INTERESSE EM AGIR
PRECLUSÃO DO DIREITO
ACIDENTE DE TRABALHO
AUTORIDADE DE CASO JULGADO
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO
CULPA
EMPREGADOR
DUPLICAÇÃO DE INDEMNIZAÇÕES
Sumário


I - O interesse em agir constitui um pressuposto processual, não previsto expressamente na lei, mas pacificamente aceite na doutrina e na jurisprudência, o qual “consiste na necessidade de usar do processo, de instaurar a acção; não se exigindo uma necessidade absoluta, terá de haver uma necessidade justificada, razoável, fundada, de lançar mão do processo ou de fazer prosseguir a acção”.

II - Se, no processo de acidente de trabalho, aquando da realização da tentativa de conciliação, o trabalhador ou os beneficiários já eram conhecedores das concretas circunstâncias em que o acidente ocorreu, não invocaram o direito de reparação ao abrigo do art. 18º e aceitaram conciliar-se recebendo unicamente as prestações normais previstas na LAT, decorrentes de responsabilidade pelo risco, a questão ficou definitivamente decidida e ficou precludido o direito de posteriormente, em ação autónoma, virem invocar existência das situações previstas no art. 18º, nº 1 da LAT e reclamarem da entidade empregadora uma indemnização mais abrangente, relativa a todos os danos sofridos.

III - Se os autores, depois de se terem conciliado no âmbito do processo de trabalho que vitimou o trabalhador sinistrado, instauraram ação autónoma com vista à efetivação da responsabilidade prevista no art. 18º, nº 1 da LAT alegando que só posteriormente a essa conciliação tiveram conhecimento da versão judicial das concretas circunstâncias do evento, não estando demonstrado que na altura da conciliação já tinham conhecimento desses elementos, os mesmos têm interesse em agir e o seu direito não se encontra precludido.

IV - Deve ser rejeitada, por inútil, a impugnação da matéria de facto se, nas concretas circunstâncias do caso sub judice, a factualidade cujo aditamento é peticionado não é suscetível de gerar um juízo diferente sobre a questão jurídica, não sendo passível de alterar a decisão de mérito.

V - “A autoridade de caso julgado "tem o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível da segunda decisão de mérito. Este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade: o objeto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda ação, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida. (...)
Na autoridade, há uma conexão ou dependência entre o objeto da segunda ação e o objeto definido na primeira ação, sem que aquele se esgote neste. Aqui, impõe-se que essas questões comuns não sejam decididas de forma diferente, devendo a decisão da segunda ação acatar o que foi decidido na primeira, como pressuposto indiscutível”.

VI - Tendo o STJ, para efeitos de alargamento do prazo de prescrição, considerado, por acórdão proferido nos autos e já transitado em julgado:

- existir violação das regras de segurança a cargo da entidade executante da obra e entidade empregadora do trabalhador sinistrado, assente na violação dos deveres de fiscalização a que estava legalmente obrigada;
- existir nexo causal entre a violação das normas legais, que impõem a essa entidade o dever de fiscalização do cumprimento das regras de segurança e o resultado dessa conduta ilícita consubstanciado na efetiva sujeição do trabalhador sinistrado a uma situação de perigo para a sua vida que se veio a concretizar na sua morte;
- e que a factualidade provada revela a existência de negligência;

por força da autoridade do caso julgado esta decisão impõe-se, e não pode ser decidido diversamente para efeito de preenchimento dos pressupostos de que depende a responsabilidade da empregadora pela indemnização da totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelos familiares do trabalhador, nos termos gerais, ao abrigo do disposto no art. 18º, nº 1, da LAT.

Texto Integral


Acordam, em conferência, na 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

RELATÓRIO

AA, BB e CC vieram instaurar, em 19.1.2017, ação declarativa com processo comum contra EMP01..., S.A., COMPANHIA DE SEGUROS EMP02..., S.A., EMP03..., S.A., EMP04... ACE e EMP05..., PRÉ-FABRICAÇÃO, S.A. pedindo que seja declarado que os autores, conjuntamente com a filha DD, são os únicos e universais herdeiros do falecido EE e que as rés sejam solidariamente condenadas a pagar-lhes as quantias discriminadas na p.i., no valor global de € 263 564,89, acrescido de juros, calculados à taxa legal, desde a citação até efetivo pagamento .

Como fundamento dos seus pedidos alegaram, em síntese, factos tendentes a demonstrar que as rés estão constituídas na obrigação de indemnizar os danos peticionados porquanto EE, marido e pai dos autores, faleceu em consequência de, em ../../2012, ter sido atingido por um apoio provisório, quando trabalhava na construção da obra de arte na AE 4.
O acidente em questão ocorreu porque o apoio provisório, que pesa 150 kg, foi atirado diretamente para o solo de uma altura de 35 metros pelos trabalhadores que efetuaram a sua retirada, em flagrante violação das regras de segurança.
A ré EMP01..., S. A. era a entidade empregadora do falecido, a ré EMP06... era a dona da obra, a ré EMP04... ACE era a empreiteira geral da obra e a Ré EMP05..., Pré-fabricação, S. A., era a subempreiteira da mesma obra.
Todas eram responsáveis pelo plano de segurança da obra e pela sua fiscalização.

A ré Companhia de Seguros EMP02..., S. A. era seguradora da ré EMP01..., S. A. e da Ré EMP04... ACE.
Pretendem obter indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos em consequência da morte de EE, na parte em que os mesmos extravasam os danos já indemnizados no âmbito do processo de acidente de trabalho.
Referem expressamente que, embora tenham discriminado valores parcelares, apenas o fizeram a título exemplificativo e o que pretendem é que o Tribunal arbitre valores indemnizatórios considerando o valor global, e não os valores parcelares.
Só intentaram a ação em 19.1.2017 porque só tiveram conhecimento da versão judicial das concretas circunstâncias do evento que vitimou o falecido EE através do despacho de arquivamento do processo Crime/Inquérito 154/12.3GAMCN, ocorrido mediante a notificação datada de 11.2.2016.

*
A ré EMP04... ACE contestou e impugnou parte da factualidade invocada pelos autores.
Invocou a prescrição do direito dos autores e negou que o acidente tenha ocorrido devido a violação de regras de segurança e prevenção de acidentes de trabalho, pelo que defendeu que a ação deve ser julgada improcedente.
*
A ré EMP03..., S.A. contestou e impugnou parte da factualidade invocada pelos autores.
Invocou a prescrição do direito dos autores assim como as exceções de ilegitimidade passiva e de autoridade de caso julgado, requerendo a sua absolvição da instância.
Negou que o acidente tenha ocorrido devido a violação de regras de segurança e prevenção de acidentes de trabalho, pelo que defendeu que a ação deve ser julgada improcedente.
Deduziu incidente de intervenção principal provocada da Companhia de Seguros EMP07....
*
A ré EMP05..., PRÉ-FABRICAÇÃO, S.A. contestou e impugnou parte da factualidade invocada pelos autores.
Invocou a prescrição do direito dos autores.
Negou que o acidente tenha ocorrido devido a violação de regras de segurança e prevenção de acidentes de trabalho, pelo que defendeu que a ação deve ser julgada improcedente.
Deduziu incidente de intervenção principal provocada da EMP08....
*
A ré EMP01..., S.A. contestou e impugnou parte da factualidade invocada pelos autores.
Invocou a prescrição do direito dos autores.
Alegou que o falecido EE, à data do sinistro, não se encontrava ao seu serviço, visto ter sido cedido à EMP04... ACE, pelo que não poderia ser responsabilizada pelo pagamento de qualquer indemnização.
Negou que o acidente tenha ocorrido devido a violação de regras de segurança e prevenção de acidentes de trabalho.
Concluiu que a ação deve ser julgada improcedente.
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Foi admitida a intervenção acessória da Companhia de Seguros EMP07... e da EMP08....
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A COMPANHIA DE SEGUROS EMP07... contestou e impugnou parte da factualidade invocada pelos autores.
Deduziu a exceção de incompetência material do tribunal para apreciar a presente ação.
Invocou a prescrição do direito dos autores.
Alegou que, de acordo com a apólice de seguro, a sua responsabilidade se encontra limitada ao período de vigência da apólice e aos dois anos posteriores à sua anulação. Como a indemnização não foi reclamada nesse período temporal, entende que não tem qualquer responsabilidade pelo seu pagamento.
Por outro lado, a apólice exclui os danos sofridos na sequência de acidente de trabalho, situação em que se enquadra o acidente que vitimou o falecido EE.
Acresce que o falecido não era trabalhador da sua segurada, pelo que, também por este motivo, estaria excluído do âmbito de cobertura da apólice.
Concluiu que a ação deve ser julgada improcedente.
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A EMP08... contestou e impugnou parte da factualidade invocada pelos autores.
Alegou que o sinistro não se encontra coberto pela apólice de seguro, pois tratou-se de um acidente de trabalho.
Invocou a prescrição do direito dos autores.
Concluiu que a ação deve ser julgada improcedente.
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Realizou-se a audiência prévia e, após, foi proferido despacho que:

a) julgou improcedente a exceção de incompetência material do tribunal;
b) julgou improcedente a exceção de ilegitimidade deduzida pela ré EMP06...;
c) considerou tabelarmente verificados os demais pressupostos processuais;
d) julgou improcedente a exceção de autoridade de caso julgado deduzida pela ré EMP06...;
e) relegou para a decisão final o conhecimento da exceção de prescrição;
f) fixou à causa o valor de € 263 564,98;
g) identificou o objeto do litígio e enunciou os temas da prova;
h) apreciou os requerimentos probatórios apresentados e designou data para a realização da audiência final.
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Realizou-se a audiência final.
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Em 2.9.2019 foi proferida decisão que julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide relativamente à ré insolvente EMP05..., Pré-Fabricação, S.A.
*
Foi proferida sentença com o seguinte teor decisório:

Pelo exposto, julgo parcialmente procedente a presente acção e, em consequência:
Absolvo os Autores da alegada excepção de prescrição;
Declaro extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, relativamente à interveniente acessória EMP08... Companhia de Seguros, S. A..
Declaro que os Autores são, conjuntamente com a filha DD, os únicos e universais herdeiros do falecido EE;
Condeno as Rés EMP03..., S. A. e EMP04... ACE a pagar aos Autores, solidariamente, a quantia de € 125 000, 00 (cento e vinte e cinco mil euros) e a quantia de € 220 000, 00 (duzentos e vinte mil euros), deduzida do valor global a pagar pela Companhia de Seguros EMP02... , S. A., no âmbito da conciliação laboral, até ao limite de € 133 564,89 (cento e trinta e três mil quinhentos e sessenta e quatro euros e oitenta e nove cêntimos), acrescidas esta quantia de juros de mora à taxa legal, a contar da citação, e a quantia de € 125 000, 00, a contar da prolação da sentença, até efectivo e integral pagamento;
Absolvo as Rés EMP03..., S. A. e EMP04... ACE do demais peticionado; e, as Rés EMP01..., S. A. e Companhia de Seguros EMP02..., S. A., do pedido.
Custas a cargo dos Autores e das Rés EMP03..., S. A. e EMP04... ACE, na proporção do decaimento (cf. artigo 527.º, números 1 e 2, do C. P. Civil).
Registe e notifique.”
*
Esta sentença foi objeto de recurso por parte das rés COMPANHIA DE SEGUROS EMP07... S.A., EMP03..., S.A. e EMP04..., A.C.E.
*
Em 27.9.2022, FF deduziu pedido de intervenção principal espontânea, associando-se aos autores e fazendo seus os articulados dos mesmos, alegando que é filha e herdeira do falecido EE e que lhe cabe o mesmo direito que aos seus irmãos, peticionando que a procedência da ação tenha as consequências que para si advirão enquanto herdeira do seu pai.
*
Por decisão proferida em 17.1.2024, foi admitida a intervenção principal espontânea de FF.
*
Os recursos foram decididos por acórdão deste Tribunal da Relação de Guimarães, de 18.4.2024, o qual contém o seguinte dispositivo:

“Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar as apelações procedentes e, em consequência, revogam a sentença recorrida, na parte em que absolveu os autores da exceção de prescrição e na parte em que condenou as rés no pagamento de indemnização acrescida de juros e as absolveu do demais peticionado, e declaram procedente a exceção de prescrição do direito dos autores deduzida pelas rés/recorrentes e, consequentemente, absolvem as rés do pedido contra si formulado.
As custas da ação e dos recursos ficam a cargos dos autores.
Notifique.”
*
Os autores AA, BB e CC e a interveniente FF interpuseram recurso de revista.

