ALIMENTOS A FILHO MAIOR
IRRAZOABILIDADE
ÓNUS DA PROVA
CESSAÇÃO
IRRETROATIVIDADE DA DECISÃO
Sumário

I - Na ação de cessação de alimentos a filho maior, compete ao requerente o ónus da prova da irrazoabilidade da sua exigência.
II - Verifica-se a irrazoabilidade da exigência de alimentos educacionais a filho maior nos casos em que, sem justificação plausivel, o filho de 24 anos de idade, ainda não completou a licenciatura de 3 anos, na qual tem 6 inscrições em anos letivos sucessivos, com aproveitamento em 17 cadeiras de um total de 31 do plano de estudos.
III - A decisão que declara cessados os alimentos não tem efeitos retroativos, pelo que, só produz efeitos a partir do momento da sua prolação.

Texto Integral

Processo: 591/19.2T8SJM-D.P1

Sumário:
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ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

AA instaurou a presente ação de cessação de alimentos a filho maior, demandando, BB; e CC, todos melhor identificados nos autos.
Alega que o seu filho CC, maior de idade, ainda que possa ter-se inscrito, não mais frequentou as aulas, trabalha e aufere um salário.
Citados os requeridos impugnaram os factos articulados, tendo o CC justificado a falta de aproveitamento escolar com a desestabilização emocional provocada pelas condenações dos progenitores em processo crime.
Os autos prosseguiram tramitação legal tendo sido proferida sentença que declarou cessada a obrigação alimentar a cargo do aqui Requerente com efeitos reportados à data da propositura da ação, ou seja, 23/02/2024.
É A SEGUINTE A FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO DA SENTENÇA (AO QUE INTERESSA):
Factos provados:
1 – O requerido CC nasceu no dia ../../2001, sendo filho do aqui requerente AA e da aqui requerida BB.
2 – Por sentença proferida no dia 19/06/2020 no Processo de Divórcio, o qual foi proposto no dia 07/10/2019, foi homologado o acordo de regulação do exercício das responsabilidades parentais respeitantes aos filhos CC e DD.
3 – No concernente a alimentos, ficou ali acordado que a título de alimentos devidos a cada filho o pai contribuirá com a quantia mensal de €130,00 (cento e trinta euros), a entregar à mãe até ao dia 8 do mês a que respeita, sendo atualizada, anualmente, em €2,00 (dois euros), com início em janeiro de 2022.
4 – Ficou ali previsto que as despesas dos filhos com a aquisição de material e livros escolares no início de cada ano letivo (setembro), bem como todas as despesas médicas e medicamentosas relativas aos filhos, serão suportadas por ambos os progenitores na proporção de metade para cada um mediante a apresentação dos respetivos recibos.
5 – Mais ficou ainda prevenido que todas as atividades extracurriculares, culturais, recreativas e desportivas, dependem de concordância de ambos os progenitores, que suportarão os respetivos custos na proporção de metade cada um.
6 – Naquela data, o requerido CC, então com 19 anos de idade, já trabalhava, desde junho de 2019 em tempo parcial no restaurante “A...”, auferindo o valor mensal de cerca de € 300,00 (trezentos euros).
7 - Simultaneamente, o Requerido CC encontrava-se inscrito, desde setembro de 2018, na frequência do Curso de Licenciatura em ..., do Instituto Politécnico ..., com a duração de 3 anos, pernoitando ao longo da semana de aulas num quarto arrendado em ..., vindo aos fins de semana a casa.
8 – O número de créditos, segundo o sistema europeu de transferência e acumulação de créditos, necessário à obtenção do grau de Licenciado em tal Curso, é de 180, sendo a duração normal do ciclo de estudos de 6 semestres.
9 – Foi a seguinte a performance do Requerido:
- ano letivo 2018/2019 – 1º ano
- ano letivo 2019/2020 – 2º ano
- ano letivo 2020/2021 – 2º ano
- ano letivo 2021/2022 – 2º ano
- ano letivo 2022/2023 – 2º ano
- ano letivo 2023/2024 – 3º ano
10 - No ano letivo 2023/2024 encontrava-se a frequentar o 3º ano do curso, tendo até aí completado 17 cadeiras de um total de 31 do plano de estudos do ciclo de estudos conducente ao grau de licenciado em Engenharia Informática, tendo atingido 96,5 “ECTS” (créditos) do total de 180.
11 - Nesse ano letivo frequentou as aulas até e durante o primeiro semestre, sendo que no 2º semestre não mais frequentou as aulas.
