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RESPONSABILIDADE CIVIL DE ADVOGADO
INCUMPRIMENTO DO MANDATO
PERDA DE CHANCE
ÓNUS DA PROVA
Sumário
Sumário:[1] I - O advogado, no cumprimento do mandato forense, está sujeito, para além de outras obrigações, ao dever específico previsto no artigo 100º, n.º 1, b) do Estatuto da Ordem dos Advogados, qual seja, o de «tratar com zelo a questão de que seja incumbido, utilizando para o efeito todos os recursos da sua experiência, saber e actividade». II - O cumprimento desse dever não integra a obrigação de ganhar a causa, mas apenas a de defender os interesses do mandante diligentemente, segundo as regras da arte, com o objectivo de vencer a lide, visto tratar-se de uma obrigação de meios e não de resultado. A sua violação, porém, pode implicar responsabilidade civil contratual pelos danos daí decorrentes para o mandante. III – No âmbito da responsabilidade civil do advogado por incumprimento do mandato há que distinguir o dano perda de chance processual do dano não patrimonial eventualmente causado pela actuação do mandatário ao não praticar o acto devido, que será um dano não patrimonial final, cuja ressarcibilidade depende da prova, entre os demais requisitos previstos no artigo 496º do Código Civil, dos sofrimentos morais do mandante e do nexo de imputação objectiva entre estes e o facto ilícito. IV - A perda de chance ou de oportunidade de obter uma vantagem ou de evitar um prejuízo, impossibilitada definitivamente por um acto ilícito integrará um dano autónomo ressarcível, desde que seja consistente e séria, ou seja, com elevado índice de probabilidade. V - Uma oportunidade é consistente se é sólida e é sólida se é real; para esse efeito há que demonstrar que a probabilidade de ganho de um recurso extemporaneamente interposto era razoavelmente elevada, uma “possibilidade real” de sucesso, que se malogrou, em resultado da perda de oportunidade processual, atentando ao que poderia ser considerado como altamente provável pelo tribunal do recurso frustrado em termos de o sucesso da chance se apresentar superior à possibilidade do insucesso. VI - O ónus de prova de tal probabilidade impende sobre o lesado, como facto constitutivo que é da obrigação de indemnizar (artigo 342.º, n.º 1 do Código Civil).
[1] Elaborado pela relatora e da sua inteira responsabilidade – cf. artigo 663º, n.º 7 do Código de Processo Civil.
Texto Integral
Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
* I – RELATÓRIO A …[1] intentou contra B … E ASSOCIADOS – SOCIEDADE DE ADVOGADOS, R.L.[2]; B …, advogado[3] e C …[4] a presente acção declarativa de condenação, com processo comum pedindo a condenação dos réus no pagamento ao autor do seguinte valor:
a. A quantia de 700 000,00 € (setecentos mil euros), dos quais 600 000,00 € (seiscentos mil euros) a título de danos patrimoniais e 100 000,00 € (cem mil euros) a título de indemnização pelos danos não patrimoniais, acrescidos de juros legais desde a data da citação.
Alegou, para tanto, muito em síntese, o seguinte[5]:
Ø Em Outubro de 2011 o autor ingressou na Polícia de Segurança Pública[6], com a categoria de Agente;
Ø Em 03-10-2013 e 28-01-2014 foram-lhe instaurados dois processos disciplinares, apensados em 02-04-2015;
Ø O autor defendeu-se arguindo, entre o mais, a prescrição do procedimento disciplinar;
Ø Por despacho do Exmo. Ministro da Administração Interna, datado de 28 de Março de 2016, foi aplicada ao autor a pena disciplinar de demissão, na sequência do que intentou Acção Administrativa Especial para Declaração de Nulidade de Acto Administrativo, que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra[7], sob o n.º …/…-…ESNT, arguindo, além do demais pedido a título subsidiário, a excepção de prescrição do processo disciplinar, para o que contratou os serviços dos réus, mediante outorga de procuração forense;
Ø Previamente à instauração da acção administrativa, os mandatários, aqui réus, intentaram uma providência cautelar, requerendo a suspensão da eficácia do acto administrativo que determinou a sua demissão, que foi procedente;
Ø No processo …/…-…BESNT foi proferida sentença que concluiu “pela prescrição do procedimento disciplinar pelo decurso do prazo previsto no art. 6º/6 do ED/2008, aplicável por via do disposto no art. 66º do DR/PSP, devendo proceder a acção”, o que fez aplicando o prazo de 18 meses previsto no art.º 6º, n.º 6 do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas, aprovado pela Lei n.º 58/2008, de 9 de Setembro[8], que entendeu aplicável aos procedimentos disciplinares instaurados ao pessoal com funções policiais dos quadros da PSP, por força do art.º 66º do Regulamento Disciplinar da Polícia de Segurança Pública, aprovado pela Lei n.º 7/90, de 20 de Fevereiro[9];
Ø O Ministério da Administração Interna (MAI) interpôs recurso para o Tribunal Central Administrativo Sul[10], tendo sido proferida decisão sumária, em 24 de Maio de 2017, que o julgou procedente, revogando a sentença proferida e julgando válido e eficaz o despacho que determinou a demissão;
Ø O autor foi informado pelos réus dessa decisão e deu-lhe instruções, em Maio de 2017, para reagirem através da via processual adequada, tendo estes afirmado que iriam interpor recurso daquela decisão;
Ø Após isso, o segundo réu foi-lhe assegurando que o recurso havia sido apresentado em tempo e se encontrava a seguir os seus trâmites normais;
Ø No dia 20 de Novembro de 2019, foi informado que havia sido publicada na Ordem de Serviço da Direcção Nacional da PSP com o n.º 222, de 20-11-2019, a sua demissão;
Ø Contactou de imediato o segundo réu pedindo esclarecimentos, sendo-lhe dito numa reunião no escritório, em 21 de Novembro de 2019, que não haviam obtido provimento no recurso;
Ø Desconfiado, deslocou-se ao TAF de Sintra, em 22-11-2019, onde requereu a consulta do processo, percebendo, ao contrário do que lhe havia sido dito pelos seus advogados, o recurso nunca havia chegado ao Supremo Tribunal Administrativo, o que os réus sabiam desde finais de Outubro de 2017[11];
Ø Os réus foram notificados para pagar multa, nos termos do art.º 139º, n.º 6 do Código de Processo Civil[12], o que, sem o conhecimento do autor, impugnaram, sem acautelar o pagamento, para além de terem reagido mediante recurso e não reclamação para a conferência, como deveria ter sido, e que, por falta daquele pagamento, não foi convolado em reclamação;
Ø À data da sua demissão, o autor estava posicionado no índice remuneratório 10, auferindo diversos montantes a título regular e outros, variáveis, pela prestação de serviços remunerados, valores que deixou de obter;
Ø Beneficiava do subsistema de saúde SAD/PSP, pagando valores reduzidos em consultas de especialidade, exames de diagnóstico, internamento, cirurgias, entre outras prestações de cuidados saúde, do que deixou de beneficiar com a sua demissão, assim como outras regalias;
Ø O autor tinha intenções de concorrer à categoria de Chefe da PSP logo que abrisse o próximo concurso de acesso àquela carreira, cujo nível remuneratório mínimo da categoria de chefe se cifra em 1 304,46 €;
Ø E ainda que tal não sucedesse, iria ser promovido à categoria de Agente Principal a breve trecho, cuja remuneração base era de 1 201,48 €;
Ø Com a sua demissão suportou prejuízo de afirmação pessoal, estado de depressão, perda do apetite, não conseguindo descansar durante a noite e uma enorme revolta face à negligência dos advogados, que o colocaram na situação de desempregado, sendo seguido em consulta de psiquiatria;
Ø Estava certo que lhe seria permitido continuar na polícia, seja pelo reconhecimento da prescrição do procedimento disciplinar ou pela revogação da pena de demissão pelo tribunal;
Ø Na reunião que tiveram, os réus revelaram-se muito seguros do sucesso do recurso;
Ø O autor invocou ainda a prescrição da responsabilidade disciplinar, em virtude de o procedimento em relação a ambos os processos disciplinares ter sido instaurado para lá de decorrido o prazo de 3 (três) meses após conhecida a falta pela entidade com competência disciplinar, nos termos do disposto no nº 3 do RDPSP, questão sobre a qual a decisão sumária não se pronunciou e que foi suscitada no recurso interposto pelos réus;
Ø A frágil argumentação da decisão sumária era rebatível e a posição do autor no que à aplicação do prazo prescricional de 18 meses ao procedimento disciplinar na PSP diz respeito tem respaldo na jurisprudência maioritária, para além de naquela se ter confundido a contagem do prazo para a prescrição do próprio procedimento disciplinar com o prazo de prescrição do direito de instaurar o processo disciplinar;
Ø O autor teria uma vida activa de trabalho em funções públicas até, pelo menos, aos 60 anos e 5 meses de idade, podendo vir a obter uma reforma de montante que lhe permitiria continuar a viver de forma bastante desafogada e com confortável dignidade;
Ø Na carreira de Agente poderia progredir até à categoria de Agente Coordenador e, se assim não fosse, sempre transitaria proximamente, de forma automática, para a de Agente Principal;
Ø Partindo do montante bruto anual percebido pelo autor no ano anterior ao da sua demissão e tomando como referência para o cálculo o seu último recibo de vencimento (11/2019), é possível apurar um prejuízo anual bruto no valor de 19 931,48 €, a que acresce necessariamente o valor recebido a título de serviços gratificados, o que perfaz um montante bruto total anual de 24 752,79 €;
Ø Considerando a esperança média de vida - 48 anos, tendo em conta que tinha 32 anos à data dos factos – resulta a importância de 1 188 133,92 €, pelo que, recorrendo à equidade, o montante indemnizatório nunca poderá ser inferior a 50% desta soma.
Os réus B … & Associados – Sociedade de Advogados, SP RL e B … contestaram a acção, pugnando pela sua improcedência, alegando, em síntese, o seguinte[13]:
- O segundo réu foi contactado pelo autor em Abril de 2016, já depois de ter sido proferida decisão disciplinar de demissão (em 28 de Março de 2016), pretendendo impugná-la, tendo-lhe sido dito que as possibilidades de a reverter eram muito reduzidas;
- Estando ainda em curso prazo para impugnação judicial o segundo réu aceitou patrocinar o autor, que lhe entregou todos os documentos de que tinha sido notificado em 20 de Abril de 2016;
- O autor já tinha sido condenado em processo-crime, com decisão transitada em julgado, sobre os factos de que era acusado num dos processos disciplinares;
- O autor reconheceu os erros e estava ciente que os factos vertidos em cada um dos processos disciplinares eram passíveis de forte censura do ponto de vista laboral e que eram escassas as suas possibilidades de sucesso processual, nomeadamente, quanto à reversão da decisão de demissão;
- Ao contrário do defendido na defesa escrita do autor e depois na defesa orientada pelo segundo réu, o processo disciplinar movido contra o autor não estava prescrito, face ao disposto no art.º 55.º, n.º 2 do RDPSP;
- É falso que o autor tenha instruído o segundo réu para reagir como fosse à decisão sumária, tendo ficado conformado com o desfecho dos autos, por ter conhecimento de que tinha errado;
- Em finais de Maio de 2017, foi dito ao autor que iria ser interposto recurso sobre a Decisão sumária proferida pelo Tribunal Central Administrativo Sul, como foi feito;
- Após notificação de 30-10-2017, em Novembro de 2017, foi dito ao autor que o recurso interposto para o Supremo Tribunal Administrativo tinha sido rejeitado, com o este se conformou;
- Em finais de Novembro de 2019, o autor contactou o segundo réu, mas tão-só para lhe dizer que a punição de demissão já tinha sido publicada em Ordem de Serviço;
- Não obstante entender-se que havia fundamento para a interposição do recurso nos termos do artigo 150.º do CPTA, tal recurso tem carácter de excepcionalidade;
- Os art.ºs 141.º, n.º 1, 142.º, ambos do CPTA, ou o artigo 627.º, n.º 1 do CPC, não excluem do seu âmbito “decisões sumárias” e em face da Decisão sumária entendeu-se que existia a possibilidade de reclamar para a conferência ou recorrer directamente para o Supremo Tribunal Administrativo;
- O art.º 55.º, n.º 4 do RD/PSP determina que a notificação da acusação faz interromper a contagem do prazo prescricional e constituindo os factos em sede disciplinar ilícito criminal, nenhuma omissão legal existe no RD/PSP que deva ser entendida como lacuna, sendo de aplicar, de forma expressa, o disposto no art.º 55.º, n.º 2 do RD/PSP, sendo o prazo de prescrição do procedimento disciplinar de 7 (sete) anos e meio;
- Os profissionais de polícia têm um regime disciplinar específico, estando excluídos do âmbito de aplicação do ED/TFP, sendo o prazo prescricional do direito de instaurar o procedimento disciplinar de três anos contados da data em que a infracção disciplinar foi cometida, abrangendo o texto do n.º 1 do art.º 55º do RD/PSP também o prazo de prescrição do próprio procedimento em si mesmo;
- Da aplicação do prazo referido exceptuam-se, nos termos do art.º 55º, n.º 2 do RD/PSP, as “infracções disciplinares que constituam ilícito penal, as quais só prescrevem, nos termos e prazos estabelecidos na lei penal, se os prazos de prescrição do procedimento criminal forem superiores a três anos”;
- Os factos praticados pelo autor em 7 de Outubro de 2012 e Junho/Julho de 2013 constituem ilícitos criminais;
- Não existe no art.º 55.º do RD/PSP qualquer lacuna em matéria de prescrição, seja do direito de instaurar o procedimento disciplinar, seja do procedimento em si mesmo, muito menos a existe quando em causa estão factos que constituem crime, pelo que não se aplica aos profissionais de polícia o regime de prescrição previsto no ED/TFP;
- O exercício da actividade forense levada a cabo pelo segundo réu, e em particular os factos, não configuram qualquer acto ilícito, nem existe nexo de causalidade entre a actividade processual e a confirmação judicial da decisão disciplinar de demissão aplicada ao autor;
- As hipóteses de sucesso processual do autor eram praticamente nulas ou bastante reduzidas e ainda que tivesse ocorrido a reclamação para a conferência, o acórdão que viesse a ser proferido seria exactamente no mesmo sentido da decisão sumária.
Por requerimento de 1 de Abril de 2023, o autor deduziu incidente de intervenção principal provocada da companhia de seguros AON Portugal, S. A., com quem os réus teriam celebrado contrato de seguro de responsabilidade civil profissional, chamando-a a intervir ao lado deste, pelo lado passivo na acção, o que foi deferido, conforme despacho proferido em 17 de Maio de 2023[14].
A interveniente principal AON Portugal S. A. deduziu contestação em que suscitou a sua ilegitimidade passiva com fundamento no facto de exercer a actividade de corretagem de seguros, em cujo âmbito é apenas mediadora na celebração de contratos de seguro entre Tomador de Seguro e Companhia de Seguros, recebendo uma comissão pela prestação dos seus serviços, não tendo celebrado qualquer contrato de seguro de responsabilidade civil com os réus, pelo que concluiu pela sua absolvição da instância, impugnando, por desconhecimento, o alegado na petição inicial[15].
Em 15 de Abril de 2024 realizou-se a audiência prévia no âmbito da qual foi concedido o contraditório às partes para pronúncia sobre a excepção deduzida, tendo ainda o autor requerido a intervenção provocada da XL Insurance Company, SE, requerimento que foi considerado extemporâneo, tendo sido julgada procedente a excepção de ilegitimidade, com a consequente absolvição da instância da interveniente principal AON Portugal – Corretores de Seguros, S. A.[16].
Realizada a audiência de julgamento, em 13 de Novembro de 2024 foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, com o seguinte dispositivo[17]: “Nestes termos e fundamentos legais invocados julgo a presente acção parcialmente procedente, por parcialmente provada, e em consequência: A) Condeno os RR. B … E ASSOCIADOS – SOCIEDADE DE ADVOGADOS, R.L., e B … a pagar ao A. a quantia de: - € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros) a título de danos não patrimoniais; - € 30.000,00 (trinta mil euros) a título de danos por perda de chance. Vão ainda os RR. condenados no pagamento dos juros que se vencerem sobre estas quantias desde a data da presente decisão e até integral pagamento, à taxa de juros civis. B) No mais absolvo os RR. dos pedidos deduzidos. Custas pelo A. (90%) e pelos RR (10%) - (artigo 527º, n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil).”
Inconformados com esta decisão, vieram os réus interpor o presente recurso, cuja motivação concluíram do seguinte modo[18]:
A. […][19];
B. O Tribunal a quo julgou a ação parcialmente procedente, e, consequentemente, condenou os Recorrentes a pagar ao Recorrido a quantia de € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros) a título de danos não patrimoniais e a quantia de € 30.000,00 (trinta mil euros) a título de danos por perda de chance;
C. Em concreto, no que se refere à perda de chance, entendeu o Tribunal a quo que o Recorrido teria uma probabilidade de 50 % de ver a prescrição do processo disciplinar reconhecida, e, por conseguinte, direito à reparação por danos não patrimoniais. Sucede que, na origem dos processos disciplinares que foram instaurados pela PSP contra o Recorrido estão ilícitos criminais praticados pelo mesmo e que originaram também processos-crime.
D. Ou seja, Não estamos perante processos disciplinares administrativos por violação do regulamento disciplinar da PSP, mas sim por se tratar de factos praticados pelo Recorrido fora do âmbito das suas funções enquanto Agente da PSP e geradores de responsabilidade criminal que implicaram a condenação do Recorrido em penas superiores a 1 (um) ano, mas inferiores a 5 (cinco) anos. O que, por conseguinte, fundamentou a abertura de procedimento disciplinar e a consequente decisão de demissão.
E. Pelo que, da aplicação conjugada dos artigos 55.º, n.º 2 do RD/PSP e do artigo 118.º e 121.º, n.º 3 do CP, resulta que a prescrição do procedimento disciplinar instaurado ao Recorrido, e que motivou a sua demissão, ocorreria no prazo de 7 (anos) anos e meio após os factos. Logo, o prazo de 18 (dezoito) meses para prescrição do procedimento disciplinar, nunca seria aplicável, sendo-lhe, outrossim, aplicável as normas de processo penal.
F. Desde modo, a decisão do procedimento disciplinar que motivou a proposição, primeiramente de providência cautelar, e após, a ação administrativa de impugnação da decisão do MAI sobre a demissão do Recorrido, e no qual foi proferida a já referida decisão singular que revogou a sentença proferida pela 1ª instância favorável ao Recorrido, teria, como tal, de se regular pela lei especial aplicável aos profissionais de polícia, ou seja o RD/PSP, o qual no n.º 1 e 2 do seu art.º 55.º dispõe que “1 - O direito de instaurar procedimento disciplinar prescreve passados três anos sobre a data em que a infração tiver sido cometida, e; 2 - Excetuam-se as infrações disciplinares que constituam ilícito penal, as quais só prescrevem, nos termos e prazos estabelecidos na lei penal, se os prazos de prescrição do procedimento criminal forem superiores a três anos”.
G. Assim, feito o “julgamento dentro do julgamento”, o Tribunal a quo ao decidir como decidiu, violou as normas de direito aplicáveis ao caso concreto.
H. Inconformados com a decisão proferida pelo Tribunal a quo, os Recorrentes vêm, invocar a nulidade da sentença, por um lado, pela falta de exposição crítica das provas e falta de especificação dos fundamentos de facto que justificam a decisão e, por outro, pela existência de contradição entre os fundamentos e a decisão final.
I. Os Recorrentes vêm, ainda, impugnar a decisão proferida quanto à matéria de facto e quanto à matéria de direito porquanto não existe qualquer dúvida de que foi produzida nos autos prova no sentido de contrariar o entendimento preconizado na douta Sentença, designadamente, através das declarações prestadas pelo próprio Recorrido e Recorrentes e dos depoimentos prestados pelas testemunhas arroladas pelo Recorrido.
J. Mais entendem os Recorrentes, não obstante ao Tribunal caber a livre apreciação da prova, em face da matéria de facto que se encontra provada nos autos, também a respetiva interpretação e aplicação do Direito imporia decisão diversa, com o limite das regras da experiência comum e do homem médio colocado na mesma posição.
K. O dever de fundamentação, tanto de facto, como de Direito, das decisões judiciais é, no nosso ordenamento jurídico, um dever constitucional, consagrado no artigo 205.º, n.º 1, da CRP que se encontra também consagrado no artigo 154.º do CPC.
L. Procedendo à análise da sentença recorrida, mais concretamente no que se refere à parte onde se lê: “Motivação da Decisão de Facto”, o Tribunal a quo, de forma geral e abstrata, começa por fazer referência à prova documental junta aos autos e às testemunhas inquiridas, sem concretizar a que factos é que se refere e sem retirar das mesmas quaisquer consequências ou conclusões seguras, o que, com o devido respeito, não pode ser considerado suficiente para fundamentar a sua decisão nos presentes autos.
M. Na sentença recorrida, não são elencados os fundamentos de facto relevantes para a decisão no que se refere à concretização da matéria de facto provada e não provada, havendo apenas alusão a referências desprovidas de conteúdo e sem qualquer especificação em face do elenco dos factos provados e não provados.
N. A forma genérica de fundamentação utilizada na sentença recorrida não corresponde à especificação dos meios de prova decisivos para a formação da convicção do Juiz, tornando incompreensível a própria fundamentação e prejudicando a impugnação da decisão e o cumprimento do ónus de alegação, bem como a reponderação eficaz da decisão.
O. E nestes termos, a falta de cumprimento do previsto no artigo 607º, nº4 do CPC é uma circunstância relevante no exame e decisão da causa, tornando a sentença nula nos termos do artigo 195º do CPC.
P. Mas mais: apesar do elenco dos factos provados e não provados previstos na sentença recorrida, é totalmente omissa a fundamentação quanto a eles, sendo que, tal omissão consubstancia a nulidade mencionada.
Q. Deste modo, os Recorrentes entendem que o Tribunal a quo não fez a análise crítica das provas nem tampouco especificou em conformidade os fundamentos decisivos para a sua convicção como lhe era exigido pelo artigo 607.º, n.º 4 do CPC e desta forma, não cumpriu o seu dever de fundamentação sendo, em consequência, a sentença recorrida nula, por manifesta falta de fundamentação, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea b) do CPC, nulidade que desde já se invoca.
R. Por outro lado, mais se diga que a decisão proferida seguiu um caminho diverso daquele que apontava os fundamentos, pois em face dos factos dados como provados pelo Tribunal a quo e a sua decisão final há manifesta contradição.
S. Pois, o Tribunal a quo considerou provado os factos 2, 3, 45, 46, 47, 48, 49 e 50, e, neste sentido, que os processos disciplinares instaurados pela PSP contra o Recorrido tiveram origem em factos geradores de responsabilidade criminal que levaram à instauração de 2 (dois) processos-crime contra si, e que, por essa razão, não estava perante uma questão puramente administrativa no âmbito de um processo disciplinar.
T. Desde modo, a única conclusão lógica possível extrair dos factos 2, 3, 45, 46, 47, 48, 49 e 50 considerados como provados é que o Recorrido sempre esteve ciente de que existiam reduzidas possibilidades de ver revertida aquela decisão de demissão do MAI, e, por via disso, deveria o Tribunal a quo ter dado também como provado os pontos d), e), f) e g).
U. Porém, não obstante, ter considerado os pontos d), e), f) e g) dados como não provados, o Tribunal a quo sobre a “Motivação da Decisão de Facto” da Sentença recorrida, afirma que o Recorrido estava “ciente que a decisão lhe podia ser desfavorável”, pelo que a fundamentação do Tribunal a quo é totalmente contraditória com os factos que considerou como não provados.
V. Neste sentido, a sentença ora recorrida é nula, nos termos da alínea c) do artigo 615.º do CPC, nulidade essa que desde já se invoca para todos os efeitos legais e convenientes.
W. Relativamente à alteração da matéria de facto considerada como não provada, desde logo, tal como anteriormente dito, tendo sido produzida prova suficiente para concluir que ao Recorrido foi desde a primeira reunião transmitido pelos Recorrentes que, por se tratar de processos disciplinares que na sua origem estavam factos que importam responsabilidade criminal e que deram origem a 2 processos-crime, as possibilidades de reverter a decisão de despedimento eram muito reduzidas, tendo o Recorrido ficado ciente disso mesmo.
X. Não se compreendendo porque o Tribunal a quo não valorou as declarações do Recorrente B …, o qual afirmou que na primeira reunião transmitiu ao Recorrido sobre as possibilidades de reverter aquela decisão de demissão (audiência de julgamento de 17 de outubro de 2024, com a duração de 30 minutos, das 11:19 às 11:49 – mais concretamente aos minutos [00:07:48 a 00:09:16]), e ainda a valoração positiva das declarações do Recorrido que confirma nas suas declarações que lhe foi explicado na primeira reunião que havia a probabilidade daquela decisão de demissão ser irreversível (audiência de julgamento de 17 de outubro de 2024, com a duração de 1 hora, 5 minutos e 37 segundo, das 11:10 às 11..15 - mais concretamente aos minutos [00:45:57 a 00:46:28]), sendo que a prova ali produzida é suficiente para demonstrar que ao Recorrido sempre foi transmitido, desde o início, que as possibilidades de ver aquela decisão de demissão revertida eram ínfimas, senão mesmo nulas, contando que na origem dos processos disciplinares estariam factos que implicavam responsabilidade criminal.
Y. O Tribunal a quo também não considerou a prova documental, concretamente, constituída pelo relatório clínico apresentado pelo Recorrido e junto aos autos, no qual é expresso que o Recorrido sempre esteve consciente que a possibilidade de reversão daquela decisão do MAI não era certa e que até se conformaria com uma decisão do tribunal desfavorável, o que implicaria necessariamente por confissão do Recorrido e pela prova documental junto aos autos – relatório clínico – a valoração positiva das declarações do Recorrido.
Z. Ou seja, a ausência da análise crítica das declarações implicou que o Tribunal a quo só valorasse o que não deveria ter valorado.
AA. Deverá assim ser alterada a resposta dada aos pontos d), e), f) e g) dos factos dados como não provados da sentença recorrida devendo os mesmos passarem a ser considerados como provados.
BB. Conforme dito anteriormente, a prova produzida pelas declarações do Recorrente B …, e já indicada, é suficiente para demonstrar que ao Recorrido sempre foi transmitido, desde o início, que as possibilidades de ver aquela decisão do MAI revertida eram muito reduzidas.
CC. Isto porque, a questão subjacente ao seu processo disciplinar não se tratava unicamente de violações exclusivas de regras do regulamento disciplinar da PSP, mas sim por se tratar de factos praticados fora do âmbito das suas funções enquanto Agente da PSP e geradores de responsabilidade criminal.
DD. Por essa razão, e em sentido contrário, em face ao supra exposto, considerando a prova produzida, deverá ser alterada a resposta dada aos factos 15, 16, 17 e 18 dados como provados da sentença recorrida devendo os mesmos passarem a ser considerados como não provados.
EE. Isto porque, mais uma vez, o Tribunal a quo desvalora as declarações do Recorrente B …, fazendo uma errada valoração da prova produzida. Para além de não especificar quais os fundamentos que foram decisivos para a formação da sua convicção, não procedeu à análise crítica da prova. Quando se impunha ao Tribunal a quo, para além do dever de esclarecer quais as provas que o levaram a formar a sua convicção, o dever de analisar criticamente as provas produzidas, explicando os motivos que o levaram a optar por uma determinada resposta.
FF. O Tribunal a quo considerou como provado os factos 39, 40 e 42, contudo, a prova mais uma vez não foi corretamente valorada, porquanto, o próprio Recorrido nas suas declarações afirma sem margens para dúvidas que após a sua demissão da PSP seguiu a sua vida com normalidade, inclusive, começou logo a trabalhar, tal como é expresso nas suas declarações (audiência de julgamento de 17 de outubro de 2024, com a duração de 1 hora, 05 minutos e 37 segundos, das 10:10 às 11:15 – concretamente aos minutos [00:26:40 a 00:28:24]), tendo frequentado apenas 4 sessões com a psiquiátrica que se compreenderam entre 14 de janeiro e 04 de fevereiro por instrução do seu mandatário, conforme esclarecido pela Testemunha E … médica que acompanhou o Recorrido e que elaborou o relatório psiquiátrico junto aos autos (audiência de julgamento de 24 de outubro de 2024, com a duração de 24 minutos e 8 segundos, das 10:14 às 10:38 – respetivamente do minuto [00:02:48 a 00:04:23] e do minuto [00:12:19 a 00:13:24]).
GG. Não se compreendendo de que forma o depoimento da testemunha E … fundamentam o entendimento do Tribunal a quo ao considerar os referidos factos como provados, quando resulta da análise crítica das suas declarações com as da médica psiquiátrica que foi a mando do seu mandatário, com o propósito de obter um relatório para propor uma ação contra os Recorrentes, que passou a frequentar consultas psiquiátricas, as quais compreenderam o número de 4 sessões, tendo as mesmas culminado com a elaboração de relatório com a conclusão de que o Recorrido se teria conformado com a decisão que ora se verificou.
HH. Ou seja, em momento algum foi feita prova que por força da decisão de demissão o mesmo tenha passado para um quadro psiquiátrico que o inibisse de trabalhar fruto da dor, angústia e desespero, motivada por aquela. Para além disso, não se compreende qual o critério de análise adotado pelo Tribunal a quo para considerar que o Recorrido sofreu danos não patrimoniais quando nem sequer ficou provado que o mesmo passou a sofrer de um quadro psicológico com distúrbios psiquiátricos importantes, diagnosticando “Distúrbio de Adaptação das emoções e do comportamento” e “Episódio Depressivo de severidade média”.
II. Tendo-se provado sim, conforme resulta do depoimento da testemunha E … que, caso não fosse o mandatário do Recorrido a encaminhá-lo para a testemunha em ordem a ter um relatório médico para instruir a ação que deu origem aos presentes autos, o mesmo nunca teria recorrido a acompanhamento psiquiátrico.
JJ. Além do mais, o alegado quadro psicológico de que o Recorrido passou a padecer após a sua demissão não é compatível com alguém que, após ter sido demitido da PSP, começou desde logo a trabalhar como nadador-salvador.
KK. A prova produzida e já indicada é suficiente para demonstrar que, efetivamente, o Recorrido, porque sabia que os atos por si praticados eram geradores de responsabilidade criminal, sempre esteve consciente que a demissão da PSP poderia sempre vir a confirmar-se.
LL. Deste modo, deverá ser alterada a resposta dada aos factos 39, 40 e 42 dados como provados passando os mesmos a ser dados como não provados.
MM. Relativamente à figura da perda de chance esta não está conceptualizada na lei, com o facto de alguém ser lesado no direito de obter uma vantagem futura, ou de não ser lesado, por facto de terceiro, sendo que esse facto pode fundar responsabilidade contratual ou extracontratual. Não se confundindo com a perda de expectativa, pois aqui há uma esperança (com forte carga subjectiva) de um direito, por ter havido um percurso que a ele conduziria com forte probabilidade, sendo uma situação a inserir na dogmática da responsabilidade pré-contratual.
NN. Na perda de chance não se busca, efetivamente, a indemnização pela perda do resultado querido, mas antes pela oportunidade perdida, como um direito em si mesmo. Deve estar demonstrada a causalidade naturalística entre a conduta - ativa ou omissiva – e a perda de chance alegada. Em geral, a mera perda de uma chance não terá virtualidade jurídico-positiva para fundamentar uma pretensão indemnizatória. Com efeito, a doutrina da perda de chance propugna, em tese, a compensação quando fique demonstrado, não que a perda de uma determinada vantagem é consequência segura do facto do agente (o nexo causal entre o facto ilícito e o dano final), mas, simplesmente, que foram reais e consideráveis as probabilidades de obtenção de uma vantagem ou de obviar um prejuízo.
OO. Os presentes autos assentam na invocada perda de chance do Recorrido por não ter sido apresentada pelos Recorrentes reclamação para a conferência ou pago a multa que permitiria a convolação do recurso interposto para o STA em reclamação para a conferência da decisão singular proferida pelo TCAS, decorrente de não ter sido acautelado pelos Recorrentes o pagamento de multa, nos 10 dias concedidos, por prática do ato no 2.º dia útil após o prazo.
PP. E que, tal circunstância, terá impedido o Recorrido de poder sindicar a decisão singular da relatora do TCAS, que revogou a decisão que lhe havia sido favorável, em sede de primeira instância, mediante apreciação da reclamação para a conferência, por convolação do recurso interposto. Sendo que a decisão singular do TCAS revogava a sentença anteriormente proferida pelo TAFS, a qual havia decidido pela prescrição de procedimento disciplinar contra o Recorrido e que tinha resultado na aplicação da pena de demissão da PSP. Tendo, assim, por via dessa omissão, ocorrido o trânsito em julgado da decisão do TCAS e, consequentemente, a sanção disciplinar de demissão que havia sido aplicada ao Recorrido sido confirmada, resultando numa situação de desemprego para aquele, impedindo-o de progredir na sua carreira na PSP.
QQ. Quanto à responsabilidade civil, a fim de se poder aferir, nos termos do disposto no art.º 483.º do Código Civil, da eventual obrigação dos Recorrentes de indemnizar o Recorrido em decorrência da responsabilidade civil profissional do advogado, para além dos demais pressupostos cumulativamente exigidos por Lei, terá, necessariamente, de ser demonstrado o nexo de causalidade entre a conduta lesiva e os danos gerados pela mesma.
