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SIGILO BANCÁRIO
LEVANTAMENTO
REQUISITOS
Sumário
I - O sigilo bancário deve ceder perante o dever de cooperação na descoberta da verdade material, com vista à satisfação do interesse público da administração e da realização da justiça. II - Tal sucede quando está em causa a necessidade de prova pelo autor de factualidade integrante da causa de pedir por si alegada atinente a movimentações de dinheiro em contas bancárias tituladas pela ré.
Texto Integral
Proc. 3483/23.7T8VFR-A.P1
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Sumário:
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Acordam na 3ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:
I – Relatório
Identificação das partes e indicação do objeto do litígio
AA intentou contra BB ação declarativa com processo comum, peticionando: I – Ser a ré condenada, a ver declarado e a reconhecer:
Que o prédio urbano registado na Conservatória do Registo Predial de Ovar, com a descrição n.º...82, da freguesia ..., denominado como “Lote ...0”, inscrito na matriz predial urbana com o art....74 (a que corresponde o anterior artigo provisório ...74-P) da referida freguesia ... (atual União das freguesias ..., ..., ... e ...): A) Foi comprado - aquisição essa que então deu origem à Ap. ...04 de 2020/09/16 da supra referida descrição ...82 - integralmente com dinheiro próprio do autor, mediante o reemprego do preço da venda de um bem próprio deste (supra identificado nos art.s 19.º a 22.º desta p.i.). B) Que esse prédio urbano comprado, conserva por isso – por sub-rogação – a qualidade de bem próprio do autor, e não integra a comunhão conjugal com a ré. II – Ser ordenada a realização pelos serviços de Registo Predial de todos os atos registrais que decorram do supra peticionado em I, e sejam necessários ao seu integral cumprimento. III – Ser ordenada a alteração pelos Serviços de Finanças do titular na sua inscrição matricial, passando a constar da mesma apenas o autor. Subsidiariamente, em relação a I B), II e III
(Ou seja, para a hipótese - que por mera cautela de patrocínio se coloca – de se manter o carácter comum do imóvel): IV – Ser a ré condenada a ver declarado e a reconhecer que o autor tem direito a ser compensado no montante de 300.000,00€ (trezentos mil euros), que lhe é devido pelo património comum do casal, crédito esse a efetivar no momento da dissolução e partilha da comunhão conjugal com a ré.
Para tanto, alegou, além do mais:
– Que era proprietário de um apartamento sito no Porto, por si comprado em data anterior ao casamento que veio a celebrar com a ré, apartamento esse que foi vendido na pendência de tal casamento com a ré, por intermédio desta como sua procuradora, por contrato de compra e venda (e mútuo com hipoteca), celebrado em 23/10/2019, pelo preço de € 300.000,00 pago pela compradora através do cheque com o n.º ...63, sacado sobre a Banco 1... e entregue à ré, que esta, no uso de procuração do autor, depositou numa conta bancária apenas por si titulada, domiciliada na Banco 1...;
– Que a ré, ulteriormente, por escritura pública celebrada em 14/09/2020, adquiriu à “A..., Unipessoal, Lda.” o imóvel sito em Ovar que identifica, pelo preço de € 290.000,00, preço esse que foi pago com o dinheiro proveniente da venda do apartamento do autor, através de 3 cheques sacados sobre a Banco 1...;
– Que foi efetuado na Conservatória do Registo Predial o registo da aquisição desse imóvel pela ré, casada no regime de comunhão de adquiridos com o autor, apesar do preço da compra ter sido liquidado exclusivamente com o dinheiro proveniente da venda do apartamento que era bem próprio do autor;
– Que os restantes € 10.000,00 resultantes da venda do apartamento do autor foram utilizados para pagamento à A..., LDA., em setembro de 2020, de uma fatura por alterações efetuadas na moradia de montante superior a esse.
No requerimento probatório da petição inicial requereu o autor, além do mais, a notificação da ré para juntar aos autos extratos bancários das contas por si tituladas na Banco 1..., no período compreendido entre 23/10/2019 e 23/09/2020 (ou seja, entre o dia da venda, e 8 dias após a compra).
