EMBARGOS DE EXECUTADO
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO
QUESTÃO PREJUDICIAL
Sumário

I - Não estando em causa nem outra acção, nem qualquer questão de prejudicialidade, cabe indeferir, por não estar verificada a previsão do art. 272, n.º 1, 1ª parte do CPC, a pretendida suspensão da instância executiva, mormente o prosseguimento para a fase da venda, que se segue.
II - O requerimento que se constitui como invocada causa da suspensão, por prejudicialidade, foi-o no domínio do mesmo processo, no âmbito do Recurso para o Tribunal Constitucional da decisão do STJ que indeferiu o recurso da decisão da Relação que confirmou o indeferimento liminar dos embargos de executado. Não há, pois, outra causa, mas um requerimento ou incidente posterior à decisão final, na mesma causa…E a questão que ali se coloca não tem a natureza de prejudicial, já que não vai referida a qualquer juízo quanto ao objecto mesmo da execução (o acertamento constante do título) ou sequer da oposição por embargos de executado.
III - Em causa já e apenas ou tão simplesmente a questão do trânsito em julgado ou definitividade das decisões do Tribunal Constitucional que versaram sobre a impugnação do Acórdão do STJ que julgou inadmissível o recurso da decisão que manteve o indeferimento liminar dos embargos.
IV - Ilógica e sem qualquer fundamento legal a “suspensão do caso julgado ou dos seus efeitos”. Uma decisão ou está transitada ou não o está. Estando-o, dela são a extrair as legais consequências.
V - Considere-se já a definitividade do indeferimento liminar da oposição à execução por embargos, em termos de se impor o prosseguimento da execução com a venda.
VI - Inadmissível já qualquer oposição, ainda que considerando os interesses em presença, por via da natureza do bem penhorado (casa de habitação do executado), mais importa atender ao tempo já decorrido e ao comportamento manifestamente dilatório pela executada que os autos evidenciam, o que tudo impõe o juízo nos termos do qual o prosseguimento imediato da execução é adequado a garantir o interesse superior, qual seja o da efetividade da realização do direito do exequente, em detrimento de um interesse que não tem agora qualquer conteúdo. Assim, o da exposição do devedor ao risco e aos efeitos de uma satisfação coerciva de uma obrigação hipoteticamente irreal. Inexistente, pois, fundamento para a suspensão por “motivo justificado”, nos termos e para os efeitos da 2ª parte do n.º 1 do convocado art. 271º do CPC.

Texto Integral

Processo: 24103/17.3T8PRT-G.P1

Tribunal Judicial da Comarca do Porto

Juízo de Execução do Porto - Juiz 7

Execução Ordinária (Ag.Execução)

Relatora: Isabel Peixoto Pereira

1º Adjunto: Paulo Dias da Silva

2º Adjunto: Ana Vieira

Acordam os juízes da 3.ª secção do Tribunal da Relação do Porto:

I.

A executada veio requerer que os autos aguardem até que questão suscitada no Tribunal Constitucional em sede de embargos de executado seja decidida e, por conseguinte, que se ordene a suspensão do efeito de caso julgado, bem como da venda até à decisão daquela, nos termos dos artigos 272º e 733º, nº5 do CPC.

Foi indeferida a pretensão, com os seguintes fundamentos:

“Sucede que foi já declarado o trânsito em julgado da decisão proferida em embargos, conforme despachos do tribunal superior dos apensos C e F, não havendo fundamento legal para suspender a execução/venda, face ao suscitado, seja no quadro do art. 733.º, n.º 5, do NCPC (que, no caso, permitia a suspensão da venda até ao trânsito em julgado do despacho que indeferiu liminarmente os embargos apenas por força do acórdão proferido no apenso E, segundo interpretação da lei aí consignada), seja por motivo justificado (art. 732.º, n.º 1, do NCPC), sob pena de se permitir a suspensão eterna da execução/venda, enquanto a executada for apresentando requerimentos quanto às decisões proferidas.