12 – Decidiu abandonar o Curso e mudar de curso, e, em setembro de 2024, o Requerido matriculou-se num novo curso, agora na Universidade ..., no Curso ..., no polo de ..., para o ano letivo 2024/2025, tendo tido no dia 12/01/2025 a nota final de 19 em sede de exames de “...” na disciplina de “...”, e nota de 18, em pauta provisória, na disciplina de “...”.
13 – No dia 20/07/2021(…) o Requerente pai enviou via e-mail uma carta ao seu filho, na qual refere “(…) venho-te informar como teu pai, e ainda provedor, de que irei suspender, todo e qualquer pagamento mensal de minha parte, à tua pessoa, por não fazeres qualquer prova, de qualquer despesa, e de que continuas a necessitar da minha ajuda mensal”, à qual o Requerido CC nada respondeu.
14 – Entretanto, no processo de alteração da regulação das responsabilidades parentais apenso “A”, por acordo ali celebrado no dia 12/10/2023 e homologado, o Requerente pai e a Requerida mãe acordaram em alterar a regulação do exercício das responsabilidades parentais respeitantes à filha DD, apenas no concernente a alimentos, passando o Requerente a contribuir com a quantia de € 200,00 (duzentos euros) mensais a favor da filha, a ser paga até ao último dia de cada mês, com início naquele mês, e a ser automaticamente atualizada, anualmente, em janeiro, de acordo com o Índice de Inflação, com início em janeiro de 2025, prevenindo ainda que as despesas médicas, medicamentosas e escolares curriculares, na parte não comparticipada, serão suportadas por ambos os pais na proporção de metade para cada um, o mesmo sucedendo com as eventuais despesas de "explicações", desde que quanto a elas haja acordo dos pais.
15 - No dia 02/02/2024 o requerido CC propões o Incidente de incumprimento de Regulação das Responsabilidades Parentais, apenso “B”, reclamando o pagamento da prestação de alimentos desde setembro de 2020, reclamando ainda o pagamento de metade das despesas tidas com propinas, alojamento, bilhetes de autocarro, entre outras.
16 – Notificado que foi para os termos de tal incidente, defendeu-se ali o pai invocando, no seu essencial, os mesmos fundamentos que aqui alega para pedir a cessação da prestação de alimentos.
17 – Em tal incidente, no dia 06/09/2024 foi proferido o seguinte despacho:
18 - “Porque a decisão que nele vier a ser proferida poderá vir a ter repercussões aqui, os presentes autos ficam a aguardar a evolução do processo apenso “D”, ou seja, os presentes autos.
19 - O Requerido CC não fala com o pai, tendo bloqueado o seu número no telemóvel, no Whatsapp, Messenger, Facebook e qualquer outra plataforma de comunicação entre eles.
20 – No âmbito do processo crime que correu no Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro - Santa Maria da Feira - Juízo Central Criminal - Juiz 3, sob o n.º 297/21.2PASJM, foi o Requerente Pai condenado, em primeira instância, por Acórdão de 20/10/2023, pela prática em autoria material e na forma consumada:
- de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal, perpetrado na pessoa de DD, na pena sessenta dias de multa à taxa diária de 10 euros.
- de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo art.º 86.º, n.º 1, alínea d) da Lei 5/2006, de 23.02, com referência aos artigos 2.º, n.º 1, al. m) e 3.º, n.º 2 al. f), g) e ab), do mesmo diploma legal, na pena de cem dias de multa, à taxa diária de dez euros.
21 – Mas em sede de recurso interposto pela ali Assistente, a aqui Requerida mãe, acabou o aqui Requerente condenado, também, como autor de um crime de violência doméstica perpetrado sobre a assistente BB, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal, na pena de 1 ano e 3 meses de prisão, suspensa por 2 anos, sujeita a Regime de Prova designadamente à obrigação de o arguido frequentar curso direcionado para a problemática da violência doméstica a ministrar pela DGRSP, tendo ainda sido condenado a pagar à assistente a quantia de 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros), mantendo-se a demais condenação por ofensa à integridade física simples na pessoa da filha DD.
(…)
23 - No âmbito do processo crime que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro Santa Maria da Feira - Juízo Central Criminal - Juiz 3 sob o Processo n.º 3330/20.1JAPRT, a Requerida Mãe foi detida e foi-lhe aplicada a medida de coação de permanência na habitação entre 20 de abril de 2021 e 8 de julho de 2022 e encontra-se atualmente a cumprir pena de prisão desde 4 de dezembro de 2023.