Citada, a ré contestou, impugnando por falsa, além do mais, a factualidade alegada pelo autor na petição, atinente ao depósito em conta bancária da Banco 1... titulada unicamente pela ré do cheque de € 300.000,00 entregue para pagamento do preço da venda do apartamento do autor sito no Porto, a factualidade atinente à utilização desse dinheiro para o pagamento do preço da aquisição (efetuada pela ré) do imóvel sito em Ovar e para o pagamento do custo das alterações efetuadas pela vendedora no imóvel vendido sito em Ovar, alegando que o pagamento do preço da compra da moradia foi efetuado através de 3 cheques sacados sobre a sua conta da Banco 1... que se trata de «(…) conta com dinheiro de ambos cônjuges;// 25.ºMormente das economias da Ré; (…)».
Conclui pela improcedência da ação e sua absolvição dos pedidos.
Em 21-02-2024 foi proferido despacho que dispensou a realização da audiência prévia e procedeu à identificação do objeto do processo – «(…) determinar se o prédio urbano registado na CRP de Ovar com o n.º ...82, denominado de “Lote ...0”, inscrito na matriz predial urbana com o art.º ...74 é bem próprio do Autor. Subsidiariamente, aferir se o Autor tem direito a ser compensado no montante de € 300.000,00 pelo património comum do casal.» – e enunciação dos temas da prova, nos seguintes termos:
«(…) 1. Da aquisição do prédio urbano registado na CRP de Ovar com o n.º ...82, denominado de “Lote ...0” e inscrito na matriz predial urbana com o art.º ...74 com o produto da venda de prédio pertencente ao Autor; 2. Da aquisição do prédio urbano registado na CRP de Ovar com o n.º ...82, denominado de “Lote ...0”, inscrito na matriz predial urbana com o art.º ...74 com economias do casal.»
Em 14-03-2024 o autor veio «(…) Reiterar o seu requerimento (da p.i.) de notificação da ré, para juntar aos autos, Extratos bancários das contas por si tituladas na Banco 1..., no período compreendido entre 23/10/2019 e 23/09/2020 (ou seja, entre o dia da venda, e 8 dias após a compra).»
Em 07-05-2024 o tribunal a quo ordenou a notificação da ré para juntar os extratos bancários requeridos.
Notificada, a ré, em 23-05-2024, apresenta requerimento em que informa o tribunal «(…) que se opõe à junção dos aludidos extractos, por entender que tal constituiria uma violação grave e inaceitável do direito à reserva e vida privada; Esta posição a Ré é legítima e enquadrável no disposto na al. b), nº3, do artigo 417º do CPC e nº1, do artigo 25º e nº1, do artigo 26º da CRP.».
Em 01-06-2024 o autor pronunciou-se sobre tal requerimento da ré no sentido da falta de fundamento da escusa da ré, alegando que, na versão desta, o autor conhecia os movimentos da conta, sendo contraditória com tal versão a invocação da reserva da vida privada e que ocorre colisão com o direito do autor a fazer valer o seu direito de acesso aos tribunais. Concluiu requerendo que «(…) julgando infundada a escusa da ré, notificar novamente a mesma para proceder à já ordenada junção dos extratos bancários, por ser essencial para a boa decisão da causa, e sob cominação de inversão do ónus da prova (art. 417.º, 2 do C.P.C.).»
Em 04-07-2024 o tribunal a quo profere despacho em que considera que «(…) a Ré pode legitimamente recusar-se, como se recusou, a facultar no processo os pretendidos extractos da sua conta bancária pessoal (…)» e que «(…) face a tal recusa, não há qualquer incidente de que se possa lançar mão para o forçar a revelar os dados em causa, nomeadamente a pretendida nova notificação do mesmo para junção os extractos da sua conta bancária sob pena inversão do ónus da prova, uma vez que a recusa da Ré é legítima. (…)», concluindo que «(…) deve ser indeferido o requerido pelo Autor, sem prejuízo de ser suscitado incidente de levantamento do sigilo bancário, o qual pressupõe que, previamente, a fim de aferir a legitimidade da recusa, a entidade bancária seja notificada para fornecer os extractos pretendidos (cfr., neste sentido, v.g., Ac. Rel. Guimarães de 27/04/2023, proc. n.º 5694/21.0T8VNF-A.G1, relatora Maria Amália Santos, publicado in www.dgsi.pt), notificação esta que será, desde já, determinada.», tendo indeferido o requerimento do autor de 01-06-2024 e ordenado a notificação da «(…) entidade bancária para fornecer os pretendidos extractos bancários.».
