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ABUSO DE DIREITO
CREDOR RECLAMANTE
DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA
LIVRANÇA EM BRANCO
ÓNUS DE RECLAMAÇÃO DO CRÉDITO
PERDA DE BENEFÍCIO DO PRAZO
PRESCRIÇÃO CAMBIÁRIA
VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM
VERIFICAÇÃO DE CRÉDITOS
Sumário
Sumário [Da responsabilidade do relator] 1. O processo de insolvência instaurado a requerimento do credor, na sua fase inicial, tem por objeto apurar e decidir sobre a situação de insolvência do devedor, sendo o apenso de verificação de créditos, esse sim, destinado a apurar e decidir quanto à existência, natureza e valor dos créditos que impendem sobre o devedor e que globalmente compõem o passivo. 2. Não estando o requerente do processo dispensado de reclamar os seus créditos, pode o devedor insolvente impugnar os mesmos se entender que tal se justifica, ao abrigo do disposto no art. 130.º, n.º 1 do CIRE, mormente invocando uma exceção de direito material, a prescrição, a tal não obstando a circunstância de não ter questionado concretamente o valor de cada um dos créditos identificados pelo requerente do processo, tendo por fonte vários contratos celebrados, aceitando, pois, a qualidade de credor por parte do requerente do processo, que constitui apenas pressuposto da sua intervenção, sem a qual fica afastada a sua legitimidade (processual) para requerer a insolvência. 3. Na afirmação da existência desse direito, no apontado sentido, de que é lícito ao devedor declarado insolvente deduzir uma exceção de direito material, a prescrição, não se prefigura, ipso facto, qualquer situação de exercício ilegítimo do mesmo (art. 334.º do Cód. Civil), nomeadamente na vertente do venire contra factum proprium, entendido este como o exercício de uma posição jurídica contrária ao comportamento anteriormente assumido pelo exercente. 4. É de afastar a aplicação desta figura se, no caso, não se mostram verificados os respetivos pressupostos porquanto (i) inexiste qualquer situação de confiança justificada pela boa-fé suscetível de levar o credor apelante a acreditar na apontada conduta dos devedores (factum proprium) como determinante da aquisição de uma posição jurídica, (ii) não pode afirmar-se que o credor apelante agiu tendo por base um investimento dessa confiança, que vê agora destruída pelo venire, com o correlativo regresso à situação anterior, tanto assim que, avisadamente e cumprindo exigência legal, reclamou créditos perante o AI e (iii) imputação da situação criada à outra parte. 5. A obrigação assumida pelos insolventes tendo como fonte um contrato de mútuo em que se obrigaram como fiadores, renunciando ao benefício da excussão prévia, não segue o mesmo regime que se aplica ao mutuário, enunciado no art. 781.º do Cód. Civil, não ocorrendo, relativamente aos fiadores a perda do benefício do prazo (art. 782.º do Código Civil). 6. É nesse contexto que se compreende que a apelante tenha procedido ao preenchimento da livrança subscrita pelo mutuário e avalizada pelos insolventes (uma garantia adicional, portanto), nos termos em que o fez, acionando, pois, os insolventes com base na obrigação cartular emergente da livrança, subscrita pela empresa devedora – como se sabe, a livrança constitui uma promessa de pagamento (art. 75.º, n.º 2 da LULL). 7. Na livrança em branco, o prazo de prescrição é de três anos (art. 70º da LULL, aplicável ex vi do art. 77º do mesmo diploma) e conta-se a partir da data de vencimento que venha a ser aposta no título pelo respetivo portador, sendo esse prazo aplicável ao aceitante/subscritor e ao respetivo avalista, pois que este último responde nos mesmos termos que a pessoa por si afiançada.
Texto Integral
Acordam as juízas da 1.ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa
I.RELATÓRIO Ação Verificação do passivo. Intervenientes/apelantes São intervenientes apelantes nos autos a credora Caixa Económica da Misericórdia de Angra do Heroísmo, Caixa Bancária S.A. (CEMAH) e os devedores MHS e mulher, MS. Declaração de insolvência A Caixa Económica da Misericórdia de Angra do Heroísmo, Caixa Bancária S.A., em 09-09-2022, peticionou que fosse declarada a insolvência de MHS e mulher, MS. Os requeridos deduziram oposição invocando, em síntese, que não é correto o montante global da dívida invocada pela requerente e, fundamentalmente, que o seu património ascende a mais de 700.000,00€, valor muito superior às suas dívidas, sendo de concluir que não estão insolventes, devendo improceder a ação por falta de requisitos e pressupostos para a situação de insolvência. Por sentença proferida em 03-06-2023, foi declarada a insolvência do casal, sentença que foi impugnada pelos requeridos, tendo por acórdão proferido em 15-10-2024 sido confirmada a decisão de 1ª instância, considerando-se “plenamente demonstrado o pressuposto objectivo essencial consagrado no artº 3º nº1 do C.I.R.E. (…) por força da verificação do facto índice previsto no art. 20.º nº 1, al. b) do C.I.R.E., não ilidido”, conforme apenso D). Lista de créditos Em 21-07-2023 o administrador da insolvência (AI) apresentou a relação de créditos reconhecidos nos termos do artigo 129.º, n.º 4, do CIRE. Impugnações e respostas Em 24-07-2023 os insolventes/apelantes impugnaram os créditos reconhecidos do Instituto da Segurança social dos Açores IPRA, no valor de € 144.536,01, da Hefesto Stc, S.A., no valor de €170.958,34 e da Caixa Económica da Misericórdia de Angra do Heroísmo, no valor total de €365.183,16. Quanto aos créditos da Caixa Económica da Misericórdia de Angra do Heroísmo alegam, em síntese, quanto ao contrato celebrado em março de 2008 pelo qual a credora concedeu à Sociedade Auto Reparações … Unipessoal, Lda., um financiamento de 180.000,00€, a prescrição do crédito respetivo, titulado pela livrança que foi subscrita em branco e avalisada pelos insolventes, que a CEMAH preencheu e na qual apôs a data de vencimento de 05/04/2014, só apresentando a reclamação de créditos em 2023. A Credora Caixa Económica da Misericórdia de Angra do Heroísmo apresentou resposta por requerimento de 26-08-2023. Sentença recorrida Em 02-03-2025 foi proferida sentença com o seguinte segmento dispositivo “Pelo exposto, julgo a impugnação parcialmente procedente e, em consequência: A. Julgo verificados os seguintes créditos sobre os insolventes MHS e MS: -Autoridade Tributária e Aduaneira: • €930.98, Privilegiado Imobiliário Especial e Garantido, Valor em Dívida relativo a IMI vencido referente ao prédio 100504-U-01119. • €101.67, Privilegiado Imobiliário Especial e Garantido, Valor em Dívida relativo a IMI vencido referente ao prédio …-U-…112. • €16.97, Comum • €29.414.76, Comum - Caixa Económica da Misericórdia de Angra do Heroísmo: • €62.046,11, Comum, relativo ao contrato celebrado em 30-06-2013; •€169.005.93, Hipoteca Voluntária, Privilégio creditório geral, Credor Requerente, Art.º 98º CIRE, relativo ao contrato celebrado em 21-082002. - Cofidis, Sucursal em Portugal da S.A. francesa Cofidis, no valor de €5.732.57, Comum - Hefesto Stc, S.A, no valor de €170.958.34, Hipoteca Voluntária - Intrum Portugal, Lda, no valor de €1.112.29, Comum - Nós Açores Comunicações, S.A., no valor de €359.72, Comum - Silva & Botelho, Lda, no valor de €15.161.91, Comum B. Julgo não verificados os demais créditos reclamados. C. Graduo os créditos os insolventes MHS e MS, para serem pagos da seguinte forma: --- Pelo produto da venda do Prédio urbano inscrito na matriz predial sob o artigo da freguesia de Madalena, concelho de Madalena, descrito na CRP de Madalena sob a ficha da referida freguesia, com VPT de €77.789,73 (Verba 1 do auto de apreensão de bens): . Em primeiro lugar, o Crédito da Fazenda Nacional a título de IMI no montante total de €930,98. . Em segundo lugar, o Crédito da HEFESTO, STC, S.A no montante de €170.958,34; --- Pelo produto da venda Prédio urbano inscrito na matriz predial sob o artigo …, letras A, B, C e D, da freguesia de Madalena, concelho de Madalena, descrito na CRP de Madalena sob a ficha da referida freguesia (Ap. … de 2008/10/30) – verbas 2 a 5 do auto de apreensão de bens: . Em primeiro lugar o crédito da CAIXA ECONÓMICA DA MISERICÓRDIA DE ANGRA DO HEROÍSMO, CAIXA ECONÓMICA BANCÁRIA, S.A NO MONTANTE TOTAL DE €169.005,93. --- Pelo produto da venda Prédio urbano inscrito na matriz predial sob o artigo da freguesia de Santo António, concelho de S. Roque do Pico, descrito na CRP de S. Roque do Pico sob a ficha da referida freguesia (verba 6 do auto de apreensão de bens): . Em primeiro lugar, o Crédito da Fazenda Nacional a título de IMI no montante total de €101,67. --- Pelo Produto da Venda dos demais bens apreendidos (verba 7 do auto de apreensão de bens) e a aprender e direitos apreendidos (verba 8 do auto de apreensão de bens – quinhão hereditário): . O crédito do credor requerente – Caixa Económica da Misericórdia de Angra do Heroísmo, Caixa Económica Bancária, S.A. nos termos do artigo 98.º do CIRE. O remanescente dos créditos hipotecários, em paridade e proporção com os demais créditos reconhecidos com a natureza de comum. * As dívidas da massa insolvente saem precípuas (artigo 51.º do CIRE). * Nos termos do disposto no artigo 303.