INVENTÁRIO NOTARIAL
CUSTAS
DESISTÊNCIA DA INSTÂNCIA
APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DO CÓDIGO DO PROCESSO CIVIL
Sumário

I - Ao regime especial das custas processuais do inventário, regulado na Lei 23/2013 de 05.05 e Portaria 278/2013, é aplicável subsidiariamente o código de processo civil.
II - Em tal caso e na situação de desistência da instância, homologada por decisão do notário é aplicável a regra da responsabilidade pelas custas pelo desistente impressa no artigo 537º nº 1 do Código de Processo Civil,

Texto Integral

Processo: 1810/21.0T8STS.P1





Sumário
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ACORDAM OS JUÍZES DA 3ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO



Em 21.10.2019, deu entrada no Cartório Notarial da Sra. Dra. AA, pedido de abertura de processo de inventário, com vista à partilha da herança aberta por óbito de BB no qual é interessada a ora recorrente CC.
(…)
Na data de 26.10.2023, a Interessada, CC, apresentou requerimento, a desistir da instância nos termos e para os efeitos do disposto pelo artigo 285º n.º 2 do C.P.C.
A 31.10.2023, os restantes Interessados declararam aceitar o pedido de desistência formulado pela Interessada, CC.
A 16.11.2023, a Sra. Notária aceitou o pedido de desistência da instância.
Aos 18.12.2023, a Sra. Notária emitiu nota final de honorários, no valor total por cumprir, de € 35 258,50, e os montantes parcelares a imputar a cada um dos Interessados, de € 11 730,50, quanto à Interessada, CC, e de € 11 764,00, a cada um dos restantes Interessados.

