I - Só a falta absoluta de fundamentação, jurídica ou factual, constitui causa de nulidade da sentença.
II - As responsabilidades parentais devem ser exercidas na prossecução do “interesse dos filhos”, e nos casos em que é demandada a intervenção do poder judicial, este deve decidir assegurando igualmente o interesse do menor, ainda que o faça em prejuízo dos pais ou de terceiros.
III - Estabelecido regime de visitas entre a criança e o progenitor, existe incumprimento por parte da progenitora guardiã da criança quando esta recusa contactos com aquele, sem outra razão objectica para além do papel protectivo que, perante o exacerbado conflito entre ambos os progenitores, assumiu em relação à progenitora com quem coabita, e esta nada faz para que promover a concretização das visitas.
Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo de Família e Menores de Matosinhos – Juiz 1
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
I. RELATÓRIO
Por apenso aos autos em que ficaram reguladas as responsabilidades parentais das crianças AA, nascida a ../../2013 e BB, nascido a ../../2019, filhos de CC e de DD, veio o progenitor, nos termos do artigo 41.º do, RGPTC, suscitar incumprimento(s) do regime de visitas por parte da progenitora relativos à criança AA.
Fundamenta em comportamentos da mãe alegadamente violadores do acordo de responsabilidades parentais, homologado por sentença de 1/07/2022, quer quanto ao direito de visitas (supervisionado) da filha, quer quanto ao dever de informação.
A requerida contestou a versão do requerente, invocando a resistência emocional da filha aos convívios com o pai, motivada por alegado trauma emocional e sustenta, quanto às visitas, ter sido diligente na condução da filha ao Espaço Família nos dias e horas agendados, tendo justificado os atrasos pontuais ocorridos, bem assim como as ausências e juntou documentos relativos à invocada violação do dever de informar, cuja existência rejeita.
Foram realizados exames periciais à criança e progenitores no IML (apenso M) e juntos relatórios psicológicos de várias psicólogas que fizeram o acompanhamento da AA, bem como os relatórios de visitas no Espaço Família e do PIAC.
Realizaram-se diversas conferências com os progenitores, audição da criança, técnicos e outros com a finalidade de obter uma solução consensual, sem sucesso.
O progenitor, no essencial, pretende a condenação da progenitora nos incumprimentos e reclama o acolhimento residencial da criança.
A seu tempo foram incorporados neste apenso os apensos L e P por respeitarem a factos também ocorridos nas visitas supervisionadas da AA.
Não se antevendo a possibilidade de acordo para a questão decidenda foram os progenitores notificados para alegar, nos termos do disposto no artigo 39.º, n.º 4 ex vi artigo 41º nº 7, ambos do RGPTC.
Os progenitores alegaram, tendo ainda arrolado prova testemunhal.
Em 9/12/2024 foi proferido o seguinte despacho:
“(..)Os presentes autos são de incumprimento(s) do regime de visitas supervisionado da AA com o pai, sendo para aqui relevante atento o acordo homologatório do regime das responsabilidades parentais de 1/07/2022 referem-se ao período de tempo que teve inicio a 5/09/2022.
Tratam-se de incumprimentos fundados nas seguintes causas
(i) recusa da AA em aceder à visita
(ii) (recusa da AA no decurso da visita a interagir com o progenitor
(iii) atraso da AA na hora da visita
(iv) ausência da AA à visita
(v) presença da mãe no EF a aguardar pela filha.
De todas as visitas da AA com o progenitor foram lavrados relatórios circunstanciados que referem as respetivas ocorrências nomeadamente as aqui invocadas pelo progenitor, não havendo sobre o teor de tais relatórios, dissenso dos interessados.
Por outro lado existe também acordo de todos os interessados quanto à factualidade objetiva subjacente às imputadas condutas à requerida sendo que quanto ao mais (razões psicológicas/emocionais da criança) estão juntos ainda relatórios periciais nomeadamente exames do IML, cujo teor não foi colocado em causa por nenhum dos interessados.
Os factos essenciais à decisão a proferir no que respeita aos incumprimentos suscitados estão ainda admitidos por acordo nos articulados respetivos.
Não se vê por tal razão utilidade na produção de prova testemunhal requerida, que por tal razão e de acordo com o disposto no artigo 130º conjugado com o artigo 982º nº 2 do CPC aplicável ex vi artigo 12º do RGPC se nos afigura de dispensar.
(…)
Pelo que previamente à dispensa da prova testemunhal arrolada notifique para efeitos de contraditório”.
Notificados do teor desta decisão o requerente declarou acompanhar o tribunal e a requerida nada opôs.
Prosseguiram os autos para decisão a proferir nos termos do artigo 41.º, n.º 7 do RGPTC e bem assim à alegada falta de violação do dever de informar.
Declarada a validade e regularidade processuais, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
“Em face do exposto, julgo parcialmente procedentes por provados os incumprimentos suscitados nos autos condenando a requerida pelos mesmos nas multas de 3UCCS, 2UCCS, 2 UCCs e 13UCCS, no valor global de 20 UCCS.
Custas pela Requerida ´
Fixo à causa o valor de 30.000,01€”.
Por discordar da referida decisão, interpôs a requerida progenitora recurso para esta Relação, admitido como de apelação, findando as suas alegações com as seguintes conclusões:
“I. A Recorrente reitera que a decisão do Tribunal a quo carece de fundamentação adequada, uma vez que, o Tribunal a quo não levou em conta no juízo de valoração de tal recusa os factos concretos aludidos e fundamentados dos relatórios e declarações prestadas pela Técnica do Espaço Família, à data da recusa.
II. A Recorrente não pode ser responsabilizada pela recusa da Menor em descer para as visitas com o pai, uma vez que as visitas supervisionadas foram determinadas pelo próprio Tribunal a quo, na presença de Técnicas e muitas vezes na ausência da Recorrente.
III. Pelo que, é errada apreciação pelo Tribunal a quo, na apreciação e valoração que faz de tal factualidade, e por conseguinte, na condenação proferida de 13 UCs à Recorrente.
IV. Acresce ainda que, é inegável que a sentença proferida pelo Tribunal a quo padece de vícios insanáveis, ausência de fundamentação detalhada dos factos dados como provados, e concretização de datas concretas da falta de informação ao Recorrido as diversas consultas de psicologia da AA, o que traduz numa nulidade da sentença, nos termos do artigo 607.º, n.º 4 e 615.º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Civil. de
V. E por fim, a desproporcionalidade na condenação de 2UCs na alteração do horário da consulta de 13/02/2023, não sendo valorados os critérios de proporcionalidade da conduta culposa e violadora do acordo da regulação do exercício das responsabilidades parentais..
Nestes Termos, e nos melhores de Direito, sempre com o douto suprimento de V.as Ex.as, que se invoca, deverá ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida, com o que farão inteira Justiça”.
O Ministério Público e o requerido progenitor apresentaram contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso.
Antes da remessa dos autos a esta instância, foi proferido o seguinte despacho:
“Recurso da sentença
Pela recorrente foi invocada as seguintes nulidades da sentença:
1. por falta de fundamentação, designadamente, por falta de valoração dos factos concretos aludidos e fundamentados dos relatórios e declarações prestadas pela Técnica do Espaço Família, à data da recusa.
A recorrente não concretiza quais os factos constantes dos relatórios que não foram valorados, pelo que não se alcança o sentido desta afirmação.
