MANDADO DE DETENÇÃO EUROPEU
PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE
AMPLIAÇÃO
RECUSA FACULTATIVA DE EXECUÇÃO
PRINCÍPIO DA LEALDADE
CONSTITUCIONALIDADE
Sumário


I - O principio da especialidade constitui uma protecção para a pessoa procurada e entregue, enquanto se encontrar sob a tutela do Estado requerente, pois, não pode ser sujeita a procedimento penal, condenada ou privada de liberdade por uma infracção praticada em momento anterior à sua entrega e diferente daquela que motivou a emissão do Mandado de Detenção Europeu.
II - Constitui excepção a este princípio o consentimento do Estado requerido na ampliação do objecto do MDE – art.º 7º, n.º 2, al. g) da Lei 6572003, de 23.08.
III - Neste caso, o consentimento é prestado pelo Tribunal da Relação que executou o MDE anterior e ordenou a entrega da pessoa procurada ao Estado de Emissão – art.º 7º, n.º 4, al. a) da Lei 65/2003.
IV- A ampliação/extensão do MDE fica sujeita aos mesmos requisitos de natureza material e formal de que depende o consentimento inicial.
V- O consentimento da autoridade de execução (n.º 2, al. g) do mesmo art.º 7º) pode ser recusado com fundamento num dos motivos de recusa facultativa, previstos no 12º (que determina “pode ser recusada”) da Lei 65/2003, de 23.08.
VI - Que, porém, deverá ser justificada, demonstrando as reais vantagens que resultem para a investigação e conhecimento dos crimes objeto do mandado, da prevalência da jurisdição nacional sobre a jurisdição do Estado de emissão, como é jurisprudência do STJ.
VII - Cumpridos que estejam os requisitos impostos pela Lei 65/2003, nos termos em que é aplicável, asseguradas à pessoa procurada, todas as garantias de defesa, incluindo o recurso – art.º 32º, n.º 1 da CRP - não pode concluir-se pela verificação de qualquer inconstitucionalidade.

Texto Integral

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça:

1. Relatório

1.1.No presente processo n.º 3667/23.8YRLSB.S1, promoveu o Ministério Público a execução do Pedido de Extensão do Mandado de Detenção Europeu (MDE) apresentado pelas Autoridades Judiciárias Francesas, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 7.º, n.º 2, al. g) e n.º 4, al. a) e d) e 8.º, n.ºs 4 e 5 da Lei n.º 65/ 2003, de 23 de agosto, respeitante a AA, ..., divorciado, de nacionalidade portuguesa, nascido a ... de ... de 1958, filho de BB e de CC, portador do cartão de cidadão n.º ........ 8 ZX2, válido até .../.../2029 e do passaporte n° P....63, com morada na Rua ... e atualmente detido em França, nos termos e com os fundamentos seguintes:

1. Relativamente ao Requerido AA já correu termos o processo judicial em epígrafe por então constar a seu respeito o Mandado de Detenção Europeu emitido pelo Tribunal Judiciário de ..., no Processo de Instrução n.º JIJIRS5C......03, inserido com o número de registo ..........................01. 01. no Sistema de Informação Schengen.

2. O Mandado de Detenção Europeu que levou à detenção do Requerido foi emitido em 11/12/2023 pelo Tribunal Judiciário de ..., no âmbito do Processo de Instrução n.º JIJIRS5C......03 e respeitava a procedimento

criminal contra o Requerido, por factos ocorridos entre os dias 1 e 31 de maio de 2022, em ..., em território francês, sendo imputados ao Requerido na qualidade de Autor, e que de acordo com o formulário então

anexo, as seguintes infrações constantes do art. 2. °, n.º 2, da Lei n.º 65/2003, de 23 de agosto:

- Importação não autorizada de estupefacientes como membro de bando organizado, previsto pelos artigos 222.º-36, al. 1, 222.º-41, 132.º-71, todos doCódigo Penal Francês, e pelos arts. L.5132-7, L.5132-8, al. 1, R.5132-77,

R.5132-78, todos do Código de Saúde Pública e pelo artigo 1.º da Resolução do Conselho de Ministros de 22/02/1990, e punido pelos artigos 222.º-36, al. 2, 222.º-44, 222.º-48, 222.º-49, 222.º-50, 222.º-51 e 131.º-26-2, todos do Código Penal Francês;

-Branqueamento do produto da importação não autorizada de estupefacientes como membro de bando organizado, previsto pelos artigos 222.º-38, 222.º-36, al. 2, al. 1, 222.º-41 e 132.º-71, todos do Código Penal Francês, e pelos arts. L.5132-7, L.5132-8, al. 1, R.5132-77, R.5132-78, todos do Código de Saúde Pública e pelo artigo 1.º da Resolução do Conselho de Ministros de 22/02/1990, e punido pelos artigos 222.º-38, 222.º-36, al. 2, 222.º-44 parágrafo I, 222.º-45, 222.º-47, 222.º-48, 222.º-49, 222.º-50, 222.º-51 e 131.º-26-2, todos do Código Penal Francês; - Participação em associação criminosa, previsto pelos artigos 450.º-1, al. 1, al. 2, do Código Penal Francês, e punido pelos arts. 450.º-1, al. 2, 450.º-3, 450.º-5, do mesmo diploma legal;

- Transporte não autorizado de estupefacientes, previsto pelos artigos 222.º- 37, al. 1, 222.º-41, ambos do Código Penal Francês, e pelos arts. L.5132-7, L.5132-8, al. 1, R.5132-74, R.5132-77, todos do Código de Saúde Pública e ainda pelo artigo 1.º da Resolução do Conselho de Ministros de 22/02/1990, e punido pelos artigos 222.º--37, al. 1, 222.º-44, 222.º¬45, 222.º-47, 222.º-48, 222.º-49, 222.º-50 e 222.º-51, todos do Código Penal Francês;

- Detenção não autorizada de estupefacientes, previsto pelos artigos 222.º- 37, al. 1, 222.º-41, ambos do Código Penal Francês, e pelos arts. L.5132-7, L.5132-8, al. 1, R.5132-74, R.5132-77, todos do Código de Saúde Pública e pelo artigo 1.º da Resolução do Conselho de Ministros de 22/02/1990, punido pelos artigos 222.º-37, al. 1, 222.º-44, 222.º-45, 222.º-47, 222.º-48, 222.º-49, 222.º-50 e 222.º-51, todos do Código Penal Francês;

- Distribuição não autorizada de estupefacientes, previsto pelos artigos 222.º-37, al. 1, 222.º-41, ambos do Código Penal Francês, e pelos arts. L.5132-7, L.5132-8, al. 1, R.5132-74, R.5132-77, todos do Código de Saúde Pública e

pelo artigo 1 da Resolução do Conselho de Ministros de 22/02/1990, e punido pelos artigos 222.º-37, al. 1, 222.º-44, 222.º-45, 222.º-47, 222.º-48, 222.º-49, 222.º-50 e 222.º-51, todos do Código Penal Francês;

- Aquisição não autorizada de estupefacientes, previsto pelos artigos 222.º-37, al. 1, 222.º-41, ambos do Código Penal Francês, e pelos arts. L.5132-7,L.5132-8, al. 1, R.5132-74, R.5132-77, todos do Código de Saúde Pública e

pelo artigo 1.º da Resolução do Conselho de Ministros de 22/02/1990, e punido pelos artigos 222.º-37, al. 1, 222.º-44, 222.º-45, 222.º-47, 222.º-48,222.º-49, 222.º-50 e 222.º-51, todos do Código Penal Francês;

-Participação em associação criminosa com vista à preparação de crime punido com pena de 10 anos de prisão, previsto pelo artigo 450.º-1, al. 1, al. 2, do Código Penal Francês, e punido pelos arts. 450.º-1, al. 2, 450.º-3, 450.º-5, do mesmo diploma legal;

-Branqueamento do produto da importação não autorizada de estupefacientes, previsto pelos artigos 222.º-38, 222.º-36, al. 1, 222.º-37, todos do Código Penal Francês, e pelo art. L.5132-7, do Código de Saúde Pública e pelo artigo 1.º da Resolução do Conselho de Ministros de 22/02/1990, punido pelos artigos 222.º-38, 222.º-44, 222.º-45, 222.º-47, 222.º-48, 222.º-49, 222.º-50 e 222.º-51, todos do Código Penal Francês;

- Transporte de mercadoria perigosa para a saúde pública (estupefaciente) sem documentação justificativa-contrabando, previsto pelos artigos 419.º, §1, 215.º, 215.º-BIS, e 38.º § 4, todos do Código Aduaneiro, e pelo artigo 1.º, § 1 da Resolução do Conselho de Ministros de 22/02/1990, e punido pelos artigos 419.º, § 2 e § 3, 414.º, al. 3 e al. 1, 435.º, 436.º, 438.º, 432.º-BIS, e 369.º, todos do Código Aduaneiro;

- Tráfico de mercadorias em infração das regras de proibição da importação na zona aduaneira - importação sem declaração de mercadorias proibidas, previsto pelos artigos 420.º, al. 17, 38 § 4 e § 5, do Código Aduaneiro e pelo artigo 1.º, anexo II da Resolução do Conselho de Ministros de 22/09/2011, e punido pelos artigos 414.º, al. 1, 435.º, 436.º, 432.º-BIS, 369.º, todos do Código Aduaneiro.

3. O Requerido AA foi ouvido no processo judicial em epígrafe no dia 13 de dezembro de 2023, tendo declarado opor-se à sua entrega às Autoridades Judiciárias Francesas e não renunciar ao princípio da especialização, sem, porém, invocar a existência de causa de recusa de execução do Mandado de Detenção Europeu; foi então proferido douto despacho que validou a sua detenção e a manutenção da mesma e determinou que a decisão seria proferida por Acórdão.

4. Foi proferido douto Acórdão em 23/1/2024 que deferiu a execução do Mandado de Detenção Europeu, determinando a entrega do Requerido às Autoridades Judiciárias Francesas para procedimento criminal, e bem assim que aguardaria a entrega na situação de detido, consignando que o Requerido não renunciava ao benefício da regra da especialidade.

5. Após o trânsito em julgado do douto Acórdão, foram promovidos e emitidos mandados de desligamento a favor do GNI com vista à efetivação da entrega do Requerido às Autoridades Judiciárias Francesas, tendo a entrega sido concretizada em 25/3/2024.

5. Entretanto, e no que concerne ao processo judicial em epígrafe, foi agora apresentado pedido de extensão do Mandado de Detenção Europeu, pedido formulado em 3/12/2024, pelo Procurador da República de ... junto do Tribunal da Relação de ..., com referência ao Processo da Procuradoria n.º .........37 e ao Processo de Instrução n.º JIJIRS5C......03, respeitante também ao Requerido AA.