Além disso, apesar de, no caso, nem sequer ser convocável a existência de uma causa prejudicial (a causa é a mesma), como vem sendo decidido uniformemente pela jurisprudência (cfr., entre outros, Ac. RP de 08.10.2007, proc. 0754992; Ac. RC de 15.03.2011, proc. 538- E/1999; e Ac. RG de 06.11.2012, proc. 1109/11.0TBEPS, todos em dgsi.pt), a ação executiva não é passível de suspensão em virtude de causa prejudicial, ao abrigo do atual art. 272.º, n.º 1, do NCPC, tendo essencialmente em conta que na acção executiva não há que proferir decisão sobre o fundo da causa, visto o direito que se pretende efectivar já estar declarado, não se verificando, por isso, o requisito de estar a decisão da causa dependente do julgamento”.

É desta decisão que vem interposto recurso, mediante as seguintes conclusões:

A. Ora, ao contrário do que é sustentado no despacho de 03.04.2025, o processo executivo é passível de suspensão em virtude da existência de causa prejudicial nos termos do artigo 272º do CPC.

B. Com efeito, não restam dúvidas que estamos perante uma causa que influência a outra, ou seja, como o TC declarou errada e ilegalmente o trânsito em julgado do processo sem submeter à conferência a arguição de nulidade de 7.01.2025, pelo facto de o juiz Relator já ter cessado funções em 4.07.2024, tendo-se esgotado o poder jurisdicional do mesmo.

C. Efetivamente, a questão colocada pela recorrente nesses requerimentos de arguição de nulidade (7.01.2025 e 6.03.2025) é uma questão nova, pertinente que ainda não foi alvo de apreciação pelo TC.

D. A razão de ser da suspensão por causa prejudicial é a economia e a coerência dos julgamentos entre duas acções pendentes que apresentem entre si uma especial conexão.

E. Para efeitos de decretamento da suspensão da instância por causa prejudicial nos termos do artigo 272º do Código de Processo Civil, entende-se como causa prejudicial aquela onde se discute e pretende apurar um facto ou situação que é elemento ou pressuposto da pretensão formulada na causa dependente, de tal forma que a resolução da questão que está a ser apreciada e discutida na causa prejudicial irá interferir e influenciar a causa.

E. Para efeitos de decretamento da suspensão da instância por causa prejudicial nos termos do artigo 272º do Código de Processo Civil, entende-se como causa prejudicial aquela onde se discute e pretende apurar um facto ou situação que é elemento ou pressuposto da pretensão formulada na causa dependente, de tal forma que a resolução da questão

que está a ser apreciada e discutida na causa prejudicial irá interferir e influenciar a causa.

G. A douta sentença proferida pelo Tribunal de Execução da Comarca do Porto, Juiz 7 DE 03.04.2025, violou, pois, o disposto no artigo 195º, 196º, 197º, 198º e 615, nº1 alínea b) c) e d) do Código de Processo Civil, pois o despacho de 03.04.2025 omitiu a pronúncia sobre o facto de o acórdão do TC de 04.02.2025 ter declarado o trânsito em julgado quando não o poderia fazer, visto os requerimentos de arguição de nulidade de 07.01.2025 e 05.03.2025 ainda não terem sido decididos pelo TC.

H. Assim, o Sr. Juiz Conselheiro ao ter cessado funções em 04.07.2024, consoante o mandato de 9 anos (doc. 1, 2 e 3 do requerimento de 12.03.2025) e estando aquele requerimento ferido de nulidade, pois não podia ter declarado o trânsito em julgado do processo.

Consequentemente, o Sr. Juiz da Primeira instância nunca poderia ter indeferido aquele requerimento em que se solicitava a suspensão da instância, nos termos do artigo 272º e consequentemente a suspensão da

venda nos termos do artigo 733º, nº5 do CPC, pois estamos inequivocamente perante uma causa prejudicial que influência a outra nos termos do artigo 272 do CPC.

I. Para além disso, também omitiu a pronúncia sobre o requerimento efectuado pela recorrente datado de 29.05.2022, em que a mesma atesta através de relatórios médicos que a venda lhe causará prejuízos graves e dificilmente reparáveis (docs. 1 e 2 do requerimento de 29.05.2022).

J. A douta decisão de 03.04.2025 viola, assim, os artigos 13º e 20º da Constituição de República Portuguesa, bem como os artigos 195º, 196º, 197º, 198º, 272º, 615º, nº1, alíneas b), c) e d) e o artigo 733º, nº5 do CPC.

