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PROCESSO DE INVENTÁRIO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
CASO JULGADO
ESGOTAMENTO DO PODER JURISDICIONAL
PRINCÍPIO DA COOPERAÇÃO
DOCUMENTO EM PODER DE TERCEIRO
PRINCÍPIO INQUISITÓRIO
Sumário
I. O processo de inventário cumpre, entre outras, a função de fazer cessar a comunhão hereditária e proceder à partilha de bens; e caracteriza-se pela universalidade objectiva (recai, em princípio, sobre a totalidade da herança) e subjectiva (requer a presença de todos os interessados na partilha), bem como pela proporcionalidade da partilha segundo a quota de cada herdeiro (a atribuição dos bens é feita segundo a quota de cada interessado na comunhão).
II. Não é possível partilhar uma herança sem se ter feito previamente a relação dos bens que ela abrange e sem se ter apurado o valor de cada unidade patrimonial; e, por isso, cumulando-se um inventário inicial com um outro, terá que ser apresentada a relação de bens que diga respeito ao segundo, isto é, a discriminação de todos os bens que compõem esse acervo hereditário (por forma a que possa ser partilhado), feita de acordo com as mesmíssimas regras aplicáveis ao inventário inicial.
III. Do caso julgado decorrem dois efeitos essenciais (distintos, mas provenientes da mesma realidade jurídica): um negativo (excepção dilatória de caso julgado), de impossibilidade de qualquer tribunal, incluindo o que proferiu a decisão, voltar a emitir pronúncia sobre a questão decidida, isto é, impedindo que a causa seja novamente apreciada em juízo; e um positivo (força e autoridade de caso julgado), de vinculação do mesmo tribunal e, eventualmente de outros (estando em causa o caso julgado material), à decisão proferida.
IV. A violação do dever de acatamento de prévia decisão proferida por Tribunal superior, proferida em via de recurso e transitada em julgado, constitui uma nulidade insuprível da decisão que assim venha a ser proferida, nomeadamente por o objecto de renovada pronúncia do Tribunal inferior constituir questão de que o mesmo não podia tomar conhecimento.
V. Da extinção do poder jurisdicional consequente ao proferimento de decisão decorre: um efeito negativo, que é a insusceptibilidade de o próprio tribunal que proferiu a decisão tomar a iniciativa de a modificar ou revogar; e um efeito positivo, que é a vinculação desse mesmo tribunal à decisão por ele proferida.
VI. Se um tribunal, violando o princípio do esgotamento do poder jurisdicional, após ter proferido decisão sobre uma concreta questão (matéria), voltar a fazê-lo mantendo-se inalterados os seus pressupostos (e nomeadamente de forma desconforme com aquela primeira), esta sua subsequente decisão é juridicamente ineficaz.
VII. Não sendo directamente acessível à parte informação e/ou documento que contenda com factos subsumíveis ao objecto do processo, poderá o mesmo ser requisitado pelo Tribunal a terceiros, desde que o requerente dessa requisição alegue e justifique a respectiva inacessibilidade por si próprio, ou a mesma resulte sobejamente do teor dos próprios autos
VIII. A informação e/ou o documento a requisitar pelo Tribunal junto de terceiros terá de ser necessária ao esclarecimento da verdade, isto é, terá de ser mais do que meramente conveniente para esse efeito, por deste modo se impor ao Tribunal um balanceamento entre o princípio do inquisitório e o princípio da autorresponsabilidade das partes.
Texto Integral
Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais) as Juízas da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, sendo Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos; 1.ª Adjunta - Lígia Paula Ferreira de Sousa Santos Venade; 2.ª Adjunta - Rosália Cunha.
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ACÓRDÃO
I - RELATÓRIO
1.1.Decisão impugnada 1.1.1. Em 27 de Janeiro de 2020AA, residente na Rua ..., ..., ..., em ..., propôs um processo especial de inventário facultativo, para partilha da herança de BB, falecido em ../../2017, no estado de casado com CC, em segundas núpcias dele próprio.
Juntou relação de herdeiros/interessados: CC, viúva; AA, filho (do primeiro casamento); DD, filho (do primeiro casamento); EE, filha (do primeiro casamento); e FF, filho (do segundo casamento).
Juntou relação de bens (que aqui se dá por integralmente reproduzida), sendo os prédios, relacionados com os respectivos valores patrimoniais tributários: saldos bancários existentes no Banco 1..., de valor a apurar (verba n.º 1); um prédio urbano, com o valor de € 1.900,00 (verba n.º 2); um prédio rústico, com o valor de € 70,42 (verba n.º 3); um prédio rústico, com o valor de € 0,41 (verba n.º 4); um prédio rústico, com o valor de € 180,82 (verba n.º 5); e um prédio rústico, com o valor de € 410,28 (verba n.º 6).
1.1.2. Em 30 de Janeiro de 2020foi nomeado como cabeça-de-casal AA.
1.1.3. Em 16 de Março de 2020,regularmente citados todos os interessados, FF (beneficiando de apoio judiciário, na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos) veio reclamar, pedindo que o Cabeça-de-casal (AA) viesse «retificar a relação de bens, acrescentados os bens que compõem a Herança Ilíquida e Indivisa de GG» (conforme articulado respectivo, que aqui se dá por integralmente reproduzido).
Alegou para o efeito, e quanto: às declarações do Cabeça-de-Casal (AA), que o regime de bens do segundo casamento do Inventariado (BB) era de comunhão geral de bens, devendo o mesmo constar como tal dos autos; e à relação de bens, que se encontraria errada a descrição de dois prédios (um cuja área real seria superior à indicada e outro onde estaria omissa uma edificação nele feita), pedindo a respectiva rectificação, e que se encontraria omissa uma sepultura perpétua e todos «os bens que integraram a Herança Ilíquida e Indivisa da filha do Autor da Sucessão, GG, da qual aquele era o único e universal herdeiro» (falecida em ../../2015, no estado de solteira, conforme certidão de óbito que juntou), pedindo a respectiva inclusão.
Prevenindo a não rectificação da relação de bens pelo Cabeça-de-casal (AA), desde logo requereu: que se oficiasse aos Serviços de Finanças, para que certificasse «quais os bens que a Autora da Sucessão GG tinha em seu nome à data do óbito e respetiva composição», e bem assim «se por óbito da mesma foi apresentada relação de bens/declaração Imposto de Selo»; e se oficiasse ao Banco de Portugal para que informasse «quais as contas existentes em nome a Autora da sucessão e posteriormente se» oficiasse «a cada um dos bancos», para que informassem quais «os montantes existentes à data do óbito».
1.1.4. Em 15 de Outubro de 2020o Cabeça-de-casal (AA) respondeu, pedindo que a reclamação fosse julgada parcialmente improcedente (conforme articulado respectivo, que aqui se dá por integralmente reproduzido).
Alegou para o efeito: ter sido o segundo casamento do Inventariado (BB) celebrado sob o regime imperativo de separação de bens, por à data o mesmo ter filhos menores, assim devendo constar dos autos; ter relacionado os prédios de acordo com os seus elementos matriciais, pelo que não se justificaria qualquer rectificação de áreas (de qualquer forma sempre inferior aos 20% referidos pela lei como desconformidade aceitável); não poder a herança de GG ser cumulada neste inventário, por a mesma ter deixado por testamento, em comum e partes iguais, todos os seus bens aos respectivos irmãos, aqui também interessados (AA, DD e EE); reconhecer a obrigação de relacionar um barracão construído por GG num dos imóveis como dívida da herança, a favor dos irmãos dela própria, no valor correspondente ao da benfeitoria que importou; e reconhecer a obrigação de relacionar a sepultura perpétua.
Juntou nova relação de bens (que aqui se dá por integralmente reproduzida), onde aditou à anterior a sepultura perpétua, no valor de € 100,00 (verba n.º 7); e relacionou benfeitoria (barracão construído no prédio da verba n.º 6) como dívida da herança aos interessados AA, DD e EE, no valor de € 35.000,00.
1.1.5. Em 31 de Outubro de 2020, notificado da nova relação de bens, o interessado FF veio responder, pedindo «que se proceda à cumulação dos inventários para partilha das heranças abertas por óbito de GG e BB, nomeando-se como cabeça de casal o já constante dos presentes» autos (conforme articulado respectivo, que aqui se dá por integralmente reproduzido).