6. O pedido de extensão do Mandado de Detenção Europeu foi entregue pelo Gabinete de França na Eurojust ao Membro Nacional de Portugal que, por sua vez, e ao abrigo do disposto no art.º 8.º, n.º 1, al. a), do Regulamento

(EU) 2018/1727, de 14/11/2019, o transmitiu ao Tribunal da Relação de Lisboa.

7. As Autoridades Judiciárias Francesas referem que a investigação permitiu determinar que o Requerido AA participou como autor principal nos factos que motivaram a emissão do Mandado de Detenção Europeu e noutros factos semelhantes praticados entre 1 de janeiro de 2022 e 12 de dezembro de 2023 na Circunscrição da Jurisdição Interregional de Rennes, em qualquer caso no território francês, em Portugal, nos Países Baixos e no Brasil.

8. As Autoridades Judiciárias Francesas, para efeitos de procedimento criminal, solicitam o alargamento da decisão aos mencionados factos praticados no período entre 1 de janeiro de 2022 e 12 de dezembro de 2023.

9. Os factos descritos integram para as Autoridades Judiciárias Francesas as seguintes infrações.

- Importação ilícita de estupefacientes, neste caso de cocaína, com a circunstância que os factos foram cometidos por uma quadrilha organizada, factos previstos e puníveis pelos artigos 222.º-36, 222.º-40, 222.º-41, 222.º-43,

222.º-44, 222.º-45, 222.º-47, 222.º-48, 222.º-49 e 222.º-50 do Código Penal Francês e pelos arts. L.5132-7, L.5132-84, R.5132-85, R.5132-86, todos do Código de Saúde Pública, da Convenção Internacional Única sobre os Estupefacientes de 30 de março de 1961 e do Decreto de 22 de fevereiro de 1990 que estabelece a lista dos estupefacientes.

- Transporte, posse, aquisição, fornecimento ou cessão ilícita de estupefacientes, nomeadamente cocaína, factos previstos e puníveis pelos artigos 222.º-41, 222.º-43, 222.º-44, 222.º-45, 222.º-47, 222.º-48, 222.º-49, e 222.º-50 do Código Penal, e pelos arts. L.5132-7, L.5132-84, R.5132-85 e R.5132-86, do Código de Saúde Pública, da Convenção Internacional Única sobre os Estupefacientes de 30 de março de 1961 e do Decreto de 22 de fevereiro de 1990 que estabelece a lista dos estupefacientes.

- Posse e transporte de mercadorias proibidas sem os devidos documentos comprovativos, em violação das disposições legais ou regulamentares, neste caso cocaína, com a circunstância que os factos incidiram sobre mercadorias perigosas para a saúde pública, neste caso plantas ou substâncias ou preparações classificadas como estupefacientes, factos previstos e puníveis pelos artigos 38.º, 215.º, 141.º, 417.º e seguintes, 423.º e seguintes, 432-A e 435.º do Código das Alfândegas.

- Branqueamento de capitais: participação numa operação destinada a colocar, dissimular ou converter o produto de infrações que envolvam a importação não autorizada de estupefacientes ou o transporte, a posse, a aquisição, o fornecimento ou a cessão ilícita de estupefacientes, neste caso de cocaína, factos previstos e puníveis pelos artigos 222.º-38, 222.º-40, 222.º- 41, 222.º-43, 222.º-44, 222.º-45, 222.º-47, 222.º-48 222.º-49 e 222.º-50 do Código Penal, e pelos arts. L.5132-7, L.5132-84, R.5132-85 e R.5132-86, do Código de Saúde Pública, da Convenção Internacional Única sobre os Estupefacientes de 30 de março de 1961 e do Decreto de 22 de fevereiro de 1990 que estabelece a lista dos estupefacientes.

- Participação numa associação criminosa com vista à preparação de crimes ou delitos puníveis com 10 anos de prisão, factos previstos e puníveis pelos artigos 450.º-1, 450.º-3 e 450.º-5 do Código Penal.

10. As infrações não se mostram prescritas e são também punidas no Ordenamento Jurídico Português como se assinalou no requerimento inicial.

11. Não se encontra instaurado em Portugal procedimento criminal contra o Requerido pelos factos constantes do pedido de extensão do Mandado de Detenção Europeu.

12. O pedido de extensão do Mandado de Detenção Europeu apresentado pelas Autoridades Judiciárias Francesas fundamenta-se em os factos imputados ao Requerido neste pedido serem anteriores à sua entrega por Portugal às Autoridades Judiciárias Francesas em 25/3/2024, praticados noutros locais e diferentes daqueles que motivaram a emissão do Mandado de Detenção Europeu.

13. O pedido de extensão do Mandado de Detenção Europeu apresentado pelas Autoridades Judiciárias Francesas visa o afastamento do princípio da especialidade a que o Requerido não renunciou aquando da sua audição, a fim de que o Requerido possa ser sujeito a procedimento criminal pelos mencionados factos, nos termos do 7.º, n.º 2, al. g) e n.º 4, al. a) e d) e 8.º, n.ºs 4 e 5 da Lei n.º 65/ 2003, de 23 de agosto.

14. O pedido de extensão do Mandado de Detenção Europeu encontra-se junto aos autos e bem assim a sua tradução em língua portuguesa.”

Juntou pedido de extensão do Mandado de Detenção Europeu apresentado pelas Autoridades Judiciárias Francesas e transmitido pelo Membro Nacional de Portugal na Eurojust.

Requereu a notificação do Ilustre Defensor do Requerido AA para dizer o que se lhe oferecer sobre o pedido de extensão do Mandado de Detenção Europeu e que seja proferida decisão no sentido de alargar o âmbito da decisão de entrega do Requerido às Autoridades Judiciárias Francesas, por forma de a alargar também aos factos praticados entre 1 de janeiro de 2022 e 12 de dezembro de 2023 na Circunscrição da Jurisdição Interregional de Rennes, em qualquer caso no território francês, em Portugal, nos Países Baixos e no Brasil.”

1.2. O requerido AA, apresentou a sua “oposição à Extensão do Mandado de Detenção Europeu e ao Requerimento do Exmo. Sr. Procurador-Geral de 02/04/25, expondo e requerendo o seguinte:

-O MDE que levou à detenção de AA foi emitido a 11 de Dezembro de 2023 pelo Procurador da República do Tribunal Judicial de ..., na República Francesa, no âmbito do processo nº ........37/Instrução nº JIJIRS5C......03, ao abrigo da Decisão-Quadro nº 2002/584/JAI, do Conselho, de 13 de junho, para fins de procedimento criminal, por alegadamente AA ter cometido as infrações naquele documento discriminadas, pelos seguintes factos:

-“Em 26 de maio de 2022, a alfândega francesa descobriu no porto de ..., 124 kg de cocaína dissimulados dentro do Sea Chest do cargueiro «G.... ...» de procedência do BRASIL. As investigações conduziram à descoberta de dois fatos suplementares nos meses de março de 2022 e novembro de 2021, períodos em que outros cargueiros carregados de entorpecentes de procedência do BRASIL faziam uma escala em .... As investigações telefónicas revelavam a presença sobre os locais de vários telefones franceses entre elas uma linha identificada em nome de DD.”

-AA foi ouvido nos presentes autos no dia 13 de Dezembro de 2023, e declarou, desde logo, não ser DD (nome feminino) e que não renunciava ao princípio da especialização.

-Por Acórdão de 24 de Janeiro de 2024, do Tribunal da Relação de Lisboa, foi deferida a execução do MDE, determinando a sua entrega às autoridades francesas para procedimento criminal, no âmbito do processo nº ........37, Instrução nº JIJIRS5C......03. A entrega do requerido ás autoridades francesas concretizou-se a 25/3/2024.

-No processo n.º 3669/23.4....., da ... Secção do TRL, referente ao Processo francês, Instrução nº JIJIRS5C......03, o Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 29 de Fevereiro de 2024, decidiu que o MDE se circunscrevia a factos praticados entre 1 a 31 de Maio de 2022, em ..., no território francês.

-O Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça transitou em julgado a 14 de Março de 2024, pelo que se tornou definitiva a decisão.

-O atual pedido de extensão dos efeitos da entrega de AA, solicita o alargamento da decisão de entrega a outros factos com contornos semelhantes, aos descritos no MDE emitido a 11 de Dezembro de 2023, mas, alegadamente, ocorridos no período compreendido entre 1 de Janeiro de 2022 e 12 de Dezembro de 2023, em França, Portugal, Países Baixos e Brasil.

-Afiguram-se-nos opacos, muito duvidosos e não confiáveis os procedimentos das autoridades francesas nos presentes autos.

-Com tais pedidos de alargamento dos efeitos da decisão de entrega, as autoridades francesas, e o M. Público junto com elas, pretendem o afastamento do princípio da especialidade, a que o requerido não renunciou aquando da sua audição, a fim de que possa também responder por factos mais abrangentes do que aqueles que foram imputados ao requerido no MDE.

-O princípio da especialidade – inato ao instituto tradicional da extradição, traduz a limitação do âmbito penal substantivo do pedido, cuja abrangência se encontrava vedada e circunscrita aos factos motivadores do pedido de extradição – surge como uma garantia da pessoa procurada e como limite, neste caso da ação penal e representa uma segurança jurídica.

-Segurança jurídica é o que as autoridades francesas, comprovadamente, claramente não asseguram!

-A pretensão da extensão do MDE viola a Lei e a Constituição.

-O princípio da lealdade, deve compreender-se como uma exigência concreta da otimização de valores constitucionais. Nesse plano assumem uma inegável relevância valores como a dignidade humana, que tem inscrita a proteção do princípio de confiança recíproca na atuação processual, o que não se compadecem com uma utilização estratégica e abusiva do processo, que claramente está a ser praticada pelas autoridades requerentes.

-O pedido de extensão do MDE, agora formulado, contém não só um alargamento no tempo (o MDE circunscrevia a factos praticados entre 1 a 31 de Maio de 2022, enquanto o pedido de alargamento pretende entre 1 de Janeiro de 2022 e 12 de Dezembro de 2023) como no espaço (o MDE circunscrevia-se a La Rochelle, no território francês, enquanto o pedido de alargamento se reporta à Circunscrição de Rennes, no território francês, em Portugal, nos Países Baixos e no Brasil).

-Ora, a verdade é que no MDE já existia uma referência, vaga e genérica, a tais factos, vejamos:

“As investigações conduziram à descoberta de dois fatos suplementares nos meses de março de 2022 e novembro de 2021, períodos em que outros cargueiros carregados de entorpecentes de procedência do BRASIL faziam uma escala em .... As investigações telefónicas permitiam detectar durante esses diferentes fatos a presença da pessoa denominada EE em ... depois a presença da pessoa denominada AA no momento dos fatos de março de 2022.”