Em 04-07-2024 o tribunal enviou a seguinte notificação à Banco 1..., S.A.:
«(…) Assunto: Despacho Fica V. Exª. notificado, na qualidade de Interveniente Acidental, e relativamente ao processo supra identificado, de todo o conteúdo do despacho e requerimento de 14/03/2024 que se anexam, nomeadamente para no prazo de 10 dias: - juntar aos autos, extratos bancários das contas tituladas, pela ré abaixo identificada, na Banco 1..., no período compreendido entre 23/10/2019 e 23/09/2020 (ou seja, entre o dia da venda e 8 dias após a compra). Ré: (…)».
Em 15-07-2024 a Banco 1..., S.A. apresentou resposta, no que aqui releva, com o seguinte teor:
«(…) No ofício n.º133960295, de 2024-07-04, é solicitada à Banco 1..., S.A. (a Caixa) informação sobre extratos bancários das contas tituladas por BB, NIF ...33. Ora, sendo a Caixa uma instituição de crédito, os membros dos seus órgãos de administração ou fiscalização e (entre outros) os seus colaboradores, mandatários, comissários e outras pessoas que lhe prestem serviços a título permanente ou ocasional não podem, nos termos do artigo 78.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, revelar ou utilizar informações sobre factos ou elementos respeitantes à vida da instituição ou às relações desta com os seus clientes cujo conhecimento lhes advenha exclusivamente do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços fora das situações previstas no n.º 2 do artigo 79.º do diploma referido. A violação deste dever é tipificada como crime pelo artigo 195.º do Código Penal. Não se verificando, face aos dados fornecidos, nenhuma das exceções estabelecidas no citado n.º 2 do artigo 79.º do mencionado Regime, a Caixa encontra-se assim impedida de aceder à solicitação efetuada. Não se ignora que o artigo 417.º do Código de Processo Civil determina, nos seus n.º 1 e 2, que todas as pessoas têm o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade; no entanto, o n.º 3 desta norma prevê que a recusa de colaboração é legítima quando importe violação do sigilo profissional, onde se inclui o dever de segredo bancário. Face ao exposto, deduz-se escusa na prestação da informação solicitada com fundamento no dever de segredo bancário, nos termos e para os efeitos da alínea c) do n.º 3 do artigo 417.º do Código de Processo Civil. (…)».
Em 25-09-2024 o tribunal a quo proferiu o seguinte despacho: «Face à posição assumida pela Banco 1..., notifique o Autor para, querendo, despoletar o incidente de levantamento do sigilo. Notifique.»
Em 12-03-2025 o autor apresentou requerimento de quebra do sigilo bancário alegando, em síntese, que a junção aos autos dos extratos bancários das contas tituladas pela ré na Banco 1..., no período compreendido entre 23/10/2019 e 23/09/2020 (ou seja, entre o dia da venda, e 8 dias após a compra) se destina à prova dos factos constitutivos por si alegados na petição inicial e que a recusa de junção afeta o seu direito de acesso aos tribunais, reconhecido no art. 20.º da Constituição da República por impedir a prova dos fundamentos da ação, devendo «(…) ser feita uma valoração da colisão de direitos, de acordo com o princípio da concordância prática (art.335.º do Código Civil).», valorando-se «(…) no caso concreto a restrição incomportável do direito do Autor e o interesse da administração da Justiça, com o menos valoroso e hipotético incómodo da Ré.».
