RESOLUÇÃO EM BENEFÍCIO DA MASSA INSOLVENTE
ACÇÃO DE IMPUGNAÇÃO
Sumário

Sumário - Elaborado pela Relatora nos termos do art.º 663º, n.º 7, do Código de Processo Civil (CPC).
1 - Prevê o CIRE duas modalidades de resolução de atos em benefício da massa insolvente, uma que tem vindo a ser denominada como de resolução condicional, prevista no art.º 120º, do referido Código e a outra intitulada, pelo próprio legislador, como de resolução incondicional, mencionada no art.º 121º, do mesmo diploma legal.
2 - Existem mecanismos consagrados no CIRE que “facilitam” a resolução, como é o caso, nomeadamente, da resolubilidade dos atos enunciados, taxativamente, no art.º 121º, n.º 1, do CIRE, resolúveis em benefício da massa insolvente, sem dependência de quaisquer outros requisitos.
3 - A impugnação da resolução, prevista no art.º 125º, do CIRE, deve revestir a forma de uma ação declarativa de simples apreciação negativa, na qual se pretende, nos termos do art.º 10º, nºs 1, 2 e 3, al a), do CPC, obter a unicamente a declaração da existência ou inexistência de um direito.
4 - Assim sendo, e nos termos do 343º, n.º 1, do CC, é ao réu que compete a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga, sem prejuízo do disposto no art.º 344º do mesmo diploma legal.
5 - Não se confunde erro de direito ou de julgamento com discordância sobre a matéria de facto dada como provada.
6 - Na jurisprudência verifica-se alguma divisão relativamente à necessidade da comunicação de resolução, remetida pelo administrador da insolvência, ser mais ou menos precisa/rigorosa/exaustiva dos termos da sua fundamentação.
7 – Tendo o administrador da insolvência enviado cartas registadas comunicando a resolução, nas quais, no caso, foram invocados, de forma suficiente e precisa, os concretos factos e fundamentos que determinam a resolução, cumprem as mesmas os termos da fundamentação exigível.

Texto Integral

Acordam os Juízes da Secção de Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa

1. Relatório
M… apresentou-se à insolvência em 04.08.2023.
A insolvência da apresentante foi declarada por sentença datada de 09.08.2023, transitada em julgado.
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Em 14.09.2023, veio o administrador da insolvência nomeado nos autos apresentar relatório, nos termos do art.º 155º, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), dizendo no mesmo, nomeadamente, que: “Pelo que foi apurado, decorrente das diligências efectuadas junto dos Serviços de Finanças, Conservatórias do Registo Predial e Automóvel, Banco de Portugal, Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF) e IGCP, não foi conhecida à insolvente a propriedade de qualquer bem sujeito a registo.
Desde 06/02/2019 e até 13/01/2023 a insolvente foi proprietária do veículo 1.
A propriedade do veículo em causa foi transferida para a irmã da insolvente MM, pese embora a insolvente assuma ser a utilizadora do mesmo.
Face ao exposto, avançar-se-á com a resolução do negócio em benefício da Massa Insolvente, procedendo-se posteriormente à liquidação do veículo.”
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Em 24.11.2023, foi proferido despacho determinando o prosseguimento dos autos para liquidação do ativo.
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Em 15.12.2023, MM e M intentaram a presente ação declarativa, por apenso ao processo de insolvência (apenso C), pedindo a final que a impugnação seja julgada procedente por provada.
Alegaram, em síntese, que a viatura objeto do ato de impugnação sempre foi de propriedade da impugnante MM, que a adquiriu em 2018, não obstante no registo automóvel, aquando da aquisição, ter ficado registado, por mero favor, a favor da insolvente nos autos; que insolvente utilizava a viatura como se fosse sua; que porém o marido da Impugnante MM, que não sabia que a sua mulher tinha comprado um veículo automóvel exigiu da Insolvente que a viatura automóvel ficasse registado em nome da sua mulher, desconhecendo que a Insolvente tinha contraído dívidas.
Citada a massa insolvente apresentou a mesma contestação, reiterando, em síntese, o teor do referido nas cartas de resolução enviadas.
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Foi realizada audiência de discussão e julgamento nos autos.
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Em 12.02.2025, foi proferida sentença nos autos, com o seguinte dispositivo:
“Nos termos e pelos fundamentos expostos julga-se improcedente a presente ação e, consequentemente, declara-se válida e eficaz a declaração de resolução da transferência de propriedade da viatura 1 realizada a 13.01.2023 pela Insolvente para MM, sua irmã.
Custas a cargo das Autoras, que a estas deram causa (art.º 527º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, ex vi art.º 17º do CIRE).
Registe e notifique.”                                                 
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Inconformadas com a decisão proferida, as recorrentes apresentaram, em 03.03.2025, a presente apelação, pedindo que seja considerado procedente o recurso e consequentemente seja a revogada a sentença recorrida, julgando a ação de impugnação totalmente improcedente e não resolvido a favor da massa o negócio sub judice.