Sem prejuízo como refere Miguel Teixeira de Sousa, in «Estudos sobre o Processo Civil», página 222 só a ausência de fundamentação é suscetível de conduzir à nulidade da decisão.
Na nossa modesta opinião a sentença está fundamentada quanto aos factos, direito e critério sancionatório.
2. por ausência de fundamentação detalhada dos factos dados como provados:
Na sentença e no elenco dos factos provados segue-se a cada facto a indicação do documento que o fundamenta o que constitui a respetiva motivação detalhada constituindo tal esclarecimento de modo individualizado e claro da convicção do tribunal, com a demais motivação em que se refere também o acordo das partes, (que não foi impugnado pela recorrente).
Está ainda expresso na própria sentença (parte em que se transcreveu o despacho proferido a 9/12/2024 notificado às partes e transitado) quanto aos factos referidos às visitas que: “foram lavrados relatórios circunstanciados não havendo dissenso sobre os mesmos (…) e que existe também acordo de todos os interessados quanto à factualidade imputada e no mais (razões psicológicas/emocionais da criança) estão juntos ainda relatórios periciais nomeadamente exames do IML.
Pelo que somos de entendimento que inexiste a apontada nulidade. Vide o Acórdão da Relação de Guimarães de 17/11/2004, in www.dgsi.pt/jtrg, que decidiu «O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH), repetidamente aconselha que: a extensão da obrigação de motivação pode variar consoante a natureza da decisão e deve analisar-se à luz das circunstâncias do caso concreto; a motivação não deve revestir um caráter exageradamente lapidar, nem estar por completo ausente (cf. Vincent e Guinchard, Procédure Civile, Dalloz, §1232, e arestos aí citados)).
3. A falta da concretização das datas concretas da falta de informação ao Recorrido as diversas consultas de psicologia da AA.
Ora, no facto provado 21 da sentença ficou a constar: “A Requerida não deu conhecimento prévio ao progenitor das consultas de psicologia da filha, designadamente as realizadas com a Drª EE nos dias 16/07/2022, 10/08/2022, 1/09/2022, e posteriormente conforme relatórios juntos por esta clinica de 22/11/2022, 2 /12/2022, 28/02/2023”.
Da simples leitura deste ponto de facto se constata a concretização das datas que estão em causa quanto às consultas de psicologia de que não foi dado conhecimento ao progenitor.
Estas mesmas consultas são as que fundamentam a sanção aplicada à progenitora conforme decorre do início do respetivo parágrafo da sentença (que a recorrente identifica como sendo o 4º & da página 13), que se inicia pela seguinte forma: “Resulta dos factos provados (facto 21) que ocorreram 3 consultas em 16/07; 10/08; e 1/09 de 2022 com a Drª EE tendo esta psicóloga posteriormente apresentado nos autos relatórios sobre o acompanhamento da criança nomeadamente a 22.11.2022, 2.12.2022, 28.02.2023”.
São pois estas as consultas que foram sancionadas.
A expressão utilizada “diversas consultas” está inserida na frase subsequente com o seguinte teor: “No que respeita ao segmento em que o requerente invoca não lhe ter sido dado conhecimento das diversas consultas de psicologia “.
A finalidade desta afirmação não é mais do identificar a pretensão do requerente nos autos, nada tendo que ver com a condenação.
Não vislumbramos, por tais razões, quaisquer nulidades da sentença.
Vossa Excias, Srs. Juízes Desembargadores, melhor decidirão”.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar.
II.OBJECTO DO RECURSO.
A. Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelo recorrente e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, importando destacar, todavia, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito.
B. Considerando, deste modo, a delimitação que decorre das conclusões formuladas pelo recorrente, no caso dos autos cumprirá apreciar:
- se a decisão recorrida padece de nulidade, por falta de fundamentação;
- fundamentos para a sanção aplicada e sua proporcionalidade.
III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
Em primeira instância foram considerados provados os seguintes factos com relevância para a decisão:
1. A AA nasceu a ../../2013 e o BB nasceu a ../../2019, estando ambos registados como filhos de CC e de DD e são residentes com a mãe em ..., Matosinhos. (certidões de nascimento juntas)
2. Os requeridos foram casados, entre si, tendo-se divorciado por sentença transitada em jugado de 1/7/2022 (sentença proferida nos autos principais).
3. Por sentença de 1/7/2022 homologatória do acordo de regulação de responsabilidades parentais das crianças ficou estabelecido (ao que interessa) o seguinte regime:
1)
(…)
c) A mãe compromete-se a diligenciar por acompanhamento psicológico relativamente à menor AA comparecendo a todas as sessões designadas, devendo informar o pai da identificação da psicóloga e das datas das sessões agendadas.
2)
Os menores BB e AA residirão com a mãe, sendo as responsabilidades parentais relativas a questões de particular importância para a vida dos menores exercidas em comum por ambos os progenitores, salvo nos casos de manifesta urgência em que qualquer um dos progenitores pode agir sozinho devendo prestar informações ao outro logo que possível.
O exercício das responsabilidades parentais relativo aos actos da vida corrente dos menores caberá à mãe ou ao pai quando com eles se encontre temporariamente; neste caso o pai deve respeitar as orientações educativas mais relevantes definidas pela mãe.
3)
a) Os convívios da menor AA com o pai mantém-se no espaço família, reiniciando-se no mês de setembro.
5)
A mãe compromete-se a informar o pai da identificação completa dos médicos assistentes dos filhos e todas as consultas médicas não urgentes dos filhos, bem como, de qualquer problema de saúde ou medicação relevante.
(…)
a) Relativamente às férias escolares de verão, a mãe compromete-se a informar o pai do local onde se encontram os filhos e de um meio de contacto.
b) A mãe compromete-se ainda em que diariamente no seu período de férias com os filhos, entre as 19h30 e as 20h, a diligenciar para que haja um contacto entre o pai e o BB por videochamada. (…)
f) (…) consignando-se desde já que de 13/08 a 26/08 este regime será suspenso uma vez que a mãe vai de férias com os menores (…)
3. Por decisão transitada de 3/4/2023 proferida no apenso M as visitas da AA com o progenitor passaram a ser acompanhadas pelo PIAC”.
4. À presente data contam-se, para além dos presentes autos, instaurados 29 apensos a saber:
4.1 No apenso C, iniciado pelo progenitor a 2/06/2021 para alteração do acordo provisório de regulação das responsabilidades parentais, foi o mesmo arquivado com despacho de indeferimento transitado e proferido a 11/10/2021.
4.2 No apenso D –incumprimento iniciado pelo progenitor a 30/07/2021 - foi homologada por sentença de 11/10/2021 a desistência da instância apresentada pelo progenitor
4.3 No apenso E- procedimento cautelar iniciado pelo progenitor a 26/08/2021 fundamento – mudança e escola da AA sem autorização foi homologado por sentença de 23/02/2022 o acordo de ambos os progenitores quanto à escola a frequentar pelos filhos .
4.4 No apenso F- iniciado pela progenitora a 08/09/2021-incumprimento de prestações alimentícias pelo progenitor foi extinta a instância por inutilidade superveniente da lide por sentença de 11/10/2021.
4.5. No apenso G- iniciado pelo progenitor a 28/09/2021 – incumprimento do regime de visitas foi extinta a instância por inutilidade superveniente da lide por sentença de 1/07/2022.