RR. Nexo de causalidade esse que, nos presentes autos, apenas poderá resultar da demonstração pelo Recorrido da perda da chance, ou seja, de que caso, efetivamente, os Recorrentes tivessem oportunamente reclamado para a conferência ou pago a multa que permitia a convolação do recurso interposto para o STA em reclamação para a conferência, teria sido proferido acórdão contrário à decisão singular em causa. O que levaria à manutenção da decisão proferida pelo TAF, não sendo, assim, efetivada a sanção de demissão, uma vez que o procedimento disciplinar havia prescrito - assim, se evitando a invocada lesão.
SS. […][20]
WW. Prendendo-se a questão que subjaz à alegada perda de chance por parte do Recorrido com a verificação, ou não, do prazo prescricional quanto ao procedimento disciplinar de que o Recorrido foi objeto, e que concluiu com a sua demissão da PSP, verifica-se que a probabilidade séria e consistente de obtenção de provimento com a interposição de recurso/reclamação, apenas poderá ser determinada com base na legislação aplicável e jurisprudência vigente.
XX. Ou seja, o julgamento dentro do julgamento, implícito na determinação da perda de chance, resultará, assim, unicamente, da aplicação do regime legal e da jurisprudência aplicáveis ao caso concreto. Na Sentença recorrida, a Mm.ª Juiz na fundamentação da perda de chance, limitou-se a remeter para apontamentos do estudo de Patrícia Cordeiro da Costa “A perda de chance – dez anos depois”, publicado na Revista Julgar, n.º 42, 2020, Almedina, págs. 151-190.
YY. Contudo, mal andou o Tribunal a quo ao optar pelo apuramento da probabilidade de o Recorrido ter ou não uma “uma chance”, quando invoca o fundamento de controvérsia jurisprudencial quanto à apreciação de qual o regime prescricional aplicável, alterando o ensinamento jurisprudencial que define a perda de chance como a probabilidade séria e objetiva de obtenção de um resultado não fora a ação omissiva que assim o inibiu, e estabelecendo um princípio de uma perda de chance assente na eventual probabilidade – 50/50, conforme referido na sentença recorrida. Pelo que, pretendeu o Tribunal a quo um “talvez possa ser possível ou não”.
ZZ. Confundido o pressuposto inicial de que não se estava perante uma questão disciplinar por estrita violação de regras constante do regulamento disciplinar da PSP, mas sim, perante a violação de normas penais que implicavam um resultado disciplinar, e que, impunha, por força do RD/PSP a aplicação do regime prescricional penal, que aliás é bem patente na já mencionada decisão singular proferida pela relatora do TCAS.
AAA. Não fazendo o julgamento dentro do julgamento, no qual se impunha a aplicação das normas legais ao caso concreto, designadamente, pela verificação de qual o regime de prescrição do procedimento disciplinar que seria aplicável aos processos disciplinares abertos pela PSP contra o Recorrido. O Tribunal a quo ignorou que não estamos perante uma ação administrativa onde se discute processos disciplinares com questões puramente administrativas,
BBB. Pelo contrário, estamos perante processos disciplinares que na sua origem estiveram factos que importaram responsabilidade criminal e que deram origem a 2 processos-crime, aliás, tal como resultam dos factos dados como provados na Sentença recorrida. Situação em que, o prazo de 18 (dezoito) meses para prescrição do procedimento disciplinar, nunca seria aplicável, sendo-lhe, outrossim, aplicável as normas de processo penal.
CCC. Desde logo, de acordo com o artigo 1.º, n.º 3 do Estatuto Disciplinar/TFP são excluídos da aplicação deste normativo “…trabalhadores que possuam estatuto disciplinar especial”. […][21]
DDD. O procedimento disciplinar que correu termos contra o Recorrido e que originou a proposição, primeiramente de providência cautelar, e após, da ação administrativa de impugnação da decisão do MAI sobre a demissão do Recorrido, e no qual foi proferida a já referida decisão singular que revogou a sentença proferida pela 1ª instância favorável ao Recorrido, teria, como tal, de se regular pela lei especial aplicável aos profissionais de polícia, ou seja o RD/PSP.
EEE. Dispõe o artigo 55.º do RD/PSP, sob a epígrafe “Prescrição do procedimento disciplinar” […]
FFF. Considerando que, conforme se demonstrou nos presentes autos, os crimes pelos quais o Recorrido foi indiciado, e que estiveram na base do procedimento disciplinar em apreço, implicam penas previstas superiores a 1 (um) ano, mas inferiores a 5 (cinco) anos. Pelo que, da aplicação conjugada dos artigos 55.º, n.º 2 do RD/PSP e do artigo 118.º e 121.º, n.º 3 do CP, resulta que a prescrição do procedimento disciplinar instaurado ao Recorrido, e que motivou a sua demissão, ocorreria no prazo de 7 (anos) anos e meio após os factos.
GGG. […][22]
III. Face ao supra exposto, outra não poderia ter sido a decisão singular tomada pela relatora do TCAS, datada de 24.05.2017, ao revogar a decisão anteriormente proferida pelo TAF, ao considerar que o procedimento disciplinar que visou o Recorrido não se encontrava prescrito. Visto que, o objeto do recurso versava sobre matéria de direito cujo conhecimento encontra-se sobejamente consolidado, e que não oferecem dúvidas de direito, como foi o caso.
JJJ. Posto isto, as hipóteses de sucesso processual do Recorrido no que à inversão da decisão disciplinar final de demissão dizia respeito seriam sempre nulas, caso tivesse sido, efetivamente, apreciado o recurso/reclamação apresentado pelos Recorrentes, pelo que não poderia o Tribunal a quo concluir conforme fez pela verificação da perda de chance numa perspetiva probabilística de uma eventual possibilidade de provimento, e, consequentemente, ter condenado os Recorrentes no pagamento de € 30.000,00 (trinta mil euros) por danos a esse título.
KKK. Dado que, de acordo com o ensinamento consolidado na jurisprudência, verifica-se sempre a perda de chance quando de forma séria e concreta a ação ou omissão praticada impediu a verificação de um resultado esperado, e não de uma eventual hipótese de um coletivo do TCAS achar possível que o regime prescricional aplicável era o previsto no Estatuto Disciplinar/TFP e não o regime penal conforme resulta, objetivamente, do n.º 2 do artigo 55.º do RD/PSP.
LLL. O Tribunal a quo ao decidir como decidiu violou o disposto no artigo 55.º, n.º 2 do RD/PSP acrescendo ainda a violação do artigo 1.º, n.º 3 do Estatuto Disciplinar/TFP.
MMM. Quanto aos danos decorrentes da perda de chance, para além do que supra se alega quanto à não verificação da perda de chance, o que sempre teria de determinar a improcedência do pedido de indemnização por danos não patrimoniais daí decorrentes, não poderá deixar de se considerar que tendo a sentença ora recorrida, a despeito de ter dado como provada a perda de chance, julgou efetivamente improcedente, como não poderia deixar de ser, o pedido de indemnização por danos patrimoniais em virtude de o Recorrido não ter deixado de trabalhar, porquanto, “Meses mais tarde ele retomou a sua atividade profissional, sendo nos dias de hoje um membro ativo da sociedade.” Sendo que, quanto à perda das regalias peticionadas pelo Recorrido, entendeu o Tribunal a quo, e bem, que “esse valor sempre seria impossível de concretizar na medida em que o aproveitamento das mesmas reveste natureza hipotética”.
NNN. O Tribunal a quo ao ter assim decidido, carece a sentença recorrida de fundamentação para que tenha, por sua iniciativa, e - reitere-se -, depois de ter declarado improcedente o pedido de indemnização por danos patrimoniais, arbitrado uma indemnização no montante de € 30.000,00 (trinta mil euros) a esse mesmo título.
OOO. Vem a sentença recorrida fundamentar a condenação dos Recorrentes no montante supra-referido “considerando a idade do A., a possibilidade de progredir na carreira profissional (ainda que incerta), de poder beneficiar de todas as regalias que a integração na Polícia de Segurança Pública lhe podia permitir” quando anteriormente fundamentou a improcedência do pedido de indemnização em danos patrimoniais “consubstanciados na perda de remunerações, de regalias oferecidas pelo estatuto e carreira policial” por os mesmo ocorrerem “não como consequência direta da atuação dos RR. mas sim como consequência da consolidação na ordem jurídica da decisão de demissão, a qual seria consequência indireta dessa conduta. Ao que acresce que o A. não deixou de trabalhar. Meses mais tarde ele retomou a sua atividade profissional, sendo nos dias de hoje um membro ativo da sociedade. Quanto à perda das regalias, esse valor sempre seria impossível de concretizar na medida em que o aproveitamento das mesmas reveste natureza hipotética.”
PPP. Face ao exposto, não se poderá deixar de considerar que tal condenação, para além de ser contraditória com os próprios termos da sentença, padece do vício de excesso (ultra petita), indo para além do pedido do Recorrido, o qual, quanto a esta matéria – insiste-se – foi considerado improcedente.
QQQ. Por fim, quanto à condenação dos recorrentes em danos não patrimoniais, para além do que supra se alegou quanto a esta matéria, nos artigos 100. a 113., mormente quanto ao facto do Recorrido logo após a sua demissão da PSP ter seguido a sua vida com normalidade, inclusive, começando logo a trabalhar, sempre se dirá que, in casu, não se encontram verificados os pressupostos da obrigação de indemnizar decorrentes da responsabilidade civil.
RRR. Nos termos do art.º 483.º do Código Civil, para que seja gerada uma obrigação de indemnizar em decorrência da responsabilidade civil, é necessária a verificação de: (a) um ato ilícito e culposo; (b) prejuízos na esfera patrimonial do lesado, e, ainda; (c) que esses prejuízos estejam diretamente relacionados com a conduta lesiva, i. e., é essencial a verificação de um nexo de causalidade entre o ato ilícito e os prejuízos sofridos.
SSS. Ora, inexistindo perda de chance, conforme supra se demonstrou, não se verificou por parte dos Recorrentes qualquer ato ilícito e culposo. Por outro lado, tendo a sentença ora recorrida declarado improcedente o pedido de indemnização por danos patrimoniais peticionado pelo Recorrido, não poder-se-á deixar de concluir ter o Tribunal a quo entendido não se terem verificados prejuízos na esfera patrimonial do Recorrido.
TTT. Não sendo consequentemente possível estabelecer qualquer nexo de causalidade entre o evento e dano. Ademais, sempre se dirá, que, a responsabilização civil do advogado em decorrência de determinado comportamento negligente e/ou omissivo incorrido no âmbito de patrocínio forense, encontra-se estritamente dependente da concreta apreciação da ilicitude dessa mesma conduta, da culpa – apreciada segundo o comportamento de um “profissional médio” inserido nas mesmas circunstâncias, dos danos e do nexo de causalidade entre o facto ilícito invocado e os danos sofridos (os quais deverão estar direta e exclusivamente relacionados com a alegada atuação negligente).
UUU. […][23]
VVV. Prevendo, efetivamente, o artigo 563.º do Código Civil que “a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”.
WWW. De resto, atenta a especificidade do contrato de mandato forense, e bem assim do exercício da atividade da advocacia, no âmbito da qual não se apontam, por regra, soluções jurídicas unívocas, coexistindo antes, e a cada momento, doutrinas e entendimentos contraditórios sobre a mesma questão de facto, “não pode exigir-se ao advogado que adopte, em cada processo, a solução que, afinal, vier a ser acolhida pelo tribunal” XXX. Com efeito, e conforme entendeu o Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão supracitado, para que um advogado possa ser civilmente responsabilizado, perante um cliente, em decorrência de uma atuação profissional no âmbito de determinado patrocínio, deverá a sua conduta ser considerada culposa, ou seja, merecedora de censura deontológica, no sentido de que deve constituir um “erro de ofício” ou uma “falha indesculpável”. Não havendo, porém, responsabilidade “se existirem doutrinas contraditórias e o advogado optar por uma delas… (…)”
YYY. Nessa medida, e atendendo a tudo quanto se encontra exposto, nunca poderia o Tribunal a quo condenar como fez em indemnização por danos não patrimoniais. O Tribunal a quo ao decidir como decidiu violou o disposto nos artigos 483.º, 487.º, n.º 2, e 799.º, nº 2, todos do Código Civil.
ZZZ. Tendo em conta o supra exposto, nenhuma responsabilidade pode ser assacada aos Recorrentes, a título de responsabilidade civil, dado que, feito o julgamento dentro do julgamento, não houve perda de chance para o Recorrido, e, por conseguinte, lugar ao pagamento por danos não patrimoniais, os quais, inclusive, não foram provados.
Termina pedindo a procedência do recurso e a revogação da decisão recorrida.
Não foram apresentadas contra-alegações.
* II – OBJECTO DO RECURSO
Nos termos dos art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do CPC é pelas conclusões do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do presente recurso, sem prejuízo das questões de que este tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente,apenas estando adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. De notar, também, que o tribunal de recurso deve desatender as conclusões que não encontrem correspondência com a motivação[24].
Assim, perante as conclusões da alegação dos réus/apelantes há que apreciar as seguintes questões:
a) A nulidade da sentença;
b) A impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
c) A indemnização por danos não patrimoniais;
d) A existência de dano de perda de oportunidade e direito a indemnização por danos não patrimoniais.
Colhidos que se mostram os vistos, cumpre apreciar e decidir.
* III - FUNDAMENTAÇÃO
3.1. – FUNDAMENTOS DE FACTO
A sentença sob recurso considerou como provados os seguintes factos:
1. O Autor integrou o corpo de profissionais da Polícia de Segurança Pública em Outubro de 2011, com a categoria de Agente, após ter concluído com aproveitamento o seu curso de formação que teve início em Janeiro do mesmo ano.
2. Em 03-10-2013 e 28-01-2014 foram instaurados dois processos disciplinares ao A. e determinada a sua apensação em 02-04-2015.
3. Foi o A. notificado do despacho do Exmo. Ministro da Administração Interna, datado de 28 de Março de 2016, que decidiu aplicar-lhe a pena disciplinar de demissão.
4. O A., reagindo à decisão que lhe foi notificada, intentou Acção Administrativa Especial para Declaração de Nulidade de Acto Administrativo, arguindo, além do demais pedido a título subsidiário, a excepção de prescrição do processo disciplinar, que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, de ora em diante TAF, sob o processo n.º …/…-…BESNT.
5. Para tanto contratou os serviços dos RR., mediante outorga de procuração forense.
6. Previamente à instauração da acção administrativa, os mandatários do A., aqui RR., deram entrada de uma providência cautelar, requerendo a suspensão da eficácia do acto administrativo que determinou a sua demissão, obtendo, após apreciação da questão em litígio, o seu decretamento.
7. Consta da sentença proferida em 30 de Janeiro de 2017[25] no processo n.º …/…-…BESNT que “Remetendo para o que ficou enunciado, conclui-se pela prescrição do procedimento disciplinar pelo decurso do prazo previsto no art. 6º/6 do ED/2008, aplicável por via do disposto no art. 66º do DR/PSP, devendo proceder a acção. Considerando o decidido, fica prejudicado o conhecimento dos demais vícios apontados à decisão disciplinar. Termos em que se julga a presente acção procedente e se condena a Entidade Demandada no pedido.”
8. Resultando da sua fundamentação que: “A questão em litígio foi analisada no âmbito do processo cautelar intentado pelo Autor que correu termos por este TAF sob o nº …/…-…BESNT, tendo sido referido na sentença aí proferida e a propósito do requisito da aparência de bom direito, o seguinte: «(…) A questão da prescrição do procedimento disciplinar pelo decurso do prazo previsto no art. 6º/6 do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que exercem funções públicas, actualmente no art. 178º/5 da Lei nº 35/2014 de 09.09 foi objecto de tratamento detalhado no Acórdão proferido pelo TCA Sul a 26.03.2015 no recurso que sob o nº 11937 aí correu termos. Nesse aresto concluiu-se pela aplicação do prazo prescricional de 18 meses (contados da data da instauração até à decisão final) aos procedimentos disciplinares sujeitos à disciplina do RD/PSP (aprovado pela Lei nº 7/90 de 20.02), contrariando o entendimento da Demandada, segundo o qual ao prazo em questão se aplicam as disposições correspectivas do Código Penal. Referiu-se, nesse Acórdão, designadamente que «(…) Dúvida interpretativa não há em como o n.º 6 do art. 6.º da Lei n.º 58/2008 de 9 de Setembro determina que o procedimento disciplinar prescreve decorridos 18 meses contados da data em que foi instaurado quando, nesse prazo, o arguido não tenha sido notificado da decisão final. Cominação que é replicada no regime actualmente vigente no art. 178.º, n.º 5, da Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho. Certo é também que o art. 1.º do Regulamento Disciplinar da Polícia de Segurança Pública, aprovado pela Lei n.º 7/90, de 20 de Fevereiro, estipula a sua aplicação ao pessoal com funções policiais dos quadros da Polícia de Segurança Pública (PSP), independentemente da natureza do respectivo vínculo, ainda que se encontre a prestar serviço permanente em outros organismos, em regime de requisição, destacamento, comissão de serviço ou qualquer outro (n.º 1), exceptuando apenas os militares em serviço na PSP, que ficam sujeitos ao Regulamento de Disciplina Militar e o pessoal com funções não policiais, que fica sujeito ao Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local. E que o artigo 66.º desse Regulamento Disciplinar remeter primeiramente para o regime geral, quando determina que “o processo disciplinar rege-se pelas normas constantes do presente Regulamento e, na sua falta ou omissão, pelas regras aplicáveis do estatuto disciplinar vigente para os funcionários e agentes da administração central (…)» e só depois para a legislação de processo penal. Devendo agora entender-se que a remissão efectuada por esse artigo 66.º, actualmente é feita para o regime agora “vigente”; ou seja o da Lei n.º 58/2008, como, aliás, manda expressamente o artigo 6.º, preambular, do ED/FP/008. É pois, manifesto, e de acordo com o juízo próprio da tutela cautelar, que o prazo prescricional em causa é de 18 meses, não carecendo o intérprete-aplicador de realizar qualquer actividade interpretativa particular para alcançar essa conclusão, para além daquela que resulta da mera leitura do texto legal e que é inequívoca. (…) Sublinhe-se, por fim, que a esgrimida controvérsia interpretativa acerca do art. 55.º do RD/PSP, que é apontada pelo RECORRENTE com fundamento no Parecer n.º 160/2003, de 29 de Janeiro de 2004, do Conselho Consultivo da ProcuradoriaGeral Da República (que concluía pela aplicação do regime do CPP), não se coloca actualmente. Com efeito, o referido parecer é do ano de 2003, data em que não se encontravam vigentes as disposições que se devem aplicar ao caso, concretamente artigo 6.º, n.º 6, do ED/2008. E de acordo com essa norma – cuja aplicação, obviamente, o Conselho Consultivo não podia aplicar por inexistir –, que traduz, como referido pela Mma. Juiz a quo, uma inovação porquanto não se trata já da prescrição do direito a instaurar procedimento disciplinar, mas do próprio processo disciplinar, dúvida não há em como este prescreve se não estiver concluído no prazo de 18 meses contados desde que foi instaurado até à prolação da decisão final. (…)». Aderindo, por com ela se concordar, à doutrina explanada no aresto cujos excertos foram enunciados, conclui-se pela aplicação do aludido prazo de prescrição de 18 meses, entre a data da instauração do processo disciplinar e o da notificação da decisão final.”
9. Inconformado com a sentença proferida pelo TAF, o Ministério da Administração Interna (MAI), dela interpôs recurso para o Tribunal Central Administrativo Sul.
10. Recurso que foi decidido de forma sumária e individual, em 24 de Maio de 2017[26], pela Exma. Juíza relatora a quem o processo foi distribuído no TCAS, que entendeu dar procedência ao recurso, revogando a sentença proferida e, conhecendo em substituição, julgou válido e eficaz o despacho sancionatório aplicado ao A., ou seja, o despacho do MAI que determinou a sua demissão.
11. O A. foi imediatamente informado da decisão proferida pelo TCAS pelos seus mandatários, aqui RR., a quem deu instruções para à mesma reagir através da via processual adequada.
12. O A. não é jurista e desconhecia a forma processual de reacção à decisão do TCAS, da qual discordava, tendo depositado confiança na competência, conhecimentos jurídicos e profissionalismo dos RR., quando estes lhe afirmaram que iriam interpor recurso daquela decisão.
13. Conversa esta que aconteceu em dia que o A. não recorda, no final do mês de Maio de 2017, entre o A e o 2º R., Dr. B ….
14. Após essa data, o A. foi efectuando contactos esporádicos com os RR., que lhe asseguravam que se aguardava decisão.
15. Foi, por conseguinte, com enorme surpresa que no dia 20-11-2019 foi contactado pelo então comandante da Esquadra da PSP do Estoril, Chefe F …, onde nessa data o A. se encontrava colocado, que o informou que havia sido publicada na Ordem de Serviço da Direcção Nacional da PSP com o n. 222, de 20-11-2019, a sua demissão.
16. O A. contactou de imediato o 2º R., a quem transmitiu o que se havia passado, pedindo esclarecimentos sobre o que motivara tal decisão, uma vez que sempre lhe tinham transmitido, até ali, que o recurso não estava ainda decidido.
17. Como obteve apenas respostas evasivas que não conseguia perceber, resolveu deslocar-se ao escritório dos RR., logo no dia seguinte (21-11-2019), onde, num encontro com o 2º R., que aconteceu junto da recepção, ao contrário das anteriores reuniões realizadas em sala adequada para o efeito, foi simplesmente informado que não haviam obtido provimento no recurso.
18. O A. deslocou-se ao TAF de Sintra, em 22-11-2019, onde requereu a consulta do processo, vindo a perceber, então, que ao contrário do que lhe havia sido sempre dito pelos seus advogados, aqui RR., ao longo do tempo que mediou a decisão do TCAS sobre o recurso apresentado pelo MAI e a publicação da sua demissão em Ordem de Serviço da Direcção Nacional da PSP, o recurso nunca havia chegado ao STA.
19. O que era do conhecimento dos RR., enquanto seus mandatários, desde, pelo menos, finais de Outubro de 2017.
20. Resulta daqueles autos, que após o envio das alegações e conclusões de recurso de revista, remetidas pelos mandatários do A., aqui RR., ao TCAS, requerendo a sua remessa ao STA, em 12-06-2017, foi a mesma notificada nos seguintes termos: “NOTA DE NOTIFICAÇÃO Assunto: Pagamento de multa — art° 139° n° 6 do CPC Com referência ao processo acima identificado, fica notificado, na qualidade de mandatário para , no prazo de 10 (dez) dias, efectuar o pagamento da multa prevista no n.º 5 do art.° 139° do Código de Processo Civil, acrescido de um penalização de 25% nos termos do n.º 6 do mesmo artigo. Pagamento A data limite do pagamento, bem como o valor a pagar, os locais e os modos de pagamento constam da guia anexa.”
21. Notificada nos termos supratranscritos, vieram os RR., sem que tivessem previamente consultado o A., a remeter um requerimento ao processo com o objectivo de refutar a obrigação de pagamento da multa correspondente à possibilidade de entrega do acto processual no 2º dia útil após termo do prazo, por, segundo o seu entendimento, terem entregado o recurso dentro do prazo de 30 (dias) que a lei confere, ao mesmo tempo que requeriam que fosse dada sem efeito aquela notificação.
22. Pediam ainda, a título subsidiário para o caso de não concordância com o entendimento por si assumido, a concessão de 10 dias suplementares para efectuar o pagamento da multa, contados da notificação da apreciação e decisão sobre o que expuseram e requereram no dito requerimento.
23. Não tendo procedido ao pagamento da multa respectiva.
24. Os RR. não apresentaram reclamação para a conferência.
25. Ao não terem acautelado o pagamento da multa, no prazo de 10 dias concedido, foi indeferido o requerimento apresentado, fazendo precludir a possibilidade de ser apreciada a reclamação pela conferência, por convolação do recurso erradamente interposto.
26. Impedindo, irremediavelmente, o A. de poder sindicar a decisão sumária e individual da relatora no TCAS.
27. Em 21-11-2019 o A. ficou desempregado.
28. À data da sua demissão, o A. tinha a categoria de Agente e estava posicionado no índice remuneratório 10.
29. O A. recebia com carácter de regularidade os seguintes montantes:
a. Remuneração base (RB): € 944,02 (novecentos e quarenta e quatro euros e dois cêntimos);
b. Complemento variável do suplemento por serviço nas forças de segurança (SSFS): € 188,80 (cento e oitenta e oito euros e oitenta cêntimos);
c. Complemento fixo do suplemento por serviço nas forças de segurança (SSFS-VF): € 31,04 (trinta e um euros e quatro cêntimos);
d. Suplemento de patrulha: € 59,13 (cinquenta e nove euros e treze cêntimos);
e. Suplemento de turno em regime permanente, total (STRPT): € 154,99 (cento e cinquenta e quatro euros e noventa e nove cêntimos);
f. Comparticipação na aquisição de fardamento: € 50,00 (cinquenta euros);
g. Subsídio de refeição: € 109,71 (cento e nove euros e setenta e um cêntimos);
h. Subsídio de férias: € 1.131,93 (mil cento e trinta e um euros e noventa e três cêntimos);
i. Subsídio de Natal: € 1.131,93 (mil cento e trinta e um euros e noventa e três cêntimos).
30. O A. recebia montantes variáveis pela prestação de serviços remunerados, dependente dos serviços prestados em cada mês.
31. Durante o ano completo de 2018 e o tempo em que esteve ao serviço em 2019, o A. recebeu, a título de pagamento de tais serviços, a importância de 4 821,31 € (quatro mil oitocentos e vinte e um euros e trinta e um cêntimos) e 3 147,68 € (três mil cento e quarenta e sete euros e sessenta e oito cêntimos).
32. O A., enquanto membro da PSP, beneficiava das vantagens que o subsistema de saúde SAD/PSP lhe garantia, pagando valores reduzidos em consultas de especialidade, exames de diagnóstico, internamento, cirurgias, entre outras prestações de cuidados saúde, do que deixou de beneficiar com a sua demissão.
33. Usufruía de diversas outras vantagens que a sua condição de agente da PSP lhe garantia, como o direito ao passe de transportes públicos da sua residência para o local de trabalho e desconto de ¾ no preço dos bilhetes de comboio, que perdeu.
34. Tinha a possibilidade de gozar férias nas suas diversas estâncias balneares da PSP dispersas pelo país a preços reduzidos, o que perdeu.
35. O A. tinha intenções de concorrer à categoria de Chefe da PSP, de onde resultaria, além da sempre importante elevação estatutária, pessoal e profissional, que tal categoria lhe garantia, um aumento do seu vencimento.
36. O A. tinha à data da sua demissão 32 anos de idade.
37. Enfrenta hoje um futuro completamente incerto em termos profissionais.
38. Como incerta é agora a possibilidade de poder vir a beneficiar de uma pensão que lhe permitisse viver a sua vida após se reformar de forma digna e confortável.
39. O A. sofreu um prejuízo de afirmação pessoal, no sentimento de vergonha do próprio e pela sua família para com a comunidade, no estado de enorme depressão em que se encontra desde que teve a notícia da sua demissão, que o abalou ao ponto de ter perdido muito peso por ter deixado de se alimentar, por perda do apetite, e ter deixado de conseguir descansar durante a noite, acordando com frequência em sobressalto, pela enorme revolta com a situação que nestes autos se discute.
40. A sua preocupante situação psicológica levou a que familiares e amigos próximos insistissem junto de si que recorresse a tratamento adequado, passando a ser seguido em consultas de psiquiatria desde o dia 14 de Janeiro de 2020, tendo suportado, até à data, 600,00 € (seiscentos euros) em consultas.
41. A que acresce o montante de 650,00 € (seiscentos e cinquenta euros) que pagou pelo Relatório Psiquiátrico.
42. Resulta do relatório subscrito pela Exma. Sra. Dra. E …, médica psiquiatra que vem acompanhando o A., que este passou a sofrer de um quadro psicológico com distúrbios psiquiátricos importantes, diagnosticando “Distúrbio de Adaptação das emoções e do comportamento” e “Episódio Depressivo de severidade média”.
43. O A. passou a ter dificuldades financeiras.
44. Tinha enorme orgulho em ser polícia, força de segurança onde entrou após vários anos ao serviço da Armada Portuguesa, nos Fuzileiros, onde serviu o país em várias missões, tanto cá dentro como internacionais.
45. Por factos praticados pelo A. em 7 de Outubro de 2012, após conhecimento dos mesmos pela entidade com competência disciplinar, em 28 de Janeiro de 2014, viria a ser determinada a instauração de processo disciplinar contra o A., o qual viria a receber o n.º … DIS.
46. Tendo vindo a ser dados como provados os seguintes factos:
“1- Em outubro de 2012, o arguido e o ofendido, G …, residiam em …, concelho de Cascais e encontravam-se desavindos devido à ocupação do lugar de estacionamento dos seus veículos automóveis.
2- Em 07/10/2012, pelas 16H00, na hora da sua folga, na Rua …, o arguido e o ofendido iniciaram uma discussão, na sequência da qual o arguido desferiu uma bofetada que atingiu o ofendido na cara, o qual por sua vez desferiu um murro que atingiu o arguido na cara.
3- De seguida o ofendido arremessou várias pedras na direção do arguido, uma das quais o atingiu na cabeça.
4- Entretanto acorreram várias pessoas ao local, as quais separaram o arguido e o ofendido.
5- Em seguida o arguido arremessou um banco de madeira na direção do ofendido, não o tendo atingido”.
47. Por estes factos foi aberto processo-crime contra o A., que correu termos sob o n.º …/….-…GACSC, no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, Cascais, Instância Local Criminal, cujo desfecho se desconhece.
48. Por factos ocorridos em Junho/Julho de 2013, após conhecimento dos mesmos pela entidade com competência disciplinar, em 3 de Outubro de 2013, viria a ser determinada a instauração de processo disciplinar contra o A., o qual viria a receber o n.º … 04DIS.
49. Por estes factos, foi aberto processo-crime contra o A., que correu termos, sob o n.º …/…-…GLSNT, no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, Sintra, Instância Local Criminal, J …, processo este onde, produzida a prova em sede de audiência de julgamento, foram os factos dados como provados, e o A. condenado, do ponto de vista criminal, em sanção penal de multa.
50. Relativamente a estes factos, no processo disciplinar (… 04DIS) foram dados como provados os seguintes:
“8- Em data não concretamente apurada mas situada no início do mês de junho de 2013, o arguido encontrou um motociclo, de marca Yamaha, modelo DT 50 Lcd, com a matrícula atribuída …-GN-… na Ribeira da Penha Longa, no Linhó, que guardou, transportou consigo e fez sua.
9- Em data que não foi possível apurar em concreto mas situada no ano de 2013, o H … registou-se em sites de publicação de anúncios, denominados classificados, para compra e venda de bens, designadamente no site www.olx.pt, e publicou um anúncio para venda do certificado de matrícula de um motociclo sua pertença da marca Yamaha, modelo DT 50 LC, com a matrícula …-…-NA, e de requerimento de registo automóvel.
10- Porque tinha interesse na aquisição, o arguido contactou o H … e acertaram a compra pelo valor de € 150,00 (cento e cinquenta euros) e os documentos foram-lhe remetidos.
11- Acto contínuo, em data e local não concretamente apurados, o arguido, com recurso a um punção, gravou na coluna de direção do motociclo que encontrou os números … 07, correspondentes parcialmente ao número do quadro do motociclo cujos documentos adquiriu ao H … – … 107.
12- Após, mandou fazer para o motociclo que encontrou uma chapa de matrícula com as inscrições …-…-NA que mandou gravar.
13- Sabia o arguido que ao apoderar-se do motociclo que encontrou, que o mesmo não lhe pertencia e que atuava sem o conhecimento e contra a vontade do seu dono.
14- Mais sabia o arguido que o documento único automóvel referente ao motociclo com a matrícula …-…-NA estava atribuído a esse motociclo, pertença de H …, e não ao motociclo que encontrou, e que havia sido emitido para este último, e agiu com o propósito de lhe dar a aparência de legalidade à posse do motociclo e assim obter vantagens a que sabia não ter direito.
15- Sabia o arguido que toda a sua atuação era idónea a prejudicar, como prejudicou, a fé pública inerente aos documentos oficiais emitidos pelas autoridades do Estado Português.
16- Agiu o arguido com o propósito conseguido de colocar no motociclo o número correspondente ao quadro do motociclo cujo documento único automóvel havia adquirido ao H …, com o fito de o motociclo que encontrou não poder vir a ser identificado pelas autoridades policiais, bem sabendo que o numero de quaro era elemento de identificação essencial do motociclo e quis obter, com tal conduta, um benefício a que sabia não ter direito.
17- O arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
18- O arguido confessou os factos descritos em 9.º a 12.º, 14.º, 15.º e
19- Pelos factos acima descritos e por Sentença de 21/01/2015 proferida pela Meritíssima Juiz da Comarca de Lisboa Oeste, Sintra – Inst Local – Secção Criminal – J3, Proc …/…-…GLSNT, foi o arguido condenado pela prática, em co-autoria material, de um crime de falsificação agravada de documento, p. e p. pelo art, 256.º, n.º 1, al. a), e 3, do Código Penal, na pena de 200 (duzentos) dias de multa à razão diária de € 6,00 (seis euros), o que perfaz o total de € 1 200,00 (mil e duzentos euros), e pela prática, em autoria material, de um crime de apropriação ilegítima em caso de coisa achada, p. e p. pelo art. 209.º, n.º 1 e 2, do Código Penal, na pena de 90 (noventa) dias de multa à razão diária de € 6,00 (seis euros), o que perfaz o total de € 540,00 (quinhentos e quarenta euros).