Em 24-03-2025 a ré opôs-se, invocando a inadmissibilidade do incidente por intempestivo e alegando que não se verifica, no caso, o fundamento justificativo da quebra do sigilo bancário – que seja uma prova imprescindível para a boa decisão da causa – porque já se encontram juntos aos autos os cheques bancários referentes à venda e à compra e que o autor nunca concretizou de forma objetiva quais os factos por si alegados que pretende ver provados através desses extratos, concluindo pela improcedência do incidente.
Em 15-05-2025 o tribunal de 1.ª instância, considerando tempestiva a dedução do incidente e legítima a escusa invocada pela referida instituição bancária, decidiu suscitar perante o Tribunal da Relação do Porto o incidente previsto no artigo 135.º, n.º 3 do Código de Processo Penal.
Após os vistos legais, cumpre decidir.
II – Questões a decidir
Cumpre apreciar da existência de sigilo bancário e, em caso afirmativo, se se justifica o seu levantamento, por dever cessar perante o dever de cooperação com a justiça.
III – Fundamentação
De facto
Os factos a considerar são os que estão descritos no relatório.
Análise dos factos e aplicação da lei
Dispõe o art. 417.º, n.º 1 – Dever de cooperação para a descoberta da verdade – do Cód. Proc. Civil nos seguintes termos:
1 – Todas as pessoas, sejam ou não partes na causa, têm o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado, submetendo-se às inspeções necessárias, facultando o que for requisitado e praticando os atos que forem determinados.
2 - Aqueles que recusem a colaboração devida são condenados em multa, sem prejuízo dos meios coercitivos que forem possíveis; se o recusante for parte, o tribunal aprecia livremente o valor da recusa para efeitos probatórios, sem prejuízo da inversão do ónus da prova decorrente do preceituado no n.º 2 do artigo 344.º do Código Civil.
3 - A recusa é, porém, legítima se a obediência importar:
a) Violação da integridade física ou moral das pessoas;
b) Intromissão na vida privada ou familiar, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações;
c) Violação do sigilo profissional ou de funcionários públicos, ou do segredo de Estado, sem prejuízo do disposto no n.º 4.
4 - Deduzida escusa com fundamento na alínea c) do número anterior, é aplicável, com as adaptações impostas pela natureza dos interesses em causa, o disposto no processo penal acerca da verificação da legitimidade da escusa e da dispensa do dever de sigilo invocado.
Do disposto neste n.º 4 do art. 417.º do Cód. Proc. Civil resulta que o dever de sigilo – fundamento da legitimidade da recusa, nos termos previstos na al. c) do n.º 3 do transcrito art. 417.º do Cód. Proc. Civil – não tem carácter absoluto, comportando exceções, nomeadamente quando tal se mostrar necessário para satisfazer outros interesses constitucionalmente protegidos, como é o caso, por exemplo, do direito de acesso aos tribunais.
Como referido no preâmbulo do DL n.º 329-A/95, de 12 de dezembro, que introduziu alterações ao anterior 519.º do Cód. Proc. Civil, entre as quais a introdução da redação que os vigentes n.os 3 e 4 do art. 417.º do Cód. Proc. Civil mantêm, procurou-se «(…) no capítulo da produção dos meios de prova (…) introduzir alterações significativas, com vincados apelos à concretização do princípio da cooperação, redimensionado não só em relação aos operadores judiciários como às instituições e cidadãos em geral, adentro de uma filosofia de base de obtenção, em termos de celeridade, eficácia e efectivo aproveitamento dos actos processuais, de uma decisão de mérito, o mais possível correspondente, em termos judiciários, à verdade material subjacente (…)», para o que «(…) delimitando, embora, com rigor, as hipóteses de recusa legítima de colaboração em matéria probatória (…)», se acentuará «(…) a vertente pública da realização da justiça e a permanência desse valor, na tutela dos interesses particulares atendíveis dos cidadãos, enquanto tal, e se respeitará o conteúdo intrínseco e próprio dos diversos sigilos profissionais e similares, legalmente consagrados. Não obstante, o mesmo interesse público, conatural à função de administração da justiça, como valor intersubjectivo e de solidariedade e paz social, legitimará que o interesse de ordem pública que também preside à estatuição de tais sigilos ceda em determinados casos concretos, mediante a respectiva dispensa, e isso mesmo exactamente se consagra, admitindo a aplicação, ponderada em função da natureza civil dos interesses conflituantes, do regime previsto na legislação processual penal para os casos de legitimação de escusa ou dispensa do dever de sigilo. (…)».