4.6 No apenso H - iniciado pelo progenitor a 18/02/2022 – incumprimento do regime de visitas foi extinta a instância e determinada a sua incorporação no apenso G por despacho de 25/02/2022 por se tratar dos mesmos factos.
4.7 No apenso I iniciado pelo progenitor a 23-04-2022 – incumprimento do regime de visitas foi extinta a instância e determinada a sua incorporação no apenso G por despacho de 27-04-2022 por se tratar dos mesmos factos.
4.8 No apenso J procedimento cautelar iniciado pelo progenitor – falta de consentimento para a AA fazer a primeira comunhão a 05/05/2022 - foi homologada a desistência da instancia por sentença de 18/05/2022.
4.9 No apenso L iniciado pelo progenitor a 4/10/2022 – incumprimento do regime de visitas - foi determinada a sua incorporação no apenso K por despacho proferido nestes autos de 7/10/2022.
4.10 No apenso M iniciado pelo progenitor 22/10/2022 – sentença de 24/11/2023, condenação da progenitora condutas violadoras do direito de visitas estabelecido quanto ao BB, nos dias 16, 20, 23, 25 e 30 de nov. e 2 de dezembro de 2022.
4.11. No apenso N iniciado pelo progenitor 22/02/2023 –sentença a 4/01/2024 e acórdão do Tribunal da Relação a 03/07/2024 -condenação da requerida por condutas violadoras do direito de visitas estabelecido quanto ao BB, nos dias 16/11/2022, 20/11/2022, 23/11/2022, 25/11/2022, 30/11/2022, 02/12/2022, 04/12/2022, 07/12/2022, 09/12/2022, 14/12/2022, 18/12/2022, 21/12/2022, 23/12/2022, 25/12/2022, 28/12/2022, 01/01/2023, 04/01/2023, 06/01/2023, 11/01/2023, 15/01/2023, 18/01/2023, 20/01/2023, 25/01/2023, 29/01/2023, 01/02/2023, 03/02/2023, 08/02/2023, 12/02/2023 e 15/02/2023.
4.12. No apenso O iniciado pela progenitora a 27/02/2023 – incumprimento da prestação de alimentos - foi proferida sentença a 31/01/2024 com condenação do progenitor por violação do dever de contribuir para as despesas referentes às sessões de psicologia da AA.
4.13. No apenso P iniciado pelo progenitor a 09/03/2023 – incumprimento do regime. Foi determinado por despacho de 18/03/2024 a tramitação/incorporação deste no apenso K.
4.14 No apenso Q iniciado pelo progenitor 05/04/2023 – incumprimento do regime de visitas foi determinada a sua incorporação no apenso relativo ao BB por despacho de 01/06/2023.
4.15 No apenso R, iniciado pela progenitora a 21/04/2023 – incumprimento do regime de visitas - foi declarada extinta a instância por inutilidade superveniente da lide por sentença de 28/06/2023.
4.16 No apenso S, iniciado pela progenitora 14/09/2023 – incumprimento do regime de visitas, - factos ocorridos entre 15/09/2023 a 6/10/2023, quanto à requerida e entre 09/09 e 15/09 quanto ao requerido, foi proferida decisão a 27/11/2023 com a condenação de ambos os progenitores por diversas violações do regime de responsabilidades parentais.
4.17 No apenso T - alteração das responsabilidades parentais do BB - foi proferida sentença homologatória de acordo a 9/11/2023.
4.18 No apenso U - incumprimento do regime de visitas iniciado pela progenitora a 7/11/2023, por factos ocorridos entre 13 e 18 de outubro de 2023 -, foi proferida decisão a 15/01/2024 com condenação do progenitor por diversas violações do regime de responsabilidades parentais e direito de visita.
4.19 No apenso V - incumprimento do regime de visitas iniciado pela progenitora a 27/11/2023 - arquivamento quanto a factos denunciados quanto ao progenitor e absolvição da progenitora, tendo sido proferida decisão a 15/01/2024.
4.20 No apenso W incumprimento do regime de visitas iniciado pelo progenitor a 06/02/2024, aguarda julgamento já designado.
4.21. No apenso X, reclamação do artigo 643.º do CPC, iniciado pelo progenitor a 04/03/2024 desatendida por Decisão Sumária do Exmo. Relator.
4.22 No apenso Y, incumprimento do regime de visitas iniciado pelo progenitor a 14/03/2024, factos ocorridos - violação do direito e visitas da AA entre 14/02/2024 e 13/03/2024 foi proferida sentença em 5/09/2024 que condenou a requerida.
4. 23 No apenso Z - alteração das responsabilidades parentais -, iniciado pelo progenitor a 18/03/2024, suspensa a instância a 05/06/2024 até execução da medida aplicada no processo de promoção e proteção.
4.24 No apenso AA - processo de promoção e proteção - foi aplicada medida de proteção às crianças por acórdão de 19/12/2024 que se encontra pendente de recurso no TRP.
4.25 No apenso AB, iniciado a 24/05/2024, por factos ocorridos em 15/05/2024 e 17/05/2024, de violação da cláusula 5.ª do acordo de regulação das responsabilidades parentais, foi proferida sentença a 03/09/2024, que condenou a requerida por incumprimento.
4.26 No apenso AC, iniciado a 05/09/2024, por factos ocorridos entre 22/07/2024 e 03/09/2024, direito de visita e violação da cláusula 5.ª do acordo de regulação das responsabilidades parentais - dever de informação prévia, foi proferida sentença a 09/12/2024 que condenou a requerida por violação do dever de informação prévia.
4.27 No apenso AD, iniciado a 22/11/2024, por factos ocorridos em 15/11/2024, aguarda alegações dos progenitores, nos termos do artigo 39.º, nº 4 do RGPTC.
4.28 No apenso AE, iniciado a 27/11/2024, por factos ocorridos em 18 e 22/11/2024, aguarda alegações dos progenitores, nos termos do artigo 39.º, nº 4 do RGPTC.
4.29 No apenso, AF iniciado a 02/12/2024, por factos ocorridos em 29/11/2024, aguarda alegações dos progenitores nos termos do artigo 39.º n.º 4 do RGPTC.
5. Em 30 de novembro de 2022, o Requerente criou na Internet a página “...”, partilhando, como público, fotografias dele próprio, das crianças, da Requerida, com exposição de relatos pessoais, documentos e peças dos processos pendentes no TFMM, tendo por tais factos sido condenado em pena não privativa da liberdade, pela prática de três crimes de Devassa da Vida Privada Agravados, p. e p. pelos artigos 14.º, 192.º, n.º 1, alíneas a), b) e d) e 197.º, alínea b) do Código Penal. a que acresceu condenação em indemnização a favor a requerida, por sentença de 23/01/2024 no processo crime ..., confirmada por acórdão do TRP de 3/07/2024.