Conclui pedindo seja revogado o douto despacho de 03.04.2025, que mandou prosseguir a execução antes do trânsito em julgado dos embargos de executado apresentados pela Recorrente, devendo ser substituído por um despacho que não permita a passagem à fase de pagamento, que começa com a venda, antes do trânsito em julgado do apenso dos embargos, visto os requerimentos de arguição de nulidade de 07.01.2025 e de 05.03.2025, ainda não terem sido objecto de qualquer decisão, não podendo, por isso, o processo ser declarado transitado em julgado.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II.

A verdadeira e única real questão a decidir neste recurso vem a sê-lo a da afirmação nos autos do trânsito em julgado da decisão que indeferiu liminarmente os embargos de executado.

Na verdade, sem qualquer sentido a aduzida questão da falta de pronúncia quanto ao requerimento de 29.05.2022 (?).

Muito embora o despacho recorrido se lhe não tenha referido, porquanto teve por objecto, como dele resulta, o requerimento mesmo nele referido, manifesto que tomou posição quanto ao requerimento de suspensão dos termos da execução/venda, nos termos e para os efeitos do n.º 5 do art. 755º.

Assim quando se considerem os respectivos termos: “não havendo fundamento legal para suspender a execução/venda, face ao suscitado, seja no quadro do art. 733.º, n.º 5, do NCPC (que, no caso, permitia a suspensão da venda até ao trânsito em julgado do despacho que indeferiu liminarmente os embargos apenas por força do acórdão proferido no apenso E, segundo interpretação da lei aí consignada)”, no contexto, de resto, da tramitação dos autos.

Com efeito, o despacho recorrido esgotou a totalidade dos possíveis fundamentos legais para a pretensão de suspensão dos termos da venda, os convocados e os não indicados no requerimento apreciando, com o que totalmente improcedente a tese da omissão de pronúncia, que sempre permaneceria inconsequente no âmbito deste recurso, já que outro o objecto suscitado pelo requerente que foi objecto de apreciação…

Infra se compreenderá ademais a identificação selectiva e “redutora” do objecto do presente recurso, mediante a impossibilidade de sindicância de quaisquer questões de constitucionalidade, aventadas também.

Donde, o objecto a decidir agora vem a ser o da definitividade ou trânsito das decisões que decidiram da inadmissibilidade dos embargos, por via da sindicância destas junto do TC.

Da enunciação da questão a decidir já resulta que se sufraga a decisão do tribunal a quo quanto a não se prefigurar no caso uma qualquer causa prejudicial.

Como resulta da definição legal (arr. 272º, n.º 1 do CPC) e jurisprudencial (veja-se a selecção em https://juris.stj.pt/pesquisa?Descritores=Causa%20prejudicial), verifica-se relação de prejudicialidade entre duas acções (sublinhado nosso) quando a decisão ou julgamento de uma ação – a dependente – é atacada ou afetada pela decisão ou julgamento noutra – a prejudicial.

Aqui se convoca, pela clareza, a exposição no Ac. do STJ de 09.05.2023, Processo 826/21.1T8CSC-A.L1.S1, acessível na base de dados da dgsi.: « (…) Verifica-se a existência de uma causa prejudicial quando “a procedência da causa indicada como prejudicial reveste a virtualidade de uma efetiva e real influência na causa suspensa, por forma a poder concluir-se que a decisão desta depende incontornavelmente daquela” –Ac. da Rel. De Lx. de 07-04-2005, proferida no proc. nº 1091/2005-8.dgsi.net.

Existe uma relação de dependência ou prejudicialidade quando a decisão de uma causa depende do julgamento de outra, ou seja, quando a ação dependente tenha por objeto a apreciação de uma concreta questão cuja solução final seja suscetível de ser afetada na consistência jurídica ou prático-económica pela decisão a tomar na outra (prejudicial), quando a decisão da ação dependente possa ser decisivamente influenciada pela decisão a proferir na causa prejudicial.