“I) As interceções via mensagem SKY ECC revelavam que EE estava em relação entre 2020 e 2021 com a pessoa denominada FF para organizar importações de cocaína via marítima desde o BRASIL.

II) As investigações revelavam que EE deslocou até PORTUGAL em 20/01/2023 para reencontrar FF diante do domicílio de seu sogro AA, outro indivíduo suspeito neste processo.”

-Porém o pedido do MDE circunscrevia-se apenas a factos praticados entre 1 a 31 de maio de 2022, em ..., no território francês. E foi com base nessa informação que as Autoridades Portuguesas autorizaram o envio do cidadão português AA.

-Acresce que se as Autoridades Portuguesas tivessem conhecimento designadamente de que os factos imputados também se referiam a Portugal, poderiam ter recusado a entrega.

-Como expressamente dispõe a al. d) do n.º 4 do art.º 7.º, o consentimento da autoridade de execução (nº 2, al. g) do mesmo art.º 7.º) pode ser recusado com fundamento num dos motivos de recusa obrigatória ou facultativa previstos nos art.ºs 11.º (“será recusada”) e 12.º (“pode ser recusada”) da Lei 65/2003.

-Nos termos do artigo 12.°, n.º 1, alínea h), pontos i), a execução do mandado de detenção europeu pode ser recusada quando:

“h) O mandado de detenção europeu tiver por objeto infração que: i) Segundo a lei portuguesa tenha sido cometida, no todo ou em parte, em território nacional ou a bordo de navios ou aeronaves portugueses;”

-Face à situação concreta em que o Estado Francês, formula agora ao Estado Português um pedido de ampliação do MDE emitido contra o arguido, tal pedido consubstancia uma violação da expectativa do requerido no sentido de que as condições de entrega se limitasse ao pedido inicialmente formulado, o confronto com um pedido novo, e não esperado, de extensão do MDE a situações mais amplas constitui uma situação de deslealdade processual, tanto perante o cidadão português AA, como das Autoridades Judiciárias Francesas perante as Autoridades Judiciárias Portuguesas.

-Termos em que deverá ser indeferida a pretendida autorização para ampliação do MDE, inicialmente decretado.”

1.3. Em 17.01.2025, com o requerimento inicial juntou o Ministério Público, o pedido de extensão do Mandado de Detenção Europeu apresentado pelas Autoridades Judiciárias Francesas e transmitido pelo Membro Nacional de Portugal na Eurojust.

1.4. Por acórdão de 15.01.2025, foi proferida decisão com o seguinte dispositivo:

“Pelo exposto, após conferência, os juízes deste Tribunal da Relação, acordam em prestar o consentimento a que o procedimento criminal visando requerido AA, m. id. nos autos, se estenda aos factos constantes do MDE ampliativo, designadamente, no que se refere ao período temporal e localizações geográficas indicadas, mantendo-se válida a garantia, já prestada, de que o requerido será devolvido a Portugal, para cumprimento da pena ou medida de segurança privativa da liberdade em que venha a ser condenado em França.

Proceda-se às necessárias notificações e comunicações ao MINISTÉRIO PÚBLICO, à autoridade judiciária de emissão, ao requerido e à ilustre mandatária.”

1.5. Inconformado com esta decisão dela recorre o requerido AA, formulando, a final, as seguintes conclusões:

“1ª - O MDE que conduziu à detenção de AA foi emitido a 11 de Dezembro de 2023, tendo o recorrente, sido ouvido nos presentes autos no dia ... de ... de 2023, e declarado, expressamente, que não renunciava ao princípio da especialidade.

2ª - Por Acórdão de 24 de Janeiro de 2024, do Tribunal da Relação de Lisboa, foi deferida a execução do MDE, determinando a sua entrega às autoridades francesas para procedimento criminal, no âmbito do processo nº ........37, Instrução nº JIJIRS5C......03, “por ser suspeito da prática de 11 crimes, puníveis com pena máxima de 30 anos de prisão, cometidos, alegadamente entre novembro de 2021 e maio de 2022.

3ª - A 14 de Março de 2025 foi recebido, um pedido de extensão dos efeitos da entrega de AA, solicitando o alargamento da decisão de entrega do recorrente a outros factos com contornos semelhantes, aos descritos no MDE emitido a 11 de Dezembro de 2023, mas, alegadamente, ocorridos no período compreendido entre 1 de Janeiro de 2022 e 12 de Dezembro de 2023, em França, Portugal, Países Baixos e Brasil.

4ª – Acontece que o intitulado pedido de “ampliação” formulado pelas autoridades judiciárias francesas, funda-se, alegadamente, em factos anteriores à entrega do recorrente, alegadamente diferentes daqueles que motivaram a emissão do anterior MDE, quando o verdadeiro móbil é o afastamento do princípio da especialidade a que o recorrente não renunciou aquando da sua audição;

5ª – Pretendendo-se que possa ser sujeito a procedimento criminal pelos mencionados factos, alegadamente mais abrangentes do que aqueles que foram imputados ao recorrente no MDE inicial.

6ª – Não colhe o argumento da decisão recorrida, segundo o qual “a extensão do MDE mais do que reportar a prática de distintos crimes anteriores á entrega do requerido, amplia o âmbito dos ilícitos que já haviam fundamentado o MDE originalmente emitido e bem assim que o peticionado é o consentimento para que a investigação em curso abranja um período mais alargado para lá do já autorizado de Novembro 2021 a Maio de 2022, no caso de 1/1/22 a 12/12/23, e um perímetro geográfico mais alargado compreendendo a circunscrição da jurisdição inter-regional de ..., e atos eventualmente praticados no território francês, em Portugal, nos Países Baixos e no Brasil.”

7ª – Na verdade, não se trata aqui da prática de quaisquer crimes destintos e anteriores á entrega do arguido, ou do alargamento do período e da área geográfica.

8ª – Uma vez que tanto os factos como o período temporal, como a área geográfica, já constavam do MDE inicial, e, portanto não são de modo nenhum novos .

9ª - Pese embora e bem, a decisão da Relação que defere o MDE inicial, apenas deferiu o período entre Novembro de 2021 e Maio de 2022.

10ª – Nem se argumente que tais factos não eram explícitos, pois o MDE não se compadece com factos aparentes, pelo contrário exige, rigor não só formal, mas também substancial.

11ª – No fundo as autoridades francesas o que pretendem é de forma encapotada e contra legem, colmatar lacunas do anterior MDE, e, dessa forma fazendo tábua rasa, do transito em julgado da decisão inicial, derrogando o princípio da especialidade e lealdade processual.

12ª - Nem se diga, como faz a decisão recorrida que estamos ante um crime exaurido, que se consubstancia numa multiplicidade de atos, pois tal significaria incerteza e insegurança no sistema jurídico.

13ª - Pois a ser assim, o arguido poderia como foi “in casu”, ser extraditado pela pratica dos factos entre o período “X” a “X”, e depois, estrategicamente, atenta a tipologia, a investigação prosseguia e solicitava-se a ampliação pelo período “X” a “X”, assim se gerando uma insegurança total no sistema jurídico, permitindo o protelar das investigações e sucessivas ampliações.

14ª - É este o corolário lógico da decisão recorrida, ao afirmar que apenas se atenta á regularidade formal e substancial do MDE, “tout court”, ignorando-se os princípios gerais que presidem e norteiam o nosso sistema jurídico, como sejam o trânsito em julgado, com inerente estabilidade e certeza daí adveniente, a lealdade processual, o princípio da especialidade etc …

Ainda que assim se não entenda:

15ª -Se ab initio, isto é aquando do deferimento do MDE, as Autoridades Portuguesas tivessem conhecimento designadamente de que os factos imputados também se referiam a Portugal, poderiam ter recusado a entrega.

16ª - Como expressamente dispõe a al. d) do n.º 4 do art.º 7.º, o consentimento da autoridade de execução (nº 2, al. g) do mesmo art.º 7.º) pode ser recusado com fundamento num dos motivos de recusa obrigatória ou facultativa previstos nos art.ºs 11.º (“será recusada”) e 12.º (“pode ser recusada”) da Lei 65/2003.

17ª - Nos termos do artigo 12°, n.º 1, alínea h), pontos i), a execução do mandado de detenção europeu pode ser recusada quando:

“h) O mandado de detenção europeu tiver por objeto infração que: i) Segundo a lei portuguesa tenha sido cometida, no todo ou em parte, em território nacional ou a bordo de navios ou aeronaves portugueses;”

18ª – Caso se considere que os factos são novos, de acordo com a narrativa da pseudo ampliação, tal abrange também a área geográfica, ao que para o presente interessa Portugal, logo estamos antes uma causa de recusa de extradição e o recorrente poderia ser julgado no nosso país.

19ª - A interpretação do disposto no art.º 7° da Lei 65/2003 de 23 de Agosto, segundo a qual o princípio da especialidade não obsta a que o extraditado por determinados factos concretos e precisos, que já constavam do MDE inicial, tendo sido autorizada a extradição para determinado período, pode a todo o tempo, ser objeto de ampliação do pedido MDE, inicialmente formulado é materialmente inconstitucional por violação do disposto no nº 1º do art.º 32 da CRP.

20ª - Normas violadas: Artigo 7° da Lei 65/2003 de 23 de Agosto, al. d) do n.º 4 do art.º 7.º, nº 2, al. g) do mesmo art.º 7.º, art.ºs 11.º e 12.º nº 1, da Lei 65/2003.”

Termos em que deverá ser conceddio provimento ao presente recurso e revogada a autorização para a ampliação do MDE, inicialmente decretado, o qual deverá ser mantido nos seus precisos termos.”

1.6. Ao recurso respondeu o Ministério Público, pelo Senhor Procurador-Geral Adjunto no Tribunal da Relação, concluindo do seguinte modo:

1. O recurso vem interposto do acórdão da Relação de Lisboa que declarou o seu consentimento para afastamento do princípio da especialidade de que beneficiou AA no âmbito do MDE originário, visando o procedimento criminal pela prática dos crimes em investigação no Processo da Procuradoria n.º .........37/Processo de Instrução n.º JIJIRS5C......03 do Tribunal da Relação de ..., França.

2. Tem por fundamento a violação dos princípios da especialidade e da lealdade processual e, subsidiariamente, a verificação de um motivo de recusa da entrega, uma vez que os factos, em parte, foram cometidos em Portugal, conforme disposto nos arts. 7.º, n.º 4, al. d) e 12.º, n.º 1, al. h, i), da Lei 65/2003, de 22/08.