Operado o cúmulo jurídico, foi-lhe aplicada a pena única cumulada de 240 (duzentos e quarenta) dias de multa à razão diária de € 6,00 (seis euros), o que perfaz o total de € 1 440,00 (mil quatrocentos e quarenta euros).
O arguido foi ainda condenado nas custas da ação penal.
A referida sentença transitou em julgado em 20/02/2015”.
51. Por despacho de 02-04-2015, ao processo disciplinar de 2013 foi apensado aquele outro de 2014, vindo, mais tarde, em 16 de Junho de 2015, a ser notificada ao A. a acusação disciplinar.
52. O Instrutor disciplinar, Sr. Comissário I …, elaborou o relatório final, no caso com proposta de aplicação de sanção disciplinar de demissão do A., nos termos dos artigos 25.º, n.º 1, al. g), 43.º, 47.º, n.º 1, e 49.º, n.º 1, als. a) e b), todos do RD/PSP.
53. Em reunião do Conselho de Deontologia e Disciplina da Direcção Nacional da Polícia de Segurança Pública, de 02-10-2015, foi emitido parecer, por unanimidade, que a proposta do Sr. Instrutor de aplicação de sanção de demissão ao A. estava em conformidade com o que é de lei, dando-se parecer ao Sr. Director Nacional da Polícia de Segurança Pública, que a punição disciplinar deveria ser a de demissão.
54. Por despacho do Sr. Director Nacional da Polícia de Segurança Pública, de 09-10-2015, viria o mesmo a sufragar o entendimento que vinha “de trás”, propondo à Sra. Ministra da Administração Interna a aplicação de sanção disciplinar de demissão ao A..
55. Através de Parecer n.º 1259-D/2015 da Direcção de Serviços de Acessoria Jurídica, Contencioso e Política Legislativa do Ministério da Administração Interna, datado de 27-10-2015, foi seguido o entendimento no sentido do já proposto pelos antecessores, dando-se parecer à Sr.ª Ministra da Administração Interna, que a sanção disciplinar a aplicar ao A. deveria ser a de demissão.
56. Este viria a merecer total concordância da Sra. Ministra da Administração Interna, a qual, por despacho datado de 28-03-2016, viria a pronunciar-se e a decidir pela aplicação da sanção disciplinar de demissão nos termos melhor descritos no Despacho punitivo final.
57. Por factos praticados pelo A. em 11 de Maio de 2014, após conhecimento dos mesmos pela entidade com competência disciplinar, em 10.04.2015, viria a ser determinada a instauração de (outro) processo disciplinar contra o A., o qual viria a receber o n.º … 61DIS.
58. O Sr. Instrutor tratou de elaborar o relatório final, no caso, como acima dito, com proposta de aplicação de sanção disciplinar ao A. de suspensão do exercício de funções, nos termos dos artigos 25.º, n.º 1, al. e), e 46.º, ambos do RD/PSP.
59. Relativamente aos factos praticados pelo A. em 11-05-2014 vertidos na acusação, viriam a ser dados como provados os seguintes:
“(…) - A determinado momento o arguido dirigiu-se à viatura policial da qual era condutor, transportando a dita faca na mão, com intenção não apurada, mas sendo provável que fosse com o desígnio de guardar o objecto no interior daquele veículo.
- Esse momento coincidiu exactamente com a chegada do Supervisor Operacional ao local da ocorrência, o Sr. Chefe J …, tendo o arguido passado pela viatura onde este se fazia transportar juntamente com o respectivo motorista, em sentido contrário à circulação destes, levando o arguido consigo, numa das mãos, a faca envolvida na ocorrência.
- A partir desse momento desconhece-se o destino dado à faca, tendo inclusivamente sido negada a sua existência ao senhor Supervisor Operacional, por parte do arvorado do Carro Patrulha, quando este o questionou sobre o assunto.
- Tal postura, por revelar indícios de ser disciplinarmente inadmissível a um elemento desta polícia, originou àquele agente, por despacho do Exmº Sr. Comandante da Divisão de Sintra, um processo disciplinar o qual correu os seus trâmites normais.
- Na sequência desse processo, o ora arguido foi chamado a depor na qualidade de testemunha.
- Acontece que, nessa qualidade o arguido estava obrigado a responder com verdade às questões colocadas, com a salvaguarda prevista no art.° 132.º, n.º 2 do CPP, por força do art. 66.º do RD/PSP, a qual nunca foi arguida da sua parte.
- No entanto, consciente e voluntariamente, o arguido prestou falsas declarações, afirmando que no decurso da ocorrência nunca esteve na posse de nenhuma faca, o que não corresponde à realidade, procurando iludir a descoberta da verdade, desconhecendo-se qual o objectivo concreto dessa sua atitude.
- Omitiu ainda qualquer esclarecimento relativamente ao destino da faca.
- Quis o arguido faltar à verdade, procurando conscientemente iludir o instrutor, de forma que este não conseguisse recolher prova suficiente relativamente aos factos que tinha em investigação.
- Com a falsidade das suas declarações quis o arguido alterar a conclusão do instrutor.
- Com este comportamento o arguido demonstrou acentuado desinteresse pelo cumprimento dos seus deveres funcionais, afectando gravemente a dignidade e o prestígio pessoal e da função.”
60. Após a elaboração do relatório final do Sr. Instrutor, com proposta de aplicação ao A. de sanção disciplinar de suspensão do exercício de funções, por despacho de 29-04-2016 do Comandante do Comando Metropolitano de Lisboa da Polícia de Segurança Pública, Sr. Superintendente L …, viria o mesmo a determinar a remessa de “...certidão de processo ao Ministério Público”.
61. Depois disso, por despacho do Sr. Director Nacional da Polícia de Segurança Pública, de 31-05-2016, viria o mesmo a sufragar o entendimento dos seus antecessores, aplicando então ao A. sanção disciplinar de suspensão do exercício de funções por 192 (cento e noventa e dois) dias.
62. Os RR. passaram neste momento a patrocinar o A..
63. Por decisão do Sr. Ministro da Administração Interna, datada de 14-11-2017, manteve-se a decisão que vinha de trás de aplicação ao A. de sanção disciplinar de suspensão do exercício de funções por 192 (cento e noventa e dois) dias, tendo o 2.º R., logo após, apresentado providência cautelar para suspensão de acto administrativo, que foi procedente, e a respectiva acção principal que, de momento, encontra-se a aguardar Sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra.
64. Foi aberto processo-crime contra o A., com o n.º …/….-…TDLSB, a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, Juízo Local.
65. O A. foi julgado no âmbito destes autos, tendo sido absolvido.
*
O Tribunal a quo deu como não provados os seguintes factos:
a) Qual o aumento que o vencimento do A. sofreria em caso de ascensão na carreira.
b) O A. iria ser promovido à categoria de Agente Principal a breve trecho, uma vez que à data da sua demissão já reunia as condições de acesso a esse posto.
c) Sendo agora o rendimento do seu agregado familiar, composto, além de si, pela sua esposa, que se encontra desempregada, e dois filhos, um menino com 7 anos e uma menina com 3, obtido exclusivamente de trabalhos pontuais que o A. vai conseguindo “arranjar”, modestamente remunerados.
d) O 2.º R., face à vasta experiência que tem neste tipo de processos, comunicou e informou o A., que as possibilidades de reverter a decisão de despedimento eram muito reduzidas.
e) O próprio A., ciente dos factos vertidos em cada um dos processos disciplinares que lhe foram instaurados, e reconhecendo ele ter errado nos seus comportamentos, (…) muito bem sabia, sem que o pudesse ignorar, que eram escassas as suas possibilidades de sucesso processual, nomeadamente, no que à reversão da decisão de demissão respeita.
f) Disse ainda o 2.º R. ao A. que a acção administrativa especial a apresentar como acção principal da medida cautelar, tinha reduzidas (/issimas) possibilidades de fazer inverter a decisão disciplinar final da Sra. Ministra da Administração Interna – aliás, como até o senso comum, e decisões similares do interior da Polícia de Segurança Pública, deixavam antever.
g) E a possibilidade de se reverter a decisão disciplinar final de demissão era ínfima, senão mesmo nula, porque, além do mais, tinha o A. sido condenado em processo-crime, com decisão transitada em julgado (Proc. n.º …/…-…GLSNT), sobre os factos acusados num dos processos disciplinares, mas que, ainda assim, tudo iria fazer para tentar inverter a referida decisão disciplinar de demissão.
h) O A. conformou-se com o desfecho do processo.
i) O A. sempre denotou forte desinteresse e distanciamento sobre o processo.
j) Em Novembro de 2017 foi dito ao A. que o recurso interposto para o Supremo Tribunal Administrativo tinha sido rejeitado, tendo o A. se conformado.
k) A reunião de Novembro de 2019 visou falar sobre o processo n.º …/…-…TDLSB, Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, Juízo Local Criminal de Loures, Juiz …, tendo o encontro sido realizado em “sala adequada para o efeito”.
*
3.2 APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO
3.2.1.Da Nulidade da sentença 3.2.1.1. Por falta de exame crítico da prova e falta de fundamentação
Alegam os recorrentes que a sentença recorrida é nula por falta de exposição do exame crítico das provas e falta de especificação dos fundamentos de facto que justificam a decisão, pois que na motivação da decisão de facto é feita referência à prova documental e testemunhal, sem concretização dos factos a que se refere e sem dela se retirar quaisquer consequências seguras, não tendo sido indicadas as razões para a formação da sua convicção, em violação do disposto no art.º 607º, n.º 4 do CPC, daí que a sentença não contenha os fundamentos de facto relevantes para a decisão quanto à matéria de facto provada e não provada; também não foi referido em concreto o contributo de cada uma das testemunhas inquiridas para a determinação dos factos provados e não provados, desconsiderando-se as declarações prestadas pelo recorrente B …, e tornando incompreensível a fundamentação, o que prejudica a impugnação da decisão, assim como torna nula a decisão, nos termos do art.º 615º, n.º 1, b) do CPC.
Em 13 de Março de 2025, a senhora juíza a quo proferiu despacho admitindo o recurso interposto, mas não se pronunciou sobre a arguida nulidade, como se lhe impunha, atento o disposto nos art.ºs 641º, n.º 1 e 617º do CPC[27].
A omissão de despacho do juiz a quo sobre as nulidades arguidas não determina necessariamente a remessa dos autos à 1ª instância para tal efeito, cabendo ao relator apreciar se essa intervenção se mostra ou não indispensável[28].
Tendo presente a natureza das questões suscitadas e o enquadramento que devem merecer, não se justifica a baixa do processo para a pronúncia em falta, passando-se desde já ao conhecimento da suscitada nulidade.
A sentença desenvolve-se em três partes distintas: relatório (ou intróito, onde o tribunal identifica as partes, o objecto do litígio e enuncia as questões a solucionar), fundamentação (enunciação das premissas de facto e de direito de que a decisão é a conclusão) e decisão (parte dispositiva em que o tribunal julga da procedência do pedido do autor ou réu reconvinte ou absolve da instância por falta de pressupostos processuais ou outra irregularidade insanável) – cf. art. 607º do CPC.
O julgamento da matéria de facto constitui o principal objectivo do processo civil declaratório, pois dele depende o resultado da acção.
O dever de fundamentação insere-se no dever constitucional e infraconstitucional de fundamentação de decisões judiciais (art.ºs 205º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa e 154º do CPC).
Na fundamentação – que tem de observar o disposto no art. 607º, n.ºs 3 e 4 do CPC -, o juiz deve discriminar os factos que julga provados e os que julga não provados, analisando criticamente as provas, o que fará em conformidade com a sua livre apreciação (princípio da liberdade de julgamento – cf. n.º 5 do art. 607º do CPC).
Em seguida à enunciação dos factos relevantes (provados e não provados), deve o tribunal proceder à análise crítica das provas, através da dedução das presunções judiciais dos factos instrumentais e da especificação dos demais fundamentos que foram decisivos para a formação da sua convicção, ou seja, deve indicar as razões que o conduziram à decisão tomada.
A exigência vertida no n.º 4 do art. 607º do CPC não implica uma descrição exaustiva do processo lógico-racional da apreciação da prova, bastando-se com a exposição, clara e inteligível, dos meios e elementos de prova de que o tribunal se socorreu para a análise crítica dos factos e a razão da sua eficácia em termos de resultado probatório.
Os conceitos de análise crítica, indicação e especificação serão densificados em função de cada situação factual apreciada, designadamente, por referência aos meios de prova concretamente utilizados.
Assim, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa[29] referem que “O juiz deve, pois, expor a análise crítica das provas que foram produzidas, quer quando se trate de prova vinculada, em que a margem de liberdade é inexistente, quer quando se trate de provas submetidas à sua livre apreciação, envolvendo os motivos que o determinaram a formular o juízo probatório relativamente aos factos considerados provados e não provados.” E, mais à frente, acrescentam “[…] revela-se importante que o juiz reflicta no segmento da matéria de facto os efeitos decorrentes da aplicação de normas imperativas em matéria de direito probatório e os que decorrem da convicção formada sobre outros meios de prova sujeitos a livre apreciação, optando por uma descrição mais ou menos pormenorizada ou concretizada, de acordo com as necessidades do pleito, desde que seja assegurada uma descrição natural e inteligível da realidade que, para além de revelar o contexto jurídico em que se integra, permita a qualquer das partes a sua impugnação.”
“Destarte, o Tribunal ao expressar a sua convicção, deve indicar os fundamentos suficientes que a determinaram, para que através das regras da lógica e da experiência se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento dos factos provados e não provados, permitindo aferir das razões que motivaram o julgador a concluir num sentido ou noutro (provado, não provado, provado apenas…, provado com o esclarecimento de que…), de modo a possibilitar a reapreciação da respectiva decisão da matéria de facto pelo Tribunal de 2ª Instância.”[30].
A exigência referida quanto à fundamentação e análise crítica da prova produzida exerce, assim, a dupla função de facilitar o reexame da causa pelo tribunal superior e de reforçar o autocontrolo do julgador, sendo um elemento fundamental na transparência da Justiça, inerente ao acto jurisdicional[31].
Os vícios da decisão da matéria de facto não constituem causa de nulidade da sentença. Assim, uma coisa é a sentença não estar motivada ou fundamentada e outra é essa motivação ou fundamentação serem deficientes. No primeiro caso, ocorre a nulidade prevista na alínea b) do n.º 1 do art.º 615º do CPC e no segundo, há lugar a recurso por erro de julgamento, de direito ou de facto[32].
A alínea d) do n.º 2 do art.º 662º do CPC estabelece que a Relação pode determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados.
Nestes termos, se a decisão proferida sobre algum facto essencial não estiver devidamente fundamentada a Relação deve determinar a remessa dos autos ao tribunal de 1ª instância, a fim de preencher essa falha com base nas gravações efectuadas ou através de repetição da produção da prova, para efeitos de inserção da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto[33].
A devolução do processo à 1ª instância em situações de deficiente fundamentação da decisão da matéria de facto justifica-se quando os factos sejam relevantes e tal deficiência não possa ser suprida através do exercício autónomo do poder de reapreciação dos meios de prova[34].
Ao determinar ex-officio a fundamentação da decisão, com base nesse preceito, a Relação exercita “uma forma mitigada dos poderes de cassação”[35].
Importa ter presente, contudo, como decorre do referido, que o dever de fundamentação está conexionado ao poder de reapreciação da decisão sobre a matéria de facto, sendo um dos seus principais objectivos facilitar o reexame da causa pelo tribunal superior.
A não fundamentação ou fundamentação insuficiente ocorre quando o tribunal se limita a enunciar as fontes de prova, sem efectuar menção às razões que determinaram a convicção do julgador, sendo que este deve indicar os fundamentos bastantes para, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, tornar possível controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto provado ou não provado[36].
Ainda que, tal como os recorrentes afirmam, a 1ª instância tenha optado por efectuar uma ponderação global da prova documental e testemunhal produzida e, bem assim, das declarações de parte prestadas, não tendo identificado, facto por facto, as provas concretamente consideradas para cada um deles, certo é que o texto permite, com grano salis, aferir, em termos lógicos, em que base assentou a convicção do julgador.
A leitura da motivação evidencia, desde logo, a distinta valoração que a 1ª instância efectuou das declarações de partes prestadas pelo autor, de um lado, e pelo segundo réu, do outro, tendo expressado suficientemente as razões que determinaram que fosse conferida maior valia probatória às primeiras do que às segundas, para além de aduzir, em corroboração da versão do autor, o depoimento de algumas das testemunhas inquiridas.
Atente-se no segmento da fundamentação pertinente para os factos impugnados pelos recorrentes – pontos 15. a 18., 39., 40. e 42. dos factos provados e alíneas d) a g) dos factos não provados, que incidem sobre o momento em que o autor teve conhecimento de que não fora eficazmente impugnada a decisão sumária e o sofrimento e situação psicológica que para ele decorreram da sua demissão e ainda os relativos àquilo que lhe teria sido transmitido pelo segundo réu quanto à exígua viabilidade de reverter essa decisão -, de onde se retira que o tribunal recorrido valorou as declarações do autor e a versão que este trouxe aos autos, por contraponto às declarações do segundo réu, então mandatário judicial daquele, que desvalorizou, por não ter tomado como crível que, conforme por ele foi dito, o autor se tenha conformado com a decisão de demissão, desde logo porque no dia seguinte à comunicação que lhe foi feita pelo Chefe da PSP, se dirigiu ao escritório do réu o que evidenciaria o seu inconformismo, mais se referindo não existirem motivos para o tribunal não acreditar que, conforme declarou o autor, os réus lhe esconderam a decisão sumária proferida em 2017, invocando o depoimento das testemunhas M …, mulher do autor, N …, seu cunhado, O … e P …, colegas de trabalho e Q …, que relataram a surpresa do autor perante essa notificação da demissão quando ainda aguardava o desfecho do recurso.
Relativamente à situação física e emocional do autor, também é perceptível que o Tribunal assentou a sua convicção no depoimento da testemunha E …, médica psiquiatra que o acompanhou e no relatório que esta elaborou e foi junto aos autos.
Aquando da descrição dos depoimentos prestados pelas testemunhas inquiridas - efectuada, é certo, de modo genérico para a globalidade dos factos -, não deixaram, pois, tais depoimentos de ser conjugados com a prova documental aduzida, para justificar a convicção formada e, bem assim, foram efectuadas considerações sobre a credibilidade dos depoimentos e o seu confronto com as declarações das partes, conforme se pode constatar, por exemplo, do seguinte segmento da fundamentação: “Não temos qualquer motivo para desacreditar que a versão que o A. trouxe a julgamento, de que a decisão final do processo ocorrida em 2017 lhe foi escondida e de que só tomou conhecimento no dia 20.11.2019, altura em que foi surpreendido com tal facto. Versão que foi corroborada pela testemunha M …, esposa do arguido, que a este respeito de forma muito espontânea referiu que foi em 2019 que “receberam a notícia chocante que abalou toda a família”. Também a testemunha F ..., cunhado do A., que o acompanhou na primeira reunião com o 2.º R. afirmou que os “advogados foram muito optimistas, que iam fazer todos os possíveis, mas que havia boas possibilidades”. Mais referiu que apesar de não ter acompanhado o processo, só sabendo o que o A. lhe relatou, conseguiu concretizar no tempo o momento em que o A. “mudou”, fixando-o quando teve conhecimento do despacho de efetivação da demissão. A testemunha O …, agente da PSP, colega de trabalho e amigo do A., referiu que “até 2019 ele aguardava decisão de um suposto recurso”, fixando nesse ano o final da carreira do A. naquele organismo. Assim, como a testemunha P …, agente da PSP, colega de trabalho e amigo do A, que afirmando que não acompanhou o desenrolar do processo diretamente, não teve dúvidas ao declarar que em 2019, quando recebe a ordem de serviço de demissão, “ele estava convicto que o processo ainda estava a desenrolar” e que “aguardava por uma decisão de um recurso”. Esta testemunhaesteve com o A. no dia em que ele teve conhecimento desta ordem de serviço e que este “estava incrédulo porque não tinha tido feedback do advogado”. Também a testemunha Q …, amigo próximo do A., asseverou que quando o A. teve conhecimento da ordem de serviço “estava a aguardar uma decisão” e que “nunca se conformou”. Ora, da conjugação de todos estes depoimentos, de cuja sinceridade e espontaneidade não duvidamos, temos por seguro que o A. só teve conhecimento de que o processo judicial já tinha acabado em novembro de 2019 quando é confrontado com a notificação da ordem de serviço que o desligou da PSP. Mais temos por seguro que o A. nunca se conformou com nenhuma decisão porque dela não tinha conhecimento. Pois que se estivesse conformado e resignado com o facto de ir deixar de ser polícia porque motivo teria ido ao Tribunal Administrativo de Sintra consultar o processo administrativo? Foi exatamente porque não estava conformado e ficou apreensivo pelo facto de não ter recebido a notícia pelo seu advogado. Quanto aos danos não patrimoniais alegados e que se dão como provados, estes resultaram da prova testemunhal produzida, tendo sido referido por todas as testemunhas que o A. ficou triste, tornou-se uma pessoa mais fechada, deixou de praticar desporto, que teve de procurar ajuda especializada. A testemunha E …, médica psiquiatra, que acompanhou o arguido e que subscreve o relatório psiquiátrico que se encontra nos autos, referiu que o A. a procurou por motivos de saúde e por “motivos legais”, tendo após a elaboração do relatório o encaminhado para o SNS por questões financeiras. Referiu esta testemunha que, na sua opinião, a revolta do A. centra-se no facto “de não ter ido até ao fim”, “de não ter tido essa hipótese”, no mais confirmando o relatório elaborado. Pelas testemunhas e pelo próprio nas suas declarações que ficou transtornado e que “foi um desgosto para si e para a família”.”
Ao contrário do que os recorrentes propugnam, não obstante a forma menos explícita e correcta de fundamentação por que enveredou o tribunal recorrido, certo é que este, para além de enunciar as fontes de prova, não deixou de indicar as razões que formaram a sua convicção, sendo possível, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, sindicar o juízo formulado sobre os factos provados e não provados, sobremaneira relativamente àqueles que se mostram impugnados no âmbito deste recurso.
Além disso, já se viu que os vícios da decisão da matéria de facto não constituem causa de nulidade da sentença, pois que uma coisa é a sentença não estar motivada ou fundamentada e outra é essa motivação ou fundamentação serem deficientes - cf. acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 20-01-2015, 2996/12.0TBFIG.C1 – “Os vícios da decisão da matéria de facto não constituem, em caso algum, causa de nulidade da sentença, considerado além do mais o carácter taxativo da enumeração das situações de nulidade deste último acto decisório. Realmente a decisão da matéria de facto está sujeita a um regime diferenciado de valores negativos - a deficiência, a obscuridade ou contradição dessa decisão ou a falta da sua motivação - a que corresponde um modo diferente de controlo e de impugnação: qualquer destes vícios não é causa de nulidade da sentença, antes é susceptível de lugar (sic) à actuação por esta Relação dos seus poderes de rescisão ou de cassação da decisão da matéria de facto da 1ª instância (artº 662 nº 2 c) e d) do nCPC).”
Não se detectando motivos para considerar que algum dos factos essenciais à apreciação do mérito da causa careça de fundamentação, sendo que aquela que foi aduzida pela 1ª instância se apresenta suficiente para se perceber qual foi o raciocínio que conduziu aos factos provados e não provados, não se afigura ser esta uma situação que justifique a devolução do processo para que o tribunal os fundamente, sendo que eventuais deficiências são passíveis de serem sanadas no contexto do exercício autónomo do poder de reapreciação dos meios de prova de que dispõe esta Relação.
É sabido também que as decisões judiciais podem estar feridas na sua eficácia ou validade por duas ordens de razões: por erro de julgamento dos factos e do direito; por violação das regras próprias da sua elaboração e estruturação ou das que delimitam o respectivo conteúdo e limites, que determinam a sua nulidade, nos termos do art. 615.º do CPC.
A nulidade prevista na alínea b) do n.º 1 do art. 615º do CPC é reconduzida à falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito ou a sua ininteligibilidade, o que tem sido uniformemente entendido pela jurisprudência como abrangendo apenas a absoluta falta de fundamentação e não a fundamentação alegadamente insuficiente ou o desacerto da decisão.
A figura da nulidade da sentença por falta de fundamentação constitui, assim, uma figura de muito difícil verificação, dado que a doutrina e a jurisprudência têm salientado que tal só se verifica em situações de falta absoluta de indicação das razões de facto e de direito que justificam a decisão e não também quando tais razões constem da sentença, mas de tal forma que pela sua insuficiência ou laconismo, se deve considerar a fundamentação deficiente.
Significa isto que o vício da nulidade da sentença por falta de fundamentação não ocorre em situações de escassez, deficiência, ou implausibilidade das razões de facto e/ou direito indicadas para justificar a decisão, mas apenas quando se verifique uma total falta de motivação que impossibilite o escrutínio das razões que conduziram à decisão proferida a final – cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15-12-2011, 2/08.9TTLMG.P1.
Conforme decorre já do atrás expendido, não é essa a situação dos autos, porquanto a decisão proferida assenta na enunciação de factos provados e não provados, sobre os quais o Tribunal recorrido efectuou a correspondente análise jurídica, sendo que a eventual errada desconsideração de meios de prova ou uma errada subsunção dos factos ao Direito não corporiza uma qualquer nulidade da sentença, mas, em tese, um erro de julgamento.
Não se verifica, assim, a nulidade por falta ou insuficiente fundamentação da decisão, cuja arguição se julga improcedente.
* 3.2.1.2. Por contradição entre os fundamentos e a decisão
Argumentam também os apelantes que a sentença é nula por contradição entre os fundamentos e a decisão, nos termos da alínea c) do n.º 1 do art.º 615º do CPC, pois, face aos factos dados como provados sob os pontos 2., 3. e 45. a 50. e os não provados sob as alíneas d) a g), o Tribunal não podia ter retirado outra conclusão que não a de que o recorrido sempre esteve ciente de que existiam reduzidas possibilidades de ver revertida a decisão de demissão, do que foi informado desde o início pelos réus, sendo que na própria sentença se refere que o autor estava “ciente que a decisão lhe podia ser desfavorável”, o que é contraditório com os factos dados como provados, pelo que os factos descritos em d) a g) não podiam ter sido dados como não provados, sendo a sentença nula nos termos da norma mencionada.
A oposição entre os fundamentos e a decisão corresponde a “uma «construção viciosa», ou seja, […] um vício lógico da sentença: o juiz elegeu deliberadamente determinada fundamentação e seguiu um determinado raciocínio para extrair uma dada conclusão; só que esses fundamentos conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a um resultado oposto a esse, isto é, existe contradição entre os fundamentos e a decisão (por ex., toda a lógica fundamentadora da sentença apontaria para a condenação do réu no pagamento da dívida reclamada pelo autor, mas o juiz, na sentença, decreta, de modo contraditório, a absolvição do réu do pedido). Não se trata de um qualquer simples erro material (em que o juiz escreveu coisa diversa da pretendida – contradição ou oposição aparente) mas de um erro lógico-discursivo em termos da obtenção de um determinado resultado – contradição ouoposição real. O que não se confunde, também, com o chamado erro de julgamento, isto é, com a errada subsunção da hipótese concreta na correspondente fattispecie ou previsão normativa abstracta, vício este só sindicável em sede de recurso jurisdicional.”[37]
Com efeito, a nulidade por oposição entre os fundamentos e a decisão não pode ser confundida com um erro de julgamento, que ocorrerá quando o juiz decide contrariamente aos factos apurados ou contra norma jurídica que impunha uma solução jurídica diferente[38].
No caso em apreço, e atenta a argumentação aduzida, claramente não ocorre a apontada nulidade. E assim é porque os recorrentes sustentam a sua verificação com base numa discordância com o enquadramento efectuado pela 1ª instância dos factos dados como provados e com os efeitos jurídicos que deles retirou, os quais, segundo entendem, deveriam ter levado a outra conclusão, nomeadamente, no sentido de que o autor sempre soube que as possibilidades de obter uma revogação da decisão de demissão eram remotas, ao contrário do que concluiu o Tribunal recorrido.
Ou seja, os apelantes insurgem-se contra quer os efeitos jurídicos a que a decisão recorrida chegou com base nos factos provados e não provados, quer contra os próprios factos dados como não provados, o que constitui, como é evidente, uma impugnação da decisão sobre a matéria de facto ou uma discordância sustentada num erro de julgamento e não num vício da própria decisão.
Por outro lado, a leitura da apreciação jurídica da causa permite verificar que o Tribunal recorrido não incorreu, ao menos neste segmento, numa contradição no seu raciocínio, pois que identificou a verificação dos pressupostos da responsabilidade civil, imputando aos réus culpa na violação dos seus deveres de integridade, honestidade, probidade, rectidão, lealdade, cortesia e sinceridade, a ocorrência de danos não patrimoniais e danos decorrentes de perda de chance e concluiu pela condenação no pagamento de uma indemnização ao autor.
Não ocorre, pois, também, a apontada nulidade da decisão.
Questão distinta – que os recorrentes suscitam não em sede de arguição destas nulidades mas já no contexto da discordância com o mérito da causa – é a contradição que aparentemente existiria entre aquilo que o tribunal refere, a páginas 37 e 38 da decisão, quanto aos danos patrimoniais: “consubstanciados na perda de remunerações, de regalias oferecidas pelo estatuto e carreira policial […] ocorrem não como consequência directa da atuação dos RR. mas sim como consequência da consolidação na ordem jurídica da decisão de demissão, a qual seria consequência indirecta dessa conduta. Ao que acresce que o A. não deixou de trabalhar […] Quanto à perda das regalias, esse valor sempre seria impossível de concretizar na medida em que o aproveitamento das mesmas reveste natureza hipotética. Pelo que nesta parte o pedido improcederá” e depois, em sede de quantificação da indemnização pelo dano decorrente da perda de chance, a páginas 59: “Quanto à perda de chance, considerando a idade do A., a possibilidade de progredir na carreira profissional (ainda que incerta), de poder beneficiar de todas as regalias que a integração na Polícia de Segurança Pública lhe podia permitir, sopesando que caso o recurso tivesse sido convertido em reclamação para a conferência, ou caso os RR. tivesse usado o mecanismo processual adequado o A. teria 50% de chance de ver a prescrição do procedimento disciplinar reconhecida, afigura-se-nos adequada e proporcional a fixação de uma indemnização no valor de € 30.000,00 (trinta mil euros)”.
A pretensão do autor assenta no facto de os réus não terem deduzido, em tempo, reclamação da decisão sumária proferida pelo TCAS em 24 de Maio de 2017, o que determinou a sua consolidação na ordem jurídica e, por consequência, a manutenção da decisão de demissão da PSP, alegando ainda que essa reclamação e um eventual posterior recurso para o Supremo Tribunal Administrativo tinha probabilidade de merecer provimento, o que ficou inviabilizado perante a falha cometida pelos réus. Invocou, como prejuízos patrimoniais por si suportados, o ter deixado de prestar serviço na PSP, com a consequente perda da correspondente remuneração, regalias, progressão na carreira e possibilidade de uma reforma e respectiva pensão no final da sua vida activa[39].
Todavia, os concretos valores deixados de auferir por força da demissão são os valores que o autor teria recebido se não tivesse sido alvo da sanção de demissão, como bem se refere na decisão recorrida. Coisa diversa, será o quantum de uma eventual indemnização por verificação do dano de perda de chance, que poderá partir desses valores, mas cujo montante não pode corresponder ao que o autor teria obtido se tivesse tido procedência na causa, mas sim a um valor correspondente à oportunidade perdida, conforme infra melhor se analisará, daí que não exista, também ali, a apontada contradição.
*
3.2.2. Da Impugnação da decisão sobre a Matéria de Facto
Dispõe o art.º 640º, n.º 1 do CPC: “Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”
À luz do normativo transcrito afere-se que, em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões.
Fundando-se a impugnação em meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados (existem três tipos de meios de prova: os que constam do próprio processo – documentos ou confissões reduzidas a escrito -; os que nele ficaram registados por escrito – depoimentos antecipadamente prestados ou prestados por carta, mas que não foi possível gravar -; os que foram oralmente produzidos perante o tribunal ou por carta e que ficaram gravados em sistema áudio ou vídeo), o recorrente deve especificar, na motivação, aqueles que, em seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos.
O recorrente deve consignar, na motivação do recurso, a decisão que, segundo a sua análise, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que se integra no ónus de alegação e destinada a evitar a interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente.
Para além disto, importa realçar a distinção que se impõe efectuar entre aquilo que constitui requisito formal do ónus de impugnação da decisão de facto, cuja inobservância impede que se entre no conhecimento do objecto do recurso e o que se encontra já abrangido pelo âmbito da reapreciação da decisão de facto, devidamente impugnada, mediante a reavaliação da prova convocada e tida por relevante.
Ora, os requisitos do ónus impugnatório cingem-se à especificação dos pontos de facto impugnados, dos concretos meios de prova convocados e da decisão que, no entender do recorrente, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, com expressa indicação das passagens dos depoimentos gravados em que se funda o recurso (cf. alínea a) do n.º 2 do art. 640º do CPC).
No acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24-05-2016, 1393/08.7YXLSB.L1-7 refere-se:
“É ao impugnante que cumpre convencer o Tribunal de recurso que a primeira instância violou as regras de direito probatório aquando da apreciação dos meios de prova. Não basta uma mera contraposição de meios de prova (ainda que não constantes dos indicados na fundamentação do tribunal): é necessário que a parte que recorre proceda, ela própria, a uma análise crítica da apreciação do tribunal a quo, demonstrando em que pontos o Tribunal se afastou do juízo imposto pelas regras legais, dos princípios, das regras da racionalidade e da lógica ou da experiência comum.”