Concluíram nos seguintes termos:
“1. Por a carta resolutiva dos autos ser totalmente omissa no que respeita à data do início do processo de insolvência da Recorrente M, a ora Recorrente MM ficou impossibilitada de poder avaliar se, efectivamente, o acto cuja resolução lhe foi comunicada por uma simples carta ocorreu, ou não, dentro do prazo estabelecido na alínea b) do n.º 1 do art.º 121.º, com também, devido a tal omissão [a ora Recorrente MM desconhecia em absoluto que a sua irmã tinha sido judicialmente declarada insolvente (nem tem a obrigação de o saber)], ficou sem perceber o porquê da resolução.
2. Daqui decorre que, apenas por este motivo, i.e., devido a esta omissão (falta de indicação da data da insolvência na carta resolutiva) a carta resolutiva dos autos é nula por preterição de elementos essenciais.
3. A Mm.ª Juiz do Tribunal recorrido deu como provado (facto 1) que: “Por requerimento de 04.08.2023 M veio apresentar-se à Insolvência, o que veio a ser declarado por sentença proferida a 09.08.2023.“
4. Contudo, como já se disse, na carta resolutiva dos autos nada foi alegado nesse sentido.
Assim,
5. terá necessariamente que se concluir que ocorreu erro de direito e de julgamento, pelo que, terá que ser retirado dos factos provados o facto 1.
6. Por não se encontrar demonstrada nos autos a intenção ou o espírito de liberalidade (animus donandi) por banda da Recorrente M, nem o espírito de aceitação (animus beneficandi) de tal putativo negócio gratuito pela Recorrente MM, a carta resolutiva também é nula por falta de alegação e de demonstração destes elementos essenciais.
7. Efectivamente, não é possível qualificar-se uma transmissão de um veículo automóvel em causa como revestindo a natureza de acto gratuito se não ficar demonstrado, à mingua de outros elementos (contrato, certidão automóvel, etc), a subjectividade inerente aos actos gratuitos.
8. Por o Administrador da Insolvência não ter referido na carta resolutiva o valor, ainda que aproximado ou estimado, do acto resolvido, a carta resolutiva é nula por falta de indicação de elementos essenciais.
9. Na realidade, não tendo o Administrador da Insolvência alegado na sua carta resolutiva dos autos qualquer facto integrador da presunção de prejudicialidade de que goza, terá de ver “naufragar” o direito de resolução que invocou.
Ademais,
10. não ficou demonstrado nos autos que foi efectivamente no dia 13/01/2023 e não noutra data que ocorreu a alegada transferência da propriedade do veículo 1 para MM.
11. Não ficou demonstrado nos autos a propriedade do veículo automóvel dos autos.
12. Não há nos autos um único documento idóneo (contrato ou certidão do registo automóvel) que comprove a data da transferência ou até mesmo a propriedade do veículo automóvel dos autos do veículo automóvel dos autos.
13. Dúvidas não existem que são factos essenciais da carta resolutiva dos autos a cabal demonstração da data da alegada transferência e a demonstração/prova da propriedade do veículo automóvel em apreço.
14. A falta de demonstração de tais factos na carta resolutiva constitui nulidade da carta resolutiva por preterição de elementos fundamentais de prova que deviam constar na carta resolutiva.
15. Com efeito, o registo automóvel, à semelhança do que é regra no registo predial (Cfr. art.º 1.º do Código do Registo Predial), não tem efeito constitutivo (como acontece com a hipoteca, p. ex.) ou transmissivo.
16. Tem, sim, como efeito primordial conceder ao facto registado uma forma de publicidade organizada, independentemente de qualquer efeito jurídico específico. É o que se chama de efeito declarativo ou enunciativo.
17. Ora, o direito de propriedade daqueles veículos está obrigatoriamente sujeito a registo (Cfr. art.º 5.º, n.º 1, alínea a, do Código do Registo da propriedade automóvel - Decreto-Lei n.º 54/75, de 12 de Fevereiro),
18. tal como a mudança de nome dos proprietários (Cfr. n.º 2 do art.º 5 do referido Diploma Legal.
19. Assim, falta de demonstração de tais factos (diga-se alegada mudança de propriedade do veículo automóvel no dia 13/01/2023 bem como a própria titularidade) na carta resolutiva constitui nulidade da mesma, nulidade esta que desde já se invoque para os legais efeitos, por preterição de elementos fundamentais de prova que deviam constar na carta resolutiva.
20. Fica, assim, por todos os motivos atrás invocados, evidenciado que a Sentença recorrida incorre em erro de direito e de julgamento por violação do disposto no artigo 121.°, n.° 1, alínea b), e n.° 2, do CIRE, devendo ser revogada e substituída por outra que julgue totalmente procedente a acção de impugnação proposta pelas ora Recorrentes.
21. Efectivamente, todos estes défices factuais, por não conterem a alegação e a demonstração de todos os factos materiais que fundamentam a resolução ao abrigo do artigo 121º, nº 1, alínea b), do CIRE, inquina a declaração de resolução dos autos, devendo, assim, proceder a invocada declaração de nulidade da declaração resolutiva operada em benefício da massa insolvente.
22. Foram violados pelo Tribunal recorrido, entre outros, o artigo 121.º do CIRE.”
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Em 10.05.2025, foi proferido nos autos, despacho de admissão do presente recurso, de apelação, a subir, nos próprios autos, imediatamente e com efeito devolutivo.
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Foram colhidos os vistos.