º do CIRE, a actividade processual relativa à verificação e graduação de créditos, quando as custas devam ficar a cargo da massa, não é objecto de tributação autónoma. Assim, não há lugar a custas. * Registe e notifique”. Recurso Não se conformando a credora Caixa Económica da Misericórdia de Angra do Heroísmo, Caixa Económica Bancária S.A. e os insolventes apelaram. A credora Caixa Económica da Misericórdia de Angra do Heroísmo, Caixa Económica Bancária S.A., formulou as seguintes conclusões: “A) A ora Apelante não se conforma com a referida decisão, na parte em esta que julgou prescrito o seu crédito reclamado sobre os insolventes no valor de 193.723,76€, por várias razões que se passam a enunciar e posteriormente a explicar, a saber: B) O crédito julgado prescrito havia sido reconhecido pelos insolventes que não o impugnaram na sua oposição à p.i. que peticionava que ambos fossem declarados insolventes (art.º 574º n.º 2 do C.P.C.); C) O insolvente marido, em declarações de parte, aquando da audiência de julgamento que teve lugar para se determinar se este se encontrava ou não em situação de insolvência, expressamente reconhecido a existência desse crédito (art.º 466º n.º 3 do C.P.C.); D) Esse crédito foi expressamente reconhecido na sentença que julgou os então requeridos como insolventes, pelo que o Tribunal a quo havia já esgotado a sua jurisdição sobre essa matéria (art.º 619º n.º 1 do C.P.C.); E) Os insolventes, quando, anteriormente, recorreram da sentença que como tal os havia declarado, não invocaram qualquer prescrição dos créditos indicados na p.i. para que a sua insolvência fosse declarada, créditos, esses, entre os quais constava o que agora foi julgado prescrito; F) Da sentença ora recorrida não consta qualquer menção a factos dos quais resulte o vencimento de todas as demais prestações vincendas por força do incumprimento, pelo que, a haver prescrição – o que não se admite mas que por mera hipótese se aceita discutir – seria apenas das prestações pretéritas com mais de cinco anos de vencimento e não da totalidade do crédito, pelo que, inexistindo qualquer referência na sentença a factos provados que dessem esteio – aliás nem a sentença o refere – a um vencimento da totalidade das prestações por força do incumprimento, estamos perante uma nulidade da sentença por total contradição entre a fundamentação e a decisão (art.º 615º n.º 1 c) do C.P.C.). G) Virem os Apelados invocar a prescrição de um crédito reconhecido, não como pretérito e saldado mas como crédito efetivo, consubstancia um manifesto abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium. H) Por seu turno, o Tribunal a quo já se havia pronunciado sobre a existência desse crédito e já o havia reconhecido como efetivo e como estando por pagar, tendo-o na base da sua decisão, pelo que já havia esgotado a sua jurisdição sobre essa matéria, uma vez que já havia recaído decisão transitada em julgado sobre a mesma, não podia agora alterar a decisão entretanto tomada, o que consubstancia uma violação do caso julgado e nova nulidade da sentença de que ora se recorre; I) Quanto à questão da prescrição do crédito em apreço, o credor deve manifestar a sua vontade de exigir o pagamento da totalidade das prestações através da interpelação do devedor para as satisfazer, tal como sucede nas obrigações puras, de acordo com o disposto no art.º 805º, n.º 1, do C. Civil; J) Ora, não tem o Tribunal a quo elementos factuais provados carreados para os autos que lhe permitam concluir como concluiu (esta matéria está tratada nos factos provados n.ºs 18 a 22); K) Como se pode facilmente verificar, em parte alguma dos factos provados, bem como da fundamentação da decisão, é feita qualquer menção ao vencimento da totalidade das prestações contratualizadas, tendo o Tribunal a quo dado por bom que, ao contrário do que a doutrina e a quase unanimidade da jurisprudência entendem, o incumprimento havia gerado, ipso facto, o vencimento de todas as prestações e, por força disso, aplicou – e mal também pelas razões supra invocadas – o regime da prescrição à totalidade do crédito; L) Da contradição entre a fundamentação da decisão e o teor desta resulta a nulidade da sentença que expressamente se invoca (art.º 615º n.º 1 al. c do C.P.C.); M) Em suma, não deveria a sentença que declarou o crédito supra descrito da ora Apelante como prescrito tê-lo feito, antes deveria ter julgado improcedente esse pedido dos Insolventes pelas razões acima descritas, reconhecendo, sim, o crédito de 193.723,76€ sobre os insolventes a favor da CEMAH, ora Apelante, decorrente do contrato celebrado em março de 2008; N) Desse modo, interpretou mal, o Tribunal a quo, e por conseguinte aplicou incorretamente, as normas constantes dos art.ºs 781º e 310º e) do C.C. e as constantes dos art.ºs 574º n.º 2 e 466º n.º 3 do C.P.C., gerando um resultado injusto e, para mais, nulo por violação do disposto nos art.ºs 615º n.º 1 al. c) e 619º n.º 1 do C.P.C.. Termos em que, por provado, deve o presente recurso ser julgado procedente e parcialmente revogada a sentença recorrida na parte em que julgou, indevidamente, prescrito o crédito da Apelante sobre os Apelados no valor de 193.723,76€, assim se fazendo JUSTIÇA”. Os insolventes formularam as seguintes conclusões: “1. A douta sentença, ora sindicada, entre outros, reconheceu um crédito, sobre os insolventes, a favor da CEMAH, no montante de € 62.046,11; 2. Acontece que, o referido montante, apesar de reclamado pela CEMAH, não foi reconhecido pela Senhora Administradora de Insolvência, conforme resulta da relação de créditos reconhecidos junta aos autos; 3. A referida credora não impugnou sequer a lista de créditos reconhecidos; 4. Entre outros fundamentos, nos artigos 31.º a 34.º, da impugnação à lista de créditos reconhecidos, à cautela, os insolventes alegaram que o montante em discussão foi pago, por força da reclamação de créditos apresentada pela CEMAH, no âmbito do processo n.º 959/07.7TBAGH, que correu termos no Juízo Local Cível de Angra do Heroísmo, Juiz 2, tendo aquela recebido a importância de € 59.593,41 (cinquenta e nove mil, quinhentos e noventa e três euros e quarenta e um cêntimos); 5. Na sua resposta, no artigo 14.º, a CEMAH, ora recorrida, disse: “quanto à matéria dos art.ºs 32º e 33º a CEMAH já rectificou a sua reclamação tendo corrigido o valor reclamado abatendo o montante recebido de 59.592,42”; 6. Ou seja, após a reclamação de créditos, mas antes da elaboração da relação de créditos reconhecidos, a CEMAH terá comunicado à Senhora Administradora de Insolvência que aquele crédito havia sido pago no âmbito da execução e, por esse motivo, o mesmo não foi incluído na lista, nem elaborada relação de créditos não reconhecidos; 7. Tendo em conta a posição das partes, na impugnação e na resposta, os documentos juntos aos autos, designadamente, os documentos n.ºs 3 e 4, carreados com a impugnação à lista de créditos reconhecidos, bem como, sobretudo, o facto de o mesmo não ter sido reconhecido pela Senhora Administradora de insolvência, salvo melhor opinião, o Tribunal a quo, ao incluir o referido crédito na douta sentença recorrida, laborou, manifestamente, em erro; 8. Assim, não se entende que a douta sentença de verificação e graduação de créditos, refira no ponto 8., dos factos provados, que resultou “provado a existência de um crédito de € 169.005,93 sobre os devedores, a favor da CEMAH, decorrente do contrato celebrado em 21/08/2002, já deduzido o montante recuperado em sede de acção executiva de € 59.592,42”; 9. Para além de nenhuma das partes o ter alegado, salvo melhor opinião, tal afirmação não corresponde à verdade, porquanto, o Tribunal confunde as execuções e qual o crédito que, efectivamente, foi liquidado; 10. Pois, atenta a posição das partes, bem como a documentação existente nos autos, o crédito que foi pago corresponde ao do contrato de financiamento de limite de crédito autorizado até ao montante de € 30.000,00, celebrado em 30/06/2013; 11. E, que, dizia respeito à execução com o processo n.º 95/14.0TBSRQ, instaurada, precisamente, por força do incumprimento desse mesmo contrato; 12. Ainda que subsistissem fundadas dúvidas, o que por mera hipótese académica se admite, o Tribunal a quo podia/devia ter notificado a Senhora Administradora de Insolvência para esclarecer se o referido crédito existia ou não; 13. Acresce que, como se disse, não tendo a CEMAH impugnado sequer da lista de créditos reconhecidos, tendo-se conformado com a não inclusão daquele montante, competia ao Tribunal a quo, nessa parte, limitar-se a “homologá-la”, na medida em que tal dívida à data da declaração de insolvência já não existia; 14. Assim, competia ao Tribunal a quo ter reconhecido, apenas, um crédito à CEMAH, garantido por hipoteca, no montante de € 169.005,93, porquanto, o crédito, comum, no valor de € 62.046,11, não incluído na lista de reconhecidos, simplesmente, não existe, porquanto, foi pago na execução que tramitou no Juiz 2, do Juízo Local Cível de Angra do Heroísmo, sob o processo n.º 959/07.7TBAGH. Termos em que, invocando-se o douto suprimento deste Venerando Tribunal, deverá a douta sentença ser parcialmente revogada e, em consequência, julgar-se não verificado o crédito, comum, relativo ao contrato celebrado com a CEMAH, em 30/06/2013, no montante de € 62.046,11 (sessenta e dois mil, quarenta e seis euros e onze cêntimos). Fazendo-se, assim, a costumada JUSTIÇA!” Foram apresentadas contra-alegações pelos recorrentes. Os insolventes apresentam as seguintes conclusões: “1. Da conjugação do artigo 90.