3. Coloca as questões de saber se MDE originário pode ser ampliado quando a pessoa entregue não renunciou ao princípio da especialidade; se a entrega pedida no MDE ampliativo pode ser recusada quando os factos novos ocorreram em parte em território português; se é materialmente inconstitucional, por violação do disposto no n.º 1 do art. 32.º da CRP, a interpretação do disposto no art. 7.°, da Lei 65/2003, de 23 de agosto, segundo a qual o princípio da especialidade não obsta a que o extraditado por determinados factos concretos e precisos, que já constavam do MDE originário, tendo sido autorizada a entrega para determinado período, pode a todo o tempo, ser objeto de ampliação do pedido MDE, inicialmente formulado.

4. O princípio da especialidade, previsto no art.º 7.º, n.º 1, da Lei 65/2003, de 23/08, e no art. 27.º, n.º 3, da DQ n.º 2002/584/JAI, do Conselho, de 13/06, sofre as exceções constantes do art. 7.º, n.ºs 2 e 3, da citada Lei 65/2003, e do art.º 27.º, n.ºs 1 e 3, da DQ n.º 2002/584/JAI, como é o caso previsto na al. g) do n.º 2, do citado art.º 7.º, aqui em causa, que prevê que o princípio ceda quando

exista consentimento da autoridade de judiciária de execução que proferiu a decisão de entrega, como é o caso – n.º 4 do art. 27.º, n.º 3, al. g), da DQ, e 7.º, n.º 2, al. g), e n.º 4, al. a), da Lei 65/2003.

5. A prestação de consentimento, e decorrente alargamento/extensão do MDE originário, impõe a verificação dos pressupostos de que depende a execução de um MDE, conforme disposto no art. 7.º, n.º 4, als. c) e d), da Lei 65/2003, pelo que e autoridade judiciária de execução tem de verificar se o pedido de consentimento é apresentado pela autoridade idónea do Estado de emissão ao competente Tribunal da Relação, com a menção de que se trata de um pedido de consentimento e contendo todas as informações que devem constar do MDE e ser acompanhado de uma tradução para língua portuguesa; se o crime para o qual é pedido o consentimento permite a entrega por aplicação do regime do MDE e se pode ser autorizada a extensão da ação penal aos restantes crimes.

6. E ainda se o consentimento deve ser recusado pelos motivos de não execução obrigatória do MDE referidos no art. 11.º da Lei 65/2033 ou se pode ser recusado pelos motivos de não execução facultativa do MDE constantes do artigo 12.º do mesmo diploma.

7. O requerido, neste procedimento, tem a possibilidade de se pronunciar sobre tal pedido e de se opor à prestação do consentimento com fundamento em motivo de recusa obrigatória ou facultativa, como se da execução de um novo MDE se tratasse, nos termos do disposto no artigo 21.º, da Lei 65/2003, de 23 de agosto.

8. O consentimento deve ser conferido sempre que esteja em causa infração que permita a entrega, por aplicação do regime jurídico do MDE, e só deverá ser recusado se existir motivo de recusa obrigatória, nos termos do artigo 11.º, da Lei 65/2003, podendo não ser deferido se existir motivo de recusa facultativa, nos termos dos artigos 12.º e 12.º-A, todos da Lei n.º 65/2003 de

23 de agosto.

9. O TRL, no acórdão em crise, observou todos estes procedimentos, respeitou os princípios a que obedece a disciplina relativa à matéria em causa, assegurou o exercício do contraditório e verificou inexistir qualquer dos motivos de recusa previstos nos artigos 11.° e 12.° da Lei 65/2003, de 23 de

agosto, para a prestação do consentimento.

10. Elencou os factos provados com relevo para a decisão, neles descriminando os factos em investigação no MDE originário e no MDE ampliativo, ambos referentes a infrações criminais em investigação nos processos n.º .........37 e JIJIRS5C......03 do Tribunal Judicial de ..., delimitando os no tempo e no espaço, salvaguardando que o requerido não renunciou ao benefício da regra da especialidade quando foi ouvido neste Tribunal da Relação, nem posteriormente, designadamente, aquando da sua inquirição, em França, em 16.10.2024.

11. Procedeu à análise do princípio da especialidade, das condições em que deve ter lugar a exceção a esse princípio resultante do consentimento para esse afastamento por parte do Estado de execução que proferiu a decisão de entrega, nos termos do art. 7.º, n.º 2, al. g), da Lei 65/2003, na redação da Lei 35/205, de 04.05, e da concertação entre o princípio e esta exceção.

12. Concluiu que a execução do MDE ampliativo e, portanto, a declaração de consentimento para afastamento do princípio da especialidade, depende da aferição da existência causas de recusa do cumprimento do mandado ampliativo emitido.

13. Nessa aferição, não identificou nenhum motivo de recusa obrigatório ou facultativa para recusar o consentimento/ampliação do MDE, como seja, quanto a este último, o cometimento de factos delituosos em território português.

14. O motivo de recusa que o recorrente convoca é facultativo, pelo que apenas terá lugar quando exista vantagem em proceder criminalmente contra o requerido, pelos factos constantes do MDE, no Estado de execução, o que não é o caso, como bem evidenciou o acórdão recorrido.

15. Com efeito, é desconhecida a existência de inquérito a correr termos em Portugal contra o requerido pelos mesmos factos ou parte deles, a investigação em curso pelas autoridades judiciárias francesas está a decorrer e os factos em investigação inserem-se na atividade delituosa de uma associação criminosa dedicada ao tráfico internacional de produto estupefaciente e ao branqueamento das vantagens dele decorrentes, e criminalidade conexa, tendo como denominador comum a todos a atividade em ..., França, o que não sucede com a demais atividade, que se dispersa por Portugal, Países Baixos e Brasil.

16. Dar início a um procedimento criminal nestas circunstâncias, em Portugal, não tem qualquer vantagem para o combate ao tráfico de estupefaciente internacional organizado, e atividades delituosas com ele conexas, antes prejudicando a investigação em curso e aquele combate, o que vai contra a Convenção Única sobre os Estupefacientes das Nações Unidas (ONU) de 1961 e o princípio do reconhecimento mútuo que rege o Mandado de Detenção Europeu.

17. Na interpretação que o TRL fez do art. 7.º, n.º 4, da Lei 65/2003, há que ter presente que “A Decisão-Quadro respeita os direitos fundamentais e observa os princípios reconhecidos pelo artigo 6.º do Tratado da União Europeia e consignados na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, nomeadamente o seu capítulo VI. Nenhuma disposição da Decisão-Quadro poderá ser interpretada como proibição de recusar a entrega de uma pessoa relativamente à qual foi emitido um mandado de detenção europeu quando existam elementos objectivos que comportem a convicção de que o mandado de detenção europeu é emitido para mover procedimento contra ou punir uma pessoa em virtude do sexo, da sua raça, da sua religião, da sua ascendência étnica, da sua nacionalidade, da sua língua, da sua opinião política ou da sua orientação sexual, ou de que a posição dessa pessoa possa ser lesada por alguns desses motivos. A Decisão-Quadro não impede que cada Estado-membro aplique as suas normas constitucionais respeitantes ao direito a um processo equitativo.

As decisões sobre a execução do mandado de detenção europeu devem ser objecto de um controlo adequado, o que implica que deva ser a autoridade judiciária do Estado-Membro onde a pessoa procurada foi detida a tomar a decisão sobre a sua entrega. Cumpridos que sejam os requisitos impostos pela Lei 65/2003, de harmonia com os termos em que é aplicável, não pode concluir-se por qualquer ofensa de natureza constitucional, que afronte qualquer princípio estruturante da cooperação internacional em matéria penal.” [acórdão do STJ de 09/01/2029, proferido no P. 144/13.9YRLSB].

18. A interpretação que o TRL fez do art. 7.º da Lei 65/2003, não se mostra desconforme à Constituição da República Portuguesa nos termos pretendidos pelo agora recorrente.

Pelo exposto, o recurso não merece proceder.”

1.7. Foram os autos aos vistos e à conferência (artigo 25.º n.º 2 da Lei n.º 65/2003).

2. Fundamentação

2.1. Factos

2.1.1. No Tribunal da Relação foram dados como provados os seguintes factos:

(…)

1.1. O mandado de detenção europeu (MDE) originário foi emitido pelo Juiz de Direito do Tribunal Judiciário de ..., República Francesa, em 11.12.2023, no processo de instrução n° JIJIRS5C......03, com vista à detenção e entrega de AA para procedimento criminal, pela prática dos factos descritos no campo 44 do formulário A da inserção Schengen e no campo e) do formulário do MDE, constitutivos de crimes de:

- Importação não autorizada de estupefacientes como membro de bando organizado, previsto pelos artigos 222.º-36, al. 1, 222.º-41, 132.º-71, todos do Código Penal Francês, e pelos arts. L.5132-7, L.5132-8, al. 1, R.5132-77, R.5132-78, todos do Código de Saúde Pública e pelo artigo 1.º da Resolução do Conselho de Ministros de 22/02/1990, e punido pelos artigos 222.º-36, al. 2, 222.º-44, 222.º-48, 222.º-49, 222.º-50, 222.º-51 e 131.º-26-2, todos do Código Penal Francês;

-Branqueamento do produto da importação não autorizada de estupefacientes como membro de bando organizado, previsto pelos artigos 222.º-38, 222.º-36, al. 2, al. 1, 222.º-41 e 132.º-71, todos do Código Penal Francês, e pelos arts. L.5132-7, L.5132-8, al. 1, R.5132-77, R.5132-78, todos do Código de Saúde Pública e pelo artigo 1.º da Resolução do Conselho de Ministros de 22/02/1990, e punido pelos artigos 222.º-38, 222.º-36, al. 2, 222.º-44 parágrafo I, 222.º-45, 222.º-47, 222.º-48, 222.º-49, 222.º-50, 222.º-51 e 131.º-26-2, todos do Código Penal Francês;

- Participação em associação criminosa, previsto pelos artigos 450.º-1, al. 1, al. 2, do Código Penal Francês, e punido pelos arts. 450.º-1, al. 2, 450.º-3, 450.º-5, do mesmo diploma legal;

- Transporte não autorizado de estupefacientes, previsto pelos artigos 222.º-37, al. 1, 222.º-41, ambos do Código Penal Francês, e pelos arts. L.5132-7, L.5132-8, al. 1, R.5132-74, R.5132-77, todos do Código de Saúde Pública e ainda pelo artigo 1.º da Resolução do Conselho de Ministros de 22/02/1990, e punido pelos artigos 222.º--37, al. 1, 222.º-44, 222.º¬45, 222.º-47, 222.º-48, 222.º-49, 222.º-50 e 222.º-51, todos do Código Penal Francês;