24 – Também o Requerido CC foi julgado e condenado em tal Processo por crime de burla tributária à Segurança Social e crime de falsificação de documentos agravado.
25 – A detenção e a prisão da Requerida Mãe, e o envolvimento do próprio naquele processo causaram, como causam, profunda instabilidade psicológica e emocional na vida do Requerido filho, que não lhe permitiu de forma tranquila frequentar o respetivo ensino.
(…)”
29 – Não obstante o Requerido se encontrar a trabalhar, a Requerida Mãe canaliza-lhe as poupanças havidas.
30 - O requerido CC encontra-se a laborar desde 15/09/2024 por conta da empresa “B..., S.A.”, tendo auferido em janeiro de 2025 a remuneração de €731.56.
31 – Como remunerações provenientes do seu trabalho o mesmo auferiu: no ano de 2019, de junho a dezembro, €1.990, 04, prestando, em cada mês, entre 6 a 20,5 dias; no ano de 2020, €4.940, 75, prestando, em cada mês, entre 0 (apenas em junho) a 28,5 dias; no ano de 2021, €8.071, 35, prestando, em cada mês, entre 14,5 a 30 dias (em agosto contabiliza 66,5); no ano de 2022, €8.701, 05, prestando, em cada mês, entre 16 a 23 dias; no ano de 2023, €6.07, 53, prestando, em cada mês, entre 3 a 30 dias (em abril contabiliza 33); e no ano de 2024, de janeiro até agosto contabiliza 30 dias em cada mês, e 14,5 dias até 13/09/2024, um total de €9.565, 38.
32 – O histórico de remunerações na Segurança Social é o seguinte:
- início - junho/2019 a julho/2021 – “A..., S. A.” (A...) - com salários mensais que oscilaram entre € 234,00 e € 665,00 (julho de 2021), ao que acresceram prémios e bónus todos os meses, bem como os subsídios de férias, de natal e mês de férias;
-agosto/2021 a abril/2023 – “B..., S. A.” -com salários que oscilaram entre € 453,39 (agosto/2021) e € 639,60 (abril/2023), ao que acresceram prémios, bónus, suplemento de trabalho noturno, bem como os subsídios de férias, natal e mês de férias.
-maio/2023 a agosto/2023 - “C..., S. A.” -com salários que oscilaram entre € 239,52 e € 518,98, ao que acresceram subsídio de refeição, trabalho noturno e outros;
-agosto/2023-“D..., Unip., lda.”- € 239,52/mês;
-junho/2023 a outubro/2023 – “E..., Lda.”-com a remuneração base de € 298,88 e de € 332,02;
-Maio/2023 a agosto/2023- “C..., S. A.” - com salários que oscilaram entre € 239,52 e € 518,98;
-Dezembro/2023 a abril/2024 - “F..., S. A.” - com salário de € 912,53, acrescido de trabalho suplementar (€ 115,72), suplemento de trabalho noturno (€ 80,19), subsídio de refeição (€ 22,20).
33 - No mês de março/2023, o Requerido auferiu € 60,43, de trabalho suplementar; € 912,53, de remuneração base; € 68,31, de trabalho noturno; € 22,77, de subsídio de caracter regular não mensal; pelo que o total auferido neste mês foi de € 1.064,04.
(…)
35 - O agregado familiar do requerido CC é composto pelo próprio e a sua irmã DD, também filha dos aqui Requerente e Requerida, a qual frequenta o 12º ano e trabalha em part-time, auferindo cerca de €300, 00 mensais de salário, residem ambos em casa arrendada em nome da mãe com uma renda mensal de €650,00, a que acresce o custo dos consumos domésticos de eletricidade, água, gás e pacotes de internet/telefone/telemóvel, no montante de cerca de cerca de €180,00 mensais; o Requerido CC paga €60,00 de propina escolar, a que acrescem as normais despesas de alimentação, vestuário, calçado, em montante não concretamente apurado, e utiliza nas suas deslocações diárias de casa para o emprego e para o polo universitário um veículo automóvel da marca “Honda ...”, a diesel, de 2005, que era da Mãe e que já está pago.
36 – No dia 14-08-2023 o Requerente pai e a Requerida mãe venderam a casa sita na Rua ..., no valor de €175.000,00, e do qual repartiram o dinheiro após pagamento da dívida hipotecária.
