ESTACIONAMENTO AUTOMÓVEL
CONCESSIONÁRIA
COMPETÊNCIA MATERIAL
TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS
Sumário

Os tribunais administrativos e fiscais são os competentes para tramitar e julgar acção declarativa, intentada por empresa concessionária da exploração e gestão de zonas de estacionamento de duração limitada municipais, que visa a obter de particular utilizador de tais zonas o valor da taxa correspondentemente devida.

Texto Integral

Processo: 126611/24.4YIPRT.P1

Acordam os Juízes que integram a 3ª secção do
Tribunal da Relação do Porto

Relatório:
“A..., SA”, com sede na estrada ..., ..., ..., Madeira, apresentou requerimento de injunção contra AA, residente na rua ..., ..., rés-do-chão, Porto.
Afirmou a autora, em súmula, no requerimento de injunção, que, no exercício da actividade de exploração e prestação de serviços na área do parqueamento automóvel, explorou, em diversos locais da cidade de Matosinhos, máquinas para pagamento de estacionamento automóvel.
Invoca que o requerido, enquanto utilizador do veículo automóvel de matrícula ..-..-TA, entre Agosto de 2023 e Setembro de 2024, procedeu ao estacionamento deste em diversos parques da cidade de Matosinhos explorados pela autora, sem efectuar o pagamento do período de estacionamento de que usufruiu, nas datas e locais que indica, no total de € 4.235,40.
Invoca que o requerido não procedeu ao pagamento dos valores devidos, não obstante as interpelações feitas pela autora.
Exige do requerido o pagamento da quantia total de € 4235,40, a título de capital, € 71,10 a título de juros, e € 76,50 a título de juros de mora.
Citado, o requerido apresentou oposição, na qual, em súmula, começa por invocar a incompetência dos tribunais judiciais em razão da matéria, entendendo que o litígio se inclui na esfera de competência dos tribunais administrativos.
Excepciona, ainda, a prescrição do crédito que a autora pretende fazer valer, invocando a seu favor o decurso do prazo fixado no artigo 10º da Lei nº 23/96, de 26 de Julho.
Em sede de impugnação, aceita ser proprietário do veículo automóvel de matrícula ..-..-TA, mas impugna os restantes factos invocados no requerimento de injunção.
Nega ter recebido qualquer interpelação da parte da autora até à citação para os termos do procedimento de injunção.
Afirma não ser o condutor habitual do veículo automóvel em questão.
Conclui pedindo a procedência das excepções de incompetência material ou prescrição, ou, se assim se não entender, pede a improcedência da injunção.
Remetidos os autos a juízo, foi o processo distribuído ao juízo local cível do Porto (J4).
Notificada para se pronunciar quanto à matéria de excepção invocada pelo réu, a autora apresentou novo articulado, no qual, em súmula, afirma ter celebrado contrato de concessão e exploração para o fornecimento, instalação e exploração de parquímetros em zonas e parques de estacionamento automóvel de duração limitada na área da cidade de Matosinhos,
Repete a sua versão dos factos constante do requerimento de injunção.
Entende que os valores discriminados no requerimento de injunção constituem apenas a contraprestação do serviço proporcionado pela autora ao réu, no âmbito de um relacionamento contratual de facto.
Entende inexistir fundamento para atribuir aos tribunais administrativos a apreciação da relação jurídico-material trazida a juízo, na medida em que a autora sempre actuou desprovida de qualquer poder público, limitando-se a prestar um serviço ao réu.
Defende que o serviço prestado pela autora não se enquadra nos serviços públicos essenciais a identificados na Lei nº 23/96, de 26 de Julho, não sendo de aplicar o prazo de prescrição aí previsto.
Conclui pedindo a improcedência das excepções arguidas pelo réu.
Foi determinada a junção aos autos do contrato de concessão e exploração invocado pela autora.
De seguida, foi proferida decisão que, julgando procedente a excepção dilatória de incompetência em razão da matéria, absolveu o réu da instância.
Desta decisão, inconformada, a autora interpôs recurso, que, admitido como de apelação, a subir imediatamente e nos próprios autos, e com efeito meramente devolutivo, foi apreciado e não provido, por decisão singular proferida ao abrigo do disposto no artigo no artigo 656º do Código de Processo Civil.