6. No exame pericial efectuado a 30-08-2023 no IML, no âmbito do apenso M e junto a estes autos, dando-se, no mais, aqui por reproduzido, conclui-se em relação à AA que: “(…) parece evidenciar um desenvolvimento cognitivo adequado à sua faixa etária. Os dados clínicos sugerem características associadas à instabilidade deste conflito familiar e por este motivo merece atenção clínica em Psicologia e em Pedopsiquiatria (…) apresenta sintomatologia ansiosa e uma instabilidade emocional associada a esta conflitualidade familiar (…) o contacto saudável com o progenitor poderá apresentar-se como sendo muito difícil porque existe uma rigidificação do discurso da examinada relativamente à expectativa do papel paterno, desadequado à sua faixa desenvolvimental
(…) esta criança parece estar fragilizada quanto à atualização dos seus recursos, em virtude do desgaste emocional provocado pela conflitualidade existente entre os adultos. Salientamos que esta situação poderá configurar um quadro de risco do ponto de psico-afectivo e desenvolvimental, (…)
Neste sentido, atendendo à idade e desenvolvimento cognitivo e emocional da menor, a perceção da menor relativamente ao progenitor, existe uma grande desconfiança da examinada relativamente ao seu progenitor, o que motiva a sua rejeição, não permitindo dessa forma a construção adequada de um processo de vinculação seguro. Apesar de ambos os progenitores apresentarem competências parentais, existe uma marcada conflitualidade entre os mesmos, que tem tido um efeito nefasto na examinada. O facto de o progenitor poder revelar junto da criança, ainda que não intencionalmente, uma perspetiva negativa relativamente aos comportamentos da progenitora, responsabilizando-a pelo afastamento dos filhos e subsequente sofrimento do progenitor, poderá provocar na sua filha uma marcada rejeição pelo progenitor, pelo sentimento protetor da examinada relativamente à sua progenitora, mantendo-se assim focada no conflito conjugal. Os vínculos afetivos são de suma importância para um adequado desenvolvimento da criança e esta tem de sentir que o afeto por cada um dos progenitores não constitui um conflito ou ataque agressivo ao outro progenitor, situação que a examinada parece estar atualmente a vivenciar. Mais consideramos que deverá existir um acompanhamento pedopsiquiátrico e psicológico para a examinada, em que sejam envolvidos ambos os progenitores, no sentido de cada um adequar o seu papel quer entre ambos, quer relativamente aos filhos, apelando aos ajustes de cada um dos progenitores, nas suas práticas parentais, em nome da saúde mental da examinada, uma vez que, se estas incongruências persistirem e os papéis materno e paterno não ficarem definidos e os vínculos seguros, poderemos correr o risco de a examinada vir a desenvolver uma desordem de personalidade, uma vez que as respostas emocionais já são atualmente disruptivas e por isso devem ser motivo de atenção clínica, nomeadamente envolvendo a examinada e o progenitor em Terapia Familiar. O acompanhamento clínico apresenta-se como fundamental, sendo que os progenitores terão de chegar a consenso relativamente a esse acompanhamento, caso contrário, esse acompanhamento será possivelmente rejeitado pela criança” (…).
7 . Na conferência de 11/01/2024 e 18/01/2024 a Dr.ª FF, psicóloga, nomeada como assessora técnica nos autos, concluiu pela falta de credibilidade do discurso da AA, instrumentalização e manipulação pela progenitora e que não é expectável que uma criança desta idade se apresente com a postura da AA. (cfr gravação dos respetivos autos e transcrição junta aos autos pelo progenitor ).
8. A 21.08.2024, foi junto relatório do PIAC dando conhecimento de que “A jovem AA, iniciou acompanhamento psicológico no PIAC a 02/07/2023 a pedido da técnica de mediação familiar que acompanhava os pais no PIAC, tendo tido até à data 10 consultas. Inicialmente, aparentemente houve uma boa adesão ao processo psicoterapêutico, embora pautada por uma ligação superficial e utilitária, na procura da validação da psicóloga relativamente à recusa em ir ao pai. A partir do dia 21 de maio de 2024, altura em que a mãe e a menor tiveram conhecimento de que o processo de reparação da relação entre pai e filha ia ter continuidade, independentemente da mudança de terapeutas, a adesão às consultas de psicologia tem vindo a estar cada vez mais comprometida. A AA, neste momento, apresenta recusa em entrar nas consultas, não havendo condições para dar continuidade ao processo psicoterapêutico. As consultas ficam, pelo menos por enquanto, suspensas.”
9. A partir de 5 de setembro 2022, iniciaram-se convívios da AA com o progenitor, supervisionados, à 2.ª feira, entre as 18 e as 19h, no E.F, conforme acordo homologado a 1.07.2022.
10. A AA recusou descer para o Espaço Família para as visitas dos dias 5 e 12 de setembro/22; de 5 e 12 de dezembro/2022 (relatórios do EF de 8/11/2022 e de 16/12/2022),
11. A AA recusou descer para visita em 9 das 13 visitas marcadas entre 19 de dezembro de 2022 e 27 de março de 2023 (relatório do EF de 30/03/2023).
12. A AA recusou descer para a visita em 9 visitas marcadas entre os dias 17 de abril de 2023 e 26 junho de 2023 (Relatório do EF de 27/06/2023).
13. A 19 de setembro/22, após recusa inicial, pelas 18.30h, AA aceitou descer, tendo decorrido bem a visita (Relatório do EF de 8/11/2022)
14. Nos dias 14, 21 e 28 de novembro/22; 16 e 30 de janeiro de /2023; 13 e 20 de fevereiro de 2023, a AA desceu para a visita, mas manteve postura agressiva com o progenitor, recusando a interagir com este (Relatórios do EF de 16/12/2022 e de 30/03/2023)
15. No dia 6/02/2023 não houve convívio porque a AA foi a uma visita de estudo tendo a criança chegado com atraso, segundo informação da mãe (Relatório do EF de 30/03/2023)
17. No dia 10/04/2023 a requerida não conduziu a filha à visita (Relatório do EF de 27/06/2023), tendo alegado ter entendido que a decisão de remeter a criança para o PIAC proferida a 3/04/2023 no apenso M, tinha posto fim a estas visitas
18. No dia 5/12/2022 a requerida chegou com atraso de 30 minutos à visita que justificou com o trânsito. (Relatório do EF de 16/12/2022)
19. No dia 13/02/2023 a AA chegou com atraso de 25 minutos à visita (Relatório do EF de 30/03/2023), tendo a criança ido a consulta na médica de família, com início às 16h12 e termo às 17h54, como consta da declaração emitida pela ULS... e junta aos autos.
20. A AA no dia 29/11/2022 foi atendida no serviço de urgência do CMIN, tendo a requerida remetido sms a informar o pai que estava nas urgência do CMIN (doc nº 16 junto pelo pai com as suas alegações).
21. A Requerida não deu conhecimento prévio ao progenitor das consultas de psicologia da filha, designadamente as realizadas com a Dr.ª EE, nos dias 16/07/2022, 10/08/2022, 1/09/2022, e posteriormente, conforme relatórios juntos por esta clinica de 22/11/2022, 2/12/2022 e 28/02/2023.
22. A requerida informou o pai de que a consulta no médico de família do dia 13/02/2023 se realizava às 11h00 (doc nº 18 junto pelo pai com as alegações)
23. A Requerida informou o requerente no dia 15/08/2022 que estava com as crianças de férias, com início a 13/08/2022 e termo a 26/08/2022, em ... e a 21/08/2022 informou o hotel em que se encontrava hospedada (doc. 2, 3 e 4 juntos com as alegações do progenitor).
24. A requerida manteve-se, por regra, no interior do Espaço Família enquanto as visitas decorriam ou aguardou na sua viatura automóvel no exterior do mesmo, pelo final da visita (Relatório do EF de 8/11/2022, 16/12/2022 e ss)
25. A Requerida declarou (conforme relatório do Espaço Família de 27/06/2023) que conduz a filha ao Espaço Família deixando à mesma a liberdade de decidir a concretização do convívio.
