo hermenêutico que consiste na comparação entre os sentidos juridicamente relevantes de cada uma das declarações contratuais e na averiguação acerca da sua concordância. Além disso, em conformidade com a lei (art. 236, na alusão ao comportamento do declarante), o teor da declaração, a fórmula escrita de que o declarante se serviu para exprimir o seu pensamento, deve ser integrada pelo conjunto das circunstâncias de facto, quer anteriores à emissão da declaração de vontade, quer concomitantes dela, que sejam de molde a fazer luz sobre as verdadeiras intenções do autor. De facto, interpretar implica também esclarecer o sentido dos sinais utilizados através do recurso a critérios de significado linguístico. Permite-se um recurso amplo ao material interpretativo e às circunstâncias. Por conseguinte, admite-se levar em linha de conta elementos extrínsecos tais como o comportamento das partes, anterior, contemporâneo ou posterior à conclusão do contrato.
Lançando mão destas regras, temos, desde logo, que o Recorrente afirmou, de forma expressa, a sua vontade de denunciar o contrato e invocou, como arrimo legal, a norma do n.º 1 do art. 400 do Código do Trabalho, onde se confere ao trabalhador o direito potestativo de “denunciar o contrato independentemente de justa causa, mediante comunicação ao empregador, por escrito, com a antecedência mínima de 30 ou 60 dias, conforme tenha, respetivamente, até dois anos ou mais de dois anos de antiguidade.”
Este segmento da declaração aponta, portanto, de forma inequívoca, no sentido da interpretação que a administradora da insolvência fez.
A declaração, porém, tem outros dois segmentos relevantes: um primeiro em que o Recorrente invocou, como causa da denúncia, a “falta de pagamento das competentes retribuições, (…) desde julho de 2013”; um segundo, em que reclamou os seus créditos vencidos até à data da “rescisão” (sic), “sem prescindir da indemnização a calcular nos termos do artigo 396 do CT.”
Há um evidente nexo entre estes dois segmentos: a reclamação da indemnização funda-se no incumprimento do dever de pagamento das retribuições, que é também apresentado como a causa da denúncia. Ademais, o preceito legal que é invocado para sustentar essa reclamação – o art. 396 do CT – é aquele que confere ao trabalhador o direito a uma indemnização com fundamento numa das causas de resolução do contrato de trabalho enunciadas no n.º 2 do art. 394, entre as quais se inclui (alínea a)) a falta culposa de pagamento pontual da retribuição.
Perante isto, apresenta-se-nos como inequívoco, a um tempo, que o termo denúncia não foi utilizado pelo Recorrente com o seu sentido técnico preciso, mas como significado de uma extinção do contrato de trabalho por vontade do trabalhador com fundamento numa causa – a adrede invocada – que tornava inexigível a sua subsistência, e, a outro, que tal leitura estava ao alcance de qualquer destinatário.
Isto leva-nos a divergir do resultado da tarefa interpretativa levada a cabo na sentença recorrida e, assim, afirmar que o Recorrente não pôs termo ao contrato de trabalho por denúncia, mas por resolução fundada no incumprimento por parte da empregadora.
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3).1. Fica, assim, aberta a porta para o conhecimento da 3.ª questão: o exercício do direito de resolução do contrato de trabalho pelo Recorrente, dez anos depois do início do incumprimento da contraparte que lhe serve de fundamento, contraria de forma manifesta “os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”, devendo, assim, ser paralisado à luz da norma (art. 334 do Código Civil) que proíbe o abuso do direito?
Diz o art. 334 que “[é] ilegítimo o exercício de um direito, quando o seu titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.”
Na doutrina discute-se a natureza do instituto.
Para uns, o abuso traduz a violação do fundamento axiológico-normativo ou substrato material do próprio direito, o que tem subjacente a aceitação de que o direito subjetivo apresenta, ao lado da sua estrutura formal, uma estrutura axiológica e material. É o caso de Castanheira Neves (Questão de Facto – Questão de Direito ou o Problema Metodológico da Juridicidade: Ensaio de uma Reposição Crítica, I, Coimbra: Almedina, 1967, pp. 524-525 e 528), para quem “o abuso do direito apenas pode ter sentido (e foi determinado) pelo reconhecimento de princípios e exigências axiológico-jurídicas que vigoram acima e independentemente da lei – do seu conteúdo formal.”