Vem agora a recorrente, mantendo-se inconformada, reclamar para a conferência, nos termos do nº 3 do artigo 652º do Código de Processo Civil, apresentando as seguintes conclusões:
A) Não estando em causa a natureza pública do contrato celebrado entre a Câmara Municipal e a A... SA., não pode, contudo, este primeiro contrato, contagiar, ou ser equiparado, aos posteriores contratos tacitamente celebrados entre a A... e os utentes, pois tais contratos têm natureza privada;
B) O facto de a Câmara, enquanto Entidade Administrativa, regulamentar os termos de utilização dos Parques de Estacionamento, condicionando contratualmente a atividade económica da Autora enquanto concessionária, não implica, nem se traduz, na automática cedência de poderes de autoridade;
C) Os valores cobrados pela Autora, pelos tempos de estacionamento nos Parques por si explorados, contra o entendimento do Tribunal A Quo e do Venerando Relator, não possuem natureza fiscal ou sancionatória;
D) Sendo as Taxas verdadeiros tributos (Art.3º Nr.2 da LGT), que visam a satisfação das necessidades financeiras do Estado e demais entidades públicas e sendo a receita da utilização dos parqueamentos, propriedade da A..., tal contrapartida escapa por definição ao conceito de taxa;
E) Entender que os tribunais competentes são os fiscais, esvazia de utilidade o Contrato de Cessão de Exploração dos Parqueamentos, por retirar à cessionária o poder de reclamar judicialmente os seus créditos;
F) Neste redutor entendimento, a cobrança dos tempos de estacionamento, ficaria na discricionariedade, de muito improvável realização, dos poderes públicos, retirando à A. a possibilidade de reaver o seu crédito;
G) Entender que os tribunais competentes para reaver os créditos da Autora, são os administrativos e, de entre estes, os fiscais, por se afirmar, erradamente, estarmos perante Taxas, implica sonegar à Autora o direito de reclamar os seus créditos, por falta de legitimidade para recorrer aos tribunais fiscais para cobrança de valores, que lhe pertencem. Apenas os órgãos de execução fiscal, possuem legitimidade ativa para promover a cobrança de dívidas fiscais. Artigo 152º do CPPT;
H) Institucionalizar este entendimento, fomenta o incumprimento das obrigações dos automobilistas, que cientes da impossibilidade de cobrança coerciva dos valores devidos pelo estacionamento dos seus veículos, deixam de cumprir semelhante obrigação;
I) Ainda que se entenda estarmos perante a prestação de serviços de natureza pública, o que apenas se concebe para mero efeito de raciocínio, as competências dos tribunais administrativos e fiscais estão hoje definidas no artigo 4.º do ETAF (Lei 13/2002, de 19 de fevereiro, aplicável nestes autos com a redação introduzida pelo DL 214-G/2015, de 2 de outubro que alterou as alíneas e) e f) do Nr.1 do Art.4º do ETAF e posteriormente pela L 114/2019, que introduziu a alínea e) ao Nr.4 do Art.4º do E.T.A.F);
J) Da alteração introduzida pelo DL 214-G/2015, resultou que a matéria que antes se encontrava na alínea f) do Nr.1 do Art.4º do ETAF, passou para a alínea e) do mesmo número, mas com conteúdo muito diferente, que não alude às circunstâncias acima referidas, que antes colocavam situações como a dos autos na esfera de jurisdição dos tribunais administrativos e fiscais;
K) Sendo certo que o contrato de utilização temporária de espaço público para estacionamento em causa nos autos, celebrado entre a empresa privada, ora apelante, e o utilizador privado, ora apelado, não é um contrato administrativo, não é um contrato celebrado nos termos da legislação sobre contratação pública, não é celebrado por pessoa coletiva de direito público, e não é celebrado por qualquer entidade adjudicante;
L) Da alteração introduzida pela Lei 114/2019, por sua vez, resulta que nos termos da alínea e) do Nr.4 do Art.4º, “estão… excluídas do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios emergentes das relações de consumo relativas à prestação de serviços públicos essenciais, incluindo a respetiva cobrança coerciva”;
M) Da exposição de motivos da Proposta de Lei nº 167/XIII-4ª, que esteve na origem da L 114/2019, consta: “A necessidade de clarificar determinados regimes, que originam inusitadas dificuldades interpretativas e conflitos de competência, aumentando a entropia e a morosidade, determinaram as alterações introduzidas no âmbito da jurisdição;
N) O serviço de estacionamento não é um dos serviços elencados no Art.1º nº 2 da L 23/96, mas, tal como ocorre nos serviços públicos essenciais, a relação entre o prestador do serviço e o utente é uma relação de direito privado.