26. A 8.11.2022 foi junto relatório da visitas da AA no Espaço Família (que no mais aqui se dá por reproduzido) constando do mesmo que: “Os convívios supervisionados entre o pai e a AA iniciaram-se (…) no dia 5 de setembro, continuando os mesmos a concretizar-se com periodicidade semanal, com a duração de uma hora, à 2ª feira entre as 18 e as 19h, tendo ocorrido, até ao momento presente, oito visitas supervisionadas. As duas primeiras visitas, a 5 e 12 de setembro, não se realizaram porque AA recusou o contacto com o pai, pese embora a intervenção técnica no sentido de a motivar e tranquilizar. Os progenitores foram pontuais, colaborantes e cumpridores das regras do Espaço Família, com apenas uma exceção no dia 12 de setembro, no qual a progenitora compareceu com atraso devido ao trânsito causado por um acidente de viação. Na terceira visita, a 19 de setembro, após recusa inicial, pelas 18h30 AA aceitou dirigir-se à sala de convívios onde se encontrava o pai (…)
Nas visitas seguintes AA aceitou sempre, de imediato, ir para a sala de convívios, assegurando-se antes que a mãe aguardaria por si na sala de espera. No entanto, a sua postura perante o pai alterou-se (…) verbalizando que não queria que ele lhe dirigisse a palavra, não queria brincar com ele, não queria que a tratasse por “GG”, mas sim por AA. No contexto do Espaço Família, a progenitora foi sempre encorajando e incentivando a AA para os convívios, transmitindo-lhe que aquele era um espaço seguro e que iria ter o apoio e presença das técnicas. Quando a filha ficou mais alterada ou agressiva, tranquilizou-a e procurou demonstrar-lhe que não estava a ter uma atitude correta e que tinha que ter mais calma.
27. O relatório do Espaço Família de 16 de dezembro de 2022 (que no mais aqui se dá por reproduzido) refere, em concreto em relação às 5 visitas agendadas nesse período: “Nos dias 14, 21 e 28 de novembro, quando chegou ao Espaço Família, AA acompanhou as técnicas para a sala de convívios (…). Recusou qualquer contacto com o pai e evitou sempre a proximidade deste, (…) nos convívios de 5 e 12 de dezembro, AA permaneceu junto à porta de entrada do edifício, recusando-se a entrar, afirmando que não se sentia confortável e que não queria ver o pai (…)
28. No relatório do Espaço Família de 30.03.2023 referente às 13 visitas agendadas entre 19 de dezembro de 2022 e 27 de março de 2023 (que no mais se dá por reproduzido) se refere: “Nos 13 convívios ocorridos de 16 de dezembro de 2022 àquela data os progenitores foram pontuais e cumpridores das regras do Espaço Família, com a exceção dos dias 30 de janeiro, em que o pai chegou 5 minutos atrasado, e 13 de fevereiro, em que a mãe compareceu com 20 minutos de atraso, referindo ter estado numa consulta médica. No dia 23 de janeiro não houve convívio porque a AA estava doente; No dia 6 de fevereiro não houve convívio porque a criança foi a uma visita de estudo, tendo havido atraso no regresso da mesma. Das treze ocasiões em que os progenitores e a criança compareceram no Espaço Família, apenas se concretizaram quatro visitas. A AA aceitou entrar e permanecer na sala onde estava o pai nos dias 16 e 30 de janeiro e 13 e 20 de fevereiro. Nessas ocasiões evitou sempre a proximidade do pai, sendo que, nas escassas interações com aquele, adotou, usualmente, uma postura agressiva. Rejeitou sempre os lanches trazidos pelo pai. O pai tentou dialogar e envolver-se em atividades com a filha, sem sucesso. As restantes datas, AA recusou separar-se da mãe e descer para a sala de convívios, pese embora as tentativas dos técnicos de sensibilização e tranquilização da criança, alegando esta que não se sentia bem, não se sentia em segurança, não gostava do pai, tinha medo do pai e não o sentia como pai, verbalizando "é apenas pai biológico".
29. A 27/06/2023 foi junto relatório do Espaço Família com referencia às visitas dos dias 17 de abril e 26 de junho de 2023 relatando que: “ocorreram nove tentativas de convívio. No dia 3 de abril ambos os pais faltaram; no dia 10 de abril apenas compareceu o pai posteriormente ambos os pais foram assíduos. Em todas as visitas em que estiveram presentes, a AA recusou-se a estar na presença do pai tendo a mãe firmado que se comprometeu a levar a criança àquele EF mas a decisão de estar com o pai é da filha nada podendo fazer quanto a isso”.
30. Na conferência de progenitores de 24/04/2023, realizada nos autos, a AA declarou que “não se sentia confortável em estar com o pai, porque lhe bateu durante muitos anos e que lhe batia em todo o lado. Dava-lhe chapadas e palmadas. A mãe nunca viu. O pai apertou-lhe o braço e gritou com ela. Já lhe deu imensas oportunidades”
31. O Requerente é engenheiro informático e possui uma empresa denominada por A..., Lda., com sede na ..., ..., ... Maia, cuja atividade está ligada, maioritariamente, à área da construção Civil, auferindo cerca de € 1200,00 (mil e duzentos euros) por mês.
32. A Requerida é arquitecta e exerce as funções de diretora de arte.
IV. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
1. Da nulidade da sentença.
Imputa a recorrente à sentença que recursivamente impugna vício de nulidade que enquadra na previsão do artigo 615.º, n.º, b) do Código de Processo Civil, invocando falta de fundamentação.
Sobre a nulidade da sentença dispõe o n.º 1 do artigo 615.º do mesmo diploma legal:
“É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.
A nulidade da sentença - ou de despacho - constitui vício intrínseco da decisão, desde que ocorra alguma das circunstâncias taxativamente previstas no artigo 615.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, que, pela sua gravidade, comprometem a sentença ou o despacho qua tale.
Como o n.º 1 do artigo 668.º do anterior diploma, também o n.º 1 do artigo 615.º do actual Código de Processo Civil contém uma enumeração taxativa das causas de nulidade da sentença[1], nelas não se inserindo o designado erro de julgamento, que apenas pode ser atacado por via de recurso, quando o mesmo for legalmente admissível[2].
Como já se anotou, o erro de julgamento não se confunde com a invalidade da sentença: a sentença é nula quando ocorra algum dos circunstancialismos taxativamente previsto no citado artigo 615.º, n.º 1; ocorrendo erro de julgamento, de facto ou de direito, esse erro não colide com a validade da sentença, podendo, todavia, a parte prejudicada com esse erro impugná-la pela via do recurso, quando preenchidos os necessários pressupostos processuais.
A falta de fundamentação, de facto ou de direito, constitui circunstância tipificada na alínea b) do referido normativo que, a ocorrer, dita a nulidade da sentença afectada por essa omissão.
É pela fundamentação que a decisão se revela um acto não arbitrário, traduzindo a concretização da vontade abstracta da lei ao caso particular submetido à apreciação jurisdicional.
É por ela que as partes tomam conhecimento das razões que ditaram o desfecho da acção e das pretensões que nela formularam, permitindo-lhes ajuizar da viabilidade de recurso aos meios processuais de impugnação.