Assim, por força do disposto no n.º 3 do art. 135.º do Cód. Proc. Penal, aplicável com as devidas adaptações ex vi n.º 4 do art. 417.º do Cód. Proc. Civil, a decisão de autorização da quebra do segredo ou sigilo profissional pressupõe que «(…) esta se mostre justificada, segundo o princípio da prevalência do interesse preponderante (…)», nas circunstâncias do caso concreto.
No caso em análise, a Banco 1..., S.A., foi notificada para juntar aos autos extratos bancários das contas aí existentes tituladas pela ré BB no período compreendido entre 23/10/2019 e 23/09/2020 (ou seja, entre o dia da venda e 8 dias após a compra).
Recusou a prestação de tal informação invocando encontrar-se a mesma abrangida pelo segredo bancário, nos termos dos arts. 78.º e 79.º Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (DL n.º 298/92 de 31/12).
É o seguinte o teor das referidas disposições legais: Artigo 78.º Dever de segredo
1 - Os membros dos órgãos de administração ou fiscalização das instituições de crédito, os seus colaboradores, mandatários, comissários e outras pessoas que lhes prestem serviços a título permanente ou ocasional não podem revelar ou utilizar informações sobre factos ou elementos respeitantes à vida da instituição ou às relações desta com os seus clientes cujo conhecimento lhes advenha exclusivamente do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços.
2 - Estão, designadamente, sujeitos a segredo os nomes dos clientes, as contas de depósito e seus movimentos e outras operações bancárias.
3 - O dever de segredo não cessa com o termo das funções ou serviços.
Artigo 79.º Exceções ao dever de segredo
1 - Os factos ou elementos das relações do cliente com a instituição podem ser revelados mediante autorização do cliente, transmitida à instituição.
2 - Fora do caso previsto no número anterior, os factos e elementos cobertos pelo dever de segredo só podem ser revelados:
a) Ao Banco de Portugal, no âmbito das suas atribuições;
b) À Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, no âmbito das suas atribuições;
c) À Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões, no âmbito das suas atribuições;
d) Ao Fundo de Garantia de Depósitos, ao Sistema de Indemnização aos Investidores e ao Fundo de Resolução, no âmbito das respetivas atribuições;
e) Às autoridades judiciárias, no âmbito de um processo penal;
f) Às comissões parlamentares de inquérito da Assembleia da República, no estritamente necessário ao cumprimento do respetivo objeto, o qual inclua especificamente a investigação ou exame das ações das autoridades responsáveis pela supervisão das instituições de crédito ou pela legislação relativa a essa supervisão;
g) À administração tributária, no âmbito das suas atribuições;
h) Ao Organismo Europeu de Luta Antifraude, através da Inspeção-Geral de Finanças - Autoridade de Auditoria, na qualidade de serviço nacional de coordenação antifraude, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea b) do primeiro parágrafo do n.º 3-A do artigo 7.º do Regulamento (UE, Euratom) n.º 883/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de setembro de 2013, na sua redação atual.
i) Quando exista outra disposição legal que expressamente limite o dever de segredo.
3 - (Revogado.)
A informação solicitada está coberta pelo dever de segredo previsto no supra transcrito art. 78.º, pelo que temos que concluir pela legitimidade da escusa do Banco na prestação da requerida informação.