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Desta decisão foi interposta reclamação, por todos os interessados para o tribunal da Iª Instância, tendo aí sido proferida decisão a 18/06/2024 com o seguinte teor:
Das reclamações apresentas pela Interessada CC e pelos Interessados DD e de EE.
(…)
Apreciando e decidindo.
Em respeito à apreciação de qualquer uma das reclamações, afigura-se pertinente fixar a seguinte factualidade:
1. Em 21.10.2019, deu entrada no Cartório Notarial da Sra. Dra. AA, pedido de abertura de processo de inventário, com vista à partilha da herança aberta por óbito de BB.
2. No dia 20.04.2023, a Sra. Notária fixou a data de conferência preparatório para o dia 04.07.2023, pelas 14.30h.
3. No dia 03.05.2023, a Interessada, CC, apresenta reclamação ao montante de honorários fixados.
4. No dia 04.05.2023, o Cabeça de Casal e os Interessados, apresentaram reclamação à nota de honorários.
5. No dia 18.07.2023, a Sra. Notária elaborou auto, de cujo teor consta: “No dia quatro de julho de dois mil e vinte e três, pelas catorze horas e trinta minutos, no Cartório Notarial de AA, sito em ..., apenas compareceu a interessada, CC e a ilustre mandatária Drª FF.”
6. Na data de 15.10.2023, foi proferida decisão recursiva, pelo Juízo Local Cível de Santo Tirso, no processo 1810/21.0T8STS, julgando o recurso apresentado pela Interessada, CC, parcialmente procedente, e determinando a alteração a nota de honorários recorrida, reduzindo-a em 20%, fixando-se os mesmos em €35.292,00 (trinta e cinco mil duzentos e noventa e dois euros).
7. Na referida decisão foi fixado o valor da ação em € 7.357.016,04.
8. Na data de 26.10.2023, a Interessada, CC, apresentou requerimento, de cujo teor consta: “CC, Requerente nos autos à margem referenciados, em que é Inventariada BB, vem, nos termos e para os efeitos do disposto pelo artigo 285º n.º 2 do C.P.C., DESISTIR DA PRESENTE INSTÂNCIA.”
9. Na data de 31.10.2023, os restantes Interessados declararam aceitar o pedido de desistência formulado pela Interessada, CC.
10. Na data de 16.11.2023, a Sra. Notária aceitou o pedido de desistência da instância.
11. Na data de 18.12.2023, a Sra. Notária emitiu nota final de honorários, no valor total por cumprir, de € 35 258,50, e os montantes parcelares a imputar a cada um dos Interessados, de € 11 730,50, quanto à Interessada, CC, e de € 11 764,00, a cada um dos restantes Interessados.
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Da reclamação da Interessada CC
Em respeito à reclamação apresentada por esta Interessada, são duas, essencialmente, as questões suscitadas, concretamente: (i) que o valor dos honorários notariais devidos no presente caso deverá corresponder apenas ao valor da 1.ª prestação, porquanto o processo encontrou o seu fim antes da conferência preparatória, e que (ii) tal valor cobrado, em caso de não merecer retificação, no sentido de o diminuir, sempre violará o princípio da proporcionalidade consagrados nos artigos 18.º, n.º 2 e 2.º, da Constituição da República Portuguesa, traduzindo um valor desproporcional e não concretizado.
Atalhando o excurso a realizar, retém-se que a primeira das questões expostas é partilhada na reclamação apresentada pelos Interessados, DD e de EE, motivo pelo qual, quanto a essa questão, daremos resposta única.
Dos honorários cobrados
Como se referiu, todos os reclamantes colocam em causa o valor cobrado, a título de nota de honorários, sustentando, de entre o mais, que esse valor se reporta ao valor atido à 2.ª prestação, e não à 1.ª prestação, como deveria, porquanto o processo notarial encontrou o seu termo antes da efetiva realização da conferência preparatória.
Diremos, desde já, que com razão.
Se bem notarmos, dispõe o artigo 18.º, n.º 6, da Portaria 278/2013, de 26 de agosto (com a versão dada pela Portaria n.º 46/2015, de 23 de fevereiro): “ (…) Os honorários devidos pelo processo de inventário devem ser pagos nos seguintes termos: a) 1.ª Prestação - devida no momento da apresentação do requerimento inicial, no valor de metade dos honorários devidos tendo em consideração o valor do inventário indicado pelo requerente; b) 2.ª Prestação - devida nos 10 dias posteriores à notificação para a conferência preparatória, no valor da diferença entre o montante dos honorários devidos tendo em consideração o valor do inventário eventualmente corrigido a essa data e o montante já pago nos termos da alínea anterior; c) 3.ª Prestação - devida nos 10 dias posteriores à notificação pelo notário para o efeito, após a decisão homologatória da partilha pelo juiz, no valor da diferença entre o montante devido a título de honorários nos termos do n.º 2 e, se for o caso, do n.º 4, tendo em consideração o valor final do processo de inventário, e o montante já pago nos termos das alíneas anteriores.”.
Significando, por aqui, que a 2.ª prestação dos honorários passa a ser devida a partir da notificação aos Interessados da data para realização da conferência preparatória.
De resto, no presente caso, tal notificação foi concretizada, cuja data primeira se agendou para o dia 04.07.2023.
Contudo, mais estabelece o n.º 8, do referido preceito normativo: “Nos casos em que o processo termine, por qualquer causa: a) Antes da realização da primeira sessão da conferência preparatória, é devida ao notário a 1.ª prestação por inteiro, sendo que, caso o valor do processo tenha sido corrigido após o pagamento da 1.ª prestação, o montante desta deve ser atualizado, procedendo-se: i) Caso o valor do processo tenha aumentado, ao pagamento da diferença entre o valor da 1.ª prestação calculado tendo em conta o valor atualizado do processo e o valor já pago a título de 1.ª prestação, no prazo de 10 dias após a notificação pelo notário para o efeito; ii) Caso o valor do processo tenha diminuído, à devolução, pelo notário, do montante pago em excesso pelos interessados, considerando o valor da 1.ª prestação calculado com base no valor atualizado do processo;