Termos em que se requer a V.Exªs Venerandos Desembargadores se dignem submeter o recurso da apelante, a deliberação da conferência, merecendo-o com adequado acórdão que, julgando procedente o recurso, substitua a douta sentença recorrida por outra, que julgando competente o juízo local cível do porto, ordene o prosseguimento dos autos, conforme é do direito e da Justiça.
A parte contrária não se pronunciou.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

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II - Fundamentação
Como é sabido, o teor das conclusões que o recorrente extrai da motivação que apresenta, onde sintetiza as razões da sua discordância com o decidido e resume o pedido (nº 4 do artigo 635º e artigos 639º e 640º, todos do Código de Processo Civil), delimita o objecto do recurso e fixa os limites do horizonte cognitivo do Tribunal Superior, sem prejuízo das questões que devem ser conhecidas oficiosamente.
À reclamação para a conferência devem aplicar-se as mesmas regras. Assim, atento o objecto das conclusões do recurso e da reclamação, mostra-se colocada à apreciação deste tribunal a seguinte única questão – a competência dos tribunais judiciais, em razão da matéria, para apreciação do litígio trazido a juízo.
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A matéria de facto relevante mostra-se já enunciada no relatório da presente decisão, e resulta da simples consulta do processado.
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Conforme jurisprudência absolutamente pacífica dos nossos tribunais superiores, a competência dos tribunais em razão da matéria afere-se em função da relação material controvertida tal como apresentada pelo autor, independentemente de qualquer juízo de prognose quanto ao mérito da acção [cfr, neste sentido, e por todos, o decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça nos seus acórdãos de 04 de Março de 1997 (publicado na Colectânea de Jurisprudência/STJ, 1997, tomo V, página 125) e de 01 de Março de 2018 (processo nº 1203/12.0TBPTL.G1.S1, disponível em https://juris.stj.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2018:1203.12.0TBPTL.G1.S1.78?search=hkR2vXK2dF9l5dcq_fE), bem como o decidido pelo Tribunal de Conflitos nos seus acórdãos de 2 de Julho de 2002 (conflito nº 01/2002, disponível em https://files.dre.pt/gratuitos/acordaos/2002/32600.pdf) e de 05 de Fevereiro de 2003 (conflito nº 06/2002, disponível em https://diariodarepublica.pt/dr/detalhe/acordao-sta/32600-2004-4046402)] – é o que necessariamente decorre, designadamente, do princípio fixado no artigo 5º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pela Lei nº 13/2002, de 19 de Fevereiro.
A autora, indiscutivelmente, exige do aqui réu, particular/consumidor, o pagamento de quantia que afirma ser-lhe devida como contrapartida pela prestação de um serviço/disponibilização de um bem a que a autora por sua vez acedeu no âmbito de um contrato administrativo de concessão [contrato de 07 de Março de 2016 (intitulado de «gestão, exploração, manutenção e fiscalização dos lugares de estacionamento pago na via pública e de dois parques públicos de estacionamento para viaturas”), celebrado pelo prazo de 10 anos, cuja cópia foi junta aos autos por requerimento de 07 de Janeiro de 2025, referência nº 41182545], outorgado no contexto do Regulamento das Zonas de Estacionamento de Duração Limitada do Concelho de Matosinhos [cuja última alteração e re-publicação consta do Diário da República 2ª série, nº 147, de 01 de Agosto de 2018, página 20775, com acesso disponível através de link disponibilizado na página oficial da Câmara Municipal de Matosinhos - https://www.cm-matosinhos.pt/urbanismo/mobilidade-e-transportes/estacionamento].
Como também é de há muito sabido, os tribunais judiciais possuem competência residual, cabendo-lhes dirimir os conflitos não expressamente atribuídos a outras ordens de tribunais [nº 1 do artigo 211º da Constituição da República Portuguesa; artigo 64º do Código de Processo Civil], reservando-se aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais [nº 3 do artigo 212º da Constituição da República Portuguesa; nº 1 do artigo 1º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pela Lei nº 13/2002, de 19 de Fevereiro].