Compreende-se, assim, que a falta de fundamentação da decisão, quando seja devida, gere a sua nulidade. Tal falta, quer se trate de um mero despacho ou de uma sentença, há de revelar-se por ininteligibilidade do discurso decisório, por ausência total de explicação da razão por que se decide de determinada maneira
Como esclarecem Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora[3], a propósito do vício previsto no citado dispositivo, “para que a sentença careça de fundamentação, não basta que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta embora esta se possa referir aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito.
[…] Para que haja falta de fundamentação, como causa de nulidade da sentença, torna-se necessário que o juiz não concretize os factos que considera provados e coloca na base da decisão. Relativamente aos fundamentos de direito, dois pontos importa salientar:
Por um lado, o julgador não tem que analisar todas as razões jurídicas que cada uma das partes invoque em abono das suas posições, embora lhe incumba resolver todas as questões suscitadas pelas partes: a fundamentação da sentença contenta-se com a indicação das razões jurídicas que servem de apoio a solução adoptada pelo julgador.
Por outro lado, não é indispensável, conquanto seja de toda a conveniência, que na sentença se especifiquem as disposições legais que fundamentam a decisão; essencial é que se mencionem os princípios, as regras, as normas em que a sentença se apoia”[4].
O dever de fundamentação da sentença basta-se com a simples indicação das razões de facto e de Direito que servem de apoio à solução adotada pelo julgador.
Como é entendimento pacífico na doutrina e na jurisprudência, só a falta absoluta de fundamentação penaliza com nulidade a sentença afectada por tal omissão[5]. Como já o Prof. Alberto dos Reis[6] esclarecia, “o que a lei considera causa de nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou a mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz a nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto”.
Note-se que “da falta absoluta de motivação jurídica ou factual - única que a lei considera como causa de nulidade —há que distinguir a fundamentação errada, pois esta, contendendo apenas com o valor lógico da sentença, sujeita-a a alteração ou revogação em recurso, mas não produz nulidade”[7].
Uma errada, insuficiente ou incompleta fundamentação não afecta o valor legal da decisão, não gerando a sua nulidade: “o vício de insuficiência da decisão de facto é equacionável com base no artigo 662.º, n.º 2, alínea c), parte final, do CPC, sendo de conhecimento oficioso e suscetível de implicar a ampliação daquela decisão, pelo que a sua eventual invocação pelo apelante não está sujeita aos requisitos impugnativos prescritos no artigo 640.º, n.º 1, do mesmo Código, os quais só condicionam a admissibilidade da impugnação, com fundamento em erro de julgamento, dos juízos probatórios concretamente formulados”[8].
Do vício de nulidade, por falta de fundamentação, não padece a sentença recorrida, na qual estão mencionadas razões que motivam a decisão relativa à matéria de facto, com indicação das provas atendidas, assim como os fundamentos jurídicos que suportam a decisão de mérito da acção.
Anote-se ainda:
- A sentença recorrida identifica, concretizando, os meios de prova que serviram de fundamento à decisão proferida sobre a matéria de facto, designadamente os relatórios que, constando dos autos, não tinham de ser reproduzidos.
Não indica a recorrente os factos constantes dos relatórios e declarações prestadas pela Técnica do Espaço Família, à data da recusa, que, no seu entender, não foram devidamente valorados, sendo que tal afirmação só poderia adquirir relevância em sede de impugnação da decisão da matéria de facto que, todavia, a mesma não deduziu.
- A mesma sentença precisa ainda as datas em que foi omitida ao progenitor as datas das consultas de psicologia da AA, as quais surgem indicadas no ponto 21.º dos factos provados.
Improcedem, pois, as alegações recursórias da apelante quanto à invocada nulidade da sentença.
2. Do incumprimento das responsabilidades parentais.
Segundo o n.º 1 do artigo 1878.º do Código Civil, “compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros, e administrar os seus bens”.
Deste preceito decorre que as responsabilidades parentais devem ser exercidas na prossecução do “interesse dos filhos”, e nos casos em que é demandada a intervenção do poder judicial, este deve decidir assegurando igualmente o interesse do menor, ainda que o faça em prejuízo dos pais ou de terceiros[9].
As responsabilidades parentais constituem uma resposta, a dar por quem está mais próximo da criança e por isso também melhor habilitado a conhecer as suas necessidades, a uma situação de imaturidade (física, emocional, psíquica) decorrente da menoridade.
Cabe, assim, aos pais, em primeira linha, desempenhar esse papel protectivo, exercendo os poderes funcionais que integram as responsabilidades parentais, zelando pelo desenvolvimento integral da criança, proporcionando-lhe alimentação, afecto, condições de saúde, de educação, de segurança, promovendo a sua autonomia e independência.
Como é afirmado por Filipa Daniela Ramos de Carvalho[10], “o interesse do menor, embora se consubstancie numa dificuldade prática acrescida, resultante da indeterminação do critério, absorve ou deve absorver todas as orientações vertidas no Código Civil, nomeadamente os artigos 1878º (segurança, saúde, sustento e autonomia do menor), 1885º, nº1 (desenvolvimento físico, intelectual e moral dos filhos), 1878º, nº2 (opinião dos filhos). Outrossim, a natureza dos processos de regulação das responsabilidades parentais como processos de jurisdição voluntária atribuem ao juiz um papel fundamental na adequação, in casu, das orientações legais sobre o conteúdo do exercício das responsabilidades parentais e o critério do interesse do menor”, que, assim, conclui: “Deste modo, é da intercepção entre as orientações legais e das orientações jurisprudenciais que se alcança, paulatinamente, um conteúdo do conceito indeterminado em questão”.
Todas as medidas que, no âmbito do exercício das responsabilidades parentais, possam vir a ser adoptadas, quer por acordo dos progenitores, quer, na ausência de tal acordo, por decisão unilateral do tribunal, devem prosseguir o interesse da criança, valor que encontra guarida em diversos instrumentos legislativos, designadamente no artigo 7.º da Declaração dos Direitos da Criança, proclamada pela Resolução da Assembleia Geral da ONU, de 20.11.1959, nos artigos 9.º, n.º 1, e 18.º, n.º 1, da Convenção Sobre os Direitos da Criança, assinada em Nova Iorque, a 26.01.1990 e no artigo 6.º, a), da Convenção Europeia Sobre o Exercício dos Direitos da Criança, adoptada em Estrasburgo, a 25.01.1996, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 7/2014, de 13-12-2013.
Tal interesse traduz-se num conceito jurídico indeterminado que visa assegurar a solução mais adequada para a criança no sentido de promover o seu desenvolvimento harmonioso físico, psíquico, intelectual e moral, especialmente em meio familiar, sendo, por isso, aferível em função das circunstâncias de cada caso[11].
Não partilhando os progenitores de morada comum, o convívio entre cada um deles e os filhos permite a manutenção dos laços afectivos recíprocos, contribuindo para um desenvolvimento equilibrado das crianças.
As responsabilidades parentais acham-se hoje concebidas e estruturadas em função do superior interesse da criança. Mais que direitos sobre os filhos, têm os progenitores deveres funcionais em relação aos mesmos, devendo moldar o desempenho das suas responsabilidades parentais ao superior interesse do menor, de forma a assegurar-lhe, de forma completa, o seu desenvolvimento harmonioso.