Os recursos de revista foram decididos por acórdão proferido pelo STJ, datado de 8.4.2025, que contém o seguinte dispositivo:

“Nos termos expostos, acorda-se em:

No recurso interposto pelos Autores AA, BB e CC:
a) indeferir a junção aos autos do documento anexo às alegações de recurso interposto por esses Autores;
b) julgar esse recurso parcialmente procedente, revogando-se o acórdão recorrido na parte em que julgou verificada a prescrição do direito dos Autores perante o Réu EMP04..., A.C.E., ordenando-se a baixa do processo ao Tribunal a quo para apreciação das demais questões suscitadas por essa Ré no seu recurso de apelação;
c) no restante, julga-se o recurso improcedente, mantendo-se o acórdão recorrido na parte em que absolveu a Ré EMP03..., S.A., dos pedidos formulados pelos referidos Autores, por se verificar a exceção de prescrição do direito invocado perante essa Ré.
Quanto ao recurso de revista interposto pela Autora FF:
a) julga-se parcialmente procedente, revogando-se o acórdão recorrido na parte em que considerou verificada a exceção de prescrição do direito desta Autora perante ambas as Rés;
b) no restante, em que a Recorrente pede a apreciação, por parte do Supremo Tribunal de Justiça dos pedidos por si formulados, julga-se o recurso improcedente, ordenando-se a baixa do processo ao Tribunal recorrido para apreciação da pretensão material desta Interveniente Principal, cujo conhecimento foi prejudicado pela decisão que julgou verificada a exceção de prescrição.
Custas na proporção do decaimento.
Notifique-se.”
*
Após trânsito em julgado do antecedente acórdão, os autos foram remetidos a este Tribunal da Relação e foram colhidos os vistos legais.

OBJETO DOS RECURSOS

Perante o acórdão proferido pelo STJ, de 8.4.2025, cumpre a este Tribunal da Relação:

I - apreciar as questões suscitadas pela ré EMP04..., A.C.E., no seu recurso de apelação, com exceção da prescrição que já foi apreciada no recurso de revista;
II - apreciar a pretensão material da interveniente principal FF.
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A ré EMP04..., A.C.E. no recurso de apelação que interpôs, formulou as seguintes conclusões:

“1.ª- Os presentes autos respeitam a um acidente de trabalho ocorrido em 25.05.2012, que vitimou mortalmente EE, do qual os Autores são herdeiros, quando aquele exercia as funções de encarregado, ao serviço do Apelante, na empreitada de construção da Autoestrada ..., mais concretamente, em ..., no viaduto sobre a E.N. ...5, no IP....
2.ª- Na sequência do acidente, foi movido pela ACT contra o aqui Apelante um procedimento contraordenacional que culminou com a decisão de aplicação de uma coima, a qual, no entanto, veio a ser revogada pelo Tribunal do Trabalho de Bragança, e correu termos na unidade de Apoio dos Serviços do Ministério Público junto do Tribunal do Trabalho de Penafiel o processo emergente de acidente de trabalho, entre herdeiros do falecido e a seguradora do empregador, que terminou na fase conciliatória, e no qual foram atribuídas, à viúva e a filhos do sinistrado, as indemnizações e pensões previstas nos artigos 59.º, 60.º e 72.º da LAT.
3.ª- O sinistrado encontrava-se dentro de uma viatura junto a um pilar onde a subempreiteira EMP05... desenvolvia os seus trabalhos, numa plataforma situada a cerca de 35 metros de altura do solo, quando um aparelho de apoio provisório de betão, com, pelo menos, 150 kg de peso, vindo dessa plataforma, atingiu o tejadilho daquela, amassando-o contra a cabeça do sinistrado e causando-lhe lesões que provocaram a sua morte.
4.ª- Os dois trabalhadores da EMP05... que procediam à tarefa de remoção manual dos apoios provisórios do local onde se encontravam até ao pavimento da plataforma apresentaram, quer quando inquiridos pela ACT, quer nos depoimentos que prestaram na audiência final dos presentes autos, uma versão do acidente segundo a qual este teria sido devido a uma (infeliz) casualidade que os mesmos não conseguiram evitar.
5.ª- Os Autores, todavia, vieram, na petição inicial apresentar uma outra versão dos factos, segundo a qual o aparelho não caiu, não tinha como cair, e que foram os aludidos dois trabalhadores da EMP05... que o arremessaram, de propósito, desde a plataforma até ao solo, versão essa que veio a ser acolhida pelo Tribunal a quo, que concluiu que a morte do infeliz GG resultou de ter sido atingido por um dos aparelhos provisórios que os trabalhadores da EMP05..., Pré- Fabricação, S. A. atiraram directamente para o solo.
6.ª- Sucedeu porém que os Autores não demandaram na presente acção os ditos trabalhadores (ao abrigo do disposto no artigo 17.º da LAT), mas sim diversas entidades intervenientes na obra (dona de obra, empreiteiro e subempreiteira), pretendendo que fosse aplicado o artigo 18.º, n.º 1, da LAT.
7.ª- Fizeram-no, no entanto, sem terem alegado factos que se integrassem na previsão dessa norma, limitando-se a afirmar que o acidente “ficou a dever-se à violação de regras de segurança no trabalho”, sem terem concreta e especificadamente alegado qualquer facto do qual pudesse decorrer que o Apelante tivesse violado alguma regra de segurança e o nexo de causalidade entre essa conduta (omissiva) e o acidente.
8.ª- A conclusão do artigo 26.º da petição inicial, de que “a apurar-se a factualidade supra alegada e vindo, por consequência, a concluir-se que o acidente ficou a dever-se à violação de regras de segurança no trabalho, todas as Rés são também responsáveis pelo ressarcimento dos danos ainda não indemnizados e direta e necessariamente consequentes da sua ocorrência, por força do disposto no art. 18.º da Lei n.º 98/2009, de 04/09” desconsidera que essa violação das regras de segurança, a existir, tem que provir das próprias entidades, e não, por exemplo, do sinistrado, de outros trabalhadores ou de terceiro.
9.ª- A ausência de alegação de factos na petição inicial dos quais resultasse ter o Apelante causado directamente o acidente ou violado regras de segurança, e o nexo de causalidade entre esse pretenso facto ilícito e o acidente, traduz manifesta falta de causa de pedir quanto ao pedido formulado a final contra esse Réu, e deveria ter levado à sua absolvição.
10.ª- Como é pacífico, e a própria sentença recorrida o reconhece, era sobre os Autores apelantes que recaía “o ónus de alegarem e provarem não só a inobservância das regras sobre a segurança, higiene e saúde no trabalho por parte da entidade empregadora, como ainda que foi essa inobservância a causa adequada do acidente (n.º 2 do art. 342.º do Código Civil)”.
11.ª- Não obstante, o Tribunal a quo, em sede de “Interpretação e aplicação do direito” veio a considerar estarem não provados e provados determinados factos, relativos a pretensas violações das regras de segurança e nexo de causalidade, que ninguém alegou, como se, quanto aos primeiros, coubesse ao Apelante o respectivo ónus e, quanto aos outros, como se os Autores os tivessem alegado e provado.
12.ª- E imputou ao Apelante a pretensa violação dos artigos 5.º, n.º 3, 20.º e 22.º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei 273/2003, condenando-o a indemnizar os Autores solidariamente com a 3.ª Ré.
13.ª- Em suma, e ressalvado o devido respeito, o que decorre da sentença é que o Tribunal a quo, face à circunstância de os trabalhadores da EMP05... não terem sido demandados na acção (como deveriam ter sido), decidiu “criar”, ele próprio, factos (não alegados) no sentido de encontrar um bode expiatório (neste caso, dois) a quem pudesse imputar a responsabilidade pelo acidente, por forma a poder aplicar a dita norma do artigo 18.º e atribuir aos Autores a indemnização “agravada”.
14.ª-    Os factos aditados pelo Tribunal em sede de sentença — a saber, (i) não provado que o risco previsto e prevenido no artigo 160.º do Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil (“O material dos andaimes, as peças das máquinas e quaisquer outros objectos serão arriados com cuidado e nunca arremessados directamente”) foi especificado e prevenido no plano de segurança ou em outros actos securitários das empresas que executavam trabalhos na obra (empreiteira e subempreiteira); (ii) provado que os trabalhadores que procederam à remoção dos aparelhos provisórios não foram avisados desse risco e não foram advertidos de que estes tinham de ser arriados com cuidado e nunca arremessados directamente; e (iii) provado que a morte do infeliz EE não teria ocorrido, se os trabalhadores tivessem sido advertidos de que não podiam arremessar os aparelhos provisórios directamente ao solo e fossem vigiados para que tal não ocorresse — foram essenciais para a decisão de condenação do Apelante.
15.ª- Todavia, não foram incluídos na decisão sobre a matéria de facto, nem sobre eles foi realizada qualquer prova, o que impede o Apelante de impugnar tal decisão por não poder cumprir os dois primeiros ónus previsto no artigo 640.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
16.ª- Acresce que essa não inclusão na dita decisão de facto permitiu ao Meritíssimo Juiz a quo abster-se de fundamentar a sua decisão, nomeadamente através da “análise crítica das provas” e da especificação dos concretos meios probatórios determinantes da sua convicção.
17.ª- Resultaram, todavia, dos depoimentos das testemunhas, inquiridas nos autos, factos relevantes por contrariarem aqueles (não alegados) em que o Tribunal a quo fundamentou a decisão de condenação do Apelante, para além de outros que devem ser considerados por terem interesse para a compreensão do que está em causa nos autos para efeitos da decisão de direito.
18.ª- Assim, de acordo com os meios de prova referidos nas alegações devem ser aditados os seguintes factos:
a) À data do acidente desenvolviam-se trabalhos relacionados com a remoção dos apoios provisórios, concretamente a sua movimentação manual para a plataforma de trabalho e a sua colocação no local mais extremo da mesma, a fim de serem baixados ao solo com recurso a meios mecânicos (grua móvel) (...)” (art. 33.º da Contestação do Apelante);
b) A tarefa levada a cabo pelos trabalhadores da EMP05... consistia em duas fases: numa primeira fase, na movimentação manual dos apoios provisórios para a plataforma de trabalho, posicionando-os no local mais externo desta; numa segunda fase, na sua remoção para o solo com o recurso a meios mecânicos (grua). (art. 26.º da Contestação da Ré EMP05...)
c) A grua que seria utilizada no dia do acidente não pertencia à EMP05... mas sim ao EMP04.... (art. 27.º da Contestação da Ré EMP05...)
d) Os trabalhadores da EMP05... sabiam que a tarefa que desempenhavam tinha duas fases, que a primeira fase (manual) terminava com a colocação dos aparelhos nos extremos da plataforma, não contemplando essa fase a remoção de aparelhos para o solo ou a existência de cargas suspensas, e que, só depois de terminada essa fase, naquele dia, se seguiria a segunda fase, de movimentação mecânica.
e) A tarefa realizada pelos trabalhadores da EMP05... aquando do acidente estava sujeita às regras de segurança da movimentação manual de cargas (previstas no documento n.º 7 junto com a Contestação do Apelante), não sendo enquadradas nos trabalhos de risco especial.
f) A partir de certa altura, a EMP05... teve necessidade de recorrer a uma grua alheia, o que causava algum embaraço ou atraso na realização da tarefa;
g) Alguns dias antes da data do acidente os trabalhadores da EMP05... arremessaram aparelhos pequenos directamente da plataforma para o solo, numa operação que foi  “vigiada” pelo encarregado HH;
h) Os trabalhadores da EMP05... foram directamente questionados sobre o episódio pela Coordenadora de Segurança em Obra;
i) O referido no facto provado 18.º levou a que o EMP04... emitisse uma comunicação por escrito proibindo o arremesso directo, fosse em que circunstância fosse;
j) Os trabalhadores da EMP05... foram advertidos de que os aparelhos nunca poderiam ser arremessados directamente;
k) Os trabalhadores da EMP05... tinham muitos anos de experiência e estavam habituados a executar as operações de movimentação manual dos apoios provisórios seguindo sempre o mesmo procedimento.
l) O sinistrado era o encarregado fixo para o viaduto em questão, sendo sua responsabilidade controlar, entre outras, as actividades desenvolvidas pela Ré EMP05... (artigo 38.º da Contestação da Ré EMP05...)
m) Enquanto trabalhador com a função de Encarregado, o sinistrado “estava habilitado a informar os elementos da Segurança e Saúde no Trabalho sobre qualquer problema ou incumprimento das normas de segurança e saúde por parte dos trabalhadores da EMP05...” (art. 48.º da Contestação do Apelante);
n) Era ao sinistrado que competia impedir que a EMP05... eventualmente executasse trabalhos sem as devidas condições de segurança (art. 49.º da Contestação do Apelante).
19.ª. Sem embargo da impugnação da decisão de facto realizada no presente recurso, o certo é que o aditamento dos mencionados factos pelo Tribunal a quo foi efectuado com violação da regra do ónus de alegação e prova e do princípio do contraditório, o que deve levar a que os mesmos sejam “eliminados”/desconsiderados.
20.º- E não constando da matéria assente nenhum facto de que decorra a violação por parte do Apelante de regras de segurança e o nexo de causalidade necessários à imputação ao mesmo da responsabilidade pelo acidente, deve a acção improceder por falta de causa de pedir.
Sem prescindir:
21.ª- O Tribunal a quo imputou ao Apelante a infracção das disposições dos artigos 5.º, n.º 3, 20.º (das suas 12 alíneas?) e 22.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 273/2003, de 29 de Outubro, mas não justificou de que modo e em que medida terá o Apelante violado qualquer uma dessas normas, sendo que dos factos provados não resulta nenhuma infracção das mesmas.
22.ª- Bem pelo contrário, o que resulta da matéria que foi dada como assente e da Motivação é que o Apelante, na qualidade de entidade executante, actuou sempre consciente da importância das obrigações de segurança, procurando pautar a sua actuação no estrito cumprimento dos procedimentos e normas que estabeleceu atinentes à segurança dos trabalhadores e assegurar esse cumprimento por parte de todos os intervenientes na obra (cfr. factos provados 39, 47, 48, 49, 50, 51, 52, 53, 54, 55 e 56 e Motivação).
23.- Na realidade, ou bem vistas as coisas, o que resulta da sentença é que a única imputação concreta e directa feita ao Apelante pelo Tribunal a quo terá sido (já que os factos foram dados como não provados) que o risco previsto e prevenido no citado artigo 160.º do Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil (“O material dos andaimes, as peças das máquinas e quaisquer outros objectos serão arriados com cuidado e nunca arremessados directamente”), não foi (não terá sido) especificado e prevenido no plano de segurança ou em outros actos securitários das empresas que executavam trabalhos na obra (empreiteira e subempreiteira) e que desse risco não foram (não terão sido) avisados os trabalhadores que procederam à remoção dos aparelhos provisórios, nem foram (não terão sido) advertidos de que estes tinham de ser arriados com cuidado e nunca arremessados directamente.
24.ª- Sem embargo de estes factos não terem sido alegados, nem terem resultado da instrução, o certo é que, salvo o devido respeito, o Tribunal a quo fez uma errada interpretação das normas legais ao considerar que o plano de segurança devia conter a previsão acima mencionada e que os trabalhadores deviam ter sido avisados dela.
25.ª- Com efeito essa proibição consta de um Regulamento que no seu artigo 152.º prevê a sua distribuição “aos operários da construção civil por intermédio dos organismos corporativos que os representam”, sendo que, nos termos do disposto na alínea j) do artigo 128.º do Código do Trabalho, constitui dever do trabalhador “Cumprir as prescrições sobre segurança e saúde no trabalho que decorram de lei ou instrumento de regulamentação colectiva de trabalho”.
26.ª- O Plano de Segurança e Saúde no Trabalho não pode não tem que prever todos os comportamentos (ilícitos) que os trabalhadores decidam adoptar em contradição com as tarefas e as instruções que lhes sejam dadas e com o que decorre da lei.
27.ª- Por outro lado, e salvo o devido respeito, o facto aditado pelo Tribunal de que “a morte do infeliz EE não teria ocorrido, se os trabalhadores tivessem sido advertidos de que não podiam arremessar os aparelhos provisórios directamente ao solo”, com o que necessariamente considerou “provado”, sem base para tal, que os trabalhadores não foram advertidos dessa proibição, não tem qualquer relevo se não constar da matéria assente que os trabalhadores da EMP05... não sabiam que não podiam arremessar os aparelhos para o solo.
28.ª- Resulta dos depoimentos prestados em audiência que os trabalhadores da EMP05..., não só sabiam que não podiam arremessar os aparelhos para o solo como que disso foram advertidos, se não antes, pelo menos após o episódio relativo ao arremesso efectuado alguns dias antes do acidente.
29.ª- A própria a forma como os trabalhadores contaram a dinâmica do acidente, primeiro perante a ACT e depois em Tribunal, no sentido de afastar a sua responsabilidade pelo sucedido, evidenciou que sabiam que não podiam ter arremessado o aparelho.
30.ª- Com efeito, de outro modo, bastaria aos trabalhadores terem simplesmente dito que nunca ninguém lhes dissera que não o podiam fazer e que não sabiam que não podiam (se tal fosse aceitável), em vez de inventarem toda uma história, de tal forma absurda, fisicamente impossível e em si mesma contraditória, para explicarem o acidente.
31.ª- A sentença recorrida acrescentou, no entanto, ainda um outro facto: o de que os trabalhadores não teriam arremessado os aparelhos provisórios directamente ao solo se tivessem sido vigiados!
32.ª- Este súbito, e também imprevisto, acrescento revela várias coisas:
33.ª- Em primeiro lugar, revela que o Tribunal considerou que a especificação da proibição constante do artigo 160.º do Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil “no plano de segurança ou em outros actos securitários das empresas que executavam trabalhos na obra (empreiteira e subempreiteira)” e a advertência dos trabalhadores de que os aparelhos provisórios “tinham de ser arriados com cuidado e nunca arremessados directamente” era, afinal, irrelevante, uma vez que os trabalhadores, se as circunstâncias o permitissem e, por exemplo, quisessem ir de fim de semana mais cedo, sempre o poderiam fazer. Não bastava, portanto, inserir a proibição no PSS ou em outros “actos securitários”, nem era suficiente ter advertido os trabalhadores dessa proibição.
34.ª- Pelo que necessariamente se tem de concluir que o Tribunal, bem vistas as coisas, considerou não existir uma relação de causalidade adequada entre o acidente e a putativa omissão quer da proibição no PSS quer da advertência dos trabalhadores para não arremessarem os aparelhos directamente para o solo.
35.ª- O que, no fundo significa que todos os factos inseridos pelo Tribunal com vista à responsabilização do Apelante resumem-se afinal a um: os trabalhadores tinham que ser vigiados.
36.ª- Em segundo lugar, revela um profundo desrespeito, por parte do Tribunal, relativamente a estes e quaisquer outros trabalhadores, por os considerar pessoas de pouco tino, sem capacidade de entendimento, sentido crítico e bom senso.
37.ª- De acordo com o entendimento da sentença, os trabalhadores da EMP05... não saberiam que arremessar um aparelho de 150 quilos para o solo desde uma plataforma a 35 metros de altura, para além de proibido, era altamente perigoso, arriscado, imprudente e arrojado (ainda mais não tendo lá o encarregado, cá em baixo a “vigiar”.... para ver se alguém se aproximava).
38.ª- Em terceiro lugar, revela que o Tribunal considera que numa obra, como a que está em causa, com a extensão e o número de trabalhadores na mesma presentes, era fisicamente possível para os técnicos de segurança ou encarregados da obra estarem constantemente presentes em todos os locais em simultâneo, vigiando e controlando os comportamentos de todos e de cada um dos trabalhadores a toda a hora e em cada segundo, para impedir a ocorrência de sinistros.
39.ª- O que é manifestamente um absurdo e não é exigido pela lei.
40.ª- Com efeito, a partir de determinado ponto de formação, instrução e alerta para os pontos mais relevantes adstritos a cada actividade, a responsabilidade pelo cumprimento constante e integral das respectivas regras de prevenção cabe, igualmente, aos próprios trabalhadores.
41.ª- Acresce que, como acima se viu, ficou provado que, quem tinha legitimidade para impedir que a EMP05... eventualmente executasse trabalhos sem as devidas condições de segurança era, precisamente, em primeira linha, o sinistrado, no exercício das suas funções de encarregado, que acaso verificasse alguma violação do PSS, imediatamente actuaria, mas que não pôde actuar porque foi ele próprio vítima do acidente.
42.ª- Finalmente, se se considerasse como parece entender o Tribunal a quo que é de imputar ao empregador a responsabilidade por todo e qualquer acidente — mesmo que, por exemplo, o sinistrado tivesse violado as regras e a lei ou actuado com negligência grosseira —, com o argumento de que o acidente teria sido evitado se o trabalhador fosse vigiado, nunca haveria a descaracterização do acidente que é uma hipótese prevista na lei.
43.ª- O disposto no artigo 14.º, n.º 1, que na sua alínea a) dispõe que “O empregador não tem de reparar os danos decorrentes do acidente que for dolosamente provocado pelo sinistrado ou provier de seu acto ou omissão, que importe violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pelo empregador ou previstas na lei”; e na alínea b) imputa também ao sinistrado (que é um trabalhador) a responsabilidade pelo acidente em caso de negligência grosseira, deve ser tido em conta na avaliação da conduta de outros trabalhadores para efeitos de se verificar se o acidente foi causado directamente por eles, com vista à aplicação do artigo 17.º da mesma LAT.
44.ª- Ora, dúvidas não restam de que o acidente em causa nos presentes autos proveio exclusivamente da actuação voluntária dos trabalhadores da EMP05..., que não só violaram, sem causa justificativa, o disposto no artigo 160.º do Regulamento de Segurança no Trabalho de Construção Civil, como agiram com “negligência grosseira”.
45.ª- O que leva a que tenha forçosamente que entender-se pela não aplicabilidade do artigo 18.º da LAT ao caso sub judice, uma vez que a responsabilidade do acidente é exclusivamente imputável aos trabalhadores da EMP05..., nos termos do artigo 483.º do Código Civil.
46.ª- A sentença recorrida, ao condenar o Apelante a indemnizar os Autores, constitui, por tudo o acima exposto, uma verdadeira decisão surpresa, que, para além de não ter base factual quanto às infracções que àquele foram imputadas, é, salvo o devido respeito, manifestamente injusta.
47.ª- Se se entender que a norma aplicável é a do artigo 18.º da LAT, então verifica-se a falta de interesse em agir dos Autores, que é uma excepção inominada de conhecimento oficioso.
48.ª- Com efeito, como resulta do “auto de conciliação” junto aos autos, no processo emergente de acidente de trabalho n.º 376/12.7TUPNF, relativo ao sinistro aqui em causa, os Autores (representados pela Autora) não invocaram que tivesse havido violação de normas de segurança da parte do empregador ou de qualquer uma das entidades referidas no artigo 18.º da LAT.
49.ª- O que de acordo com o que vem sendo entendido, fez precludir o seu eventual direito decorrente dessa violação e os impede de interpor uma acção pedindo o ressarcimento de outros danos.
50.ª- A presente acção foi proposta muito mais de três anos após a ocorrência do acidente, pelo que se verifica a excepção de prescrição do direito de indemnização nos termos do disposto no artigo 498.º, n.º 1, do Código Civil.
51.ª- A douta sentença recorrida sustenta que é aplicável o prazo de 10 anos em virtude de o facto ilícito constituir um crime, mas o certo é que o “evento” criminoso e que descreve e que pode preencher o tipo legal do crime de homicídio involuntário não foi praticado pelo Apelante mas sim pelos trabalhadores que não foram demandados.
52.ª- Sempre se acrescentará que o alegado facto (de resto, falso) de o Apelante não ter alertado expressamente os trabalhadores da obra sobre a proibição de arremessar directamente para o solo um aparelho com 150 quilos, de forma alguma pode consubstanciar uma não avaliação do perigo ou a falta de medidas de prevenção adequadas. Tal como quem pode o mais, pode o menos, também quem deve o mais deve o menos, pelo que, se os trabalhadores devem respeitar as instruções recebidas nas formações sobre o manuseamento dos materiais, se são instruídos de todo o procedimento adequado que devem pôr em prática nas suas funções, se são avisados expressamente do perigo associado às funções e dos cuidados necessários que devem ter na remoção dos aparelhos provisórios, então lógica e certamente devem arriar os materiais com cuidado e nunca os arremessar diretamente!!
53.ª- Qualquer pessoa minimamente diligente e capaz — como é o caso dos trabalhadores qualificados para as funções assumidas — tem consciência de que um aparelho de betão, com, pelo menos, 150 kg de peso, tem de ser utilizado e movimentado com o máximo cuidado, não podendo, de forma alguma, ser arremessado diretamente, ainda por cima quando os trabalhos se realizam a uma altura de cerca de 35 metros, pois tal coloca em risco não só a vida de terceiros mas a dos próprios trabalhadores que o arremessam.
54.ª- Em nenhum setor de atividade, bem como em nenhuma situação da vida quotidiana, é possível acautelar, de forma taxativa e exaustiva, todas e quaisquer possíveis acções inerentes a uma certa tarefa. Ainda menos aquelas que são realizadas em violação da lei e com negligência grosseira.
55.ª-Veja-se, por exemplo, a situação (e são tantas as que se podem imaginar) em que um trabalhador empurra um seu colega para debaixo de uma retroescavadora: alguém se lembraria de acusar o empreiteiro de violação de regras de segurança por não ter incluído no plano específico da tarefa em causa que não se podia empurrar os colegas para debaixo de retroescavadora, ou de não ter advertido o trabalhador de que não o devia fazer, ou de não ter vigiado esse mesmo trabalhador para evitar que este cometesse tal acto?
56.ª- Acresce que, sendo a norma do artigo 152.º-B do Código Penal uma norma penal em branco e não se tendo verificado qualquer violação das normas assinaladas na sentença, não se podem considerar como preenchidos os pressupostos do tipo legal de crime de violação de regras de segurança, o qual tem como premissa a violação da obrigação de garantir as condições de segurança no trabalho.
57.ª- De forma alguma é referido na sentença (porque não resulta de nenhum dos seus elementos) que o sinistrado ou os trabalhadores da EMP05... tivessem sido sujeitos a uma situação de perigo para a sua vida, corpo ou saúde por estarem a realizar a sua tarefa fora das indispensáveis condições de segurança que não terão sido implementadas pelo Apelante e pela 3.ª Ré, sabendo estes que desse modo os estariam a expor ao perigo e conformado com isso.
58.ª- Resulta, como tal, que o Apelante não cometeu qualquer ilícito, e ainda menos de natureza criminal, não podendo por isso ser aplicado o disposto no artigo 498.º, n.º 3, quanto ao prazo de prescrição.
59.ª-    A douta sentença recorrida violou, por errada interpretação e aplicação, as normas dos artigos 342.º, 483.º e 498.º do Código Civil, 3.º, 5.º, 154.º n.º 1 e 607.º, do Código de Processo Civil, 14.º, 17.º e 18.º da Lei n.º 98/2009, 5.º, n.º 3, 20.º e 22.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 273/2003, 152.º e 160.º do Decreto n.º 41 281, 128.º do Código do Trabalho e 99.º a 114.º do Código de Processo do Trabalho.”
*
Perante estas conclusões, as questões relevantes a decidir, quanto ao recurso de apelação da EMP04..., com exceção da prescrição que já foi apreciada no recurso de revista, elencadas por ordem de precedência lógico-jurídica, são as seguintes:

A) - saber se os autores têm interesse em agir;
B) - na hipótese positiva, saber se o direito dos autores se encontra precludido por terem aceitado conciliar-se no âmbito do processo de acidente de trabalho sem terem suscitado a existência de responsabilidade agravada, por atuação culposa do empregador, nos termos do art. 18º da LAT;
C) - concluindo-se que não ocorre preclusão do direito dos autores, saber se a matéria de facto deve ser alterada, aditando-se a factualidade descrita nas als. a) a n) da conclusão 18ª;
D) - concluindo-se que não ocorre preclusão do direito dos autores, saber se se verificam os pressupostos legais de que depende a obrigação de indemnização por parte da ré EMP04....