Para outros, o abuso do direito constitui uma limitação externa ao exercício do direito, o que tem subjacente uma conceção formal do direito subjetivo (assim, António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, V, 3.ª ed., reimpressão, Coimbra: Almedina, 2018, pp. 410 e ss.).
A distinção entre limites intrínsecos (ou internos) e limites extrínsecos (ou externos) ao exercício dos direitos – o que permite afirmar que não existem “direitos absolutos” (Luís Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, II, Fontes, Conteúdo e Garantia da Relação Jurídica, 5.ª ed., Lisboa: UCE, 2010, p. 613) – é conhecida da doutrina portuguesa. Os primeiros “são os que resultam da extensão do seu objeto ou do seu conteúdo”, enquanto os segundos podem ser enquadrados em três subespécies: a) a não colisão com direito a que devem ceder; b) o respeito por ordens normativas e valores primariamente não jurídicos, mas recebidos pelo Direito; c) a adequação ao fim para o qual o direito foi concebido.
Como quer que seja, independentemente da conceção teórica, podemos assentar que a construção do abuso do direito desempenha uma função específica: a de permitir soluções materialmente adequadas ao caso concreto. Compreende-se, portanto, que a jurisprudência o caracterize como “uma válvula de salvaguarda de índole subsidiária.” Neste sentido, RP 27.06.2018 (8/17.7T8GDM.P1), Joaquim Correia Gomes, onde, depois de se expor a origem histórica do instituto, concluindo-se que “o legislador nacional optou por uma formulação objetiva do abuso de direito (comportamento manifestamente indevido), afastando-se de uma formulação subjetiva (intencionalidade), com base nos limites internos (exercício) dos direitos, assente na boa fé (a), nos bons costumes (b) ou então nas finalidades do direito em causa (c), os quais têm uma função limitadora ou moderadora no exercício de direitos”, se escreve que “[a] ilegitimidade ou inadmissibilidade do exercício de direitos assentam essencialmente em razões de justiça, mais precisamente da prevalência da justiça substantiva, decorrente, no nosso ordenamento jurídico, da ideia republicana de uma sociedade justa (1.º Const.), do direito à igualdade, na sua dimensão substantiva, enquanto princípio e direito fundamental subjetivo (13.º C. Rep.), bem como da atribuição aos tribunais da função jurisdicional de administrar a justiça – e não a injustiça – em nome do povo, enquanto diretiva constitucional (202.º n.º 1 C. Rep.). Tudo isto aponta para que os tribunais se esforcem no sentido de dar prevalência à justiça material e em concreto, em detrimento de uma aparência de justiça, que seria em abstrato e meramente formal. Assim e à partida, o que o disposto no mencionado artigo 334.º pretende, desde logo, transmitir é que, por razões de justiça substantiva, nenhum direito elencado no Código Civil tem um carácter absoluto, sendo antes relativo – tal sucede igualmente e de modo paradigmático no âmbito do direito de propriedade, porquanto o seu gozo pleno e exclusivo, na conhecida expressão de ius utendi, fruendi e abutendi, tem desde logo os seus limites na lei e nas demais restrições (1305.º, n.º 1, I parte C. C.). Deste modo, ao reconhecimento abstrato de um direito, deve corresponder a sua concretização lícita, gerando uma equivalência de equidade entre o direito e o seu dever, que na prática será entre o justo e o útil que cada uma dessas dimensões implica.”