Os recorrentes convocam para reapreciação os factos dados como provados sob os pontos 15. a 18., 39., 40. e 42. e as alíneas d) a g) dos factos não provados, invocando os documentos juntos aos autos, as declarações de parte e os depoimentos de testemunhas, com transcrição dos segmentos que entendem relevantes para alcançar a modificação do decidido.
Passa-se, assim, à respectiva apreciação, seguindo a ordem de impugnação dos recorrentes.
Alíneas d) a g) dos Factos Não Provados
O Tribunal recorrido deu como não provado o seguinte:
d) O 2.º R., face à vasta experiência que tem neste tipo de processos, comunicou e informou o A., que as possibilidades de reverter a decisão de despedimento eram muito reduzidas.
e) O próprio A., ciente dos factos vertidos em cada um dos processos disciplinares que lhe foram instaurados, e reconhecendo ele ter errado nos seus comportamentos, (…) , muito bem sabia, sem que o pudesse ignorar, que eram escassas as suas possibilidades de sucesso processual, nomeadamente, no que há reversão da decisão de demissão respeita.
f) Disse ainda o 2.º R. ao A. que a ação administrativa especial a apresentar como ação principal da medida cautelar, tinha reduzidas (/issimas) possibilidades de fazer inverter a decisão disciplinar final da Sra. Ministra da Administração Interna – aliás, como até o senso comum, e decisões similares do interior da Polícia de Segurança Pública, deixavam antever.
g) E a possibilidade de se reverter a decisão disciplinar final de demissão era ínfima, senão mesmo nula, porque, além do mais, tinha o A. sido condenado em processo-crime, com decisão transitada em julgado (Proc. n.º …/….-…GLSNT), sobre os factos acusados num dos processos disciplinares, mas que, ainda assim, tudo iria fazer para tentar inverter a referida decisão disciplinar de demissão.
O Tribunal recorrido fundamentou a sua convicção nos seguintes termos:
“A convicção do Tribunal alicerçou-se na prova documental junta aos autos e na prova testemunhal produzida em sede de audiência de julgamento, revista à luz de critérios de razoabilidade e de experiência comum. “O princípio da livre apreciação da prova, que alicerça o julgamento da matéria de facto, sustenta-se em critérios racionais e objectivos, em juízos de ilações e inferências razoáveis, mas sempre de mera probabilidade (artigo 655º, nº 1, do Código de Processo Civil); e conduz a um juízo positivo de prova quando, em face dos instrumentos disponíveis, do seu conteúdo, consistência e harmonia, se afigure aceitável à consciência de um cidadão medianamente informado e esclarecido, que a realidade por eles indiciada já se possa ter como efectivamente assumida (…)”, in Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 19.12.2012.
Nestes termos.
Foi ouvido o A. em declarações de parte, o qual nos relatou o desenrolar dos acontecimentos que conduziram à outorga da procuração aos RR., o prosseguimento dos processos judiciais, quando teve conhecimento que a demissão era definitiva, as démarches que realizou após ter tomado conhecimento desse facto, como se sentiu após a sua efectiva demissão, quais os prejuízos que sofreu. Referiu-nos que sempre acreditou que haveria outro desfecho e que a revolta que sente deriva do facto de se sentir cerceado de uma última hipótese de manter a sua carreira, na qual tinha orgulho. Apesar de estar ciente que a decisão lhe podia ser desfavorável os RR., na pessoa do 2.º R., fizeram-nos crer que havia uma séria possibilidade de reversão da situação.
Prestou as suas declarações de forma serena, mas emotiva, concretizando com rigor os factos que haviam ocorrido.
De seguida foi ouvido o 2.º R em declarações, tendo o mesmo confirmado que recebeu o A. para uma reunião, tendo abordado com este a situação, mas que tudo foi tratado pelo seu colega de escritório Dr. R …, o qual encabeçou o patrocínio forense, tendo tomado todas as decisões referentes à situação do A. sem o consultar, desconhecendo quais as informações que aquele terá ou não transmitido ao A. O colega Dr. R … acaba por sair do escritório no ano de 2018, sendo que só tomou conhecimento do que se passou com o processo do A. em momento posterior.
Quanto à reunião ocorrida no dia 21.11.2019 referiu que ao que se recorda o A. estava calmo e conformado quanto à situação do despedimento, tendo tido a reunião como objecto o tratamento de um outro processo em que o 2.º R patrocinava o A.
Não cremos na bondade de tais declarações pois que no dia seguinte ao A. ter sido notificado da sua efectiva demissão este não se teria dirigido de forma calma e conformada ao escritório para tratar de qualquer outro assunto. No momento em que o A. foi confrontado com o fim da sua carreira policial, e cremos que só teve conhecimento da data em que foi notificado do despacho da PSP, seguramente não teria esse estado de espírito.
Não temos qualquer motivo para desacreditar que a versão que o A. trouxe a julgamento, de que a decisão final do processo ocorrida em 2017 lhe foi escondida e de que só tomou conhecimento no dia 20.11.2019, altura em que foi surpreendido com tal facto.
Versão que foi corroborada pela testemunha M …, esposa do arguido, que a este respeito de forma muito espontânea referiu que foi em 2019 que “receberam a notícia chocante que abalou toda a família”.
Também a testemunha F ..., cunhado do A., que o acompanhou na primeira reunião com o 2.º R. afirmou que os “advogados foram muito optimistas, que iam fazer todos os possíveis, mas que havia boas possibilidades”. Mais referiu que apesar de não ter acompanhado o processo, só sabendo o que o A. lhe relatou, conseguiu concretizar no tempo o momento em que o A. “mudou”, fixando-o quando teve conhecimento do despacho de efetivação da demissão.
A testemunha O …, agente da PSP, colega de trabalho e amigo do A., referiu que “até 2019 ele aguardava decisão de um suposto recurso”, fixando nesse ano o final da carreira do A. naquele organismo.
Assim, como a testemunha P …, agente da PSP, colega de trabalho e amigo do A, que afirmando que não acompanhou o desenrolar do processo diretamente, não teve dúvidas ao declarar que em 2019, quando recebe a ordem de serviço de demissão, “ele estava convicto que o processo ainda estava a desenrolar” e que “aguardava por uma decisão de um recurso”. Esta testemunha esteve com o A. no dia em que ele teve conhecimento desta ordem de serviço e que este “estava incrédulo porque não tinha tido feedback do advogado”.
Também a testemunha Q …, amigo próximo do A., asseverou que quando o A. teve conhecimento da ordem de serviço “estava a aguardar uma decisão” e que “nunca se conformou”.
Ora, da conjugação de todos estes depoimentos, de cuja sinceridade e espontaneidade não duvidamos, temos por seguro que o A. só teve conhecimento de que o processo judicial já tinha acabado em novembro de 2019 quando é confrontado com a notificação da ordem de serviço que o desligou da PSP.
Mais temos por seguro que o A. nunca se conformou com nenhuma decisão porque dela não tinha conhecimento. Pois que se estivesse conformado e resignado com o facto de ir deixar de ser polícia porque motivo teria ido ao Tribunal Administrativo de Sintra consultar o processo administrativo? Foi exatamente porque não estava conformado e ficou apreensivo pelo facto de não ter recebido a notícia pelo seu advogado.”
Os recorrentes insurgem-se contra o assim decidido, pretendendo obter a modificação da decisão no sentido de serem dados como provados tais factos, por entenderem que as declarações prestadas pelo réu B … devem ser valoradas, das quais decorre que desde a primeira reunião foi transmitido ao autor que, estando em causa factos que importam responsabilidade criminal, as possibilidades de reverter a decisão de despedimento eram muito reduzidas, do que aquele ficou ciente, transcrevendo os segmentos relevantes de tais declarações, tendo o próprio recorrido confirmado que lhe foi explicado que havia a probabilidade de a demissão ser irreversível, o que consta também do relatório clínico junto pelo autor.
A matéria em causa sob as alíneas d) a g) dos factos provados contende, em síntese, com aquilo que terá sido transmitido ao autor pelo réu Dr. B … aquando da deslocação daquele ao seu escritório, logo após ter recebido a decisão administrativa de aplicação da pena de demissão, quanto às possibilidades que teria de ver revertida tal decisão.
Conforme decorre da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, o tribunal relevou, neste âmbito, aquelas que foram as declarações de parte do autor e do segundo réu, conferindo maior credibilidade às primeiras e desvalorizando as segundas, realçando o facto de aquele as ter prestado de modo sereno, concretizando com rigor os factos ocorridos, não tendo motivo para nelas não acreditar, designadamente, no que concerne a lhe ter sido ocultado o final do processo, em 2017, de que só terá tomado conhecimento em 2019, o que foi corroborado pelas testemunhas inquiridas, mais referindo que o segundo réu não foi credível quanto a ter o autor se conformado com a situação de demissão.
Nos termos do art.º 466º, n.º 3 do CPC, o Tribunal aprecia livremente as declarações das partes, salvo se estas constituírem confissão.
O valor probatório a conferir às declarações de parte tem sido objecto de interpretações divergentes na doutrina e na jurisprudência, que conferem uma maior ou menor preponderância em função do momento em que são prestadas, da assistência ou não da parte à audiência de julgamento, da corroboração ou não dos factos que delas emergem por outros meios de prova.
Acompanha-se, neste aspecto, a posição do Prof. Miguel Teixeira de Sousa[40] quando refere:
“Não se ignora, como é evidente, que a prova por declarações de parte merece uma especial ponderação pelo tribunal, dado que é a própria parte que depõe em juízo sobre factos que, em princípio, lhe são favoráveis. Isto é, no entanto, coisa completamente diferente de se entender que, à partida e independentemente de qualquer valoração específica em função das circunstâncias do caso concreto, a prova por declarações de parte não pode ter um valor probatório próprio. […] a não atribuição de um valor probatório próprio à prova por declarações de parte é contraditória com a faculdade, resultante da conjugação do disposto no art. 466.º, n.º 2, CPC com o estabelecido no art. 452.º, n.º 1, CPC, de o juiz ordenar oficiosamente essa prova. Se o tribunal tem o poder de ouvir as partes sobre, por exemplo, um aspecto das negociações de um contrato, isso só pode querer significar que o tribunal tem o poder de avaliar, para efeitos probatórios, as declarações que as partes venham a produzir (ou mesmo, como é claro, a declaração que só uma delas venha a produzir, pela recusa de depoimento ou por um depoimento evasivo da outra). Qualquer outra interpretação diminuiria a relevância ou retiraria mesmo qualquer justificação para os poderes oficiosos atribuídos ao tribunal pelos referidos preceitos. Do exposto resulta que nada justifica a desqualificação, à partida, do valor probatório da prova por declarações de parte. Esta prova tem o valor probatório que, em função do caso, for justificado atribuir segundo a prudente convicção do juiz. […] Se é certo que se impõe apreciar a prova por declarações de parte sem ilusões ingénuas, também é verdade que não há que, à partida, desqualificar o valor probatório dessa prova. Em suma: a prova por declarações de parte tem, sem quaisquer apriorismos, o valor probatório que lhe deva ser reconhecido pela prudente convicção do juiz; nem mais, nem menos, pode ainda precisar-se.”
No sentido de uma posição ampla e permissiva sobre a potencialidade das declarações de parte na formação da convicção do juiz pronuncia-se também, Luís Filipe Pires de Sousa[41], sustentando que a credibilidade das declarações tem de ser aferida em concreto e não em observância de máximas abstractas pré-constituídas, sob pena de se esvaziar a utilidade e potencialidade deste novo meio de prova.
Ainda de acordo com este autor, os critérios de valoração das declarações de parte hão-de coincidir essencialmente com os parâmetros de valoração da prova testemunhal, havendo apenas que hierarquizá-los diversamente. Nada obsta, contudo, que as declarações de parte constituam o único arrimo para dar certo facto como provado desde que logrem alcançar o standard de prova exigível para o concreto litígio em apreciação.
Neste mesmo sentido se pronuncia Rui Pinto referindo defender “a normalização do valor probatório das declarações de parte: são um meio de prova que, como outro qualquer, pode suportar, só por si, uma decisão sobre um facto, em função dos resultados obtidos em sede de livre apreciação da prova (cf. artigo 607º n.º 5).”[42]
As declarações de parte assumirão especial relevo quando apenas as partes tiveram intervenção nos factos que integram os temas de prova ou contendem com estados de espírito, motivações ou intenções que se produzem a nível interno e que apenas a própria pessoa pode, em real verdade, conhecer.
Ora, como é evidente, a sua posição de parte na causa implica necessariamente, ao menos por regra, que venha a juízo sustentar precisamente aquilo que alegou no respectivo articulado, para além de ser natural que conheça bem os factos e os disseque ao pormenor, como disso mesmo se dá conta, nomeadamente, no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26-04-2017, 18591/15.0T8SNT.L1-7:
“Antes do julgamento, a parte relatou por múltiplas vezes a sua versão dos factos ao respetivo mandatário tendo em vista a articulação dos factos pelo mandatário no processo. Em conformidade, é expectável que as declarações da parte primem pela coerência, tanto mais que a parte pode mesmo ter-se preparado para prestar declarações. Assim, o funcionamento da coerência como parâmetro de credibilização das declarações de parte deve ser secundarizado.
Também é expectável que a parte, durante as suas declarações, incorra na afirmação de detalhes oportunistas em seu favor. A parte, à semelhança da testemunha, tem uma estratégia de autoapresentação, pretendendo dar a melhor imagem de si própria, pelo que não deixará passar o ensejo de enxertar no relato detalhes que favoreçam a posição que sustenta, com maior ou menor convicção e verdade, no processo. Daí que este parâmetro deva ser também relativizado na avaliação das declarações da parte.”
Na análise da prova produzida há ainda que ter presente que se mantêm em vigor os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova, sabendo-se que o julgamento humano se guia por padrões de probabilidade e não de certeza absoluta, de tal modo que a Relação só deve lançar mão dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados.
Procedendo a Relação à audição efectiva da prova gravada, deverá alterar a matéria de facto provada quando conclua, com a necessária segurança, no sentido de os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontarem em direcção diversa daquela que foi encontra pela 1ª instância – cf. acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 16-11-2017, 216/14.2T8EPS.G1 – “O que se acaba de dizer encontra sustentação na expressão “imporem decisão diversa” enunciada no n.º 1 do art. 662º, bem como na ratio e no elemento teleológico desta norma. Assim, “em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte.”
Neste enquadramento, há ainda que ter presente que “A prova não é (nunca é) certeza lógica, mas tão-só um alto grau de probabilidade, suficiente para as necessidades práticas da vida (certeza histórico-empírica). E isso significa que à vida em sociedade não escapa um certo nível de incerteza; havendo é que descortinar a partir de quando é que esse nível é aceitável; ou, ao invés, intolerável. Julgamos sempre que, se ao cidadão razoável e medianamente esclarecido não chocar tomar como certo um dado segmento de vida, é já consciencioso assumi-lo como provado; mas se ao invés a mesma consciência ainda ali se puder comportar como hesitante ou indecisa, só imprudentemente a prova pode ser assumida e afirmada.” – cf. acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 19-12-2012, 1267/06.6TBAMT.P2.
Tendo-se procedido à audição integral da prova produzida, não se descortinam razões para divergir daquela que foi a convicção do tribunal recorrido.
Como se deixou atrás expendido, as declarações das partes hão-de ser valoradas no específico contexto da sua natureza, pois que são as próprias partes que vêm relatar os factos que já carrearam para os autos nos seus articulados, não podendo deixar de sustentar a versão que neles introduziram.
De notar que, neste caso, saber aquilo que foi transmitido pelo segundo réu ao autor quanto à possibilidade de reversão da decisão e o convencimento com que este ficou sobre o eventual sucesso do processo judicial que seria iniciado depende essencialmente do conteúdo da conversa que existiu entre as partes aquando da deslocação do autor ao escritório do réu, logo após ter tomado conhecimento da decisão administrativa de demissão, proferida no ano de 2016.
Não obstante as naturais divergências que as versões de autor e réus desde logo anunciavam, não se pode, é certo, retirar toda e qualquer valia às declarações do réu B …, para a conferir, por inteiro, às prestadas pelo autor.
Da respectiva audição aquilo que se retira é que ambos sustentaram a sua posição, a sua convicção daquilo que se passou, do que foi transmitido e da ideia que foi formada pelo autor. Se, por um lado, este asseverou que o Dr. B … lhe disse que aquele tipo de situação já era comum na PSP e que alguns colegas seus por ela tinham passado e que tudo lhes tinha corrido bem, porque a entidade nunca cumpria os prazos, designadamente o prazo de 18 meses, sendo-lhe sempre transmitido um optimismo quanto ao sucesso da impugnação, não deixou também de reconhecer que tinha noção que podia não correr bem, o que também lhe foi dito, mas que teria sido dada uma expectativa de correr bem em 90% (cf. minutos 4.28 e seguintes e 45.03 e seguintes das suas declarações prestadas na sessão de 17 de Outubro de 2024). Por sua vez, o réu Dr. B …, para além de ter dito que a sua intervenção se resumiu inicialmente à primeira reunião que manteve com o autor, a que teria também assistido o colega Dr. R …, que depois acompanhou o caso – o que o autor confirma, embora não tenha conseguido identificar quem foi esse advogado ou confirmar este nome -, disse que, quanto aos factos, nada poderia acrescentar e que aquilo que poderia tentar era invocar a prescrição mais curta da lei do contrato trabalho em funções públicas, porque, fora isso, não havia mais a nada a fazer, acrescentando que foi isso que fizeram e que o Dr. R … fez, tendo ficado claro para o autor nessa primeira reunião quais as hipóteses de ganhar, que a única ideia era a prescrição, porque em termos de mérito não havia mais nada, até porque tinha subjacente uma questão criminal - cf. minutos 3.37 e 8.15 e seguintes das suas declarações prestadas na sessão da audiência de julgamento de 17 de Outubro de 2024.
Os elementos que os autos fornecem são, assim, essencialmente, as declarações do autor e do réu B … e, por via delas, o que se pode asseverar é que, efectivamente, foi delineada uma estratégia – a impugnação da decisão de demissão por prescrição do procedimento disciplinar – e que o autor confiou no sucesso dessa estratégia, mais tarde, aliás, impulsionado pelo decretamento da providência cautelar, que lhe permitiu regressar ao serviço e pelo ganho da causa junto do TAF.
Ora, não obstante a aludida primeira reunião ter sido presenciada por um colega do segundo réu, certo é que este não foi inquirido como testemunha, não tendo sendo possível aferir da sua eventual confirmação de uma ou outra das versões.
No entanto, quer o autor, quer o réu B … referiram que nessa reunião o autor foi acompanhado por um colega, a testemunha F ..., que também é seu cunhado, em cujo depoimento confirmou que esteve na reunião juntamente com o autor e que, nessa altura, “os advogados lhe deram muita esperança, que os prazos não estavam a ser cumpridos e que iam fazer todos os possíveis para não ser expulso”, confirmando ainda a presença de um segundo advogado, colega do aqui segundo réu, que não soube identificar, mas tendo ficado convicto que o principal seria o segundo réu, que claramente transmitiu uma ideia de optimismo quanto ao sucesso da impugnação – cf. minuto 2.40 e seguintes e 4.15 e seguintes do seu depoimento.
Já no que diz respeito ao depoimento da testemunha M …, mulher do autor, não se afigura viável convocá-lo para suportar uma ou outra versão, seja porque ninguém referiu que tivesse estado presente na primeira reunião, conforme aquela afirmou, seja porque o seu depoimento revela, como é natural, o peso do seu envolvimento directo na matéria, ao menos por via das consequências que a família teve de suportar quer na pendência do processo disciplinar e posterior impugnação, quer por via da concretização da demissão do autor, o que se reflecte nas afirmações genéricas, pouco contextualizadas e centradas na afirmação de que a intenção de ambos sempre foi reagir contra a decisão de demissão até às últimas instâncias.
As demais testemunhas arroladas pelo autor, O …, P …, agentes da PSP e seus amigos e Q …, amigo de infância, não acompanharam as diligências efectuadas pelo autor para impugnar a decisão de demissão, mas tiveram conhecimento de que existia um processo pendente, relatando apenas que ele mantinha a esperança de reverter aquela pena e que foi surpreendido com a notificação da ordem de serviço que executou a sua demissão, em 2019.
Como tal, essencialmente estão em confronto as declarações de ambas as partes, sendo certo que a versão do autor, para além de corroborada pela mulher, ainda que com todas as características debilitantes da natureza do seu depoimento, foi confirmada pela testemunha F ..., tanto mais que a esperança no sucesso da impugnação surge justificada pela via proposta pelo segundo réu de invocação da prescrição do procedimento disciplinar.
Por outro lado, não existiu qualquer corroboração no sentido de o segundo réu ter advertido o autor de existir apenas uma ínfima probabilidade de sucesso da impugnação ou de que disso tivesse consciência ou conhecimento.
Finalmente, no que diz respeito ao relatório médico elaborado pela psiquiatra Dr.ª E …[43], com data de 25 de Maio de 2020, dele não se pode retirar, como é evidente, uma qualquer confissão por parte do autor – desde logo porque o relatório não foi por si redigido nem por si se encontra assinado (cf. art.º 358º, n.º 2 do Código Civil) -, pois que ali apenas foi consignado pela subscritora a percepção do paciente, o autor, qual seja a de que, a ter logrado ir até à última instância de recurso, não fora a conduta do advogado, se teria conformado com aquilo que viesse a ser decidido, o que não significa, naturalmente, que o autor se tivesse conformado com a decisão sumária do TCAS ou com a posterior inviabilidade de dela reclamar e posteriormente recorrer.
Os factos descritos nas alíneas d) a g) devem, assim, permanecer como não provados. Pontos 15., 16., 17. e 18. dos Factos Provados
O Tribunal recorrido deu como provado o seguinte:
15. Foi, por conseguinte, com enorme surpresa que no dia 20-11-2019 foi contactado pelo então comandante da Esquadra da PSP do Estoril, Chefe F …, onde nessa data o A. se encontrava colocado, que o informou que havia sido publicada na Ordem de Serviço da Direção Nacional da PSP com o nº 222, de 20-11-2019, a sua demissão.
16. O A. contactou de imediato o 2º R., a quem transmitiu o que se havia passado, pedindo esclarecimentos sobre o que motivara tal decisão, uma vez que sempre lhe tinham transmitido, até ali, que o recurso não estava ainda decidido.
17. Como obteve apenas respostas evasivas que não conseguia perceber, resolveu deslocar-se ao escritório dos RR., logo no dia seguinte (21-11-2019), onde, num encontro com o 2º R., que aconteceu junto da receção ao contrário das anteriores reuniões realizadas em sala adequada para o efeito, foi simplesmente informado que não haviam obtido provimento no recurso.
18. O A. deslocou-se ao TAF de Sintra, em 22-11-2019, onde requereu a consulta do processo, vindo a perceber, então, que ao contrário do que lhe havia sido sempre dito pelos seus advogados, aqui RR., ao longo do tempo que mediou a decisão do TCAS sobre o recurso apresentado pelo MAI e a publicação da sua demissão em Ordem de Serviço da Direção Nacional da PSP, o recurso nunca havia chegado ao STA..”
A fundamentação aduzida pelo Tribunal recorrido foi aquela que acima se mostra já transcrita.
Os réus discordam do assim decidido louvando-se, novamente, nas declarações do recorrente B …, que referiu que sempre foi dito ao autor que as possibilidades de reversão da decisão eram reduzidas, nomeadamente, por estarem em causa factos geradores de responsabilidade criminal, não tendo o tribunal analisado criticamente a prova e esclarecido por que razão formou a sua convicção neste sentido.
Note-se que nos pontos indicados colocados em crise está em causa a surpresa do autor, quando foi notificado pelo seu Chefe da publicação na Ordem de Serviço da Direcção Nacional da PSP com o nº 222, de 20-11-2019, da sua demissão, surpresa que o levou a dirigir-se ao segundo réu e indagar sobre o sucedido, porque nunca lhe teria sido transmitido que o recurso já tinha sido decidido, acabando por se dirigir ao TAF de Sintra para saber o que tinha acontecido.
Portanto, não se trata aqui de apurar das possibilidades de sucesso da impugnação da decisão de demissão, mas sim de saber se os réus informaram o autor do facto de não terem logrado apresentar reclamação da decisão sumária do TCAS, do que apenas tomou conhecimento na sequência da notificação da Ordem de Serviço n.º 222.
Ora, quanto a estas questões os recorrentes não convocaram nenhum meio de prova para infirmar o juízo probatório formulado pela 1ª instância para além das declarações do réu B … e apenas para reiterarem que o autor sabia das poucas possibilidades de sucesso.
De realçar que o segundo réu não confirmou sequer que o autor tenha sido notificado do desfecho do processo junto do TCAS – com o despacho de 7 de Julho de 2017, que considerou o acto praticado fora do prazo por falta de pagamento da multa[44] - e da perda de prazo para reclamar da decisão sumária. Aliás, nas suas declarações, o réu B … disse desconhecer se tal sucedeu, mais referindo que nessa altura não tinha tido intervenção no processo por ter sido o seu colega, o Dr. R …, quem seguiu este caso, nada lhe tendo transmitido sobre o pagamento ou falta de pagamento da multa e que apenas teve conhecimento do sucedido depois da saída daquele advogado do escritório e com a entrada do Dr. S …, não sabendo dizer se o Dr. R … explicou ao autor o que tinha acontecido, dizendo não seguir o trabalho deste, porque havia confiança no trabalho dos advogados no escritório – cf. minutos 5.00 e seguintes; 7.20 e seguintes e 15.25 e seguintes das suas declarações.
Ao contrário do sustentado pelos recorrentes, ainda que a análise da prova tenha sido efectuada em globo, do que acima já se deu nota, é possível extrair da motivação da decisão que o tribunal recorrido entendeu estar demonstrada a surpresa do autor quando confrontado com a comunicação da sua demissão, em Novembro de 2019, o que fez baseando-se nas declarações do próprio e no depoimento das testemunhas acima mencionadas, que disseram ter conhecimento da pendência de um processo em tribunal e que o autor aguardava o seu desfecho, tendo-se revelado surpreendido com a notificação da demissão, pois que nada ainda lhe teria sido comunicado pelos advogados. Acresce, como se refere da decisão recorrida, que a ida do autor ao TAF de Sintra para se inteirar do estado do processo, revela o seu inconformismo e, mais do que isso, a sua surpresa com aquela comunicação, pois que continuava sem saber como teria terminado o processo judicial.
Da prova produzida e, designadamente, das próprias declarações do réu B … nada se retira que deva infirmar a convicção assim formulada pela 1ª instância, pelo que se devem manter inalterados os pontos 15. a 18. dos factos provados, improcedendo, também nesta parte, a impugnação da decisão sobre a matéria de facto. Pontos 39. 40. e 42. dos Factos Provados
A 1ª instância deu como provado o seguinte:
39. O A. sofreu um prejuízo de afirmação pessoal, no sentimento de vergonha do próprio e pela sua família para com a comunidade, no estado de enorme depressão em que se encontra desde que teve a notícia da sua demissão, que o abalou ao ponto de ter perdido muito peso por ter deixado de se alimentar, por perda do apetite, e ter deixado de conseguir descansar durante a noite, acordando com frequência em sobressalto, pela enorme revolta com a situação que nestes autos se discute.
40. A sua preocupante situação psicológica levou a que familiares e amigos próximos insistissem junto de si que recorresse a tratamento adequado, passando a ser seguido em consultas de psiquiatria desde o dia 14 de janeiro de 2020, tendo suportado, até à data, 600,00€ (seiscentos euros) em consultas.
42. Resulta do relatório subscrito pela Exma. Sra. Dra. E …, médica psiquiatra que vem acompanhando o A., que mesmo passou a sofre de um quadro psicológico com distúrbios psiquiátricos importantes, diagnosticando “Distúrbio de Adaptação das emoções e do comportamento” e “Episódio Depressivo de severidade média”.
O Tribunal a quo fundamentou a sua convicção nos seguintes termos:
“Quanto aos danos não patrimoniais alegados e que se dão como provados, estes resultaram da prova testemunhal produzida, tendo sido referido por todas as testemunhas que o A. ficou triste, tornou-se uma pessoa mais fechada, deixou de praticar desporto, que teve de procurar ajuda especializada.
A testemunha E …, médica psiquiatra, que acompanhou o arguido e que subscreve o relatório psiquiátrico que se encontra nos autos, referiu que o A. a procurou por motivos de saúde e por “motivos legais”, tendo após a elaboração do relatório o encaminhado para o SNS por questões financeiras. Referiu esta testemunha que, na sua opinião, a revolta do A. centra-se no facto “de não ter ido até ao fim”, “de não ter tido essa hipótese”, no mais confirmando o relatório elaborado.
Pelas testemunhas e pelo próprio nas suas declarações que ficou transtornado e que “foi um desgosto para si e para a família”.”
Os apelantes discordam do assim decidido, porquanto o próprio autor declarou que após a demissão seguiu com a sua vida, começou a trabalhar como nadador-salvador, tendo apenas frequentado quatro sessões com a psiquiatra, por instrução do mandatário, tendo também a testemunha médica psiquiatra referido que foi por motivos legais, para obtenção de um relatório, que o autor a consultou, pelo que não foi feita prova de que, por força da decisão de demissão, tenha suportado um quadro psiquiátrico que o inibisse de trabalhar, entendendo que tais factos devem ser dados como não provados.
Das declarações do autor e dos depoimentos supra referidos emerge, como se referiu, a surpresa do primeiro quando foi notificação da Ordem de Serviço que executou a sua demissão e, como é evidente e é consentâneo com as regras da experiência da vida[45], essa surpresa não pode deixar de ter sido acompanhada pelo impacto negativo que a mudança drástica introduzida na sua vida acarretou, pois que, sendo ele, como referiu (e foi confirmado pela mulher, M …) a única pessoa que, à data, auferia um rendimento para sustentar a família (já com dois filhos menores), não só foi toda a estrutura e organização familiar que ficou em crise, como a nível pessoal a demissão da PSP não pode deixar de ter sido recebida com especial sofrimento e sentimento de vergonha, tanto mais que o autor ainda acalentava, erradamente, a esperança de tal decisão ser revertida.
Além disso, a tristeza associada ao evento, os pensamentos negativos sobre si próprio, a vergonha perante a família e a comunidade e mesmo a perturbação do sono e perda de apetite devem ser considerados como efeitos expectáveis numa situação como aquela que o autor teve de enfrentar e foram relatados e confirmados pelas testemunhas, designadamente, pela sua mulher, a testemunha M ….
Todavia, apesar de o autor ter mantido consultas com uma médica psiquiatra, a prova produzida não se afigura bastante para dar como provado que o autor ficou a padecer de depressão[46], pois que, como o próprio referiu, não obstante a natural tristeza sentida e revolta pela impossibilidade de ter beneficiado da reclamação da decisão sumária e eventual recurso, certo é que, tendo sido demitido em Novembro de 2019, logo no início de 2020 começou a trabalhar como nadador-salvador e em Novembro de 2020 ingressou numa empresa, onde ainda hoje se mantém, a trabalhar como consultor técnico comercial, o que significa que, apesar de ter ficado, naturalmente, transtornado com a demissão e com a alteração profunda causada na sua vida, logrou rapidamente orientar-se, ao menos a nível laboral e de integração na sociedade, revelando a sua capacidade de manter uma actividade, o que, conforme descrito em páginas da especialidade, não é inteiramente compatível com uma situação médica de depressão – cf. minuto 26.45 e seguintes das suas declarações.
Não obstante isso, não se pode deixar de relevar o que consta do relatório médico junto com a petição inicial e diagnóstico que ali foi efectuado.
De todo o modo, não é certo que a situação descrita em Maio de 2020, por referência a consultas que terminaram em Fevereiro de 2020 se mantenha, nem o mencionado acompanhamento psiquiátrico subsequente se comprovou.
Por outro lado, não obstante o autor e as testemunhas M … e N … terem mencionado que o aconselharam a procurar ajuda médica face à sua incapacidade para lidar com a situação, tais depoimentos não se mostram inteiramente credíveis e são infirmados, precisamente, pelo depoimento da testemunha médica psiquiatra Dr.ª E …, que assina o relatório médico junto aos autos, que afirmou ter efectuado quatro consultas ao autor “bastante demoradas e detalhadas, era necessário para o doente, foi dito desde o início das consultas que eram para sua consolação mas também por motivos legais, para fazer este relatório… Foi feito o relatório, foi elaborado a pedido do próprio para avaliação do seu estado e recorrer da decisão do trabalho e baseado em consultas…” – cf. minuto 4.00 e seguintes do seu depoimento prestado na sessão da audiência de julgamento de 24 de Outubro de 2024.
Acresce que foram apenas quatro consultas, ocorridas nos dias 14, 16 e 22 de Janeiro e em 4 Fevereiro de 2020, sendo que a médica psiquiatra orientou o autor para ir ao médico família e pedir consultas de psiquiatria pelo Serviço Nacional de Saúde não havendo notícia de que aquele tenha continuado a ser seguido nessa sede, tanto mais que referiu que a última vez que foi a uma consulta de psiquiatria foi no ano de 2020 não se recordando da data.
Assim, importa alterar os factos descritos nos pontos 39., 40. e 42. de modo a que reflictam, por um lado, o sofrimento suportado pelo autor e reflexos na sua vida e, por outro, quanto à condição mental, se cinjam ao que emerge do teor do relatório médico.
Como tal, os pontos 39., 40. e 42. dos factos provados passam a ter a seguinte redacção.