FUNDAMENTAÇÃO

FUNDAMENTOS DE FACTO

Na 1ª instância foram considerados provados os seguintes factos, que aqui se transcrevem nos seus exatos termos:

1.º - No dia ../../2012, faleceu o Sr. EE, à data do óbito, casado com a primeira Autora, deixando como únicos herdeiros os Autores e ainda sua filha maior, DD, cf. habilitação de herdeiros junta com petição que se dá por integralmente reproduzida.
2.º - No dia ../../2012, o referido EE sofreu um acidente, quando, em ..., no viaduto sobre a E.N. ...5, no IP..., trabalhava sob as ordens, direção e fiscalização da Ré EMP04... no exercício das suas funções de carpinteiro de tosco e encarregado, com isenção de horário de trabalho.
3.º - No âmbito do Proc. 376/12.7TUPNF do 1º Juízo do Tribunal do Trabalho de Penafiel, ficou a constar do auto de conciliação que a vítima auferia o salário de € 965 x 14 + € 124,30 x 11 + € 241,25 x 12.
4.º - A obra em cuja realização ocorreu o sinistro pertencia à 2ª Ré (EMP06...);
5.º - Sendo que esta (2ª ré) adjudicou a sua realização, através de empreitada, à II/3ª Ré e esta última, por sua vez, subcontratou com a EMP05..., Pré-fabricação S.A/4ª Ré.
6.º - O acidente ocorreu em momento em que o Sr. EE se encontrava a conduzir uma viatura sob o viaduto, junto ao pilar 6 (seis).
7.º - No momento em que o Sr. EE aí passava, foi inopinadamente surpreendido pela queda de um aparelho de apoio provisório de betão - de seguida apenas apoio provisório, com, pelo menos, 150 kg de peso, a cair de uma altura de cerca 35 metros, em cima do tejadilho da viatura.
8.º - O referido apoio provisório embateu contra o tejadilho da viatura, amassando-o e fazendo-o ceder/baixar de nível, de forma violenta, contra a cabeça do Sr. EE, causando-lhe as lesões descritas no relatório de autópsia, as quais acabaram por lhe provocar a morte.
9.º - Os apoios provisórios - de que é exemplo o apresentado a fls. 42 (doc. 03) - são, em substância, caixas/peças metálicas com forma retangular, integralmente preenchidas com betão;
10.º - Com cerca de 75 centímetros de comprimento por 40 cm de altura e com a base, que efetivamente apoia, com cerca de 25 cm.
11.º - Que possuem duas pegas metálicas, colocadas próximo do limite superior, que se destinam a facilitar o seu manuseamento.
12.º - A sua movimentação é efetuada por dois homens - cada um agarra de um dos lados do apoio provisório e, em concertação de esforços, tombam-no para cima das tábuas e fazem-no deslizar até à plataforma.
13.º - De referir que o concreto apoio provisório que, passe a expressão, causou a morte da vítima, encontrava-se, relativamente ao posicionamento inferior do pavimento da plataforma, a apenas 60 cm de altura.
14.º - Uma vez tombado sobre si próprio, o apoio provisório efetua uma deslocação oblíqua e curta, de cerca de um metro, e com um grau de inclinação pouco acentuado.
15.º - Em momento algum os dois homens que deslocam o apoio provisório, do local donde precisa de se deslocar até ficar em condições de ser pegado pela grua, carecem de o levantar com a força braçal; isto é, até ser pegado pela grua, o apoio provisório está com a sua base primeiro apoiada nas tábuas em que desce e, de seguida, na plataforma.
16.º - A sua deslocação, do local em que se encontrava posicionado até ao pavimento da plataforma, constituía tarefa simples e sem qualquer risco, se efetuada com observância das regras a que tal trabalho estava sujeito.
17.º - Dado o peso e a sua forma, o dito apoio provisório jamais podia ter ido para além do espaço da plataforma, só sendo concebível a sua queda para o solo com a ajuda dos trabalhadores que procediam à sua remoção.
18.º - Na verdade, o arremesso do apoio provisório, do local onde ele se encontrava, para a plataforma, e desta, diretamente para o solo, foi apenas mais um arremesso semelhante aos que antes haviam sido efetuados.
19.º - O Sr. EE nasceu em ../../1965.
20.º - A 1ª A./viúva, como doméstica que era, e continua a ser, e seus filhos (2º e 3º AA.), viviam, à data do infeliz evento, em exclusivo, do rendimento do trabalho do Sr. EE.
21.º - O Sr. EE, que mantinha com a A. uma sólida, amiga e confiante relação conjugal, após receber a retribuição, entregava à 1ª A. cerca de 70% da sua totalidade.
22.º - Com o valor recebido a 1ª A. e o Sr. EE faziam face aos gastos diários de cada um e ao sustento geral da demais família, com custo acrescido devido à gravíssima deficiência física do 2º A./BB.
23.º - A morte do Sr. EE privou, assim, os AA. de meios de regular e adequada subsistência, tendo os mesmos passado a sobreviver com carências que, até então, desconheciam.
24.º - À data do óbito o Sr. EE era saudável, vivia com alegria, que era estimado por familiares e amigos e devotava à esposa e filhos muita amizade, atenção e carinho.
25.º - Os AA. sofreram intensamente desde a data em que tiveram conhecimento de que o EE - marido e pai - havia sofrido acidente mortal,
26.º - Sofrimento que se manteve intenso durante todo o dia da morte, no dia do funeral e nos dias seguintes e mais próximos;
27.º - Sendo certo que ainda hoje mantêm, e vão continuar a manter por muito mais tempo, profundo desgosto e pesar;
28.º - Sentimento que se acentua nas datas festivas, a saber, aniversários, Natal, Páscoa.
29.º - Aquando da infeliz ocorrência dos presentes autos, encontravam-se em vigor duas apólices de seguro celebradas entre as 1ª e 2ª Rés:
a. Seguro do ramo de Acidentes de Trabalho (AT), titulado pela apólice nº ...00, no âmbito da qual a ora Contestante assumiu a responsabilidade pela reparação dos danos resultantes para os Autores e se encontra a pagar as devidas pensões, de acordo com a Lei dos Acidentes de Trabalho e com o vencimento mensal que, na altura, se encontrava transferido para a Ré EMP02...; e
b. Seguro de Responsabilidade Civil (RC), titulado pela apólice nº ...01, que cobria o risco da ocorrência de danos causados a terceiros no exercício da actividade da 1ª Ré.
30.º - Associada a essa apólice de seguro RC existe uma franquia no montante de € 2 493, 99.
31.º - De acordo com o artigo 2º das Condições Gerais, o contrato “tem por objecto a garantia da responsabilidade civil que, ao abrigo da Lei, seja imputável ao Segurado exclusivamente na qualidade ou no exercício da actividade expressamente referida nas Condições Particulares…”.
32.º - Encontram-se expressamente excluídos da cobertura os danos:
a. “Causados aos empregados, assalariados ou mandatários do Segurado, quando ao serviço deste, desde que tais danos resultem de acidente enquadrável na legislação sobre Acidentes de Trabalho”; e,
b. “Que devam ser garantidos ao abrigo de seguros obrigatórios”; e
c. “Resultantes de lucros cessantes, paralisações de actividade e perdas indirectas de qualquer natureza”.
33.º - A Ré EMP06..., S. A. é a sociedade a quem foi adjudicada  pela então designada EMP09..., S.A. a subconcessão para a conceção, projeto, construção, aumento do número de vias, financiamento, exploração e conservação, do lanço de autoestradas e conjuntos viários associados, designada por Subconcessão Auto-estrada ....
34.º - No âmbito da referida Subconcessão, a Ré EMP06..., S. A. contratou o EMP04..., ACE, um Agrupamento Complementar de Empresas para, nos termos do Contrato de Projecto e Construção, realizar a conceção, projeto, duplicação e construção das vias, conforme previsto nos números 27 e ss. do Contrato de Subconcessão, Contrato de Projecto e Construção, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os devidos efeitos.
35.º - A cláusula 22.ª do referido Contrato de Projeto e Construção determina que “salvo estipulação em contrário, o ACE suportará e será o responsável pela reparação e indemnização, nos termos gerais de direito, por todos os danos que devido a razões imputáveis à actividade que leve a cabo no âmbito do Contrato sejam impostos a terceiros, incluindo a que resulte de acções do pessoal ou dos seus subempreiteiros e fornecedores, bem como devido à execução defeituosa ou falta de condições de segurança das obras, materiais e equipamentos”.
36.º - Refere o n.º 5 e 6 da referida cláusula 28.ª que “A execução, por Empreiteiros Independentes, de qualquer obra ou trabalho que se inclua nas actividades integradas na Subconcessão deverá respeitar a legislação nacional e comunitária aplicável”, sendo que “Constitui especial obrigação do ACE promover e exigir de todas as entidades que venham a ser contratadas para o desenvolvimento de actividades objecto deste Contrato a observância de todas as regras de boa condução das obras ou trabalhos em causa e a implementação de especiais medidas de salvaguarda da integridade física do público e de todo o pessoal afecto aos mesmos”.
37.º - No âmbito da referida Subconcessão, a Ré contratou também a EMP10..., S. A., para realizar a fiscalização em obra, tendo nomeado tal empresa como coordenador em matéria de segurança e saúde durante a realização da obra nos termos e para os efeitos previstos no Decreto-Lei n.º 273/2003, de 29 de Outubro.
38.º - A EMP10... elaborou o plano de segurança e saúde para a execução da obra em causa o qual foi validado pela e aprovado pela Ré.
39.º - A Ré assegurou a divulgação do plano de segurança e saúde em obra, sendo o mesmo conhecido de todos os trabalhadores.
40.º - No Plano de Segurança e Saúde em obra, foi identificado o risco de queda de objectos/materiais no referido local, conforme Plano Específico de Segurança: “Montagem de Estruturas Pré-Fabricadas para Tabuleiros (Vigas e Pré-Lajes) – OAE’s”.
41.º - A mesma situação é identificada na Ficha de Prevenção de Riscos (FPR 369-A) do Plano, onde consta “Impedir a circulação de pessoas e equipamentos debaixo de cargas suspensas”.
42.º - A Ficha de prevenção de riscos referente à movimentação mecânica de cargas (028-A) refere, entre outras, as seguintes medidas de segurança:
 “Impedir a permanência de trabalhadores na área de manobra dos equipamentos e no raio de ação das cargas”;
 “Deverá garantir-se a correta amarração das cargas a movimentar (…)”
 “Nunca permitir que os trabalhadores se posicionem no raio de ação dos meios mecânicos de elevação e movimentação de cargas ou no trajeto das mesmas”.
43.º - O acesso/circulação na parte da obra em apreço estava condicionado por PMB (Perfis Móveis de Betão), redes Bekaert e sinalização, só havendo entrada com autorização dos encarregados.
44.º - Nos termos da Cláusula 42.2.do Contrato de Subconcessão “A Subconcessionária responderá perante o Concedente e perante terceiros, nos termos gerais da lei, por quaisquer danos emergentes ou lucros cessantes resultantes de deficiências ou omissões na concepção, no projecto, na execução das obras de construção e na Conservação da Via, devendo esta responsabilidade ser coberta por seguro nos termos do numero 73”.
45.º - Em cumprimento da referida disposição legal a Ré EMP06... encontra-se segurada através de contrato de seguro celebrado entre o EMP04... ACE com a Companhia de Seguros EMP07... (com a apólice n.º ...01) através do qual a seguradora assumiu a responsabilidade pelo pagamento de indemnizações devidas, entre outros, pela Ré EMP06..., S. A. a terceiros na sua qualidade de subconcessionária, em resultado da atividade de construção da Autoestrada ..., com o capital seguro por sinistro de 25 milhões de euros.
46.º - O citado contrato segura a atividade da Ré EMP03..., na qualidade de Subconcessionária e Operadora, garantindo “as indemnizações que legalmente sejam exigíveis ao Segurado pelos danos patrimoniais ou não patrimoniais, decorrentes de lesões corporais e/ou materiais no exercício da actividade identificada na apólice, sejam causadas a terceiros por atos ou omissões dos seus legítimos representantes ou das pessoas ao seu serviço e pelas quais seja civilmente responsável”.
47.º -Foi elaborado e executado o Plano Específico de Segurança (“PES”) para Montagem de Estruturas Pré-Fabricadas para Tabuleiros (Vigas e Pré-Lajes) – OAE’s, bem como as Fichas de Prevenção de Riscos FPR023A02 (Movimentação Manual de Cargas) e FPR028A02 (Movimentação Mecânica de Cargas).
48.º - O EMP04... transmitiu à EMP05... a responsabilidade pela sua execução.
49.º - Os mesmos foram integralmente distribuídos à EMP05..., a quem cabia proceder à respectiva divulgação pelos seus colaboradores e subempreiteiros, conforme consta dos Comprovativos de Distribuição, assinados, respectivamente, a 18 de Agosto de 2010 e a 17 de Novembro de 2011, que se dão por integralmente reproduzidos.
50.º - O EMP04... entregou também os mencionados documentos aos seus próprios trabalhadores afectos à obra em referência.
51.º - Para além da referida divulgação obrigatória, todos os trabalhadores afectos à obra em questão foram alvo de formações de acolhimento e específicas, nas quais foram sensibilizados para os vários riscos e precauções envolvidos.
52.º - Houve lugar a diversas formações específicas para a movimentação manual de cargas e para a movimentação mecânica de cargas: em particular, refira-se que os funcionários da EMP05... JJ e KK estiveram presentes nas sessões de formação, o primeiro na ocorrida em 19 de Dezembro de 2011 e o segundo nas sessões ocorridas em 19 de Dezembro de 2011 e 30 de Dezembro de 2011.
53.º - O PSS, o PES e as Fichas de Prevenção de Riscos Relativas à Movimentação Manual de Cargas e à Movimentação Mecânica de Cargas foram entregues ao trabalhador sinistrado (Sr. EE), bem como aos trabalhadores envolvidos nos trabalhos de remoção manual dos apoios provisórios (trabalhos que, como vimos, estavam em execução na altura do acidente).
54.º - O trabalhador sinistrado e os trabalhadores que procediam aos trabalhos de remoção manual dos apoios provisórios – assim como todos os restantes – estavam perfeitamente cientes das obrigações decorrentes da necessidade de assegurar, a todo o tempo, o cumprimento do plano de segurança.
55.º - O EMP04... dispunha de pessoal devidamente habilitado que acompanhava regularmente a obra, percorrendo-a nas suas diversas frentes.
56.º - A plataforma de trabalho dispunha de guarda corpos, mas também de rodapés, destinados a evitar a queda de materiais pousados nessa plataforma.
*
No acórdão proferido em 18.4.2024 foi aditado o seguinte facto:

57.º - Para além dos filhos referidos em 1.º, EE[1] deixou ainda a filha FF, nascida em ../../2008, a qual é sua filha e de LL.
*
Acresce o seguinte facto, que se encontra provado com base no auto de conciliação junto na p.i. como documento nº 2 e que aqui se adita nos termos das disposições conjugadas dos arts. 607º, nº 4 e 663º, nº 2, do CPC:

58.º - No âmbito do processo nº 376/12.7TUPNF, que correu termos no Tribunal de Trabalho de Penafiel, realizou-se, em 9.7.2013, tentativa de conciliação à qual compareceram AA, viúva do sinistrado EE, a qual interveio também em representação dos seus filhos menores BB e CC, bem como a Companhia de Seguros EMP02..., S.A.
Nessa diligência as partes acordaram que a seguradora pagaria as deslocações a tribunal, as despesas de funeral, subsídio por morte e pensões, calculados nos termos dos arts. 59º, 60º, 65º, 66º e 72º da Lei 98/2009, de 4/9, conforme melhor descrito no auto de conciliação junto como documento nº 2 com a p.i., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, tendo o Ministério Público dado as partes como conciliadas e determinado a sua conclusão ao Juiz para os efeitos do disposto no art. 114º, nº 1, do CPT.

FUNDAMENTOS DE DIREITO

Recurso de Apelação da EMP04..., A.C.E

A) (In)existência de interesse em agir dos autores

A recorrente EMP04..., na conclusão 47ª vem dizer que se “se entender que a norma aplicável é a do artigo 18.º da LAT, então verifica-se a falta de interesse em agir dos Autores, que é uma excepção inominada de conhecimento oficioso.”

A inexistência de interesse em agir é uma questão nova, pois não foi invocada na contestação e não foi objeto de decisão no tribunal de 1ª instância.
Não obstante, é possível o seu conhecimento no recurso porquanto se trata de matéria de conhecimento oficioso.

O interesse em agir constitui um pressuposto processual, não previsto expressamente na lei, mas pacificamente aceite na doutrina e na jurisprudência.

Nas palavras de Antunes Varela, “o interesse em agir consiste na necessidade de usar do processo, de instaurar a acção; não se exigindo uma necessidade absoluta, terá de haver uma necessidade justificada, razoável, fundada, de lançar mão do processo ou de fazer prosseguir a acção” (Manual de Processo Civil, pág. 170/171).

No mesmo sentido ensina Manuel de Andrade (in Noções Elementares de Processo Civil, pág. 79,) que “o direito de agir, também chamado interesse processual, consiste em o direito de o demandante estar carecido de tutela judicial. É o interesse em utilizar a arma judiciária – em recorrer ao processo.”

Diz Miguel Teixeira de Sousa (in Reflexões sobre a legitimidade das partes em processo civil, CDP, nº1, 2003, p. 6 e ss) que “[o] interesse na tutela (...), não se confunde com o interesse processual ou interesse em agir. A parte possui um interesse na tutela sempre que tenha um direito que deva ser defendido ou acautelado, mas o interesse processual ou interesse em agir só existe quando a parte puder retirar alguma utilidade da tutela jurisdicional requerida.”

No mesmo alinhamento de ideias, referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (in CPC Anotado, Vol. I, 2ª ed., pág. 64) que “[a] legitimidade processual não se confunde com o interesse em agir, reportando-se este a situações que careçam objectivamente de uma resolução judicial que ponha cobro a um conflito de interesses ou que tutele interesses juridicamente relevantes, sempre que os efeitos não possam ser alcançados com a mesma segurança por meios extrajudiciais.”

Perante a delineada noção de interesse em agir, e embora com o devido respeito por opinião contrária, não se vislumbra como se pode defender que, no caso em apreço, os autores não têm interesse em agir pois os mesmos, na qualidade de esposa e filhos do trabalhador falecido, pretendem ser indemnizados, nos termos gerais, pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos na sequência do acidente de trabalho que vitimou o trabalhador falecido, ao abrigo do disposto no art. 18º, nº 1 da LAT, sendo essa a utilidade que retiram da tutela jurisdicional requerida, a qual tem de ser alcançada no âmbito de um processo judicial.

Assim sendo, entende-se que os autores têm interesse em agir.

B) Preclusão do direito dos autores

A recorrente EMP04..., nas conclusões 48ª e 49ª, vem dizer que “como resulta do “auto de conciliação” junto aos autos, no processo emergente de acidente de trabalho n.º 376/12.7TUPNF, relativo ao sinistro aqui em causa, os Autores (representados pela Autora) não invocaram que tivesse havido violação de normas de segurança da parte do empregador ou de qualquer uma das entidades referidas no artigo 18.º da LAT”,  situação que faz “precludir o seu eventual direito decorrente dessa violação e os impede de interpor uma acção pedindo o ressarcimento de outros danos.

A preclusão do direito dos autores é uma questão nova, pois não foi invocada na contestação e não foi objeto de decisão no tribunal de 1ª instância.
Não obstante, é possível o seu conhecimento no recurso porquanto se trata de matéria de conhecimento oficioso.
Esta questão tem de ser apreciada à luz da factualidade que se encontra provada uma vez que não foi deduzida impugnação quanto à matéria de facto relativamente a esta matéria.