A recorrente discorda da decisão tomada em primeira instância, bem como do decidido pelo relator já neste Tribunal da Relação do Porto, essencialmente por 6 motivos:
i. a relação jurídica de facto estabelecida entre a recorrente e o recorrido não possui natureza pública;
ii. do contrato de concessão celebrado entre a recorrente e a Câmara Municipal de Matosinhos não resultou a transferência de qualquer poder de autoridade para a recorrente;
iii. os valores cobrados pela recorrente na sua qualidade de concessionária não possuem natureza fiscal ou sancionatória, mas antes de simples preço;
iv. apenas entidades públicas podem cobrar dívidas fiscais, pelo que atribuir aos tribunais administrativos e fiscais a competência para a cobrança dos valores devidos à recorrente implica a negação do seu direito a recorrer a juízo;
v. as alterações introduzidas ao Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais pelo Decreto-Lei nº 214-G/2015, de 02 de Outubro, e pela Lei nº 114/2019, de 12 de Setembro, alteraram o regime de repartição de competências entre os Tribunais Judiciais e os Tribunais Administrativos até então vigente;
vi. o serviço de estacionamento fornecido pela recorrente aos privados deve ser equiparado aos serviços públicos essenciais, por isso a cobrança do respectivo preço deve enquadrar-se na alínea e) do nº 4 do artigo 4º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.
Vejamos.
Com todo o devido respeito, afigura-se que a recorrente não atentou na fundamentação explanada na decisão singular proferida.
Antes de mais principiemos por recordar não haver dúvida que, por acórdão do Tribunal de Conflitos de 25 de Novembro de 2010 [acórdão nº 021/10, disponível em https://www.dgsi.pt/jcon.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/d60f88c555eb7ee280257823005807c8?OpenDocument&Highlight=0,estacionamento], precisamente esta questão nos autos suscitada pela recorrente foi apreciada e decidida em sentido contrário ao por si pretendido.
E, já nessa altura, o Tribunal de Conflitos sentenciou que a linha de demarcação entre as competências materiais dos Tribunais Judiciais e dos Tribunais Administrativos e Fiscais deveria decorrer do conceito «relações jurídicas administrativas e fiscais» constitucionalmente consagrado [nº 3 do artigo 212º da Constituição da República Portuguesa], entendendo possuir uma tal natureza a relação que se estabelece entre o concessionário em contrato de concessão, para exploração e gestão, de parques de estacionamento de veículos automóveis, e o particular que usufrui do estacionamento de veículo em tais parques.
Ora, recorda-se que a alínea o) do nº 1 do artigo 4º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, introduzida pelo Decreto-Lei nº 214-G/2015, de 02 de Outubro, e mantida pela Lei nº 114/2019, de 12 de Setembro, precisamente introduziu o conceito «relações jurídicas administrativas e fiscais» como critério essencial na separação das águas que nos ocupam.
Portanto, afirmar que as alterações legislativas posteriores ao acórdão nº 021/10 do Tribunal de Conflitos alteraram o paradigma em que este fez assentar o esforço de delimitação entre a esfera de competência entre as 2 ordens de tribunais simplesmente não corresponde à verdade – ao contrário, as leis posteriores, vertendo na lei ordinária o que já constava na Constituição da República Portuguesa, precisamente limitaram-se a transpor o critério operacional anteriormente adoptado pelo Tribunal de Conflitos.
Do que decorre, salvo sempre melhor opinião, que a evolução legislativa posterior a 2010 constitui precisamente argumento contrário à tese defendida pela recorrente [e, em consequência, notoriamente carece de fundamento o argumento acima referido em v.].
Aliás, recentemente, o Tribunal de Conflitos proferiu novo acórdão, em situação em tudo similar à dos presentes autos e à que foi objecto do acórdão nº 021/10, de 25 de Novembro de 2010, precisamente mantendo e reforçando o entendimento anterior à luz do conjunto de regras hoje vigentes [acórdão de 08 de Maio de 2025, processo nº 079534/24.2YIPRT.P1.S1, disponível em www.dgsi.jcon.pt/].
Como decorre da simples leitura do contrato de concessão celebrado pela recorrente, que a esta facultou o acesso ao bem público cujo preço de utilização agora surge a cobrar ao recorrido, o mesmo teve por objecto a «gestão, exploração, manutenção e fiscalização de lugares de estacionamento na via pública e 2 parques públicos de estacionamento para viaturas [em https://www.cm-matosinhos.pt/urbanismo/mobilidade-e-transportes/estacionamento pode ver-se a zona em que a recorrente desenvolve essa sua actividade].
Ou seja, a recorrente apresenta-se nos autos a cobrar a contrapartida fixada pela utilização de um bem do domínio público [no caso, rodoviário – cfr artigo 14º do Decreto-Lei nº 280/2007, de 07 de Agosto, e nº 1 do artigo 2º e artigo 70º, estes do Código da estrada].