Cumpre apreciar.                                                     
2. Objeto do recurso
Analisado o disposto nos artºs 608º, n.º 2, aplicável por via do art.º 663º, n.º 2, 635º, nºs 3 e 4, 639º, nºs 1 a 3 e 641º, n.º 2, al. b), todos do CPC, sem prejuízo das questões que o tribunal deve conhecer oficiosamente e daquelas cuja solução fique prejudicada pela solução a outras, este Tribunal apenas poderá conhecer das questões que constem das conclusões do recurso, que definem e delimitam o objeto do mesmo. Não está ainda o Tribunal obrigado, face ao disposto no art.º 5º, n.º 3, do citado diploma, a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar essas conclusões, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito.
Considerando o acima referido são as seguintes as questões a decidir no presente recurso:
- Do putativo erro de direito e/ou de julgamento;
- Da putativa impugnação da matéria de facto;
- Da verificação dos pressupostos para ser declarada válida a resolução, em benefício da massa insolvente, do ato de transmissão de propriedade de um veículo automóvel celebrado entre a insolvente e MM, passando o conhecimento desta questão pela da subsunção da resolução à situação prevista na alínea b), do número 1, do art.º 121º, do CIRE.                     
3. Fundamentos de facto
Os constantes do Relatório, que se dão por integralmente reproduzidos e ainda os
dados como provados na decisão recorrida, nos seguintes termos, aditando e alterando este Tribunal da Relação, ao abrigo do disposto nos arts. 662º, n.º 1, 663º, n.º 2 e 607º, nº 3, este último por remissão, do CPC, as menções constantes da referida matéria de facto dada como provada pelo tribunal a quo, aqui a sublinhado, para maior compreensão, face ao teor dos documentos juntos aos autos em 16.07.2024:
1. Por requerimento de 04.08.2023 M veio apresentar-se à Insolvência, o que veio a ser declarado por sentença proferida a 09.08.2023.
2. A Ré Massa Insolvente, representada pelo seu Administrador, remeteu cartas registadas, com aviso de recepção, datadas de 15.09.2023, dirigidas  à insolvente e a MM, recebidas pelas mesmas, nas quais se enuncia como assunto: “RESOLUÇÃO EM BENEFÍCIO DA MASSA/Proc. Insolvência n.º 12217/23.5T8SNT, Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, Juízo de Comércio de Sintra – Juiz 6.”.
3. Das cartas de resolução referidas em 2. consta, designadamente, que: “3. O
Requerimento de declaração da insolvência em apreço deu entrada no Tribunal em 04 de Agosto de 2023.
4. Em 17 de agosto de 2023, mediante informação obtida junto da Conservatória do
Registo Automóvel de Lisboa, o signatário tomou conhecimento que o veículo 1, foi propriedade da devedora M, desde 6/02/2019 até 13/01/2023, data em que foi concretizada a transferência de propriedade para MM, nif …, residente na Praceta…, Agualva- Cacém, irmã da devedora.
5. Foi notificado o Exmº Mandatário da devedora, Dr. N, cédula …4L para que
fornecesse o comprovativo da venda do veículo pela devedora a MM bem como respectivo comprovativo de pagamento, tendo o mesmo informado o seguinte: “Não foi celebrado formalmente um contrato compra e venda, pois, de facto, esta viatura era propriedade da irmã da insolvente. Não houve dinheiro envolvido pelo motivo atrás referido”.
6. A transferência de propriedade do veículo 1 não teve assim qualquer
contrapartida da parte da Srª MM. Tratou-se de um mero acto gratuito praticado pela devedora a favor da sua irmã que viu assim enriquecer gratuitamente o seu património.
7. Atento o supra exposto, verifica-se que a devedora desfez-se apenas
formalmente do seu património, sem qualquer contrapartida, atenta a natureza obviamente gratuita do negócio.
8. Acresce que a devedora, após a concretização da transferência de propriedade,
permaneceu como utilizadora do referido veículo suportando as despesas associadas ao mesmo, manutenções, seguros, etc, como a mesma peticionou no requerimento de declaração de insolvência.
9. Além do mais, o bem abrangido pela transferência da propriedade, constitui
a totalidade do património da devedora.
10. Deste modo, aquela transferência de propriedade só pode ser qualificada
como uma liquidação antecipada e instantânea do património da devedora em proveito de um terceiro.
11. E que o bem estava a ser subtraído ao património da devedora em prejuízo da
massa e dos seus credores, o que de resto legalmente se presume (artº 120 nº 3 e artº 121 nº 1 alínea b) do CIRE).
Ademais,
12. todos os intervenientes no supra descrito negócio, em virtude das relações
familiares entre si, tinham plena consciência da situação económica e financeira da ora insolvente. E com a consciência de que do seu ato iria resultar em manifesto prejuízo para os credores da insolvente, pois as transmissões foram gratuitas. E cientes de que, com tal actuação, retiravam da esfera patrimonial da
insolvente o seu único património.