Para efeitos de resolução desta questão importa traçar, ainda que muito brevemente, o regime processual da ação emergente de acidente de trabalho.
Esse regime encontra-se sintetizado no acórdão desta Relação de Guimarães, de 29.5.2024 (P 2638/18.0T8VCT-B.G1 in www.dgsi.pt) no qual se diz sobre esta temática que “a acção adequada à reparação de acidentes de trabalho está prevista na lei como um processo especial - 21º/3 e 99º e ss CPT. Sendo a tramitação marcadamente sui generis, em muito distinta do comum das acções. Em traços largos o impulso processual inicial não cabe às partes, a acção não se inicia com o articulado petição inicial, numa primeira fase é dirigida pelo Ministério Público, pode nem atingir a fase contenciosa, pode não ter articulados, nem tão pouco audiência de julgamento.
Basta atentar nos detalhes em como se desenrola a tramitação processual nos casos de ocorrência de sinistro laboral mais grave do qual resulte morte (como é caso) ou incapacidade permanente para o trabalho, eventos que necessariamente dão origem à instauração da ação.
A participação do acidente ao tribunal também não está na disponibilidade das partes, sendo obrigatória para a seguradora, mas também para a empregadora quando não tenha a responsabilidade transferida e, neste caso, independentemente de qualquer apreciação das condições legais de reparação- 90º e 88º. O incumprimento desta participação ao tribunal constituiu, inclusive, contra-ordenação grave- 171º, 3, LAT. Em caso de morte a participação é também obrigatória para outras entidades, mormente directores de estabelecimento hospitalar. Tudo sem prejuízo de a participação do acidente poder ainda ser feita por outros, designadamente pelo próprio sinistrado ou familiar - 91ºe 92º LAT.
Surgida a participação dá-se obrigatoriamente inicio a processo emergente de acidente de trabalho (regra da oficiosidade), com uma fase conciliatória dirigida pelo Ministério Público e igualmente subtraída ao impulso das partes, cabendo aquele a promoção de todas as diligências probatórias necessárias ao apuramento das causas do acidente, das suas consequências e da sua reparação -21º, 3, 99º a 14º, CPT)
O processado subsequente é também atípico prevendo-se duas fases distintas. A conciliatória que é obrigatória. A contenciosa que é eventual.
Esta última sobrevirá apenas se as partes não chegarem a acordo na fase prévia sobre os aspectos essenciais do litígio, mormente sobre a existência e caracterização do acidente como sendo de trabalho, sobre as entidades responsáveis pela reparação, sobre os danos ou sobre a fixação da incapacidade para o trabalho.
Assim, a primeira fase, se bem-sucedida, termina por acordo judicialmente homologado e tranca a segunda fase que não chega a ter lugar – 114º e 117 CPC. Visa-se uma rápida autocomposição do litigio, pese embora fazendo sempre recair sobre o Ministério Púbico um dever de confirmação da veracidade dos elementos do processo e das declarações das partes para efeitos de proposição de acordo ao juiz – 104º e 114º CPT.
Em especial, no que ao caso interessa, ao Ministério Público incumbe investigar e requisitar inquérito urgente quando” houver motivos para presumir que o acidente ou as suas consequências resultaram da falta de observação das condições de segurança e saúde no trabalho” ou que “foi dolosamente provocado” – 104º, 2, c), d), CPT.
Finalmente, é o Ministério Público que promove os termos do acordo obedecendo a um principio de legalidade, conforme aos elementos probatórios fornecidos/recolhidos e as normas legais imperativas, ou que, ao invés, apresenta a petição inicial (ou advogado do autor se a acção prosseguir para essa fase) -109º, 113º, 114º, 2, 116º, 119º CPT.
À tentativa de conciliação são chamados todos os “interessados legais”. Ou seja, o sinistrado ou beneficiários legais e as entidades empregadoras e/ou seguradoras, outras entidades, incluindo “representantes”, empresa contratada pelo empregador ou utilizadora de mão-de-obra – 108º CPT
Caso haja conciliação há obrigatoriedade legal de constar no auto a indicação precisa dos direitos e obrigações que são atribuídos aos intervenientes e descrição pormenorizada do acidente e dos factos que servem de fundamento aos direitos e obrigações – 111º CPT.
A lei expressamente consagra, portanto, um dever de os interessados tomarem posição expressa sobre cada um destes factos estando habilitados a fazê-lo, sob pena de condenação em litigância de má fé – 112º/2, CPT.
Não está, assim, na disponibilidade dos intervenientes, mormente dos beneficiários, não tomar posição expressa sobre contra quem querem fazer valer os seus direitos, quais os direitos que reclamam, de quem, ou se atribuem o acidente a culpa ou a falta de observação das regras de segurança por parte da entidade empregadora ou outrem.  Aliás, tal posição é indispensável porquanto, também, só assim se aferem correctamente as prestações típicas a que possam ter direito o sinistrado e/ou beneficiários.
O regime regra subjacente à responsabilidade do empregador é o da responsabilidade pelo risco assente nas teorias de risco económico e da autoridade, sendo titulares do direito à reparação o sinistrado e determinados familiares que a lei denomina de beneficiários (1º, 2, 8º e 9º LAT). A necessidade social de tutela da situação do trabalhador e família, economicamente dependentes do trabalho, levou à consagração de um sistema em que o empregador, independentemente de culpa, se responsabiliza, assim, pelo risco da actividade que prossegue, transferindo essa responsabilidade para uma seguradora - 7º, 79º LAT.
Neste regime stricto sensu as prestações a que o credor (trabalhador/família) tem direito são unicamente as especificadas na lei de acidente de trabalho, designadamente pensões por morte ou por incapacidade permanentes, indemnizações por incapacidade temporária, prestações médicas ou medicamentosas, subsidio de funeral, etc - 23º NLAT. São também estabelecidos limites máximos aos montantes a atribuir, incluindo tabelas de pensões e indemnizações abaixo dos danos reais. Ou seja, o direito à reparação por acidente de trabalho baseada no risco tem um “carácter tarifário e limitado” - Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, “A reparação de danos Emergentes de acidentes de trabalho”, in Temas Laborais, Estudos e Pareceres, Almedina, p. 39.
Não abrange, assim, nem todos os prejuízos patrimoniais, designadamente os lucros cessantes de outras actividades laborais, nem tão pouco os danos não patrimoniais, como por exemplo o dano decorrente da perda do direito à vida e os danos não patrimoniais próprios dos familiares.
Do ponto de vista dos sujeitos processuais também existem limitações, do lado activo figurarão o sinistrado ou os beneficiários e, do lado passivo, a seguradora (por força do seguro) e/ou o empregador caso não tenha transferido a responsabilidade infortunística, ou ambos, caso haja apenas transferência parcial.
Pode, contudo, acontecer que a responsabilidade extracontratual pelo risco concorra com a responsabilidade extracontratual por culpa do empregador (subjectiva), dos seus representantes, ou mesmo com a culpa de outro trabalhador ou de terceiros estranhos à relação laboral propriamente dita - 17º e 18º da NLAT. São casos de obrigações solidárias em que, a acrescer à garantia dada pelo risco, poderão ser vários outros os responsáveis caso se prove a ocorrência/concorrência de culpas.
A própria lei de acidentes de trabalho prevê tais situações, não se limitando a regular apenas a responsabilidade pelo risco do empregador/seguradora, pese embora esta seja a fonte que histórica e socialmente explica o instituto e informa o regime da reparação por acidentes laborais.
Face ao invocado na acção interessa-nos a hipótese da reparação por responsabilidade civil subjectiva (culpa) do empregador, seus representantes e terceiros, decorrente da inobservância das regras de segurança no trabalho.
Na matéria dispõe o artigo 18º da NLAT:
“1-Quando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante, ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, ou resultar da falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária ela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais” - 18º/1, NLAT.
(...)
Dos normativos decorre que se a causa do acidente de trabalho radicar na culpa do empregador e “representantes” e demais entidades referidas, o titular do respectivo direito indemnizatório pode exigir em tribunal indemnização por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais, e pode exigi-los de todos os responsáveis solidários, a acrescer às prestações típicas decorrentes do risco laboral.
O processo adequado para os beneficiários legais reclamarem estes direitos é a acção especial emergente de acidente de trabalho, tal qual temos vindo a desenvolver. Enfatiza-se novamente que o direito de ressarcimento do sinistrado/beneficiários em caso de actuação culposa do empregador/representantes é muito superior ao que resultaria das regras gerais de responsabilidade objectiva (18º LAT). As próprias “prestações tarifadas” de reparação de acidentes de trabalho são superiores se baseadas na culpa ao invés do risco.
Por isso, os intervenientes, todas eles, têm o dever de nos termos expostos tomar posição expressa sobre o que entendem ser os seus direitos e responsabilidades, mormente se o sinistro teve causa no risco ou na culpa de alguém.
Do regime de acidente de trabalho resulta, pois, uma ideia de concentração neste processo especial de todas as questões relacionadas com a caracterização do acidente de trabalho e determinação da entidade responsável e em que moldes, com a consequente preclusão de reabertura destas questões. Em obediência aos referidos princípios da oficiosidade, imperatividade e irrenunciabilidade dos direitos específicos que conformam o regime de reparação de acidentes de trabalho e da sua natureza pública.”

E assim, a jurisprudência, fazendo apelo a diferentes institutos jurídicos, quais sejam a autoridade de caso julgado, o caso julgado, o indeferimento liminar por manifesta improcedência, a inutilidade da lide ou a exceção dilatória inominada[2], tem-se pronunciado no sentido de haver preclusão dos direitos emergentes de acidente de trabalho que não foram discutidos no momento próprio na ação respetiva.
Acompanhamos esta orientação, que pensamos ser maioritária, pois, se no processo de acidente de trabalho, aquando da realização da tentativa de conciliação, o trabalhador ou os beneficiários já eram conhecedores das concretas circunstâncias em que o acidente ocorreu, não invocaram o direito de reparação ao abrigo do art. 18º e aceitaram conciliar-se recebendo unicamente as prestações normais previstas na LAT, decorrentes de responsabilidade pelo risco, a questão ficou definitivamente decidida e ficou precludido o direito de posteriormente, em ação autónoma, virem invocar existência das situações previstas no art. 18º, nº 1 da LAT e reclamarem da entidade empregadora uma indemnização mais abrangente, relativa a todos os danos sofridos. Se conheciam em toda a sua plenitude as concretas circunstâncias em que ocorreu o acidente e, por consequência, sabiam que o acidente foi provocado pelo empregador ou pelas demais entidades referidas no nº 1 do art. 18º ou que houve violação das regras de segurança e saúde no trabalho por parte daquelas entidades e, ainda assim, optaram por conciliar-se, não se justifica que posteriormente possam vir suscitar essa questão em ação autónoma.

Porém, se aquando da tentativa de conciliação, os beneficiários desconheciam que o acidente foi provocado pelo empregador ou pelas demais entidades referidas no nº 1 do art. 18º ou que houve violação das regras de segurança e saúde no trabalho por parte daquelas entidades e se ocorreu uma situação de conhecimento superveniente dos factos integradores da culpa da empregadora, consideramos não se poder concluir pela preclusão do direito.

Neste sentido, sumariou-se no acórdão da Relação de Lisboa de 13.7.2016 (P 244/12.2TBVPV-A.L1-4 in www. dgsi.pt) que:

1- Tem interesse em agir aquele que tem uma necessidade objectiva e justificada de socorrer-se do processo ou de fazer prosseguir a acção.
2- Tendo as partes, na tentativa de conciliação, aceitado o acordo promovido pelo Ministério Público, que foi homologado pelo Juiz e já transitou em julgado, tal implica que ficaram definitivamente fixados os direitos e obrigações de cada uma, o que impede que o sinistrado, posteriormente, proponha acção a invocar que o acidente ocorreu por culpa exclusiva da empregadora e reclame indemnização por danos não patrimoniais, sem alegar a existência de fundamentos de anulação do acordo ou o conhecimento superveniente dos factos integradores da culpa da empregadora” (negrito nosso).

No caso em apreço, os autores alegaram que só tiveram conhecimento da versão judicial das concretas circunstâncias do evento que vitimou EE através do despacho de arquivamento do processo crime, mediante notificação judicial datada de 11.2.2016 (cf. art. 49º da p.i).
Ora, o auto de conciliação no âmbito do processo de trabalho teve lugar em 9.7.2013 (doc. 2 junto com a p.i.), ou seja, em data anterior a esse alegado conhecimento.
Não existe nos autos qualquer elemento que permita concluir que, à data em que os beneficiários aceitaram conciliar-se no âmbito do processo de trabalho, já tivessem conhecimento da existência de violação das regras de segurança por parte da entidade empregadora. Também não foi deduzida qualquer impugnação à matéria de facto no sentido de ser aditado que os autores, aquando da realização da tentativa de conciliação no âmbito do processo de acidente de trabalho, já sabiam da concreta existência da falta de observação das regras sobre segurança e saúde no trabalho provocadora do acidente.
Face a tal, e perante a alegação feita pelos mesmos de que só posteriormente tiveram conhecimento dessa violação, não estando demonstrado que assim não é, não existem nos autos elementos factuais que permitam concluir, oficiosamente, que houve preclusão do direito dos autores.

No que toca à interveniente FF, o seu direito nunca se poderia considerar precludido porquanto a mesma não interveio na tentativa de conciliação no âmbito do processo emergente de acidente de trabalho.

Assim sendo, entende-se que os elementos factuais constantes dos autos não permitem concluir pela preclusão do direito dos autores e da interveniente, pelo que improcede esta questão recursiva.

C) – Alteração da matéria de facto

A recorrente pretende que seja aditada à matéria de facto provada a factualidade que enuncia nas als. a) a n) da conclusão 18ª.

Previamente à análise substancial da pretensão deduzida quanto à alteração da matéria de facto importa verificar se essa alteração é útil e relevante para a decisão a proferir, pois só nessa hipótese se justifica aceitar a dedução da impugnação.
Ao invés, em situações de irrelevância para o conhecimento do mérito da causa, visto os factos impugnados não serem suscetíveis de influenciar decisivamente a decisão do pleito segundo as diferentes soluções plausíveis de direito, é inútil e contrário aos princípios da economia e da celeridade a reponderação pela Relação da decisão proferida pela 1.ª instância.
Assim, e seguindo a esclarecedora linha de raciocínio traçada sobre esta matéria no Acórdão do STJ, de 17.5.2017 (P 4111/13.4TBBRG.G1.S1 in www.dgsi.pt), “[o] princípio da limitação de actos, consagrado no artigo 130º do Código de Processo Civil para os actos processuais em geral, proíbe a sua prática no processo – pelo juiz, pela secretaria e pelas partes – desde que não se revelem úteis para este alcançar o seu termo.
Trata-se de uma das manifestações do princípio da economia processual, também aflorado, entre outros, no artigo 611º, que consagra a atendibilidade dos factos jurídicos supervenientes, e no artigo 608º n.º 2, quando prescreve que, embora deva resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, o juiz não apreciará aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Nada impede que também no âmbito do conhecimento da impugnação da decisão fáctica seja observado tal princípio, se a análise da situação concreta em apreciação evidenciar, ponderadas as várias soluções plausíveis da questão de direito, que desse conhecimento não advirá qualquer elemento factual, cuja relevância se projecte na decisão de mérito a proferir.
Com efeito, aos tribunais cabe dar resposta às questões que tenham, directa ou indirectamente, repercussão na decisão que aprecia a providência judiciária requerida pela(s) parte(s) e não a outras que, no contexto, se apresentem como irrelevantes e, nessa medida, inúteis.
Para se aferir da utilidade da apreciação da impugnação da decisão fáctica importa considerar se os pontos de facto questionados se não apresentam de todo irrelevantes, se a eventual demonstração dos mesmos é susceptível de gerar um juízo diferente sobre a questão de direito, se é passível de influenciar e, porventura, alterar a decisão de mérito no quadro das soluções plausíveis da questão de direito.”

A recorrente pretende que seja aditada à matéria de facto provada a factualidade que enuncia nas als. a) a n) da conclusão 18ª, que nos dispensamos de aqui reproduzir porquanto já se encontra transcrita supra.

Com o aditamento dessa factualidade pretende que se conclua que “não constando da matéria assente nenhum facto de que decorra a violação por parte do Apelante de regras de segurança e o nexo de causalidade necessários à imputação ao mesmo da responsabilidade pelo acidente, deve a acção improceder por falta de causa de pedir.”
E pretende também que se considere que factualidade dada como provada não permite concluir pelo preenchimento da norma do “artigo 152.º-B do Código Penal” que é “uma norma penal em branco e não se tendo verificado qualquer violação das normas assinaladas na sentença, não se podem considerar como preenchidos os pressupostos do tipo legal de crime de violação de regras de segurança, o qual tem como premissa a violação da obrigação de garantir as condições de segurança no trabalho.”

O acórdão do STJ, proferido no âmbito dos recursos de revista, considerou ser necessário, em concreto, “apreciar se os factos provados preenchem todos os elementos de algum tipo legal de crime que permita o alargamento do prazo prescricional reclamado pelos Autores/Recorrentes.”
Analisou o preenchimento do crime previsto no art. 152.º-B do Código Penal (Violação de regras de segurança) e concluiu que “[e]stão, assim, preenchidos os elementos constitutivos do crime de violação de regras de segurança previsto e punido pelo art. 152.º-B, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, no que respeita aos factos imputados ao Réu EMP04..., A.C.E.. Havendo a morte do trabalhador resultado de factos ilícitos, e tendo o perigo sido criado por negligência, aplica-se o disposto na al. b) do n.º 4 do art. 152.º-B, que pune a conduta com pena de prisão de dois a oito anos” (negrito nosso).