Seguindo de perto a fundamentação do aresto citado, diremos que em causa estará sempre o exercício abusivo de um direito subjetivo, seja de origem legal, seja de origem contratual (405 do Código Civil), impondo um dever a terceiros, seja de prestação, abstenção ou qualquer outro, tendo uma natureza privada. Deste modo, “direito subjetivo privado será todo aquele que, com fundamento na lei ou num contrato e no âmbito das relações intersubjetivas, confere uma posição pessoal de vantagem jurídica em relação a terceiros, com uma diversidade de funcionalidades relevantes para o seu titular.” Há, porém, que ressalvar que se estiver em causa um direito de natureza pessoal que encontre arrimo substantivo nos direitos fundamentais nucleares (Direitos, liberdades e garantias pessoais), o seu conteúdo essencial não está sujeito a qualquer ilegitimidade de exercício, atenta a sua força jurídica (18/3 da CRP).
Por sua vez, a exigência legal de que se “exceda manifestamente os limites impostos” a um direito subjetivo privado, significa que esse abuso seja evidente ou inequívoco, o que evidencia que o abuso do direito é um instituto de carácter extraordinário, funcionando, como escrevemos, como uma “válvula de segurança” que não visa extinguir direitos, antes impondo o seu exercício moderado, sendo variáveis as suas consequências jurídicas (STJ 25.11.1999, Duarte Soares, CJSTJ, t. 3, pp. 124 e ss). Trata-se, por isso, como também se escreve no aresto da RP que vimos seguindo, de “um instrumento de correção com uma vocação subsidiária e fragmentária, que só deve ser utilizado como uma ultima ratio e para situações de flagrante abuso”, de tal modo que “a sua utilização frugal e corrente, redundaria num indesejável “abuso do abuso do direito.”
No entanto, atenta a referida formulação objetiva, não é necessário que o titular do direito exercido tenha a consciência desse excesso e do seu abuso, muito embora se possa aferir a intencionalidade da sua atuação. Com efeito, se é certo que o instituto surgiu associado a situações de malícia, não é menos que atualmente se aceita a presença de atos abusivos independentemente das boas ou más intenções do respetivo agente. Na doutrina, Elsa Vaz de Sequeira, “Art. 334.º”, AAVV, José Carlos Brandão Proença et al (coord.), Comentário ao Código Civil. Parte Geral, 2.ª ed., Lisboa: UCE, 2023, p. 962. Na jurisprudência, STJ 10.10.2017 (1468/11.5TBALQ-B.L1.S1), Rosa Tching, RP 16.06.2014 (6260/11.4BBMAI.P1), Manuel Domingos Fernandes, e RG 1.02.2018 (1646/16.0T8VCT.G1), António Barroca Penha. Assim, o que releva é o resultado da conduta à luz dos valores e princípios vigentes. A intenção do agente apenas importa para efeitos de responsabilidade civil.
O citado art. 334 do Código Civil indica três fontes heterogéneas de “ilegitimidade” do exercício de um direito: a) a boa fé, b) os bons costumes; c) e o fim social e económico do direito.
O Código Civil não apresenta uma noção legal de boa fé, a romanista bona fides, muita embora faça inúmeras referências à mesma. Umas vezes enuncia a boa fé como um padrão de conduta, revelando normas objetivas de comportamento, que tem expressão, por exemplo na culpa na formação dos contratos (art. 227), na integração das declarações contratuais (art. 239), pendência e verificação de condição (arts. 272 e 275/2), alteração superveniente das circunstâncias (art. 437/1) ou no cumprimento das obrigações (art. 762/2). Outras vezes, as suas normas revelam o estado mental de uma pessoa individualmente considerada, designadamente quando esta não pretende ou desconhece, sem culpa, prejudicar outrem, como sucede geralmente nos casos de proteção de terceiros de boa fé (a título de exemplo, arts. 179, 184/ 2, 243/1 e 2, 291/1 e 2).
No projeto de quadro comum de referência no âmbito do Direito Privado Europeu, a boa fé é associada a uma negociação justa, sendo definida como “um standard de conduta caracterizado pela honestidade, a franqueza e tomando em consideração os interesses da outra parte no negócio ou relacionamento em questão” (Principles, Definitions and Models Rules of European Private Law, Draft Commin Frame of Reference (DCFR), 2009, Livro I, 1:103 (1), p. 178).