39. Em face da notícia da sua demissão, o autor sofreu um prejuízo de afirmação pessoal, por sentimento de vergonha de si próprio e pela sua família perante a comunidade, tendo ficado abalado, perdido o apetite e deixado de conseguir descansar durante a noite, acordando com frequência em sobressalto e sentiu uma enorme revolta pelo facto de não ter conseguido recorrer da decisão até à última instância.
40. O autor frequentou consultas de psiquiatria nos dias 14, 16 e 22 de Janeiro e 4 de Fevereiro de 2020, tendo suportado 600,00 € (seiscentos euros) em consultas.
42. No relatório subscrito pela Exma. Sra. Dra. E …, médica psiquiatra que acompanhou o autor nas consultas referidas em 40. foi por aquela inscrito ter sido diagnosticado ao autor “Distúrbio de Adaptação das emoções e do comportamento” e “Episódio Depressivo de severidade média”.
*
3.2.3. Da indemnização por danos não patrimoniais
Após expor a situação que originou a interposição da presente acção, indicando a decisão de demissão na sequência de processo disciplinar de que foi alvo e a impugnação que decidiu dirigir-lhe, para o que contratou os réus, sendo que, após a prolação da sentença proferida pelo TAF, foi interposto recurso, apreciado por decisão sumária do TCAS, que pretendeu impugnar, para o que foi interposto um recurso, ao invés de uma reclamação para a conferência, não tendo sido paga a multa pela sua apresentação no segundo dia posterior ao termo do prazo, o que impediu a convolação do recurso em reclamação, o autor formulou um pedido de condenação dos réus no pagamento da quantia de 100 000,00 €, a título de indemnização por danos não patrimoniais.
O Tribunal recorrido apreciou esta questão nos seguintes termos:
“Constata-se que os RR. violaram quer o contrato de mandato conferido pelo A., quer os deveres acessórios de conduta impostos pelo seu código deontológico.
O contrato de mandato porquanto não empregaram todo o seu conhecimento técnico e capacidade para apresentar de forma válida a reclamação da decisão singular proferida pelo Tribunal Central Administrativo, sendo que as instruções do A. foram dadas no sentido de continuar “até onde fosse possível”. Os RR. ao não reclamarem para a conferência, e após, ao não pagarem a multa que foi exigida, não agiram com a diligência que lhe era exigível enquanto profissionais forenses, não podendo ignorar que o meio de reação não era idóneo ao fim almejado e que o não pagamento da multa poderia ter como consequência, como teve, a conclusão pela extemporaneidade do ato.
Por outro lado, os RR. violaram os seus deveres de integridade, honestidade, probidade, retidão, lealdade, cortesia e sinceridade (cf. Art.º 88.º do EOA) porquanto não informaram o A. do desfecho do processo aquando da rejeição do recurso, não lhe dando a conhecer que o processo estava findo, fazendo-o acreditar até novembro de 2019 que existia um recurso ainda por decidir, alimentando uma esperança e expectativa já gorada.
Atuaram de forma culposa, porquanto, como já se deixou explanado era-lhes exigível a adoção de um especial cuidado na sua atuação.
Em virtude de tal atuação, ocorreram danos na esfera jurídica do A., cuja gravidade merece a tutela do direito.[…]
Já quanto aos danos não patrimoniais – tristeza, sentimento de injustiça e de revolta, de ver totalmente cerceada a possibilidade de revogação da decisão administrativa, depressão – estes pela sua gravidade merecem a tutela do direito e encontram a sua génese na atuação culposa dos RR. pois que se os RR. tivessem agido com a diligência e zelo que lhes era exigível, a tristeza do A. estaria centrada apenas na efetivação do ato administrativo que o demitiu e não assombrada pelo sentimento de injustiça que subjaz ao facto de não ter visto apreciada a sua pretensão. […]
Quanto aos danos não patrimoniais, o montante da indemnização deve fixar-se com recurso à equidade – artigos 496º nº 3 e 494º, do Código Civil – ponderando-se a situação económica do lesado e do obrigado ao ressarcimento, a gravidade do dano e outras circunstâncias que relevem para o caso, bem como os critérios usualmente adoptados pela jurisprudência e as flutuações do valor da moeda.
Anote-se que a lei apenas tutela os danos não patrimoniais que sejam merecedores de tutela legal (artigo 496º, nº 1 do Código Civil), o que exclui, do âmbito dos danos indemnizáveis, os meros incómodos.
Nestes termos, considerando os danos não patrimoniais provados:
- O A. sofreu um prejuízo de afirmação pessoal;
- Encontra-se em estado de depressão desde que teve a notícia da sua demissão, que o abalou ao ponto de ter perdido muito peso por ter deixado de se alimentar, por perda do apetite, e ter deixado de conseguir descansar durante a noite, acordando com frequência em sobressalto, pela enorme revolta com a situação que nestes autos se discute.
Considero justa e equitativa a fixação da indemnização por danos não patrimoniais em € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros).”
Os apelantes insurgem-se contra a atribuição desta indemnização sustentando que não se verifica o dano de perda de chance, não estando verificados os pressupostos da responsabilidade civil, pois que não tendo existido por parte dos recorrentes um qualquer acto ilícito e culposo não há lugar à responsabilidade dos réus e atenta a especificidade do contrato de mandato forense não basta um qualquer acto ou omissão do advogado no exercício do mandato, exigindo-se violação dos deveres deontológicos, merecedora de censura, ou seja, deve ocorrer um erro indesculpável, o que não é o caso.
Não têm razão os apelantes.
Atento o vertido nos pontos 4., 5., 6. e 11. da matéria de facto provada e em consonância com a apreciação jurídica efectuada pela 1ª instância, contra a qual nenhuma das partes se insurgiu, está em causa um contrato de mandato atípico, denominado mandato forense, com poderes de representação que, na definição de João Lopes Reis, se apresenta como «o contrato pelo qual um advogado (ou um advogado estagiário, ou um solicitador) se obriga a fazer a gestão jurídica dos interesses cuja defesa lhe é confiada, através da prática, em nome e por conta do mandante, de actos jurídicos próprios da sua profissão» - cf. Representação Forense e Arbitragem, apud acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15-11-2018, 296/16.6T8GRD.C1.S2.
Trata-se de contrato sujeito ao regime especial do Estatuto da Ordem dos Advogados[47], aprovado pela Lei n.º 145/2015, de 9 de Setembro, na versão originária, vigente à data da sua celebração (cf. pontos 3. e 5.), sendo-lhe aplicável, a título subsidiário, o regime do mandato constante dos art.ºs 1157º a 1184º do Código Civil.
De acordo com o estatuto e regulamentação próprios da actividade profissional dos mandatários forenses, o advogado, no cumprimento do mandato forense, está sujeito, para além de outras obrigações, ao dever específico constante do art.º 100º, n.º 1, b) do referido EAO de «tratar com zelo a questão de que seja incumbido, utilizando para o efeito todos os recursos da sua experiência, saber e actividade».
É sabido que no cumprimento desse dever não se integra, por regra, a obrigação de ganhar a causa, mas apenas a de defender os interesses do mandante diligentemente, segundo as regras da arte, com o objectivo de vencer a lide, visto tratar-se de uma obrigação de meios, e não de resultado. No entanto, o incumprimento dos referidos deveres por parte do advogado constituído pode implicar responsabilidade civil contratual pelos danos daí decorrentes para o mandante – cf. acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 15-11-2018, 296/16.6T8GRD.C1.S2 e de 19-12-2018, 1337/12.1TVPRT.P1.S1.
Neste caso, foi precisamente neste contexto que o autor enquadrou a sua pretensão indemnizatória, fundando-a no facto de o segundo réu, advogado, tendo recebido instruções para impugnar a decisão sumária proferida pelo TCAS em 24 de Maio de 2017, ter apresentado incorrectamente recurso para o Supremo Tribunal Administrativo ao invés de reclamar para a conferência e, notificado para proceder ao pagamento da multa referida no ponto 20., não o fez, resultando precludida a possibilidade de ser apreciado o requerimento como reclamação para a conferência e impossibilitando a sindicância da decisão sumária, frustrando a expectativa do autor de ver a sua pretensão apreciada pelo colectivo e, eventualmente, pelo Supremo Tribunal Administrativo – cf. pontos 11. e 19. a 26. dos factos provados.
Em conformidade, a 1ª instância considerou que a situação relatada configurava uma questão de perda de oportunidade ou “perda de chance” processual, traduzida num dano aferível pela probabilidade séria e real de a pretensão do recorrente vir a ter vencimento em sede de reclamação/recurso, entendimento relativamente ao qual não se discernem razões para divergir, tanto mais que, actualmente, à luz da jurisprudência do AUJ 2/2022, surge clara a existência da perda de chance processual enquanto dano autónomo, cuja ressarcibilidade depende da verificação dos pressupostos gerais da responsabilidade civil, incluindo a existência do dano e de um nexo causal entre o facto lesivo e o dano, o que exige que a chance, para poder ser indemnizável, seja “consistente e séria” e que a sua concretização se apresente com um grau de probabilidade suficiente e não com carácter meramente hipotético, conforme infra melhor se analisará.
Todavia, importa distinguir a perda de chance processual no confronto com o dano não patrimonial eventualmente causado pela actuação do mandatário ao não praticar o acto devido, dano que se pode traduzir, por exemplo, em desgosto, ansiedade, entre outros, que o mandante sofreu por não ver o seu caso devidamente apreciado pelo Tribunal na acção ou recurso frustrado, agora independentemente do resultado deste último.
Como explicita Patrícia Cordeiro da Costa[48]:
“Esse dano, a verificar-se, não é uma perda de chance, e sim um dano não patrimonial final, cuja ressarcibilidade dependerá da prova, entre outros elementos factuais, dos sofrimentos morais do mandante e do nexo de imputação objetiva entre esses sofrimentos e o facto ilícito; e, noutra vertente, da aceitação da ressarcibilidade de danos não patrimoniais em sede de responsabilidade contratual e da verificação dos requisitos exigidos pelo art. 496.º do CC.
Consideremos o seguinte exemplo com vista a distinguir as situações: a ação falhada era uma ação de indemnização através da qual o mandante pretendia a condenação do réu no pagamento de uma indemnização avultada; caso a recebesse, o demandante planeava fazer uma viagem com que desde sempre sonhara, mas para a qual nunca tivera meios financeiros. O advogado, culposamente, propôs a ação já decorrido o prazo de prescrição do direito e o réu, nessa ação, invocou a exceção de prescrição na contestação, a qual foi julgada procedente e, consequentemente, julgada improcedente a ação. Devemos aqui distinguir três possíveis danos: a perda de chance processual na vertente patrimonial, com referência à quantia pecuniária pedida na ação frustrada; a perda de chance processual na vertente não patrimonial, com referência aos sentimentos de felicidade que o mandante perdeu a oportunidade de sentir, por não poder fazer a viagem que sempre planeara e para a qual o recebimento daquela quantia era essencial; e o dano não patrimonial, agora final, do mandante, pela ansiedade que o incumprimento dos deveres pelo seu mandatário lhe causou, ao saber que a ação frustrada não teve o curso normal, não se considerando aqui o seu desfecho concreto. Para os dois primeiros danos, é requisito necessário da sua ressarcibilidade, entre outros, que o lesado faça prova de que tinha uma chance séria de obter vencimento na ação frustrada […]”
O dano moral corresponde à supressão ou à diminuição de valores não-patrimoniais reconhecidos pelo Direito.
São hoje pacificamente aceites os danos morais conexos com inadimplementos contratuais, ou seja, danos que derivam da inobservância de deveres acessórios que tutelem a integridade moral, como o atraso na prestação de um serviço que pode ocasionar desgosto ao destinatário[49].
Em face do estatuído no art.º 496º, n.º 1 do Código Civil, o dano não patrimonial não abrange apenas o dano morte, mas qualquer outro dano que, não tendo natureza económica, assuma uma tal gravidade (dentro de um padrão objectivo) que requeira e mereça a tutela do direito.
Podem assumir essa característica as perdas suportadas quer no bem-estar físico (dores físicas e psíquicas), quer no equilíbrio psíquico (perturbação da pessoa, os sofrimentos morais, desgostos, depressão, os prejuízos na vida de relação, entre outros).
Seguro é que a ressarcibilidade dos danos não patrimoniais circunscreve-se aos danos que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
A gravidade do dano há-de medir-se, como se disse, por um padrão objectivo e a sua apreciação deve ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso, pelo que se desprezarão factores subjectivos (uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada), sendo seguro que os simples incómodos ou contrariedades não justificam a indemnização por danos não patrimoniais.
Ficam abrangidos atentados a direitos de personalidade não-patrimoniais, com relevo para a vida, a integridade física e moral, a honra e a intimidade; ingerências em áreas de sensibilidade humana, tuteladas por normas ou princípios de protecção; a inobservância de deveres do tráfego relativos a essa mesma sensibilidade e, bem assim, danos morais conexos com inadimplementos contratuais que derivam da inobservância de deveres acessórios que tutelem a integridade moral[50].
No caso, o incumprimento pelo segundo réu do contrato de mandato consistiu na falta de apresentação, dentro do prazo, do requerimento de reclamação para a conferência[51], tendo apresentado erradamente um requerimento de interposição de recurso de revista e não tendo procedido ao pagamento da multa devida e que poderia permitir a convolação do primeiro na segunda, sendo que a culpa se presume, nos termos do disposto no art.º 799º, n.º 1 do Código Civil, presunção que os réus não lograram ilidir, donde serem responsáveis pelo prejuízo que causaram ao autor, prejuízo que inclui a vertente dos danos não patrimoniais decorrentes da inviabilidade de este obter a apreciação da reclamação, de cuja fixação ora se cuida.
É incontestável que só os danos não patrimoniais dotados de um significativo relevo são reparáveis.
Tendo presente este enquadramento importa atentar nos seguintes factos apurados:
11. O A. foi imediatamente informado da decisão proferida pelo TCAS pelos seus mandatários, aqui R., a quem deu instruções para à mesma reagir através da via processual adequada.
12. A. não é jurista e desconhecia a forma processual de reacção à decisão do TCAS, da qual discordava, tendo depositado confiança na competência, conhecimentos jurídicos e profissionalismo dos RR., quando estes lhe afirmaram que iriam interpor recurso daquela decisão.
13. Conversa esta que aconteceu em dia que o A. não recorda, no final do mês de Maio de 2017, entre o A e o 2º R., Dr. B ….
14. Após essa data, o A. foi efectuando contactos esporádicos com os RR., que lhe asseguravam que se aguardava decisão.
15. Foi, por conseguinte, com enorme surpresa que no dia 20-11-2019 foi contactado pelo então comandante da Esquadra da PSP do Estoril, Chefe F …, onde nessa data o A. se encontrava colocado, que o informou que havia sido publicada na Ordem de Serviço da Direcção Nacional da PSP com o n. 222, de 20-11-2019, a sua demissão.
16. O A. contactou de imediato o 2º R., a quem transmitiu o que se havia passado, pedindo esclarecimentos sobre o que motivara tal decisão, uma vez que sempre lhe tinham transmitido, até ali, que o recurso não estava ainda decidido.
17. Como obteve apenas respostas evasivas que não conseguia perceber, resolveu deslocar-se ao escritório dos RR., logo no dia seguinte (21-11-2019), onde, num encontro com o 2º R., que aconteceu junto da recepção, ao contrário das anteriores reuniões realizadas em sala adequada para o efeito, foi simplesmente informado que não haviam obtido provimento no recurso.
18. O A. deslocou-se ao TAF de Sintra, em 22-11-2019, onde requereu a consulta do processo, vindo a perceber, então, que ao contrário do que lhe havia sido sempre dito pelos seus advogados, aqui RR., ao longo do tempo que mediou a decisão do TCAS sobre o recurso apresentado pelo MAI e a publicação da sua demissão em Ordem de Serviço da Direcção Nacional da PSP, o recurso nunca havia chegado ao STA.
19. O que era do conhecimento dos RR., enquanto seus mandatários, desde, pelo menos, finais de Outubro de 2017.
39. Em face da notícia da sua demissão, o autor sofreu um prejuízo de afirmação pessoal, por sentimento de vergonha de si próprio e pela sua família perante a comunidade, tendo ficado abalado, perdido o apetite e deixado de conseguir descansar durante a noite, acordando com frequência em sobressalto e sentiu uma enorme revolta pelo facto de não ter conseguido recorrer da decisão até à última instância.
40. O autor frequentou consultas de psiquiatria nos dias 14, 16 e 22 de Janeiro e 4 de Fevereiro de 2020, tendo suportado 600,00 € (seiscentos euros) em consultas.
42. No relatório subscrito pela Exma. Sra. Dra. E …, médica psiquiatra que acompanhou o autor nas consultas referidas em 40. foi por aquela inscrito ter sido diagnosticado ao autor “Distúrbio de Adaptação das emoções e do comportamento” e “Episódio Depressivo de severidade média”.
44. Tinha enorme orgulho em ser polícia, força de segurança onde entrou após vários anos ao serviço da Armada Portuguesa, nos Fuzileiros, onde serviu o país em várias missões, tanto cá dentro como internacionais.
Efectuando a devida ponderação da factualidade apurada e considerando que de acordo com o disposto no art.º 496º, n.º 3 do Código Civil, a fixação da indemnização deverá ainda ser conciliada com os demais factores previstos no artigo 494º do mesmo diploma legal, nomeadamente, a situação económica do agente e do lesado e as demais circunstâncias do caso, não se deverá escamotear todo o percurso judicial percorrido pelo autor, enquanto agente da PSP alvo de um processo disciplinar, que culminou numa decisão administrativa que aplicou a sanção de demissão, mas que logrou impugnar, numa primeira fase, seja mediante a interposição de providência cautelar que, tendo recebido provimento, lhe permitiu retornar ao serviço, face à suspensão da eficácia do acto administrativo (cf. ponto 6.), seja com a acção administrativa especial para declaração de nulidade de acto administrativo, onde invocou a prescrição do processo disciplinar, bem-sucedida (cf. pontos 4., 7. e 8.), posteriormente revogada pela decisão sumária proferida em 24 de Maio de 2017, pelo TCAS e que pretendeu impugnar, conforme instruções transmitidas aos seus mandatários, tendo aguardado desde Maio de 2017 até Novembro de 2019 pelo seu desfecho, o que revela que se manteve num longo período de expectativa e de ansiedade relativamente ao desfecho da acção judicial, período que perdurou durante mais de dois anos, acabando por ser surpreendido pela comunicação da sua demissão, num momento em que continuava convencido que o seu processo judicial ainda não estava definitivamente resolvido, o que, naturalmente, lhe causou profunda revolta e frustração.
Neste contexto e atendendo à matéria provada, afigura-se que a extensão, duração e qualidade dos danos psicológicos e relacionais suportados pelo autor não podem ser enquadrados no conceito de prejuízo psicológico diminuto não ressarcível.
Pelo contrário, mesmo considerando que não resultou demonstrada uma situação médica de depressão (note-se que o autor apenas frequentou quatro consultas de psiquiatria, sendo que de conhecimento comum que o tratamento de um depressão passa necessariamente pela toma de medicação, o que no caso não foi alegado ou provado, e os seus efeitos dificilmente se alcançam num período tão curto), é evidente que nem todos os danos psicológicos se reconduzem àquela condição médica, sendo que as emoções e os sentimentos negativos perante eventos que afectam irreversivelmente a vida como ela era abalam a estrutura psicológica, daí que o dano de que aqui se trata assume “gravidade” mais do que suficiente para ser alvo da intervenção reparadora do direito, pois que toda a panóplia de investimento emocional, desgaste e até investimento financeiro para impugnar a decisão de demissão extravasam claramente aquilo que se podem ter por “simples incómodos ou as meras contrariedades” que, por regra, não são suficientes para justificar uma indemnização.
Importa atender às contrariedades pessoais, à perda de tempo, aos contactos e diligências que o autor teve de empreender e à expectativa que os próprios réus lhe criaram no sentido da viabilidade do recurso que visou interpor, a que tudo se associa uma necessária ansiedade e perturbação da tranquilidade diária (ainda que esta, como é sabido, seja a todo o momento perturbada pela vivência do dia-a-dia, mas na qual não se integra, por certo, a perturbação decorrente de uma prestação de serviço incorrecta).
Neste caso, além do erro cometido pelos réus a nível processual adiciona-se a gravidade da sua conduta posterior, pois, tendo tomado necessariamente conhecimento do indeferimento do seu requerimento para admissão do recurso de revista interposto, por falta de pagamento da multa que permitiria alcançar a convolação em reclamação, não transmitiram ao autor o sucedido, mantendo-o durante dois anos na vã expectativa de ainda se encontrar indefinida a aplicação da sanção de demissão e alimentando uma esperança de reversão dessa situação, quando ela era já inexistente.
Os réus violaram, assim, não só os deveres de honestidade, probidade, lealdade e sinceridade que constituem sua obrigação profissional, nos termos do art.º 88º, n.º 2 do Estatuto da Ordem dos Advogados[52], como colocaram em crise, de modo manifesto, a confiança recíproca que deve basear a relação entre o advogado e o cliente (cf. art.º 97º, n.º 1 do EOA), mantendo viva uma expectativa do cliente que bem sabiam não ter já qualquer fundamento.
Este contexto exige necessariamente a atribuição de uma indemnização ao autor que o compense desse mal sofrido, ou seja, aquele que é já dano final e que não depende de qualquer procedibilidade da reclamação/recurso extemporaneamente interposto, pois que a não apreciação desta o afectou profundamente e causou-lhe sofrimento, desgosto e angústia que transcendem o expectável na vida do dia-a-dia e que são atendíveis de acordo com um padrão objectivo, assumindo gravidade suficiente, pois que ultrapassam as fronteiras da mediania.
Na fixação do montante da indemnização o Tribunal procederá de forma equitativa, nos termos do art.º 496º, n.º 4, primeira parte do Código Civil.
Tendo presente que está em causa um critério de equidade e que a indemnização a arbitrar deve respeitar as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das regras da vida, atendendo ao sofrimento e desgosto suportados pelo autor, considerando o comportamento anterior e posterior dos réus, em conformidade com princípios de razoabilidade e justiça do caso concreto, o bom senso determina que os danos morais sofridos pelo autor sejam dignos de protecção legal, considerando-se justo, adequado e proporcional, face ao acima descrito, o valor atribuído a esse título pela 1ª instância (7 500,00 €), que assim, nesta parte, se mantém inalterada.
*
3.2.4. Dano perda de chance processual
Conforme resulta do relatório supra, o autor foi alvo de um processo disciplinar que terminou com a aplicação da sanção de demissão, que impugnou judicialmente, tendo recorrido aos réus para intentar a respectiva acção administrativa especial para declaração de nulidade de acto administrativo, que correu termos junto do TAF de Sintra, com o n.º …/….-…BESNT, onde foi invocada a nulidade dos actos administrativos por ofensa a conteúdo essencial de um direito fundamental (direito ao não despedimento sem justa causa e direito a receber a retribuição); a prescrição do procedimento disciplinar e a desproporção da sanção aplicada face aos factos praticados[53].
A sentença proferida naquela acção, em 1ª instância, concluiu pela prescrição do procedimento disciplinar pelo decurso do prazo de 18 meses previsto no art.º 6º, n.º 6 do ED/TPF, que considerou aplicável por força do disposto no art.º 66º do RD/PSP, atendendo a que entre a data da instauração do processo disciplinar e a da notificação da decisão final decorreram mais de 18 meses, sendo a acção julgada procedente, com a consequente nulidade da sanção disciplinar aplicada.
O Ministério da Administração Interna não se conformou com essa decisão e interpôs recurso para o TCAS onde, em 24 de Maio de 2017, foi proferida decisão sumária que concedeu provimento ao recurso, revogou a sentença proferida em 30 de Janeiro de 2017 pelo TAF e julgou válido e eficaz o despacho que determinou a aplicação da sanção de demissão.
O autor teve conhecimento dessa decisão e deu instruções aos seus mandatários para reagir contra ela através da via processual adequada.
Os réus, ao invés de apresentarem reclamação para a conferência, requerendo que sobre a matéria do recurso recaísse um acórdão, como se impunha no caso, dirigiram ao TCAS um requerimento de interposição de recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo. A fim de viabilizar a sua convolação em reclamação para a conferência, os réus foram notificados para proceder ao pagamento da multa prevista no art.º 139º, n.º 5 do CPC, o que não fizeram, insistindo antes na tempestividade do requerimento de interposição de recurso, o que determinou o seu indeferimento, precludindo a possibilidade de a reclamação ser apreciada e a sindicância da decisão sumária – cf. pontos 11. e 20. a 26. dos factos provados.
Com base nisso e considerando que a sua reclamação tinha probabilidade de merecer provimento, o que ficou inviabilizado perante a falha cometida pelos réus, o autor interpôs a presente acção, pretendendo ser indemnizado pelos prejuízos suportados por não ter tido a oportunidade de a ver apreciada, pedindo a condenação dos réus no pagamento da quantia de 600 000,00 €, a título de indemnização pelos prejuízos patrimoniais suportados decorrentes da perda da remuneração que poderia ter auferido ao longo da sua vida activa enquanto profissional da PSP e possíveis progressões na carreira, incluindo serviços extra, regalias e benefícios sociais.
A decisão recorrida condenou os réus no pagamento, a esse título, da quantia de 30 000,00 €, o que fez, após discorrer sobre o enquadramento jurídico do dano de perda de chance, com os seguintes fundamentos:
““A principal questão com que se esbarra é a de saber qual o regime de prescrição do procedimento disciplinar seria aplicável aos processos disciplinares abertos pela entidade patronal contra o A.
Este é o fulcral ponto de discórdia.
Em primeira instância a M.ª Juiz decidiu: “A questão em litígio foi analisada no âmbito do processo cautelar intentado pelo Autor que correu termos por este TAF sob o nº …/…-…BESNT, tendo sido referido na sentença aí proferida e a propósito do requisito da aparência de bom direito, o seguinte: «(…) A questão da prescrição do procedimento disciplinar pelo decurso do prazo previsto no art. 6º/6 do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que exercem funções públicas, actualmente no art. 178º/5 da Lei nº 35/2014 de 09.09 foi objecto de tratamento detalhado no Acórdão proferido pelo TCA Sul a 26.03.2015 no recurso que sob o nº 11937 aí correu termos. Nesse aresto concluiu-se pela aplicação do prazo prescricional de 18 meses (contados da data da instauração até à decisão final) aos procedimentos disciplinares sujeitos à disciplina do RD/PSP (aprovado pela Lei nº 7/90 de 20.02), contrariando o entendimento da Demandada, segundo o qual ao prazo em questão se aplicam as disposições correspectivas do Código Penal. Referiu-se, nesse Acórdão, designadamente que «(…) Dúvida interpretativa não há em como o n.º 6 do art. 6.º da Lei n.º 58/2008 de 9 de Setembro determina que o procedimento disciplinar prescreve decorridos 18 meses contados da data em que foi instaurado quando, nesse prazo, o arguido não tenha sido notificado da decisão final. Cominação que é replicada no regime actualmente vigente no art. 178.º, n.º 5, da Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho. Certo é também que o art. 1.º do Regulamento Disciplinar da Polícia de Segurança Pública, aprovado pela Lei n.º 7/90, de 20 de Fevereiro, estipula a sua aplicação ao pessoal com funções policiais dos quadros da Polícia de Segurança Pública (PSP), independentemente da natureza do respectivo vínculo, ainda que se encontre a prestar serviço permanente em outros organismos, em regime de requisição, destacamento, comissão de serviço ou qualquer outro (n.º 1), exceptuando apenas os militares em serviço na PSP, que ficam sujeitos ao Regulamento de Disciplina Militar e o pessoal com funções não policiais, que fica sujeito ao Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local. E que o artigo 66.º desse Regulamento Disciplinar remeter primeiramente para o regime geral, quando determina que “o processo disciplinar rege-se pelas normas constantes do presente Regulamento e, na sua falta ou omissão, pelas regras aplicáveis do estatuto disciplinar vigente para os funcionários e agentes da administração central (…)» e só depois para a legislação de processo penal. Devendo agora entender-se que a remissão efectuada por esse artigo 66.º, actualmente é feita para o regime agora “vigente”; ou seja o da Lei n.º 58/2008, como, aliás, manda expressamente o artigo 6.º, preambular, do ED/FP/008. É pois, manifesto, e de acordo com o juízo próprio da tutela cautelar, que o prazo prescricional em causa é de 18 meses, não carecendo o intérprete-aplicador de realizar qualquer actividade interpretativa particular para alcançar essa conclusão, para além daquela que resulta da mera leitura do texto legal e que é inequívoca. (…) Sublinhe-se, por fim, que a esgrimida controvérsia interpretativa acerca do art. 55.º do RD/PSP, que é apontada pelo RECORRENTE com fundamento no Parecer n.º 160/2003, de 29 de Janeiro de 2004, do Conselho Consultivo da ProcuradoriaGeral Da República (que concluía pela aplicação do regime do CPP), não se coloca actualmente. Com efeito, o referido parecer é do ano de 2003, data em que não se encontravam vigentes as disposições que se devem aplicar ao caso, concretamente artigo 6.º, n.º 6, do ED/2008. E de acordo com essa norma – cuja aplicação, obviamente, o Conselho Consultivo não podia aplicar por inexistir –, que traduz, como referido pela Mma. Juiz a quo, uma inovação porquanto não se trata já da prescrição do direito a instaurar procedimento disciplinar, mas do próprio processo disciplinar, dúvida não há em como este prescreve se não estiver concluído no prazo de 18 meses contados desde que foi instaurado até à prolação da decisão final. (…)». Aderindo, por com ela se concordar, à doutrina explanada no aresto cujos excertos foram enunciados, conclui-se pela aplicação do aludido prazo de prescrição de 18 meses, entre a data da instauração do processo disciplinar e o da notificação da decisão final.”.
Em recurso para o Tribunal Central Administrativo foi proferida Decisão Singular com a seguinte argumentação:
“(…) O que significa que no caso vertente dos ilícitos disciplinares cometidos nos anos de 2012 e 2013, estando em vigor tanto o art.º 55º. Da Lei n.º 7/90, de 20.02 (Regulamento Disciplinar da Polícia de Segurança Pública) como o regime subsidiário (art.º 66.º Lei 7/90) do art.º 6.º da Lei n.º 58/2008 de 09.09 (Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem funções Públicas) que cessou com a entrada em vigor da Lei 34/2014 de 01.08.2014, não é aplicável o regime prescricional inovatório do art.º 6/6 Lei 58/2008 no tocante ao procedimento disciplinar por se tratar de relação de exclusão com o regime do art.º 55.º, n.º 1 e n.º 3 Lei 7/90 (…) não se mostra esgotado o prazo de 3 anos de prescrição do direito a instaurar o procedimento disciplinar (…)”.
Actualmente a questão encontra-se pacificada porquanto o novo Estatuto Disciplinar da Polícia de Segurança Pública veio através do art.º 48.º da Lei n.º 37/2019, de 30.05 esclarecer que “1 - A infração disciplinar prescreve no prazo de três anos sobre a data da sua prática. 2 - Excetuam-se do disposto no número anterior, as infrações disciplinares que constituam ilícito criminal, as quais prescrevem, nos termos e prazos estabelecidos na lei penal, se os prazos de prescrição do procedimento criminal forem superiores a três anos. 3 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, o procedimento disciplinar prescreve se, conhecida a infração pelas entidades com competência disciplinar, previstas no anexo ii ao presente estatuto e do qual faz parte integrante, aquele não for instaurado no prazo de 90 dias. (…)”.
Já o anterior diploma – a Lei 7/90, de 20.02 – tinha uma redação um pouco diversa: “1 - O direito de instaurar procedimento disciplinar prescreve passados três anos sobre a data em que a infracção tiver sido cometida. 2 - Exceptuam-se as infracções disciplinares que constituam ilícito penal, as quais só prescrevem, nos termos e prazos estabelecidos na lei penal, se os prazos de prescrição do procedimento criminal forem superiores a três anos. 3 - A responsabilidade prescreve também se, conhecida a falta pela entidade com competência disciplinar, não for instaurado procedimento no prazo de três meses. (…)”.
Durante a vigência deste diploma entrou em vigor a Lei 58/2008, de 09.09 que publicou o Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas, e que a respeito de prescrição previa: “1 - O direito de instaurar procedimento disciplinar prescreve passado um ano sobre a data em que a infracção tenha sido cometida. 2 - Prescreve igualmente quando, conhecida a infracção por qualquer superior hierárquico, não seja instaurado o competente procedimento disciplinar no prazo de 30 dias. 3 - Quando o facto qualificado como infracção disciplinar seja também considerado infracção penal, aplicam-se ao direito de instaurar procedimento disciplinar os prazos de prescrição estabelecidos na lei penal. 4 - Suspendem o prazo prescricional referido nos números anteriores, por um período até seis meses, a instauração de processo de sindicância aos órgãos ou serviços, bem como a de processo de inquérito ou disciplinar, mesmo que não dirigidos contra o trabalhador a quem a prescrição aproveite, quando em qualquer deles venham a apurar-se infracções por que seja responsável. 5 - A suspensão do prazo prescricional apenas opera quando, cumulativamente: a) Os processos referidos no número anterior tenham sido instaurados nos 30 dias seguintes à suspeita da prática de factos disciplinarmente puníveis; b) O procedimento disciplinar subsequente tenha sido instaurado nos 30 dias seguintes à recepção daqueles processos, para decisão, pela entidade competente; e c) À data da instauração dos processos e procedimento referidos nas alíneas anteriores, não se encontre já prescrito o direito de instaurar procedimento disciplinar. 6 - O procedimento disciplinar prescreve decorridos 18 meses contados da data em que foi instaurado quando, nesse prazo, o arguido não tenha sido notificado da decisão final. 7 - A prescrição do procedimento disciplinar referida no número anterior suspende-se durante o tempo em que, por força de decisão jurisdicional ou de apreciação jurisdicional de qualquer questão, a marcha do correspondente processo não possa começar ou continuar a ter lugar. 8 - A prescrição volta a correr a partir do dia em que cesse a causa da suspensão.”