37 – No dia 27-09-2023, o Requerente pai e a Requerida mãe venderam o apartamento sito na Rua ..., no valor de €150.000,00, e do qual repartiram o dinheiro após pagamento da dívida hipotecária.
38 – O Requerente pai continua a exercer a profissão de motorista internacional, auferindo a título de remuneração, em média, cerca de €2.600, 00 mensais, vive sozinho em casa própria, pagando cerca de €300, 00 mensais a título de amortização de um crédito bancário contraído para a sua aquisição, tem o veículo automóvel da marca Peugeot, modelo ..., do ano de 2016, a diesel, pagando €217, 00 a título de amortização do crédito contraído para a sua aquisição, pagando ainda €103, 00 mensais para a amortização de um crédito pessoal, faltando ainda três anos para integral pagamento, paga €204, 80 a título de prestação de alimentos para a filha DD, e tem os normais consumos domésticos de água, eletricidade, gás e internet.
39 - O presente processo foi proposto no dia 23/02/2024.
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DESTA SENTENÇA APELARAM OS REQUERIDOS QUE FORMULARAM AS SEGUINTES CONCLUSÕES:
1. O Tribunal a quo errou na apreciação da matéria de facto, ao desconsiderar elementos essenciais do depoimento da testemunha EE, cuja prova foi clara, coerente e decisiva para a correta apreciação da situação académica, económica e pessoal do Apelante.
2. Da análise do depoimento, transcrito nos autos com referência aos momentos relevantes da gravação, resulta provado que o Apelante iniciou os estudos superiores com aproveitamento regular, tendo enfrentado dificuldades académicas apenas a partir de circunstâncias familiares excecionais: separação dos pais, ausência de apoio económico e detenção da progenitora.
3. Com efeito, a única testemunha, EE confirmou que o Apelante CC iniciou o ensino superior com aproveitamento regular, apoiado financeiramente pelos pais no primeiro ano. Contudo, a partir do segundo ano, enfrentou sérias dificuldades devido à separação dos progenitores, à sua ausência de apoio e a processos criminais envolvendo ambos. Apesar das adversidades, CC manteve-se empenhado em concluir os estudos, tendo recorrido ao estudo em casa e à ajuda de colegas. Assumiu ainda responsabilidades familiares, sustentando-se a si e à irmã menor, após a detenção da mãe. Atualmente, vive com apoio financeiro do tio, aqui testemunha, que lhe paga a renda mensal de 600€, dada a sua incapacidade de suportar sozinho as despesas. A testemunha sublinhou o empenho e ambição de CC em concluir o curso superior, referindo que nunca deixou de estudar, mesmo com extremas limitações económicas.
4. Ou seja, o Apelante CC, nunca desistiu da sua formação, facto que terá necessariamente ser considerado como provado, ao invés do que foi considerado na sentença recorrida.
5. O Apelante CC manteve o seu percurso académico ativo, com recurso ao estudo em casa e apoio de colegas, tendo alterado de instituição de ensino superior para adequar os seus estudos à nova realidade socioeconómica.
6. O Apelante CC assumiu responsabilidades familiares precoces, cuidando da irmã menor e garantindo o sustento do agregado, sem nunca abandonar os estudos, o que demonstra empenho, maturidade e ausência de culpa grave no insucesso parcial.
7. A cessação da obrigação de alimentos nos termos do artigo 1880.º do Código Civil pressupõe culpa grave do beneficiário — o que não se verifica no caso sub judice, conforme jurisprudência pacífica
8. O Apelante CC encontra-se em situação de necessidade real e atual, auferindo rendimentos precários e insuficientes, sem autonomia económica, o que impõe, nos termos dos artigos 1879.º e 1905.º do Código Civil, a manutenção da prestação alimentar.
9. A pensão mensal de €130,00 é proporcional e razoável face aos rendimentos do Apelado não lhe causando sacrifício desmesurado e respeitando os princípios da equidade, solidariedade familiar e proteção da juventude em formação (art. 36.º, n.º 5 da CRP).
10.A sentença recorrida violou ainda o disposto no artigo 2006.º do Código Civil ao determinar a retroação dos efeitos da cessação da obrigação alimentar à data da propositura da ação, quando a mesma só poderia produzir efeitos a partir do trânsito em julgado.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, com a revogação da sentença recorrida e substituição por acórdão que mantenha a obrigação alimentar fixada nos autos (130€/mês), com efeitos até verificação superveniente da autonomia do Apelante, subsidiariamente, caso assim não se entenda, hipótese que se coloca por mera cautela, que os efeitos da cessação apenas operem a partir do trânsito em julgado da decisão.