Alegou para o efeito: ser o regime de bens do segundo casamento do Inventariado (BB) o de comunhão geral, por assim constar do respectivo assento de casamento; dever proceder-se à cumulação do inventário devido por morte de GG; e não se dever relacionar o passivo da herança a favor dos demais Interessados (por não serem herdeiros legitimários de GG e a mesma não ter feito no testamento que outorgou qualquer referência a esta benfeitoria ou ao direito que dela resultasse), impugnando ainda o valor atribuído ao mesmo, bem como «aos demais bens constantes da relação de bens».
Reiterou o seu pedido de ofício «às entidades competentes conforme exposto».
1.1.6. Em 28 de Abril de 2021, tendo falecido em ../../2021 CC, no estado de viúva do Inventariado (BB), foi proferida sentença (que aqui se dá por integralmente reproduzida), julgando «habilitado como sucessores de CC para prosseguirem os termos do processo, o seu filho, FF». 1.1.7. Em 22 de Julho de 2023, produzida a prova arrolada para o efeito, foi proferido despacho (que aqui se dá por integralmente reproduzido), determinando que ficasse a constar dos autos que o regime de bens do segundo casamento do Inventariado (BB), com CC, era o imperativo de separação (por à data existirem filhos menores); indeferindo a rectificação da área de prédio relacionado (por o alegado erro ser de 20%, aceite por lei); reconhecendo a dívida relacionada pelo Cabeça-de-casal (relativa ao barracão construído por GG); e indeferindo a cumulação do inventário aberto por óbito de GG (por a mesma ter deixado em testamento todos os seus bens aos respectivos irmãos).
1.1.8. Em 14 de Março de 2024, tendo o interessado FF interposto recurso desta decisão, foi proferido acórdão por este Tribunal da Relação de Guimarães (que aqui se dá por integralmente reproduzido), julgando-o procedente, lendo-se nomeadamente no mesmo: «(…) 4.3. Quem é o credor da dívida da herança aberta por óbito de BB, tendo por objecto a benfeitoria realizada por GG no prédio rústico descrito sob a verba n.º 6 da Relação de bens. (…) Para terminar esta questão apenas importa assinalar o seguinte: o cabeça de casal, na sequência da reclamação do interessado FF, relacionou como divida a benfeitoria e indicou que a mesma tinha o valor de € 35.000,00, valor que o interessado impugnou. Sucede que muito embora tenha sido colocado em causa o montante da dívida e que se traduz em saber qual o valor da benfeitoria, a decisão recorrida não se pronunciou quanto a tal questão, como determinado pelo n.º 4 do art.º 1106º do CPC Esta questão não é objecto do recurso, pelo que apenas se alerta para a necessidade de a mesma ser apreciada e decidida. Em face do exposto e nesta parte o recurso também procede, decidindo-se que a única dívida relacionada deve passar a ter a seguinte descrição: Deve a herança aberta por óbito de BB, à herança indivisa aberta por óbito de GG (herança esta cujo único herdeiro foi BB), o valor (a determinar pelo tribunal a quo) correspondente à construção de um barracão no prédio rústico descrito sob a verba n.º 6 da Relação de bens. 4.4. Deve ser cumulado com o presente inventário, o inventário por óbito de GG? O quinhão hereditário do falecido BB, na herança aberta por óbito de GG, passou a integrar o património daquele. E os seus sucessores são o cônjuge sobrevivo, CC, entretanto falecida, tendo sido habilitado como seu único herdeiro o aqui também interessado FF; e os filhos AA, EE, DD e FF. A isto não obsta o disposto nos já citados 1109º n.ºs 3 e 4, 1236º e 1235º do CC de 1867, pois, como já se deixou referido, os mesmos apenas são considerados na medida em que estabelecem uma limitação à comunicabilidade de determinados bens. À sucessão de GG e de BB aplicam-se as regras do CC actual. Destarte, as pessoas por que hão-de ser repartidos os bens deixados por óbito de BB - FF, habilitado na posição do cônjuge daquele, CC, entretanto falecida e os filhos AA, EE, DD e FF – são as mesmas (alínea a) do n.º 1 do art.º 1094º do CPC) por que hão-de ser repartidos os bens deixados por óbito de GG, uma vez que o seu único herdeiro foi BB, o qual, tendo falecido, tem como herdeiros FF, habilitado na posição do cônjuge daquele, CC, entretanto falecida e os filhos AA, EE, DD e FF. Ao contrário do que afirma a decisão recorrida, sem fundamento legal, em nada interfere nesta questão o facto de a falecida GG ter constituído legados a favor dos irmãos, sendo certo que há pelo menos um bem que não integra os referidos legados, que é, como já visto, o crédito da herança da mesma sobre a herança do falecido BB relativo à benfeitoria realizada por aquela no prédio descrito sob a verba n.º 6 da Relação de bens. Destarte, também nesta parte o recurso deve proceder e a decisão recorrida revogada e substituída por outra que admita a cumulação de inventários nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 1094º do CPC, procedendo-se à tramitação adequada da mesma. 4.5. Deve ser ordenado que o cabeça de casal relacione o quinhão hereditário de GG, bem como os bens que a compõem? O ora recorrente reclamou da relação de bens apresentada pelo cabeça de casal, por não terem sido relacionados os bens que integraram a herança ilíquida e indivisa da filha do inventariado, GG, a qual faleceu a ../../2015, sem deixar cônjuge e descendentes, sucedendo-lhe como único e universal herdeiro o seu pai, o ora inventariado. Pretende agora seja relacionado o “quinhão hereditário de GG”. O falecimento de GG determinou a abertura da sua sucessão; o seu único herdeiro legitimário é o pai, BB, falecido posteriormente; o quinhão hereditário daquele, na herança aberta por óbito de GG, passou a integrar o património do mesmo. A quota corresponde a uma fracção abstracta do todo patrimonial, preenchível em concreto apenas no momento da morte e através da partilha (Carlos Pamplona Corte-Real, Direito da Família e das Sucessões, II – Sucessões, Lex, 1993, pág. 123-124). Neste contexto, é patente o lapso da expressão quinhão hereditário de “GG”: esta só seria titular de um quinhão hereditário se fosse herdeira de alguém e não a autora da sucessão. Em face do exposto, tendo o quinhão hereditário de BB, na herança aberta por óbito de GG, passado a integrar o património do mesmo e não tendo a herança aberta por óbito da última sido partilhada, com o decesso daquele tal quinhão deveria ter sido relacionado. De referir que não se coloca aqui qualquer questão de relacionação dos concretos bens deixados por óbito da mesma. Tal relacionação só tem lugar mediante a cumulação de inventários. Destarte também nesta parte procede o recurso, devendo ser relacionado, no inventário por óbito de BB, por integrar o respectivo património à data do seu decesso, o quinhão hereditário do mesmo na herança aberta por óbito de GG, sua filha. 4.6. Custas As custas da apelação ficam a cargo do recorrido por vencido na totalidade – art.ºs 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC 5. Decisão Termos em que acordam os juízes que compõem a 1ª Secção da Relação de Guimarães em julgar procedente a apelação e, em consequência: i) revoga-se a decisão recorrida na parte em que determinou que “fique a constar das declarações do cabeça-de-casal que o Inventariado BB era casado, em segundas núpcias, com CC, no regime imperativo de Separação de bens”, a qual se substituiu pela seguinte: ”o regime de bens do casamento celebrado entre BB e CC a 01 de Abril de 1967, é o da comunhão geral, com sujeição ao disposto no n.ºs 3 (este interpretado restritivamente nos termos constantes dos fundamentos supra) e 4 do art.º 1109º e 1235º do CC de 1867, na redacção que lhes foi dada Decreto nº 19.126, de 16/12/1930”; ii) a única dívida relacionada deve passar a ter a seguinte descrição: Deve a herança aberta por óbito de BB, à herança indivisa aberta por óbito de GG (herança esta cujo único herdeiro foi BB), o valor (a determinar pelo tribunal a quo) correspondente à construção de um barracão no prédio rústico descrito sob a verba n.º 6 da Relação de bens. iii) revoga-se a decisão recorrida na parte em que não admitiu a cumulação do inventário por óbito de GG e em sua substituição admite-se essa cumulação; iv) determina-se seja relacionado no inventário por óbito de BB, o quinhão hereditário do mesmo na herança aberta por óbito de GG, sua filha. Custas da apelação pelo recorrido (…)» 1.1.9. Em 10 de Maio de 2024, devolvidos os autos à 1.ª Instância, foi proferido despacho (que aqui se dá por integralmente reproduzido), onde nomeadamente se lê: «(…) 2) A única dívida relacionada passa a ter a seguinte descrição: “Deve a herança aberta por óbito de BB, à herança indivisa aberta por óbito de GG (herança esta cujo único herdeiro foi BB), o valor (a determinar pelo tribunal a quo) correspondente à construção de um barracão no prédio rústico descrito sob a verba n.º 6 da Relação de bens”; Notifique os I. Mandatários das partes para em 10 dias atribuírem um concreto valor à “construção de um barracão no prédio rústico descrito sob a verba n.º 6 da Relação de bens”, sob a expressa cominação de, na ausência de consenso, este Tribunal vir a determinar a realização de uma Perícia/Avaliação de tal benfeitoria;
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3) Por outro lado, reitera-se a admissão da cumulação do inventário por óbito de GG. Tome-se em consideração no futuro processado. D.n..