Este diploma foi revogado pela Lei n.º 35/2014, de 20.06 que sobre esta matéria veio prescrever no seu art.º 178.º: “1 - A infração disciplinar prescreve no prazo de um ano sobre a respetiva prática, salvo quando consubstancie também infração penal, caso em que se sujeita aos prazos de prescrição estabelecidos na lei penal à data da prática dos factos. 2 - O direito de instaurar o procedimento disciplinar prescreve no prazo de 60 dias sobre o conhecimento da infração por qualquer superior hierárquico. (…)”.
O parecer da PGR de 02.04.2004 assumiu a posição que: “1.ª O direito penal e o direito disciplinar são ambos direitos sancionatórios, mas distinguem-se pela natureza das sanções e pelos fins que cada um prossegue; 2.ª No que não esteja especialmente previsto na legislação disciplinar ou desviado pela estrutura especial do respectivo ilícito, há que aplicar a este e aos seus efeitos as normas do direito penal comum, nomeadamente os seus princípios gerais; 3.ª É o que deverá suceder com a prescritibilidade, enquanto princípio geral do direito sancionatório, na medida em que o direito disciplinar é um dos seus ramos; 4.ª A não previsão pelo artigo 55.º do RD/PSP de um prazo-limite para a prescrição do procedimento disciplinar constitui lacuna, a integrar nos termos do artigo 10.º do Código Civil; 5.ª O caso análogo colhe-se da previsão do já referido n.º 3 do artigo 121.º do Código Penal, de onde resulta que a prescrição do procedimento disciplinar terá sempre lugar quando, desde o seu início, e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal da prescrição acrescido de metade.”.
No período da prolação da decisão sumária ajuizada encontramos da nossa pesquisa jurisprudencial, desde logo, os seguintes acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul:
- 15.12.2016, processo n.º 13746/16, no qual se sumariou que: “1. Por disposição legal expressa, o regime disciplinar constante da Lei 35/2014 de 20.06 (cujo artº 2º aprovou em ANEXO a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, abreviadamente designada por LTPF) não é aplicável ao pessoal com funções policiais da Polícia de Segurança Pública, continuando a ser aplicável o regime disciplinar específico, constante da Lei 7/90 de 20.02 – vd. artº 2º nº 2 da LTFP (ANEXO da Lei 35/2014) e artº 43º nº 2 da Lei 35/2014. 2. O Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas com assento na Lei 58/2008 de 09.09 foi revogado pelo artº 42 nº 1 d) Lei 35/2014 de 20.06, tal como foi revogado o Regime Jurídico do Contrato de Trabalho em Funções Públicas (RCTFP) aprovado pela Lei 59/2008 de 11.09 – vd. artº 42º nº 1 e) Lei 35/2014 de 20.06. – com efeitos a partir de 01.08.2014, cfr. artº 44º nº 1 Lei 35/2014, 20.06. 3. Os factos ilícitos imputados reportam-se aos anos de 2012 e 2013, cabendo dilucidar se é aplicável o regime inovatório do artº 6º nº 6 da Lei 58/2008, mais favorável do que o regime decorrente da Lei 7/90, 20.02, sendo que, como já mencionado, a Lei 58/2008 foi revogada pela Lei 35/2014 com efeitos a partir de 01.08.2014. 4. A prescrição do próprio procedimento disciplinar constitui uma inovação legislativa em sede de estatuto disciplinar do pessoal da função pública, introduzida pelo artº 6º nº 6 da Lei 58/2008 pois que até então apenas se previra a prescrição do direito à instauração do procedimento, cfr. artº 4º nº 1 do estatuto disciplinar da Lei 24/84, 16.01, que se manteve e transitou para o artº 6º nº 1 Lei 58/2008. 5. Estando em vigor duas leis de natureza sancionatória, sendo uma (Lei 58/2008) o regime subsidiário da outra (Lei 7/90), a lei exige a aplicação em bloco de um único dos regimes normativos e não a aplicação de segmentos de cada um dos regimes em causa, tal como nos casos em que se suscita a questão da sucessão de leis penais no tempo e a aplicação do regime mais favorável ao arguido atenta a data dos factos ilícitos, nos termos do artº 2º nº 4 C. Penal, regime para que remete em sede disciplinar o artº 66º Lei 7/90, 20.02. 6. No caso de ilícitos disciplinares reportados aos anos de 2012 e 2013, estando em vigor tanto o artº 55º da Lei 7/90, 20.02 (Regulamento Disciplinar da Polícia de Segurança Pública) como o regime subsidiário (artº 66º Lei 7/90) do artº 6º da Lei 58/2008 de 09.09 (Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas que cessou com a entrada em vigor da Lei 35/2014 em 01.08.2014, cfr. artº 44º nº 1, Lei 35/2014, 20.06), não é aplicável o regime prescricional inovatório do artº 6º nº 6 Lei 58/2008 no tocante ao procedimento disciplinar por se encontrar em relação de exclusão com o regime do artº 55º nº 1 e nº 3 Lei 7/90. (…)”.
- 16.03.2017 – “ I – Integrando o arguido no processo disciplinar os quadros do pessoal com funções policiais da Polícia de Segurança Pública (PSP), o quadro normativo que rege o processo disciplinar de que foi alvo é o que consta do Regulamento Disciplinar da Polícia de Segurança Pública (RDPSP), aprovado pela Lei nº 7/90, de 20 de Fevereiro (com as alterações entretanto introduzidas pela Lei nº 5/99, de 27 de Janeiro, e pelo DL. nº 255/95, de 30 de Setembro), o que resulta do disposto no seu artigo 1º nº 1 (de acordo com o qual este Regulamento “…aplica-se ao pessoal com funções policiais dos quadros da Polícia de Segurança Pública (PSP), independentemente da natureza do respetivo vínculo, ainda que se encontre a prestar serviço permanente em outros organismos, em regime de requisição, destacamento, comissão de serviço ou qualquer outro”) e igualmente resulta do expressamente disposto no artigo 1º nº 3 do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas, aprovado pela Lei n.º 58/2008, de 9 de Setembro (de acordo com o qual o mesmo não é aplicável aos “…os trabalhadores que possuam estatuto disciplinar especial”) e do artigo 2º nº 2 da atual Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei nº 35/2014, de 20 de Junho (que, sob a epígrafe “exclusão do âmbito de aplicação”, estatuí não ser a mesma aplicável, entre outros, “…ao pessoal com funções policiais da Polícia de Segurança Pública, cujos regimes constam de lei especial”). II – O regime disciplinar (geral) a que se encontra submetida a generalidade dos trabalhadores da Administração Pública apenas é aplicável ao pessoal com funções policiais da Polícia de Segurança Pública (PSP) enquanto direito subsidiário, em conformidade com o artigo 66º do EDPSP (Lei nº 7/90), nos termos do qual “o processo disciplinar rege-se pelas normas constantes do presente Regulamento e, na sua falta ou omissão, pelas regras aplicáveis do estatuto disciplinar vigente para os funcionários e agentes da administração central e da legislação de processo penal”. III – A questão em torno da interpretação do artigo 55º nº 3 do Regulamento Disciplinar da Polícia de Segurança Pública (RDPSP), aprovado pela Lei nº 7/90, de 20 de Fevereiro, que sob a epígrafe “Prescrição do procedimento disciplinar”, dispõe que o direito de instaurar procedimento disciplinar prescreve “…se, conhecida a falta pela entidade com competência disciplinar, não for instaurado procedimento no prazo de três meses”, passa pela resolução de duas questões, que são, i) a de saber qual a «entidade com competência disciplinar» para efeitos daquele normativo, e ii) a de saber quando deve ter-se por ela «conhecida a falta». IV – Os prazos de prescrição de procedimentos disciplinares têm intuitos garantísticos; e se assim é, o conhecimento da falta disciplinar como início do prazo de prescrição para instauração do processo disciplinar não pode reconduzir-se a um elemento subjetivo totalmente indeterminado ou indeterminável (o que possibilitaria que o início da sua contagem estivesse dependente do arbítrio da Administração), tem antes que alicerçar-se em elementos objetivos, suscetíveis de demonstração. V – O Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas, aprovado pela Lei nº 58/2008, de 9 de Setembro, dispôs inovatoriamente no seu artigo 6º nº 6, face ao anterior Estatuto Disciplinar dos Funcionário e Agentes da Administração Central, Regional e Local (DL. nº 24/84), que não previa norma idêntica ou equivalente, que “o procedimento disciplinar prescreve decorridos 18 meses contados da data em que foi instaurado quando, nesse prazo, o arguido não tenha sido notificado da decisão final”. VI - Se o Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas (Lei nº 58/2008) introduziu uma nova causa de prescrição – a prescrição do procedimento disciplinar – estabelecendo inovatoriamente um prazo máximo para a sua duração (que não existia no anterior regime disciplinar do DL. nº 24/84), prazo com finalidades garantísticas, e se o regime disciplinar próprio do pessoal com funções policiais da Polícia de Segurança Pública (PSP) constante da Lei nº 7/90, não afasta (nem afastou, após a aprovação e entrada em vigor da Lei nº 58/2008) tal causa de prescrição, nem prevê prazo específico distinto daquele, tem que proceder-se à aplicação supletiva daquele normativo, em consonância com o disposto no artigo 66º do RDPSP (Lei nº 7/90).”
Existia, pois à data, uma divisão jurisprudencial, pelo menos, no Tribunal Central Administrativo Sul (a qual aliás é confirmada pelos RR., designadamente em sede de alegações), sendo que o segundo acórdão mencionado foi votado vencido pela relatora do primeiro acórdão mencionado, não tendo, porém, deixado de ser aprovado.
Daqui se retira que caso o recurso tivesse sido convertido em reclamação para a conferência, o A. poderia ter visto a prescrição do procedimento disciplinar confirmada, não olvidando que o A. já tinha obtido provimento na primeira instância, que subscreveu esta posição.
Considera-se, desta forma, que o A. tinha, pelo menos, uma hipótese de obter vencimento de 50%, hipótese séria e consubstanciada na existência de uma querela jurisprudencial dentro do mesmo tribunal.”
Os apelantes discordam do assim decidido argumentando que estava em causa apurar, com base na legislação aplicável e jurisprudência vigente, se existia uma probabilidade séria e consistente de vir a ser considerada a prescrição do procedimento disciplinar, não bastando para esse efeito a invocação de controvérsia jurisprudencial sobre o regime prescricional aplicável nem a conclusão de uma probabilidade de sucesso fixada em 50%; além disso a decisão recorrida não fez o julgamento dentro do julgamento, aferindo qual o regime de prescrição do procedimento disciplinar que seria aplicável, para além de ter desconsiderado que no processo disciplinar do autor estavam em causa factos que originaram responsabilidade criminal, pelo que nunca lhe seria aplicável o prazo de 18 meses para a prescrição previsto no ED/TFP, mas sim o prazo máximo de 7 anos e meio, considerando que os crimes em que foi condenado implicavam penas superiores a 1 ano de prisão mas inferiores a 5 anos, tratando-se questão de direito consolidada, pelo que as hipóteses de sucesso processual do recorrido eram nulas.
No presente recurso, a discussão radica no apuramento da probabilidade de sucesso da reclamação para a conferência em que se deveria ter convolado o recurso interposto pelos réus, caso a multa pela apresentação tardia tivesse sido paga e que foi tida por extemporânea, no que diz respeito à matéria da verificação da prescrição do procedimento disciplinar.
Com efeito, o autor suscitou na acção administrativa especial para a declaração de nulidade do acto administrativo a prescrição do procedimento disciplinar pela seguinte ordem de razões:
i. o processo disciplinar … 04DIS foi instaurado, em 3 de Outubro de 2013, relativamente a factos praticados em Junho/Julho de 2013;
ii. o processo disciplinar …91DIS foi instaurado em 28 de Janeiro de 2014, relativamente a factos praticados em 7 de Outubro de 2012;
iii. os dois processos foram apensados por despacho de 2 de Abril de 2015;
iv. a acusação foi notificada ao autor em 16 de Junho de 2015;
v. a decisão final de demissão proferida em 28 de Março de 2016 foi notificada ao autor em 20 de Abril de 2016;
vi. no processo de 2013 passaram mais de 3 meses entre os factos e a abertura do processo e entre esta e a notificação da acusação passaram cerca de 20 meses e até à notificação da decisão final cerca de 30 meses e meio;
vii. no processo de 2014 passaram cerca de 16 meses desde os factos e a abertura do processo; entre esta e a notificação da acusação, cerca de 16 meses e meio e até à notificação final, cerca de 26 meses e meio;
viii. o art.º 55º, n.º 1 do RD/PSP não contém um prazo de prescrição do procedimento disciplinar, mas sim um prazo de prescrição do direito de instaurar o processo disciplinar e a norma não prevê o prazo de duração máxima para a notificação da acusação ou da decisão final;
ix. o art.º 66º do RD/PSP remete a regulação do processo disciplinar em tudo o que não esteja ali previsto para as regras do estatuto disciplinar vigente para os funcionários e agentes da administração central e da legislação de processo penal;
x. por via dessa lei subsidiária, há que aplicar o prazo de 18 meses previsto no art.º 6º, n.º 6 do ED/TFP;
xi. e quanto ao processo de 2013 passaram também mais de 3 meses entre a prática dos factos, conhecidos pela entidade que tinha o poder disciplinar e a abertura do processo disciplinar e o mesmo sucedeu no processo de 2014.
Na decisão da 1ª instância (TAF), tal como se afere dos pontos 7. e 8. dos factos provados, foi dada razão a este entendimento do autor, aplicando-se o prazo de prescrição de 18 meses previsto no art.º 6º, n.º 6 do ED/TFP.
Por sua vez, na decisão sumária proferida em 24 de Maio de 2017, foi entendido que o prazo de prescrição aplicável era o prazo de 3 anos, previsto no art.º 55º do RD/PSP.
A leitura da decisão recorrida permite verificar que a senhora juíza a quo se limitou a identificar os argumentos invocados na decisão do TAF e os indicados na decisão sumária e, para além disso, mencionou a existência de um acórdão do TCAS de 15-12-2016 (13746/16), cujo mesmo entendimento foi seguido pela decisão sumária e um outro, de 16-03-2017 (cujo número de processo não foi referido, mas que se admite que seja o processo 999/16.5BESNT), que considerou a nova causa de prescrição prevista no art.º 6º, n.º 6 do ED/TFP aplicável ao pessoal com funções policiais da PSP, identificando, desse modo, uma divisão jurisprudencial, pelo menos no TCAS, concluindo que se o requerimento de interposição de recurso de revista tivesse sido convolado em reclamação para a conferência o autor poderia ter visto a prescrição do procedimento disciplinar confirmada, tendo uma hipótese de obter vencimento de 50%.
A responsabilidade civil (contratual) depende da verificação dos respectivos pressupostos, entre eles, além do dano e do nexo de causalidade entre este e o facto, a ilicitude do facto e a culpa do agente (que se presume, nos termos do art.º 799º, n.º 1 do Código Civil).
Estando aqui em causa um contrato de mandato e as regras que o regem, como as decorrentes do estatuído nos art.ºs 1158º, 1161º e 1178º do Código Civil, a ilicitude traduz-se na violação (não observância) das normas estatutárias e deontológicas da profissão que impõem ao advogado um comportamento profissional adequado à dignidade e responsabilidade da função que exerce e o cumprimento pontual e escrupuloso dos deveres consignados no Estatuto e todos aqueles que lei, usos, costumes e tradições profissionais lhe determinam (art.º 88.º, n.º 1 do EOA), a obrigação de defender os direitos, liberdades e garantias e de pugnar pela boa aplicação das leis (art.º 90.º, n.º 1 do EOA), o dever de agir de forma a defender os interesses legítimos do cliente, sem prejuízo do cumprimento das normas legais e deontológicas (art.º 97º, n.º 2 do EOA), os deveres de competência (art.º 98º, n.º 2 do EOA), de cuidado e zelo no estudo e tratamento das questões (art.º 100º, n.º 1, b) do EOA) e de diligência e lealdade na condução do processo (art.º 108º, n.º 1 do EOA).
Não existindo, como é sabido, vinculação do mandatário a obter ganho de causa, o advogado está, porém, adstrito à diligente, competente, cuidadosa e zelosa defesa dos interesses do mandante, com o objectivo de obter ganho das suas pretensões, pois que a obrigação do advogado se consubstancia numa obrigação de meios, de modo que a inobservância de deveres por parte do advogado podem implicar responsabilidade civil contratual pelos danos daí decorrentes para o mandante – cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23-03-2023, 1508/21.0T8VCT.G1.
O autor enquadrou, precisamente, a sua pretensão indemnizatória neste contexto, que baseou no facto de o segundo réu, advogado, confrontado com a decisão sumária do TCAS, ter interposto recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo, ao invés de ter apresentado reclamação para a conferência e, notificado para proceder ao pagamento da multa pela apresentação tardia, não o fez, impedindo a convolação desse requerimento de recurso em reclamação para a conferência[54], frustrando a expectativa de ver a sua pretensão apreciada pelo colectivo de juízes do TCAS e de conseguir obter a reversão da decisão de demissão da PSP.
A 1ª instância seguiu o entendimento de se tratar de uma questão de perda de oportunidade ou “perda de chance” processual, enquanto dano autónomo, específico e distinto do dano final, isto é, um dano de perda da oportunidade de obter um resultado favorável no processo em que foi cometida a falta/ilicitude por parte do mandatário.
Não se descortinam razões para dissentir deste entendimento, tanto mais que actualmente, quer a doutrina quer a jurisprudência confluem no sentido da admissibilidade da relevância do dano resultante da perda de chance processual, caso se esteja perante uma chance, isto é, sese puder concluir «com elevado grau de probabilidade ou verosimilhança» que o lesado obteria certo benefício não fora a chance processual perdida.
Aliás, ainda antes do AUJ 2/2022, já o Supremo Tribunal de Justiça sustentava, em acórdão de 9-07-2015, 5105/12.2TBXL.L1.S1:
“[…] não vemos que exista obstáculo a que a perda de chance ou de oportunidade de obter uma vantagem ou de evitar um prejuízo, impossibilitada definitivamente por um ato ilícito, não possa ser qualificada como um dano em si, posto que sustentado num juízo de probabilidade tido por suficiente em função dos indícios factualmente provados.
Com efeito, desde que se prove, desse modo indiciário, a consistência de tal vantagem ou prejuízo, ainda que de feição hipotética mas não puramente abstrata, terá de se reconhecer que ela constitui uma posição favorável na esfera jurídica do lesado, cuja perda definitiva se traduz num dano certo contemporâneo do próprio evento lesivo.
[…] no campo da responsabilidade civil contratual por perda de chances processuais, em vez de se partir do princípio de que o sucesso de cada ação é, à partida, indemonstrável, talvez valha a pena questionar, perante cada hipótese concreta, qual o grau de probabilidade segura desse sucesso, pois pode muito bem acontecer que o sucesso de determinada ação, à luz de um desenvolvimento normal e típico, possa ser perspectivado como uma ocorrência altamente demonstrável, à face da doutrina e jurisprudência então existentes.
Nessa linha, será de aceitar que uma vantagem perdida por decorrência de um evento lesivo, desde que consistente e séria, ou seja com elevado índice de probabilidade, possa ser qualificada como um dano autónomo, não obstante a impossibilidade absoluta do resultado tido em vista.
No caso de perda de chances processuais, como é a tratada nos presentes autos, a primeira questão está em saber se o frustrado sucesso, por parte da ora A., do desfecho processual, decorrente da apresentação intempestiva do rol de testemunhas, assume um tal padrão de consistência e seriedade, para o que releva ponderar, face ao estado da doutrina e jurisprudência então existente, ou mesmo já em evolução, se seria suficientemente provável o êxito da defesa, devendo-se ter-se em linha de conta, fundamentalmente, a jurisprudência então seguida nessa matéria.
Haverá, pois, que fazer o chamado “julgamento dentro do julgamento”, não no sentido da solução jurídica que pudesse ser adotada pelo tribunal da presente ação sobre a matéria da causa em que ocorreu a falta, mas sim pelo que possa ser considerado como altamente provável que o tribunal da ação em que a defesa ficou prejudicada viesse a decidir. Mas tal apreciação inscrever-se-á, enquanto tal, numa questão de facto, que não de direito.
O ónus de prova de tal probabilidade impende sobre o lesado, como facto constitutivo que é da obrigação de indemnizar (art.º 342.º, n.º 1, do CC).”
Releva, pois, que a perda de oportunidade ou de chance de obter uma vantagem ou de evitar um prejuízo, decorrente de um acto ilícito, se apresente com consistência e seriedade, segundo um juízo de probabilidade tido por suficiente, independente do resultado final frustrado, e aferido, casuisticamente, em função dos indícios factualmente provados em cada caso concreto.
Assim, perante cada situação concreta haverá que averiguar, num primeiro momento, da existência, ou não, de uma probabilidade, consistente e séria (ou seja, com elevado índice de probabilidade), de obtenção de uma vantagem ou benefício (o sucesso da acção ou do recurso) não fora a chance perdida, para o que haverá que realizar o denominado “julgamento dentro do julgamento”, atentando no que poderia ser considerado como altamente provável pelo tribunal da causa.
Aferida positivamente a existência de uma perda de chance processual consistente e séria e verificados todos os demais pressupostos da responsabilidade contratual (ocorrência do facto ilícito e culposo e imputação da perda de chance à conduta lesiva, segundo as regras da causalidade adequada), haverá então que proceder, num segundo momento, à fixação do quantum indemnizatório devido, segundo o critério da teoria da diferença, nos termos prescritos no art. 566º, n.º 2 do Código Civil, lançando-se mão, em última instância, do critério da equidade ao abrigo do n.º 3 desta norma.
Na atribuição da indemnização por perda de chance processual são três as operações a efectuar:
i. avaliar o valor económico da expectativa;
ii. aferir da probabilidade que existira de o alcançar, não fora a ocorrência do acto ilícito, que deve ser definido numa percentagem – traduzindo a consistência e a seriedade das “chances”;
iii. aplicar a percentagem apurada ao valor inicialmente identificado para se obter o valor pecuniário do dano da “perda de chance”.
Não sendo possível fixar a probabilidade da chance, o tribunal julgará com recurso à equidade, em conformidade com o disposto no art. 566º, n.º 3 do Código Civil.
Como se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15-11-2018, 296/16.6T8GRD.C1.S2:
“Como sustenta Mota Pinto, a atribuição de uma indemnização pela perda de chance, nunca se bastará com a mera “chance” abstrata ou especulativa de sucesso processual, sendo necessária a determinação da probabilidade de que as prestações frustradas tivessem obtido acolhimento no processo. O tribunal da indemnização terá de realizar uma apreciação hipotética a partir da perspetiva do tribunal que teria decidido o processo, tentando determinar qual teria sido a sua decisão, e com que probabilidade.
Ou seja, o cálculo da probabilidade de vitória na ação falhada será determinado através daquilo a que a doutrina vem denominando de “julgamento dentro do julgamento”, critério que vem igualmente sendo seguido pela jurisprudência.
O juiz está, nestes casos, obrigado a realizar uma representação ideal do que teria sucedido no processo caso não tivesse ocorrido o facto negligente do advogado, avaliando o grau de vitória nesse processo.
Resultando a responsabilidade civil da violação de uma obrigação de meios contratualmente assumida pelo mandatário forense, e não existindo neste tipo de obrigações nenhuma vinculação a um determinado resultado, o que está em causa é saber se existe realmente um dano patrimonial sofrido pelo lesado em resultado da perda de oportunidades, havendo que apurar se estas se iriam ou não traduzir numa sua diversa situação patrimonial.”
É evidente que não é toda a perda de chance que pode ser reconhecida como um dano indemnizável, mas, apenas, aquela que se manifeste consistente e séria e com um grau razoável de concretização.
Demonstrados o facto ilícito (a conduta do mandatário judicial que se desviou dos seus deveres, designadamente, o de tratar com zelo a questão de que seja incumbido, utilizando para o efeito todos os recursos da sua experiência, saber e actividade) e o dano (consequências dessa conduta), há ainda que estabelecer o nexo de causalidade entre o primeiro e o segundo, aferindo-se através de um juízo de prognose póstuma se o sucesso da chance se manifestaria superior à possibilidade do insucesso.
Na aferição do nexo de causalidade, o Tribunal deve determinar a consistência da chance frustrada, para o que deve tentar reconstituir, para efeitos indemnizatórios, qual teria sido o resultado no processo que se frustrou, adoptando a perspectiva do tribunal do processo frustrado, para apurar como este teria decidido o processo (o que poderá ser particularmente relevante quanto a questões jurídicas sobre as quais existam opiniões divergentes), o que constitui apreciação de uma questão de facto e não uma questão de direito – cf. acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 11-10-2022, 2759/17.7T8VNG.P2.S1; de 18-04-2023, 852/14.7TBVRL.G1.S1; e do Tribunal da Relação do Porto de 10-07-2024, 9348/22.2T8PRT.P1.
Neste sentido se pronunciou, aliás, o Pleno das Secções Cíveis em AUJ 2/2022, proferido no processo n.º 34545/15.3T8LSB.L1.S2-A, fixando a seguinte jurisprudência: “O dano da perda de chance, fundamento da obrigação de indemnizar, tem de ser consistente e sério, cabendo ao lesado o ónus da prova de tal consistência e seriedade”.
A propósito do apuramento sobre como teria decidido o tribunal da acção frustrada e a natureza da questão, refere Patrícia Cordeiro da Costa[55], op. cit., pp. 168-169:
“De realçar que este julgamento dentro do julgamento, passando pelo apuramento do percurso decisório que o tribunal da ação falhada realizaria no julgamento da mesma, é, no essencial, uma questão de facto, a depender, pois, desde logo da alegação e prova dos factos de onde se possa extrair qual teria sido a decisão[56] que, em termos de probabilidade suficientemente séria para afirmar a existência de uma chance relevante, seria proferida caso não tivesse interferido o facto ilícito do profissional forense.
Aliás, importa reforçar, agora em termos gerais, pois que não exclusiva da perda de chance processual, que a questão da probabilidade de verificação do resultado favorável que se perdeu é, no essencial, uma verdadeira questão de facto, a ter de ser alegada e provada pelo lesado, sob pena de o tribunal que julga o pedido de indemnização com base na perda de chance não ter elementos seguros onde possa apoiar a decisão de atribuição da indemnização, quer quanto à existência do dano de perda de chance em si, quer quanto, num segundo momento, à quantificação da indemnização.
A chance indemnizável não é, como acima se procurou salientar, uma chance abstrata ou filosófica, no campo das possibilidades gerais, mas uma chance séria, concreta e consistente, apoiada numa probabilidade igualmente séria e consistente de ocorrência da vantagem perdida não fora o facto ilícito. Sob pena de se transformar a perda de chance num mecanismo de atribuição irrestrita de indemnizações, bastando a presença de uma mera suspeita de probabilidade, a ação de indemnização deve ser preparada, em termos de alegação de facto e de produção de prova, de forma a que o tribunal, na decisão a tomar, tenha dados de facto suficientes para, desde logo, concluir pela existência de uma chance séria.
Nem os arts. 566.º, n.º 3, e 569.º do CC e 609.º, n.º 2, do CPC permitem outra leitura. A indemnização pela chance perdida depende da prova efetiva da existência de uma chance séria; a avaliação do requisito da seriedade depende, por sua vez, da demonstração do grau de probabilidade de concretização da vantagem perdida, não fora o facto ilícito. A medida da probabilidade está, assim, indissociavelmente ligada à existência do próprio dano, e não só à medida da indemnização (para a qual, na falta de outros elementos, e provado que esteja já o se do dano, poderá ser fixada com recurso à equidade, nos termos do art. 566.º, n.º 3, do CC), não sendo, por outro lado, o seu aferimento uma pura questão de direito a resolver pelo tribunal, mas antes, e no essencial, repete-se, uma verdadeira questão de facto.”
Impõe-se, pois, efectuar o mencionado “julgamento dentro do julgamento” a fim de aferir qual a probabilidade de sucesso do recurso extemporâneo.
A conduta a censurar ao segundo réu consistiu na perda da possibilidade de convolação do requerimento de interposição de recurso em reclamação para a conferência, por falta de pagamento da multa pela apresentação tardia, onde se discutia, essencialmente, o regime prescricional do procedimento disciplinar no âmbito do qual foi aplicada a sanção de demissão ao autor, questão em que este obteve provimento em 1ª instância, mas decaiu no recurso jurisdicional para o TCAS, que pretendeu reverter com a interposição do recurso/reclamação.
Conforme consta da decisão sumária proferida em 24 de Maio de 2017 referida no 10. dos factos provados, na acção especial administrativa para declaração de nulidade do acto administrativo foram dados como provados os seguintes factos:
A. O Autor é agente do efectivo da Divisão de Sintra da Policia de Segurança Pública (por acordo);
B. A 3.10.2013 foi determinada a instauração de processo disciplinar ao Autor e nomeado o instrutor (fls. 2 do processo administrativo);
C. O processo disciplinar mencionado na alínea anterior foi aberto por despacho do instrutor datado de 7.10.2013 e autuado com o n° NUP … 04DIS (fls. 11 do processo administrativo);
D. A 28.01.2014 foi determinada a instauração de outro processo disciplinar ao Autor e nomeado o instrutor (fls. 86 do processo administrativo);
E. O processo disciplinar mencionado na alínea anterior foi aberto por despacho do instrutor datado de 4.02.2014 e autuado como n° NUP 2014LSB00091D1S (fls. 91 do processo administrativo);
F. Por despacho datado de 2.04.2015 foi determinada a apensação dos processos disciplinares mencionados nas alíneas antecedentes (fls. 83 do processo administrativo);
G. Dá-se por reproduzido o despacho de acusação de fls. 174-175, verso, do processo administrativo, do qual consta, designadamente, que as alegadas infracções disciplinares respeitam a factos praticados no dia 7 de Outubro de 2012 e nos meses de Junho e Julho de 2013;
H. O Autor foi notificado da acusação a 16,06.2015 (cfr. Relatório Final);
I. O Autor apresentou a defesa escrita de fls. 181-187 do processo administrativo, cujo teor se dá por reproduzido;
J. Dá-se por reproduzido o teor do Relatório Final de fls. 216-226 do processo administrativo, no qual se concluiu nos termos seguintes:
a) Resulta da análise já acima feita dos elementos de prova reunidos e carreados para os autos deverem ter-se por suficientemente provados dos factos constantes da acusação deduzida e notificada ao arguido os dados como provados, já que os mesmos existiram, foi o arguido quem os praticou e constituem infracção disciplinar, tanto que a defesa do arguido não foi de molde a afastar a sua prática, devendo aquela ter-se por subsistente;
b) O arguido agiu a título de dolo, directo (cfr. art. 4° e 66° do RD/PSP e 13° e 14° n° 1 do C, Penal);
d) Com a sua conduta o arguido violou o principio fundamental previsto no al. 6° do RD/PSP, conjugado com os arts. 209°, n.ºs 1 e 2 e 256°, n.º 1, al. a) e 3 ambos do Código Penal e dos deveres de zelo, lealdade e aprumo, previstos nos arts. 9º, n°s I e 2, al. a), 11º, n° 1 e 2, al. a) e 16°, n°s 1 e 2, al. t), todos do RD/PSP e, ainda, dos arts. 2°, n°s I a 3 e 5°, n° 3, do Código Deontológico do Serviço Policial, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n° 37/2002, publicados no DR n° 50,1-13 de 28/02/2002;
d) À infracção cometida, por constituir, dadas a sua gravidade, consequências, grau de ilicitude e intensidade de culpa, a prática de factos inviabilizadores da manutenção da relação funcional, corresponde a pena de demissão, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 25°, n.º , al. g), 43° e 47°, n° 1 e 49°, n° 1, als. a) e b), todos do RD/PSP. (...)»;
K. Por despacho da Ministra da Administração Interna datado de 28.03.2016 foi determinado o seguinte:
"1. Por despacho do Comandante do Comando Metropolitano de Lisboa da Policia de Segurança Pública (PSP), de 3 de outubro de 2013, foi mandado instaurar processo disciplinar PD … 04DIS, ao qual foi apensado o processo disciplinar PD … 04DIS (cf. fl. 83 e 84), em que é Arguido o agente da PSP M/154844, A …, da Divisão de Sintra da PSP (cf. fl. 2).
2. No Relatório Final, de 29 de setembro de 2015, a fls. 216 a 226, o Instrutor considerou que o Arguido, com a sua conduta dada como provada, se apropriou de um motociclo que encontrou abandonado e que fora furtado, viciou o número de identificação da coluna de direção do mesmo e mandou fazer para o motociclo uma chapa de matrícula com uma referência que sabia não corresponder ao motociclo chapa de matrícula e, ainda, que o Arguido se envolveu em agressões mútuas com um vizinho.