Para alcançar esta conclusão, baseou-se, entre outros, nos seguintes fundamentos:

- “conforme a factualidade provada, houve violação por parte do Réu EMP04..., A.C.E., das regras de segurança a que legalmente estava adstrita, tendo essa violação contribuído de forma decisiva para a ocorrência do acidente e, consequentemente, da morte do Marido e Pai dos Autores”, referindo-se, designadamente aos factos provados nºs 4.º, 5.º, 33.º a 43.º, 47.º a  56.º
- “Dos factos dados como provados resulta que no Plano de Segurança e Saúde em obra foi identificado o risco de queda de objetos/materiais no local, conforme Plano Específico de Segurança: “Montagem de Estruturas Pré-Fabricadas para Tabuleiros (Vigas e Pré-Lajes) – OAE’s”. E a Ficha de prevenção de riscos referente à movimentação mecânica de cargas (028-A) menciona, inter alia, as seguintes medidas de segurança:
 “Impedir a permanência de trabalhadores na área de manobra dos equipamento e no raio de ação das cargas”;
“Deverá garantir-se a correta amarração das cargas a movimentar (…)”
“Nunca permitir que os trabalhadores se posicionem no raio de ação dos meios mecânicos de elevação e movimentação de cargas ou no trajeto das mesmas”.
- “Embora não resulte provada a inclusão no plano de segurança da imposição prevista no art. 160.º do Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil aprovado pelo Decreto n.º 41821, de que os objetos utilizados em obra devem ser arriados com cuidado e nunca arremessados diretamente, encontrava-se na referida ficha de segurança a obrigação da correta amarração das cargas a movimentar, o que naturalmente incluía a obrigação de amarração dos apoios provisórios de betão, a movimentar para o solo, ao invés do seu arremesso direto e sem qualquer cuidado, como se veio a verificar no caso concreto.”

- “a violação das regras de segurança a cargo do Réu EMP04..., A.C.E., enquanto entidade executante da obra e entidade empregadora do trabalhador sinistrado, assenta na violação dos deveres de fiscalização a que estava legalmente obrigada quanto ao cumprimento das regras de segurança incluídas no referido plano de segurança, por parte de todos os trabalhadores que se encontravam a laborar no estaleiro, incluindo os trabalhadores de subempreiteiros.”

- “Era, assim, obrigação do Réu EMP04..., A.C.E., enquanto entidade executante, garantir a correta aplicação do plano de segurança, que estabelecia as regras de movimentação de materiais e equipamentos no estaleiro, devidamente amarrados, por parte de todos os trabalhadores que prestassem serviço na obra, incluindo trabalhadores de subempreiteiros e trabalhadores independentes, o que inclui os trabalhadores que, inopinadamente, arremessaram o apoio provisório de betão que veio a provocar a morte de EE.”

- “Provou-se que o Réu EMP04..., A.C.E., dispunha de pessoal, devidamente habilitado, que acompanhava regularmente a obra, percorrendo-a nas suas diversas frentes. Contudo, os factos provados relativos à ocorrência do sinistro revelam uma violação manifesta desse dever de fiscalização da observância das referidas regras de segurança que impediam o arremesso manual dos apoios provisório de betão diretamente para o solo.”

- “Reveste-se de particular relevância a factualidade provada sob o n.º 18: “Na verdade, o arremesso do apoio provisório, do local onde ele se encontrava, para a plataforma, e desta, diretamente para o solo, foi apenas mais um arremesso semelhante aos que antes haviam sido efetuados”.

- “Deste facto resulta com toda a clareza que o arremesso do apoio provisório que veio a provocar a morte do trabalhador EE não foi o primeiro arremesso de um desses apoios provisórios, tendo havido anteriormente outras situações semelhantes (pelo menos duas vezes, atenta a utilização do plural no referido facto provado sob o n.º 18).”

- “Atendendo às características dos apoios provisórios em causa (caixas/peças metálicas com forma retangular, integralmente preenchidas com betão, com, pelo menos, 150 kg de peso, com cerca de 75 centímetros de comprimento por 40 cm de altura e com a base, que efetivamente apoia, com cerca de 25 cm), a que acresce a elevada altura da qual os mesmos foram arremessados (35 metros), certamente que o seu impacto no solo, ou em qualquer outro objeto, causou elevado estrondo facilmente percetível por qualquer pessoa que se encontrasse nesse momento no estaleiro. Ou seja, tal conduta adotada pelos trabalhadores que procediam à remoção dos referidos apoios provisórios de betão não passaria certamente despercebida a qualquer fiscal de obra ou qualquer outro vigilante que exercesse de forma zelosa o dever de fiscalização do cumprimento das regras de segurança por parte dos trabalhadores. Ainda assim, apesar de terem existido, pelo menos, duas situações anteriores em que os apoios provisórios foram arremessados diretamente do viaduto, a 35 metros de altura, para o solo, não foram adotadas pelos responsáveis da Ré quaisquer medidas preventivas que evitassem que os trabalhadores que procediam ao arremesso daqueles equipamentos, em clara violação das regras de segurança aplicáveis, adotassem novamente a mesma conduta ilícita, de forma a proteger a vida e integridade física dos demais trabalhadores que prestavam serviço no estaleiro. Ou seja, aquela conduta ilícita não foi objeto de qualquer fiscalização por parte do Réu EMP04..., A.C.E., enquanto entidade executante da obra, que, dessa forma, não agiu de forma a evitar a repetição de tais ilícitos.”

- “Se o Réu EMP04..., A.C.E., tivesse zelado pela correta fiscalização da observância das regras de segurança por parte de todos os trabalhadores da obra, certamente que esses arremessos anteriores dos apoios provisórios descritos sob o n.º ...8, teriam sido notados, sendo obrigação dos responsáveis do Réu EMP04..., A.C.E., adotar as medidas concretas destinadas a evitar condutas semelhantes no futuro, se necessário com o afastamento dos trabalhadores que tivessem assumido essa conduta ilícita e com a expressa comunicação a todos os trabalhadores da proibição de condutas semelhantes com prévia alteração do plano de segurança ou da ficha de segurança aplicável àqueles trabalhos específicos, como também decorre das normas legais contidas no DL n.º 273/2003.”

- “No caso dos autos, o dever de fiscalização imposto pelas normas mencionadas supra deveria ter sido ser cumprido pela pessoa ou pessoas que ocupavam na Ré uma posição de liderança (os órgãos e representantes e quem nela tivesse autoridade para exercer o controlo da sua atividade), ou por quem agisse sob a autoridade daquelas pessoas em virtude de uma violação dos deveres de vigilância ou controlo de que estivessem incumbidas.”

- “a factualidade provada revela a existência de negligência.”

- “No caso sub judice, a delimitação do conteúdo do dever objectivo de cuidado é facilitada pela existência de regras de segurança e saúde no trabalho, as quais foram violadas pelos responsáveis do Réu EMP04..., A.C.E.. Isto indicia a violação daquele dever objectivo de cuidado. Atendendo à natureza do Réu EMP04..., A.C.E., entidade empregadora do trabalhador sinistrado e entidade executante da obra de construção civil levada a cabo no estaleiro onde ocorreu o acidente, para pessoas médias, com as capacidades e qualidades dos responsáveis daquela Ré, por força das circunstâncias existentes no momento e no local, era previsível que o arremesso do apoio provisório de betão viesse a provocar lesões ou a morte de outros trabalhadores que passassem por debaixo do viaduto, como aconteceu com EE.”

- “Verifica-se, deste modo, a violação do dever objetivo de cuidado que impendia sobre os responsáveis da Ré, nomeadamente nos termos das normas referidas supra, assim como de um dever objetivo geral de cuidado.”

- “ É também necessário que se produza o resultado típico em consequência dessa violação do dever de cuidado. Não restam dúvidas que, no caso dos autos, a violação das referidas normas legais colocou efetivamente em perigo o bem jurídico protegido pelo tipo de ilícito aqui em causa, ou seja, foi a omissão do referido dever de fiscalização do cumprimento das regras de segurança respeitantes à movimentação de materiais e equipamentos no estaleiro que sujeitou o trabalhador EE a uma atividade perigosa para a sua vida, vindo a causar a sua morte. Foi a omissão desse dever de fiscalização que permitiu que os apoios provisórios de betão fossem arremessados diretamente do viaduto para o solo, colocando em sério perigo os restantes trabalhadores da obra que aí circulassem, como veio a acontecer com EE que conduzia um veículo atingido no tejadilho pelo referido equipamento arremessado do viaduto, o que causou as lesões que estiveram na origem da sua morte. O cumprimento do referido dever de fiscalização por parte dos responsáveis do Réu EMP04..., A.C.E., evitaria que, depois da verificação dos primeiros arremessos dos apoios provisórios de betão por parte dos trabalhadores que procediam à remoção desses equipamentos, se repetisse tal conduta ilícita. Ou seja, o cumprimento de tal dever eliminaria o perigo potenciado por aquela conduta.

- “In casu, o incumprimento do referido dever de fiscalização por parte do Réu EMP04..., A.C.E., afigura-se manifestamente adequado a produzir o resultado traduzido na sujeição do trabalhador sinistrado a uma situação de perigo para a sua vida, perigo este que se veio a consubstanciar na sua morte diretamente causada pela queda do referido apoio provisório de betão. Esse resultado é uma consequência normal e típica daquela omissão imputável à Ré.”

- “Existe, assim, nexo causal entre a violação das normas legais referidas supra, que impõem ao Réu EMP04..., A.C.E., o dever de fiscalização do cumprimento das regras de segurança, de um lado e, de outro, o resultado dessa conduta ilícita consubstanciado na efetiva sujeição do trabalhador sinistrado a uma situação de perigo para a sua vida que se veio a concretizar na sua morte” (sublinhados nossos).

Esta fundamentação e decisão constantes do acórdão proferido pelo STJ impõem-se nos autos, por via da autoridade do caso julgado, não sendo possível, perante a factualidade já dada como provada, decidir de forma diversa, ou seja, que não houve violação das regras de segurança por parte da ré EMP04..., ou que não existe nexo de causalidade entre essa violação e a sujeição do trabalhador sinistrado a uma situação de perigo para a sua vida que se veio a concretizar na sua morte, ou que este atuou sem culpa.

Na verdade, o caso julgado tem a vertente negativa de exceção e a vertente positiva de autoridade de caso julgado.
Como se escreveu no Acórdão do STJ, de 26.2.2019 (P 4043/10.8TBVLG.P1.S1 in www.dgsi.pt) “[a] autoridade de caso julgado "tem o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível da segunda decisão de mérito. Este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade: o objeto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda ação, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida. (...)
Na autoridade, há uma conexão ou dependência entre o objeto da segunda ação e o objeto definido na primeira ação, sem que aquele se esgote neste. Aqui, impõe-se que essas questões comuns não sejam decididas de forma diferente, devendo a decisão da segunda ação acatar o que foi decidido na primeira, como pressuposto indiscutível”.

Dito de outro modo, “o caso julgado impor-se-á por via da sua autoridade quando a concreta relação ou situação jurídica que foi definida na primeira decisão não coincide com o objeto da segunda ação mas constitui pressuposto ou condição da definição da relação ou situação jurídica que nesta é necessário regular e definir (neste caso, o Tribunal apreciará e definirá a concreta relação ou situação jurídica que corresponde ao objeto da ação, respeitando, contudo, nessa definição ou regulação, sem nova apreciação ou discussão, os termos em que foi definida a relação ou situação que foi objeto da primeira decisão)” (Acórdão da Relação de Coimbra, de 11.6.2019 P 355/16.5T8PMS.C1 in www.dgsi.pt).

A ré EMP04... não impugnou a factualidade que foi dada como provada, restringindo-se a sua pretensão impugnatória ao aditamento de factos que entende que se encontram provados e tendo por finalidade demonstrar que não violou as regras de segurança e que não existe o nexo de causalidade necessário para que lhe seja imputada a responsabilidade pelo acidente.

Ora, o aditamento desta factualidade, no caso, é inútil, porque não é passível de alterar a conclusão jurídica constante do acórdão do STJ, de que ocorreu violação das regras de segurança por parte da ré EMP04..., que existe nexo causal entre a violação das normas legais que lhe impunham o dever de fiscalização do cumprimento das regras de segurança, e que, como resultado dessa conduta ilícita, ocorreu uma efetiva sujeição do trabalhador sinistrado a uma situação de perigo para a sua vida que se veio a concretizar na sua morte.

Por conseguinte, nas concretas circunstâncias do caso sub judice, o aditamento da factualidade pretendida pela recorrente EMP04..., não é suscetível de gerar um juízo diferente sobre a questão jurídica, não sendo passível de alterar a decisão de mérito.

Com estes fundamentos, rejeita-se, por inútil, o aditamento da matéria de facto constante das als. a) a n) da conclusão 18ª.