- Detenção não autorizada de estupefacientes, previsto pelos artigos 222.º-37, al. 1, 222.º-41, ambos do Código Penal Francês, e pelos arts. L.5132-7, L.5132-8, al. 1, R.5132-74, R.5132-77, todos do Código de Saúde Pública e pelo artigo 1.º da Resolução do Conselho de Ministros de 22/02/1990, punido pelos artigos 222.º-37, al. 1, 222.º-44, 222.º-45, 222.º-47, 222.º-48, 222.º-49, 222.º-50 e 222.º-51, todos do Código Penal Francês;

- Distribuição não autorizada de estupefacientes, previsto pelos artigos 222.º-37, al. 1, 222.º-41, ambos do Código Penal Francês, e pelos arts. L.5132-7, L.5132-8, al. 1, R.5132-74, R.5132-77, todos do Código de Saúde Pública e pelo artigo 1 da Resolução do Conselho de Ministros de 22/02/1990, e punido pelos artigos 222.º-37, al. 1, 222.º-44, 222.º-45, 222.º-47, 222.º-48, 222.º-49, 222.º-50 e 222.º-51, todos do Código Penal Francês;

- Aquisição não autorizada de estupefacientes, previsto pelos artigos 222.º-37, al. 1, 222.º-41, ambos do Código Penal Francês, e pelos arts. L.5132-7, L.5132-8, al. 1, R.5132-74, R.5132-77, todos do Código de Saúde Pública e pelo artigo 1.º da Resolução do Conselho de Ministros de 22/02/1990, e punido pelos artigos 222.º-37, al. 1, 222.º-44, 222.º-45, 222.º-47, 222.º-48, 222.º-49, 222.º-50 e 222.º-51, todos do Código Penal Francês;

- Participação em associação criminosa com vista à preparação de crime punido com pena de 10 anos de prisão, previsto pelo artigo 450.º-1, al. 1, al. 2, do Código Penal Francês, e punido pelos arts. 450.º-1, al. 2, 450.º-3, 450.º-5, do mesmo diploma legal;

-Branqueamento do produto da importação não autorizada de estupefacientes, previsto pelos artigos 222.º-38, 222.º-36, al. 1, 222.º-37, todos do Código Penal Francês, e pelo art. L.5132-7, do Código de Saúde Pública e pelo artigo 1.º da Resolução do Conselho de Ministros de 22/02/1990, punido pelos artigos 222.º-38, 222.º-44, 222.º-45, 222.º-47, 222.º-48, 222.º-49, 222.º-50 e 222.º-51, todos do Código Penal Francês;

- Transporte de mercadoria perigosa para a saúde pública (estupefaciente) sem documentação justificativa-contrabando, previsto pelos artigos 419.º, § 1, 215.º, 215.º-BIS, e 38.º § 4, todos do Código Aduaneiro, e pelo artigo 1.º, § 1 da Resolução do Conselho de Ministros de 22/02/1990, e punido pelos artigos 419.º, § 2 e § 3, 414.º, al. 3 e al. 1, 435.º, 436.º, 438.º, 432.º-BIS, e 369.º, todos do Código Aduaneiro;

- Tráfico de mercadorias em infração das regras de proibição da importação na zona aduaneira - importação sem declaração de mercadorias proibidas, previsto pelos artigos 420.º, al. 17, 38 § 4 e § 5, do Código Aduaneiro e pelo artigo 1.º, anexo II da Resolução do Conselho de Ministros de 22/09/2011, e punido pelos artigos 414.º, al. 1, 435.º, 436.º, 432.º-BIS, 369.º, todos do Código Aduaneiro;

1.2. Esse MDE dizia respeito a infrações criminais em investigação nos processos n.º .........37 e JIJIRS5C......03 do Tribunal Judicial de ... e terão sido cometidas entre novembro de 2021 e maio de 2022, consistindo, em suma:

- Entre estas datas, nomeadamente nos dias 26 de maio de 2022 e nos meses de novembro de 2021 e março de 2022, navios de carga provenientes do Brasil efetuaram escala no porto de ..., transportando escondida na caixa de mar ou baús de marinheiro (tradução aproximada da denominação original Sea Chest), substância de natureza estupefaciente, nomeadamente cocaína.

- Em 26 de maio de 2022, os agentes da alfandega francesa encontraram e apreenderam 124 Kg de cocaína, escondida no Sea Chest do navio de carga “G.... ...”.

- No processo acima enunciado, as autoridades francesas suspeitam da participação do aqui requerido, a par de respetivo genro, FF e de GG (cunhado deste último) nesta atividade de transporte de produto de natureza estupefaciente do Brasil, por via marítima, para o porto de ....

- No âmbito da recolha de prova por interceções telefónicas, determinaram a presença de linhas telefónicas francesas, uma delas pertencente a AA.

- Em 25.03.2022, esta linha encontrava-se ativa em relés telefónicos próximo do aeroporto de ... antes de passar para as antenas de Portugal.

- Informações obtidas junto da companhia aérea permitiram identificar AA, nascido a ........1958.

- O aqui requerido contactou empresa de aluguer de equipamentos de mergulho entre os dias 20 e 27 de novembro de 2021;

- Em março de 2022, o requerido viajou para França, em data em que o navio A..... ....., carregado com 119 Kg de cocaína, fez escala antes de prosseguir a sua viagem para os Países Baixos.

- O respetivo bilhete de avião foi reservado por GG, fazendo uso do endereço de correio eletrónico.

- No referido processo, suspeitam as autoridades francesas que FF, genro do aqui requerido (e cunhado de GG) é o responsável pelo tráfico, recrutando membros da respetiva família para o auxiliar nas importações.

- Investigam as autoridades francesas a participação de HH, ... de profissão, que esteve presente em França tanto no momento da chegada do navio A..... ..... como do navio G.... ..., em março e maio de 2022, com a finalidade de auxiliar na recuperação do produto estupefaciente (exigindo a localização do mesmo nas embarcações a presença de um mergulhador).

- O bilhete de regresso a Portugal de HH, a 28 de março de 2022, a partir do aeroporto de Bordéus, foi pago pelo cartão de crédito de GG que, suspeitam as autoridades francesas, presta apoio logístico na atividade de tráfico, nomeadamente na reserva das passagens áreas, incluindo ao aqui requerido.

- Foram detetados vários números de telefone portugueses em território francês em período contemporâneo com a presença dos navios acima mencionados, os quais as autoridades francesas procuram identificar, nomeadamente na sequência da DEI emitida e das operações conjuntas francesas e portuguesas.

1.3. Por acórdão deste Tribunal da Relação, datado de 23 de janeiro de 2024, foi deferida a entrega do requerido às autoridades judiciárias francesas, em execução do referido MDE, para efeitos de procedimento criminal, tendo a entrega sido concretizada em 25 de março de 2024.

1.4. O MDE que está agora em causa, emitido em 14 de março de 2025, pelo Procurador da República de ... junto do Tribunal da Relação de ..., com referência ao Processo da Procuradoria n.º .........37 e ao Processo de Instrução n.º JIJIRS5C......03, respeitante também ao requerido AA, para procedimento criminal, por factos praticados entre 01.01.2022 e 12.12.2023, assim sintetizados:

- A 26 de maio de 2022, a alfândega francesa descobriu no porto de ..., três fardos de cocaína, com um peso total de 124,28 kg, escondidos nos «sea chest»1 do cargueiro “G.... ...”, proveniente do porto de ..., no Brasil.

1 Compartimento submerso destinado à dessanilização de água.

- As investigações conduziram à descoberta de dois factos suplementares nos meses de março de 2022 e novembro de 2021, períodos em que outros cargueiros (“S... ......”, em 25.11.2021, e “R.... .....”, em 28.03.2022) carregados de estupefacientes vindos do Brasil, fizeram uma escala em ....

- As investigações telefónicas revelaram a presença nos locais de vários telefones franceses dos quais uma linha identificada em nome de DD. A 25.03.2022, esta linha ativou relés situados no aeroporto de ..., antes de ativar a rede portuguesa. As investigações junto à companhia aérea permitiram identificar AA nascido a ........1958.

- Ademais, a pesquisa da linha francesa atribuída a AA revelou que ele havia contactado uma sociedade de locação de material de mergulho entre 20 e 27.11.2021.

- Os factos cometidos de 1 de janeiro de 2022 a 12 de dezembro de 2023, assentam nos seguintes factos e integram para as Autoridades Judiciárias Francesas as seguintes infrações:

- Factos relativos a importação não autorizada de estupefacientes cometida em bando organizado – tráfico, factos cometidos de 1 de janeiro de 2022 a 12 de dezembro de 2023 em La Rochelle, em território francês, com extensão em Portugal, Países-Baixos, em Santos e no Brasil, previstos pelos Art.222-36 AL.2, AL.1, Art.222-41, Art.132-71 do Código Penal. Art.L.5132-7, Art.L.5132-8, AL.1, Art.R.5132-74, Art.R.5132-77, Art.R.5132-78 do Código da Saúde Pública Art.1 do Decreto Ministerial de 22/02/1990, e punidos pelos Art.222-36 AL.2, Art.222-44 §I, Art.222-45, Art.222-47, Art.222-48, Art.222-49, Art.222-50, Art.222-51 e Art. 131-26-2 do Código Penal.

- Factos relativos a branqueamento de capitais: Ajuda numa operação destinada a investir, dissimular ou converter o produto de importação não autorizada de estupefacientes em bando organizado, factos cometidos de 1 de janeiro de 2022 a 12 de dezembro de 2023 em La Rochelle, em território francês, com extensão em Santos e no Brasil, factos previstos pelos Art.222-38, Art.222-36 AL.2, AL.1, Art.222- 41, Art.132-71 do Código Penal, Art.L.5132-7, Art.L.5132-8 AL.1, Art.R.5132-74, Art.R.5132-77, Art.R.5132-78 do Código da Saúde Pública Art.1 do Decreto Ministerial de 22/02/1990, e punidos pelos Art.222-38, Art.222-36 AL.2, Art.222-44 §I, Art.222-45, Art.222-47, Art.222-48, Art.222-49, Art.222-50, Art.222-51, Art.131-26-2 do Código Penal.