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4) Ordena-se a notificação do I. Mandatário do Cabeça-de-Casal para em 10 dias relacionar, no inventário por óbito de BB, o quinhão hereditário do mesmo na herança aberta por óbito de GG, sua filha. (…)» 1.1.10. Em 23 de Maio de 2024o Cabeça-de-casal (AA) juntou «nova relação de bens, devidamente actualizada» (que aqui se dá por integralmente reproduzida).
Fez constar da mesma, nomeadamente: como verba n.º 1 do «ACTIVO», «Quinhão hereditário na herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de GG»; e como «DÍVIDAS», «aos interessados AA e EMP01... e António Gonçalves o valor relativo às benfeitorias levadas a cabo no prédio rústico da verba seis da relação de bens, que consiste na construção de um barracão, construído em blocos de cimento, com a área coberta de 100 metros quadrados, com o valor de …..€ 35.000,00».
1.1.11. Em 06 de Junho de 2024,notificado da nova relação de bens, o interessado FF veio reclamar, pedindo que a mesma fosse rectificada (conforme articulado respectivo, que aqui se dá por integralmente reproduzido).
Alegou para o efeito, em síntese e no que ora nos interessa: estando já decidida pelo Tribunal da Relação de Guimarães a cumulação do inventário de GG com o aberto por óbito de seu pai, teria obrigatoriamente de se proceder «à relacionação dos bens concretos deixados por óbito da referida GG», correspondendo os mesmos a «imóveis, móveis sujeitos a registo, dinheiro, ouro, contas e aplicações bancárias»; tendo já sido decidido pelo Tribunal da Relação de Guimarães a concreta descrição da única dívida do inventário aberto por óbito de BB, não poderia o Cabeça-de-casal ter reiterado a inicial e desconforme relacionação da mesma; e tendo expressamente impugnado «o valor atribuído aos bens constantes da relação de bens» e «o valor da benfeitoria relacionada como dívida», relegaria «para o momento da realização a conferência de interessados, a possibilidade de requerer a perícia/avaliação judicial».
1.1.12. Em 02 de Setembro de 2024o Cabeça-de-casal (AA) respondeu, pedindo que a reclamação fosse julgada improcedente (conforme articulado respectivo, que aqui se dá por integralmente reproduzido).
Alegou para o efeito, em síntese e no que ora nos interessa, que da «verba n.º 1 da relação de bens apresentada pelo Cabeça de Casal resulta com suficiente clareza que o quinhão hereditário que pertence ao inventariado é o quinhão hereditário aberto por óbito a sua filha GG»; e estão «relacionados os bens que compõem a herança ilíquida e indivisa aberta por óbito daquela GG, e que constitui o passivo da relação de bens da herança do inventariado, que, por sua vez, constitui o quinhão da verba um como direito de crédito». 1.1.13. Em 17 de Setembro de 2024o interessado FF veio pronunciar-se, pedindo que fosse «retificada a relação de bens, nos termos expostos e apresentadas as declarações de cabeça de casal por óbito de GG» (conforme articulado respectivo, que aqui se dá por integralmente reproduzido).
Alegou para o efeito, em síntese, continuar o Cabeça-de-casal (AA) «a não apresentar a relação de bens conforme decidido no douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães»; e «relembrar o cabeça de casal que foi decidida a cumulação de inventário de GG e BB», devendo, por isso, «ser prestadas as declarações de cabeça de casal por óbito de GG e a respetiva relação de bens».
1.1.14. Em 18 de Novembro de 2024 foi proferido despacho (que aqui se dá por integralmente reproduzido),onde nomeadamente se lê: «(…) Ordena-se a notificação do I. Mandatário do Cabeça-de-Casal para, em 10 (dez) dias, proceder à retificação da relação de bens nos termos expostos, e apresentar as declarações de cabeça-de-casal por óbito de GG. Se o não fizer e nesse pressuposto, Ordena-se desde já a notificação da I. Mandatária do interessado FF para, em 10 (dez) dias, proceder à retificação da relação de bens nos termos expostos, e apresentar as declarações de cabeça-de-casal por óbito de GG, tudo isto para evitar a “eternização” dos presentes autos nesta fase. (…)» 1.1.15. Em 19 de Setembro de 2024 asecretaria certificou a notificação electrónica do despacho antecedente às partes, por meio da plataforma citius. 1.1.16. Em 02 de Dezembro de 2024o Cabeça-de-casal (AA) veio prestar «declarações complementares» e juntar «relação de bens por óbito de GG» (umas e outra que aqui se dão por integralmente reproduzidas).
Nas «declarações complementares» afirmou que a «falecida fez testamento pelo qual instituiu legados a seus irmãos» e deixou «a suceder-lhe, como seu único herdeiro, seu pai BB».
A relação de bens, epigrafada «RELAÇÃO DE BENS que apresenta AA, por óbito do inventariado BB», reproduziu integralmente a última apresentada por si nos autos, à excepção das «DÍVIDAS» (que então relacionou conforme determinado pelo Tribunal da Relação de Guimarães), constando nomeadamente como «VERBA UM» do «ACTIVO / DIREITOS», «Quinhão hereditário do autor da sucessão António Gonçalves da herança, na herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de GG, sua filha».
1.1.17. Em 16 de Dezembro de 2024, notificado, o interessado FF veio pronunciar-se (conforme articulado respectivo, que aqui se dá por integralmente reproduzido), pedindo que: «numa última e derradeira tentativa seja o cabeça de casal notificado para ser retificada a relação de bens»; e, se «assim se não entender, para que o Interessado possa apresentar a Relação de bens devidamente retificada», requerendo a requisição oficiosa de informações, nomeadamente: «(…) 2) Requer se digne ordenar a notificação do Banco de Portugal para vir informar os presentes autos quais as contas bancárias existentes em nome da Autora da Sucessão GG. 3) Após tal informação, se digne oficiar aos bancos constantes da declaração emitida pelo Banco de Portugal, se dignem informar quais os montantes existentes á data do óbito e nos últimos sessenta dias anteriores a tal data Mais requer: 4) Se digne oficiar, à Autoridade Tributária, na pessoa do Chefe de Repartição dos serviços de Finanças ..., para vir aos autos informar quais os bens existentes em nome da Autora da Sucessão GG à data do óbito, apresentando ainda a Declaração de Imposto de Selo apresentada por óbito da Autora da Sucessão. (…)»
1.1.18. Em 13 de Janeiro de 2025o Cabeça-de-casal (AA) pronunciou-se uma vez mais (conforme articulado respectivo, que aqui se dá por integralmente reproduzido), pedindo que os autos prosseguissem «os seus termos designando-se data para a conferência de interessados», nomeadamente porque já «relacionou os bens pertencentes à herança da inventariada GG a partilhar».
1.1.19. Em 19 de Fevereiro de 2025 foi proferido despacho (que aqui se dá por integralmente reproduzido), indeferindo a realização das diligências de prova impetradas pelo interessado FF e promovendo o agendamento da conferência de interessados, lendo-se nomeadamente no mesmo: «(…) Devidamente compulsados os autos, verifica-se que o Cabeça de Casal já prestou declarações complementares por morte da inventariada GG, o Testamento já foi junto aos autos, já foram relacionados os Bens a partilhar pertencentes à herança da inventariada GG. Mais se verifica que não foi deduzida reclamação à relação de bens apresentada por morte da inventariada GG. O Acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães decidiu questões relativas à Forma à Partilha e não relativas ao apuramento dos bens a partilhar. Por conseguinte, carecem de qualquer sentido as diligências requeridas pelo interessado FF, a efetuar junto de Banco de Portugal, demais instituições bancárias e Autoridade Tributária, pelo que se indefere liminarmente as mesmas.