Como é referido no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.° 2/2008, in DR l.ª série, de 31 de Março de 2008, o segredo bancário pretende salvaguardar uma dupla ordem de interesses. Por um lado, interesses de ordem pública: «(…) o regular funcionamento da actividade bancária, baseada num clima generalizado de confiança, sendo o segredo um elemento decisivo para a criação desse clima de confiança, e indirectamente para o bom funcionamento da economia, já que o sistema de crédito, na dupla função de captação de aforro e financiamento do investimento, constitui, segundo o modelo económico adoptado, um pilar do desenvolvimento e do crescimento dos recursos. Por outro lado, o segredo visa também a protecção dos interesses dos clientes da banca, para quem o segredo constitui a defesa da discrição da sua vida privada, tendo em conta a relevância que a utilização de contas bancárias assume na vida moderna, em termos de reflectir aproximadamente a “biografia” de cada sujeito, de forma que o direito ao sigilo bancário se pode ancorar no direito à reserva da intimidade da vida privada, previsto no art. 26º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa. Porém, esse direito ao sigilo, embora com cobertura constitucional, não é um direito absoluto, até porque, pela sua referência à esfera patrimonial, não se inclui no círculo mais íntimo da vida privada das pessoas, embora com ele possa manter relação estreita. Pode, pois, ter que ceder perante outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, cuja tutela imponha o acesso a informações cobertas pelo segredo bancário. (…)».
Assim, afirmada a existência do dever de segredo profissional, cumpre então apreciar se, atento o princípio da prevalência do interesse preponderante referido no n.º 3 do art. 135.º do Cód. Proc. Penal, aplicável por força da remissão efetuada pelo n.º 4 do art. 417.º do Cód. Proc. Civil, se justifica, no caso, a quebra do dever de segredo, por ao interesse atinente ao regular funcionamento da atividade da Banco 1..., S.A., que implica a manutenção da confiança com os seus clientes, nomeadamente, assegurando-se a reserva das informações privadas destes fornecidas no âmbito da relação com os mesmos estabelecida, se sobrepor o interesse público da boa administração e realização da justiça.
No caso em análise alegou o autor, além do mais, como fundamento da ação por si intentada contra a ré, que procedeu à venda do seu apartamento (bem próprio) pelo preço de € 300.000,00, que foi pago pela compradora através do cheque n.º ...63, sacado sobre a Banco 1..., o qual foi entregue à ré que interveio na escritura pública como procuradora e em representação do autor, em conformidade com procuração que este lhe havia outorgado.
Alegou ainda o autor – art. 36.º da petição inicial – que a ré, no uso dessa procuração do autor, depositou o referido cheque em conta bancária apenas por ela titulada, ao que julga, na Banco 1....
A ré impugnou esta factualidade nos termos do art. 13.º da sua contestação (‘não corresponde à verdade, é incorreto, não aceita o sentido e alcance pretendidos pelo Autor’).
Está-se aqui, assim, perante matéria de facto controvertida, incumbindo ao autor fazer prova dessa factualidade – depósito do referido cheque em conta bancária da Banco 1..., S.A., titulada unicamente pela ré.
Ora, a prova da efetivação do depósito desse cheque em conta(s) bancária(s) titulada(s) pela ré junto da Banco 1... exige que tal instituição faculte ao tribunal e processo informação sobre as contas bancárias tituladas pela ré nessa instituição e respetivos saldos existentes/apresentados a partir da data da entrega do referido cheque (consta da escritura de compra e venda outorgada em 23-10-2019 junta ao processo que nessa data foi efetuada a entrega pela compradora à ré – que interveio na escritura como procuradora e em representação do autor – do identificado cheque n.º ...63 de € 300.000,00 para o pagamento do preço do apartamento), e a identificação da concreta conta bancária em que foi efetuado o depósito desse cheque, acompanhada da parte do extrato bancário da conta onde consta tal movimento bancário.
Veja-se que, tendo a ré sido notificada para juntar ao processo os extratos bancários para prova dessa factualidade, a mesma podia (melhor, a nosso ver, devia, atendendo aos deveres processuais previstos nos arts. 7.º e 8.º do Cód. Proc. Civil que também vinculam as próprias partes) ter identificado a(s) conta(s) em que tal depósito foi efetuado e procedido à junção da parte do(s) respetivo(s) extrato(s) bancário(s) contendo o registo desse(s) movimento(s) ou ter juntado a informação/identificação das contas bancárias por si tituladas na Banco 1... autorizando esta instituição a prestar informação sobre a efetivação/existência do alegado depósito do referido cheque em qualquer uma dessas contas. Tal permitiria a produção dos meios de prova necessários e adequados à prova (ou infirmação) da factualidade pertinente alegada pelo autor, sem qualquer violação da reserva da sua vida privada. Não foi essa a atuação da ré, o que veio a determinar a subsequente decisão judicial de notificação da Banco 1..., S.A. proferida em 04-07-2024.