Nada obsta ao mérito.

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O OBJETO DO RECURSO:
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, ressalvadas as matérias que sejam de conhecimento oficioso (artigos 635º, n.º 3, e 639º, n.ºs 1 e 2, do código de processo civil
atentas as conclusões dos recorrentes as questões a decidir são as seguintes:
1- Impugnação da matéria de facto
2- Alimentos devidos a filho maior. Pressupostos.
3- Cessação dos alimentos. Data a que retroage a sentença.
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O MÉRITO DO RECURSO:
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
Dá-se aqui por reproduzida a fundamentação supra.
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO:
I A IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO.
I.1
Como tem vindo a ser pacificamente entendido e decorre do disposto nos arts.º 635.º n.º 4 e 639.º/CPC são as conclusões apresentadas pelo (s) Recorrente(s) que delimitam o objeto do recurso e fixam a matéria a submeter à apreciação do tribunal, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso, nos termos do art.º 608.º n.º 2/CPC. Neste sentido, escreve Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, pág. 85: “Salvo quando se trate de matérias de conhecimento oficioso que possam ser decididas com base nos elementos constantes do processo e que, além disso, não se encontrem cobertas pelo caso julgado, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal.”
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Por outro lado, o art.º 640.º/CPC, impõe a cargo do Recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, o ónus de especificação sob pena de rejeição dos:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
b) (…)
3. (…)”
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Devendo na motivação do recurso o recorrente cumprir o ónus de alegação inserto no artº 640º, nº 1/CPC. tem sido questão controvertida e debatida na jurisprudência, a de saber quais os elementos que têm de constar não só da motivação do recurso, mas também das conclusões do mesmo, quando o Recorrente pretenda impugnar a decisão sobre a matéria de facto, à luz das exigências previstas pelo legislador no referido normativo.
A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a firmar-se no sentido de que a exigência prevista no na al. a) do n.º 1 do art.º 640.º/CPC. impõe que deve constar das conclusões do recurso, pelo menos, a indicação dos concretos pontos de facto considerados incorretamente julgados.
Neste sentido, o AUJ nº 12/2023 de 17-10-2023, no processo 8344/17.6T8STB.E1-A.S1, publicado no DR nº 220/2023, de 14-11-2023, muito embora na concreta questão decidida tenha enunciado que: “Nos termos da alínea c), do n.° 1 do artigo 640.°do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações”, esclareceu no seu relato que: “ Da articulação dos vários elementos interpretativos, com cabimento na letra da lei, resulta que em termos de ónus a cumprir pelo recorrente quando pretende impugnar a decisão sobre a matéria de facto, sempre terá de ser alegada e levada para as conclusões, a indicação dos concretos pontos facto que considera incorretamente julgados, na definição do objeto do recurso.
Quanto aos dois outros itens, caso da decisão alternativa proposta, não podendo deixar de ser vertida no corpo das alegações, se o for de forma inequívoca, isto é, de maneira a que não haja dúvidas quanto ao seu sentido, para não ser só exercido cabalmente o contraditório, mas também apreendidos em termos claros pelo julgador, chamando à colação os princípios da proporcionalidade e razoabilidade instrumentais em relação a cada situação concreta, a sua não inclusão nas conclusões não determina a rejeição do recurso, conforme o n° l, alínea c) do art.º 640 (…)”.
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Com efeito, a necessidade de o Recorrente indicar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, traduz uma opção do legislador que não admite o recurso genérico contra a errada decisão da matéria de facto, mas apenas a possibilidade de revisão de factos individualizados, relativamente aos quais a parte manifesta e concretiza a sua discordância em razão da prova produzida.
“Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões.”(…) “Importa observar ainda que as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da autorresponsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo.” Abrantes Geraldes, in ob. cit. pág. 126.
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Os Recorrentes nas conclusões formuladas não consignaram menção alguma dos pontos de facto que consideram incorretamente julgados, ou a decisão que no seu entendimento deve ser fixada.
Acresce, que mesmo no corpo das alegações não obstante elencarem concretas passagens da gravação dos depoimento (s) que a seu ver fundamenta(m) uma alteração da matéria de facto, não elencam os factos impugnados e por consequência também não referem a decisão de facto que em seu entender deve ser a fixada; pelo que não cumprem os ónus que o artigo 640º, nº 1 e 2 a) do Código de Processo Civil, lhes impõe.