º e 128.º, ambos, do CIRE, resulta que o credor que tenha o direito de crédito reconhecido por decisão definitiva, “não está dispensado de o reclamar no processo de insolvência, se nele quiser obter o pagamento”, de onde concluímos ser obrigatória a reclamação de créditos; 2. A apelante requereu a declaração de insolvência dos devedores; 3. Tal requerimento, com o devido respeito, não se destinou a reclamar os seus créditos, mas, apenas, a invocar a sua qualidade de credora e a requerer a declaração de insolvência dos devedores; 4. A reclamação, impugnação e apreciação de qualquer crédito, com a determinação do montante e eventual prescrição, constituem questões que extravasam a decisão do pedido de insolvência do devedor, fazendo parte da fase posterior da reclamação, verificação e graduação de créditos; 5. A prescrição de um direito só se dá por inércia do seu titular, ou seja, pelo desinteresse que este manifesta no seu exercício de forma oportuna e atempada; 6. Assenta na necessidade de pôr termo à incerteza dos direitos e na presunção de abandono do titular; 7. Com o devido respeito, os insolventes não estavam impedidos de invocar a seu favor a prescrição de tal direito, precisamente, porque não foi exercido em devido tempo, por, pura, negligência da ora apelante; 8. Alega a recorrente a nulidade da douta sentença, por não fazer menção a factos dos quais resulte o vencimento das prestações vencidas; 9. A nulidade, por contradição entre os fundamentos e a decisão, pressupõe um erro de raciocínio lógico, consistente, em a decisão ser contrária à que seria imposta pelos fundamentos de facto ou de direito de que o juiz se socorreu; 10. Ora, a contradição entre a factualidade provada e a decisão, conforme alegado pela apelante, salvo melhor opinião, não gera a nulidade da sentença; 11. Em determinado momento, a recorrente alega que os elementos carreados para os autos não permitiam considerar assentes os factos provados 18. a 22.; 12. Porém, a apelante não indica os concretos meios probatórios, constantes dos autos, que impunham decisão diferente sobre aqueles pontos da matéria de facto assente; 13. Com o devido respeito, nessa parte, o recurso deverá ser rejeitado; 14. Da factualidade assente, resulta que, em 05/03/2008, a CEMAH, aqui recorrente, concedeu um financiamento no valor de € 180.000,00 (cento e oitenta mil euros), à Sociedade, Auto Reparações … Unipessoal, Lda., a reembolsar em 180 (cento e oitenta) meses; 15. Acresce que, a CEMAH preencheu a livrança em branco, na qual apôs a data de vencimento de 05/04/2014 (cfr. doc. n.º 10, junto com a reclamação de créditos), tendo apresentado a reclamação de créditos em 27/06/2023; 16. Numa livrança, em branco, o prazo de prescrição de três anos previsto no artigo 70.º (ex vi do artigo 77.º), da LULL, conta-se a partir da data de vencimento que venha a ser aposta no título pelo respectivo portador; 17. Por fim, conforme alegado na impugnação à lista de créditos reconhecidos, caso assim não se entenda, o que por mera hipótese académica se admite, mas sem conceder, sempre se dirá que, ao abrigo do disposto no artigo 310.º, alínea e), do Código Civil (CC), as quotas de amortização do capital, pagáveis com juros, prescrevem no prazo de cinco anos. Termos em que, invocando-se o douto suprimento deste Venerando Tribunal, deve ser negado provimento ao recurso. Porém, V. Exas. decidirão como for de Justiça!” A credora Caixa Económica da Misericórdia de Angra do Heroísmo, Caixa Económica Bancária S.A., termina o seu articulado de contra-alegações como segue: “Termos em que deverá ser feita Justiça deferindo-se parcialmente o recurso reconhecendo-se o pagamento já efetuado do crédito, indevidamente elencado na sentença recorrida, de 62.046,11€.” Cumpre apreciar II. FUNDAMENTOS DE FACTO O tribunal de 1.ª instância deu por provada a seguinte factualidade: 1. A Caixa Económica da Misericórdia de Angra do Heroísmo é uma instituição de crédito que se dedica à atividade bancária, tendo, no âmbito da mesma, financiado os devedores, ora impugnantes, na aquisição de um prédio urbano para sua residência, financiamento, esse, concretizado na escritura pública de compra e venda e mútuo com hipoteca, outorgada a 21 de agosto de 2002 no Cartório Notarial da Madalena, constante de fls. 81 a 83 do Livro de notas para escrituras diversas n.º G-17, no âmbito da qual os devedores constituíram, a favor daquela, uma hipoteca sobre o prédio urbano composto de casa de moradia, sito na Rua, freguesia e concelho da Madalena, inscrito na respetiva matriz sob o art.º , descrito na Conservatória do Registo Predial da Madalena na ficha n.º da referida freguesia. 2. Essa hipoteca destinou-se a garantir o financiamento concedido pela CEMAH aos devedores, no valor de 125.000,00€, disponibilizado no ato da escritura, bem como os respetivos juros à taxa anual efetiva de 5,37%, acrescida de uma sobretaxa de 4% a título de cláusula penal em caso de mora. 3. O prazo para o reembolso do referido empréstimo era de 25 anos, a pagar em trezentas prestações mensais sucessivas, vencendo-se a primeira a 21/09/2002. 4. Sucede que os devedores deixaram de cumprir com o pagamento das prestações a partir, inclusive, do dia 21 de abril de 2013, não mais tendo pago montante algum desde essa data até 07/09/2022 (data da entrada da ação de insolvência), pelo que se encontra em dívida a quantia de 86.722,69€ a título de capital e a de 24.738,90€ a título de juros, tudo no montante global de 111.461,59€. 5. Os devedores foram demandados pela CEMAH em sede de processo executivo – proc. n.º 88/14.7T8AGH - instaurado na Instância Central 2ª Secção Cível e Criminal de Angra do Heroísmo – Juiz 2, a 09/10/2014, sendo, nessa data, a quantia exequenda, capital e juros, de 98.655,54€. 6. Sucede que esse bem encontrava-se, à data da execução, já penhorado à ordem de outro processo com o n.º 959/07.7TBAGH-A que corria os seus termos pela Instância Local, de Angra do Heroísmo Secção Cível - J2, em que era exequente SILVA & BOTELHO e que demandava os devedores para o pagamento da quantia de 43.620,72€. 7. À data da reclamação de créditos efetuada pela CEMAH a 01/06/2015 no proc. n.º 959/07.7TBAGH-A, a dívida dos devedores ascendia já a 103.887,29€, sendo desse valor o montante de 17.164,60€ correspondente a juros vencidos e vincendos até essa data. 8. A CEMAH recebeu dos devedores, por via da execução que correu termos sob o n.º de processo 959/07.7TBAGH, o montante de €59.592,42, relativo ao contrato D.O. n.º …26, tendo sido abatidos €31.391,64 ao capital e €10.786,56 aos juros. 9. O valor remanescente de €17.414,22 ficou numa conta provisional, para futuro abatimento. 10. Para além do mútuo supra referido, a CEMAH, no âmbito da sua atividade bancária, celebrou a 30/06/2013, um contrato de financiamento com a empresa Auto Reparações … Unipessoal Lda., como mutuária, na qual o sócio-gerente desta e a mulher do mesmo, MHS e MS, ora devedores, intervieram como garantes, para a concessão de um empréstimo que se revestiu da forma de Descoberto Eventual na Conta de Depósitos à Ordem n.º 0009/…26 até ao montante de 30.000,00€ (trinta mil euros), contrato esse celebrado pelo prazo de 365 dias sucessivamente renovado por idêntico período a mesmo que fosse denunciado por alguma das partes. 11. Sobre esse empréstimo foram convencionados juros à taxa anual que resultava da média aritmética simples das cotações diárias do mês anterior ao período de contagem de juros da taxa Euribor para operações ativas a um mês com arredondamento à milésima, acrescida de um spread de 7% que nessa data era de 7,112% ao ano, o que TAE (taxa anual efetiva) de 7,348% ao ano calculada nos termos do art.º 4º do D.L. n.º 220/94 de 23 de agosto, sendo que sobre essa taxa acresceria uma sobretaxa de 4% ao ano em caso de mora. 12. Para garantia desse empréstimo, a mutuária, Auto Reparações … Unipessoal Lda., entregou à ora CEMAH uma livrança em branco, avalizada pelo seu sócio-gerente e mulher, ora devedores, destinada ao preenchimento pela CEMAH em caso de violação de qualquer cláusula do contrato que implicasse o vencimento da dívida. 13. Esse financiamento foi igualmente garantido por uma hipoteca já constituída pelos garantes da sociedade mutuária, ora devedores, a favor da CEMAH criada por escritura pública de Hipoteca e Mandato, realizada a 05/03/2008, no Cartório Notarial de Madalena, sobre o prédio urbano composto de edifício destinado a armazém de comércio e quintal, sito nos Biscoitos, freguesia de Madalena, inscrito na respetiva matriz sob o art.º e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º, inscrito a favor daqueles pela inscrição G Ap. 4 de 2003/09/15, hipoteca, essa, prontamente registada a favor da CEMAH. 