O autor também alegou que em 14-09-2020 a ré celebrou escritura de aquisição de imóvel sito em Ovar, sendo o preço da compra e venda de € 290.000,00, o qual foi liquidado pela ré através dos cheques identificados no art. 41.º da petição inicial. Esta matéria de facto não está controvertida.
Mas, como fundamento do direito que através da ação o autor pretende fazer valer, alegou ainda que todo o dinheiro usado pela ré para o pagamento desse preço e também o montante de € 10.0000,00 usados para pagamento à vendedora do custo de alterações efetuadas no imóvel sito em Ovar era dinheiro seu, proveniente da anterior venda do seu apartamento (arts. 47.º, 48.º e 52.º da petição inicial).
Ora, a ré também impugnou “por não corresponderem à verdade, não serem correctos ou não se aceitar o sentido e alcance pretendidos pelo Autor” tal factualidade (art. 35.º da contestação).
Está-se aqui, novamente, perante matéria de facto controvertida, incumbindo ao autor fazer prova desta factualidade.
Da factualidade já assente (ver arts. 40.º e 41.º da petição inicial e art. 23.º da contestação), e considerando ainda as cópias dos cheques juntos aos autos, o pagamento do preço da aquisição do imóvel sito em Ovar (€ 290.000,00) terá sido efetuado através dos seguintes cheques:
- Cheque n.º ...88, com data de 02/03/2020, no montante de 2.500,00€, sacado sobre a conta da Banco 1... ...30 (conta titulada pela ré);
- Cheque n.º ...89, com data de 13/03/2020, no montante de 26.500,00€, sacado sobre a conta da Banco 1... ...30 (conta titulada pela ré);
- Cheque n.º ...12, com data de 07/07/2020, no montante de 261.000,00€, sacado sobre a conta da Banco 1... ...98.
Encontra-se ainda junto aos autos cópia de um outro cheque alegadamente emitido e entregue pela ré à vendedora A... (para o pagamento das alterações efetuadas ao imóvel): Cheque n.º ...90, com data de 11-05-2020, no montante de € 12.366,00, sacado sobre a conta da Banco 1... ...30 (conta titulada pela ré).
Tem o autor que provar o que alegou – ou seja, que tais pagamentos foram efetuados com o dinheiro proveniente da venda do seu apartamento.
Tal exige que sejam juntos aos autos os extratos da conta bancária da Banco 1... ...30 titulada pela ré contendo, no período indicado pelo autor, todos os movimentos a crédito efetuados nessa conta e respetivos saldos, sem necessidade de visualização dos movimentos a débito, com exceção dos movimentos atinentes aos referidos Cheques n.º ...88, com data de 02/03/2020, no montante de 2.500,00€, Cheque n.º ...89, com data de 13/03/2020, no montante de 26.500,00€ e Cheque n.º ...90, com data de 11-05-2020, no montante de € 12.366,00.
É essa a informação necessária indispensável para prova dos factos cujo ónus da prova recai sobre o autor (por permitir perceber qual a proveniência do dinheiro creditado na referida conta), sem que daí resulte ofensa prevalecente aos demais interesses protegidos pelo segredo bancário (a restrição da informação a ser disponibilizada aos movimentos a crédito e saldos e aos movimentos referentes aos cheques já identificados afasta qualquer violação incomportável dos direitos/interesses protegidos pelo segredo bancário, incluindo a reserva da vida privada da ré esgrimida por esta na recusa de junção aos autos dos extratos solicitados, interesses esses que sempre se revelará necessário restringir perante o interesse preponderante do direito do autor ao recurso aos meios de prova indispensáveis para fazer valer o seu direito de acesso aos tribunais).