Do exposto se retira não ter sido cumprido sequer aquele ónus mínimo de alegação que o AUJ, supra referido, exige na interpretação dada ao artigo 640º, para a admissibilidade deste recurso.
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(Acresce e sem prejuízo que é inexata a afirmação constante da conclusão 4ª de que na sentença recorrida se fez constar que o CC desistiu da sua formação, já que o que se refere no facto provado 12 é que o Recorrente mudou de curso).
Isto posto, e em face do não cumprimento do disposto no artigo 640º nº 1/CPC, rejeita-se, de imediato, o recurso no que à impugnação da matéria de facto respeita.
II O DIREITO À PRESTAÇÃO DE ALIMENTOS DO RECORRENTE CC.
II.1
A noção legal de alimentos consta do artigo 2003º/CC, que dispõe: “1.por alimentos entende-se tudo o que é indispensável ao sustento, habitação, vestuário. 2.os alimentos compreendem também a instrução e educação do alimentado no caso de este ser menor”.
O nº1 do artigo 2004º prescreve que: “os alimentos serão proporcionados aos meios daqueles que houver de prestá-los e às necessidades daquele que houver de recebê-los”, e o nº2: “na fixação dos alimentos atender-se-á, outrossim, à possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência”.
A obrigação de alimentos devidos pelos pais aos filhos não se extingue inevitavelmente com a maioridade. Sendo os pais responsáveis pelo crescimento e desenvolvimento dos filhos, devendo cuidar da sua educação/formação profissional (artigo 1878º/1 do CC), compreende-se que esta obrigação não se extinga quando os filhos completam os 18 anos.
Deve antes, prorrogar-se pela maioridade do filho, por forma a que o filho complete a sua formação profissional e desde que seja razoável exigir dos pais a continuação dessas despesas (artigo 1880º/CC).
Sobre o fundamento da obrigação de alimentos dos pais em relação aos filhos, Clara Sottomayor in “Regulação do Exercício do Poder Paternal em Caso de Divórcio”, 4ª ed., pág. 128, refere, que: “(…) é não apenas a menoridade – uma situação de incapacidade – mas também a carência económica dos filhos depois de atingirem a maioridade e enquanto prosseguem os seus cursos universitários ou a sua formação técnico-profissional. Os pais devem, dentro dos limites das suas possibilidades económicas, assegurar aos filhos esta formação profissional que exige, normalmente, um esforço e uma concentração dificilmente compatíveis com um emprego que permita aos filhos sustentarem-se a si próprios”.
O assento legal deste dever dos pais em relação aos filhos maiores consta do artigo 1880º/CC que dispõe: “Se no momento em que atingir a maioridade ou for emancipado o filho não houver completado a sua formação profissional, manter-se-á a obrigação a que se refere o número anterior na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete”.
Tal normativo estabelece, assim, os pressupostos da obrigação de alimentos a filhos maiores, decorrendo do mesmo, que os pais são obrigados a prover ao sustento e a assumir as despesas relativas à segurança, saúde e edução em relação aos filhos maiores ou emancipados, desde que: (i) no momento em que cessa a menoridade ou se torna emancipado o filho não tenha ainda completado a sua formação profissional; (ii) seja razoável exigir aos pais o cumprimento dessa obrigação; (iii) o filhos não ultrapasse o tempo normalmente requerido para que tal formação se complete.
Estabelece o nº 2 do art.º 1905º/CC red da Lei nº 122/2015, de 01/09, que: “ para efeitos do disposto no artigo 1880º do CC entende-se que se mantém depois da maioridade, e até que o filho complete 25 anos de idade, a pensão fixada em seu benefício durante a menoridade, salvo se o respetivo processo de educação ou formação profissional estiver concluído antes daquela data, se tiver sido livremente interrompido ou ainda se, em qualquer caso, o obrigado à prestação de alimentos fizer prova da irrazoabilidade da sua exigência.
II.1.
No recurso sustenta-se que inexiste culpa grave do recorrente por não ter ainda terminado os seus estudos/formação académica, e bem assim que os rendimentos do trabalho que aufere não são suficientes para se sustentar mantendo-se por isso o dever de prestar alimentos a cargo do progenitor.
II.1.2Vejamos, pois.