3. Considerou, também, que tais factos consubstanciam infração disciplinar nos termos do disposto no artigo 4.2 do Regulamento Disciplinar da Polícia de Segurança Pública (RD/PSP), por violarem o princípio fundamental de acatamento das leis e integral cumprimento das determinações dadas em matéria de serviço, previsto no artigo 6.2 do mesmo diploma, conjugado com os artigos 209.2, n.ºs 1 e 2 e artigo 256.2, n.ºs 1, alínea a) e 3, ambos do Código Penal, e violando também os deveres de Zelo, Lealdade, e Aprumo, previstos nos artigos 9.2, n.ºs 1 e 2, alínea a), 11.2, n.ºs 1 e 2, alínea a) e 16.2, n.ºs 1 e 2, alínea f), todos do RD/PSP e, ainda, dos artigos 2.2, n.ºs 1 a 3 e 5.2, n.2 3 do Código Deontológico do Serviço Policial aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 37/2002, publicado no Diário da República n.2 50, I-B, de 28 de fevereiro de 2002.
4. A conduta do Arguido, assim dada como provada, assume uma ilicitude e culpabilidade intensas, pois que, cumprindo-lhe zelar pela ordem e segurança e evitar a prática de crimes, ao atentar de forma dolosa contra tais valores, violou o Arguido esse dever e atentou contra os mais elementares deveres de um agente, colocando em causa a sua permanência no seio da instituição.
5. Foi colhido o parecer do Conselho de Deontologia e Disciplina da Polícia de Segurança Pública, que se pronunciou, por zero votos a favor de pena disciplinar não expulsiva, treze votos a favor de pena disciplinar de demissão e zero votos a favor da pena disciplinar de aposentação compulsiva (cf. fls. 228 a 232),
6. Solicitada a emitir parecer, veio a Direção de Serviços de Assessoria Jurídica, Contencioso e Política Legislativa, da Secretaria Geral do Ministério da Administração Interna, através do parecer n. 9 1259-D/2015, de 27 de Outubro de 2015, acompanhar a proposta do relatório final, propondo a aplicação da pena de demissão.
7. Assim, e considerando:
- O despacho do Diretor Nacional da Polícia de Segurança Pública, com os Fundamentos do relatório do Senhor Instrutor e do parecer do Conselho de Deontologia e Disciplina da Polícia de Segurança Pública, que documenta a votação deste órgão que se pronunciou por unanimidade pela aplicação ao Arguido de pena disciplinar de demissão (cf. fls. 216 a 227); -
- O Parecer n.° 1259-D/2015, de 27 de Outubro de 2015, da Direção de Serviços de Assessoria Jurídica, Contencioso e Política Legislativa da Secretaria Geral do Ministério da Administração Interna, de 20 de outubro de 2015
decido aplicar ao Arguido, Agente da Polícia de Segurança Pública n2 M/154844, A …, a pena disciplinar de demissão. (...)» (fls. 241-242 do processo administrativo);
L. Dá-se por reproduzido o teor do parecer n° 1259-D/2015, de fls. 235-240 do processo administrativo, que antecedeu o despacho mencionado na alínea anterior e no qual se referiu, designadamente
"C.) Deve acrescentar-se, agora, simplesmente, o seguinte: o arguido, na sua defesa escrita, arguiu a prescrição do procedimento disciplinar. E o Senhor Instrutor enfrentou tal arguição a fls. 217 e 217-v de forma não inteiramente satisfatória. A contagem dos prazos de prescrição do procedimento disciplinar, na PSP, segue os termos do douto Parecer do Conselho Consultivo da POR n° 160/2003, que o Relatório Frinal expressamente indica. De acordo com ele, "a prescrição do procedimento disciplinar terá sempre lugar quando, desde o seu início, e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prato normal da prescrição acrescido de metade". Assim, as infrações exclusivamente disciplinares prescrevem decorridos que sejam 4 anos e 6 meses sobre a data da instauração do procedimento disciplinar; e relativamente As infrações que foram já condenadas criminalmente o prazo normal da prescrição é o que aparece fixado no artigo 118° do Código Penal. Por outro lado, importa reter que se tem por revogada a norma do n° 4 do artigo 55° do IRD/PSP (relativa à. interrupção da prescrição). Assim, tendo em conta que os processos (apensos) foram mandados instaurar em 3 de outubro de 2013 e em 28 de janeiro de 2014, forçoso é concluir que não ocorreu a alegada prescrição do procedimento disciplinar. (...)»;
M. O Autor foi notificado do despacho mencionado em K) a 20.04.2016 (lis. 41 dos autos);
N. O Autor foi condenado pela prática dos crimes de falsificação agravada de documento e apropriação ilegítima de coisa achada numa pena de 240 dias de multa no âmbito do processo que, sob o n° …/…-…5GLSNT correu termos pela instância local de Sintra, secção criminal, da Comarca de Lisboa Oeste (fls. 63-82 do processo administrativo);”
Com base nestes factos, o TCAS apreciou a questão da prescrição nos seguintes termos[57]:
“Por decorrência do principio assente no art° 2° n° 4 do Código Penal, que na Lei 7/90, 20.02 tem consagração expressa no art° 66°, na hipótese de sucessão de leis no tempo, a aplicação do princípio da lel mais favorável no tocante ao instituto que esteja em causa, que no caso trazido a recurso é a prescrição do procedimento disciplinar, exige a aplicação em bloco do regime normativo julgado mais favorável e não a aplicação parcelar e simultânea de segmentos normativos de cada uma das diversas leis em confronto de sucessão, conforme sustentado no Ac. deste TCAS tirado no rec. n" 13746/16 de 15.DEZ.2016, em Colectivo de que fomos Relatora.
Estão em causa: o procedimento disciplinar n° NUP … 04DIS (factos de 07.OUT.2012) e n' NUP … 9IDIS (factos de JUN. e JUL.2013) vd. alíneas C, E e C do probatório.
Por disposição legal expressa, o regime disciplinar constante da Lei 35/2014 de 20.06 (cujo art° 2° aprovou em ANEXO a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, abreviadamente designada por LTPF) não é aplicável ao pessoal com funções policiais da Polícia de Segurança Pública, continuando a ser aplicável o regime disciplinar específico, constante da Lei 7/90 de 20.02 — vd. art° 2° n° 2 da LTFP (ANEXO da Lei 35/2014) e art° 43° n° 2 da Lei 35/2014.
Por sua vez, o Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas com assento na Lei 58/2008 de 09.09 foi revogado pelo art° 42 n° 1 (1) Lei 35/2014 de 20.06, tal como foi revogado o Regime Jurídico do Contrato de Trabalho em Funções Públicas (RCTFP) aprovado pela Lei 59/2008 de 11.09 — vd. art° 42° n° I e) Lei 35/2014 de 20.06 — com efeitos a partir de 01.08.2014 - cfr. art° 44° et° 1 Lei 35/2014, 20.06.
Dado que os factos ilícitos imputados ao Recorrido se reportam aos anos de 2012 e 2013, cabe dilucidar se é aplicável, como sustentado em sede de sentença, o regime inovatório do art° 6° n° 6 da Lei 58/2008, mais favorável do que o regime decorrente da Lei 7/90, 20.02, sendo que, como já mencionado, a Lei 58/2008 foi revogada pela Lei 35/2014 com efeitos a partir de 01.08.2014.
Para saber se é aplicável o regime prescricional mais favorável que o Tribunal a quo sustenta, importa entrar em linha de conta com os regimes constantes do art° 6° da Lei 58/2008, 09.09 (Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas) e art° 55° da Lei 7/90, 20.02 (Regulamento Disciplinar da Polícia de Segurança Pública).
Os normativos em causa tratam de duas distintas prescrições:
1. a prescrição do direito de instaurar o procedimento disciplinar
2. e a prescrição do próprio procedimento disciplinar.
Vem sustentada a segunda, isto é, a prescrição do próprio procedimento disciplinar por aplicação do regime inovatório introduzido pelo Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas constante do art° 6° n° 6 da Lei 58/2008 de 09.09.
Todavia, não se acompanha o entendimento sustentado, pelas razões que seguem.
Como é sabido a prescrição do próprio procedimento disciplinar constitui uma inovação legislativa em sede de estatuto disciplinar do pessoal da função pública, introduzida pelo art° 6° n° 6 da Lei 58/2008.
Efectivamente, até então apenas se previra a prescrição do direito à Instauração do procedimento - cfr. art° 4° ri° 1 do estatuto disciplinar da Lei 24/84, 16.01, que se manteve e transitou para o art° 6° n° 1 Lei 58/2008.
Todavia, não se pode aplicar automaticamente o regime inovatório desta prescrição do próprio procedimento disciplinar da Lei 58/2008, 09.09 ao caso concreto em que é aplicável o regime disciplinar específico do pessoal com funções policiais da PSP, Lei 7/90, 20.02.
E não pode na medida em que há uma relação lógica de conexão e complementaridade substantivas entre os termos a quo e ad quem dos prazos em cada um dos regimes que consagram cada uma das duas citadas prescrições, a saber, a prescrição do direito de instaurar o procedimento disciplinar e a prescrição do próprio procedimento disciplinar nos exactos termos regulados pelo art° 6° a° 1 e n° 6 Lei 58/2008,
Efectivamente, decorre do n° 6 do citado art° 6°, Lei 58/2008 que, após a sua instauração, (cujo direito prescreve, vd. art° 6 n° 1, decorrido 1 ano sobre a data da infracção isto é, do cometimento do facto ilícito), o procedimento disciplinar tem de estar concluído e a decisão final notificada ao arguido no prazo de 18 meses.
Este prazo curto de 18 meses do art° 6° n° 6 coaduna-se com o exercício do poder disciplinar por qualquer superior hierárquico dentro de 1 (um) ano contado da data da infracção, vd. art° 6 n 1, incluso para efeitos de funcionamento do prazo de 30 (trinta) dias para instaurar o procedimento, prazo contado do conhecimento da infracção pelos superiores hierárquicos, vd. art 6 n°2, todos da Lei 58/2008.
Ou seja, na Lei 58/2008 há uma relação lógica entre,
(i) o art° 6° n° 1 da prescrição de exercício do poder disciplinar no prazo de 1 ano contado da data da infracção,
(ii) o art° 6° n° 2, que inclui neste ano os 30 dias contados do conhecimento da infracção por qualquer superior hierárquico
(iii) e o art° 6° n° 6 da prescrição do procedimento nos 18 meses entre a data de instauração do procedimento (dentro do ano contado da data da infracção) e a data da notificação da decisão final sancionatória.
As únicas situações de suspensão deste prazo de 18 meses decorrem de questões prejudiciais do foro jurisdicional, conforme disposto no art° 6° n° 7 Lei 58/2008.
É precisamente esta lógica própria do art° 6° n°s 1, 2 e 6 da Lei 58/2008, lógica de conexão e complementaridade substantivas entre os termos a quo e ad quem dos prazos prescricionais, que não permite enxertar no regime da Lei 7/90 e aplicar ao caso concreto o regime inovatório dos 18 meses de prescrição do procedimento (art° 6° n° 6 Lei 58/2008) em razão da incompatibilidade substantiva de regulação do instituto da prescrição do procedimento disciplinar que resulta do regime estabelecido por cada uma das citadas leis, a Lei 7/90, 20.02 e a Lei 58/2008, 09.09.
Incompatibilidade jurídica de regulação evidenciada pela lógica do regime do art° 55° n°s. 1 e 3 da Lei 7/90, que, neste particular da prescrição do direito de instaurar o procedimento disciplinar adoptou, ipsis verbis os termos do regime disciplinar da função pública introduzido pela Lei 24/84, 16.01.
De facto, no regime disciplinar da função pública introduzido pela Lei 24/84, 16.01 e do Regulamento Disciplinar da PSP a prescrição do direito de instaurar o procedimento é de 3 anos em ambos os regimes e, dentro destes 3 anos prescreve ainda, caso se dê a circunstância de que, uma vez conhecida a infracção pela entidade competente em matéria disciplinar, o procedimento não seja instaurado no prazo de 3 meses — vd. art° 4° n's I e 2 Lei 24/84, 16.01 e art° 55° IN 1 e 3 Lei 7/90.
No regime da Lei 58/2008 e tomando a lei por ponto absoluto de referência a data da infracção, somado o prazo de 1 ano do art° 6° n° 1 (instauração do procedimento) ao prazo dos 18 meses do art° 6° n° 6 (da data da instauração do procedimento à data da notificação da decisão sancionatória) resulta o prazo máximo de 30 meses,
No regime da Lei 7/90 (e da Lei 28/84) que toma também por ponto absoluto de referência a data da infracção, não pode ser enxertada a inovação do art° 6° n" 6 da Lei 58/2008 da prescrição do próprio procedimento no prazo de 18 meses [cujos termos a quo e ad quem são a instauração do procedimento e a notificação da decisão sancionatória].
E não pode, porque o prazo máximo de 30 meses próprio da Lei 58/2008 [contado da data da infracção, incluída nele a instauração do procedimento nos 30 dias pós conhecimento por qualquer superior hierárquico, e terminando com a notificação da decisão sancionatória] é absorvido pelo prazo de 3 anos (36 meses) para instaurar o procedimento, atento o disposto no art° 55° n° I Lei 7/90, nele também incluída a instauração no prazo de 3 meses (art° 55° n 3) contados do conhecimento da infracção pela entidade com competência disciplinar.
O que não é juridicamente sustentável.
Em primeiro lugar, porque, tendo em conta a diferenciação normativa entre princípios e regras, os areis. 55° da Lel 7/90 e 6° da Lei 58/2008 constituem regras cujas prescrições jurídicas em matéria de prescrição do procedimento disciplinar configuram regimes claramente excludentes.
Segundo, porque o Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas (Lei 58/2008) tem a natureza de regime subsidiário e não de regime revogatório do Regulamento Disciplinar do Policia de Segurança Pública, nos termos expressos do art° 66° da Lei 7/90,20.02.
O mesmo é dizer que não é aplicável ao caso trazido a recurso o regime do art 6° n° 6 da Lei 58/2008 da prescrição do procedimento disciplinar no prazo de 18 meses contado da instauração do procedimento à data de notificação da decisão de demissão, pois que, estando em vigor duas leis de natureza sancionatória, sendo uma (Lei 58/2008) o regime subsidiário da outra (Lei 7/90), a lei exige a aplicação em bloco de um único dos regimes normativos e não a aplicação de segmentos de cada um dos regimes em causa.
Tal como nos casos em que se suscita a questão da sucessão de leis penais no tempo e a aplicação do regime mais favorável ao arguido atenta a data dos factos ilícitos, nos termos do art° 2° n° 4 C. Penal, regime para que remete em sede disciplinar o art° 66° Lei 7/90, 20.02.
O que significa que no caso vertente dos ilícitos disciplinares cometidos nos anos de 2012 e 2013, estando em vigor tanto o art" 55° da Lel 7/90, 20.02 (Regulamento Disciplinar da Polícia de Segurança Pública) como o regime subsidiário (art° 66° Lei 7/90) do art° 6° da Lei 58/2008 de 09.09 (Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas que cessou com a entrada em vigor da Lei 35/2014 em 01.08.2014, cfr. art° 44° n° 1, Lei 35/2014, 20.06), não é aplicável o regime prescricional inovatório do art° 6° n° 6 Lei 58/2008 no tocante ao procedimento disciplinar por se encontrar em relação de exclusão com o regime do art° 55º n° 1 e n° 3 Lei 7/90.
Donde, em função da matéria de facto levada ao probatório e no tocante à prática dos factos ilícitos reportados a 07.0UT.2012 e JUNDUL.2013 - vd. alíneas C, D e G) do probatório - não se mostra esgotado o prazo de 3 anos de prescrição do direito de instaurar o procedimento disciplinar, cfr. art° 55° n° 1 Lei 7/90.”
Notificado desta decisão, o autor, representado pelos aqui réus, dirigiu ao TCAS, indevidamente, um requerimento de interposição de recurso de revista, sendo que a forma de reagir contra a decisão sumária seria a reclamação para a conferência, do que se dá expressa nota na decisão de 7 de Julho de 2017, que indeferiu o requerimento em que os réus argumentaram a tempestividade do «recurso» e requereram a não aplicação da multa prevista no art.º 139º, n.º 5 do CPC[58].
Conforme refere António Abrantes Geraldes[59]:
“A conferência goza de autonomia decisória relativamente às questões que sejam suscitadas, valendo para o efeito a maioria que se estabelecer dentro do colectivo, cujo resultado pode traduzir-se na confirmação, substituição ou alteração do despacho singular do relator sobre qualquer aspeto que tenha ligação à tramitação do recurso ou à apreciação do respetivo mérito.
Mais do que encarar o requerimento da parte no sentido da convocação da conferência como uma forma de impugnação da decisão singular do relator, trata-se de um instrumento que visa a substituição dessa decisão por uma outra com intervenção do colectivo, passo fundamental para que possa ser interposto recurso de revista nos termos gerais.
Para o efeito, a iniciativa da parte interessada pode consistir tão-só na manifestação de vontade de que a matéria em causa seja levada à conferência. A lei prevê simplesmente que a parte prejudicada por algum despacho do relator requeira que sobre o mesmo “recaia um acórdão”, sem exigir expressis verbis (mas também sem vedar) qualquer justificação para essa iniciativa ou qualquer motivação que a leve a sustentar uma posição diversa.”
Significa isto que não tendo sido invocada nos autos qualquer outra questão e sabendo-se que na reclamação para a conferência não podem ser suscitadas questões novas[60], a questão que importaria analisar e em que o autor/recorrido se louvou para sustentar o dano de perda de chance seria a de determinar qual o regime de prescrição aplicável ao procedimento disciplinar, que aquele sustentava ser de 18 meses, por aplicação do art.º 6º, n.º 6 do ED/TFP ex vi art.º 66º do RD/PSP.
Em consonância com o acima expendido, uma oportunidade é consistente se é sólida e é sólida se é real, se existe incontestável e objectivamente e não apenas na imaginação do lesado; e é séria se corresponde a uma probabilidade suficiente de um acontecimento favorável.
Assim, importava demonstrar que a probabilidade de alcançar a substituição da decisão sumária da relatora por outra que aplicasse esse prazo prescricional de 18 meses era razoavelmente elevada, uma “possibilidade real” de sucesso, que se malogrou, em resultado da perda de oportunidade processual, atentando no que poderia ser considerado como altamente provável pelo colectivo do TCAS a quem caberia proferir acórdão na sequência da reclamação frustrada, em termos de o sucesso da chance se apresentar superior à possibilidade do insucesso.
Na sua petição inicial o autor alegou, efectivamente, que as possibilidades de procedência do recurso eram muito elevadas, por a decisão sumária ser contrária à jurisprudência do próprio TCAS, indicando acórdãos deste tribunal em abono da sua posição, que alegou ser a maioritária, para além de invocar a fragilidade da fundamentação daquela outra decisão.
Como já se referiu, apurar se existe realmente um dano patrimonial sofrido pelo lesado em resultado da perda de chances/oportunidades, implica a prova de que teria obtido benefícios (ou evitado prejuízos), reflectindo-se numa diversa situação patrimonial, isto é, se a violação do dever de realizar certa actividade (o evento ilícito) causou danos ao lesado, o que passa pela aferição do resultado hipotético do processo comprometido, o que se apresenta mais fácil de determinar a posteriori em situações, como é o caso, em que a incerteza é reduzida, como quando o ilícito se traduz em não ter sido interposto o recurso da decisão da 1ª instância, existindo, assim, elementos que permitem averiguar com elevada probabilidade qual teria sido a sorte do recurso - cf. neste sentido, Paulo Mota Pinto, Perda de chance processual[61], pág. 198; acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 20-03-2018, 4194/15.2T8LRA.C1.
Para análise das duas teses em presença – aplicação ao caso do prazo prescricional de 18 meses previsto no art.º 6º, n.º 6 do ED/TFP ou o prazo prescricional de 3 anos previsto no art.º 55º do RD/PSP – há que ter em conta que à data da prática dos factos, instauração do processo disciplinar e decisão estavam em vigor os seguintes normativos legais:
Do RD/PSP[62] Art.º 1º Âmbito de Aplicação
“1 -O presente Regulamento aplica-se ao pessoal com funções policiais dos quadros da Polícia de Segurança Pública (PSP), independentemente da natureza do respectivo vínculo, ainda que se encontre a prestar serviço permanente em outros organismos, em regime de requisição, destacamento, comissão de serviço ou qualquer outro.” Artigo 55.º Prescrição do procedimento disciplinar “1 - O direito de instaurar procedimento disciplinar prescreve passados três anos sobre a data em que a infracção tiver sido cometida. 2 - Exceptuam-se as infracções disciplinares que constituam ilícito penal, as quais só prescrevem, nos termos e prazos estabelecidos na lei penal, se os prazos de prescrição do procedimento criminal forem superiores a três anos. 3 - A responsabilidade prescreve também se, conhecida a falta pela entidade com competência disciplinar, não for instaurado procedimento no prazo de três meses. 4 - A prescrição considera-se interrompida pela prática de acto instrutório com incidência na marcha do processo e pela notificação da acusação ao arguido. 5 - Suspende o decurso do prazo prescricional a instauração de processo de sindicância ou de mero processo de averiguações, bem como a instauração de processo de inquérito ou disciplinar em que, embora não dirigidos contra funcionário ou agente, venham a apurar-se infracções por que seja responsável.” Artigo 66.º Direito subsidiário “O processo disciplinar rege-se pelas normas constantes do presente Regulamento e, na sua falta ou omissão, pelas regras aplicáveis do estatuto disciplinar vigente para os funcionários e agentes da administração central e da legislação de processo penal.”
Do ED/TFP[63]: Artigo 1º Âmbito de aplicação subjectivo 1 – O presente Estatuto é aplicável a todos os trabalhadores que exercem funções públicas, independentemente da modalidade de constituição da relação jurídica de emprego público ao abrigo da qual exercem as respectivas funções. 2 - O presente Estatuto é também aplicável, com as necessárias adaptações, aos actuais trabalhadores com a qualidade de funcionário ou agente de pessoas colectivas que se encontrem excluídas do seu âmbito de aplicação objectivo. 3 - Exceptuam-se do disposto nos números anteriores os trabalhadores que possuam estatuto disciplinar especial. Artigo 6º Prescrição do procedimento disciplinar 1 - O direito de instaurar procedimento disciplinar prescreve passado um ano sobre a data em que a infracção tenha sido cometida. 2 - Prescreve igualmente quando, conhecida a infracção por qualquer superior hierárquico, não seja instaurado o competente procedimento disciplinar no prazo de 30 dias. 3 - Quando o facto qualificado como infracção disciplinar seja também considerado infracção penal, aplicam-se ao direito de instaurar procedimento disciplinar os prazos de prescrição estabelecidos na lei penal. 4 - Suspendem o prazo prescricional referido nos números anteriores, por um período até seis meses, a instauração de processo de sindicância aos órgãos ou serviços, bem como a de processo de inquérito ou disciplinar, mesmo que não dirigidos contra o trabalhador a quem a prescrição aproveite, quando em qualquer deles venham a apurar-se infracções por que seja responsável. 5 - A suspensão do prazo prescricional apenas opera quando, cumulativamente: a) Os processos referidos no número anterior tenham sido instaurados nos 30 dias seguintes à suspeita da prática de factos disciplinarmente puníveis; b) O procedimento disciplinar subsequente tenha sido instaurado nos 30 dias seguintes à recepção daqueles processos, para decisão, pela entidade competente; e c) À data da instauração dos processos e procedimento referidos nas alíneas anteriores, não se encontre já prescrito o direito de instaurar procedimento disciplinar. 6 - O procedimento disciplinar prescreve decorridos 18 meses contados da data em que foi instaurado quando, nesse prazo, o arguido não tenha sido notificado da decisão final. 7 - A prescrição do procedimento disciplinar referida no número anterior suspende-se durante o tempo em que, por força de decisão jurisdicional ou de apreciação jurisdicional de qualquer questão, a marcha do correspondente processo não possa começar ou continuar a ter lugar 8 - A prescrição volta a correr a partir do dia em que cesse a causa da suspensão.”
Tem interesse ainda considerar o DL n.º 24/84, de 16 de Janeiro, que aprovou o Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, depois revogado pela Lei n.º 58/2008, de 9 de Setembro (que aprovou o EP/TFP): Artigo 4.º (Prescrição de procedimento disciplinar) 1 - O direito de instaurar procedimento disciplinar prescreve passados 3 anos sobre a data em que a falta houver sido cometida. 2 - Prescreverá igualmente se, conhecida a falta pelo dirigente máximo do serviço, não for instaurado o competente procedimento disciplinar no prazo de 3 meses. 3 - Se o facto qualificado de infracção disciplinar for também considerado infracção penal e os prazos de prescrição do procedimento criminal forem superiores a 3 anos, aplicar-se-ão ao procedimento disciplinar os prazos estabelecidos na lei penal. 4 - Se antes do decurso do prazo referido no n.º 1 alguns actos instrutórios com efectiva incidência na marcha do processo tiverem lugar a respeito da infracção, a prescrição conta-se desde o dia em que tiver sido praticado o último acto. 5 - Suspendem nomeadamente o prazo prescricional a instauração do processo de sindicância aos serviços e do mero processo de averiguações e ainda a instauração dos processos de inquérito e disciplinar, mesmo que não tenham sido dirigidos contra o funcionário ou agente a quem a prescrição aproveite, mas nos quais venham a apurar-se faltas de que seja responsável.
A tese do autor/recorrido é a de que o prazo de 18 meses previsto no art.º 6º, nº 6 do ED/TFP é aplicável no presente caso, por remissão expressa do art.º 66º do RD/PSP, pela circunstância de o art.º 55º, n.º 1 do RD/PSP não conter um prazo de prescrição do procedimento disciplinar, mas sim do direito de instaurar o processo disciplinar, não prevendo um prazo de duração máxima para a notificação da acusação ou da decisão final, pelo que há que recorrer ao regime subsidiário para que remete o art.º 66º do RD/PSP, que será o regime do ED/TFP.
Não obstante existir jurisprudência nesse sentido, de que o próprio autor/recorrido deu conta na presente acção e apesar de ter alegado ser essa a posição maioritária da jurisprudência pertinente, não se mostra comprovado nos autos essa prevalência da posição por ele assumido e que encontrou respaldo na decisão da 1ª instância.
Importa notar que a posição vertida na decisão sumária é, diversamente daquilo que sustentou o recorrido, aquela que tem vindo a encontrar um reflexo mais amplo na jurisprudência do TCAS e do Supremo Tribunal Administrativo, conforme arestos de que infra se dará nota.
Por outro lado, a fundamentação vertida na decisão sumária cuja substituição por acórdão foi inviabilizada pelo erro cometido pelos réus mostra-se adequada em face das normas supra transcritas.
Desde logo, por disposição legal expressa, o regime disciplinar constante do ED/TFP (que introduziu inovatoriamente a causa de prescrição do próprio procedimento disciplinar) não é aplicável ao pessoal com funções policiais da Polícia de Segurança Pública, continuando a ser-lhes aplicável o regime disciplinar específico, constante do RD/PSP. Aliás, este âmbito subjectivo mantém-se igualmente delimitado na sequência da entrada em vigor da Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho, que aprovou a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas e revogou a Lei n.º 58/2008, de 9 de Setembro[64], conforme decorre do respectivo art.º 2º, n.º 2.
Diversamente do que o autor pretendeu sustentar na presente acção, a decisão sumária de 24 de Maio de 2017 do TCAS não confundiu a prescrição do direito à instauração do procedimento disciplinar com a prescrição do próprio procedimento disciplinar.
Pelo contrário, foi precisamente por identificar tal distinção que ali se reconheceu, como tem vindo, aliás, a ser reafirmado em diversos arestos do próprio TCAS e do Supremo Tribunal Administrativo, que a prescrição do próprio procedimento disciplinar constituiu uma inovação legislativa introduzida no ED/TFP, no respectivo art.º 6º, n.º 6 supra transcrito, pois que até então apenas se encontrava prevista a prescrição do direito à instauração do procedimento (cf. art.º 4º, nº 1 do DL n.º 24/84, de 16 de Janeiro, que aprovou o Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local).
A aplicação directa deste novo fundamento de prescrição, que afecta o próprio procedimento disciplinar, não tem em consideração a existência de regime disciplinar específico do pessoal com funções policiais da PSP, que é, como se referiu, um regime específico, subtraído ao campo de aplicação daquele regime geral.
Acresce que, sendo a prescrição um instituto de direito substantivo, que constitui uma das vias de extinção da responsabilidade do infractor e que assenta no pressuposto de que o decurso de determinado lapso de tempo faz desaparecer as exigências de efectivação da pena, levando a que o Estado renuncie ao seu direito de punir, não pode esse regime substantivo ser espartilhado, devendo antes ser aplicado em bloco, como se sustentou na decisão sumária.
Na verdade, o surgimento de uma lei nova que modifica, aumentando ou diminuindo, o prazo previsto pela lei antiga, implicando sempre, é certo, a aplicação do mais curto dos prazos em conflito – em obediência ao princípio jurídico-constitucional de retroactividade da lei penal mais favorável decorrente do estatuído no art.º 29º, n.º 4, in fine da Constituição da República Portuguesa e ao disposto no art.º 2º, n.º 4 do Código Penal –, em conformidade com a máxima da aplicação do regime que concretamente se mostrar mais favorável ao agente, não deixa de constituir ainda uma questão de sucessão de leis penais no tempo e deve ser como tal tratada[65], o que significa que a determinação da lei aplicável e a escolha dos regime penais em confronto em sede de aplicação das leis no tempo, tem de ser feita em bloco, não podendo criar-se uma norma abstracta com os elementos mais favoráveis das várias leis.
Daí que, existindo um regime específico de prescrição no RD/PSP, não há que lançar mão do regime subsidiário (ED/TFP), o que, na tese do autor, teria lugar apenas para aplicação do prazo de prescrição do procedimento disciplinar inovatoriamente introduzido neste último, o que, naturalmente, conduziria a uma desarmonia com o regime expressamente previsto no art.º 55º do RD/PSP.
Ademais, como se disse, o ED/TFP deixou de fora do seu âmbito de aplicação os trabalhadores com estatuto disciplinar especial, como é o caso dos agentes da PSP (mantendo-se essa exclusão na Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho, conforme respectivo art.º 2º, n.º 2).
E como se dá disso expressa conta na decisão sumária, importa notar que o prazo de prescrição de 3 anos para instauração do procedimento disciplinar previsto no RD/PSP estava em consonância com o regime disciplinar aplicável aos trabalhadores da função pública até à entrada em vigor do ED/TFP, atento o então previsto n art.º 4º do respectivo estatuto aprovado pelo DL 24/84, de 16 de Janeiro.
Parece, também, evidente, que o prazo máximo de duração do procedimento disciplinar de 18 meses nunca seria conciliável com o prazo de 3 anos para a sua respectiva instauração previsto no n.º 1 do art.º 55º do ED/PSP.
Mais do que isso, ainda que não fosse de subscrever por inteiro a posição assumida na decisão sumária, sempre cumpriria ter presente que o procedimento disciplinar aqui em referência tem subjacente a prática de actos de natureza criminal, pelos quais o recorrido foi julgado e condenado, o que, por si só, determina uma outra configuração jurídica das regras da prescrição aplicáveis.
Na verdade, é o próprio art.º 55.º, n.º 2 do RD/PSP, que estatui “que as infracções disciplinares que constituem ilícito penal, (as quais) só prescrevem nos termos e prazos estabelecidos na lei penal,se os prazos de prescrição do procedimento criminal forem superiores a três anos.”
Ainda que à data da emissão do Parecer da Procuradoria-Geral da República n.º 160/2003, de 29-01-2004[66] não estivesse em vigor o art.º 6º, n.º 6 do ED/TFP, não é possível escamotear o facto de a questão ali tratada ser precisamente a ausência de estipulação de um prazo máximo para a duração do procedimento disciplinar – inexistência da imprescritibilidade das infracções disciplinares -, pelo que as razões que fundamentaram as conclusões ali formuladas mantêm a sua razão de ser.
Com efeito, enquanto direito sancionatório, ao direito disciplinar serão aplicáveis, pelo menos subsidiariamente, os princípios gerais do direito penal e, neste âmbito, as regras da prescrição, sendo que aquele direito, tal como este, assenta num quadro de interesse público, que tem que ver com os fins associados ao poder punitivo, o que significa que em ambas as situações o visado não pode ficar indefinidamente sujeito à possibilidade dessa acção punitiva.
No parecer em referência, do que se tratou foi, efectivamente, de aferir que o regime de prescrição disciplinar não poderia ser mais severo do que o regime de prescrição criminal, o que implicava que se devesse aplicar o disposto no artigo 121.º, n.º 3, do Código Penal às infracções disciplinares consagradas no RD/PSP, não por via do disposto no art.º 66º, que, pela sua inserção sistemática, aparentemente, se reportava apenas às normas adjectivas ou procedimentais, quando a prescrição é um instituto de direito substantivo, mas sim pela aplicação analógica da previsão do processo penal.
Para tanto, invocou-se, nomeadamente, o ensinamento de Germano Marques da Silva, citando-o:
“[o] direito penal e o direito disciplinar são ambos direitos punitivos, mas distinguem-se pela natureza da sanção e pelos fins que cada um prossegue». Na verdade, o direito disciplinar, nomeadamente, «prossegue o bom funcionamento dos serviços, das empresas e de certas actividades profissionais mediante a imposição de deveres funcionais e se a violação desses deveres pode muitas vezes lesar ou pôr em perigo de lesão bens jurídico-penais, essa lesão ou perigo de lesão não acontece necessariamente nem na maior parte das vezes». Porém, […] «[a]s sanções disciplinares têm fins idênticos às das penas criminais; como elas reprovam e procuram prevenir faltas idênticas por parte de quem quer que seja obrigado a deveres disciplinares e especialmente daquele que os violou. Mas aquelas sanções têm essencialmente em vista o interesse da função que defendem e a sua actuação repressiva e preventiva é condicionada pelo interesse dessa função, por aquilo que mais convenha ao seu desempenho actual e futuro.» Daí que, […] «[n]o que não seja especialmente previsto na legislação disciplinar ou desviado pela estrutura especial do respectivo ilícito, há que aplicar a este e aos seus efeitos as normas do direito criminal comum».”