De igual modo, mostra-se necessária e indispensável a prestação de informação sobre a existência de outras contas bancárias tituladas pela ré na Banco 1..., S.A. e junção aos autos dos extratos bancários no período requerido, contendo todos os movimentos a crédito efetuados nessa conta e respetivos saldos, e ainda a eventual movimentação em qualquer dessas contas do Cheque n.º ...12, com data de 07/07/2020, no montante de 261.000,00€, sacado sobre a conta da Banco 1... ...98.
É, pois, de afirmar a necessidade e indispensabilidade da prestação pela Banco 1..., S.A. da parte das informações solicitadas abrangida pelo sigilo bancário para permitir o acesso do autor aos meios de prova dos factos cujo ónus de prova sobre si recai, e que de outro modo o autor ficaria impedido de obter, com o que resultaria inelutavelmente postergado o interesse público da boa administração e realização da justiça.
Verifica-se a prevalência da satisfação do interesse público da administração e da realização da justiça justificativa da dispensa do sigilo bancário, quanto à junção aos autos pela Banco 1..., S.A., da seguinte documentação:
– Extratos bancários das contas tituladas pela ré BB, NIF ...33, no período compreendido entre 23/10/2019 e 23/09/2020, contendo informação sobre o(s) saldo(s) à data de 23-10-2019 e à data de 23/09/2020 e contendo ainda os seguintes movimentos:
1) – Movimentos a crédito efetuados nessa(s) conta(s) no referido período e respetivos saldos – com expressa informação sobre a conta bancária onde foi efetuado o crédito/depósito/movimentação do cheque bancário n.º ...63 no valor de € 300.000,00, emitido em 21-10-2019 pela Banco 1...;
2) – Quanto aos movimentos a débito, apenas os referentes à movimentação dos seguintes cheques: a) – Cheque n.º ...88, com data de 02/03/2020, no montante de 2.500,00€, sacado sobre a conta da Banco 1... ...30; b) – Cheque n.º ...89, com data de 13/03/2020, no montante de 26.500,00€, sacado sobre a conta da Banco 1... ...30; c) – Cheque n.º ...12, com data de 07/07/2020, no montante de 261.000,00€, sacado sobre a conta da Banco 1... ...98; d) – Cheque n.º ...90, com data de 11-05-2020, no montante de € 12.366,00, sacado sobre a conta da Banco 1... ...30.
Estão, pois, verificados os pressupostos de que depende a autorização de quebra do dever de segredo bancário por parte da Banco 1..., S.A. quanto às informações/junção da documentação acima indicadas, devendo o sigilo bancário ceder perante o dever de cooperação para a descoberta da verdade material.
IV – Dispositivo
Pelo exposto, acorda-se em deferir o incidente de levantamento do sigilo/segredo profissional, autorizando, com quebra do sigilo bancário, a junção aos autos pela Banco 1..., S.A. dos extratos bancários das contas tituladas pela ré BB, NIF ...33, no período compreendido entre 23/10/2019 e 23/09/2020, contendo informação sobre o(s) saldo(s) à data de 23-10-2019 e à data de 23/09/2020 e contendo ainda os seguintes movimentos:
1) – Movimentos a crédito efetuados nessa(s) conta(s) no referido período e respetivos saldos – com expressa informação sobre a conta bancária onde foi efetuado o crédito/depósito/movimentação do cheque bancário n.º ...63 no valor de € 300.000,00, emitido em 21-10-2019 pela Banco 1...;
2) – Quanto aos movimentos a débito, apenas os referentes à movimentação dos seguintes cheques: a) – Cheque n.º ...88, com data de 02/03/2020, no montante de 2.500,00€, sacado sobre a conta da Banco 1... ...30; b) – Cheque n.º ...89, com data de 13/03/2020, no montante de 26.500,00€, sacado sobre a conta da Banco 1... ...30; c) – Cheque n.º ...12, com data de 07/07/2020, no montante de 261.000,00€, sacado sobre a conta da Banco 1... ...98; d) – Cheque n.º ...90, com data de 11-05-2020, no montante de € 12.366,00, sacado sobre a conta da Banco 1... ...30.
Custas a cargo da ré/requerida, por ter ficado vencida (art. 527.º do Cód. Proc. Civil).
Notifique.
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Porto, 2025-06-26. (data constante da assinatura eletrónica)