Nesta sua formulação objetiva, a boa fé expressa regras de conduta, as quais se desdobram em lealdade, fidelidade, confiança, cooperação e informação, sendo um princípio do tráfico jurídico, enquanto mandato de otimização, mormente na formação, realização e conclusão contratual.
Já na sua formulação subjetiva, a boa fé consiste num estado de acreditar ou numa convicção pessoal, em se ter agido com probidade, honestidade e integridade.
Não suscita dúvida de que a formulação da boa fé relevante no quadro do abuso do direito é a primeira. Trata-se, na verdade, de um princípio de tráfico jurídico, o que redunda num padrão aberto de comportamentos de franqueza e de confiabilidade, impondo específicas regras de conduta (lealdade, fidelidade, confiança, cooperação e informação).
Os bons costumes, com a sua origem romana na boni mores, têm uma consagração legal dispersa, pois para além do abuso de direito, encontram-se contemplados nas normas reguladoras das condições ilícitas dos negócios (art. 271), nos requisitos e nos fins do negócio jurídico (arts. 280/ 2 e 281), nestes a par da ordem pública e da lei, no consentimento do lesado (art. 340/2), nos deveres do gestor (art. 465, a)), nas condições ou encargos das doações (art. 967), como fundamento de resolução do contrato de arrendamento (art. 1083/2, a)), novamente conjuntamente com a lei e a ordem pública, na afetação da fração nas relações de condomínio, decorrente de propriedade horizontal (1422/2, b)) e no domínio do direito sucessório, mais precisamente em relação ao testamento (arts. 2186, 2230/2 e 2245), associado mais uma vez à lei e à ordem pública.
Isto significa, que os bons costumes não se identificam com a lei, nem com a ordem pública – por lei entendemos os atos legislativos (art. 112 da CRP) e por ordem pública uma emanação do ius publicum, sendo os valores e os princípios fundamentais do ordenamento jurídico, logo referenciados na Constituição, tanto a nível interno, como a nível internacional, mas aqui mediante o seu reconhecimento doméstico (art. 8.º da CRP), desdobrando-se depois num plano infraconstitucional.
Apesar de os bons costumes não serem lei, têm uma validade jurídica, sob pena de insuflarmos o Direito com visões moralistas de comportamentos ou preferências (v. g. orientação sexuais ou religiosas, eugenismo, etc.) – a moral (substantivo) e o moralismo (adjetivo) são conceitos bastantes distintos. E essa validade decorre essencialmente da Constituição, a nível interno, e da plataforma dos direitos humanos, a nível internacional, pelo que os bons costumes contemporâneos são aqueles valores ou princípios, com carácter moral e validade jurídica, reconhecidos ou assumidos pela comunidade, estabelecendo um mínimo de exigências éticas de conduta ou convivência, no âmbito de uma sociedade decente, respeitando a laicidade, a pluralidade, a diversidade e a multiculturalidade.
Quanto ao fim social ou económico do direito, haverá abuso quando ocorra uma violação da intenção normativa que constitui o substrato axiológico do direito subjetivo. Como se pode ler no citado RP 27.06.2018, “há que considerar que as normas de Direito Civil estão dirigidas para as relações intersubjetivas, para além de enunciarem valores, enquanto bens finais de orientação axiológica, que atualmente estão constitucionalmente insuflados, consagram também mandatos de convivência, estabelecendo princípios (mandatos de otimização) e regras (mandatos definitivos). O instituto do abuso do direito – o qual está sistematicamente inserido na sua parte geral, com um nítido efeito irradiador para toda as outras partes específicas –, mormente quando manda atender à finalidade do fim económico e social do respetivo direito subjetivo, o que nos transmite é que o “espírito do povo” expresso na lei, optou por uma compreensão comunitária e não individualista dos direitos civis. Isto significa, que o exercício de um direito subjetivo privado para além de ter uma sustentabilidade individual – e não individualista –, tem essencialmente uma coordenada vincadamente comunitária, acautelando os já enunciados propósitos de equidade. Assim, só tem sentido o exercício de um direito subjetivo privado se o mesmo, no âmbito das relações intersubjetivas, representar uma vantagem económica ou social individual, assegurando, ao mesmo tempo, a equidade da convivência comunitária. E essa razão de ser vai para além do reconhecimento formal e abstrato desse direito subjetivo privado, devendo traduzir a nível substantivo e em concreto um proveito económico ou social, bem como a equidade no âmbito das relações privadas.”