Alinhadas supra as linhas fundamentais orientadoras da obrigação de alimentos do(s) progenitore(s) a favor dos filhos maiores, a verificação dos pressupostos objetivos (possibilidades económicas do jovem/recurso do obrigado) e subjetivos (demonstrado aproveitamento escolar/formação profissional do jovem) devem ser analisados em concreto à luz do critério da cláusula de razoabilidade da manutenção em concreto do dever de prestar os alimentos fixada no artigo 1880.
A este propósito o Acórdão do STJ de 12/01/2010, processo 158-B/1999.C1.S1, in www.dgsi.pt, decidiu que: “Para aferir dessa razoabilidade, importa saber se o filho carece, com justificação séria, do auxílio paternal, em função do seu comportamento, in casu, como estudante; não seria razoável exigir dos pais o seu contributo para completar a formação profissional se, por exemplo, num curso que durasse cinco anos, o filho cursasse há oito, sem qualquer êxito, por circunstâncias só a si imputáveis. Por isso a lei impõe o dever de contribuição “pelo tempo normalmente requerido para que a formação se complete”
*
A esta luz, evidencia-se desde logo (ponto de fcto provado nº 8 e 9) que o Recorrente tendo efetuado no ano letivo de 2018/19 a sua inscrição num curso superior cuja duração é de três anos, no letivo 2023/24 mantinha-se inscrito no 3º ano da licenciatura, tendo até então completado 17 cadeiras de um total de 31 do plano de estudos do ciclo de estudos conducente ao grau de licenciado em Engenharia Informática, tendo atingido 96,5 “ECTS” (créditos) do total de 180.
Em setembro de 2024 inscreveu-se num outro curso desta feita, na Universidade ..., no Curso ..., no polo de ..., para o ano letivo 2024/2025, tendo tido no dia 12/01/2025 a nota final de 19 em sede de exames de “...” na disciplina de “...”, e nota de 18, em pauta provisória, na disciplina de “...” (ponto de facto provado 10º).
É certo, que o Recorrente procurou justificar a falta de aproveitamento escolar com as condições familiares como o divórcio dos pais/condição de trabalhador estudante, todavia, dos factos provados não resulta nexo causal entre aquelas condições existenciais do Recorrente e a sua falta de aproveitamento escolar.
O artigo 1880º/CC., faz depender o direito a alimentos da circunstância do maior ainda não ter completado a sua formação profissional e estar dentro do prazo razoável para o fazer, ou seja deverá o filho estudante ter aproveitamento escolar, sem múltiplas reprovações, por outras palavras ser um estudante médio, regularmente aplicado.
As sucessivas reprovações do Requerente que num total de 6 anos académicos concluiu apenas metade da licenciatura apelam para a irrazoabilidade na manutenção do dever do pai lhe prestar alimentos.
Secundamos, assim, a valoração dos factos efetuada na sentença recorrida que concluiu neste segmento que “há muito que já se encontra decorrido o tempo normalmente requerido para que a formação académica e profissional do Requerido CC se completasse e que (…) não se mostram reunidos os pressupostos legais prevenidos no art.º 1880º do C. Civil, de cuja verificação depende a possibilidade de ser juridicamente exigível ao Requerente pai que continue a contribuir para o sustento do Requerido filho, maior de idade estudante”.
Falta assim, desde logo, um pressuposto essencial à manutenção da obrigação de alimentos do pai ao filho, cuja cessação se confirma, pois.
III A DATA DA PRODUÇÃO DOS EFEITOS DA CESSAÇÃO DO DEVER DE PRESTAR ALIMENTOS.
Nesta matéria seguimos o entendimento constante do Processo n.º 3654/16.2T8AVR-A.P1. de 26-09-2024, relator João Venade, in www.dgsi.pt no qual a relatora deste acórdão foi 2ª adjunta que aqui transcrevemos por comodidade de escrita na parte aplicável: (…) “a questão da irretroatividade da cessação de prestação de alimentos não tem obtido uma resposta unívoca mas, ponderando as variáveis entre se entender se deve a cessão recuar no tempo ou não, pensamos que é esta última visão negativa a mais avisada.
Estará em causa a interpretação do artigo 2006.º, do C. C., que estipula que os alimentos são devidos desde a proposição da ação ou, estando já fixados pelo tribunal ou por acordo, desde o momento em que o devedor se constituiu em mora, sem prejuízo do disposto no artigo 2273.º. (…) seguiremos de perto o expendido no Ac. do S. T. J. de 17/06/2021, processo n.º 1601/13.2TBTVD-A.L1.S1, www.dgsi.pt onde se refere que «Cabendo tomar posição acerca da aplicação do regime do art. 2006.º do CC às decisões, como a proferida pelo tribunal a quo, que reduzem o valor dos alimentos, entende-se que tal aplicação apenas será admissível se for compatível com a natureza e finalidade próprias da obrigação de alimentos.