13. Face ao supra exposto, o dito negócio foi notoriamente celebrado de má-fé
porquanto, além de todos os referidos intervenientes saberem que a ora insolvente não tinha capacidade para cumprir com as suas obrigações e que a sua insolvência era iminente, também sabiam que a transferência de propriedade era prejudicial, porque diminuía frustrava, dificultava, punha em perigo ou retardava, a satisfação dos credores da insolvência (artº 120 nº 5 alíneas a) e b) do CIRE). A possibilidade conferida ao Administrador de Insolvência de resolver em benefício da massa os actos praticados pela insolvente, reputados como prejudiciais à massa, radica na defesa dos supremos interesse dos credores de insolvência, pretendendo acautelar-se o empobrecimento patrimonial dos credores decorrente da prática de atos pelo insolvente num dado período temporal, que procede a declaração de insolvência, tido como suspeito.(…)
Ora, no caso em apreço estamos precisamente na previsão da alínea b) do nº 1 do artº 121 do CIRE “Actos praticados pelo Devedor a título gratuito dentro dos dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência (…). E mesmo que assim não se entenda, também da alínea g) do nº 1, do artº 121 do CIRE “Pagamento ou outra forma de extinção de obrigações efectuados dentro dos seis meses anteriores à data do início do processo de insolvência em termos não usuais no comercio jurídico e que o credor não pudesse exigir. Nestes termos, porque se encontram preenchidos os respectivos pressupostos declaro, com efeito imediatos, resolvida em benefício da massa insolvente a transferência de propriedade do veículo 1, a favor de MM, com data de 13 de Fevereiro de 2023.”.
4. A 13/01/2023 M… transferiu a propriedade do veículo 1, para MM, sua irmã.
5. A propriedade foi transferida sem qualquer contrapartida;
 6. M é a utilizadora do referido veículo suportando as despesas associadas ao mesmo, manutenções, seguros.
  7. M não é detentora de outros bens.
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Foram ainda dados como não provados, na mesma decisão, os seguintes factos:
a) MM adquiriu Dezembro de 2018 o veículo 1;
b) MM decidiu compensar a Insolvente, adquirindo um automóvel, para lho emprestar;
c) MM não conhecia a situação financeira da irmã.
4. Apreciação do mérito do recurso
Em apreciação no presente recurso está a resolução, em benefício da massa insolvente, de um ato praticado pela devedora antes da data do início do processo de insolvência.
Tal como enuncia Catarina Serra: “A resolução em benefício da massa insolvente é considerada a expressão mais emblemática do princípio par conditio creditorum. (…), ela desempenha um papel importante na repressão e na reversão de certos actos praticados pelo devedor antes do início do processo de insolvência – os actos dirigidos a depreciar ou a extrair valor, antecipadamente, da (futura) massa insolvente.”[1]
Também no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 08.04.2025, se salienta que: “A resolução extrajudicial de atos de natureza patrimonial celebrados pelo devedor em situação de insolvência atual ou de insolvência iminente, nos dois anos anteriores ao início do processo onde esta venha a ser declarada, configura-se juridicamente como um direito potestativo atribuído à massa insolvente e ao universo dos credores da insolvência, representados pelo administrador da insolvência, enquanto instrumento específico do regime falimentar para recuperação das atribuições patrimoniais que, naquela situação, foram concedidas com prejuízo para o património do devedor e, deste modo, com prejuízo das garantias patrimoniais dos respetivos credores.”[2]
Prevê o legislador duas modalidades de resolução, uma que tem vindo a ser denominada como de resolução condicional, prevista no art.º 120º, do CIRE e a outra intitulada, pelo próprio legislador, como de resolução incondicional, mencionada no art.º 121º, do mesmo diploma legal.
Consagra ainda, o citado art.º 120º, como mencionam Carvalho Fernandes e João Labareda, noções e presunções que valem para a resolução em geral.[3]
Por sua vez, o art.º 123º, do CIRE, regula, designadamente, a forma de resolução, consignando-se que quem tem legitimidade para efetuar a mesma é o administrador da insolvência.[4]
Vejamos então, no que ora nos interessa, o que dispõem estes normativos legais:
Artigo 120.º (Princípios gerais)
“1- Podem ser resolvidos em benefício da massa insolvente os atos prejudiciais à massa praticados dentro dos dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência.
2 - Consideram-se prejudiciais à massa os actos que diminuam, frustrem, dificultem, ponham em perigo ou retardem a satisfação dos credores da insolvência.
3 - Presumem-se prejudiciais à massa, sem admissão de prova em contrário, os actos de qualquer dos tipos referidos no artigo seguinte, ainda que praticados ou omitidos fora dos prazos aí contemplados.
4 - Salvo nos casos a que respeita o artigo seguinte, a resolução pressupõe a má fé do terceiro, a qual se presume quanto a actos cuja prática ou omissão tenha ocorrido dentro dos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência e em que tenha participado ou de que tenha aproveitado pessoa especialmente relacionada com o insolvente, ainda que a relação especial não existisse a essa data.
5 - Entende-se por má fé o conhecimento, à data do acto, de qualquer das seguintes circunstâncias:
a) De que o devedor se encontrava em situação de insolvência;
b) Do carácter prejudicial do acto e de que o devedor se encontrava à data
em situação de insolvência iminente;
c) Do início do processo de insolvência.
Artigo 121.º (Resolução incondicional)
“1- São resolúveis em benefício da massa insolvente os actos seguidamente
indicados, sem dependência de quaisquer outros requisitos:
(…)
b) Actos celebrados pelo devedor a título gratuito dentro dos dois anos
anteriores à data do início do processo de insolvência, incluindo o repúdio de herança ou legado, com excepção dos donativos conformes aos usos sociais;
2 - O disposto no número anterior cede perante normas legais que excepcionalmente exijam sempre a má fé ou a verificação de outros requisitos.”