Dispõe o n.º 1 do artigo 41.º do RGPTC: “Se, relativamente à situação da criança, um dos pais ou a terceira pessoa a quem aquela haja sido confiada não cumprir com o que tiver sido acordado ou decidido, pode o tribunal, oficiosamente, a requerimento do Ministério Público ou do outro progenitor, requerer, ao tribunal que no momento for territorialmente competente, as diligências necessárias para o cumprimento coercivo e a condenação do remisso em multa até vinte unidades de conta e, verificando-se os respetivos pressupostos, em indemnização a favor da criança, do progenitor requerente ou de ambos.
No caso em apreço, os progenitores acordaram regular o exercício das responsabilidades parentais dos dois filhos menores de ambos, tendo tal acordo sido homologado por sentença de 1.07.2022.
Quanto a tal exercício, ficou, entre o mais, estabelecido que “A mãe compromete-se a diligenciar por acompanhamento psicológico relativamente à menor AA, comparecendo a todas as sessões designadas, devendo informar o pai da identificação da psicóloga e das datas das sessões agendadas”.
Resulta do ponto 21.º dos factos provados que “[A] Requerida não deu conhecimento prévio ao progenitor das consultas de psicologia da filha, designadamente as realizadas com a Dr.ª EE, nos dias 16/07/2022, 10/08/2022, 1/09/2022, e posteriormente, conforme relatórios juntos por esta clínica de 22/11/2022, 2/12/2022 e 28/02/2023.
Surge, assim, como inquestionável o comportamento incumpridor da progenitora, ora recorrente, que logo após a sentença que homologou o acordo relativo às responsabilidades parentais em que se vinculara, entre o mais, a informar o outro progenitor, aqui recorrido, das sessões agendadas no âmbito do acompanhamento psicológico que a recorrente se comprometera a diligenciar para a filha AA, omitiu, por diversas vezes, esse seu dever.
Também no que concerne ao cumprimento do regime de visitas ao progenitor pela filha AA se confirmam condutas infractoras por parte da progenitora.
Com efeito, como resulta da matéria elencada nos pontos 10.º, 11.º e 12.º, entre 5 de Setembro de 2022 e 26 de Junho de 2023, nas datas aí concretamente indicadas, a AA, por 19 vezes, recusou-se a descer para o Espaço Família, onde, nessas datas, deviam ter ocorrido as visitas – supervisionadas – com o progenitor, sempre com a anuência da progenitora que, demitindo-se de uma intervenção activa e pedagógica junto da criança em relação à qual desempenha o papel de guardiã, para que o regime de visitas, judicialmente fixado, pudesse se concretizar.
Essa conveniente permissividade e desresponsabilização pela omissão de exercício adequado das suas competências parentais continua a manifestar-se em sede de alegações de recurso ao sustentar que “não pode ser responsabilizada pela recusa da Menor em descer para as visitas com o pai, uma vez que as visitas supervisionadas foram determinadas pelo próprio Tribunal a quo, na presença de Técnicas e muitas vezes na ausência da Recorrente”.
É certo que a lei reconhece relevância à vontade e opinião da criança, a qual pode/deve ser expressada através de mecanismos processuais especificamente previstos para o efeito, como o previsto no artigo 4.º, n.º 1, c) que estabelece que “a criança, com capacidade de compreensão dos assuntos em discussão, tendo em atenção a sua idade e maturidade, é sempre ouvida sobre as decisões que lhe digam respeito, preferencialmente com o apoio da assessoria técnica ao tribunal, sendo garantido, salvo recusa fundamentada do juiz, o acompanhamento por adulto da sua escolha sempre que nisso manifeste interesse”, dispondo o artigo 5.º. n.º 1 do mesmo diploma que “a criança tem direito a ser ouvida, sendo a sua opinião tida em consideração pelas autoridades judiciárias na determinação do seu superior interesse”.
Tal não significa, porém, que a vontade da criança ou do jovem deva ser imperativa, sobrepondo-se às decisões judiciais que sempre devem prosseguir o superior interesse da criança, que nem sempre é coincidente com o que a mesma entende ser o seu real interesse.
Como se escreveu no acórdão desta Relação de 10.02.2025, proferido no apenso AA, mencionado no ponto 4.24. dos factos provados, “...isso não significa que tal opinião e/ou vontade seja vinculativa ou sequer o fator único a considerar pelas autoridades. A única vinculação a que as autoridades judiciárias estão adstritas é ao superior interesse da criança, cuja aferição poderá ou não conduzir a resultado coincidente com a da vontade/opinião por ela manifestada.
Vontade/opinião da criança e superior interesse da criança são realidades diversas– aquela não traduz, necessariamente, este; fosse a opinião/vontade da criança vinculativa para o tribunal e a criança seria juiz em causa própria[8]: a obrigatoriedade de considerar a opinião da criança significa que ao juiz se impõe o dever de ponderar os pontos de vista e argumentos da criança, não já que fique vinculado a decidir de acordo com a opinião por ele manifestada, pois a consideração da opinião manifestada pela criança na decisão das questões que lhe respeitem não significa que seja a criança a decidir.
Não está, pois, o tribunal vinculado à opinião e vontade manifestadas pela criança, competindo-lhe fazer uma ponderação casuística em vista de indagar do superior interesse desta que importa acautelar e alcançar com a decisão a proferir, o que poderá conduzir à prolação de decisão contrária à vontade por ela manifestada (o juiz conserva sempre o poder de apreciar o superior interesse da criança, podendo impor-lhe uma decisão mesmo contra a sua vontade.
Portanto, sendo a vontade declarada pela criança um facto relevante e uma manifestação do seu inalienável direito à palavra e à influência ativa na escolha do seu destino pessoal, em que o tribunal deve sempre refletir, seguro é que não é uma (nem a) decisão, pois que, nem sempre a vontade deve ser determinante nessa decisão, já que, o que se revela melhor para a defesa dos interesses do menor nem sempre é coincidente com a sua vontade”.
Como dá conta a sentença sob recurso, “...resulta demonstrado à evidência que as razões alegadas pela AA para se recusar a conviver com o pai são inconsistentes, não validando uma situação de real trauma da criança como defendido pela progenitora, conforme resulta do relatório pericial efetuado no IML e do relatório do PIAC de 21.08.2024 (facto 8), ainda das declarações da criança na conferência de 24/04/2023 (facto 30) e do teor das declarações prestadas pela Dra FF psicóloga que acompanhou a AA nas conferências de 11/01/2024 e de 18/01/2024, (facto 7).
Acresce ainda que a manifestação da criança de que tem receio do pai, com quem se sente desconfortável considerando que se trata de uma visita que ocorre com supervisão de técnicas, situação que é do conhecimento da mãe e da criança, surge naturalmente irrealista e pouco credível.
É em face deste circunstancialismo, que se prolongou no tempo, que a conduta da requerida tem de ser valorada, sendo tal valoração balizada pela natureza das responsabilidades parentais que sobre a mesma recai.
Com efeito, não é demais relembrar que os filhos devem obediência aos pais (artigo 1878º nº 1 e 2, do CC) e não o contrário.
Não sendo atendíveis os motivos da AA, que é uma criança a completar no próximo dia 9 de fevereiro, 12 anos de idade, para se recusar a conviver com o progenitor.