Miguel Teixeira de Sousa, in Revista de Direito e de Estudos Sociais, ano XXIV (1977), pág. 306, em anotação ao Acórdão do STJ de 24.11.1977, refere: “.... a prejudicialidade refere-se a hipóteses de objectos processuais que são antecedente da apreciação de um outro objecto que os inclui como premissas de uma decisão mais extensa. Por isso a prejudicialidade tem sempre por base uma situação de conjunção por inclusão entre vários objectos processuais simultaneamente pendentes em causas diversas. (destaque e sublinhado nossos)

Estando-se perante eventualidades de prejudicialidade quando a dependência entre objectos processuais é acidental e parcialmente consumptiva, pode definir-se aquela como a situação proveniente da impossibilidade de apreciar um objecto processual dependente, sem interferir na análise de um outro, o objecto prejudicial”.

Havendo quem entenda que verdadeiramente só é impeditiva a ação já julgada e com transito, isto é, uma ação em que se formou caso julgado em relação a questões prejudiciais.

“Nas palavras de Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual do Processo Civil, 2ª ed. revista e atualizada, nota 1, pág. 703: «A impossibilidade de o tribunal, por virtude da força do caso julgado, apreciar e decidir segunda vez a mesma pretensão, revela-se não apenas na exceção do caso julgado, mas também na força do caso julgado em relação a questões prejudiciais já decididas». E como refere Miguel Teixeira de Sousa, in Estudos Sobre o Processo Civil, pág. 575: «A relação de prejudicialidade entre objetos processuais verifica-se quando a apreciação de um objeto (que é prejudicial) constitui um pressuposto ou condição do julgamento de um outro objeto (que é o dependente). Também nesta situação tem relevância o caso julgado: a decisão proferida sobre o objeto prejudicial vale como autoridade de caso julgado na ação em que é apreciado o objeto dependente. Nesta hipótese, o tribunal da ação dependente está vinculado à decisão proferida na causa prejudicial»”. E Lebre de Freitas, in Código de Processo Civil Anotado, volume 2.º, 3.ª ed., Almedina pág. 599: “A exceção de caso julgado não se confunde com a autoridade do caso julgado; pela exceção visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda ação, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito”, enquanto “a autoridade do caso julgado tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível de segunda decisão de mérito. (...). Este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade: o objeto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda ação, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida…”.

Mas, tendo em conta o disposto no art. 272º, do CPC “o tribunal pode ordenar a suspensão…” de uma ação até que seja julgada, com trânsito, uma outra acção cuja decisão pode prejudicar a decisão nesta.

E ensina o Prof. Manuel de Andrade, in "Lições de Processo Civil", págs. 491 e 492 que, "verdadeira prejudicialidade e dependência só existirá quando na primeira causa se discuta, em via principal, uma questão que é essencial para a decisão da segunda e que não pode resolver-se nesta em via incidental, como teria de o ser, desde que a segunda causa não é a reprodução, pura e simples, da primeira. Mas nada impede que se alargue a noção de prejudicialidade, de maneira a abranger outros casos. Assim pode considerar-se como prejudicial, em relação a outra em que se discute a título incidental uma dada questão, o processo em que a mesma questão é discutida a título principal".

Entendendo-se por causa prejudicial aquela que tenha por objeto pretensão que constitui pressuposto da formulada, ou seja, quando o julgamento ou decisão da questão a apreciar numa ação possa influenciar ou afetar o julgamento ou decisão da outra, nomeadamente modificando ou inutilizando os seus efeitos ou mesmo tirando razão de ser.»

Manifestamente, não está em causa nem outra acção, nem qualquer questão de prejudicialidade.

Com efeito, o requerimento que se constitui como invocada causa da suspensão, por prejudicialidade, foi-o no domínio do mesmo processo, no âmbito do Recurso para o Tribunal Constitucional da decisão do STJ que indeferiu o recurso da decisão da Relação que confirmou o indeferimento liminar dos embargos de executado. Não há, pois, outra causa, mas um requerimento ou incidente posterior à decisão final, na mesma causa…

E a questão que ali se coloca não tem a natureza de prejudicial, já que não vai referida a qualquer juízo quanto ao objecto mesmo da execução (o acertamento constante do título) ou sequer da oposição por embargos de executado.

Muito simplesmente, em causa já e apenas ou tão simplesmente a questão do trânsito em julgado ou definitividade das decisões do Tribunal Constitucional que versaram sobre a impugnação do Acórdão do STJ que julgou inadmissível o recurso da decisão que manteve o indeferimento liminar dos embargos.