- Factos relativos a transporte não autorizado de estupefacientes, factos cometidos de 1 de janeiro de 2022 a 12 de dezembro de 2023 em La Rochelle, em território francês, com extensão em Portugal, Países-Baixos, em Santos e no Brasil, previstos pelos Art. 222- 37 AL.1, Art. 222-41 do Código Penal, Art.L.5132-7, Art.L.5132-8 AL.1, Art.R.5132-74, Art.R.5132-77 do Código da Saúde Pública Art.1 do Decreto Ministerial de 22/02/1990, e punidos pelos Art.222-37 AL.1, Art.222-44, Art.222-45, Art.222-47, Art.222-48, Art.222-49, Art.222-50, Art.222-51 do Código Penal.

- Factos relativos a detenção não autorizada de estupefacientes, factos cometidos de 1 de janeiro de 2022 a 12 de dezembro de 2023 em La Rochelle, em território francês, com extensão em Portugal, Países-Baixos, em Santos e no Brasil, previstos pelos Art.222- 37, AL.1, Art.222-41 do Código Penal, Art.L.5132-7, Art.L.5132-8, AL.1, Art.R.5132-74, Art.R.5132-77 do Código da Saúde Pública Art.1 do Decreto Ministerial de 22/02/1990, e punidos pelos Art.222-37 AL.1, Art.222-44, Art.222-45, Art.222-47, Art.222-48, Art.222-49, Art.222-50, Art.222-51 do Código Penal.

- Factos relativos a oferta ou cessão não autorizada de estupefacientes, factos cometidos de 1 de janeiro de 2022 a 12 de dezembro em La Rochelle, em território francês, com extensão em Portugal, Países-Baixos, em Santos e no Brasil, previstos pelos Art.222-37 AL.1, Art.222-41 do Código Penal e Art.L.5132-7, Art.L.5132-8 AL.1, Art.R.5132-74, Art.R.5132-77 do Código da Saúde Pública Art.1 do Decreto Ministerial de 22/02/1990, e punidos pelos Art.222-37, AL.1, Art.222‐44, Art.222-45, Art.222-47, Art.222-48, Art.222-49, Art.222-50, Art.222-51 do Código Penal.

- Factos relativos a aquisição não autorizada de estupefacientes, factos cometidos de 1 de janeiro de 2022 a 12 de dezembro em La Rochelle, em território francês, com extensão em Portugal, Países-Baixos, em Santos e no Brasil, previstos pelos Art. 222-37, AL.1, Art. 222-41 do Código Penal, e Art. L.5132-7, Art.L.5132-8, AL.1, Art.R.5132-74, Art.R.5132-77 do Código da Saúde Pública Art.1 do Decreto Ministerial de 22/02/1990, e punidos pelos Art.222-37, AL.1, Art. 222-44, Art. 222‐ 45, Art. 222-47, Art. 222-48, Art. 222-49, Art.222-50, Art.222-51 do Código Penal.

- Factos relativos a participação numa associação criminosa com vista à preparação de um delito punido com 10 anos de prisão, factos cometidos de 1 de janeiro de 2022 a 12 de dezembro em La Rochelle, em território francês, com extensão em Portugal, Países-Baixos, em Santos e no Brasil, previsto pelo Art.450-1 AL.1, AL.2 do Código Penal, e punido pelos Art.450-1 AL.2, Art.450-3, Art.450-5 do Código penal.

- Factos relativos a detenção de mercadorias perigosas para a saúde pública (estupefacientes) sem documentos comprovativos regulares, facto considerado como importação em contrabando, factos cometidos de 1 de janeiro de 2022 a 12 de dezembro em La Rochelle, em território francês, com extensão em Portugal, Países-Baixos, em Santos e no Brasil, previstos pelos Art.419 §1, Art.215, Art.215-BIS, Art.38 §4 do Código da Alfândega, ART.1 §1 AL.1 Decreto Ministerial de 11/12/2001, ART.1 §1 AL.1 do Decreto Ministerial de 29/07/2003. ART.L.5132-7 do Código da Saúde Pública, Art.1 do Decreto Ministerial de 22/02/1990, e punidos pelos Art.419 §2, §3, Art.414 AL.3. AL.1, Art.435, Art.436, Art.438, Art.432-BIS, Art.369 do Código da alfândega.

- Factos relativos a branqueamento de capitais: Ajuda numa operação destinada a investir, dissimular ou converter o produto de um delito de tráfico de estupefacientes, factos cometidos de 1 de janeiro de 2022 a 12 de dezembro em La Rochelle, em território francês, com extensão em Portugal, Países-Baixos, em Santos e no Brasil, previstos pelos Art. 222-38, AL.1, Art.222-36 AL.1, Art. 222-37 do Código Penal, Art. L.5132-7 do Código da Saúde Pública, Decreto Ministerial de 22/02/1990, e punidos pelos Art.222-38, Art.222-44, Art.222-45, Art.222-47, Art.222-48, Art.222-49, Art.222-50 e Art.222-51 do Código Penal.

1.5. O requerido não renunciou ao benefício da regra da especialidade quando foi ouvido neste Tribunal da Relação, nem posteriormente (designadamente, aquando da sua inquirição, em França, em 16.10.2024).

2.2. Direito

2.2.1. É pelas conclusões que se afere o objecto do recurso (402º, 403º, 410º e 412º do CPP), sem prejuízo, dos poderes de conhecimento oficioso (artigo 410.º, n.º 2, do CPP, AFJ n.º 7/95, DR-I, de 28.12.1995, 410º, n.º 3 e artigo 379.º, n.º 2, do CPP, aqui aplicável ex vi do art.º 34º da Lei n.º 65/2003, de 23 de Agosto).

O recurso tem por objeto o acórdão proferido, em primeira instância, pelo Tribunal da Relação, que é o competente para conhecer do processo judicial de execução do mandado de detenção europeu - artigo 15.º da Lei n.º 65/2003, de 23 de Agosto.

Levando em conta as conclusões do arguido recorrente, são questões a decidir, as seguintes (pela ordem indicada):

i)-saber se o pedido do MDE originário pode ser ampliado (conclusões 1 a 14);

(ii)-saber se o pedido de execução do MDE deve ser recusado atento o facto de parte dos factos terem sido praticados em Portugal (conclusões 15 a 18).

(iii)-Inconstitucionalidade do art.º 7º da Lei 65/2003, de 23.08. (conclusões 19 e 20).

2.2.2. Saber se o pedido do MDE originário pode ser ampliado (conclusões 1 a 14);

Como se vê do ponto 1.5 dos factos provados, o recorrente não renunciou ao benefício da “regra da especialidade”, quando foi ouvido no Tribunal da Relação, nem posteriormente (designadamente quando da sua inquirição em França a 16.10.2024).

Não havendo renunciado ao benefício da regra da especialidade, os factos pelos quais o recorrente pode ser investigado, julgado e condenado ou privado da liberdade ficam limitados àqueles factos que motivaram a sua entrega ao Estado Requerente.

A pessoa entregue em cumprimento de um mandado de detenção europeu não pode ser sujeita a procedimento penal, condenada ou privada de liberdade por uma infracção praticada em momento anterior à sua entrega e diferente daquela que motivou a emissão do mandado de detenção europeu – art.º 7º, n.º 1 da Lei 65/2003, de 23.08.

No caso o procedimento criminal fica balizado pelos factos elencados no Mandado de Detenção Europeu-MDE, cujo pedido de execução foi autorizado, em relação ao qual foi prestado consentimento pelo Estado Requerido.

Na verdade, a pessoa procurada tem de ser informada dos factos de que é acusada e são objecto de investigação só podendo ser extraditada pelos factos de que tenha conhecimento.

A este facto não serão alheias as garantias de processo penal que a Constituição da República Portuguesa-CRP- consagra (art.º 32º da CRP), nomeadamente de defesa, estando o julgamento e todos os actos instrutórios que a lei determinar subordinados ao princípio do contraditório (n.º 4 do art.º 32º).

O princípio ou regra da especialidade constitui, assim, uma salvaguarda para a pessoa procurada enquanto se encontrar sob a tutela do Estado Requerente, em execução de MDE cujo pedido de execução foi autorizado.

Excepções, são (i)existência de consentimento da autoridade judiciária de execução que proferiu a decisão de entrega na ampliação do MDE por forma que “a pessoa procurada/entregue possa ser investigada e requerido contra ela procedimento criminal por outros factos – art.º 7º, n.º 2, al. g) da Lei 65/2003, de 23.08 – ou (ii) A pessoa entregue, tendo a possibilidade de abandonar o território do Estado membro de emissão não o fizer num prazo de 45 dias a contar da extinção definitiva da sua responsabilidade penal, ou regressar a esse território após o ter abandonado – art.º 7º, n.º 2 al. a) da Lei 65/2003, de 23.08.

A ampliação do MDE justifica-se. Pois se um Estado pode requerer a entrega da pessoa procurada a outro Estado com fundamento em vários procedimentos criminais de que este é suspeito, arguido ou condenado, uma vez concretizada a entrega se vier a descobrir-se a existência de outros factos pode ser solicitado ao Estado Requerido, a ampliação do MDE.

A ampliação do MDE fica sujeita aos mesmos requisitos de que depende o consentimento inicial. Isto é, tem de ser consentido pelo Estado Requerido, tem de dizer respeito a factos que só por si podiam ser razão bastante para ser deferida a execução do MDE, como se se tratasse de execução de um primeiro MDE, ficando sujeito à possibilidade de ser recusado obrigatória ou facultativamente.

Para prestar o consentimento será competente o Tribunal da Relação que proferiu a decisão de entrega – art.º 7º, n.º 4, al. a) da Lei 65/2003, de 23.08., sendo o pedido o pedido de consentimento referido no número anterior apresentado em conformidade com o disposto no artigo 4.º, acompanhado das informações referidas no n.º 1 do artigo 3.º e de uma tradução, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo.

Consentimento que deve por esta ser prestado, sempre que a infração para a qual é solicitado, como referido, devesse ela própria dar lugar à entrega do requerido, isto é, sempre que estejam reunidas as condições que permitiriam a execução da entrega do cidadão procurado, caso se tratasse da execução de um primeiro MDE.

Neste caso, foi pedida a execução do Pedido de Extensão do Mandado de Detenção Europeu (MDE) apresentado pelas Autoridades Judiciárias Francesas, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 7.º, n.º 2, al. g) e n.º 4, al. a) e d) e 8.º, n.ºs 4 e 5 da Lei n.º 65/ 2003, de 23 de agosto, respeitante ao recorrente.

Inicialmente, por acórdão do Tribunal da Relação de 23.01.2024, foi deferida a entrega do requerido às autoridades judiciárias francesas, em execução do referido MDE, para efeitos de procedimento criminal, tendo a entrega sido concretizada em 25 de março de 2024.