b) Após o início da conferência preparatória, mas antes da decisão homologatória do juiz, é devida ao notário a 2.ª prestação por inteiro, sendo que, caso o valor do processo tenha sido corrigido após o pagamento da 2.ª prestação, o montante da 2.ª prestação deve ser atualizado, procedendo-se: i) Caso o valor do processo tenha aumentado, ao pagamento da diferença entre o valor da 2.ª prestação calculado tendo em conta o valor atualizado do processo e o valor já pago a título de 2.ª prestação, no prazo de 10 dias após a notificação pelo notário para o efeito; ii) Caso o valor do processo tenha diminuído, à devolução, pelo notário, do montante pago em excesso pelos interessados, considerando o valor da 2.ª prestação calculado com base no valor atualizado do processo.”.
De resto, os reclamantes encontram o fundamento da sua pretensão precisamente no facto de não ter sido realizada a conferência preparatória e, desse modo, ao abrigo da alínea a).
Contudo, a Sra. Notária afirma, em resposta às reclamações, que cumpriu a realização da primeira sessão da conferência preparatória, no dia 04.07.2023. E, que essa diligência acabou interrompida, mas sem designação de data para continuação.
(…)
E, assim, como se pode compreender, a factualidade conhecida é manifestamente insuficiente a sustentar a alegação da Sra. Notária.
(…)
Assim, aqui chegados, conclui o Tribunal que aquela diligência não terá sido realizada, nem sequer aberta, (…) Em suma, não havendo demonstração da abertura da conferência preparatória e/ou a realização da sua primeira sessão, mais não resta que declarar, final, procedentes as reclamações, quanto a esta pretensão.
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Da inconstitucionalidade do despacho de fixação dos honorários devidos em segunda prestação e da falta de fundamento e incumprimento da aplicação dos critérios constitucionalmente fixados na sua determinação
A apreciação da presente questão, atento o atrás exposto, afigura-se resultar prejudicada.
De todo o modo, sempre cumprirá sublinhar que, na decisão judicial proferida em 15.10.2023, a questão mereceu adequada apreciação e pronúncia.
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(…)
Do (s) regime (s) legal (ais) aplicável (eis)
Percorrida a tramitação processual, confirma-se que a presente ação, que corre termos em Cartório Notarial, teve o seu início em data anterior à entrada em vigor do regime previsto pela Lei 117/2019, de 13 de setembro, pelo que lhe é aplicável o regime previsto pela Lei 23/2013, de 5 de março, como ainda, em respeito às custas, o regime previsto pela Portaria 278/2013, de 26 de agosto (com a redação dada pela Portaria 46/2015, de 23 de fevereiro, sendo esta com a redação dada pela Portaria 78/2018, de 16 de março).
O mesmo será dizer, portanto, no que respeita às quantias a fixar e/ou cobrar, a título de honorários e despesas notariais, aplicar-se-á o regime previsto pelos artigos 15.º, n.º 1, 18.º,20.º, 21.º, 22.º, 23.º, da Lei 23/2013, e ainda 67.º, 82.º, da Portaria 46/2015, bem como do artigo 537.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
Significando, por conseguinte, que, na aferição da responsabilidade pelo pagamento dos honorários, incluindo estes valores pecuniários atidos a despesas e/ou incidentes, terá de se realizar, desde logo, o momento do encerramento/termo do processo – no caso, ocorreu, como se vincou, antes da realização da conferência preparatória –, o motivo do encerramento/termo do processo – que, no caso, ocorreu com a apresentação, pela Interessada CC, de pedido de desistência da instância, aceite por todos os restantes Interessados –, os incidentes realizados e os Interessados responsáveis pelos mesmos, como ainda, quanto à despesas, as despesas realizadas, mas sobretudo, o responsável pelo ato gerador da despesa.
Sendo que, a nota de honorários final deverá identificar os responsáveis pelos respetivos pagamentos a cumprir.
Ora, volvendo ao caso em concreto, com se referiu, a ação terminou antes da conferência preparatória, pelo que, logo por aí, se confirma que os honorários a cobrar deverão respeitar o regime previsto pelo artigo 18.º, n.º 8, al. b), i), da Portaria 278/2013.
Ademais, o motivo do termo do processo foi a desistência de instância suscitada pela Interessada, CC, em nome próprio, ainda que aceite pelos restantes Interessados, nos termos, por analogia, dos artigos 285.º, n.º 2 e 286.º, do Código de Processo Civil, confirmando-se, por aqui, que a responsabilidade pelo pagamento da nota final de honorários será a atribuir, na integralidade, à desistente, CC, por força da conjugação dos artigos 18.º, n.º 8, al. b), i), da referida Portaria, e do artigo 537.º, n.º 1, primeira parte, do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 82.º, da Lei 23/2013.
Com efeito, não houve partilha de bens, muito menos a adjudicação a qualquer um dos Interessados; sendo que a aceitação da desistência apresentada era processualmente prévia e necessária à sua eficácia, mas não quanto à atribuição de qualquer responsabilidade, quer pelo ato processual, quer pelo pagamento dos honorários.
(…)
*