Em face do que não pode a Requerida desresponsabilizar-se do cumprimento do dever de instar/impor/obrigar/convencer a filha a fazê-lo e, bem ao invés, mostrando-se neutra em relação ao assunto. Ora nesta particular situação é evidente que a neutralidade equivale a apoio (tácito ou simulado) da criança na recusa ao cumprimento do regime de convívios estabelecido.
É à própria Requerida enquanto progenitora que incumbe exercer a disciplina necessária para que a filha lhe obedeça e respeite as decisões judiciais. (cfr ainda artigo 1878º nº 2 do CC).
Não é aceitável que numa situação como a que estamos a analisar, a Requerida considere que ao conduzir a filha ao Espaço Família esteja a cumprir a sua obrigação de promover os contactos da filha com o pai, tanto mais que a mesma permanece no seu interior ou no lado exterior do local até que a visita se realize, sendo que esta permanência responsabiliza a mãe ainda de uma forma mais intensa pela necessidade de impor à filha a ida à visita agendada e que a mesma se concretize”.
O relacionamento entre os progenitores tem-se pautado por um claro belicismo, bem ilustrado pelas constantes demandas judiciais (que, em cerca de 4 anos, geraram já, pelo menos, 29 processos!), indiferentes às consequências nefastas que esse conflito declarado possa criar nos filhos e que, pelo menos, em relação à AA, já são manifestas, justificando o acompanhamento psicológico de que vem beneficiando.
Como se extrai do relatório pericial do IML, elaborado na sequência do exame aí realizado à AA a 30.08.2023, no âmbito do apenso M e junto a estes autos, “Os dados clínicos sugerem características associadas à instabilidade deste conflito familiar e por este motivo merece atenção clínica em Psicologia e em Pedopsiquiatria (…) apresenta sintomatologia ansiosa e uma instabilidade emocional associada a esta conflitualidade familiar (…).
(…) esta criança parece estar fragilizada quanto à atualização dos seus recursos, em virtude do desgaste emocional provocado pela conflitualidade existente entre os adultos. Salientamos que esta situação poderá configurar um quadro de risco do ponto de psico-afectivo e desenvolvimental, (…)
Apesar de ambos os progenitores apresentarem competências parentais, existe uma marcada conflitualidade entre os mesmos, que tem tido um efeito nefasto na examinada. O facto de o progenitor poder revelar junto da criança, ainda que não intencionalmente, uma perspetiva negativa relativamente aos comportamentos da progenitora, responsabilizando-a pelo afastamento dos filhos e subsequente sofrimento do progenitor, poderá provocar na sua filha uma marcada rejeição pelo progenitor, pelo sentimento protetor da examinada relativamente à sua progenitora, mantendo-se assim focada no conflito conjugal. Os vínculos afetivos são de suma importância para um adequado desenvolvimento da criança e esta tem de sentir que o afeto por cada um dos progenitores não constitui um conflito ou ataque agressivo ao outro progenitor, situação que a examinada parece estar atualmente a vivenciar”.
Também a psicóloga Dr.ª FF, nomeada nos autos assessora técnica, concluiu pela falta de credibilidade do discurso da AA, instrumentalização e manipulação pela progenitora.
O termo de uma relação, conjugal ou equiparada, não pode significar uma declaração de guerra entre os actores dessa relação, sobretudo quando haja filhos comuns, que não devem ser instrumentalizados e servir de arma de arremesso entre adultos numa contenda a que aqueles são alheios e da qual devem ser poupados, sob pena de resultar comprometido o seu desenvolvimento, que se deseja harmonioso e sem outros sobressaltos para além dos inerentes ao próprio processo de crescimento, físico e psíquico.
E porque as guerras dos pais não têm necessariamente de ser guerras dos filhos, exige-se de ambos os progenitores uma actuação ajustada não aos seus próprios e individualizados desígnios, mas antes um comportamento adequado à protecção e salvaguarda dos interesses dos filhos, já de si fragilizados pela separação dos pais e pela fragmentação do núcleo familiar em que estavam inseridos.
Preocupação que na recorrente – sendo que aqui é o seu comportamento que é objecto de análise – não se vislumbra, optando a mesma por adoptar, em relação à filha AA e no que concerne à concretização das visitas desta ao progenitor, uma conduta omissiva, ajustada aos seus próprios interesses pessoais, e que se traduz numa validação das atitudes, objectivamente infundadas, de rejeição, resistência e mesmo de afronta da menor às visitas e contactos com o progenitor.
Ao invés de promover a aproximação entre pai e filha, imprescindível à vinculação afectiva entre ambos, a aparente neutralidade da progenitora, ora recorrente, mais não é do que um incentivo ao desempenho do papel de proteção que a AA, confrontada com a batalha travada entre os pais e para a qual por eles foi arremessada, decidiu, em relação à mãe, sua guardiã e a quem se acha confiada, assumir.
Reconhecidos os riscos que tais comportamentos poderão desencadear no desenvolvimento, actual e futuro, da AA, como claramente alerta o relatório do IML, a indiferença como esses riscos são encarados pela progenitora, preocupada em alimentar a guerrilha que vem travando com o outro progenitor, reforçam o desvalor de tais comportamentos, revestindo-os de maior censurabilidade, facto que, aliado à persistência dos mesmos, justifica plenamente as sanções aplicadas pelo tribunal recorrido, ajustadas e proporcionais à gravidade dos mesmos.
Não merece, pois, a decisão recorrida qualquer censura, sendo, por isso, de manter, assim improcedendo o recurso.
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Custas da apelação: pela recorrente – artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil.
Notifique.
Porto, 26.06.2025
[Acórdão elaborado pela primeira signatária com recurso a meios informáticos]
Judite Pires
Isabel Peixoto Pereira
José Manuel Correia
________________
[1] Cf. Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil anotado”, vol. V, pág. 137.
[2] Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, “Manual de Processo Civil”, 2ª ed., pág. 686.
[3] “Manual de Processo Civil”, 2ª ed., pág. 687 e seguintes.
[4] Cf. em idêntico sentido, Acórdão STJ de 19/03/02, “Rev. nº 537/02-2ª sec., Sumários, 03/02”; Acórdão Relação de Coimbra de 16/5/2000, www.dgsi.pt; Acórdão STJ de 13/01/00, “Sumários, 37-34”; Acórdão Relação Lisboa, de 01/07/99, BMJ 489-396.
[5] Cf., entre outros, Pais do Amaral, “Direito Processual Civil”, 7ª ed., pág. 390, e os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 27.4.2004 e de 10.4.2008, o acórdão da Relação de Lisboa de 17.1.1999, BMJ 489/396, e ainda os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 13.1.2000, de 26.2.2004, de 12.5.2005 e de 10.7.2008, o primeiro in Sumários, 37º, pág. 34 e, os restantes, em www.dgsi.pt.
[6] “Código de Processo Civil anotado”, vol. 5º, pág. 140.
[7] Anselmo de Castro, “Direito Processual Civil Declaratório”, vol. III, pág. 141.
[8] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22.03.2018, processo 290/12.6TCFUN.L1.S1, www.dgsi.pt.
[9] Cfr. Acórdão desta Relação, 19.04.88, C.J., tomo II, pág. 68.
[10] “A (Síndrome de) Alienação Parental e o Exercício das Responsabilidades Parentais: Algumas Considerações”, Coimbra Editora.
[11] Cfr. Ac. S. T. J. de 27.01.2022, processo n.º 19384/16.2T8LSB-A.L1.S1, www.dgsi.pt.