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3).2. O que antecede habilita-nos a concluir que o abuso do direito, nas suas diversas vertentes, não é mais que “uma inaceitável conduta ético-jurídica, que numa perspetiva empírica e para uma orientação da sua aplicação, tem sido enquadrado numa lista de situações, umas ligadas à probidade (a), outras à confiança (b), podendo ser acrescentado uma outra para justeza dos procedimentos (c).
Em relação à tutela da probidade encontramos (a): (i) a exceptio dolo generalis, enquanto atuação intencional contra a boa fé, de modo a obter-se vantagens para uma parte, mas à custa de uma situação desvantajosa para a outra parte; (ii) a aemulatio, correspondendo ao exercício de um direito com a finalidade exclusiva de prejudicar, conduzindo à proibição da chicana jurídica; (iii) o tu quoque, enquanto a aquisição de um direito mediante um ato contra legem, exercendo-o posteriormente, sendo essencialmente uma atuação contra a boa fé; (iv) o dolo agit qui petit quod statim redditurus est, que ocorre nas situações em que se age com dolo para exigir aquilo que logo depois deve restituir-se.
No que respeita à tutela da confiança destacam-se(b): (v) o venire contra factum proprium, mediante comportamentos contraditórios da mesma pessoa, muito embora sejam ambos lícitos; (vi) a suppressio (supressão), correspondendo a um estado de facto duradouro em não exercer certo direito, por parte do seu titular, como que suprimindo-o, confiando os demais que tal se mantenha ao longo dos tempos, viabilizando uma situação de surrectio (surgimento) de um novo direito; (v) as inalegabilidades formais, situações em que uma parte faz crer à outra que o contrato é formalmente válido, quando não o é, criando um estado de confiança na aceitação dessa situação e na intocabilidade dessa invalidade.
Acrescenta-se a (vii) inciviliter agere, ou seja, a ação judicial claramente iníqua e desconsiderada, para a tutela de um processo justo, na sua valência negativa de proibir o uso perverso do processo ainda que este propósito seja apenas unilateral, pois quando for bilateral, haverá o mecanismo específico do uso anormal do processo (art. 612.º NCPC).
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3).3. Como se constata, a aplicação do abuso do direito, necessariamente casuística, está sustentada numa cláusula geral integrada por três conceitos indeterminados, o que a torna especialmente melindrosa. É isto, de resto, o que explica o recurso à referida “lista de situações.”
A jurisprudência tem ainda definidos critérios destinados a orientar a praticabilidade do abuso de direito, sabendo tratar-se de uma norma residual e não de uma norma regra.
No citado RP 27.06.2018 considera-se que “a sua construção jurídica para as situações onde se exceda manifestamente os limites impostos, passa por um teste de proporcionalidade, conferindo alguma sustentabilidade à sua concretização.”
Em apoio, sustenta-se que a proporcionalidade tem reconhecimento constitucional na limitação dos direitos fundamentais (art. 18/2 da CRP), podendo ser estendida, por maioria de razão e para preservar a unidade e harmonia do sistema jurídico (art. 9.º do Código Civil), aos direitos subjetivos privados.” E acrescenta-se que este teste de proporcionalidade é igualmente sugerido pelo Código Civil, sendo exemplos normativos a exclusão da reconstituição natural, quando esta for “excessivamente onerosa para o devedor” (art. 566/1, parte final), a exclusão da resolução por impossibilidade parcial contratual, quando a mesma “tiver escassa importância” (art. 802/2), assim como na regulamentação da obrigação de prestação de facto negativo, afastando a eventual demolição a cargo do devedor, quando a mesma “for consideravelmente superior ao prejuízo sofrido pelo credor (art. 829/2).