Perante o exposto, deverão as reclamações proceder e, por conseguinte, deverá a nota final de honorários ser substituída por uma que se conforme aos regimes aqui evidenciados e, sobretudo, à responsabilidade aqui determinada, quanto ao seu pagamento, a atribuir à Interessada desistente, CC.
(…)

Decisão
Por tudo exposto, julgam-se procedentes as reclamações apresentadas pela Interessada, CC, e pelos Interessados, DD e de EE e, consequentemente, decide-se:
A. Ordenar a revisão e substituição da nota final de honorários apresentada pela Sra. Notária em 18.12.2023, por nota final de honorários que cumpra o regime previsto pelos artigos 18.º, n.º 8, al. b), i), e 23.º, da Portaria 278/2013, de 26 de agosto, quanto à fixação dos honorários relativos à 1.ª prestação, considerado o aumento do valor da ação, entretanto judicialmente fixado em € 7.357.016,04 (sete milhões, trezentos e cinquenta e sete mil e dezasseis euros e quatro cêntimos), e o regime previsto pelos artigos 537.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 82.º, da Lei 23/2013, de 5 de março, quanto à responsabilidade pelo seu pagamento.
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A 3/09/2024 pela Interessada CC foi apresentado recurso desta Decisão na parte tocante à sua condenação em custas e ainda no referente ao critério de fixação de honorários, tendo formulado as seguintes conclusões, em síntese:
1. Da análise das normas dos honorários notariais constantes dos artigos 15º e seguintes da Portaria 278/2013 e da Análise do artigo 67º da Lei 23/2013, se retira que é um regime especial, (…)
3. À luz das regras gerais de interpretação das normas (cf. artigo 11º do C. Civil), (…) não deve ser aplicado o regime geral às situações que se encontram especificadamente tratadas em regime especial.
4. O Tribunal a quo viola o princípio “lex specialis derogat legi generali”, previsto no artigo 7º, nº 3 do Código Civil (…) ao aplicar desnecessariamente ao caso sub judice o artigo 537º do Código Processo Civil, imputando integralmente à ora Recorrente o valor das custas
5 (..) O julgador alarga o escopo da definição de “custas”, ao incluir aí o valor integral de honorários referentes à prestação notarial, o que não se confunde, uma vez que uma coisa são custas do processo e outra, bem distinta, são honorários do processo.
(…)
7. O Tribunal a quo ao aplicar o supracitado artigo 15º da Portaria 278/2013, para efeitos de determinação conceptual de “custas” com vista à efetiva aplicação do artigo 537º, nº1 do CPC., estará a efetuar uma extensão teleológica do artigo 537º do CPC e consequentemente, em violação direta do artigo 9º, nº1 do Código Civil.
(…)
9. O Tribunal recorrido ao aplicar o artigo 537º do CPC, em detrimento da norma especial aplicável ao caso, retira da esfera jurídica da Recorrente o direito de regresso sobre os demais Interessados que os números 1º, a) e 6º do artigo 19º expressamente lhe atribui.
(…)
11.Com efeito, da análise das normas dos honorários notariais constantes dos artigos 15º e seguintes da Portaria 278/2013 e da Análise do artigo 67º da Lei 23/2013, que é um regime especial, verifica-se que houve um especial rigor e detalhe na previsão e estatuição sobre os critérios, regras de cálculo, momento/modo de pagamento e responsabilidade pelo pagamento dos honorários.
(…)
13.A Portaria nº 278/2013, de 26 de Agosto regulamentou de forma expressa as “custas do processo de inventário”, sob o respetivo Capítulo IV, Secção I, estabelecendo-se no artigo 15°, n°1, com a epígrafe de “Conceito de custas”, concretamente o seguinte: “As custas pela tramitação do processo de inventário abrangem os honorários notariais e as despesas.”
14.E sob a respetiva Secção II (“Honorários”), estabelece-se os critérios, regras de cálculo, momento/modo de pagamento e responsabilidade pelo pagamento correspondente.
15.Não é correta a interpretação de que será de aplicação ao caso concreto as disposições previstas no Código de Processo Civil, mormente os artigos 528º e seguintes do C.P.C, caso contrário estaria prejudicada a aplicação do regime especial de custas no processo de inventário.
16.Caso contrário se afiguraria absolutamente atentatório e chocantemente violador do princípio da proporcionalidade previsto no artigo 18, nº 2 da CRP, bem como dos princípios da legalidade, razoabilidade e Justiça.
17.Precisamente por isso, cuidou o legislador de fixar um regime especial de custas para o processo de inventário atentas as suas particulares especificidades.