Art.º 123º (Forma de resolução e prescrição do direito)
“A resolução pode ser efetuada pelo administrador da insolvência por carta registada com aviso de recepção nos seis meses seguintes ao conhecimento do acto, mas nunca depois de decorridos dois anos sobre a data da declaração de insolvência.”
Estabelece assim o art.º 120º, nºs 1 e 4, do CIRE, dois requisitos, em geral, de que depende a resolução em apreço: a prejudicialidade do ato à massa, nos termos do nº 1 e a má-fé de terceiro, face ao disposto no n.º 4, do citado normativo legal.
Consideram-se atos prejudiciais à massa os elencados no n.º 2 do preceito e entende-se por má-fé, o conhecimento, à data do ato, de qualquer uma das circunstâncias mencionadas no n.º 5, do mesmo artigo.
No entanto, como salienta Catarina Serra, na obra já citada, o regime prevê mecanismos que facilitam em certos casos a resolução,[5] como é o caso, nomeadamente, da resolubilidade dos atos enunciados, taxativamente, no art.º 121º, n.º 1, do CIRE, resolúveis em benefício da massa insolvente, sem dependência de quaisquer outros requisitos.
Entre eles, a prática de atos celebrado pelo devedor a título gratuito, dentro dos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência, tal como o que fundou a resolução em apreciação e está em causa nos presentes autos de ação declarativa de impugnação da resolução.
Tal como salientam Carvalho Fernandes e João Labareda, já supra citados: “A resolubilidade dos atos gratuitos prevista nesta alínea funda-se na sua prejudicialidade, inerente à sua categoria de liberalidade: diminuem o património de quem os pratica e, como tal, diminuem a satisfação dos credores.”[6]
De salientar que, tal como a Jurisprudência tem assinalado, trata-se esta de uma ação declarativa de simples apreciação negativa[7], na qual se pretende, nos termos do art.º 10º, nºs 1, 2 e 3, al a), do CPC, obter a unicamente a declaração da existência ou inexistência de um direito.
Assim sendo, e nos termos do 343º, n.º 1, do Código Civil (CC), é ao réu que compete a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga, sem prejuízo do disposto no art.º 344º do mesmo diploma legal.
Cabe assim à massa insolvente, na resolução incondicional que ora conhecemos  provar os factos que integram, no caso, a previsão da invocada da alínea b), do n.º 1, do art.º 121º, do CIRE.
Quanto às impugnantes compete-lhe a impugnação relativamente aos atos objeto de resolução, assim como dos fundamentos de resolução em causa, podendo opor contraprova, nos termos do art.º 346º, do C.C., ou ainda invocar e provar nos termos enunciados no art.º 342º, n.º 2, do mesmo diploma legal.
Vejamos assim se foram cumpridos os ónus enunciados, tendo também em atenção que, tal como a jurisprudência e a doutrina têm defendido, embora com diferentes graus de exigência, a carta de resolução deve ser fundamentada[8].
Antes de mais, no que respeita à enunciada omissão da data do início do processo de insolvência mencionada pelas recorrentes. Como vimos supra refere-se, na citada alínea b), o prazo de dois anos anteriores ao início do processo de insolvência, devendo aqui ter-se em consideração o disposto no art.º 4, n.º 2, do CIRE, que menciona que todos os prazos que têm no CIRE, como termo final, o início do processo de insolvência abrangem igualmente o período compreendido entre esta data e a da declaração de insolvência.
Ora, ao contrário do que referem as recorrentes, e tal como consta da factualidade provada, na carta registada com aviso de receção enviada pelo administrador da insolvência nomeado nos autos, refere-se expressamente, no seu ponto 3, a data de entrada em tribunal da petição inicial – 04.08.2023 (facto 3 dado como provado). Não é pois correto o enunciado pelas recorrentes, não se verificando, nesta parte, qualquer vício na carta de resolução.
No que concerne à peticionada retirada do facto n.º 1 dado como provado na sentença proferida aqui a questão é outra.
Referem aqui as recorrentes a existência de erro de direito ou de julgamento.
Vejamos, em primeiro lugar, em que consiste um erro de direito e um erro de julgamento.
Enunciava Alberto dos Reis que: “o magistrado comete erro de juízo ou de julgamento quando decide mal a questão que lhe é submetida, ou porque interpreta e aplica erradamente a lei, ou porque aprecia erradamente os factos.”[9]
Citamos ainda algumas referências na Jurisprudência a propósito destas questões: “o erro de julgamento (error in judicando) que resulta de uma distorção da realidade factual (error facti) ou na aplicação do direito (error juris), de forma a que o decidido não corresponda à realidade ontológica ou à normativa, traduzindo-se numa apreciação da questão em desconformidade com a lei, consiste num desvio à realidade factual - nada tendo a ver com o apuramento ou fixação da mesma - ou jurídica, por ignorância ou falsa representação da mesma.”[10]; “O erro de julgamento é um erro de carater substancial e ocorre quando na decisão proferida a lei é mal aplicada ou há um erro quanto à questão de facto ou de direito apreciada, afeta o fundo ou o efeito da decisão, e dita a sua revogação por estar desconforme ao caso ou ao direito.”[11]
Ora não é isso o que aqui é invocado pelas recorrentes. As mesmas, nesta parte, aludem à sua discordância com a matéria de facto que foi dada como provada, dizendo, relativamente ao facto n.º 1, que o mesmo terá de ser retirado dos factos provados, por essa menção não constar da carta resolutiva, enunciando ainda que: “não ficou demonstrado nos autos que foi efetivamente em 13/01/2023 e não noutra data que ocorreu a alegada transferência de propriedade do veículo…”, assim como que: “Não ficou demonstrado nos autos a propriedade do veículo automóvel dos autos…”.