14. Essa hipoteca foi constituída para garantir, desde logo, o pagamento de todas e quaisquer letras ou livranças pela requerida, já descontadas ou a descontar ou ainda das que por efeito de reforma vierem a subsistir, bem como descobertos em Depósitos à Ordem e/ou contas com limite de crédito, até ao limite de 180.000,00€ (cento e oitenta mil euros), nas quais os primeiros outorgantes, o sócio gerente da requerida e a sua mulher, fossem intervenientes, individual ou coletivamente, quer como aceitantes, subscritores, sacadores, endossantes, avalistas ou pelas quais de qualquer forma sejam responsáveis, assim como dos juros das referidas dívidas à taxa anual efetiva (TAE) de 6,71%, acrescida, se disso for caso, dos juros à taxa de 4% a título de cláusula penal, sendo o montante máximo garantido por essa hipoteca de 255.834,00€. 15. Sucede que a sociedade mutuária e os seus garantes deixaram de cumprir com o pagamento do empréstimo, tendo sido preenchida a livrança com a data de vencimento de 24/04/2014 e ficado por pagar, pelo que foram demandados judicialmente, em sede executiva, através do processo n.º 95/14.0TBSRQ que correu os seus termos pelo Juízo Local de Competência Genérica de S. Roque do Pico, para pagar a quantia em dívida nessa data no valor de 31.391,64€ a título de capital e de 2.192,23€, perfazendo o montante global com que foi iniciada essa execução de 33.583,87€, sem prejuízo dos juros vincendos peticionados sobre o referido capital à taxa contratualizada de 10,71%, sendo que, à data de 07/09/2022, encontrava-se ainda em dívida a quantia de 31.391,64€ a título de capital, 10.786,56€ a título de juros, tudo no montante global de 42.178,20€. 16. Por força do outro processo executivo instaurado contra os devedores, proc. n.º 959/07.7TBAGH já referido, o processo executivo n.º 95/14.0T8SRQ que corre os seus termos pelo atual Juízo de Competência Genérica de S. Roque do Pico foi sustado, tendo a CEMAH tido que reclamar os seus créditos, na altura no valor de 37.664,38€ (capital de 31.391,64€ e juros 6.272,74€) naquele outro processo. 17. Foi proferida sentença de graduação de créditos no âmbito do processo executivo n.º 959/07.7TBAGH-A tendo os dois suprarreferidos créditos da ora CEMAH, por força das hipotecas registadas, sido reconhecidos e graduados em primeiro lugar. 18. Para além dos dois empréstimos supra referidos, em 05-03-2008 os devedores, juntamente com a sociedade Auto Reparações … Unipessoal Lda., celebraram um contrato de financiamento com a CEMAH, aquela como mutuária e estes como garantes, sendo a CEMAH a mutuante, mediante o qual a CEMAH concedeu um financiamento à mutuária no valor de 180.000,00€ (cento e oitenta mil euros) a creditar na conta D/O n.º …26 designada por conta vinculada, contrato, esse, celebrado pelo período de 180 meses. 19. A taxa de juros aplicada ao contrato corresponde à Euribor a 6 meses acrescida de um spread de 2,00 pontos percentuais, arredondada para ¼ de ponto percentual imediatamente superior, ou seja 6,5150% para o 1º período, suscetível de alteração no início de cada período de contagem em função da evolução das taxas de juro do mercado para operações deste tipo. À taxa fixada corresponde uma taxa anual efetiva (TAE) de 6,7150% nos termos do D.L. n.º 220/94 de 23/08. 20. O reembolso desse financiamento seria feito em 180 prestações mensais constantes e sucessivas, sendo que em caso de mora a CEMAH poderia somar à taxa de juro contratual a máxima sobretaxa legalmente prevista, bem como à sua capitalização. 21. Para garantia desse financiamento a mutuária entregou à CEMAH uma livrança por si subscrita em branco e avalizada pelos garantes, ora devedores, a qual se destinou a que a CEMAH a preenchesse em caso de incumprimento que gerasse o vencimento da dívida, sendo que a hipoteca constituída pelos devedores a favor da CEMAH a 05/03/2008 garantia, nos seus precisos termos, este financiamento concedido pela CEMAH. 22. Sucede que esse contrato de financiamento também não foi objeto de cumprimento por parte da mutuária nem dos seus garantes que entraram em incumprimento em 05/04/2014, estando, em dívida, à data de 07/09/2022, a quantia de 119.896,65€ a título de capital e 39.093,50€ a título de juros, tudo no montante global de 158.990,15€. 23. O Banco Comercial dos Açores, S.A., a partir de 1 de janeiro de 2009 foi incorporado por fusão no BANIF – Banco Internacional do Funchal, SA. Por outro lado, por Deliberação do Banco de Portugal, tomada em 20/12/2015, foi aplicada ao BANIF – Banco Internacional do Funchal, S.A. uma medida de resolução mediante a qual foi determinada a alienação ao BANCO SANTANDER TOTTA, S.A. dos direitos e obrigações que constituam ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do BANIF – Banco Internacional do Funchal, S.A., constantes do Anexo 3 da referida Deliberação, tendo a generalidade da atividade e do património do BANIF – Banco Internacional do Funchal, S.A. sido transferido, de forma imediata e definitiva, para o BANCO SANTANDER TOTTA, S.A.. 24. A Hefesto celebrou um contrato de cessão de créditos com BANCO SANTANDER TOTTA, S.A., em 16 de novembro de 2018, e retificado em 08 de novembro de 2019. 25. Por força do contrato identificado no número anterior, o BANCO SANTANDER TOTTA, S.A. cedeu os crédito(s) identificado(s) como: …20 - …01, …96 - …00 que detinha sobre o(s) insolventes, e todas as garantias acessórias a ele(s) inerentes, à reclamante. 26. No exercício da sua atividade, o Banco Comercial dos Açores, Sociedade Anónima, celebrou com os insolventes um contrato de mútuo com garantia hipotecária da quantia de € 69.831,71 (esc. 14.000.000$00), através de escritura pública de compra e venda e mútuo com hipoteca exarada a 28.5.99 no Cartório Notarial da Madalena. 27. Foi estipulado naquele contrato que a dívida seria amortizada em 336 prestações, mensais, sucessivas e constantes, de capital e juros, vencendo-se a primeira no dia 28.6.99. 28. Mais foi convencionado que o capital venceria juros à taxa Lisbor a 6 meses, acrescida de 2,25 %, à data de 5,375%, e que em caso de incumprimento no pagamento de qualquer prestação de capital e/ou de juros seria aplicada a taxa praticada e publicitada pelo banco para as operações de natureza e prazos idênticos (7,5%), acrescida de 4%, a título de cláusula penal. 29. Para garantia do capital mutuado, juros remuneratórios e de mora e das despesas, os executados constituíram hipoteca a favor do banco reclamante sobre o prédio urbano sito na Rua, freguesia e concelho da Madalena, inscrito na respetiva matriz sob o artigo, na altura descrito na Conservatória do Registo Predial da Madalena juntamente com o art.º sob o n.º 22 da citada freguesia da Madalena, mas atualmente descrito sob o n.º, correspondente ao lote 1, desanexado daquele. 30. O capital mutuado foi totalmente utilizado em 28.5.99, mas os insolventes deixaram de pagar ao banco as prestações mensais que se venceram desde 28/03/2007 até 08/07/2023, encontrando-se assim em dívida o capital de €59.407,09, acrescido de juros à taxa global de 11,5% (7,5% + 4%), no montante de €111.293,08, a que acrescem despesas contratuais no valor de €258,17, no total de €170.958,34. 31. Foi proferida sentença de graduação de créditos no âmbito do processo executivo n.º 959/07.7TBAGH-A tendo o suprarreferido crédito da Hefesto sido reconhecido e graduado, no qual os devedores foram citados em 03-01-2011, encontrando-se o mesmo suspenso desde 12-06-2023, em consequência da declaração de insolvência dos executados. 32. No processo executivo n.º 205/08.6TBSRQ os devedores foram citados em 18-082008, instaurado para cobrança do crédito referido em 26, encontrando-se o mesmo findo desde 7-11-2024, por declaração de insolvência dos executados. 33. No processo executivo n.º 95/14.0T8SRQ, instaurado para cobrança do crédito descrito em 18 a 21, os devedores foram citados em 17-09-2015, encontrando-se os autos extintos desde 27-01-2017. 34. No processo executivo n.º 88/14.7T8AGH, instaurado para cobrança do empréstimo referido em 1, 2, 3 e 4, os devedores foram citados em 04-02-2015, encontrando-se o processo extinto por decisão do AE de 24-03-2020. 35. Os devedores foram citados para o presente processo de insolvência (autos principais) no dia 19-09-2022. 36. As reclamações de crédito deram entrada em 12-07-2023 (Hefesto), e 03-07-2023 (CEMAH). 37. O Administrador de Insolvência elaborou relação de créditos reconhecidos da qual constam os seguintes créditos:
N.º
Identificação do credor
Montante Reconhecido
Natureza do Crédito
Causa
1
Autoridade Tributária e Aduaneira
€930.98
Privilegiado
Imobiliário Especial e
Garantido.
Valor em Dívida relativo a IMI
vencido referente ao prédio
…-U-…119.
€101.67
Privilegiado
Imobiliário Especial e
Garantido.
Valor em Dívida relativo a IMI
vencido referente ao prédio …-U-…112.
€16.97
Comum
€29.414.76
Comum
2
CEMAH
€196.177.23
Comum
Valor em Dívida relativo a dois contratos de
financiamento com
a empresa Auto
Reparações
…
Unipessoal, Lda, celebrados em
30.06.2013 e
03/2008, e avalizados pelos Insolventes.
Valor em Dívida relativo a escritura pública de compra
e venda e mútuo com hipoteca,
outorgada a 21 de agosto de 2002.
3
Cofidis, Sucursal em Portugal da
S.A. francesa
Cofidis
€5.732.57
Comum
4
Hefesto Stc, S.A
€170.958.34
Hipoteca Voluntária
Valor em Dívida relativo a um
contrato de mútuo com garantia hipotecária n.º PT
Reclamação de Créditos-(CIRE)
…96 celebrado entre os
Insolventes e o
Banco Comercial dos Açores.
5
Instituto da Segurança Social Açores IPRA
€144.536.01
Comum
Processo de
Reversão Fiscal processo
executivo
n.º
200120090000780 3 e aps
6
Intrum Portugal, Lda
€1.112.29
Comum
7
Nós Açores Comunicações, S.A.