18.No caso sub judice, o processo terminou antes da conferência preparatória por desistência da Instância apresentada pela Recorrente, com a aceitação de todos os demais interessados, os ora Recorridos.
19.E de acordo com o artigo 18º da Portaria 278/2013, e como decorre do Despacho proferido pelo Tribunal aquo, apenas é devida ao notário a 1ª prestação calculada tendo em conta o valor atualizado do processo e o valor já pago a título de 1ª prestação, primeira prestação esta que deverá corresponder a metade dos honorários devidos tendo em conta o valor do inventário.
20.Analisando o artigo 18º e 19 da Portaria 278/2013, foram fixadas regras e critérios especiais quanto às responsabilidades pelo pagamento dos honorários devidos no processo de inventário, as quais determinam que as custas devidas pela tramitação do inventário são pagas por todos os Interessados na justa medida da proporção dos seus interesses.
21.Mesmo no que à 1ª prestação diz respeito, o legislador previu expressamente que o interessado que efetuar o pagamento da mesma tem sempre direito de regresso relativamente aos demais interessados (cfr. Artigo 19º nº 6 da Portaria 278/2013), mais ainda quando não se tratam de custas processuais mas sim de honorários ao Notário.
(…)
28.O regime especial consagrado na Lei 23/2013 e na Portaria278/2013 determina que as custas no processo de inventário, que integram as despesas e honorários notariais, são da responsabilidade de todos os herdeiros na justa proporção e medida do que lhes cabe receber.
29.O Despacho recorrido efetuou uma errada interpretação e aplicação da lei, ao aplicar o regime geral de custas conforme o disposto no artigo 537, nº 1 do C.P.C
30.Acresce ainda dizer que o Tribunal recorrido aplicou mal, porque erradamente, o próprio regime geral das custas, posto que nunca deveria aplicar ao presente caso o disposto no nº1 do aludido preceito, mas sim o nº 2 do referido normativo.
31.No presente caso, a desistência da instância apresentada pela Recorrente foi objeto da expressão de concordância por parte dos demais interessados.
32.A desistência da instância, quando é objeto de aceitação dos demais interessados, não se trata de um negócio jurídico unilateral, mas sim de um negócio jurídico bilateral.
(…)
38.Caso assim não se entenda, o que não se concede, sempre se dirá que, caso o valor dos honorários for da exclusiva responsabilidade da Recorrente, o mesmo é manifestamente excessivo tendo em conta o princípio da proporcionalidade consagrado nos artigos 18º, nº2, e 2º da CRP e do direito de acesso aos tribunais consagrado no seu artigo 20º, o que sempre determinaria a sua especial redução.
39.Não obstante tal questão ter sido decidida por decisão transitada em julgado a 15/10/2023, a verdade é que a decisão que transitou em julgado apenas apreciou a questão da inconstitucionalidade tendo em conta, ou seja, partindo do pressuposto, que o valor dos honorários seria imputado a todos os interessados.
40.Bem como tal valor foi calculado tendo em conta que se encontrava em dívida o valor da 2ª prestação dos honorários uma vez que o processo de inventário ainda não se encontrava em fase de conferencia preparatória.
41.E não tendo em conta que o processo findou antes da conferencia preparatória, nem que tal valor seria apenas imputável à Recorrente.
42.Muito menos se diga que foi a Recorrente que exclusivamente ou maioritariamente justificou o trabalho da Sra. Notária, o que também não é verdade.
43.Mais importa referir que os atos processuais suscitados pela Recorrente não revelam qualquer complexidade, bem como a demora na tramitação do presente processo não foi gerada única e exclusivamente pelos incidentes suscitados pela Recorrente, mas sim pelo facto da Cabeça de Casal ter tardado (e muito) na apresentação da relação de bens e pelo facto do processo ter decorrido durante um período de pandemia o que provocou relevantes transtornos e dificuldades, a que a Recorrente é naturalmente alheia.
44.A duração total do processo não reflete a complexidade do mesmo mas sim decorre do resultado destes constrangimentos.
45.Uma das razões que motivou a desistência da instância por parte da Recorrente foi exatamente a excessiva morosidade e indecisão do processo de inventário apresentado no referido cartório notarial.
(…)
47.Tendo, de seguida, sido intentado um novo processo judicial, desta feita no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, que corre termos no Juízo Local Cível de Santo Tirso, ..., sob o número de processo 616/24.0T8STS.