Cumpre assim saber se está em causa uma “válida” impugnação da matéria de facto?
Analisemos o disposto no art.º 640º, n.º 1, do CPC.
Dispõe este artigo que:
“1 – Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou de
gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de
facto impugnadas.
Também quanto a esta matéria recordemos o referido no art.º 662º, nº 1, do CPC, que dispõe que:
“1. A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”
Refere Abrantes Geraldes, na análise que faz deste artigo, que: “… podemos sintetizar da seguinte forma o sistema que vigora sempre que o recurso de apelação envolva a impugnação da decisão sobre a matéria de facto:
a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados com a enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões.
b) O recorrente deve especificar, na motivação, os meios de prova, constantes do processo (…) que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos.
(…)
e) O recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente.”[12]
Menciona, por sua vez, o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 12.10.2023, que: “Incumprindo o recorrente o ónus de impugnação previsto no art.º 640.º, n.º 1 do CPC (especificação dos concretos pontos de facto que se consideram incorrectamente julgados, dos concretos meios probatórios que impõem que sobre eles seja proferida uma decisão diferente - incluindo as exactas passagens da gravação dos depoimentos em que se estriba -, e da decisão alternativa que deverá ser proferida sobre as questões de facto impugnadas), e tal como aí expressamente afirmando, terá o seu recurso que ser rejeitado («sob pena de rejeição»).[13]
Tal como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 06.02.2024:
“A especificação dos concretos meios probatórios convocados e a indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, além de constituírem uma condição essencial para o exercício esclarecido do contraditório, servem sobretudo de parâmetro da amplitude com que o tribunal de recurso deve reapreciar a prova, sem prejuízo do seu poder inquisitório sobre toda  prova produzida que se afigure relevante para tal reapreciação, como decorre do preceituado no artigo 662º/1 do CPPCivil.”[14]
No entanto a referida rejeição deve ser “temperada” tendo em atenção as finalidades referidas, de acordo com o entendimento que tem vindo a ser acolhido pelo Supremo Tribunal de Justiça.
Citamos uma referência de um Acórdão deste tribunal, de 25.01.2024:
“É entendimento dominante neste Supremo Tribunal que o ónus previsto no art. 640.º do CPC se desdobra em dois tipos:
• Um ónus primário que respeita à obrigação de indicação dos concretos pontos de facto impugnados, por se tratar de uma imposição de delimitação do objecto do recurso (n.º 1 do art. 640.º do CPC);
• Um ónus secundário que visa possibilitar um mais facilitado acesso aos meios de prova gravados pertinentes para a apreciação da impugnação da matéria de facto (n.º 2 do art. 640.º do CPC).
Ciente de que a imposição de ónus de impugnação representa um condicionamento ao direito de acesso aos tribunais e, em especial, ao direito ao recurso (cfr. artigo 20.º, n.º 1, da CRP), este Supremo Tribunal de Justiça tem-se esforçado por interpretar o disposto na norma com certa cautela, evitando leituras excessivamente formalistas que possam conduzir a restrições injustificadas das garantias associadas ao processo equitativo e convocando sempre, para o efeito da melhor interpretação da norma, os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.
Assim, de acordo com a orientação maioritária (e em crescendo) da jurisprudência deste Supremo Tribunal, a interpretação do art. 640.º do CPC não deve ser pautada por uma perspetiva formalista, mas antes por critérios preferencialmente materiais, em função do princípio da proporcionalidade dos ónus, cominações e preclusões impostos pela lei processual, princípio que constitui uma manifestação do princípio da proporcionalidade das restrições, consagrado no art. 18.º, n.os 2 e 3, da Constituição, e da garantia do processo equitativo, consagrada no art. 20.º, n.º 4, da Constituição. Devendo o tribunal fazer uma análise conjugada quer das conclusões quer das alegações de recurso, no sentido em que haja uma complementaridade entre ambas e que permitam o exercício do contraditório pela parte contrária e a apreensão do seu teor pelo tribunal de recurso, sem grande esforço.”[15]
Ora, na espécie, verificadas as alegações e as conclusões apresentadas pelas recorrentes, concluímos que as mesmas não cumprem os ónus que lhes são impostos pelo citado art.º 640º, do CPC.
Em primeiro lugar, com exceção do respeitante ao facto n.º 1, não enunciam as recorrentes que factos em concreto consideram incorretamente julgados, igualmente não referem os concretos meios probatórios que impunham que fosse tomada decisão diversa, limitando-se a dizer que “não ficou demonstrado” e apenas fazendo referências ao registo automóvel e ao constante da carta resolutiva e não aos factos em concreto dados como provados relativamente a esta factualidade, a saber os factos 4 e 5 dados como provados.