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Notifique os I. Mandatários das partes para, no prazo de 2 (dois) dias, indicarem, para agendamento de conferência de interessados, datas disponíveis nos meses de Abril, Maio e Junho de 2025. (…)»
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1.2. Recurso 1.2.1. Fundamentos
Inconformado com este despacho, o interessado FF interpôs recurso do mesmo, pedindo nomeadamente que fosse revogado e substituído por decisão deferindo as diligências por si requeridas e decidindo todas as questões constantes da sua reclamação à relação de bens.
Concluiu as suas alegações da seguinte forma (aqui se reproduzindo as respectivas conclusões ipsis verbis, com excepção da concreta grafia utilizada e de manifestos e involuntários erros e/ou gralhas de redacção):
A. Não se nos afigura correcta a decisão ora posta em crise, no que respeita à apreciação da matéria de Facto e de Direito.
B. O Tribunal a quo decidiu: “Refªs ...19 / ...97 / ...42: Devidamente compulsados os autos, verifica-se que o Cabeça de Casal já prestou declarações complementares por morte da inventariada GG, o Testamento já foi junto aos autos, já foram relacionados os Bens a partilhar pertencentes à herança da inventariada GG. Mais se verifica que não foi deduzida reclamação à relação de bens apresentada por morte da inventariada GG. O Acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães decidiu questões relativas à Forma à Partilha e não relativas ao apuramento dos bens a partilhar. Por conseguinte, carecem de qualquer sentido as diligências requeridas pelo interessado FF, a efetuar junto de Banco de Portugal, demais instituições bancárias e Autoridade Tributária, pelo que se indefere liminarmente as mesmas.
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Notifique os I. Mandatários das partes para, no prazo de 2 (dois) dias, indicarem, para agendamento de conferência de interessados, datas disponíveis nos meses de Abril, Maio e Junho de 2025.”
C. O despacho proferido e posto em crise, não poderia ter decidido que já haviam sido prestadas as declarações complementares por morte da inventariada GG e ter considerado que os bens a partilhar pertencentes à herança da mesma já haviam sido relacionados.
D. Não deveria ter considerado que não foi deduzida reclamação à relação de bens apresentada por morte da inventariada
E. E assim entende o recorrente, porque nos requerimentos, cujas referências constam do despacho ora posto em crise, e sobre que recaía a decisão, em momento algum o cabeça de casal junta aos autos a relação de bens da inventariada GG.
F. Por tal também não poderia o Recorrente pronunciar-se sobre a mesma.
G. Há que constatar que do Despacho posto em crise, resulta que a decisão versa sobre os requerimentos com as referências aí constantes.
H. No entanto tais requerimentos não podem ser decididos isoladamente, pois os mesmos são elaborados, em sede de incidente à reclamação de bens e têm de atender ao Douto Acórdão identificado nas alegações e a todo o processado após este.
I. Pela análise dos autos, conforme consta das alegações, terá de se concluir que o Recorrente, através do Requerimento com a referência citius 16278046, apresentado em 06.06.2024 e do Requerimento com a referência citius 16651941, apresentado em 17.09.2024, reclama das relações de bens juntas aos autos pelo cabeça de casal.
J. Não poderia o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo ter indeferido as diligências de prova requeridas pelo Recorrente uma vez que foram requeridas em sede de incidente de reclamação à relação de bens e no seguimento do despacho com referência citius 193455841, proferido em 18.11.2024, no qual se devolve ao recorrente a faculdade de apresentar a relação de bens por si expostos.
K. Tendo o Douto acórdão, a que se faz referência nas alegações supra, decidido, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 1094 do CPC, a cumulação dos inventários de BB e de GG, haveria de se proceder à tramitação adequada da mesma e ser apresentada, por morte também da inventariada, a competente relação de bens conforme estipulado, no artigo 1098.º do mencionado diploma legal. L. Uma vez que tal relação de bens nunca foi devidamente junta, entende o Reclamante, ter havido uma clara violação dos preceitos legais constantes da alínea a) do n.º 1 do artigo 1094º e do artigo 1098.º ambos do CPC.
M. A acrescentar que, no entender do Reclamante, há uma franca contradição entre os despachos proferidos em 18.11.2024 (referência citius 193455841) e em 19.02.2025 (referência citius 194943419).
N. E assim entende porque, enquanto que no primeiro despacho manda notificar o cabeça de casal para proceder à retificação da relação de bens nos termos expostos e para apresentar as declarações de cabeça de casal por óbito de GG, devolvendo ao recorrente a faculdade de o fazer, caso o cabeça de casal não o faça, no segundo despacho, já não admite as diligências de prova requeridas pelo recorrente com intuito de dar resposta e cumprimento à segunda parte do primeiro despacho proferido.
O. Ao decidir, conforme decidiu no seu Douto despacho de 19.02.2025, o Meritíssimo Juiz, não só decidiu violando os preceitos legais acima referidos, como não decidiu todas as questões constantes do requerimento apresentado pelo ora reclamante em sede de reclamação à relação de bens, requerimento este apresentado em 06.06.2024 (referência citius 16278046) e reiterado pelo requerimento por si apresentado em17.09.2024 com a referência citius 16651941.
P. Existindo, em momento posterior ao Douto Acórdão, referência citius 9344549, proferido em 14 de Março de 2024, pelos Venerandos Juízes Desembargadores no Tribunal da Relação Cível de Guimarães - 1.ª Secção Cível, no Processo 270/20.8T8BCL.G1, uma nova relação de bens apresentada nos autos e uma reclamação à mesma, tendo inclusive havido resposta à mesma, teria obrigatoriamente de tramitar todo o incidente, ordenando as diligências requeridas, decidindo todas as questões suscitadas na reclamação, para que, após estabilizadas as relações de bens, se pudesse efetivamente proceder à Conferência de Interessados.
Q. Aqui chegados, verifica-se que efetivamente não foi isso que aconteceu, nomeadamente quanto à
pronúncia/decisão sobre todas as questões atinentes ao incidente de reclamação à relação de bens, pois existem questões levantadas em sede de Reclamação à relação de bens que não foram decididas.
R. Ora, não estando decididas todas as questões atinentes ao incidente de reclamação à relação bens, há uma clara omissão de pronúncia sobre as mesmas.
S. Por tal entende o Recorrente que o Douto Despacho ora posto em crise está ferido de nulidade, nulidade esta que se dá por arguida para todos os devidos e legais efeitos.
T. De acordo com o preceituado no artigo 615, n.º: 1 alínea d) do Código do Processo Civil, a omissão de pronúncia sobre questões submetidas à apreciação constitui fundamento de nulidade da decisão.
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1.2.2. Contra-alegações
O Cabeça-de-casal (AA) contra-alegou, pedindo que se negasse provimento ao recurso.
Concluiu as suas contra-alegações da seguinte forma (aqui se reproduzindo as respectivas conclusões ipsis verbis, com excepção da concreta grafia utilizada e de manifestos e involuntários erros e/ou gralhas de redacção):
1. O Interessado FF interpôs recurso do despacho proferido no dia 19 de Fevereiro de 2025, por entender que o mesmo enferma de errada apreciação da matéria de Facto e de Direito.
2. Salvo o devido respeito, entende o Cabeça de Casal, ora Recorrido, que não tem o Recorrente razão, dado que a decisão recorrida não merece qualquer censura, nomeadamente, a que o Recorrente lhe desfere.
3. O Recorrente interpõe o presente recurso nos termos do artigo 1123º, n.º 2, alínea b), 644º, n.º 1, alínea a) e 638º, n.º 1, todos do Código do Processo Civil.
4. O Recorrente socorre-se da alínea b) do n.º 2 do já citado artigo 1223º do C.P.C., por entender que o Despacho proferido pelo Tribunal a quo configura uma decisão de determinação dos bens a partilhar.
5. Os bens a partilhar no âmbito dos presentes autos já se encontram determinados e, inclusive, relacionados.
6. A questão dos bens a partilhar no presente inventário já foi discutida em sede de recurso, e decidida pelo Venerado Tribunal da Relação de Guimarães em Acórdão proferido a 14 de Março de 2024.
7. O referido Acórdão determinou, no seu ponto 4.5, que devia ser relacionado, pelo Cabeça de Casal, o quinhão hereditário de GG, filha do Inventariado BB, por o mesmo integrar o seu património à data do seu decesso.
8. Na sequência do Acórdão da Relação de Guimarães, veio o Tribunal a quo proferir despacho no dia 10 de Maio de 2024, com a referência n.º ...51, ordenando a notificação do Mandatário do Cabeça-de-Casal para em 10 dias relacionar, no inventário por óbito de BB, o quinhão hereditário do mesmo na herança aberta por óbito de GG, sua filha.