48.A aplicar-se o valor proferido pela decisão de 15/10/2023, caberá à Recorrente o pagamento de € 17.646,00 (173 UC) a título de honorários e de despesas.
(…)
49.Sendo certo que, se o processo prosseguisse, a Exma. Senhora Notária, iria cobrar o valor de € 35.292,00 (trinta e cinco mil duzentos e noventa e dois euros), conforme decisão proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Local Cível de Santo Tirso, ..., sob o número de processo 1810/21.0T8STS.
50.Valor este que é manifestamente excessivo, desproporcional, irrazoável e injusto, não só pelos serviços efetivamente prestados, bem como pela sua imputação exclusiva à Recorrente.
51.Tal valor terá de ser apreciado tendo em conta, não só o valor do inventário, mas também a tramitação processual do inventário em causa.
52.A não ser assim, ou seja, a interpretar-se o artigo 18º da Portaria 278/2013 desta forma, sempre se dirá que é manifesta a inconstitucionalidade de tal interpretação, por violação do princípio da proporcionalidade consagrado nos artigos 18º, nº2, e 2º da CRP e do direito de acesso aos tribunais consagrado no seu artigo 20º.
53.De acordo com o artigo 18º da Portaria 278/2013, os honorários devidos aos Senhores notários são fixados sem qualquer limite máximo.
(…)
55.Impunha-se, pois, ao abrigo do princípio da proporcionalidade que os referidos honorários fossem determinados tendo em conta o caso concreto, a par do que sucede com as custas judiciais.
56.É por demais evidente a manifesta desproporção entre o valor que irá ser cobrado a título de honorários pelos serviços prestados no presente processo de inventário.
57. Razão pela qual o valor da primeira prestação dos honorários deverá ser recalculado em conformidade com os critérios adotados pelo Tribunal Constitucional, nomeadamente, de acordo com a complexidade do processo, o tempo efetivamente gasto, a conduta das partes e o princípio da proporcionalidade, devendo ser objeto da respetiva nota detalhada, discriminativa e justificativa dos serviços prestados e critério de aferição dos honorários em causa, o que totalmente inexiste no presente caso.
Termos em que deverá o presente recurso ser julgado procedente, por provado e, em consequência, ser o despacho recorrido revogado e substituído por outro que determine que a responsabilidade dos honorários do presente processo é da responsabilidade de todos os interessados.
Caso assim não se entenda deverá ser declarada a inconstitucionalidade da nota de despesas e honorários, assim se fazendo a acostumada Justiça
RESPONDERAM OS INTERESSADOS DD, e EE SUSTENTAR QUE
G) Em causa está um processo de inventário iniciado antes da Lei nº 117/2019, de 13 de setembro, que entrou em vigor em vigor em 1 de janeiro de 2020, pelo que o regime jurídico aplicável ao mesmo é o aprovado pela Lei n.º 23/2013, de 5/03 e um regime de custas especial previsto na Portaria n.º 278/2013, de 26/08 (artigos 15.º a 28.º), alterado pela Portaria n.º 46/2015, de 23-02 (que entrou em vigor dia 1 de março de 2015) e que regulamenta (i) o regime das custas dos incidentes e dos recursos; (ii) o regime dos honorários notariais e (iii) despesas devidas pelo processo de inventário.
H)As custas no processo de inventário que integram as despesas e os honorários notariais (artigo 15.º, n.º 1 da Portaria 278/2013) nos termos do artigo 67º da Lei 23/2013 são da responsabilidade dos herdeiros na proporção do que receberam.
I) No presente caso concreto, o processo de inventário terminou por desistência da instância por parte da requerente e aceitação da mesma por parte dos restantes interessados, antes do início da conferência preparatória.
J) E terminando antes de tal conferência – como é o caso dos presentes autos – o notário elabora a nota de despesas e honorários logo que tenha conhecimento de ato que determine o fim do processo (artigo 23.º, n.º 4, da referida Portaria) com as necessárias adaptações.
K) Pelo que, não sendo aplicado o disposto no artigo 67º do RJPI, é aplicável, atento o disposto no artigo 537º do CPC aplicável por força do disposto no artigo 82º do Lei nº23/2013 de 05/03 a responsabilidade do pagamento das custas do inventário é da interessada requerente que desistiu do mesmo.
L) QUANTO Á ALEGADA INCONSTITUCIONALIDADE: tal como resulta da própria Decisão Impugnada questão ficou definitivamente decidida através do Despacho Judicial proferido pelo Tribunal a quo em 15.10.2023, proferido no âmbito do presente processo, já transitado em julgado.
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Nada obsta ao mérito.