D) – Verificação dos pressupostos legais de que depende a obrigação de indemnização por parte da ré EMP04...

A sentença recorrida considerou que a EMP04..., que não demonstrou ter avaliado o perigo, nem definiu as medidas de prevenção adequadas, infringiu as disposições dos arts. 5º. nº 3, 20º e 22º, nº 1, al. a) do DL nº 273/2003. Considerou igualmente verificado o nexo de causalidade entre o comportamento ilícito da empregadora EMP04... e a morte do trabalhador e concluiu que, quanto à mesma, se verificam os pressupostos de aplicação do art. 18º, nº 1, da LAT, pelo que julgou verificados os pressupostos de que depende a obrigação de indemnização a cargo da ré EMP04....

A ré EMP04... discorda desse entendimento e defende que, no caso, não se verificam os pressupostos legais de que depende a obrigação de indemnização porque não praticou qualquer ato ilícito, designadamente não houve, da sua parte, violação de qualquer regra de segurança e saúde no trabalho, nem existe nexo de causalidade entre qualquer ato por si praticado e a morte do trabalhador.

Sobre a questão da existência de responsabilidade de indemnização da entidade empregadora importa ter presente o disposto no nº 1 do art. 18º da LAT (Lei n.º 98/2009, de 04 de setembro), segundo o qual, quando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais.

Conforme consta do sumário do acórdão da Relação do Porto, de 29.09.2016 (P 185/13.6TTBJA.C1 in www.dgsi.pt) “[p]ara se poder considerar que um dado acidente de trabalho foi provocado pelo empregador impõe-se a demonstração da violação das regras de segurança, da culpa e do nexo de causalidade entre o acidente e a violação das ditas regras. (...) Quem invocar os fundamentos previstos no artº 18º, nº 1, da LAT/2009 tem, em princípio, o ónus da prova dos factos respectivos.”

Trazemos aqui, novamente, à colação, o que já foi decidido pelo acórdão do STJ sobre esta matéria, e que aqui se impõe por força da autoridade do caso julgado, conforme já acima referimos. Com efeito, o STJ considerou existir violação das regras de segurança a cargo da EMP04..., A.C.E., enquanto entidade executante da obra e entidade empregadora do trabalhador sinistrado, assente na violação dos deveres de fiscalização a que estava legalmente obrigada; considerou existir nexo causal entre a violação das normas legais, que impõem à EMP04..., A.C.E. o dever de fiscalização do cumprimento das regras de segurança e o resultado dessa conduta ilícita, consubstanciado na efetiva sujeição do trabalhador sinistrado a uma situação de perigo para a sua vida que se veio a concretizar na sua morte; e considerou que a factualidade provada revela a existência de negligência.

Porque, por força da autoridade de caso julgado, não se pode decidir diversamente esta questão, alcança-se a conclusão de que se encontram preenchidos todos os pressupostos de que depende a responsabilidade da EMP04... pela indemnização da totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelos familiares do trabalhador, nos termos gerais, ao abrigo do disposto no art. 18º, nº 1, da LAT.

A recorrente EMP04... apenas questionou no recurso a existência dos pressupostos atinentes à responsabilidade pela indemnização, não tendo questionado o concreto valor da indemnização arbitrada.
Assim, a questão do quantum indemnizatório está definitivamente fixada, nos termos constantes da decisão recorrida, não fazendo parte do objeto do recurso.

Do exposto decorre que improcede o recurso da EMP04....
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II - Apreciação da pretensão material de FF

Em 27.9.2022, FF deduziu pedido de intervenção principal espontânea, associando-se aos autores e fazendo seus os articulados dos mesmos, alegando que é filha e herdeira do falecido EE e que lhe cabe o mesmo direito que aos seus irmãos, peticionando que a procedência da ação tenha as consequências que para si advirão enquanto herdeira do seu pai.

No recurso de revista que interpôs, e que foi julgado parcialmente procedente, pediu que fosse mantida a condenação na indemnização, quanto à sua quota-parte, nos montantes fixados de € 125 000,00 e de € 220 000,00, acrescidos de juros. Pediu ainda que ao montante de € 220 000,00 fixado na sentença não fosse deduzida qualquer quantia quanto a si, porquanto não interveio na conciliação no âmbito do processo laboral e não recebeu aí qualquer quantia da Companhia de Seguros EMP02..., S.A. (cf. conclusões 9ª e 10ª do recurso de revista que interpôs).

O STJ entendeu não se poder substituir ao Tribunal da Relação de Guimarães quanto a essa pretensão, e que a mesma deverá ser apreciada por este Tribunal, o qual deverá também analisar se deve ou não ser deduzida alguma quantia ao montante de € 220 000 fixado na sentença na parte respeitante à interveniente (cf. nºs 12 e 14, págs. 54 e 55 do acórdão do STJ e al. b) do dispositivo do acórdão quanto ao recurso de revista interposto por FF).

Conforme resulta do já supra decidido no âmbito do recurso da EMP04..., mantém-se a condenação desta ré no pagamento da quantia de € 125 000,00 e da quantia de € 220 000, 00.

A quantia indemnizatória de € 220 000,00 foi atribuída a título de perda de rendimentos da viúva e dos filhos.
A quantia indemnizatória de € 125 000 foi atribuída a título de dano pela lesão do direito à vida e por danos morais próprios da viúva e dos filhos.
Uma vez que a interveniente FF também é filha do falecido EE, está incluída, juntamente com os restantes autores, no direito a receber essa indemnização.

A decisão recorrida determinou que a quantia de € 220 000,00 fosse “deduzida do valor global a pagar pela Companhia de Seguros EMP02..., S. A., no âmbito da conciliação laboral, até ao limite de € 133 564,89”.
Esta dedução justifica-se para evitar a ocorrência de duplicação de indemnização pelos mesmos danos. Portanto, ao valor devido pelos autores originários haverá que descontar o que já lhes foi arbitrado, a título de pensão, no âmbito do processo de acidente de trabalho.

Esta dedução não se justifica relativamente à interveniente FF pois esta não interveio no processo de acidente de trabalho que correu termos na sequência do falecimento de EE e, como resulta do auto de conciliação que ocorreu nesse processo (que se encontra junto como doc. nº 2 da p.i.), só se encontra previsto o pagamento de pensões por parte da Companhia de Seguros EMP02..., S.A. aos autores originários, ou seja, a AA, BB e CC, não se prevendo nenhum pagamento à interveniente FF.
Logo, só quanto aos autores originários há que efetuar a dedução referente aos montantes recebidos da Companhia de Seguros EMP02..., com vista a evitar duplicação de indemnizações, nada havendo a descontar quanto à quota parte da interveniente FF, porquanto esta nada recebeu da seguradora no âmbito do processo de acidente de trabalho.

Procede, nos termos anteditos, a pretensão material deduzida por FF.
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A sentença proferida na 1ª instância declarou que os autores são, conjuntamente com a filha DD, os únicos e universais herdeiros do falecido EE.
Após a prolação dessa sentença, foi admitida a intervenção de FF, a qual é também filha de EE (cf. facto 57).
A sentença não pôde ter em conta este facto, porquanto a intervenção foi admitida em momento posterior à sua prolação.
Como tal, o dispositivo da sentença tem de ser alterado, por forma a abranger esta situação posterior, ficando a constar que:

Os autores e a interveniente são, conjuntamente com DD, os únicos e universais herdeiros do falecido EE.
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Assim, em face da improcedência do recurso da EMP04... e da procedência da pretensão material da interveniente FF, a ré EMP04... ACE é condenada a pagar aos autores e à interveniente, solidariamente, a quantia de € 125 000, 00 e a quantia de € 220 000,00, acrescidas esta quantia de juros de mora à taxa legal, a contar da citação, e a quantia de € 125 000, 00, a contar da prolação da sentença, até efetivo e integral pagamento.
A quota-parte da quantia de € 220 000, 00 devida aos autores deve ser deduzida do valor global a pagar pela Companhia de Seguros EMP02..., S. A., no âmbito da conciliação laboral, até ao limite de € 133 564,89;
A quota-parte da quantia de € 220 000, 00 devida à interveniente não será objeto de qualquer dedução.
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Nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º, do CPC, a decisão que julgue o recurso condena em custas a parte que a elas houver dado causa, entendendo-se que lhes deu causa a parte vencida, na respetiva proporção, ou, não havendo vencimento, quem do processo tirou proveito.
Tendo o recurso sido julgado improcedente, é a recorrente responsável pelo pagamento das custas, em conformidade com a disposição legal citada.
Não há condenação autónoma em custas quanto à pretensão da interveniente porquanto essa condenação já foi efetuada no âmbito do recurso de revista e este Tribunal limitou-se a apreciar a pretensão material em virtude de no STJ não operar a regra da substituição ao tribunal recorrido.

DECISÃO

Pelo exposto, as juízes deste Tribunal da Relação:

A) alteram a 3ª parte do dispositivo da sentença proferida na 1ª instância dela ficando a constar que:

Os autores e a interveniente são, conjuntamente com DD, os únicos e universais herdeiros do falecido EE.

B) julgam improcedente o recurso interposto por EMP04..., A.C.E. e, em consequência, mantêm a sentença proferida na 1ª instância que a condenou a pagar aos Autores, solidariamente, a quantia de € 125 000, 00 (cento e vinte e cinco mil euros) e a quantia de € 220 000, 00 (duzentos e vinte mil euros), deduzida do valor global a pagar pela Companhia de Seguros EMP02... , S. A., no âmbito da conciliação laboral, até ao limite de € 133 564,89 (cento e trinta e três mil quinhentos e sessenta e quatro euros e oitenta e nove cêntimos), acrescidas esta quantia de juros de mora à taxa legal, a contar da citação, e a quantia de € 125 000, 00, a contar da prolação da sentença, até efetivo e integral pagamento;

C) julgam procedente a pretensão material formulada pela interveniente FF e, em consequência, a condenação no pagamento referida em B), além dos autores, inclui também a interveniente, com exceção da parte relativa à dedução das quantias pagas pela Companhia de Seguros EMP02..., S. A., a qual não a abrangerá.

As custas do recurso ficam a cargo da recorrente EMP04..., A.C.E.
Notifique.
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Guimarães, 5 de junho de 2025

(Relatora) Rosália Cunha
(1º/ª Adjunto/a) Lígia Paula Ferreira de Sousa Santos Venade
(2º/ª Adjunto/a) Maria João Marques Pinto de Matos


[1] Por manifesto lapso de escrita consta do acórdão de 18.4.2024 MM, em vez de ..., tendo-se corrigido tal lapso no texto.
[2] Veja-se, por todos, a jurisprudência citada no acórdão da Relação de Guimarães, de 29.5.2024 (P 2638/18.0T8VCT-B.G1), nota 7: “STJ acórdão de 15-09-2022, p. 10114/20.5T8LSB.L1.S1 (concluiu-se pela excepção de autoridade de caso julgado, tendo a A. peticionado em nova acção indemnização por danos não patrimoniais após se ter apreciado e decidido na acção de acidente a questão do risco e da culpa); RL acórdãos de 3-05-2017 (indeferimento liminar, por manifesta improcedência, em que a acção de acidente de trabalho terminou também por homologação de acordo e o sinistrado em acção comum pretendeu demandar a empregadora por violação de regras de segurança); 4-07-2012 (estando assente por acordo que eram responsáveis com base no risco a seguradora e empregadora – na parte de salário não transferido-, a sinistrada veio posteriormente no próprio acidente de trabalho solicitar indemnização por danos morais); 3-02-2010 (indeferimento liminar por manifesta improcedência); 13-07-2016 (este considerando haver uma inutilidade da lide); RP de 8-11-2010 (acção de acidente de trabalho que terminou por homologação de acordo e os beneficiários accionaram nova acção com base em responsabilidade subjectiva); 21-10-2013 (beneficiária que se conciliou com base no risco na acção de acidente de trabalho e intentou nova acção de acidente de trabalho exigindo indemnização por danos não patrimoniais com base na culpa agravada); 7-09-2015 (sinistrada que, após se conciliar em acção de acidente de trabalho, em acção comum demandou a empregador para exigir, entre outras, indemnização, por danos não patrimoniais); RG de 21-04-2016 (julgou-se procedente a excepção inominada na sequencia de acordo homologado na acção de acidente de trabalho, o que impede, no entender da Relação, que a instância se renove e as partes intentem nova acção para reclamar outros direitos); 18-04-2024 (a primeira instância julgou verificada excepção dilatória inominada, tendo a sinistrada intentado segunda acção de processo comum, depois de ter corrido ação de acidente de trabalho, decisão confirmada na Relação); 8-10-2020 (confirmando que a viúva beneficiária não pode em nova ação vir peticionar outras indemnizações, seja com base na preclusão, seja por efeito do caso julgado, mas admitindo o direto de acção aos herdeiros filhos não beneficiários) ; RC de 25-10-2019 e de 26-02-2019 acima já citado; RE de 9-03-2016 (no sentido de que em acção conexa não é possível discutir-se se o acidente ocorreu por falta de observação das regras de segurança, no caso a acção de acidente de trabalho terminou inclusive por sentença após julgamento).”