9. Dando cumprimento à notificação do dia 10 de Maio de 2024, o Recorrido, no dia 23 de Maio de 2024, apresentou requerimento com a referente relação de bens atualizada.
10. Conforme se retira do supra exposto, já se encontram determinados e relacionados, devidamente, os bens a partilhar no presente processo de inventário.
11. Não se encontra preenchida qualquer das situações descritas na alínea b), do n.º 2, do artigo 1123º do C.P.C.
12. Não se verificando nenhuma das hipóteses previstas no n.º 2, do citado artigo, ao Recorrente caberia unicamente a possibilidade de recorrer a final, conforme o n.º 4 do mesmo artigo: “São interpostos conjuntamente com a apelação referida na alínea b) do n.º 2 os recursos em que se pretendam impugnar decisões proferidas até esse momento, subindo todas elas em conjunto ao tribunal superior, em separado dos autos principais.”.
13. As hipóteses de recurso imediato autónomo são restritas, privilegiando-se, em regra, a impugnação conjunta das decisões interlocutórias com a da decisão final (sentença homologatória da
partilha).
14. O presente caso não configura uma das situações previstas na alínea b) do n.º 2 do mesmo artigo, a decisão proferida pelo Tribunal de 1ª instância apenas seria passível de recurso após ser proferida a decisão final, e não no momento em que o Recorrente interpôs o presente recurso.
15. Por tudo quanto exposto, o recurso interposto pelo Recorrente é inadmissível.
Sem prescindir,
16. O Cabeça de Casal, ora Recorrido, já prestou todas as declarações - iniciais e complementares - por morte da Inventariada GG.
17. O Recorrido afirmou que no dia ../../2015 faleceu no estado de solteira GG, com última residência em ..., ... ..., ..., ....
18. Acrescentou que a falecida fez testamento pelo qual instituiu legados a seus irmãos, tendo o ora Recorrido, na qualidade de Cabeça de Casal, junto aos autos o testamento.
19. A Inventariada GG deixou a suceder-lhe, como seu único herdeiro, o seu pai BB.
20. O Recorrido já relacionou os bens pertencentes à herança da Inventariada GG a partilhar, nomeadamente na relação de bens anexa ao requerimento apresentado
pelo Recorrido no dia 23 de Maio de 2024.
21. Pelo que se mostram prestadas todas as declarações que competiam ao Recorrido, pelo que também neste ponto entende o Recorrido não assistir razão ao Recorrente.
22. O Interessado FF, ora Recorrente, nunca deduziu reclamação à relação de bens apresentada por morte da Inventariada GG.
23. O Cabeça de Casal relacionou os bens pertencentes à herança da Inventariada GG a partilhar, na relação de bens anexa ao requerimento apresentado pelo Recorrido no dia 23 de Maio de 2024.
24. No dia 06 de Junho de 2024, o Recorrente deu entrada via CITIUS de um requerimento.
25. O articulado submetido aos autos foi classificado na aplicação CITIUS como um requerimento.
26. Ainda que, do teor do documento, se possa ler que o Recorrente “Vem apresentar Reclamação à Relação de Bens”, o certo é que na identificação processual da peça nunca a identificou como um incidente de Reclamação.
27. Tratando-se de um incidente de reclamação deveria ter sido liquidada a correspondente taxa de justiça ou, beneficiando a parte de apoio judiciário, ter sido mencionada dispensa do respetivo pagamento, por beneficiar de apoio judiciário, o que não sucedeu nos presentes autos.
28. A reclamação à relação de bens, qualificada como incidente, obriga ao pagamento da inerente taxa de justiça, que é fixada nos termos da Tabela II anexa ao RCP.
29. Não tendo o Recorrente identificado corretamente o tipo de requerimento apresentado aos autos, nem identificado a correspondente taxa de justiça ou a dispensa da mesma, conforme é exigido.
30. Pelo que, nunca se poderá considerar o articulado junto aos autos como um incidente de Reclamação, não passando o mesmo de um mero requerimento, que não é suscetível de produzir os efeitos que o Recorrente pretende. 31. Encontram-se resolvidas todas as questões suscitadas no caso vertente, encontrando-se finda a fase de saneamento, o Tribunal a quo andou bem ao diligenciar o agendamento da conferência de interessados.
32. Uma vez que o Tribunal a quo, na figura do Meritíssimo Juiz, já realizou as diligências necessárias para decidir todas as questões ou matérias litigiosas que condicionam a partilha e a definição do património a partilhar e também proferir despacho sobre a forma da partilha.
33. Pelo que, deverá a decisão do Tribunal a quo manter-se, no sentido de indeferir liminarmente as diligências requeridas pelo interessado FF, uma vez que as mesmas carecem de qualquer sentido, encontrando-se já discutidas todas as questões suscitadas.
34. Por tudo o quanto exposto, e ao contrário do que tenta o Recorrente demonstrar, entende o Cabeça de Casal, ora Recorrido, que a sentença a quo não padece de qualquer erro na apreciação da matéria de facto e de Direito, devendo manter-se, por isso, inalterada.
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1.2.3. Processamento ulterior do recurso
Tendo sido proferido despacho pelo Tribunal a quo a admitir o recurso do interessado FF - como «de Apelação, com subida imediata e nos próprios autos, e com efeito suspensivo» [1] -, foi o mesmo recebido por este Tribunal ad quem, sem alteração.
Precisou, porém, a Relatora «que, ao contrário do ajuizado pelo Tribunal a quo, o recurso de apelação autónoma colhe a sua justificação no art.º 1123.º, n.º 2, al. b), do CPC, já que o despacho recorrido contende indiscutivelmente com a determinação dos bens a partilhar (nomeadamente, com a existência, ou inexistência, nos autos, da relação de bens devida no âmbito do inventário - cumulado - de GG)».
Precisou «ainda que, ao contrário do ajuizado pelo Tribunal a quo, o efeito suspensivo que lhe foi atribuído colhe a sua justificação no art.º 1123.º, n.º 3, do CPC, isto é, por a questão a apreciar poder afectar a utilidade prática das diligências que devam ser realizadas na conferência de interessados».
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O Tribunal a quo, no despacho de admissão do recurso, pronunciou-se quanto à nulidade imputada à sua decisão nos seguintes termos:
«(…) - Por manifestamente improcedentes e dando-se aqui, por economia processual, por inteiramente reproduzidos os fundamentos de facto e de direito expendidos no Despacho proferido sob a Refª ...19, através dos quais este Tribunal justificou a decisão proferida no sentido de indeferir liminarmente as diligências requeridas pelo interessado FF e a efetuar junto do Banco de Portugal, das demais instituições bancárias e da Autoridade Tributária, indefere-se as nulidades (nomeadamente derivadas de omissão de pronúncia) invocadas nas alegações de recurso do Interessado FF, apresentadas sob a ora cit. Refª ...25 (artigos 615º,a contrario sensu, e 617º/1e2, ambos do Código de Processo Civil - CPC); (…)»
*
II - QUESTÕES QUE IMPORTA DECIDIR
2.1. Objecto do recurso - EM GERAL
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CPC), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art.º 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art.º 663.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC) [2].
Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida) [3], uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais (destinando-se, por natureza, à sua reapreciação/reponderação e consequente alteração e/ou revogação, e não a um novo reexame da causa).
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2.2. QUESTÕES CONCRETAS a apreciar
Mercê do exposto, e do recurso interposto pelo interessado FF, duas questões foram submetidas à apreciação deste Tribunal ad quem:
1.ª - É o despacho recorrido nulo, por ter deixado de se pronunciar sobre questão que devesse apreciar (subsumindo-se desse modo ao disposto no art.º 615.º, n.º 1, al. d), I parte, do CPC) ? 2.ª - Fez o Tribunal a quo uma erradainterpretação e aplicação da lei, nomeadamente ao ter indeferido a requisição oficiosa de informações que possibilitassem a apresentação, pelo interessado FF, da relação de bens devida no âmbito do inventário aberto por óbito de GG (já cumulado com o aberto por óbito de seu pai, BB) e promovendo o agendamento da conferência de interessados, desse modo desrespeitando anteriores decisões judiciais proferidas nos autos ?