O OBJETO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, ressalvadas as matérias que sejam de conhecimento oficioso (artigos 635º, n.º 3, e 639º, n.ºs 1 e 2, do código de processo civil).
atentas as conclusões da recorrente as questões a decidir são as seguintes:
1- Conceito de custas na Portaria 278/2013 e lei 23/2013 de 5.05. Responsabilidade das custas processuais no caso de desistência da instância. Aplicação subsidiária do Código de Processo Civil
2- Principio constitucional da proporcionalidade

O MÉRITO DO RECURSO:

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:

Dá-se aqui por reproduzida a fundamentação supra.


FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO:
I
A Recorrente, num primeiro momento, insurge-se contra a sua condenação nas custas do processo ao abrigo do disposto no artigo 537/1do Código de Processo Civil, vindo sustentar a inaplicabilidade do disposto no código de processo civil ao regime das custas processuais do inventário, sustentando que no artigo 67º da Lei 23/2013 de 05.05 e Portaria 278/2013, se estabelece um regime especial relativo às custas neste tipo processual e que em qualquer caso não seria aplicável o nº 1 mas o nº2 desta norma, pois a aceitação da desistência da instância pelos demais interessados equivale a transação,
Vejamos.
O artigo 1º da Portaria 278/2013 estabelece expressamente que, nesta, se regulamenta:
(…)
f) O regime das custas dos incidentes e dos recursos;
g) O regime dos honorários notariais e despesas devidos pelo processo de inventário;
(…)
Na definição do conceito de custas processuais veio o artigo 15º nº 1, fixar que: “As custas pela tramitação do processo de inventário abrangem os honorários notariais e as despesas”.
Esta é a norma que fixa o conceito de custas para cuja definição não concorrem os demais preceitos constantes do diploma de que regulamentam outros aspetos da tributação do processo, nomeadamente a forma e escalonamento do pagamento das diversas componentes das custas.
Daqui a sem razão da recorrente ao pretender autonomizar os honorários notariais das custas processuais, já que resulta expresso no citado normativo que aqueles integram o conceito de custas.
Por outro lado, esta previsão legal, não conflitua com a condenação em custas ao abrigo do artigo 537/1 do Código de Processo Civil, dado que se trata de questão diversa, esta, do regime especial, tanto do artigo 18º da Portaria, ao estabelecer a forma de pagamento dos honorários e Anexo I; quanto o artigo 19º, ao estabelecer (sem prejuízo do disposto no artigo 67º da lei 23/2013) a responsabilidade pelo pagamento dos honorários, que são divididos em prestações e consoante o vencimento das mesmas e as consequências do seu não pagamento pelo interessado responsável e, bem assim o artigo 67º da Lei 23/2013, que fixa o principio geral da repartição de custas entre os herdeiros/meeiro e usufrutuário, pois, são normas que regulamentam o regime das custas processuais na tramitação do inventário com partilha/incidental/recursos, mas não regulamentam, nem se regulamenta em tais diplomas legislativos, expressamente, o regime de responsabilidade pelas custas, nos casos em que o inventário termina por desistência/confissão/transação, tão pouco de tais preceitos normativos resulta afastado o princípio geral inserto no artigo 527º nº 1, Código de Processo Civil, na parte aplicável.
Não há por isso que falar no princípio geral inserto no artigo 7º nº 3 do Código Civil, uma vez que não estamos aqui perante uma mesma situação regulada em ambos os diplomas.
Daí que, sendo o código de processo civil de aplicação subsidiária a tudo quanto não esteja previsto na lei 23/2013 (artigo 82º desta lei) não pode o tribunal deixar de aplicar o regime legal estabelecido no artigo 537º nº 1, no que respeita à responsabilidade pelas custas no caso de desistência da instância, como ocorreu na decisão recorrida.
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A condenação da Recorrente nas custas do processo em conformidade com o disposto no artigo 537º/1 do Código de Processo Civil é uma questão diversa da forma/montante/ prazo e demais regime do seu pagamento, estabelecido na Portaria 278/2013, pois trata-se apenas da aplicação da regra da responsabilidade pelas custas à parte vencida.