Está em causa, agora, o MDE emitido em 14 de março de 2025, pelo Procurador da República de Rennes junto do Tribunal da Relação de Rennes, com referência ao Processo da Procuradoria n.º .........37 e ao Processo de Instrução n.º JIJIRS5C......03, respeitante também ao recorrente, para procedimento criminal, por factos praticados entre 01.01.2022 e 12.12.2023, assim sintetizados:

- A 26 de maio de 2022, a alfândega francesa descobriu no porto de ..., três fardos de cocaína, com um peso total de 124,28 kg, escondidos nos «sea chest» (Compartimento submerso destinado à dessanilização de água) do cargueiro “G.... ...”, proveniente do porto de Santos, no Brasil.

- As investigações conduziram à descoberta de dois factos suplementares nos meses de março de 2022 e novembro de 2021, períodos em que outros cargueiros (“S... ......”, em 25.11.2021, e “R.... .....”, em 28.03.2022) carregados de estupefacientes vindos do Brasil, fizeram uma escala em La Rochelle.

- As investigações telefónicas revelaram a presença nos locais de vários telefones franceses dos quais uma linha identificada em nome de DD. A 25.03.2022, esta linha ativou relés situados no aeroporto de ..., antes de ativar a rede portuguesa. As investigações junto à companhia aérea permitiram identificar AA nascido a ........1958.

- Ademais, a pesquisa da linha francesa atribuída a AA revelou que ele havia contactado uma sociedade de locação de material de mergulho entre 20 e 27.11.2021.

- Os factos cometidos de 1 de janeiro de 2022 a 12 de dezembro de 2023, assentam nos seguintes factos e integram para as Autoridades Judiciárias Francesas as seguintes infrações:

- Factos relativos a importação não autorizada de estupefacientes cometida em bando organizado – tráfico, factos cometidos de 1 de janeiro de 2022 a 12 de dezembro de 2023 em La Rochelle, em território francês, com extensão em Portugal, Países-Baixos, em Santos e no Brasil, previstos pelos Art.222-36 AL.2, AL.1, Art.222-41, Art.132-71 do Código Penal. Art.L.5132-7, Art.L.5132-8, AL.1, Art.R.5132-74, Art.R.5132-77, Art.R.5132-78 do Código da Saúde Pública Art.1 do Decreto Ministerial de 22/02/1990, e punidos pelos Art.222-36 AL.2, Art.222-44 §I, Art.222-45, Art.222-47, Art.222-48, Art.222-49, Art.222-50, Art.222-51 e Art. 131-26-2 do Código Penal.

- Factos relativos a branqueamento de capitais: Ajuda numa operação destinada a investir, dissimular ou converter o produto de importação não autorizada de estupefacientes em bando organizado, factos cometidos de 1 de janeiro de 2022 a 12 de dezembro de 2023 em La Rochelle, em território francês, com extensão em Santos e no Brasil, factos previstos pelos Art.222-38, Art.222-36 AL.2, AL.1, Art.222- 41, Art.132-71 do Código Penal, Art.L.5132-7, Art.L.5132-8 AL.1, Art.R.5132-74, Art.R.5132-77, Art.R.5132-78 do Código da Saúde Pública Art.1 do Decreto Ministerial de 22/02/1990, e punidos pelos Art.222-38, Art.222-36 AL.2, Art.222-44 §I, Art.222-45, Art.222-47, Art.222-48, Art.222-49, Art.222-50, Art.222-51, Art.131-26-2 do Código Penal.

- Factos relativos a transporte não autorizado de estupefacientes, factos cometidos de 1 de janeiro de 2022 a 12 de dezembro de 2023 em La Rochelle, em território francês, com extensão em Portugal, Países-Baixos, em Santos e no Brasil, previstos pelos Art. 222- 37 AL.1, Art. 222-41 do Código Penal, Art.L.5132-7, Art.L.5132-8 AL.1, Art.R.5132-74, Art.R.5132-77 do Código da Saúde Pública Art.1 do Decreto Ministerial de 22/02/1990, e punidos pelos Art.222-37 AL.1, Art.222-44, Art.222-45, Art.222-47, Art.222-48, Art.222-49, Art.222-50, Art.222-51 do Código Penal.

- Factos relativos a detenção não autorizada de estupefacientes, factos cometidos de 1 de janeiro de 2022 a 12 de dezembro de 2023 em La Rochelle, em território francês, com extensão em Portugal, Países-Baixos, em Santos e no Brasil, previstos pelos Art.222- 37, AL.1, Art.222-41 do Código Penal, Art.L.5132-7, Art.L.5132-8, AL.1, Art.R.5132-74, Art.R.5132-77 do Código da Saúde Pública Art.1 do Decreto Ministerial de 22/02/1990, e punidos pelos Art.222-37 AL.1, Art.222-44, Art.222-45, Art.222-47, Art.222-48, Art.222-49, Art.222-50, Art.222-51 do Código Penal.

- Factos relativos a oferta ou cessão não autorizada de estupefacientes, factos cometidos de 1 de janeiro de 2022 a 12 de dezembro em La Rochelle, em território francês, com extensão em Portugal, Países-Baixos, em Santos e no Brasil, previstos pelos Art.222-37 AL.1, Art.222-41 do Código Penal e Art.L.5132-7, Art.L.5132-8 AL.1, Art.R.5132-74, Art.R.5132-77 do Código da Saúde Pública Art.1 do Decreto Ministerial de 22/02/1990, e punidos pelos Art.222-37, AL.1, Art.222‐44, Art.222-45, Art.222-47, Art.222-48, Art.222-49, Art.222-50, Art.222-51 do Código Penal.

- Factos relativos a aquisição não autorizada de estupefacientes, factos cometidos de 1 de janeiro de 2022 a 12 de dezembro em La Rochelle, em território francês, com extensão em Portugal, Países-Baixos, em Santos e no Brasil, previstos pelos Art. 222-37, AL.1, Art. 222-41 do Código Penal, e Art. L.5132-7, Art.L.5132-8, AL.1, Art.R.5132-74, Art.R.5132-77 do Código da Saúde Pública Art.1 do Decreto Ministerial de 22/02/1990, e punidos pelos Art.222-37, AL.1, Art. 222-44, Art. 222‐ 45, Art. 222-47, Art. 222-48, Art. 222-49, Art.222-50, Art.222-51 do Código Penal.

- Factos relativos a participação numa associação criminosa com vista à preparação de um delito punido com 10 anos de prisão, factos cometidos de 1 de janeiro de 2022 a 12 de dezembro em La Rochelle, em território francês, com extensão em Portugal, Países-Baixos, em Santos e no Brasil, previsto pelo Art.450-1 AL.1, AL.2 do Código Penal, e punido pelos Art.450-1 AL.2, Art.450-3, Art.450-5 do Código penal.

- Factos relativos a detenção de mercadorias perigosas para a saúde pública (estupefacientes) sem documentos comprovativos regulares, facto considerado como importação em contrabando, factos cometidos de 1 de janeiro de 2022 a 12 de dezembro em La Rochelle, em território francês, com extensão em Portugal, Países-Baixos, em Santos e no Brasil, previstos pelos Art.419 §1, Art.215, Art.215-BIS, Art.38 §4 do Código da Alfândega, ART.1 §1 AL.1 Decreto Ministerial de 11/12/2001, ART.1 §1 AL.1 do Decreto Ministerial de 29/07/2003. ART.L.5132-7 do Código da Saúde Pública, Art.1 do Decreto Ministerial de 22/02/1990, e punidos pelos Art.419 §2, §3, Art.414 AL.3. AL.1, Art.435, Art.436, Art.438, Art.432-BIS, Art.369 do Código da alfândega.

- Factos relativos a branqueamento de capitais: Ajuda numa operação destinada a investir, dissimular ou converter o produto de um delito de tráfico de estupefacientes, factos cometidos de 1 de janeiro de 2022 a 12 de dezembro em La Rochelle, em território francês, com extensão em Portugal, Países-Baixos, em Santos e no Brasil, previstos pelos Art. 222-38, AL.1, Art.222-36 AL.1, Art. 222-37 do Código Penal, Art. L.5132-7 do Código da Saúde Pública, Decreto Ministerial de 22/02/1990, e punidos pelos Art.222-38, Art.222-44, Art.222-45, Art.222-47, Art.222-48, Art.222-49, Art.222-50 e Art.222-51 do Código Penal.

Sendo que o requerido não renunciou ao benefício da regra da especialidade quando foi ouvido neste Tribunal da Relação, nem posteriormente (designadamente, aquando da sua inquirição, em França, em 16.10.2024).

Estão assim em causa novos factos ocorridos em período temporal diferente agora mais dilatado e em lugares diferentes, agora uma área territorial, também, mais alargada.

Na verdade, a extensão do MDE solicitada pelas autoridades judiciárias francesas, amplia o âmbito dos ilícitos que já haviam fundamentado o MDE inicialmente emitido.

Como refere o acórdão recorrido, está em causa, agora, o cometimento do crime de tráfico de estupefacientes (e crimes ao mesmo associados), nas circunstâncias concretas descritas nos autos. “Ou seja, a participação do arguido nos transportes internacionais de elevadas quantidades de cocaína, utilizando para o efeito navios provenientes do Brasil, realizando escala no porto de La Rochelle, e com destino, designadamente, aos Países Baixos, recorrendo a uma atividade colaborativa de vários indivíduos, nomeadamente o requerido, e pessoas das suas relações, com residência habitual em Portugal, mas também em França e no Brasil.”

Assim, o que se pede a este Tribunal é o consentimento para que a investigação em curso abranja um período mais alargado (para lá do já autorizado, de novembro de 2021 a maio de 2022), ou seja, de 01.01.2022 a 12.12.2023, e uma área territorial mais alargada, compreendendo a circunscrição da jurisdição inter-regional de ..., e atos eventualmente praticados no território francês, em Portugal, nos Países Baixos e no Brasil.

O que se justifica dada a novidade dos factos. Com efeito, como é reconhecido, o crime de tráfico de estupefacientes, é um crime exaurido, no sentido de que, como referido no acórdão recorrido, se concretiza numa multiplicidade de atos, cada um deles capaz de preencher o tipo em questão, que, tipicamente, se prolongam no tempo e que, no específico caso do tráfico internacional de estupefacientes (que é o que aqui está em causa), admite a existência de atos de execução em várias localizações geográficas e com a colaboração de diversos agentes.

Verificam-se os pressupostos materiais e formais de que depende o consentimento de ampliação do pedido de MDE inicialmente requerido e autorizado. Pois a infração para a qual é solicitado, como referido, pode, ela própria, dar lugar à entrega do requerido, isto é, estão reunidas as condições que permitiriam a execução da entrega do cidadão procurado, caso se tratasse da execução de um primeiro MDE1.