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III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Com interesse para a apreciação das questões enunciadas encontram-se assentes (mercê do conteúdo dos próprios autos) os factos já discriminados em «I - RELATÓRIO», que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
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IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
4.1.Nulidade de decisão judicial por omissão de pronúncia 4.1.1.1. Nulidades da decisão judicial versus Erro de julgamento
As decisões judiciais proferidas pelos tribunais no exercício da sua função jurisdicional podem ser viciadas por duas distintas causas (qualquer uma delas obstando à sua eficácia ou à sua validade): por se ter errado no julgamento dos factos e do direito, sendo então a respectiva consequência a sua revogação; e, como actos jurisdicionais que são, por se ter violado as regras próprias da sua elaboração e estruturação, ou as que balizam o conteúdo e os limites do poder à sombra do qual são decretadas, sendo então passíveis de nulidade, nos termos do art.º 615.º, do CPC [4].
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4.1.1.2.Nulidade da decisão judicial - Omissão de pronúncia
Lê-se no art.º 615.º, n.º 1, al. d), I parte, do CPC, e no que ora nos interessa, que «é nula a sentença [5] quando»:
. omissão de pronúncia - «O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar».
Em coerência, e de forma prévia, lê-se no art.º 608.º, n.º 2, do CPC, que «o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras».
Há, porém, que distinguir entre questões a apreciar e razões ou argumentos aduzidos pelas partes (para sustentar a solução que defendem a propósito de cada questão a resolver): «São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão» (Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, V Volume, Coimbra Editora, pág.143, com bold apócrifo).
Ora, as questões postas, a resolver, «suscitadas pelas partes só podem ser devidamente individualizadas quando se souber não só quem põe a questão (sujeitos), qual o objecto dela (pedido), mas também qual o fundamento ou razão do pedido apresentado (causa de pedir)» (Alberto dos Reis, op. cit., pág. 54). Logo, «as “questões” a apreciar reportam-se aos assuntos juridicamente relevantes, pontos essenciais de facto ou direito em que as partes fundamentam as suas pretensões» (Ac. do STJ, de 16.04.2013, António Joaquim Piçarra, Processo n.º 2449/08.1TBFAF.G1.S1); e não se confundem com considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes (a estes não tem o Tribunal que dar resposta especificada ou individualizada, mas apenas aos que directamente contendam com a substanciação da causa de pedir e do pedido).
Por outras palavras, as «partes, quando se apresentam a demandar ou a contradizer, invocam direitos ou reclamam a verificação de certos deveres jurídicos, uns e outros com influência na decisão do litígio; isto quer dizer que a «questão» da procedência ou improcedência do pedido não é geralmente uma questão singular, no sentido de que possa ser decidida pela formulação de um único juízo, estando normalmente condicionada à apreciação e julgamento de outras situações jurídicas, de cuja decisão resultará o reconhecimento do mérito ou do demérito da causa. Se se exige, por exemplo, o cumprimento de uma obrigação, e o devedor invoca a nulidade do título, ou a prescrição da dívida, ou o pagamento, qualquer destas questões tem necessariamente de ser apreciada e decidida porque a procedência do pedido depende da solução que lhes for dada; mas já não terá o juiz de, em relação a cada uma delas, apreciar todos os argumentos ou razões aduzidas pelos litigantes, na defesa dos seus pontos de vista, embora seja conveniente que o faça, para que a sentença vença e convença as partes, como se dizia na antiga prática forense» (Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, Volume III, Almedina, Lisboa, pág. 228, com bold apócrifo).
Logo, a omissão de pronúncia circunscreve-se às questões de que o tribunal tenha o dever de conhecer para a decisão da causa e de que não haja conhecido, realidade distinta da invocação de um facto ou invocação de um argumento pela parte sobre os quais o tribunal não se tenha pronunciado [6].
Esta nulidade só ocorrerá, então, quando não haja pronúncia sobre pontos fáctico-jurídicos estruturantes da posição dos pleiteantes, nomeadamente os que se prendem com a causa de pedir, o pedido e as excepções, e não quando tão só ocorre mera ausência de discussão das «razões» ou dos «argumentos» invocados pelas partes para concluir sobre as questões suscitadas, deixando o juiz de os apreciar, conhecendo contudo da questão (Ac. do STJ, de 21.12.2005, Pereira da Silva, Processo n.º 05B2287, com bold apócrifo).
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Já, porém, não ocorrerá a dita nulidade da sentença por omissão de pronúncia quando nela não se conhece de questão cuja decisão se mostra prejudicada pela solução dada anteriormente a outra (Ac. do STJ, de 03.10.2002, Araújo de Barros, Processo n.º 02B1844). Compreende-se que assim seja, uma vez que o conhecimento de uma questão pode fazer-se tomando posição directa sobre ela, ou resultar da ponderação ou decisão de outra conexa que a envolve ou a exclui (Ac. do STJ, de 08.03.2001, Ferreira Ramos, Processo n.º 00A3277).
Igualmente «não se verifica a nulidade de uma decisão judicial - que se afere pelo disposto nos arts. 615.º (sentença) e 666.º (acórdãos) - quando esta não aprecia uma questão de conhecimento oficioso que lhe não foi colocada e que o tribunal, por sua iniciativa, não suscitou» (Ac. do STJ, de 20.03.2014, Maria dos Prazeres Beleza, Processo n.º 1052/08.0TVPRT.P1.S1).
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4.1.2.Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)
Concretizando, verifica-se que, na sequência do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães em 14 de Março de 2024 e do subsequente despacho proferido pelo Tribunal a quo em 10 de Maio de 2024, veio o Cabeça-de-casal (AA) apresentar, em 23 de Maio de 2024, uma alegada «nova relação de bens, devidamente actualizada» (bold apócrifo).
Mais se verifica que, notificado da mesma, o interessado FF veio, em 06 de Junho de 2024, expressamente reclamar dela, nomeadamente acusando: a falta de «relacionação dos bens concretos deixados por óbito da referida GG»(bold apócrifo), cujo inventário foi, por força do referido acórdão, cumulado com o que determinara os presentes autos, relativo a seu pai, BB; e a indevida descrição do passivo da herança do Inventariado (BB), em absoluto e flagrante desrespeito com o igualmente determinado no referido acórdão.
Precisa-se, a propósito, que o interessado FF teve o cuidado de iniciar o seu articulado afirmando «Vem apresentar Reclamação à Relação de Bens» (bold apócrifo); e, ao fazê-lo, revelou desde logo a natureza do direito que exercia (precisamente, de dedução de um tal incidente). Precisa-se ainda que, tendo comprovado no momento inicial da sua intervenção nos autos que beneficiava de apoio judiciário, na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos, não só estava desonerado de pagar a taxa de justiça prevista na lei para a dedução do incidente de reclamação, como igualmente estava desonerado de justificar esse não pagamento (por em momento anterior, e para toda e qualquer intervenção sua no processo, já o ter feito). Por fim, precisa-se que o facto do articulado de reclamação ter sido classificado na aplicação citius como um requerimento não é idóneo a alterar a sua natureza, assim o tendo entendido quer o Tribunal a quo (quando, no despacho de 04 de Julho de 2024, ordenou a notificação da «I. Mandatária do Cabeça-de-Casal para em10 (dez) dias responder à reclamação à relação de bens»), quer o próprio Cabeça-de-casal (quando, em 02 de Setembro de 2024, após ter pago a taxa de justiça devida pelo seu próprio articulado, afirmou expressamente no mesmo que, «notificado da reclamação apresentada à relação de bens por FF, vem apresentar RESPOSTA»).
Prosseguindo, verifica-se ainda que, reiterando as partes as suas posições (o Cabeça-de-casal por requerimento de 02 de Setembro de 2024 e o interessado FF por requerimento de 17 de Setembro de 2024) [7], em 18 de Setembro de 2024 foi proferido despacho, ordenando ao Cabeça-de-casal que procedesse, em dez dias, «à retificação da relação debens nos termos expostos» (bold apócrifo) e apresentasse «as declarações de cabeça-de-casal por óbito de GG».
Por fim, verifica-se que, prestando o Cabeça-de-casal (AA), em 02 de Dezembro de 2024, «declarações complementares» e juntando uma alegada «relação de bens por óbito de GG», vindo o interessado FF, em 16 de Dezembro de 2024, reiterar «o Requerimento por si apresentado em sede de Resposta à Reclamação de bens apresentada», e pronunciando-se uma vez mais o Cabeça-de-casal em 13 de Janeiro de 2025, pedindo que os autos prosseguissem «os seus termos designando-se data para a conferência de interessados», porque já «relacionou os bens pertencente à herança da inventariada GG a partilhar», foi proferido despacho em 19 de Fevereiro de 2025 (o aqui recorrido), afirmando que «já foram relacionados os Bens a partilhar pertencentes à herança da inventariada GG», à qual não teria sido «deduzida reclamação» (bold apócrifo).