Ora, emerge desse parecer a evidência de que as infracções disciplinares que constituíssem simultaneamente ilícito penal, como é o caso, só prescreveriam, nos termos e prazos estabelecidos na lei penal, se os prazos de prescrição do procedimento criminal fossem superiores a três anos, pelo que a discussão nem se colocava nessa sede - onde, naturalmente, não existia nenhuma lacuna a colmatar face à previsão do n.º 2 do art.º 55º do RD/PSP -, mas antes relativamente a infracções disciplinares, qua tale, pois quanto a estas não existe no RD/PSP norma que mande aplicar directamente, a título subsidiário ou a qualquer outro título, o regime da prescrição previsto no n.º 3 do art.º 121.º do Código Penal, concluindo existir aí uma lacuna a integrar, nos termos do art.º 10.º do Código Civil, solucionando-a com a aplicação daquela previsão legal.
É exactamente em consideração desta previsão do direito penal que se percebe que o prazo de prescrição previsto no art.º 6º, n.º 6 do ED/TFP era de 18 meses, ou seja, correspondia ao prazo de 1 ano (previsto no n.º 1), acrescido de metade, o que se mantém actualmente no art.º 178º, n.ºs 1 e 5 da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho).
Ora, na apreciação da reclamação, o colectivo do TCAS deparar-se-ia com os factos provados na acção especial administrativa para declaração de nulidade de acto administrativo acima transcritos e, por outro lado, haveria de ter em conta a legislação em vigor e a compatibilização dos dois estatutos disciplinares tendo de confirmar, alterar ou substituir a decisão sumária, para o que não deixaria de ter presente a doutrina e o estado da jurisprudência que se afirmava na data em que tal decisão deveria ter sido proferida, devendo ainda atender-se à evolução da jurisprudência para efeitos do juízo de prognose póstuma a efectuar.
Atente-se, assim, na jurisprudência publicada antes e após a prolação da decisão sumária de 24 de Maio de 2017, onde se identificam, no sentido propugnado, os seguintes arestos:
- Acórdão do TCAS de 15-12-2016, 13746/16
“1. Por disposição legal expressa, o regime disciplinar constante da Lei 35/2014 de 20.06 (cujo artº 2º aprovou em ANEXO a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, abreviadamente designada por LTPF) não é aplicável ao pessoal com funções policiais da Polícia de Segurança Pública, continuando a ser aplicável o regime disciplinar específico, constante da Lei 7/90 de 20.02 – vd. artº 2º nº 2 da LTFP (ANEXO da Lei 35/2014) e artº 43º nº 2 da Lei 35/2014.
2. O Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas com assento na Lei 58/2008 de 09.09 foi revogado pelo artº 42 nº 1 d) Lei 35/2014 de 20.06, tal como foi revogado o Regime Jurídico do Contrato de Trabalho em Funções Públicas (RCTFP) aprovado pela Lei 59/2008 de 11.09 – vd. artº 42º nº 1 e) Lei 35/2014 de 20.06. – com efeitos a partir de 01.08.2014, cfr. artº 44º nº 1 Lei 35/2014, 20.06.
3. Os factos ilícitos imputados reportam-se aos anos de 2012 e 2013, cabendo dilucidar se é aplicável o regime inovatório do artº 6º nº 6 da Lei 58/2008, mais favorável do que o regime decorrente da Lei 7/90, 20.02, sendo que, como já mencionado, a Lei 58/2008 foi revogada pela Lei 35/2014 com efeitos a partir de 01.08.2014.
4. A prescrição do próprio procedimento disciplinar constitui uma inovação legislativa em sede de estatuto disciplinar do pessoal da função pública, introduzida pelo artº 6º nº 6 da Lei 58/2008 pois que até então apenas se previra a prescrição do direito à instauração do procedimento, cfr. artº 4º nº 1 do estatuto disciplinar da Lei 24/84, 16.01, que se manteve e transitou para o artº 6º nº 1 Lei 58/2008.
5. Estando em vigor duas leis de natureza sancionatória, sendo uma (Lei 58/2008) o regime subsidiário da outra (Lei 7/90), a lei exige a aplicação em bloco de um único dos regimes normativos e não a aplicação de segmentos de cada um dos regimes em causa, tal como nos casos em que se suscita a questão da sucessão de leis penais no tempo e a aplicação do regime mais favorável ao arguido atenta a data dos factos ilícitos, nos termos do artº 2º nº 4 C. Penal, regime para que remete em sede disciplinar o artº 66º Lei 7/90, 20.02.
6. No caso de ilícitos disciplinares reportados aos anos de 2012 e 2013, estando em vigor tanto o artº 55º da Lei 7/90, 20.02 (Regulamento Disciplinar da Polícia de Segurança Pública) como o regime subsidiário (artº 66º Lei 7/90) do artº 6º da Lei 58/2008 de 09.09 (Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas que cessou com a entrada em vigor da Lei 35/2014 em 01.08.2014, cfr. artº 44º nº 1, Lei 35/2014, 20.06), não é aplicável o regime prescricional inovatório do artº 6º nº 6 Lei 58/2008 no tocante ao procedimento disciplinar por se encontrar em relação de exclusão com o regime do artº 55º nº 1 e nº 3 Lei 7/90. […]”
- Acórdão do TCAS de 2018-01-31, 108/17.3 BELLE-A
“I - As regras em matéria de prescrição foram sempre idênticas na PSP e na GNR, tendo o Regulamento da GNR sido já actualizado e dispôs sobre a matéria, não se vislumbrando nenhuma razão para que a PSP venha a ter uma solução diversa da que vigora na GNR, tendo em consideração a unidade do sistema jurídico ( cfr. artigo 9.º, nº 1 do Código Civil).
II - Aplicando o princípio ao RDPSP, temos que o artigo 55.º, nº 1 prevê um prazo normal de prescrição da infracção disciplinar de três anos, pelo que necessariamente o prazo de prescrição do procedimento será de quatro anos e meio, valor que corresponde a uma vez e meia do valor do prazo normal de prescrição.”
- Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 28-06-2018, 0299/18
“I - Nos termos do disposto no nº 1 do art. 55º do RDPSP, é de 3 anos o prazo de prescrição do direito de instaurar o procedimento disciplinar no regime especial desse Regulamento Disciplinar, a contar da data em que a infracção tiver sido cometida, prescrevendo, igualmente a responsabilidade disciplinar se, conhecida a infracção pela entidade competente disciplinar, não for instaurado o procedimento no prazo de 3 meses.
II - No presente caso, estando em causa factos integradores de crime de violência doméstica, que é punível em abstracto com pena de prisão até 5 anos, nos termos das disposições conjugadas do art. 152º, nºs 1, alíneas a), c) e d) e nº 2 do art. 152º do Código Penal, o prazo da prescrição do procedimento criminal a ter em conta é o prazo de 10 anos, previsto no art. 118º, nº 1, alínea b) do Código Penal.
III - Embora o art. 55º do RDPSP tenha praticamente reproduzido o art. 4º do ED84 então vigente, no que respeita ao respectivo nº 2 acrescentou, relevantemente a expressão «termos» a que se segue «prazos estabelecidos na lei penal» comum a ambos [cfr. nº 3 do art. 4º].
IV - O acrescento de tal expressão, apenas pode significar, que, no que se refere às situações previstas no mencionado nº 2 do art. 55º do RDPSP, o regime de prescrição é idêntico ao do Código Penal, sendo-lhe, como tal directamente aplicável o nº 3 do art. 121º deste último diploma, segundo o qual, “(…), a prescrição do procedimento criminal tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade.”, no caso, 15 anos.
V - O Estatuto Disciplinar, aprovado pela Lei nº 58/2008 (e revogado pela Lei nº 35/2014, de 20/6 que aprovou a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas - LGTFP), introduziu no que respeita à prescrição, alterações importantes relativamente ao regime do ED, aprovado pelo DL nº 24/84, estabelecendo no nº 6 do art. 6º, um prazo de prescrição do procedimento autonomizado relativamente ao prazo para instauração do procedimento disciplinar.
VI – De acordo com o art. 1º, nº 3 do Estatuto Disciplinar de 2008, este não é aplicável ao pessoal com funções policiais dos quadros da PSP por este estar submetido a um regime disciplinar especial.
VII - O disposto no art. 66º do RDPSP é um regime de aplicação subsidiária de normas processuais quer do estatuto disciplinar vigente para os funcionários e agentes da administração central, quer das normas de processo penal. O que não é o caso do instituto da prescrição, que tem carácter substantivo.
VIII - Mesmo a entender-se que a aplicação subsidiária, prevista no art. 66º do RDPSP, no regime da prescrição, era admissível, no caso nunca haveria lugar a ela, uma vez que o regime especial aplicável – o art. 55º, nº 2 do RDPSP -, prevê expressamente a aplicação do regime do Código Penal, quanto aos termos e prazos de prescrição quanto a infracções que constituam ilícito penal”
E ainda o acórdão do mesmo Supremo Tribunal Administrativo de 22-03-2019, 0368/18.2BEALM, que não admitiu a revista interposta de decisão do TCAS, julgando não verificada a prescrição do procedimento disciplinar por considerar ter sido respeitada a jurisprudência desse Tribunal sobre a matéria, referindo:
“Em princípio, as decisões proferidas em 2.ª instância pelos TCA’s não são susceptíveis de recurso para o STA. Mas, excepcionalmente, tais decisões podem ser objecto de recurso de revista em duas hipóteses: quando estiver em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, assuma uma importância fundamental; ou quando a admissão da revista for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito («vide» o art. 150º, n.º 1, do CPTA).
O autor, que era agente da PSP, requereu a suspensão da eficácia do acto do MAI que – na sequência da sua condenação penal por violência doméstica – lhe aplicou a pena de demissão.
O TAF antecipou o juízo da causa principal e anulou o acto – por prescrição do procedimento disciplinar.
Mas o TCA Sul, aplicando àquele prazo prescricional a regra do art. 121º, n.º 3, do Código Penal – haver «decorrido o prazo normal da prescrição acrescido de metade» – entendeu que não se dera a prescrição afirmada pelo TAF. Depois, o TCA passou ao conhecimento em substituição e julgou a acção improcedente.
Na presente revista, o recorrente apenas questiona o que o aresto «sub specie» decidiu quanto à prescrição.
Porém, a solução que o acórdão recorrido deu a essa «quaestio juris» corresponde à derradeira jurisprudência do STA sobre o assunto, a qual consta do acórdão de 31/1/2019, proferido no processo n.º 1558/17.0BESNT.
Ora, essa conformidade entre o aresto recorrido e a posição do Supremo desaconselha logo que recebamos o recurso; pois não se justifica que o STA reanalise o que recentemente estabeleceu.”
- Acórdão do TCAS 30-04-2020, 2870/16.1BELSB
“Nos termos do disposto no nº 1 do art. 55º do RDPSP, é de 3 anos o prazo de prescrição do direito de instaurar o procedimento disciplinar no regime especial desse Regulamento Disciplinar, a contar da data em que a infracção tiver sido cometida, prescrevendo, igualmente a responsabilidade disciplinar se, conhecida a infracção pela entidade competente disciplinar, não for instaurado o procedimento no prazo de 3 meses.
II - No presente caso, estando em causa factos integradores de crime de violência doméstica, que é punível em abstracto com pena de prisão até 5 anos, nos termos das disposições conjugadas do art. 152º, nºs 1, alíneas a), c) e d) e nº 2 do art. 152º do Código Penal, o prazo da prescrição do procedimento criminal a ter em conta é o prazo de 10 anos, previsto no art. 118º, nº 1, alínea b) do Código Penal.
III - Embora o art. 55º do RDPSP tenha praticamente reproduzido o art. 4º do ED84 então vigente, no que respeita ao respectivo nº 2 acrescentou, relevantemente a expressão «termos» a que se segue «prazos estabelecidos na lei penal» comum a ambos [cfr. nº 3 do art. 4º].
IV - O acrescento de tal expressão, apenas pode significar, que, no que se refere às situações previstas no mencionado nº 2 do art. 55º do RDPSP, o regime de prescrição é idêntico ao do Código Penal, sendo-lhe, como tal directamente aplicável o nº 3 do art. 121º deste último diploma, segundo o qual, “(…), a prescrição do procedimento criminal tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade.”, no caso, 15 anos.
V - O Estatuto Disciplinar, aprovado pela Lei nº 58/2008 (e revogado pela Lei nº 35/2014, de 20/6 que aprovou a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas - LGTFP), introduziu no que respeita à prescrição, alterações importantes relativamente ao regime do ED, aprovado pelo DL nº 24/84, estabelecendo no nº 6 do art. 6º, um prazo de prescrição do procedimento autonomizado relativamente ao prazo para instauração do procedimento disciplinar.
VI – De acordo com o art. 1º, nº 3 do Estatuto Disciplinar de 2008, este não é aplicável ao pessoal com funções policiais dos quadros da PSP por este estar submetido a um regime disciplinar especial.
VII - O disposto no art. 66º do RDPSP é um regime de aplicação subsidiária de normas processuais quer do estatuto disciplinar vigente para os funcionários e agentes da administração central, quer das normas de processo penal. O que não é o caso do instituto da prescrição, que tem carácter substantivo.
VIII - Mesmo a entender-se que a aplicação subsidiária, prevista no art. 66º do RDPSP, no regime da prescrição, era admissível, no caso nunca haveria lugar a ela, uma vez que o regime especial aplicável – o art. 55º, nº 2 do RDPSP -, prevê expressamente a aplicação do regime do Código Penal, quanto aos termos e prazos de prescrição quanto a infracções que constituam ilícito penal”. […]”
- Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 23-11-2018, 00454/14.8BECBR
“I) No âmbito de aplicação do RD/PSP (Lei n.º 7/90, de 20/02), não cabe aplicação do prazo prescricional de 18 meses previsto no n.º 6 do art. 6.º do ED08. […]”
Em sentido contrário, convocando a aplicação da nova causa de prescrição prevista no art.º 6º, n.º 6 do ED/TFP encontraram-se, para além dos mencionados na decisão recorrida, os seguintes arestos: Acórdão do TAC Norte de 1-03-2019, 1225/16.2BEPNF
“1 – Uma vez que o regime disciplinar geral da Administração Pública (Lei nº 58/2008) introduziu inovatoriamente o regime de prescrição do procedimento disciplinar, e atendendo a que o regime disciplinar constante do RD/PSP não prevê nem afasta tal causa de prescrição, terá de se entender que subsidiariamente lhe será aplicável tal normativo, como resulta do artigo 66º do RD/PSP.
2 – Com efeito, se o Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas (Lei nº 58/2008) introduziu uma nova causa de prescrição – a prescrição do procedimento disciplinar – estabelecendo inovatoriamente um prazo máximo para a sua duração (que não existia no anterior regime disciplinar do DL. nº 24/84), prazo com finalidades garantísticas, e se o regime disciplinar próprio do pessoal com funções policiais da Polícia de Segurança Pública (PSP) constante da Lei nº 7/90, não afasta (nem afastou, após a aprovação e entrada em vigor da Lei nº 58/2008) tal causa de prescrição, nem prevê prazo específico distinto daquele, tem que proceder-se à aplicação supletiva daquele normativo, em consonância com o disposto no artigo 66º do RDPSP (Lei nº 7/90).
3 – Tal como tem vindo a ser decidido pelo Tribunal Constitucional, em fiscalização concreta, revela-se inconstitucional o artigo 26.º, n.º 1, alínea c), do Regulamento Disciplinar da Polícia de Segurança Pública, ao determinar que relativamente aos aposentados a quem seja aplicada uma pena de Demissão, seja a mesma convertida em perda do direito à pensão pelo período de 4 anos, sem salvaguardar a perceção de um rendimento mínimo que lhe permita satisfazer as necessidades básicas, por violação do princípio da proporcionalidade.” Acórdão do TCAS de 16-03-2017, 999/16.5BESNT
“I – Integrando o arguido no processo disciplinar os quadros do pessoal com funções policiais da Polícia de Segurança Pública (PSP), o quadro normativo que rege o processo disciplinar de que foi alvo é o que consta do Regulamento Disciplinar da Polícia de Segurança Pública (RDPSP), aprovado pela Lei nº 7/90, de 20 de Fevereiro (com as alterações entretanto introduzidas pela Lei nº 5/99, de 27 de Janeiro, e pelo DL. nº 255/95, de 30 de Setembro), o que resulta do disposto no seu artigo 1º nº 1 (de acordo com o qual este Regulamento “…aplica-se ao pessoal com funções policiais dos quadros da Polícia de Segurança Pública (PSP), independentemente da natureza do respetivo vínculo, ainda que se encontre a prestar serviço permanente em outros organismos, em regime de requisição, destacamento, comissão de serviço ou qualquer outro”) e igualmente resulta do expressamente disposto no artigo 1º nº 3 do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas, aprovado pela Lei n.º 58/2008, de 9 de Setembro (de acordo com o qual o mesmo não é aplicável aos “…os trabalhadores que possuam estatuto disciplinar especial”) e do artigo 2º nº 2 da atual Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei nº 35/2014, de 20 de Junho (que, sob a epígrafe “exclusão do âmbito de aplicação”, estatuí não ser a mesma aplicável, entre outros, “…ao pessoal com funções policiais da Polícia de Segurança Pública, cujos regimes constam de lei especial”).
II – O regime disciplinar (geral) a que se encontra submetida a generalidade dos trabalhadores da Administração Pública apenas é aplicável ao pessoal com funções policiais da Polícia de Segurança Pública (PSP) enquanto direito subsidiário, em conformidade com o artigo 66º do EDPSP (Lei nº 7/90), nos termos do qual “o processo disciplinar rege-se pelas normas constantes do presente Regulamento e, na sua falta ou omissão, pelas regras aplicáveis do estatuto disciplinar vigente para os funcionários e agentes da administração central e da legislação de processo penal”.
III – A questão em torno da interpretação do artigo 55º nº 3 do Regulamento Disciplinar da Polícia de Segurança Pública (RDPSP), aprovado pela Lei nº 7/90, de 20 de Fevereiro, que sob a epígrafe “Prescrição do procedimento disciplinar”, dispõe que o direito de instaurar procedimento disciplinar prescreve “…se, conhecida a falta pela entidade com competência disciplinar, não for instaurado procedimento no prazo de três meses”, passa pela resolução de duas questões, que são, i) a de saber qual a «entidade com competência disciplinar» para efeitos daquele normativo, e ii) a de saber quando deve ter-se por ela «conhecida a falta».
IV – Os prazos de prescrição de procedimentos disciplinares têm intuitos garantísticos; e se assim é, o conhecimento da falta disciplinar como início do prazo de prescrição para instauração do processo disciplinar não pode reconduzir-se a um elemento subjetivo totalmente indeterminado ou indeterminável (o que possibilitaria que o início da sua contagem estivesse dependente do arbítrio da Administração), tem antes que alicerçar-se em elementos objetivos, suscetíveis de demonstração.
V – O Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas, aprovado pela Lei nº 58/2008, de 9 de Setembro, dispôs inovatoriamente no seu artigo 6º nº 6, face ao anterior Estatuto Disciplinar dos Funcionário e Agentes da Administração Central, Regional e Local (DL. nº 24/84), que não previa norma idêntica ou equivalente, que “o procedimento disciplinar prescreve decorridos 18 meses contados da data em que foi instaurado quando, nesse prazo, o arguido não tenha sido notificado da decisão final”.
VI - Se o Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas (Lei nº 58/2008) introduziu uma nova causa de prescrição – a prescrição do procedimento disciplinar – estabelecendo inovatoriamente um prazo máximo para a sua duração (que não existia no anterior regime disciplinar do DL. nº 24/84), prazo com finalidades garantísticas, e se o regime disciplinar próprio do pessoal com funções policiais da Polícia de Segurança Pública (PSP) constante da Lei nº 7/90, não afasta (nem afastou, após a aprovação e entrada em vigor da Lei nº 58/2008) tal causa de prescrição, nem prevê prazo específico distinto daquele, tem que proceder-se à aplicação supletiva daquele normativo, em consonância com o disposto no artigo 66º do RDPSP (Lei nº 7/90).”
Estando em causa factos praticados em 7 de Outubro de 2012 e em Junho/Julho de 2013 e sabendo-se que os primeiros deram origem a um processo-crime, cujo desfecho se desconhece (cf. ponto 47. dos factos provados), mas sabendo-se que os factos apurados no processo disciplinar integrariam a prática de um crime de ofensa à integridade física, p. e p. pelo art.º 143º, n.º 1 do Código Penal com pena de prisão até 3 anos ou pena de multa e que os segundos originaram um outro processo-crime em que o autor foi condenado pela prática de um crime de falsificação de documento agravada, p. e p. pelo art.º 256º, n.º 1, a) e 3 do Código Penal, com pena de prisão até 3 anos ou multa, na sua versão simples e um crime de apropriação ilegítima, p. e p. pelo art.º 209º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal, punível com pena de prisão até um ano ou multa, a extinção do procedimento criminal por prescrição ocorreria no prazo de cinco anos, nos termos do art.º 118º, n.º 1, c) do Código Penal, pelo que a prescrição apenas teria lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade, ou seja, sete anos e meio.
Uma vez que os processos disciplinares foram instaurados em Outubro de 2013 e em 28 de Janeiro de 2014 e o autor foi notificado da acusação em 16 de Junho de 2015 e da decisão de demissão em 20 de Abril de 2016, é evidente que não decorreram os 3 anos previstos no n.º 1 do art.º 55º do RD/PSP e muito antes disso foi instaurado o procedimento criminal. Por outro lado, também não decorreu, desde o início do procedimento criminal, o prazo normal de prescrição, acrescido de metade.
Por fim, cumpre apenas referir que não logrou o autor demonstrar que o processo disciplinar foi instaurado depois de transcorrido por inteiro o prazo de três meses após a entidade com competência disciplinar ter tido conhecimento da infracção, como previsto no n.º 3 do referido art.º 55º do RD/PSP, pois que apenas se apurou que esta teve conhecimento da falta e instaurou o procedimento, desconhecendo-se em que momento ocorreu essa tomada de conhecimento, pelo que sempre tal argumento claudicaria em eventual acórdão proferido pela conferência.
Assim, atenta a globalidade da factualidade a considerar, a posição assumida pela senhora juíza desembargadora relatora na decisão sumária (já anteriormente assumida em acórdão por si relatado, sem votos de vencido – processo 13746/16 referido) e a jurisprudência anterior e a que nos meses imediatos àquela decisão foi sendo proferida, com confirmação pelo Supremo Tribunal Administrativo, em 31-01-2019, no sentido da aplicação do prazo prescricional acrescido de metade (art.º 121º, n.º 3 do Código Penal) admite-se, ao contrário do sustentado na decisão recorrida, uma maior probabilidade de insucesso, superior à de sucesso, da modificação em conferência da decisão sumária.
Ainda que assim não fosse e mesmo admitindo, tal como o fez o tribunal recorrido, que a divergência jurisprudencial justificava uma ponderação de probabilidade de sucesso em 50%, tal nunca seria bastante para considerar verificada uma probabilidade prevalecente de sucesso da reclamação frustrada, não fora a ocorrência do acto ilícito, ou seja, uma probabilidade superior de procedência do que de improcedência, pelo que não se encontra demonstrada a consistência e seriedade da chance perdida, isto é, não está demonstrado o núcleo essencial do dano, o que determina, nessa parte, a necessária improcedência da acção, com a não atribuição de qualquer indemnização ao autor pelo dano de perda de chance.
Em face do assim decidido, importa julgar parcialmente procedente o presente recurso, absolvendo os réus do pedido de indemnização pelos danos patrimoniais decorrentes do dano de perda de chance, mantendo, no mais, o decidido.
* Das Custas
De acordo com o disposto no art. 527º, n.º 1 do CPC, a decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito. O n.º 2 acrescenta que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
Nos termos do art. 1º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais, considera-se processo autónomo para efeitos de custas, cada recurso, desde que origine tributação própria.
A pretensão que os apelantes trouxeram a juízo merece parcial provimento, pelo que as custas (na vertente de custas de parte) ficam a seu cargo e do autor/apelado, na proporção do respectivo decaimento.
* IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desta 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa, em julgar parcialmente procedente a apelação e, em consequência:
a. Revogar a decisão recorrida, na parte em que condenou os réus B … & Associados – Sociedade de Advogados, R. L. e B … no pagamento da quantia de 30 000,00 € (trinta mil euros) peticionada a título de indemnização por dano de perda de chance e respectivos juros de mora, absolvendo-os, nessa parte, do pedido deduzido a esse título;
b. Manter, no mais, o decidido em 1ª instância.
Custas a cargo dos apelantes e do apelado, na proporção do respectivo decaimento.
*
Lisboa, 17 de Junho de 2025[67] Micaela Sousa Ana Rodrigues da Silva Luís Filipe Pires de Sousa
_______________________________________________________ [1] CC nº …01 … Y5. [2] Contribuinte fiscal nº … 72. [3] Cédula profissional nº … 17L. [4] Falecida em 26 de Março de 2020, tendo sido proferida sentença, no apenso A, em 13 de Outubro de 2021, que habilitou na sua posição processual D …, relativamente ao qual o autor desistiu do pedido, no início da sessão da audiência de julgamento de 17 de Outubro de 2024, homologada por sentença proferida nessa data – cf. Ref. Elect. … 43 do apenso A e … 25.. [5]Ref. Elect. … 78. [6] Adiante designada pela sigla PSP. [7] Adiante designado pela sigla TAF. [8] Adiante designado pela sigla ED/TFP. [9] Adiante designado pela sigla RD/PSP. [10] Adiante designado pela sigla TCAS. [11] Adiante designado pela sigla STA. [12] Adiante designado pela sigla CPC. [13]Ref. Elect. 27397182. [14]Ref. Elect. 35564794 e 425655746. [15]Ref. Elect. … 81. [16]Ref. Elect. … 10. [17]Ref. Elect. … 53. [18]Ref. Elect. … 37. [19] Nesta conclusão os recorrentes pedem a atribuição de efeito suspensivo ao recurso mediante prestação de caução com constituição de hipoteca, o que não foi admitido, conforme despachos de 9 de Março e 8 de Abril de 2025 proferidos no apenso B. [20] Suprimiu-se o texto das conclusões SS. a VV. por conterem apenas transcrições de passagens de acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça não constituindo, por si, questões que integram o objecto do recurso, nos termos do art.º 639º, n.º 1 do CPC. [21] Suprimiu-se a transcrição de acórdão do Suprem Tribunal Administrativo. [22] Suprimiram-se transcrições parciais de acórdãos. [23]Idem. [24] Cf. António Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7ª Edição Atualizada, pág. 135. [25] Aditou-se a data da prolação da sentença, conforme documento n.º 3 junto com a petição inicial. [26] Aditou-se a data em que foi proferida a decisão sumária, conforme documento n.º 14 junto com a contestação em 14 de Outubro de 2020, Ref. Elect. 27397182. [27]Ref. Elect. … 98. [28] Cf. António Abrantes Geraldes, op. cit., pág. 215. [29]In Código de Processo Civil Anotado, Vol. I – Parte Geral e processo de Declaração, 2018, pp. 722 e 723. [30] Cf. Ana Luísa Geraldes, Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto, acessível em http://www.cjlp.org/materias/Ana_Luisa_Geraldes_Impugnacao_e_Reapreciacao_da_Decisao_da_Materia_de_Facto.pdf. [31] Cf. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, volume 2º, 3ª edição, pág. 707. [32] Cf. Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Volume II, 2018, pág. 178; Francisco Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, volume II, 2015, pág. 352; José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, op. cit., pp. 735-736 – “Há nulidade (no sentido lato de invalidade, usado pela lei) quando falte em absoluto a indicação dos fundamentos de facto ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão […] Não a constitui a mera deficiência de fundamentação […]; cf. acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 20-01-2015, 2996/12.0TBFIG.C1 acessível na Base de Dados Jurídico-documentais do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, IP em www.dgsi.pt, onde se encontram disponíveis todos os arestos adiante mencionados sem indicação de origem. [33] Cf. António Abrantes Geraldes, op. cit., pág. 361. [34] Cf. Neste sentido, António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, op. cit., pág. 798 [35] Cf. F. Ferreira de Almeida, op. cit., pág. 477. [36] cf. Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lisboa 1997, pág. 348. [37] Cf. Francisco Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Volume II, 2015, pp. 370-371. [38] cf. A. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, op. cit., pág. 738; José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, op. cit., 736-737 – “[…] quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade; mas já quando o raciocínio expresso na fundamentação aponta para determinada consequência jurídica e na conclusão é tirada outra consequência, ainda que esta seja a juridicamente correta, a nulidade verifica-se.” [39] Cf. Artigos 110º a 125º da petição inicial. [40] Cf. Para que serve afinal a prova por declarações de parte?, 25-05-2018, disponível em https://blogippc.blogspot.com/search?q=valora%C3%A7%C3%A3o+declara%C3%A7%C3%B5es+parte. [41]InAs Declarações de Parte. Uma Síntese, pág. 33 e seguintes, disponível em http://www.trl.mj.pt/PDF/As%20declaracoes%20de%20parte.%20Uma%20sintese.%202017.pdf. [42] Cf. Código de Processo Civil Anotado, Volume I, 2018, pág. 680; no mesmo sentido, ao que se depreende, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4-06-2015, 3852/09.5TJVNF.G1.S1. Em sentido diverso, J. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, 3ª edição, pág. 309 – “A apreciação que o juiz faça das declarações de parte (se estas não constituírem confissão) é livre, nos termos do n.º 3; mas, como esta liberdade não equivale a arbitrariedade, a apreciação importará, as mais das vezes, apenas, como elemento de clarificação do resultado das provas produzidas […]”. [43] Junto com a petição inicial e, embora não numerado, há-de constituir o documento n.º 15. [44] Cf. Documento n.º 6 junto com a petição inicial. [45] As máximas da experiência (ou “juízo de probabilidade qualificada”) reflectem regras gerais de carácter científico com validade universal (como as regras da matemática ou da física) ou aquilo que decorre do princípio da normalidade, ou seja, em que os factos surgem relacionados entre si, seja por relações de causa-efeito seja por uma ordem lógica e regular, existindo uma tendência para a repetição dos mesmos fenómenos. [46] Note-se que, conforme se pode ler no site da Organização Pan-Americana da Saúde, acessível em https://www.paho.org/pt/topicos/depressão, “A depressão é um transtorno comum, mas sério, que interfere na vida diária, capacidade de trabalhar, dormir, estudar, comer e aproveitar a vida. É causada por uma combinação de fatores genéticos, biológicos, ambientais e psicológicos. […] Um episódio depressivo pode ser categorizado como leve, moderado ou grave, a depender da intensidade dos sintomas. Um indivíduo com um episódio depressivo leve terá alguma dificuldade em continuar um trabalho simples e atividades sociais, mas sem grande prejuízo ao funcionamento global. Durante um episódio depressivo grave, é improvável que a pessoa afetada possa continuar com atividades sociais, de trabalho ou domésticas.” [47] Adiante designado pela sigla EOA. [48]InA Perda de Chance — Dez Anos Depois, Revista Julgar - N.º 42 – 2020, pág. 169 e seguintes. [49] Cf. Neste sentido, António Menezes Cordeiro, Código Civil Comentado, II – Das Obrigações em Geral, CIDP, pág. 441. [50] Cf. António Menezes Cordeiro, op. cit., pág. 441. [51] Tendo em conta que, nos termos do disposto nos artigos 27º, 140º e 150º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), aprovado pela Lei n.º 15/2002, de 22 de Fevereiro, no art.º 24º, n.º 2, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro e nos art.ºs 652º, 656º, 663º e 671º do CPC, apenas os acórdãos dos tribunais centrais administrativos constituem decisões passíveis de serem objecto de recurso de revista, neles não se incluindo as decisões sumárias proferidas enquanto decisão do relator nesses tribunais, nos termos do art.º 140º, n.º 3 do CPTA. [52] Aprovado pela Lei n.º 145/2015, de 9 de Setembro, adiante designado pela sigla EOA. [53] Cf. Documento n.º 1 junto com a petição inicial. [54] Como o permitia o art.º 195º, n.º 2 do CPC e art.º 23º do CPTA. [55]Op. cit., pp. 168-169. [56] Sublinhado nosso. [57] Cf. Documento n.º 14 junto com a contestação. [58] Cf. Documento que deverá corresponder ao n.º 7 junto com a petição inicial. [59]Op. cit., pág. 303. [60] Cf. António Abrantes Geraldes, op. cit., pág. 304. [61]Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 145º, N.º 3997. [62] Aprovado pela Lei n.º 7/90, de 20 de Fevereiro, entretanto revogado pela Lei nº 37/2019, de 30 de Maio, que aprovou o Estatuto Disciplinar da Polícia de Segurança Pública, conforme art.º 5º deste diploma legal. [63] Aprovado pela Lei n.º 58/2008, de 9 de Setembro, que revogou o DL 24/84, de 16 de Janeiro, tendo sido revogado pela Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho. [64] Cf. Art.º 42º, n.º 1, d). [65] Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, pág. 705. [66] Acessível em https://www.ministeriopublico.pt/pareceres-pgr/1096. [67] Acórdão assinado digitalmente – cf. certificados apostos no canto superior esquerdo da primeira página.