Fazem as recorrentes apenas alegações genéricas e globais relativamente a esta matéria, manifestando apenas a sua discordância, sem precisar.
Assim sendo, o putativo recurso sobre a matéria de facto, mesmo a considerar-se existir, nesta parte, deve claramente ser rejeitado.
E mesmo que assim não fosse, sempre se acrescenta, relativamente à questão da propriedade registada relativamente ao veículo em causa (cf. documento junto pelas próprias recorrentes em 27.01.2025), que sempre caberia às mesmas ilidir a presunção juris tantum decorrente desse registo ou do registo anterior em nome da insolvente, o que claramente não lograram.
No que concerne ao facto 1, que as recorrentes entendem que deve ser retirado da matéria de facto provada, verifica-se, no que concerne ao mesmo, que o facto em apreço, dado como provado, não se reporta à carta resolutiva mas sim à factualidade constante da sentença de declaração de insolvência proferida nos autos, com referência ainda à data de entrada da petição inicial, como aliás se constata de uma consulta da motivação invocada pelo tribunal relativamente à prova daquele.
Não se verifica assim qualquer motivo para retirar o enunciado facto da matéria de facto provada.
Provado ficou, pois, que o ato em apreciação ocorreu nos dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência, sendo o ato invocado (transferência de propriedade) datado de 13.01.2023, tal como resulta dos factos provados elencados como 4 e 5 e a data do início do processo de insolvência de 04.08.2023.
No que concerne à natureza de ato gratuito do ato ora em apreço nos autos, igualmente essa gratuitidade ficou claramente demonstrada, face ao enunciado no facto n.º 5, de que a transferência da propriedade do veículo foi feita sem qualquer contrapartida.
Tal como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 01.07.2014:
“Apurando-se não ter sido paga qualquer quantia a título de preço, a invocada “venda”, sempre poderia ser subsumida no preceituado na al. b) do n.º 1 do art. 121.º do CIRE, por se apresentar como um negócio gratuito, celebrado pelo devedor nos dois anos anteriores à data do início do processo e, assim sendo, resolúvel a título incondicional.”[16]
No que respeita à aludida intenção das partes, ou ao mencionado espírito de liberalidade por parte da recorrente M e do espírito de aceitação, como tal, por parte da recorrente MM, as mesmas não relevam, interessando sim a natureza objetiva do ato – prestação realizada, no caso transferência de propriedade de um bem móvel, veículo automóvel, sem qualquer contrapartida recebida[17].
Tal como muito bem esclareceu o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 16.01.2024: “Se assim é a razão de ser do regime[18] e identificado o interesse primordial de proteger os credores da insolvência de actos de diminuição patrimonial num arco temporal próximo ao início do processo de insolvência, será de avaliar o enriquecimento patrimonial da contraparte, sem correspectivo, à custa da diminuição patrimonial do atribuinte, depois insolvente, de acordo com uma relação objectiva e funcional de valor entre prestação realizada e contraprestação recebida, de modo que a (ausência de) representação subjectiva das partes não é de relevar como primordial para ponderar (e afastar, se assim fosse) a gratuitidade implicada na al. b) do art. 121º, 1, do CIRE (como conceito de relação tendo por base as atribuições patrimoniais realizadas)”.[19]
Quanto à fundamentação da carta resolutiva, muito embora se assinale, essencialmente na jurisprudência, alguma divisão relativamente à necessidade da comunicação de resolução, remetida pelo administrador da insolvência, ser mais ou  menos precisa/rigorosa/exaustiva dos termos dessa fundamentação,[20] no caso em concreto, da análise da carta resolutiva em apreço nos autos, resulta que, claramente, no caso, foram invocados, de forma suficiente e precisa, os concretos factos e fundamentos que determinam a resolução:
- A prática de um ato de transferência de propriedade de um veículo automóvel (ato jurídico que é objeto de resolução);
- A título gratuito, ou seja, sem qualquer contrapartida (a natureza do ato);
- Pela devedora para terceiro (sujeitos em causa na prática do ato);
- Dentro do período temporal de dois anos anterior à data do início do processo de insolvência (com invocação das datas da prática do ato e da data em que se iniciou o processo de insolvência, respetivamente).
E, ao contrário do que referem as recorrentes, não é necessário a invocação de qualquer factualidade, como vimos, no que respeita à prejudicialidade do ato ou à existência de má-fé, uma vez que estamos perante uma resolução incondicional, estando estes pressupostos presumidos «juris et de jure».[21]
Tal como de forma clara se enuncia no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 06.03.2024: “No artigo 121º são elencadas hipóteses específicas que conduzem a uma mais fácil resolução dos atos, por não pressuporem a verificação de condicionantes adicionais para alem dos requisitos que especialmente lhes respeitam”[22], a saber, as invocadas, no caso, prejudicialidade e má-fé.
Não se verificam assim os invocados vícios no que respeita à carta resolutiva em apreciação nos autos, impondo-se concluir pela fundamentação nos termos exigíveis da mesma.
Assim sendo, importa concluir que não assiste razão às recorrentes e que o recurso deverá improceder na sua totalidade, mantendo-se a decisão recorrida.
As custas deverão ser suportadas pelas recorrentes (artºs 663º, n.º 2, 607º, n.º 6, 527º, nºs 1 e 2, 529º e 533º todos do CPC).