€359.72
Comum
8
Silva & Botelho, Lda
€15.161.91
Comum
38. Foram apreendidos os seguintes imóveis: 39. Prédio urbano inscrito na matriz predial sob o artigo da freguesia de Madalena, concelho de Madalena, descrito na CRP de Madalena sob a ficha da referida freguesia, com VPT de €77.789,73 (Verba 1) a. Sobre este imóvel recai hipoteca voluntária a favor de HEFESTO, STC, S.A.1 no montante de capital de €14.000,00, juros à taxa anual de 7,5%, acrescido de 4% em caso de mora de despesas de 700.000,00 escudos, no montante máximo assegurado de €19.530.000,00 escudos. 40. Prédio urbano inscrito na matriz predial sob o artigo, composto pelas frações autónomas designada pela letra A, B, C e D, da freguesia de Madalena, concelho de Madalena, descrito na CRP de Madalena sob a ficha da referida freguesia com VPT de €51.549,90 (Verbas 2 a 5). a. Sobre este imóvel encontra-se registada hipoteca voluntária a favor de CAIXA ECONÓMICA DA MISERICÓRDIA DE ANGRA DO HEROÍSMO, CAIXA ECONÓMICA BANCÁRIA, S.A., no montante de capital de €125.000,00, juros à taxa anual de 5,37%, acrescido de 4% em caso de mora de despesas e cláusula penal de €12.500,00. 41. Prédio urbano inscrito na matriz predial sob o artigo … da freguesia de Santo António, concelho de S. Roque do Pico, descrito na CRP de S. Roque do Pico sob a ficha da referida freguesia com VPT de €54.261,90 (Verba 6). 42. Foram, ainda, apreendidos: 43. Prédio Rústico sito em Rochinha inscrito na matriz predial rústica sob o n.º da freguesia de Santo António, descrito na CRP sob a ficha da referida freguesia com VPT de €24,94 (Verba 7). 44. Quinhão hereditário que o insolvente detém na herança aberta por óbito dos seus pais (inventário com o n.º 106/20.0T8SRQ).1) (Verba 8). III. FUNDAMENTOS DE DIREITO 1. Sendo o objeto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelo apelante e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras – arts. 635.º e 639.º do CPC – salientando-se, no entanto, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito – art.º 5.º, n.º 3 do mesmo diploma. No caso, ponderando as conclusões de recurso, impõe-se apreciar, quanto ao recurso interposto pelos insolventes, se deve ser alterada a decisão recorrida na parte em que julgou verificado um crédito da Caixa Económica da Misericórdia de Angra do Heroísmo, Caixa Económica Bancária S.A. (doravante, CEMAH), sobre os insolventes, no valor de 62.046,11€ “decorrente do contrato celebrado em 30-06-2013”; E, quanto ao recurso interposto pela CEMAH, das seguintes questões: - Da nulidade da sentença recorrida por contradição entre a fundamentação e a decisão (art. 615.º, n.º 1, alínea c) do CPC); - Se estão os devedores/insolventes impedidos de invocar a exceção da precisão do direito da apelante e/ou se essa invocação traduz o exercício abusivo de um direito (art. 334.º do Cód. Civil). - Da verificação da exceção de prescrição do crédito a favor da CEMAH, no montante de 193.723,76€. 2. Na fundamentação de direito da decisão recorrida, em sede de “verificação de créditos”, quanto ao crédito da CEMAH, consta o seguinte, na parte que ora interessa: “Atentos os factos que acima se deram como provados, importa proceder à sua qualificação jurídico-legal, de acordo com as soluções plausíveis de direito e, de modo particular, procurar responder às questões que supra se elencaram. No caso dos presentes autos, resultou provado a existência dos créditos impugnados, a saber: (…) ii. Crédito de €169.005,93 sobre os devedores, a favor da CEMAH, decorrente do contrato celebrado em 21-08-2002, já deduzido o montante recuperado em sede de acção executiva de €59.592,42. iii. Crédito de € 62.046,11 sobre os devedores, a favor da CEMAH, decorrente do contrato celebrado em 30-06-2013. iv. Crédito de €193.723,76 sobre os devedores, a favor da CEMAH, decorrente do contrato celebrado em Março de 2008. Cumpre analisar se os mesmos se encontram prescritos” (sublinhado nosso) [ [1] ]. Depois, o tribunal de 1ª instância concluiu que o crédito de 193.723,76€ se encontra prescrito, pelo que, na parte dispositiva da sentença, julgou apenas verificados, quanto a esta credora (CEMAH), os créditos respetivos, nos valores de “€62.046,11, Comum, relativo ao contrato celebrado em 30-06-2013” e de “€169.005.93, Hipoteca Voluntária, Privilégio creditório geral, Credor Requerente, Art.º 98º CIRE, relativo ao contrato celebrado em 21-082002”. Ora, como resulta das alegações de recurso dos insolventes, estes propugnam apenas a alteração da decisão recorrida na parte relativa ao aludido crédito de 62.046,11€, indicando que o tribunal incorreu em lapso manifesto quanto imputou o pagamento de 59.592,42€ ao crédito resultante do contrato celebrado em 21-08-2002 (de 169.005,93€), quando esse pagamento teve por referência o crédito decorrente do contrato celebrado em 30-06-2013 e alusivo a um financiamento à sociedade Auto Reparações … Unipessoal Lda (cfr. os números 10 a 17 dos factos provados, salientando-se que os insolventes apelantes aludem, por lapso, na impugnação que apresentaram à lista, no art. 32.º, ao processo 957/07.7BAGH e não, como devido e resulta dos documentos 2 e 3 que juntaram com a impugnação, ao processo 959/07.7BAGH, referido nos factos provados), pagamento feito no âmbito de uma ação executiva e na sequência da venda do imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 721 (cfr. o número 13 dos factos provados e os aludidos documentos). Concluem, então, que o referido crédito de 62.046,11€ se extinguiu, pelo pagamento, em momento anterior à declaração de insolvência, sendo inexistente. Ora, como resulta das contra-alegações de recurso, a apelada credora, diretamente visada pelo recurso, aceita a argumentação exposta pelos insolventes e conclui, como aqueles, que se deve deferir ao recurso “reconhecendo-se o pagamento já efetuado do crédito, indevidamente elencado na sentença recorrida, de 62.046,11€”, [ [2] ] pelo que dúvidas não há quanto à procedência do recurso interposto pelos insolventes. Saliente-se que a afirmação de discordância expressa pela apelada nas contra-alegações de recurso não se prende com a questão a que se aludiu, mas reporta-se apenas à conclusão expressa pelos insolventes na parte em que, requerendo a exclusão do aludido valor de 62.046,11€, concluem que competia julgar verificado apenas um crédito de 169.005,93€ (conclusão 14.ª) sendo que, obviamente, os insolventes abstraem-se do outro crédito reclamado que o tribunal também apreciou, de 193.723,76€ e que não julgou verificado por reconhecer a exceção de prescrição, sendo que, nessa parte, a sentença foi impugnada pelo credor, impondo-se essa apreciação no recurso respetivo, como já se referiu. Por último, constata-se que a alteração indicada não se reflete minimamente na fundamentação de facto exposta na decisão sendo que, aquando da prolação do despacho de admissão do recurso, a 1.ª instância nada referiu quanto a esta matéria [ [3] ]. Procede, pois, o recurso interposto pelos insolventes. 3. A apelante CEMAH invoca a nulidade da sentença por contradição entre a fundamentação e a decisão, convocando o disposto no art. 615.º, n.º 1, alínea c) do CPC (conclusão L). A contradição entre os fundamentos e a decisão, supra aludida, configura vício que ocorre quando, ao invés do raciocínio silogístico que deve caraterizar a decisão, em que as premissas (de facto e de direito), conduzem necessariamente ao resultado vertido na parte dispositiva, se verifica uma “construção da sentença” “viciosa”, “uma vez que os fundamentos referidos pelo Juiz conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente” [ [4] ]. Sendo quetambém aqui se impõe distinguir entre as situações de contradição e aquelas em que se visualiza tão somente um erro de julgamento, nomeadamente porque a factualidade assente não suporta a solução jurídica propugnada na sentença. No caso, decorre da fundamentação exposta no recurso (cfr. as conclusões I a M) que a apelante não suscita qualquer vício de forma que inquine a sentença, ferindo-a de nulidade, relevando a questão suscitada em sede de análise do mérito da causa, mais precisamente, em sede de apreciação da exceção de prescrição. Improcede a questão suscitada. 4. Insurge-se a apelante CEMAH contra a decisão que julgou extinto, por prescrição, um dos créditos que a apelante se arroga titular, invocando, em primeiro lugar, e em síntese, que em face do posicionamento que os insolventes tiveram no processo e ainda do posicionamento do tribunal de 1.ª instância, não é lícita a invocação, pelos insolventes, em sede de impugnação da lista apresentada pelo AI, da exceção de prescrição, chegando a alegar que se trata de invocação abusiva, “na modalidade de venire contra factum próprio” (cfr. as conclusões A a H). Trata-se de argumentação destituída de fundamento, partindo a apelante de uma perceção errada do processo de insolvência e das várias fases que o compõem, envolvendo tramitação de processos que correm por apenso ao processo principal. Como resulta dos autos, a apelante é a requerente do processo de insolvência, não tendo os devedores questionado a sua qualidade de credora, que constitui pressuposto da sua intervenção, sem a qual fica afastada a sua legitimidade (processual) para requerer a insolvência, como decorre do disposto no art. 20.º, n.º 1 do CIRE, diploma a que aludiremos quando não se fizer menção específica. Igualmente, nos termos do artigo 25.º, n.º 1, o requerente/credor da insolvência “deve justificar na petição a origem, natureza e montante do seu crédito”. Daí não segue que a aferição do crédito, mormente quanto aos apontados elementos, constitua o cerne do processo (principal) de insolvência, ou sequer a sua ratio decidendi que reside, fundamentalmente, na aferição da situação do devedor – e não do credor requerente – maxime se este se encontra “impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas” (art. 3.º, n.º 1). Do regime previsto nos arts. 90.º e 128.º, mormente quando confrontado com o que o legislador do CPERE estabelecia no art. 188.º [ [5] ], resulta que o credor requerente do processo de insolvência não está dispensado de reclamar os créditos respetivos, por requerimento dirigido ao administrador da insolvência, exatamente nos mesmos moldes que os demais credores [ [6] ], salientando-se que mesmo os credores cujo crédito se mostra reconhecido por decisão transitada em julgado não estão dispensados de reclamar no processo de insolvência o seu crédito, se nele quiserem obter pagamento (n.º 4 do art. 128.