O teste de proporcionalidade pode ser densificado com alguns subcritérios, como sejam a necessidade (i), a adequação (ii), a justa medida (iii) e o interesse legítimo (iv), de modo a “limitar ou moderar o exercício abusivo de um direito, aferindo, em concreto, as vantagens desse direito, com a correspondente carga desvantajosa de um dever.”
Como se adverte no aresto, “[e]sta mensurabilidade deve atender a todo o circunstancialismo que está em causa e não cindir os seus acontecimentos.
Deste modo, será censurável o exercício de um direito, que contrariando um dos seus critérios específicos (boa fé, bons costumes, finalidade económica ou social), revele, em concreto e atendendo à globalidade das circunstâncias, ser injustificadamente desproporcional o benefício decorrente desse direito em relação à desvantagem causada pelo correspondente dever para a contraparte, não surgindo aquele ou este como necessários, adequados, na justa medida e para assegurar interesses legítimos.”
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3).4. À luz das considerações precedentes sobre o instituto do abuso do direito, Júlio Gomes (Direito do Trabalho cit., p. 1049) entende ser abusiva a resolução do contrato de trabalho por um trabalhador baseada num atraso breve e esporádico no pagamento da retribuição quando tal não lhe causou qualquer prejuízo, ou causou um prejuízo irrelevante, e a resolução imediata é suscetível de provocar um prejuízo sério ao empregador. No mesmo sentido, Pedro Furtado Martins, Cessação do Contrato, (Cessação do Contrato de Trabalho, 4.ª ed., Cascais: Princípia, 2017 p. 537), refere que não basta o mero atraso no pagamento de qualquer contribuição retributiva para concluir pela existência de justa causa.
A doutrina coloca também a questão de saber se o trabalhador tem de avisar o empregador do incumprimento antes de proceder à resolução do contrato, havendo um exercício abusivo de tal direito quando esse aviso seja omitido, questão que assume especial importância nos casos, como o presente, em que o incumprimento se verificou durante anos e o trabalhador se manteve passivo, continuando, não obstante, a prestar o seu trabalho.
Em STJ 20.02.1991 (BMJ, 404, 1991, pp. 309-315), Pedro de Sousa Macedo, considerou-se que “[p]erante um incipiente incumprimento da prestação devida pela entidade patronal, podendo admitir-se a sua boa fé, o trabalhador deve, antes de rescindir o contrato de trabalho com invocação de justa causa, avisar a entidade patronal de que esta a cumprir mal as prestações a que se obrigara, concedendo-lhe a oportunidade de corrigir um comportamento menos esclarecido.” Em sentido diverso, poderá dizer-se que o empregador inadimplente sabe a situação em que se encontra, o que torna o aviso desnecessário e, bem assim, que o silêncio do trabalhador tal pode ser interpretado como a aceitação do incumprimento, mas apenas como uma mera tolerância (Júlio Gomes, Direito do Trabalho cit., p. 1052). Em alguns casos, poderá mesmo existir um temor reverencial do trabalhador face à entidade patronal (cf. Guilherme Figueiredo / Ricardo Nascimento, “Resolução do contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador”, Prontuário do Direito do Trabalho, CEJ, 2009, n.º 84, p. 196). Assim, apenas será de convocar o instituto do abuso do direito, designadamente na modalidade do venire contra factum proprium, quando, perante o concreto circunstancialismo do caso, se conclua que a era legítimo que o empregador não contasse com a resolução (cf. Júlio Gomes, idem).