5. Decisão
Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso interposto e consequentemente mantém-se a decisão recorrida
Custas pelas recorrentes.
Notifique

Lisboa, 17.06.2025
Elisabete Assunção
Ana Rute Costa Pereira
Manuela Espadaneira Lopes
_______________________________________________________
[1] Lições de Direito da Insolvência, 3ª edição, Almedina, pág. 295.
[2] Proc. n.º 10048/23.1T8SNT-E.L1-1, Relatora Fátima Reis Silva, disponível em www.dgsi.pt.
[3] Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas anotado, 3ª edição, Quid Juris, pág. 500.
[4] Com a declaração de insolvência o administrador da insolvência assume a representação do devedor para todos os efeitos de caráter patrimonial que interessem à insolvência – art.º 81º, n.º 4, do CIRE.
[5] Obra citada, nota 1, pág. 296.
[6] Obra citada, nota 2, pág. 506.
[7] Neste sentido, entre outros, na Jurisprudência: Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31.05.2023, Proc. n.º 25911/19.6T8LSB-D.L1.S1, Relatora Maria José Mouro, Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 24.04.2025, Proc. n.º 1731/23.2T8GMR-E.G1, Relatora Alexandra Viana Lopes, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 25.02.2025, Proc. n.º 2925/23.6T8STS-E.P1, Relator Pinto dos Santos.
[8] Mais à frente voltaremos a esta questão.
[9] José Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, Coimbra Editora, 1981, Vol. V., págs. 124 e 125.
[10] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 03.03.2021, Relator Leonor Cruz Rodrigues, disponível em www.dgsi.pt.
[11] Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 23.05.2024, Proc. n.º 3278/21.2T8PRT.P2, Relatora Isoleta de Almeida Costa, disponível em www.dgsi.pt.
[12] António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7ª edição atualizada, Almedina, págs. 198 e 199.
[13] Proc. n.º 605/21.6T8VCT-C.G1, Relatora Maria João Matos, disponível em www.dgsi.pt.
[14] Proc. n.º 18321/21.7T8PRT.P1.S1, Relator Nelson Borges Carneiro, disponível em www.dgsi.pt.
[15] Proc. n.º 1007/17.4T8VCT.G1.S1, Relator Fernando Baptista, disponível em www.dgsi.pt.
[16] Proc. n.º 529/10.2TBRMR-C.C1.S1, Relatora Ana Paula Boularot, disponível em www.dgsi.pt.
[17] Não estando em causa um donativo conforme aos usos, de que fala o legislador.
[18] Aludindo anteriormente o Acórdão ao facto de a resolubilidade dos atos gratuitos fundar-se na prejudicialidade inerente à categoria de liberalidade, diminuindo o património de quem os pratica e, como tal, diminuindo a satisfação dos credores, tutelando-se, deste modo, os interesses dos credores em detrimento dos beneficiários do ato.
[19] Proc. n.º 1932/19.8T8PDL-N.L1.S1, Relator Ricardo Costa, disponível em www.dgsi.pt
[20] Cf. a título de exemplo, o mencionado no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 20.02.2024, Proc. n.º 2668/23.0T8VNG-C.P1, Relator Rui Moreira que assinala que: “o administrador da insolvência deve indicar os concretos factos que são o fundamento da resolução, por tal ser essencial à possibilidade de o impugnante a contestar. A deficiência de fundamentação do acto não poderá ser suprida ulteriormente, em sede contestação à acção de impugnação, com indicação de novo quadro factual ou outros vícios.”. Por sua vez, no Acórdão da mesma Relação de 25.02.2025, já mencionado supra na nota 7, refere-se quanto aos pressupostos previstos no art.º 121º, que basta na carta resolutiva “a indicação precisa [ainda que sintética] do negócio que é objeto do ato resolutivo e as circunstâncias que se reconduzem a alguma daquelas alíneas, de modo a que o destinatário da respetiva missiva possa aperceber-se de que está em causa uma situação compreendida naquele primeiro preceito legal.”. Por sua vez, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, já acima citado, de 31.05.2023, nota 7, diz-se que: “Tal resolução deverá ser fundamentada, devendo da declaração de resolução constar a invocação dos factos em que o administrador da insolvência se alicerça, desde logo, os elementos de facto essenciais e que se mostrem necessários para permitir ao destinatário perceber as razões da resolução e proceder, querendo, à sua posterior impugnação; relevantes são os factos alegados para a resolução e não a qualificação jurídica que possa ter sido feita, não se impondo, todavia, uma exaustiva indicação de todos os factos justificativos.”
Quanto à posição da Doutrina, cf, entre outros, Fernando de Gravato de Morais, “A resolução em benefício da massa insolvente”, Almedina, 2008 e Maria do Rosário Epifânio, Manual de Direito da Insolvência, 8ª edição, Almedina, pág. 269.
[21] Não se verificando qualquer uma das situações acauteladas pelo disposto no n.º 2, do art.º 121º, do CIRE. Cf. ainda o disposto nos arts. 120º, n.º 3 e 4, primeira parte do art.º 120º, do CIRE.
[22] Proc. n.º 31662/16.6T8LSB-D.L1.S1, Relatora Maria Olinda Garcia, disponível em www.dgsi.pt.