Como refere Lebre de Freitas in Código de Processo Civil anotado vol 2º em anotação a este preceito: As duas normas do nº 1 são mera aplicação da norma geral do artigo 527º/2 aos casos de desistência (…) da instância (…); a sentença que a homologa tem o valor respetivamente de (…)de sentença de absolvição da instância (…) o autor fica vencido (…), sendo para este segmento das custas irrelevante a aceitação pelos demais interessados da desistência da instância.
Daqui a falta de razão da recorrente, não resistindo o enunciado nas suas conclusões à simplicidade de aplicação à condenação em custas da regra geral do vencimento impressa no Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente por ausência de regra expressa nesta matéria, na lei 23/2013 conjugada com a Portaria 278/2013.
Surge ainda insustentada de todo a pretendida subsunção ao caso do nº 2 do artigo 537º/CPC. já que esta norma contempla a transação e uma desistência da instância não se confunde em momento algum com a transação, cfra artigo 283º, 284º do Código de Processo Civil, que é um negócio jurídico regulado nos artigos 1248.ºCC e ss, pelo qual as partes “previnem ou terminam um litígio, mediante concessões/cedências mútuas, que podem envolver a constituição, modificação ou extinção de direitos diversos do direito controvertido”.
Como é manifesto a desistência da instância apenas tem efeitos processuais (artigo 285º/2 sendo que depende da aceitação do réu quando é apresentada após a citação (artigo 286/1 do Código de Processo Civil)
Finalmente, carece também de fundamento a convocação do direito de regresso fixado no artigo 19/6 da Portaria 278/2013, uma vez que se trata de norma cuja aplicação supõe que a responsabilidade pelas custas recaiam sobre os vários interessados, o que não acontece, in casu.
II
Menos ainda pode vir agora discutir a Recorrente o critério de fixação dos honorários não só porque não foi tal critério objeto da decisão recorrida mas e sobretudo porque sobre a questão, foi proferida decisão à luz ainda dos preceitos constitucionais invocados a 15/10/2023, transitada em julgado.
Esta questão está, assim, definitivamente resolvida nos autos.
Nem é invocável a violação dos princípios constitucionais do artigo 18º nº 2 e 20º da CRP, como faz agora a recorrente ao sustentar que a decisão de 15/10/2023, que transitou em julgado, apenas apreciou a questão da inconstitucionalidade tendo em conta, ou seja, partindo do pressuposto, que o valor dos honorários seria imputado a todos os interessados.
Sendo a imputação das custas à Recorrente resultante do princípio geral impresso no artigo 537/1 do Código de Processo Civil, não é cindível a decisão proferida a 15/10/2023, como pretende a mesma, reduzindo-a apenas à situação em que todos os interessados são responsáveis pelas custas, pois, o que está em causa no fundamento e decisão não é quem é devedor das custas, mas sim a adequação do valor das mesmas em face do processo e respetiva complexidade, carecendo em tais termos de relevância para a sua reapreciação (que está vedada em face do caso julgado) o momento processual em que foi produzida porquanto não houve, nesta parte, alteração para mais do respetivo valor dos honorários
Perde em tais termos oportunidade a convocação dos referidos princípios constitucionais da proporcionalidade e de acesso ao direito, que como resulta da fundamentação de tal decisão foram ponderados na determinação dos mesmos honorários.
Isto sem prejuízo de se referir que das conclusões da Recorrente decorre que a pretensa questão de constitucionalidade não tem natureza normativa, pois, sob a capa de uma alegação genérica de inconstitucionalidade, o que se discute são questões de interpretação do direito ordinário e os critérios hermenêuticos aplicados pelo tribunal recorrido em decisão já transitada.
Não se acolhe, também aqui, em tais termos, o recurso.





SEGUE DELIBERAÇÃO:

NÃO PROVIDO O RECURSO. MANTÉM-SE A DECISÃO RECORRIDA.

Custas pela Recorrente.











Porto, 26 de junho de 2025

Isoleta de Almeida Costa

António Paulo Aguiar de Vasconcelos

Paulo Duarte Mesquita Teixeira