º). Em suma, o processo de insolvência instaurado a requerimento do credor, na sua fase inicial, tem por objeto apurar e decidir sobre a situação de insolvência do devedor, sendo o apenso de verificação de créditos, esse sim, destinado a apurar e decidir quanto à existência, natureza e valor dos créditos que impendem sobre o devedor e que compõem o passivo. Não estando a requerente dispensada de reclamar os seus créditos nos moldes indicados, igualmente se concluiu que pode o devedor insolvente impugnar os mesmos se entender que tal se justifica, ao abrigo do disposto no art. 130.º, n.º 1, a tal não obstando a circunstância de não ter questionado concretamente o valor de cada um dos créditos identificados pelo requerente do processo, tendo por fonte vários contratos celebrados. Temos igualmente por evidente que a sentença que declarou a insolvência dos devedores, na qual, acrescente-se, como decorre dos autos, nem sequer foi apreciada concretamente qualquer questão relacionada com a fixação do valor dos créditos que a requerente se arroga titular sobre os devedores, não faz caso julgado quanto a essa matéria, que, insiste-se, não era objeto desse processo. As referências que daí constam aos créditos da requerente, quer em termos de facto, quer de direito, relevam apenas, estritamente, no campo da aferição dos pressupostos processuais, servindo para fundar o juízo quanto à legitimidade da requerente para peticionar a declaração de insolvência dos devedores. Na afirmação da existência desse direito, no apontado sentido, de que é lícito ao devedor declarado insolvente, no contexto apontado, deduzir uma exceção de direito material, a prescrição, conclui a apelante que “[v]irem os Apelados invocar a prescrição de um crédito reconhecido, não como pretérito e saldado mas como crédito efetivo, consubstancia um manifesto abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium” (conclusão G). O art. 334º do Cód. Civil considera ilegítimo o exercício de um direito “quando o seu titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé”. Trata-se de uma das figuras sintomáticas concretizadoras da cláusula geral da boa-fé [ [7] ], entendendo-se esta, em sentido objetivo, como significando que as pessoas devem ter um comportamento honesto, correto, leal, nomeadamente no exercício dos direitos e deveres, não defraudando a legítima confiança ou expectativa dos outros [ [8] ]. Verifica-se quando um comportamento, aparentando ser exercício de um direito, se traduz na não realização dos interesses de que esse direito é instrumento e na negação de interesses sensíveis de outrem [ [9] ]. No domínio de casos em que é aplicável a proibição do abuso do direito encontra-se o comportamento tradutor de um venire contra factum proprium, definindo-se, singelamente, como o exercício de uma posição jurídica contrária ao comportamento anteriormente assumido pelo exercente. “O abuso de direito, na variante do “venire contra factum proprium”, radica numa conduta contraditória da mesma pessoa, ao pressupor duas atitudes antagónicas, sendo a primeira (o factum proprium) contrariada pela segunda atitude, com manifesta violação dos deveres de lealdade e dos limites impostos pelo princípio da boa-fé. E o Prof. Baptista Machado ( Obra Dispersa, vol.1º, pág.415 a 419 ), depois de afirmar que a ideia imanente na proibição do venire contra factum proprium é a do “ dolus praesens”, pelo que é sobre a conduta presente que incide a valoração negativa, sendo a conduta anterior apenas o ponto de referência para se ajuizar da legitimidade da conduta actual, enuncia os três pressupostos que caracterizam o instituto: – (a) uma situação objectiva de confiança – uma conduta de alguém entendida como uma tomada de posição vinculante em relação a dada situação futura, afirmando que “ o ponto de partida é, pois, uma anterior conduta de um sujeito jurídico que, objectivamente considerada, é de molde a despertar noutrem a convicção de que ele também no futuro se comportará, coerentemente, de determinada maneira. Pode tratar-se de uma mera conduta de facto ou de uma declaração jurídico – negocial, que por qualquer razão seja ineficaz e, como tal, não vincule no plano do negócio jurídico; (b) - Investimento na confiança – o conflito de interesses e a necessidade de tutela jurídica surgem quando uma contraparte, com base na situação de confiança criada, toma disposição ou organiza planos de vida de que lhe surgirão danos, se a confiança legítima vier a ser frustrada; (c) - A boa fé da contraparte que confiou – a confiança do terceiro ou da contraparte só merecerá protecção jurídica quando de boa-fé tenha agido com cuidado e precauções usuais no tráfico jurídico. // Por sua vez, a primazia da materialidade subjacente traduz a ideia da necessidade de avaliação do exercício do direito em termos materiais, tendo em conta as consequências efectivas do mesmo, sendo que este princípio se realiza segundo as seguintes vias: “a conformidade material das condutas”, a “idoneidade valorativa”, e “o equilíbrio no exercício das posições” ( cf Prof. Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I Parte Geral, Tomo I, 1999, pág.189) // No âmbito da concretização da boa-fé pela tutela da materialidade subjacente assume relevância a desproporcionalidade grave e manifesta de posições jurídicas, pelo que a boa-fé, no quadro do abuso de direito, impede o exercício manifestamente desproporcionado, ou seja, o desequilíbrio no exercício jurídico, evitando a desproporcionalidade entre as vantagens concretamente auferidas pelo titular de uma posição jurídica e o sacrifício imposto a outrem pelo exercício dessa mesma posição jurídica ( cf., por ex., Ac STJ de 6-12-2018 ( proc nº 300/13), em www dgsi )” [ [10] ]. No caso, considera-se que não se mostram verificados os pressupostos de aplicação desta figura, porquanto (i) inexiste qualquer situação de confiança justificada pela boa-fé suscetível de levar a apelante a acreditar na apontada conduta dos devedores (factum proprium) como determinante da aquisição de uma posição jurídica, (ii) não pode afirmar-se que a apelante agiu tendo por base um investimento dessa confiança, que vê agora destruída pelo venire, com o correlativo regresso à situação anterior, tanto assim que, avisadamente e cumprindo exigência legal, reclamou créditos perante o AI e (iii) imputação da situação criada à outra parte. Improcedem as conclusões de recurso. 5. O tribunal de 1.ª instância, apreciando do crédito reclamado pela apelante CEMAH alusivo ao contrato de financiamento outorgado entre a credora e a sociedade Auto Reparações … Unipessoal Lda, no qual os insolventes tiveram intervenção como garantes, subscrevendo como avalistas uma livrança em branco – cfr. a factualidade dada como assente sob os números 18 a 22 – concluiu que pela verificação da exceção de prescrição, pelo que não julgou verificado o referido crédito no valor de 193.723,76€ valor indicado pela reclamante na reclamação apresentada, “decorrentes do contrato de crédito celebrado em março de 2008”. Lê-se na fundamentação exposta na decisão: “Crédito referido nos factos provados em 18 a 21 (livrança), referido em iv. supra Este contrato foi outorgado em Março de 2008, cujo incumprimento levou ao preenchimento da livrança com vencimento em 05-04-2014. // Os devedores foram citados para a insolvência em 19-09-2022. // A reclamação de créditos foi apresentada em 03-07-2023. // Não se verificando, quanto a este crédito, qualquer causa de interrupção da prescrição, encontram-se os referidos créditos prescritos desde 05-04-2017. // Termos em que julgo parcialmente procedente a excepção de prescrição invocada pelos devedores quantos aos créditos supra identificados em iv. supra”. Vejamos A factualidade dada por assente pela 1.ª instância e que não se mostra impugnada por qualquer dos intervenientes foi decalcada daquela indicada na sentença que declarou a insolvência, como resulta evidente do confronto entre essas duas peças processuais, o que não surpreende porque a própria apelante também repetiu a sua alegação e documentos juntos, como resulta do confronto entre o teor do requerimento inicial em que peticionou a declaração de insolvência dos devedores, o teor da reclamação de créditos apresentada ao AI e o teor do articulado de resposta à impugnação, apresentado em 26-08-2023. A apelante juntou com o requerimento inicial apresentado no processo principal e com o referido articulado de resposta à impugnação apresentada no presente apenso pelos insolventes vários documentos, nomeadamente cópia do contrato de financiamento outorgado em 5 de março de 2008 a que se reporta o número 18 dos factos provados e cópia da livrança aludida no número 21 dos factos provados (frente e verso) [ [11] ], tendo a apelante preenchido a livrança, apondo -lhe o valor de 119.896,65€ e data de vencimento 2014-04-05 (não se visualizando o dia respetivo, que no entanto foi indicado no número 22 dos factos provados). Com referência ao contrato de mútuo (“contrato de financiamento”), o mesmo foi outorgado também pelos insolventes, na qualidade de garantes, co-obrigados da empresa devedora (mutuária) [ [12] ], relevando a cláusula 9.ª do contrato, que, sob a epígrafe “CAUÇÃO - LIVRANÇA”, tem o seguinte teor: “Para garantia do bom pagamento das responsabilidades assumidas por este contrato, e para que mais facilmente a CEMAH possa reaver os seus créditos, o Mutuário entrega à CEMAH uma livrança por si subscrita era branco e avalizada pelo(s) Garante(s), a qual se destina à CEMAH preencher, em caso de incumprimento de qualquer cláusula do contrato que determine o imediato vencimento da dívida. A data de vencimento da livrança será à data do incumprimento que determine o seu preenchimento e o seu valor será o que estiver em dívida de capital, acrescido dos juros vencidos e bem assim de todas e quaisquer despesas que a CEMAH haja feito e que nos temos do contrato sejam da responsabilidade do Mutuário. // Caucionando e garantindo o crédito acrescido dos juros e demais encargos, o(s) garante(s) constitui(em)-se fiador(es) e principal(is) pagador(es) do cumprimento do presente contrato de financiamento, com exclusão do benefício da excussão prévia, nos termos do artigo 640º do Código Civil, assumindo assim todas as obrigações assumidas pelo Mutuário. Declara(m) expressamente, ainda, o(s) garante(s) que avaliza(m) a referida livrança e consente(m) no seu preenchimento nos termos e condições acima referidas”. Dúvidas não há que a apelante fez operar a cláusula de “antecipação do vencimento” prevista no contrato (cláusula 10.