Ilógica e sem qualquer fundamento legal a “suspensão do caso julgado ou dos seus efeitos”. Uma decisão ou está transitada ou não o está. Estando-o, dela são a extrair as legais consequências.

Ora, novamente como bem se anota na decisão recorrida, resulta comprovado nos autos o trânsito em julgado da decisão proferida em embargos, conforme decisões dos tribunais superiores nos apensos C e F, vista ademais a certidão de trânsito ali constante, emitida no Tribunal Constitucional, do seguinte teor:

Anote-se agora que o requerimento a que alude a Recorrente como intendendo a uma arguição de nulidade de decisão proferida pelo Tribunal Constitucional deu entrada, conforme o que ela mesma alega, já após o prazo de 10 dias subsequente à notificação da decisão em causa, prazo geral para a arguição de nulidades, também no TC, nos termos da respectiva lei de processo.

Por isso que não há qualquer facto que infirme a certificação do trânsito constante dos autos…

Donde, ainda quando, como se decidiu no Acórdão do Tribunal desta Relação de 14 Março 2023, Processo nº 24103/17.3T8PRT-E.P1, acessível na base de dados da dgsi., se entenda que: “Considerando os interesses que a lei visa tutelar, já será, porém, de admitir que a venda aguarde o trânsito em julgado da decisão que indeferiu liminarmente os embargos, para salvaguardar a possibilidade de, em caso de procedência desse recurso, se mantenha a suspensão da execução até ocorrer decisão de mérito dos embargos em primeira instância[1], tem agora de se haver como cessada a causa (legal, emergente do convocado art. 733º, n.º 5 do CPC) para a suspensão da venda, não havendo fundamento legal para suspender a execução/venda, face ao suscitado, no quadro do art. 733.º, n.º 5, do NCPC, como decidido na decisão Recorrida.

Considere-se já a definitividade daquele indeferimento liminar, em termos de se impor o prosseguimento da execução com a venda.

Em resumo, afastada, por falta de fundamento legal, a pretendida suspensão do efeito do caso julgado; inexistente qualquer questão prejudicial a convocar a possibilidade de avaliar da suspensão dos termos da execução; afastada, por não verificação dos pressupostos respectivos, a suspensão nos termos e para os efeitos do artigo 733, n.º 5 do CPC, resta apenas avaliar da possibilidade da suspensão por verificação de “motivo ou razão justificada”, nos termos e para os efeitos da cláusula geral do art. 272º, n.º 1, última parte (2º segmento) do CPC.

Aqui se convoca, pela similitude do juízo a fazer, o referido no sumário do acórdão desta Relação de 22 de março de 2022[2], com as devidas adaptações. E, assim, para a atribuição de efeito suspensivo da execução (a prosseguir para a venda), cumprirá ponderar se, nas concretas circunstâncias do caso, atentos os elementos que o processo já proporciona, à luz da alegação do requerente, se pode admitir que o prosseguimento da execução expõe aquele a um sério risco de prejuízo económico, perante a possibilidade de não vir a ser responsável pela quantia cujo pagamento lhe é exigido.

Por seu turno, este juízo de prognose deve ser emitido num contexto cujos termos foram definidos pelo legislador e segundo os quais, no processo executivo, é preponderante o interesse de satisfação do direito do credor, a assegurar por via da efetiva realização do seu crédito, que não deve perigar em razão da duração do processo executivo. Daí que a suspensão da execução seja um efeito excepcional da oposição que lhe seja oferecida pelo executado.

Inadmissível já qualquer oposição, nos termos expostos, ainda que considerando os interesses em presença, por via da natureza do bem penhorado, mais importa atender ao tempo já decorrido e ao comportamento manifestamente dilatório pela executada que os autos evidenciam, o que tudo impõe o juízo nos termos do qual o prosseguimento imediato da execução é adequado a garantir o interesse superior, qual seja o da efetividade da realização do direito do exequente, em detrimento de um interesse que não tem agora qualquer conteúdo. Assim, o da exposição do devedor ao risco e aos efeitos de uma satisfação coerciva de uma obrigação hipoteticamente irreal.

Procedendo a uma ponderação casuística dos interesses em presença, apenas um se mantém ou afirma, o da exequente.