Aqui chegados, afigura-se que, dada a natureza assistencial da obrigação de alimentos, com a inerente finalidade de “proporcionar ao alimentando a possibilidade de viver com autonomia e dignidade” (Maria João Vaz Tomé, anotação ao artigo 2003.º do Código Civil, ob. cit., pág. 1057), é indubitável que os alimentos se destinam a ser consumidos por quem deles carece. Atribuir eficácia retroativa à decisão judicial que reduza o valor da prestação de alimentos e, concomitantemente, obrigar a restituir parte dos alimentos recebidos e, em regra, já consumidos, conduziria afinal a pôr em risco o sustento do alimentando e, por isso, subverteria a finalidade última da obrigação de alimentos.
Reconhece-se, assim, que a natureza e a finalidade da obrigação de alimentos implicam a aceitação de um princípio geral de não restituição dos alimentos recebidos (defendido, entre outros, por L.P. Moitinho de Almeida, «Os alimentos no Código Civil 1966», in Revista da Ordem dos Advogados, 1968, págs. 104 e segs.), do qual o regime do n.º 2 do art. 2007.º do CC constitui manifestação, e – para o que ora importa – em função do qual deve ser interpretada a norma do art. 2006.º do mesmo Código, a qual, aliás, e como se afirmou supra, corresponde a uma opção legislativa que, na sua origem, de dirigia a tutelar o credor de alimentos.
Atendendo ao princípio da estabilidade relativa do caso julgado, associado à continuidade da realização da prestação alimentar fixada, assim como ao objetivo de proteção do alimentando visado pelo art. 2006.º do CC, entende-se não poder ser este interpretado no sentido de abranger – atribuindo-lhes eficácia retroativa à data da propositura da ação – as decisões judiciais que reduzam o valor da prestação de alimentos».
Ou seja, a regra excecional que está prevista no artigo 2007.º, n.º 2, do C. C. no sentido de que não há lugar, em caso algum, à restituição dos alimentos provisórios recebidos, deve ser entendida como emanando de um princípio geral de não restituição de todos os alimentos que forem prestados, devendo a decisão que os reduz ou termina a obrigação de os prestar ter efeitos ex nunc como verdadeira ação constitutiva. A retroatividade ao momento da propositura da ação para o início da obrigação de prestar alimentos ou de pagar o seu aumento tem por base o querer proteger-se o necessitado/credor de eventuais demoras na fixação desse valor. Mas quando se procura cessar uma obrigação de alimentos que por natureza se destina a ser consumida, não se devem atribuir efeitos retroativos sob pena de se estar a exigir a restituição de valores que, destinados a serem consumidos, muito provavelmente o credor já não tem ao seu dispor.
Igual ideia de irretroatividade foi plasmada no Ac. da R. G. de 25/01/2006, processo n.º 2498/05-2 (num caso de impugnação de paternidade bem sucedida - Todavia, fica naturalmente excluída a possibilidade de o impugnante pedir a restituição das quantias entregues ao menor (ao progenitor com guarda, para custear as despesas com aquele) pois que a sentença produz efeitos ex nunc), R. C. de 07/02/2023, processo n.º 1120/22.6T8FIG.C1 (No nosso direito, não são de restituir os alimentos, provisórios ou definitivos, indevidamente recebidos, também versando uma ação de impugnação de paternidade), ambos em www.dgsi.pt.
De acordo com a jurisprudência mencionada e que se subscreve a decisão de cessação dos alimentos só produz efeitos a partir do momento da sua prolação, não tendo efeitos retroativos, havendo, por isso, que alterar o decidido nesta parte.
SEGUE DELIBERAÇÃO:
PROVIDO PARCIALMENTE RECURSO. ALTERADA A SENTENÇA, DECRETANDO-SE A CESSAÇÃO DOS ALIMENTOS A CARGO DO RECORRIDO A FAVOR DO RECORRENTE COM EFEITOS REPORTADOS À DATA DO PRESENTE ACÓRDÃO.
Custas por Recorrentes e Recorrido na proporção do decaimento.

Porto, 26 de junho, de 2025
Isoleta de Almeida Costa
Carlos Cunha Rodrigues Carvalho
Aristides Rodrigues de Almeida