Pelo que não assiste razão ao recorrente, improcedendo, antes, o recurso neste particular.

2.2.3. Recusa do pedido de execução do MDE.

Levando em conta o que se diz, que terão sido praticados factos numa área territorial mais alargada, compreendendo a circunscrição da jurisdição inter-regional de ..., e atos eventualmente praticados no território francês, em Portugal, nos Países Baixos e no Brasil, então, defende o recorrente, deveria o pedido de execução de MDE ser recusado com base no disposto no art.º 12º, n.º 1, al. h), da Lei 65/2003, de 23.08, ou seja, quando o mandado de detenção europeu tiver por objeto infração que, segundo a lei portuguesa tenha sido cometida, em todo ou em parte, em território nacional ou a bordo de navios ou aeronaves portugueses. Estamos, antes, perante uma causa de recusa de extradição e o recorrente poderia ser julgado no nosso país, conclui o recorrente.

Como expressamente dispõe a al. d) do n.º 4 do art.º 7º da Lei 65/2003, de 23.08, o consentimento da autoridade de execução (n.º 2, al. g) do mesmo art.º 7º) só pode ser recusado com fundamento num dos motivos de recusa obrigatória previstos no art.º 11º (que dispõe “será recusada”) ou de recusa facultativa, previstos no 12º (que determina “pode ser recusada”) da Lei 65/2003, de 23.08.

Inexistindo qualquer destes fundamentos, o Estado Português, em concretização da obrigação geral de execução do MDE (como dispõe o proémio do art.º 2º, n.º 2, “será concedida”), tem o dever de prestar o seu consentimento através da autoridade judiciária de execução, por força da citada al. d) do n.º 4 do art.º 7º, desta Lei 65/20032.

Como referido no acórdão recorrido, também a jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça, vem sendo de forma pacífica, a de que, a aplicação de qualquer das causas de recusa facultativa de execução do mandado de detenção europeu terá sempre que ser justificada pela demonstração das reais vantagens que resultem para a investigação e conhecimento dos crimes objeto do mandado, da prevalência da jurisdição nacional sobre a jurisdição do Estado de emissão (cf. acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 18.04.2018, no processo nº 29/18.2YRPRT.S1, e de 09.05.2012, processo nº 27/12.0YRCBR.S1, ambos acessíveis em www.dgsi.pt), o que, no caso, não se verifica.”

No caso, a notícia do crime não surgiu em Portugal, mas sim em França. Havendo já anterior investigação em curso neste país (França) é com este país e com esta investigação que estes factos apresentam conexão mais relevante.

A investigação em curso das autoridades judiciárias francesas está já a decorrer e a factualidade investigada insere-se na atividade delituosa de uma rede dedicada ao tráfico internacional de produto estupefaciente e ao branqueamento das vantagens dele decorrentes, e criminalidade conexa, actividade desenvolvida sobretudo em La Rochelle, França.

Nos demais lugares referidos a actividade é complementar.

Não há notícia de que os factos estejam a ser investigados em Portugal.

Por isso, como referido na resposta do Ministério Público, “[d]ar início a um procedimento criminal nestas circunstâncias, em Portugal, não tem qualquer vantagem para o combate ao tráfico de estupefaciente internacional organizado, e atividades delituosas com ele conexas, antes prejudicando a investigação em curso e aquele combate, o que vai contra a Convenção Única sobre os Estupefacientes das Nações Unidas (ONU) de 1961 e o princípio do reconhecimento mútuo que rege o Mandado de Detenção Europeu.”3

Isto é, não há elementos no processo que demonstrem vantagens reais e concretas de que para a investigação e conhecimento dos crimes que são objecto deste pedido de extensão de MDE prevaleça a jurisdição portuguesa sobre a jurisdição do Estado Requerente, França. E, a recusa do consentimento, pelo que se vem dizendo, inviabilizaria a investigação em curso neste país.

Não havendo razões para recusar nem obrigatória nem facultativamente o pedido de execução de MDE, só há que confirmar, também neste segmento, a decisão recorrida, improcedendo também neste particular o recurso do recorrente.

2.2.4. Inconstitucionalidade do art.º 7º da Lei 65/2003, de 23.08.

Defende, por fim o recorrente que a interpretação do disposto no art.º 7° da Lei 65/2003 de 23 de Agosto, segundo a qual o princípio da especialidade não obsta a que o extraditado por determinados factos concretos e precisos, que já constavam do MDE inicial, tendo sido autorizada a extradição para determinado período, pode a todo o tempo, ser objeto de ampliação do pedido MDE, inicialmente formulado é materialmente inconstitucional por violação do disposto no nº 1º do art.º 32º da CRP.

Mais alega que o verdadeiro móbil é o afastamento do princípio da especialidade a que o recorrente não renunciou aquando da sua audição, há uma violação do princípio da lealdade processual, e ignoram-se os princípios gerais que presidem e norteiam o nosso sistema jurídico, como sejam o trânsito em julgado, com inerente estabilidade e certeza daí adveniente, a lealdade processual, o princípio da especialidade.

Em termos genéricos o respeito por um princípio geral de lealdade, pode considerar-se uma decorrência de princípios éticos, que devem estar presente em todos os actos de qualquer cidadão na relação com os demais.

No Direito, o respeito por este princípio de lealdade e pela “boa-fé” processual, deverá estar sempre presente em qualquer tipo de processo e de litígio, que indicia e identifica, com as demais garantias processuais supra referidas, de respeito pelas garantias constitucionais de processo criminal, “assegurando todas as garantias de defesa”, tendo o arguido o direito de escolher defensor e de estar presente e ser por ele assistido em todos os actos processuais que lhe digam respeito, a que se refere o art.º 32º da CRP, e, ainda, o respeito pelo princípio da “igualdade de armas” e do direito de todos os cidadãos a “um processo justo e equitativo”, indiciam e identificam a existência do “Estado de Direito”4.

No caso, o recorrente defende que foi violado o princípio da lealdade processual, da especialidade do caso julgado e da certeza e segurança jurídicas.

Por tudo quanto se vem dizendo a situação em apreço não consubstancia uma violação uma situação de certeza ou expectativa jurídica, e por isso, uma deslealdade.

A ampliação requerida e agora consentida, está prevista na lei – art.º art.º 7º, n.º 2, al. g) da Lei 65/2003, de 23.08.

Respeita todos os requisitos de natureza material e formal de um pedido de execução de MDE, como se de um pedido inicial se tratasse.

Assim, não havendo razões de natureza formal ou substancial para o recusar, então, o Estado requerido deverá consentir na execução do MDE.

Com efeito, o mandado de detenção europeu constitui a primeira concretização do princípio do reconhecimento mútuo, cujo núcleo essencial reside em que, «desde que uma decisão é tomada por uma autoridade judiciária competente, em virtude do direito do Estado membro de onde procede, em conformidade com o direito desse Estado, essa decisão deve ter um efeito pleno e directo sobre o conjunto do território da União».

Os Estados membros confiam que os sistemas jurídicos e respectivos processos garantem a qualidade suficiente às decisões, tomadas por autoridades competentes, que dão lugar à execução nos seus territórios.

À luz deste princípio, as autoridades competentes do Estado membro requerido, no território do qual a decisão pode ser executada, devem prestar a sua colaboração à execução dessa decisão como se se tratasse de uma decisão tomada por uma autoridade competente deste Estado.

Há que ter presente, como se lê na resposta do Ministério Público, citando o Ac. do STJ de de 09/01/2019, proferido no processo n.º 144/13.9YRLSB, já citado, que “[a] Decisão-Quadro respeita os direitos fundamentais e observa os princípios reconhecidos pelo artigo 6.º do Tratado da União Europeia e consignados na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, nomeadamente o seu capítulo VI.

Nenhuma disposição da Decisão-Quadro poderá ser interpretada como proibição de recusar a entrega de uma pessoa relativamente à qual foi emitido um mandado de detenção europeu quando existam elementos objectivos que comportem a convicção de que o mandado de detenção europeu é emitido para mover procedimento contra ou punir uma pessoa em virtude do sexo, da sua raça, da sua religião, da sua ascendência étnica, da sua nacionalidade, da sua língua, da sua opinião política ou da sua orientação sexual, ou de que a posição dessa pessoa possa ser lesada por alguns desses motivos.

A Decisão-Quadro não impede que cada Estado-membro aplique as suas normas constitucionais respeitantes ao direito a um processo equitativo.

As decisões sobre a execução do mandado de detenção europeu devem ser objecto de um controlo adequado, o que implica que deva ser a autoridade judiciária do Estado-Membro onde a pessoa procurada foi detida a tomar a decisão sobre a sua entrega.

Cumpridos que sejam os requisitos impostos pela Lei 65/2003, de harmonia com os termos em que é aplicável, não pode concluir-se por qualquer ofensa de natureza constitucional, que afronte qualquer princípio estruturante da cooperação internacional em matéria penal.” [acórdão do STJ de 09/01/2019, proferido no P. 144/13.9YRLSB].”

Do exposto, pode concluir-se que a interpretação que o Tribunal da Relação faz do art.º 7.º da Lei 65/2003, não se mostra desconforme à Constituição da República Portuguesa nos termos defendidos pelo recorrente.

Assim, não lhe assistindo razão, improcede o recurso, também, quanto a esta questão e com ela a totalidade do recurso, confirmando-se, antes, o acórdão recorrido.

3. Decisão

Pelo exposto, acordam no Supremo Tribunal de Justiça - 3ª secção criminal – em negar provimento ao recurso interposto pelo recorrente AA, mantendo-se o acórdão recorrido.

Sem tributação.


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Supremo Tribunal de Justiça, 02 de julho de 2025

António Augusto Manso (relator)

José A. Vaz Carreto (Adjunto)

Maria Margarida Almeida (Adjunta)

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1-Neste sentido cfr. Ac. do STJ de 22.01.2014, proferido no processo 144/13.9YRLSB.S1, Ac. de 09.01.2019, proferido no processo 144/13.9YRLSB.S1 e de 04.06.2025, proferido no processo n.º 3669/23.4YRLSB.S1, disponíveis in www.dgsi.pt.

2-v. Ac. do STJ de 22.01.2014, proferido no processo 144/13.9YRLSB.S1, in www.dgsi.pt

3-Convenção Única sobre os Estupefacientes das Nações Unidas (ONU) de 1961 foi concluída em Nova Yorque, em 31.03.1961, com entrada em vigor a nível internacional em 13.12.1964, sendo aprovada para ratificação, em Portugal, pelo DL 435/70, de 12.09.1970.

4-v. Ac. do STJ de 22.01.2014, proferido no processo 144/13.9YRLSB.S1, in www.dgsi..pt