Face ao exposto, defende o Recorrente (FF) existirem «questões levantadas em sede de Reclamação à relação de bens que não foram decididas», nomeadamente as pertinentes à relação de bens devida no âmbito do inventário (cumulado) por morte de GG, e de cuja omissão nos autos reclamou.
Ora, e salvo o devido respeito por opinião contrária, assiste-lhe efectivamente razão, quando afirma no seu recurso que, ao «contrário do Despacho proferido pelo tribunal a quo, em momento algum o cabeça de casal relacionou os bens a partilhar pertencentes à herança da inventariada GG»; e que não «corresponde também à verdade que não haja sido deduzida reclamação quanto à falta de relação de bens por morte da inventariadaGG».
Com efeito, e relativamente à omissão de apresentação da devida relação de bens pertinente à Inventariada (GG), o Cabeça-de-casal (AA) apenas juntou aos autos sucessivas relações de bens pertinentes ao inventário devido por morte de seu pai, BB; de forma conforme, a última por si apresentada, em 02 de Dezembro de 2024, tem como expressa epígrafe «RELAÇÃO DE BENS que apresenta AA por óbito do inventariado BB»; e na mesma consta como «ACTIVO / DIREITOS / VERBA UM», o «Quinhão hereditário do autor da sucessão António Gonçalves da Herança, na herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de GG, sua filha».
Já relativamente à reclamação apresentada pelo interessado FF relativa a esta omissão (de relacionação de bens da Inventariada), e considerando apenas o período posterior ao acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães que ordenou a cumulação de inventários, foi a mesma primeiro apresentada em 06 de Junho de 2024; e depois reiterada em 17 de Setembro de 2024 e em 16 de Dezembro de 2024.
Contudo, de outro (e errado) modo o entendeu o Tribunal a quo, no seu despacho de 19 de Fevereiro de 2025, onde, pronunciando-se expressamente sobre: a relação de bens devida por óbito de GG (face à cumulação do seu inventário com o inicialmente instaurado em juízo), considerou que «já foram relacionados os Bens a partilhar pertencentes à herança da inventariada GG»; e sobre eventuais reclamações apresentadas quanto à dita relação de bens (incluindo a respectiva e absoluta omissão), considerou que «não foi deduzida reclamação à relação de bens apresentada por morte da inventariada GG» (bold apócrifo).
Ora, por muito que se nos afigurem incompreensíveis estes seus dois juízos (absolutamente desmentidos por qualquer singela consulta dos autos e, inclusivamente, por prévias decisões suas), certo é que o Tribunal a quo se pronunciou efectivamente sobre estas duas concretas questões submetidas à sua apreciação (omissão da relação de bens devida no âmbito do inventário cumulado de GG e reclamação apresentada pelo interessado FF quanto a essa omissão).
O carácter desconforme com os factos assentes e a lei dos seus concretos juízos será apreciado (e corrigido) de seguida; mas não consubstancia qualquer omissão de pronúncia, que, com este fundamento, comine de nulo o despacho por ele proferido (e recorrido).
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Concluindo, improcede a arguição de nulidade (por omissão de pronúncia) feita pelo Recorrente (FF) ao despacho recorrido.
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4.2. Processo de inventário - Relação dos bens a partilhar 4.2.1.1. Processo de inventário 4.2.1.1.1. Em geral
Lê-se no art.º 1082.º, al. a), do CPC, que o «processo de inventário cumpre, entre outras», a função de fazer «cessar a comunhão hereditária e proceder à partilha de bens» [8]; e caracteriza-se pela universalidade objectiva (recai, em princípio, sobre a totalidade da herança) e subjectiva (requer a presença de todos os interessados na partilha), bem como pela proporcionalidade da partilha segundo a quota de cada herdeiro (a atribuição dos bens é feita segundo a quota de cada interessado na comunhão).
Está-se perante um processo especial de jurisdição contenciosa ou litigiosa, reintroduzido no CPC pela Lei n.º 117/2019, de 13 de Setembro (não obstante a sua inserção sistemática no CPC, após os processos especiais de jurisdição voluntária, por se ter pretendido salvaguardar a prévia numeração dos artigos que a estes diziam respeito).
A reintrodução do processo especial de inventário no CPC torna-lhe aplicáveis os princípios gerais do processo civil (conforme art.º 549.º, n.º 1, do CPC), «nomeadamente o da gestão e adequação processual (art.ºs 6.º, n.º 1 e 547.º, do CPC) e o da cooperação do juiz (art.º 7.º, do CPC)», estando o primeiro «acolhido e concretizado», por exemplo, no art.º 1105.º, n.º 4, do CPC «(possibilidade de realização oficiosa de quaisquer diligências probatórias antes da decisão de saneamento)».
Dir-se-á, mesmo, que o «novo modelo do processo de inventário acentua, muito claramente, o papel activo do juiz na realização do fim último do inventário: a justa e igualitária partilha do acervo hereditário, obtida, se possível, por consenso entre os interessados». Ora, de forma muito «relevante no processo de inventário pode ser o uso pelo juiz dos poderes inquisitórios em matéria probatória (art. 411.º). Assim, as diligências probatórias a realizar no processo poderão não ser apenas as que tenham sido requeridas pelas partes, dado que o juiz deve exercer os seus poderes inquisitórios em matéria probatória de modo a decidir, com o indispensável rigor e ponderação, todas as questões controvertidas. Através destes poderes inquisitórios podem ser superadas as limitações que constam do art. 293.º, n.º 1, aplicáveis aos incidentes do processo de inventário por força do disposto no art. 1091.º, n.º 1» (Miguel Teixeira de Sousa, Carlos Lopes do Rego, António Abrantes Geraldes e Pedro Pinheiro Torres, O Novo Regime do Processo de Inventário e Outras Alterações na Legislação Processual Civil, Almedina, Reimpressão, Setembro de 2021, pág. 10, com bold apócrifo) [9].
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Estando em causa o processo de inventário destinado a fazer cessar a comunhão hereditária, aplica-se-lhe «o disposto no capítulo II» (art.º 1084.º, n.º 1, do CPC), sem prejuízo da aplicação aos respectivos incidentes, «e salvo indicação em contrário, [d]o disposto nos artigos 292.º a 295.º» (art.º 1091.º, n.º 1, do CPC) [10].
O dito capítulo II - epigrafado «Inventário destinado a fazer cessar a comunhão hereditária» - contém os art.ºs 1097.º a 1130.º, inclusive, integrados nas seguintes secções: Secção I - epigrafada «Fase inicial» (contém os art.ºs. 1097.º a 1103.º); Secção II - epigrafada «Oposições e verificação do passivo» (contém os art.ºs. 1104.º a 1108.º); Secção III - epigrafada «Audiência prévia de interessados» (contém o art.º. 1109.º); Secção IV - epigrafada «Saneamento do processo e conferência de interessados» (contém os art.ºs 1110.º a 1117.º); ); Secção V - epigrafada «Incidente de inoficiosidade» (contém os art.ºs 1118.º e 1119.º); Secção VI - epigrafada «Mapa da partilha e sentença homologatória» (contém os art.º.s 1120.º a 1125.º); e Secção VII - epigrafada «Incidentes posteriores à sentença homologatória» (contém os art.º.s 1126.º a 1129.º) [11].
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4.2.1.1.2. Relação de bens
Lê-se no art.º 1097.º, n.º 1 e n.º 3, al. c), do CPC, que o requerente do «processo destinado a fazer cessar a comunhão hereditária» «deve juntar ao requerimento inicial» a «relação de todos os bens sujeitos a inventário, ainda que a sua administração não lhe pertença, acompanhada dos documentos comprovativos da sua situação no registo respetivo e, se for caso disso, da matriz».
Mais se lê, no seguinte art.º 1098.º, n.º 1, al. a), que na «relação de bens referida na alínea c) do n.º 2 do artigo anterior, o cabeça de casal indica o valor que atribui a cada um dos bens», sendo que o «valor dos bens imóveis é o respetivo valor tributável».
Com efeito, não «é possível partilhar uma herança sem se ter feito previamente a descrição [dir-se-á hoje a relação] dos bens que ela abrange e sem se ter apurado o valor de cada unidade patrimonial»; e chega-se «assim à conclusão de que o inventário divisório compreende três operações fundamentais: descrição [dir-se-á hoje relação], avaliação, partilha» (Professor Alberto dos Reis, Processos Especiais, Volume II, Coimbra Editora, Limitada, 1982, pág. 381, com bold apócrifo).