ª), que lhe permitia “considerar automaticamente vencidas todas as dívidas decorrentes do contrato e exigir o cumprimento imediato das correspondentes obrigações” em caso de “incumprimento de quaisquer das obrigações emergentes do contrato”, em consonância com o que dispõe o art.781.º do Cód. Civil. Saliente-se que, como igualmente resulta número 18 dos factos provados, as partes convencionaram que o “empréstimo será reembolsado em 180 prestações constantes e sucessivas, com periodicidade mensal”(cláusula 6.ª, n.º 1) [ [13] ] – donde, o terminus da amortização ocorreria, se o programa contratual fosse integralmente cumprido pela empresa devedora, mutuária, em março de 2023 –, tendo ainda as partes convencionado que “[o]s juros serão calculados dia a dia, contados e pagos com periodicidade fixada para as amortizações de capital” (cláusula 5.ª sob a epígrafe “contagem de juros e amortização”). No entanto, a obrigação assumida pelos insolventes tendo como fonte esse contrato, em que se obrigaram como fiadores, renunciando ao benefício da excussão prévia, não segue o mesmo regime, não ocorrendo, relativamente aos fiadores a perda do benefício do prazo (art. 782.º do Código Civil). É nesse contexto que se compreende que a apelante tenha procedido ao preenchimento da livrança subscrita pelo mutuário e avalizada pelos insolventes (uma garantia adicional, portanto), nos termos em que o fez, acionando, pois, os insolventes com base na obrigação cartular emergente da livrança, subscrita pela empresa devedora – como se sabe, a livrança constitui uma promessa de pagamento (art. 75.º, n.º 2 da LULL). Na livrança em branco, o prazo de prescrição é de três anos (art. 70º da LULL, aplicável ex vi do art. 77º do mesmo diploma) e conta-se a partir da data de vencimento que venha a ser aposta no título pelo respetivo portador, sendo esse prazo aplicável ao aceitante/subscritor e ao respetivo avalista, pois que este último responde nos mesmos termos que a pessoa por si afiançada [ [14] ]. Assim sendo e não questionando sequer a apelante a ocorrência de qualquer facto interruptivo, vencendo-se a livrança em 05-04-2014, de acordo com os termos em que a própria apelante preencheu o título cambiário, tendo a apelante instaurado o processo de insolvência em 09-09-2022 – processo que configura uma execução universal –, ocorrendo a citação dos insolventes, nesse processo, em 19-09-2022 – a carta de citação expedida em 12-09-2022 e a contestação foi apresentada em 30-09-2022 – e tendo apresentado a reclamação de créditos ao AI em 03-07-2023, conclui-se que há muito se encontrava prescrito o direito da apelante sobre os insolventes, acionado com base no título cambiário, como a 1ª instância bem considerou. A argumentação expendida pela apelante a este propósito não tem sentido (cfr. as conclusões I a K e a alegação vertida nos números 13 a 15), sendo desajustada a convocação que é feita, no corpo das alegações, ao acórdão do TRC de 14-09-2020, porquanto as questões aí analisadas não são similares à dos presentes autos [ [15] ], parecendo-nos manifesto que o aresto não abona a favor da tese da apelante, estando assim sumariado: “I – Em regra, nas obrigações cujo cumprimento foi aprazado, o credor só pode exigi-lo após esse prazo ter decorrido. // II - Contudo, o art.º 781º do C. Civil estabelece como exceção que se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, como é o caso, a falta de realização atempada de uma delas importa o vencimento de todas, mesmo que o prazo para o seu cumprimento ainda não tivesse decorrido. // III - Apesar da sua literalidade – artº 781º do CCiv. - apontar para um vencimento automático ipso iure de todas as prestações quando não são pagas algumas das prestações já vencidas, não foi essa a intenção do legislador ao proceder à alteração resultante da 2.ª revisão ministerial. // IV - No art.º 781º do C. Civil não se consagra um vencimento automático das prestações ainda não vencidas, apenas se admite a possibilidade de o credor exigir o seu pagamento imediato, deixando o devedor de beneficiar do prazo que se encontrava estabelecido para a sua satisfação. // V - Radicando a ratio da excepcionalidade consagrada do art.º 781º do C. Civil, sobretudo, na quebra da relação de confiança que esteve na base da celebração do acordo de pagamento fraccionado no tempo, provocada pelo incumprimento parcial do pagamento de algumas dessas prestações, justifica-se que o vencimento das demais prestações fique dependente da avaliação que o credor faz da capacidade económica do devedor e da sua vontade em satisfazer as restantes prestações, podendo, inclusive, optar por aguardar algum tempo, confiando em que a dificuldade de pagamento seja temporária e que o devedor tenha capacidade económica para retomar o pagamento regular das prestações acordadas. // VI - É esta interpretação correctiva da letra do art.º 781º do C. Civil que é feita, quase unanimemente, pela doutrina e pela jurisprudência. // VII - O credor deve manifestar a sua vontade de exigir o pagamento da totalidade das prestações através da interpelação do devedor para as satisfazer, tal como sucede nas obrigações puras, de acordo com o disposto no art.º 805º, n.º 1, do C. Civil. // VIII - A interpelação do devedor para pagamento pode ser feita extrajudicialmente, através de qualquer dos meios que a lei prevê para a emissão das declarações negociais, ou judicialmente, conforme admite o próprio art.º 805.º, n.º 1, do C. Civil, designadamente através do acto de citação para os termos da ação (art.º 610º, n.º 2, b), do C. P. Civil) ou da execução (art.º 551º, n.º 1, do C. P. Civil), onde se reclame o pagamento dessas prestações. // IX - Nos casos em que a interpelação é feita extrajudicialmente, seguida da propositura de ação executiva, deve o título executivo ser composto pelo título constitutivo da obrigação e pela declaração interpelativa. // X - Nas hipóteses em que a interpelação seja efectuada através do próprio acto de citação na ação executiva, deve o próprio requerimento executivo incluir o conteúdo da interpelação exigível, ou seja a alegação da falta de pagamento de uma ou mais prestações e a vontade do exequente em considerar vencida toda a dívida, sendo aplicável, por identidade de razão, a imposição da forma de processo executivo ordinária, nos termos do art.º 550.º, n.º 3, a), do C. P. Civil, apenas podendo ser peticionados juros de mora desde a data da citação, momento em que ocorre a interpelação para o pagamento da totalidade da dívida. // XI - Se o art.º 781º permite exigir do devedor a totalidade da dívida, quando é incumprido o pagamento de uma das prestações, o art.º seguinte (782º) esclarece que essa perda do benefício do prazo já não se estende aos terceiros que a favor do crédito tenham constituído qualquer garantia, designadamente prestando uma fiança. // XII - Isto significa que, verificada a falta de pagamento de uma das prestações, se o credor pode exigir do devedor o pagamento da totalidade da dívida, o mesmo já não pode exigir dos fiadores”. Improcedem, pois, as conclusões de recurso. * Pelo exposto, decide-se: 1.Julgar procedente a apelação interposta pelos insolventes e, consequentemente, altera-se a sentença recorrida na parte em que julgou verificado, quanto à credora Caixa Económica da Misericórdia de Angra do Heroísmo, Caixa Económica Bancária S.A., o crédito 62.046,11€, que se julga não verificado. Sem custas porquanto não pode considerar-se a credora CEMAH como parte vencida, atento o seu posicionamento no processo, incluindo na fase recursiva. 2. Julgar improcedente a apelação interposta pela Caixa Económica da Misericórdia de Angra do Heroísmo, Caixa Económica Bancária S.A., mantendo-se a decisão recorrida. Custas pela apelante (art. 527.º, n.º 1 do CPC) Notifique.
Lisboa, 17-06-2025 Isabel Fonseca Manuela Espadaneira Lopes Fátima Reis Silva _______________________________________________________ [1] O texto parte, nomeadamente, da alegação vertida nos artigos 15.º e 16.º da reclamação apresentada pela apelante (cfr. o apenso G, em que a AI fez juntar a documentação alusiva às reclamações que lhe foram apresentadas), em que esta identifica os créditos pelos seguintes valores: - 169.005,93€ “decorrente do contrato de financiamento celebrado em 21 de agosto de 2002”; - 62.046,11€ “decorrente do contrato celebrado em 30 de junho de 2013”; - 193.723,76€ “decorrentes do contrato de crédito celebrado em março de 2008” Tudo no valor global de 424.775,58€, incluindo capital e juros em dívida até a data da sentença que declarou a insolvência em 06-06-2023. [2] Lê-se nas contra-alegações de recurso apresentadas pela credora: “5– O único crédito saldado – inexistente atualmente - foi, portanto, o emergente do contrato de crédito celebrado a 30/06/2013 e foi-o por via da reclamação de créditos em sede de processo executivo, referido na sentença agora recorrida no ponto: “IV) Do Direito A) VERIFICAÇÃO DE CRÉDITOS (…) iii. Crédito de €62.046,11€ sobre os devedores, a favor da CEMAH, decorrente do contrato celebrado em 30-06-2013.” 6- Tudo o mais continua por pagar (concretamente os créditos referidos nas alíneas ii. e iv.). 7- Não há, portanto, qualquer abatimento a fazer ao crédito de 169.005,93€ que não foi ainda pago, nem esse valor é o resultado de qualquer pagamento entretanto efetuado. 8- O Tribunal a quo cometeu um lapso manifesto ao reconhecer o valor de 169.005,93€, de facto em dívida, como sendo o resultado do abatimento da quantia de 59.592,42€, pois este último montante, recuperado em sede de reclamação de créditos, como supra se referiu, foi abatido, sim, ao crédito de 62.046,11€ que, por esse efeito, deixou de existir (iii), e este é o único ponto em que assiste razão aos Apelantes neste recurso. 9- Quanto ao ponto 14. das conclusões, a ora Apelada não concorda com o teor do mesmo, tendo, inclusive, já interposto recurso sobre a sentença ora em causa na parte relativa ao valor reconhecido em sede de créditos comuns da Apelada, pois não contempla o crédito de 193.723,76€, julgado, indevidamente, prescrito (recurso interposto para esse venerando Tribunal a 18/03/2025). Mas essa questão não é o objeto deste recurso, estando já a ser tratada em sede própria”. [3] Para além do despacho de admissão dos recursos interpostos, o tribunal proferiu o despacho tabelar de que “não se vislumbra que a decisão recorrida padeça das nulidades invocadas, nada havendo, portanto, a suprir (artigo 617º nº 1 do Código de Processo Civil)”. [4] Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 2010, Almedina, Coimbra, p. 56. [5] O Decreto-Lei n.