Nessa medida, correcto o juízo de indeferimento da pretensão de suspensão na decisão recorrida, que é, pois, de manter, nos seus precisos termos.

É que, finalmente, inconcludente, s.m.o, a argumentação da inconstitucionalidade, que vai indevida e inadmissivelmente referida à decisão mesma, por violação directa (e não interpretativa) de disposições constitucionais.

Efetivamente, está na disponibilidade das partes invocar a inconstitucionalidade de uma norma cuja desaplicação se pretenda – 280º, 1, b), CRP. Devem, aliás, fazê-lo, caso pretendam recorrer para o Tribunal Constitucional em sede de fiscalização concreta, porque só assim o recurso será admissível - 70º, 72º e 75-A, da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (doravante LOTC), Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro.

Contudo, a questão da inconstitucionalidade tem de ser arguida “…de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer” - 72º, 2, LOTC.

A doutrina e jurisprudências são unânimes em considerar que o objeto do recurso é sempre a (in) constitucionalidade de uma norma e não de uma decisão judicial. O juízo incide apenas sob a norma aplicada ou não-aplicada no processo (79º-C, 1, da LOTC). O que é uma decorrência da prejudicialidade da questão (o objecto do processo não é esse, a inconstitucionalidade é instrumental) e do princípio processual do pedido - Jorge Miranda, “O REGIME DE FISCALIZAÇÃO CONCRETA DA CONSTITUCIONALIDADE EM PORTUGAL, CJO, Instituto de Ciências Jurídico-políticas, p. 10; acórdão do TC de 10-03-2010, processo 11/10, 1ª Secção, Relator Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira, www.dgsi.pt.

Suscitar a questão da inconstitucionalidade não equivale a sindicar a decisão impugnada ou os seus fundamentos.

Na verdade, a parte tem o dever de: (i) identificar e pedir a desaplicação da norma ordinária que considera inconstitucional e (ii) indicar o princípio constitucional violado.

Os recursos de (in)constitucionalidade não respeitam ao mérito da sentença ou decisão, nem está em causa a eventual inconstitucionalidade das próprias decisões judicias, mas sim, do julgamento, feito pelo juiz a quo, relativamente a inconstitucionalidade ou não inconstitucionalidade de normas relevantes para o caso. O recorrente não suscitou a inconstitucionalidade de qualquer norma ordinária. Nem tão pouco, a final, formula qualquer pedido explicito (ou implícito) de declaração de inconstitucionalidade.

Ainda quando se convoque a inconstitucionalidade de uma decisão judicial, tem de suscitar-se fundamentadamente qual a dimensão interpretativa ou aplicativa que é desconforme às normas constitucionais convocadas.

Sucede que não foram trazidas pela recorrente quaisquer alegações a propósito das disposições constitucionais e de força reforçada invocadas como tendo sido violadas pela decisão recorrida, limitando-se a recorrente a reputar como violadas as disposições dos artigos 13º e 20º da CRP, sem que se alcance a razão.

Donde, em parte alguma, as alegações supõem uma apreciação de natureza normativa ou interpretativa daquelas disposições, expressando antes uma discordância quanto à forma como o tribunal recorrido aplicou determinados preceitos de direito ordinário ao seu caso. Propósito da recorrente com este recurso não é realmente o de reputar de inconstitucionais normas extraíveis de tais preceitos ou a interpretação destes sufragada, mas pôr em crise a apreciação que o tribunal a quo fez dos factos, apreciação esta que traduz um puro exercício de aplicação do direito ordinário. O recurso versa sobre este exercício subsuntivo em si mesmo considerado.

A falta de normatividade do recurso em apreço decorre transversalmente do requerimento de interposição.

Poderia a recorrente entender que o tribunal a quo aplicou uma norma que, interpretada em certo sentido, viola normas constitucionais. Mas, para isso teria de suscitar expressamente a inconstitucionalidade da norma aplicada, o que não fez.

Logo, não se vislumbra qualquer “questão” com o significado acima referido (“questão” não é a argumentação da parte).

Em conclusão, a recorrente não enunciou, no recurso dirigido ao Tribunal da Relação do Porto, qualquer questão de inconstitucionalidade com adequada dimensão normativa.