A definição dos valores devidos e das isenções aplicáveis mostra-se fixada pela autoridade pública concedente [através do regulamento acima indicado, identificando como taxa o valor a cobrar – artigo 4º; veja-se, também, a este propósito, o vertido no artigo 3º e alínea c) do nº 1 do artigo 6º, ambos da Lei nº 53-E/2006, de 29 de Dezembro], sem que nisso a recorrente possua mínima interferência, limitando-se a cobrar os valores previamente definidos pelo Município [cláusula 7ª do contrato de concessão].
A outorga de um contrato de concessão não pode alterar a natureza jurídica da contrapartida fixada pela utilização de um bem do domínio público, apenas introduzindo uma intermediação na cobrança da taxa devida, que é decidida e fixada pela autarquia.
E, por isso, a relação que se estabelece entre recorrido e recorrente, actuando esta em substituição de uma entidade de direito na gestão e exploração de um bem do domínio público, deve ser classificada como administrativa – logo, os argumentos acima indicados pela recorrente em i. a iii. não possuem fundamento.
O argumento da recorrente acima indicado em iv. cai pela base se simplesmente recordarmos que a cobrança de dívidas nem sempre pode ser feita com imediato recurso à acção executiva – única espécie de procedimento a que o artigo 152º do Código de Procedimento e Processo Tributário se refere [veja-se, no âmbito administrativo, a alínea n) do nº 1 do artigo 4º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais].
Aliás, desde logo, note-se como a presente acção não possui natureza executiva.
Com todo o devido respeito, inexiste mínimo fundamento para equiparar o serviço em causa nos autos [recorde-se, disponibilização de parqueamento automóvel no domínio público] aos serviços públicos essenciais [água, gás, electricidade, etc], quanto mais não seja pela radical e estrutural diferença quanto à importância para o bem estar das populações.
E, evidentemente constituindo a alínea e) do nº 4 do artigo 4º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais uma norma excepcional face ao princípio geral vertido na alínea o) do nº 1 do mesmo artigo 4º, o argumento a contrario sensu [sempre falível, naturalmente] indica-nos, mais uma vez, não assistir razão à recorrente.
Por último, as inúmeras decisões publicadas dos nossos tribunais superiores que se pronunciaram sobre a questão têm repetidamente decidido contra o entendimento defendido pela recorrente [cfr, a este propósito, a resenha jurisprudencial feita por este Tribunal da Relação do Porto no seu recente acórdão de 11 de Março de 2025, processo nº 69259/24.4YIPRT.P1, disponível em www.dgsi.jtrp.pt, a ela se acrescentando o decidido por este Tribunal da Relação do Porto no ainda mais recente acórdão de 20 de Março de 2025, processo nº 126593/24.2YIPRT.P1, no qual o aqui relator interveio como 1º adjunto, disponível no mesmo sítio online; bem como o decidido pelo Tribunal de Conflitos no seu recentíssimo acórdão de 08 de Maio de 2025, acima referido].
As decisões singulares cuja cópia só agora a recorrente apresenta no processo constituem corrente absolutamente minoritária na questão, não apresentando qualquer argumento de que sequer resulte a ponderação da evidente circunstância de a actividade da recorrente respeitar à exploração e gestão de parcelas do domínio público [não meramente domínio privado de ente público], nesse âmbito relacionando-se com os particulares em substituição do ente público, mediante a cobrança de um valor estritamente fixado pelo ente público.
Aliás, não se mostrando tais decisões certificadas, seria interessante saber se foi apresentada reclamação para a conferência, e, na afirmativa, qual(is) a(s) decisão(ões) tomada(s) em colectivo.
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Sumário – nº 7 do artigo 663º do Código de Processo Civil:
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III – Dispositivo
Pelo exposto, acordam os Juízes que integram a 3ª secção deste Tribunal da Relação do Porto em negar provimento à reclamação apresentada, confirmando a decisão reclamada e a decisão proferida em 1ª instância.
Custas a cargo da reclamante, fixando-se em 1 UC a taxa de justiça devida pela reclamação – artigo 527º do Código de Processo Civil e artigo 7º e tabela II anexa ao regulamento das custas processuais.
Notifique.

Porto, 26/6/2025
António Carneiro da Silva
Manuela Machado
Ana Luísa Loureiro