º 132/93, de 23 de abril aprovou o Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência. Em sede de “[v]erificação do passivo. Restituição e separação de bens”, dispunha o art. 188.º (“[r]eclamação de créditos”): "1 - Dentro do prazo fixado na sentença declaratória da falência, entre 20 a 60 dias, devem os credores do falido, incluindo o Ministério Público na defesa dos interesses que represente, reclamar a verificação dos seus créditos, quer comuns, quer preferenciais, por meio de requerimento no qual indiquem a sua proveniência, natureza e montante, podendo ainda alegar o que houverem por necessário acerca da falência. 2 - O prazo começa a contar-se desde a data da publicação da sentença no Diário da República. 3 - O credor que tenha o seu crédito reconhecido por decisão definitiva não está dispensado de o reclamar no processo de falência, se nele quiser obter pagamento. 4 - Consideram-se devidamente reclamados o crédito do requerente da falência bem como os créditos exigidos nos processos em que já tenha havido apreensão de bens do falido ou nos quais se debatam interesses relativos à massa, se esses processos forem mandados apensar aos autos da falência dentro do prazo fixado para a reclamação”. [6] Se não o fizer corre o risco de não ver o seu crédito apreciado no processo, a menos que o mesmo seja do conhecimento do AI que o pode sempre relacionar ao abrigo do disposto no art. 129.º, n.º1 do CIRE. [7] Conforme jurisprudência uniforme do STJ, como dá nota, entre muitos outros, o acórdão de 12-01-2021, processo: 2689/19.8T8GMR-B.G1.S1 (Relator: Maria Clara Sottomayor), acessível in www.dgsi.pt, como todos os demais a que aqui se fizer referência. [8] Jorge Coutinho de Abreu, Do Abuso de Direito, 1983, Coimbra Almedina, p. 55. [9] Abuso de direito é a exata expressão do fenómeno que “justamente traduz a contradição entre o cumprimento da estrutura formalmente definidora de um direito e a violação concreta do fundamento que material-axiologicamente constitui esse mesmo direito”, Castanheira Neves, Questão de facto – questão de direito ou o problema metodológico da juridicidade, 1, Coimbra, 1967, pp. 524-525. [10] Acórdão do STJ de 10-12-2024, processo: 3300/15.1T8ENT-A.E2.S1 (Relator: Jorge Arcanjo). [11] Conforme consta do rosto do título, o mesmo foi subscrito pela empresa Auto Rep. … Unip. Lda (cfr. a assinatura e carimbo aí aposto) em “08-03-05”. Do verso constam as assinaturas dos insolventes, a seguir ao seguinte texto, impresso em letra manuscrita: “Dou o meu aval à empresa subscritora”. [12] Lê-se na parte inicial do texto do contrato: “CONTRATO DE FINANCIAMENTO Entre a Caixa Económica da Misericórdia de Angra do Heroísmo, com sede na Rua (…) adiante designada abreviadamente CEMAH e Auto Reparações … - Unipessoal Lda. (…), adiante designado por Mutuário; e MHS e MS (…), adiante designado(s) por Garante(s), é celebrado o presente contrato de financiamento, sujeito à sua disciplina específica, às disposições da lei civil aplicável, às competentes instruções do Banco de Portugal e, às condições do clausulado seguinte”. [13] As cláusulas 1.ª, 2.ª e 3.ª têm o seguinte teor: “1.ª MONTANTE: 1- Pelo presente contrato a CEMAH concede ao Mutuário um financiamento de EUROS 180.000,00 (cento e oitenta mil euros) a creditar na Conta D/ O (…) adiante designada por conta vinculada. 2- Fica a CEMAH autorizada a selar este por débito da conta vinculada. 2ª- PRAZO O presente contrato é celebrado pelo prazo de 180 meses. 3ª-UTILIZAÇÃO A utilização do crédito é imediata na data de produção de efeitos deste contrato e será efectuada por crédito na conta vinculada”. [14] Cfr. o acórdão do STJ de 19-06-2019, processo 1025/18.5T8PRT.P1.S1 (Relator: Bernardo Domingos), assim sumariado: I - Numa livrança em branco, o prazo de prescrição de três anos previsto no artigo 70º ex vi do artigo 77º, da LULL conta-se a partir da data de vencimento que venha a ser aposta no título pelo respectivo portador, quer essa data coincida ou não com o incumprimento do contrato subjacente ou com o vencimento da obrigação subjacente, nomeadamente quando esse vencimento decorre da insolvência do subscritor, em conformidade com o preceituado no artigo 91º, n.º 1, do CIRE. // II - Os avalistas de livrança em branco, destinada a caucionar um contrato de abertura de crédito em conta-corrente, atribuem ao portador o direito de preencher o título nos termos constantes do pacto de preenchimento. // III - Havendo pacto de preenchimento, tal pacto deve ser objecto de interpretação à luz dos critérios previstos no artigo 236º e seg. do Código Civil. // IV - Tendo o avalista intervindo na celebração do pacto de preenchimento, tal como o subscritor, é-lhe possível opor ao beneficiário a excepção material de preenchimento abusivo do título. // V - O prazo de prescrição de três anos previsto no artigo 70º da LULL é aplicável ao aceitante/subscritor e ao respectivo avalista, pois que este último responde nos mesmos termos que a pessoa por si afiançada. // VI - Enquanto não for preenchida a livrança em branco, com os elementos essenciais referidos no art.º 76º da LULL, designadamente a data de vencimento, não é possível conhecer da eventual prescrição do crédito cambiário, nem tão pouco do eventual abuso de preenchimento”. [15] Proferido no processo: 2417/16.0T8VIS-B.C1 (Relator: Sílvia Pires). O acórdão foi proferido no âmbito de oposição deduzida pelos executados por apenso à execução contra si instaurada; na sentença a 1. ª instância julgou procedentes os embargos, “julgando demonstrada a insuficiência do título executivo/ inexigibilidade da obrigação no âmbito dos autos de execução que constituem a acção principal, declarando a extinção dos mesmos”. Interposto recurso pela embargada o tribunal da Relação concluiu que “[n]ão tendo os títulos apresentados pelo embargado força executiva, relativamente ao crédito exequendo, deve o recurso improceder, confirmando-se, assim, a decisão recorrida”. Considerou-se, em síntese, em sede de “inexistência de título executivo contra a devedora”, que “a redacção do art.º 781º do C. Civil suscita outra dificuldade. // Apesar da sua literalidade apontar para um vencimento automático ipso iure de todas as prestações quando não são pagas algumas das prestações já vencidas, não foi essa a intenção do legislador ao proceder à alteração resultante da 2.ª revisão ministerial. // (…) No art.º 781º do C. Civil não se consagra um vencimento automático das prestações ainda não vencidas, apenas se admite a possibilidade de o credor exigir o seu pagamento imediato, deixando o devedor de beneficiar do prazo que se encontrava estabelecido para a sua satisfação. // Radicando a ratio da excepcionalidade consagrada do art.º 781º do C. Civil, sobretudo, na quebra da relação de confiança que esteve na base da celebração do acordo de pagamento fraccionado no tempo, provocada pelo incumprimento parcial do pagamento de algumas dessas prestações, justifica-se que o vencimento das demais prestações fique dependente da avaliação que o credor faz da capacidade económica do devedor e da sua vontade em satisfazer as restantes prestações, podendo, inclusive, optar por aguardar algum tempo, confiando em que a dificuldade de pagamento seja temporária e que o devedor tenha capacidade económica para retomar o pagamento regular das prestações acordadas. // É esta interpretação correctiva da letra do art.º 781º do C. Civil que é feita, quase unanimemente, pela doutrina e pela jurisprudência. // O credor deve manifestar a sua vontade de exigir o pagamento da totalidade das prestações através da interpelação do devedor para as satisfazer, tal como sucede nas obrigações puras, de acordo com o disposto no art.º 805º, n.º 1, do C. Civil. // A interpelação do devedor para pagamento pode ser feita extrajudicialmente, através de qualquer dos meios que a lei prevê para a emissão das declarações negociais, ou judicialmente, conforme admite o próprio art.º 805.º, n.º 1, do C. Civil, designadamente através do acto de citação para os termos da acção (art.º 610º, n.º 2, b), do C. P. Civil) ou da execução (art.º 551º, n.º 1, do C. P. Civil), onde se reclame o pagamento dessas prestações”. E, quanto à “inexistência de título executivo contra os fiadores”, lê-se no aresto: “Se o art.º 781º permite exigir do devedor a totalidade da dívida, quando é incumprido o pagamento de uma das prestações, o art.º seguinte (782º) esclarece que essa perda do benefício do prazo já não se estende aos terceiros que a favor do crédito tenham constituído qualquer garantia, designadamente prestando uma fiança. // Isto significa que, verificada a falta de pagamento de uma das prestações, se o credor pode exigir do devedor o pagamento da totalidade da dívida, o mesmo já não pode exigir dos fiadores. // Como explica Januário Gomes: O fiador se acionado pelo credor pode opor a excepção de inexigibilidade do crédito (fidejussório), na medida em que a pretensão “exceda” quantitativamente a medida das prestações resultantes do “calendário” estabelecido. É uma clara medida de proteção do fiador (e de outros coobrigados ou garantes) que corporiza uma excepção à acessoriedade da fiança e que conduz a uma solução equilibrada: se o credor pretende obter logo, uma vez provocado o vencimento da obrigação, a totalidade do seu crédito, terá de o exigir do devedor (…); se, ao invés, optar por exigir sucessivamente as prestações, de acordo com o “calendário” traçado, tem à sua “disposição”, para cada uma delas, os patrimónios do devedor principal e do fiador [19]. // Esta norma, também tem natureza supletiva, pelo que ela pode ser afastada por acordo das partes [20]. // No contrato de mútuo os fiadores limitaram-se a renunciar ao benefício da excussão prévia e no documento complementar, subscrito pelo mutuante, mutuária e fiadores, consignou-se que vale como interpelação para efeitos de determinação do vencimento da dívida, a simples citação nos termos legais para a acção executiva ou outra a que a CEMG recorra para manter, garantir ou haver o seu crédito. // (…) E o facto de se assumirem como principais pagadores não significa que ingressam numa posição jurídica exactamente igual à do devedor principal, mas apenas que respondem solidariamente com ele, o que nos termos do art.º 782º também os exclui da perda do benefício do prazo”.