Invocou, é certo, de forma totalmente conclusiva, a violação de preceitos constitucionais. Evidentemente, não o fez numa perspetiva normativa (ou seja, tendo por referência uma ou mais normas de direito infraconstitucional ou a interpretação destas, enunciadas com autonomia formal e substancial). O que torna improcedente, rectius, de impossível sindicância qualquer questão de constitucionalidade.

Improcedente, em consequência, o recurso.

III - Por tudo o exposto, decide-se negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.

Custas da apelação pela recorrente, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário.

Notifique.


Porto, 26 de Junho de 2025
Isabel Peixoto Pereira
Paulo Dias da Silva
Ana Vieira
________________
[1] Dispõe o art. 733º nº 5 do CPC que se o bem penhorado for a casa de habitação efetiva do embargante, o juiz pode, a requerimento daquele, determinar que a venda aguarde a decisão proferida em primeira instância sobre os embargos, quando tal venda seja suscetível de acusar prejuízo grave e dificilmente reparável.
Como é sabido, «a oposição por embargos de executado, constituindo, do ponto de vista estrutural, algo extrínseco à acção executiva, toma o carácter de uma contra-acção tendente a obstar à produção dos efeitos do título executivo e (ou) da acção que nele se baseia»(Lebre de Freitas in A Acção Executiva, Coimbra Editora, 1993, pg. 162). Ou seja, a oposição à execução ou os embargos de executado são o meio de oposição idóneo à alegação dos factos que em processo declarativo constituiriam matéria de exceção (ibidem, 164) e tem como finalidade única a de impedir os efeitos do título executivo (P. Remédios Marques, Curso de Processo Executivo Comum, 151. Assim, a procedência dos embargos apenas determina a extinção, total ou parcial, da execução e nada mais (cfr. 732º nº 4 do CPC). Isto para dizer, que a referência que é feita no nº 5 do artigo 733º do CPC, a “decisão proferida em primeira instância”, quererá referir-se à decisão de mérito proferida em primeira instância, quanto à procedência ou improcedência dos embargos.
A norma é clara na não exigência do transito em julgado da decisão da primeira instância. No caso em apreço, a decisão de primeira instância foi-o uma decisão meramente formal relativa à admissibilidade dos próprios embargos de executado.
Rui Pinto, in A Ação Executiva, p. 414, relativamente ao nº 1 do art. 733º, sustenta que, para “poder ser decretada a suspensão da execução é condição indispensável o prévio recebimento dos embargos.” Também Lebre de Freitas, A Ação Executiva, p. 414 afirma: “Também quando tenha sido impugnada a exigibilidade da obrigação exequenda ou contestada liquidação feita pelo exequente, o que o executado só pode fazer por embargos (…) pode o juiz, ouvido o embargado, suspender a execução com dispensa de prestação de caução.” Já assim não será se a suspensão da execução se fundar na prestação de caução (alínea a) do nº 1 do artº 733º do C.P.C.), pois esta “pode ter lugar a todo o tempo e não apenas com a petição inicial de oposição, pois não se justificaria qualquer restrição temporal” (cit., p. 414).
Assim ainda relativamente à medida excepcional prevista no nº 5 da mesma norma. Com efeito, o nº 5 do art. 733º do CPC confere uma tutela objetiva à casa de habitação efetiva do embargante, permitindo que o juiz, a requerimento daquele, determine que a venda aguarde a decisão a proferir em primeira instância acerca dos embargos, quando essa venda seja suscetível de causar prejuízo grave e dificilmente reparável. Para a atribuição de efeito suspensivo da execução ao recebimento de uns embargos de executado, sem prestação de caução, à luz desta faculdade conferida ao executado, a lei não prevê que a suspensão se prolongue até ao trânsito em julgado da decisão proferida em primeira instancia, não pretendendo prolongar a suspensão quando existe uma probabilidade séria da sua improcedência.
Considerando, contudo, como se anota no texto, os interesses que a lei visa tutelar, será de admitir que a venda aguarde o trânsito em julgado da decisão que indeferiu liminarmente os embargos, para salvaguardar que, em caso de procedência desse recurso, se mantenha a suspensão da execução até ocorrer decisão de mérito dos embargos em primeira instância.
[2] Processo 2919/21.6T8PRT-G.P1, sendo relator Rui Moreira, disponível in www.dgsi.pt.