Em RP 7.05.2012 (470/10.9TTVNF.P1), Paula Leal de Carvalho, perante a situação de uma trabalhadora que resolveu o contrato de trabalho com fundamento no pagamento, durante nove anos, de uma retribuição inferior à que lhe era devida pelas funções exercidas, entendeu-se que “o contrato de trabalho reveste-se de características especiais, em que a subordinação jurídica e a consequente maior fragilidade do trabalhador face à sua dependência perante o empregador, bem como a necessidade de garantir o emprego, o levam, não raras vezes e contra sua vontade, a tolerar a violação, por parte do empregador, dos seus direitos e/ou garantias laborais, especificidade esta que, aliás e aliada ao interesse da pacificação laboral no decurso da relação, estão bem presentes na razão de ser do regime especial de prescrição dos direitos de natureza laboral, em que a sua contagem tem início, apenas, após a cessação do contrato de trabalho. A mera tolerância do trabalhador perante determinados comportamentos do empregador não significa a sua aceitação, capacidade de tolerância essa que, perante a persistência do comportamento infrator, vai também diminuindo. Por outro lado, mantendo-se ao longo do tempo tal comportamento infrator e persistindo ele à data da resolução do contrato de trabalho, não é também legítima, nem tutelável, a expectativa do empregador de que o trabalhador a ele não reaja.”
Já em RL 25.01.2012 (428/09.0TTLSB.L1-4), Maria João Romba, considerou-se abusiva, “por exceder manifestamente os limites impostos pela boa fé”, a invocação da falta de pagamento de férias, subsídio de férias e de Natal para resolver o contrato, “ao fim de vários anos de execução do mesmo – em cujo âmbito nunca essas prestações haviam sido prestadas – sem que se mostre que alguma vez tivessem sido reclamadas tais prestações ou que tivesse sido suscitada entre as partes discussão sobre a natureza do contrato, ainda que, a posteriori, venha a ser judicialmente reconhecida a natureza laboral deste.”
Estas espécies jurisprudências, cada uma delas com as suas particularidades, evidenciam bem a importância de se atender às circunstâncias em que foi exercido o direito de resolução. Repare-se que em ambas estava em causa um incumprimento meramente parcial da obrigação do empregador. Na segunda, o fator relevante para a decisão foi a imprevisibilidade para a entidade patronal, num caso em que as partes discutiam a qualificação do contrato e em a entidade patronal nunca tinha pago as retribuições em causa por entender não estar a tal obrigada.
De acrescentar, que o abuso do direito de resolução do contrato de trabalho não deve ser equiparado à pura falta do direito, com a consequente manutenção do vínculo. A sua consequência será antes a constituição do trabalhador na obrigação de indemnizar o empregador pelos danos sofridos. Esta indemnização deve ser idêntica à que lhe caberia nas situações de inexistência de justa causa ou de falta de aviso prévio na denúncia, devendo, ainda, ser afastado o recebimento da indemnização a que o trabalhador teria direito pela invocação da justa causa, bem como de outras prestações de cariz compensatório que se fundem nessa situação (Pedro Furtado Martins, Cessação do Contrato de Trabalho cit., pp. 524-525).
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3).5. O caso dos autos apresenta as suas próprias particularidades.
A começar pelo longo hiato temporal (dez anos) que o Recorrente permaneceu inerte perante o não pagamento in totum da retribuição que lhe era devida, o que não deixa de causar estranheza, que ainda mais se adensa quando constatamos que o Recorrente chegou mesmo a intentar, ao fim de oito anos, uma ação contra a empregadora em que reclamou o pagamento das retribuições vencidas e não pagas, sem fazer qualquer alusão à possibilidade de resolver o contrato com fundamento numa mais que evidente justa causa.
A terminar no facto de a declaração de resolução ter sido emitida no dia 25 de setembro de 2023, escassos dias depois de proferida a sentença em que foi declarada a insolvência da empregadora e de a administradora da insolvência, que foi sua destinatária (declaratária), ter iniciado funções.
Se acrescentarmos que o pedido de insolvência foi formulado pelo próprio Recorrente e que este afirmou, em suporte, que manteve a prestação do seu trabalho ao longo de dez anos, não obstante o incumprimento em que se encontrava a empregadora (cujos representantes tinham mesmo ao abandono a atividade societária), por o mesmo ser essencial à preservação do património desta e, designadamente, à manutenção da zona de caça que lhe estava concessionada, temos necessariamente de concluir que a declaração de resolução do contrato surgiu quando não era expectável. Dito de outra forma, o direito correspondente, que permaneceu latente por um período de dez anos, foi exercido de forma inopinada. À nova representante da empregadora não foi dada a possibilidade de pôr termo à contínua situação de incumprimento para com o Recorrente. Isto teria permitido que, com o encerramento definitivo da empresa insolvente – deliberação ocorrida na assembleia de credores, com o voto do próprio Recorrente – o contrato de trabalho cessasse por caducidade, nos termos do art. 347/3 do Código do Trabalho. Com isto, teria sido possível à administradora da insolvência evitar o agravamento da situação de insolvência, consequência necessária da constituição do crédito à indemnização por resolução do contrato de trabalho com fundamento em justa causa.
É certo que a caducidade do contrato de trabalho por força do encerramento definitivo da empresa confere ao trabalhador o direito a uma compensação (arts. 347/5 e 366 do Código do Trabalho). Simplesmente, o valor desta é inferior ao da indemnização devida pela resolução por justa causa, tanto mais que é de excluir a possibilidade lhe acrescer a compensação genérica referida no art. 360 do Código do Trabalho, na medida em que o administrador da insolvência está impedido de agravar a situação financeira da empresa. A propósito, Luís Carvalho Fernandes, “Efeitos da Declaração de Insolvência no Contrato de Trabalho segundo o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas”, RDES, 1-2-3, 2004, p. 29; Joana Vasconcelos, “Insolvência do Empregador e Contrato de Trabalho”, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Manuel Henrique Mesquita, II, Coimbra, Coimbra Editora, 2009, p. 1100, e Joana Costeira, Os Efeitos da Declaração Judicial de Insolvência no Contrato de Trabalho – A Tutela dos Créditos Laborais, Coimbra: Almedina, 2021, p. 60.
Neste conspecto, entendemos que assiste razão à Recorrida quanto a esta questão, o que implica que, pelas razões indicadas no ponto anterior, os efeitos da resolução do contrato de trabalho com fundamento em justa causa devam ser paralisados, fazendo-os equivaler aos que são próprios da denúncia, o que redunda numa resposta afirmativa à 3.ª questão, com a consequente improcedência do recurso no que tange ao pedido de verificação do crédito do Recorrente à indemnização prevista no art. 396 do Código do Trabalho.
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4). Procedendo o recurso parcialmente, as custas devem ser suportadas pelo Recorrente e pela Recorrida na proporção dos respetivos decaimentos, que são de ½ para cada: art. 527/1 e 2 do CPC.
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V.
Nestes termos, acordam os Juízes Desembargadores da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar parcialmente procedente o presente recurso e, em consequência:
Declaram a nulidade da sentença recorrida, por excesso de pronúncia, na parte em que julgou não verificados os créditos do Recorrente relativos aos subsídios de alimentação devidos de 2013 a setembro de 2023, no valor total de € 11 337,04 (onze mil trezentos e trinta e sete euros e quatro cêntimos), e, suprindo essa nulidade, perante a não impugnação da lista de créditos reconhecidos na parte em que tais créditos foram incluídos, consideram os mesmos verificados, graduando-os juntamente com os demais créditos titulados pelo recorrente;
Declaram a nulidade da sentença recorrida, por omissão de pronúncia quanto ao crédito de juros sobre os salários de julho de 2013 a maio de 2021, no montante total de € 18 777,40 (dezoito mil setecentos e setenta e sete euros e quarenta cêntimos) e, suprindo essa nulidade, julgam a impugnação da lista de créditos reconhecidos e não reconhecidos procedente, nesta parte, e, em conformidade, reconhecem tal crédito, graduando-o juntamente com os demais créditos titulados pelo recorrente;
No mais, julgam o recurso improcedente e confirmam a sentença recorrida.
Custas do recurso a cargo do Recorrente e da Recorrida, na proporção dos respetivos decaimentos, que se fixam em metade para cada.
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Guimarães, 05-06-2025

Os Juízes Desembargadores,

Relator: Juiz Desembargador Gonçalo Oliveira Magalhães
1.º Adjunto: Juiz Desembargador José Alberto Martins Moreira Dias
2.º Adjunto: Juiz Desembargador João Peres Coelho