Ora, vindo a cumular-se com um inventário inicial um outro, nos termos do art.º 1094.º do CPC, necessariamente que terá de ser apresentada a relação de bens que lhe diga respeito, isto é, a discriminação de todos os bens que compõem esse acervo hereditário (por forma a que possa ser partilhado), feita de acordo com as mesmíssimas regras aplicáveis ao inventário inicial.
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4.2.1.2. Caso julgado
Lê-se no art.º 619.º, n.º 1, do CPC, que, transitada «em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696.º a 702.º».
Mais se lê, no art.º do 628.º, do CPC, que uma decisão judicial «considera-se transitada em julgado logo que não seja susceptível de recurso ordinário ou de reclamação».
Quando assim seja, segundo o critério da eficácia e nos termos dos art.ºs 619.º, n.º 1 e 620.º, n.º 1, ambos do CPC, terá força obrigatória: dentro do processo e fora dele, se for sentença ou despacho saneador que decida do mérito da causa, impedindo que o mesmo ou qualquer outro tribunal possa definir em termos diferentes o direito concreto aplicável à relação material litigada (caso julgado material ou substancial); ou apenas dentro do processo, se for sentença ou despacho que haja recaído unicamente sobre a relação processual, impedindo que o mesmo tribunal, na mesma acção, possa alterar a decisão proferida, mas não impedindo que, noutra ação, a mesma questão processual concreta seja decidida em termos diferentes pelo mesmo tribunal ou por outro entretanto chamado a apreciar a causa (caso julgado formal) [12].
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Mais se lê, no art.º 625.º, do CPC, que, havendo «duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, cumpre-se a que passou em julgado em primeiro lugar» (n.º 1); e é «aplicável o mesmo princípio à contradição existente entre duas decisões que, dentro do processo, versem sobre a mesma questão concreta da relação processual» (n.º 2).
Logo, ocorrendo casos julgados contraditórios, a lei resolve apelando ao critério da anterioridade: vale a decisão contraditória sobre o mesmo objecto que tenha transitado em primeiro lugar, e ainda que estejam em causa decisões que, dentro do mesmo processo, versem sobre a mesma questão concreta [13].
Reforça-se, assim, com este artigo, a ideia de que o caso julgado formal previsto no art.º 620.º, do CPC, se refere à vinculação do Tribunal ao julgamento que fez sobre uma questão concreta da relação processual. Compreende-se, por isso, que se afirme que existe «violação do caso julgado formal, previsto no art. 620º, do Código de Processo Civil, quando o Tribunal, no mesmo processo, com as mesmas partes e reportando-se aos mesmos factos, verificados e atendidos já na primeira decisão, volta a decidir a mesma questão, nesse mesmo contexto processual, de forma diversa», outro tanto não sucedendo em hipótese inversa (Ac. da RG, de 17.05.2018, José Flores, Processo n.º 1053/15.2T8GMR-C.G1).
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Do caso julgado decorrem dois efeitos essenciais (distintos, mas provenientes da mesma realidade jurídica): um negativo (excepção dilatória de caso julgado), de impossibilidade de qualquer tribunal, incluindo o que proferiu a decisão, voltar a emitir pronúncia sobre a questão decidida, isto é, impedindo que a causa seja novamente apreciada em juízo; e um positivo (força e autoridade de caso julgado), de vinculação do mesmo tribunal e, eventualmente de outros (estando em causa o caso julgado material), à decisão proferida [14].
Logo (e face aos art.ºs 576.º, n.º 1 e n.º 2, 577.º, al. i), 580.º e 581.º, todos do CPC), a excepção dilatória de caso julgado pressupõe o confronto de duas acções (uma delas contendo uma decisão já transitada em julgado), e a tríplice identidade entre ambas de sujeitos, de causa de pedir e de pedido; e visa o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda acção, por forma a evitar a repetição de causas.
Já a força e autoridade de caso julgado decorre de uma anterior decisão que haja sido proferida, designadamente no próprio processo, sobre a matéria em discussão, e prende-se com a sua força vinculativa; e visa o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível da segunda decisão de mérito (podendo funcionar independentemente da tríplice identidade exigida pela excepção) [15].
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O caso julgado é um instituto com raízes no direito fundamental, constitucional, intimamente ligado ao princípio do Estado de Direito Democrático, por ser uma garantia basilar dos cidadãos onde deve imperar a segurança e a certeza; é hoje um valor máximo de justiça, aliado ao princípio da separação de poderes (Miguel Pimenta de Almeida, A Intangibilidade do Caso Julgado na Constituição (Brevíssima Análise), pág. 18, disponível em http://miguelpimentadealmeida.pt/wp-content/uploads/2015/06/A-INTANGIBILIDADE-DO-CASO-JULGADO-NA-CONSTITUI%C3%87%C3%83O.pdf).
«O fundamento do caso julgado reside, por um lado, no prestígio dos tribunais, o qual “seria comprometido em alto grau se mesma situação concreta uma vez definida por eles em dado sentido, pudesse depois ser validamente definida em sentido diferente” e, por outro lado, numa razão de certeza ou segurançajurídica [16], pois “sem o caso julgado estaríamos caídos numa situação deinstabilidade jurídica verdadeiramente desastrosa. (…) Seria intolerável que cada um nem ao menos pudesse confiar nos direitos que uma sentença lhe reconheceu”.
“Se assim não fosse, os tribunais falhariam clamorosamente na sua função de órgãos de pacificação jurídica, de instrumentos de paz social”» (Ac. da RG, de 17.05.2018, José Flores, Processo n.º 1053/15.2T8GMR-C.G1, citando inicialmente Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, pág. 306, e depois Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, 1985, pág. 705).
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4.2.1.3. Consagração legal do dever de acatamento de decisões proferidas por Tribunais superiores
Lê-se no art.º 4.º, n.º 1, da Lei n.º 21/85, de 30 de Julho (Estatuto dos Magistrados Judiciais), que os «magistrados judiciais julgam apenas segundo a Constituição e a lei e não estão sujeitos a ordens ou instruções, salvo o dever de acatamento pelos tribunais inferiores das decisões proferidas, em via de recurso, pelos tribunais superiores»; e, de forma idêntica, lê-se no art.º 4.º, n.º 1, da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto (Lei da Organização do Sistema Judiciário) que os «juízes julgam apenas segundo a Constituição e a lei e não estão sujeitos a quaisquer ordens ou instruções, salvo o dever de acatamento das decisões proferidas em via de recurso por tribunais superiores».
Logo, a indiscutível consagração da independência dos magistrados judiciais, no exercício da sua função judicante, é feita com a expressa salvaguarda do seu dever de acatamento das decisões que, em via de recurso, sejamproferidas por Tribunais superiores.
O exposto é reafirmado, no particular campo do processo civil, no art.º 152.º, n.º 1, do CPC, onde se lê que os «juízes têm o dever de administrar justiça, proferindo despacho ou sentença sobre as matérias pendentes e cumprindo, nos termos da lei, as decisões dos tribunais superiores».
Compreende-se, por isso, que se leia no art.º 42.º, n.º 1, da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto, que os «tribunais judiciais encontram-se hierarquizados para efeito de recurso das suas decisões».
Pondera-se, a propósito, que «não sendo a jurisprudência uma ciência exata, de rigor matemático, sempre será possível discordar das soluções defendidas pelos colegas, independentemente da instância em que se encontrem, razão pela qual sem o disposto no artigo 4.°, n.°1, da Lei da Organização do Sistema Judiciário, a possível coerência do sistema judiciário era impossível» (Ac. da RL, de 27.10.2020, João Moraes Rocha, Processo n.º 508/14.0GHVFX-A.L1 -3).
Ora, a violação de um tal dever de acatamento de prévia decisão proferida por Tribunal superior, proferida em via de recurso e transitada em julgado, tem sido considerada como constituindo uma nulidade insuprível da decisão que assim venha a ser proferida, nomeadamente por o objecto de renovada pronúncia do Tribunal inferior constituir questão de que o mesmo não podia tomar conhecimento (art.ºs 613.º, nº 3 e 615.º, n.º 1, al. d), II parte, ambos do CPC) [17].
Constitui ainda uma infracção disciplinar, nos termos do art.º 82.º, da Lei n.º 21/85, de 30 de Julho, onde se lê que se qualificam como tal «os atos, ainda que meramente culposos, praticados pelos magistrados judiciais com violação dos princípios e deveres consagrados no presente Estatuto».
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4.2.1.4. Esgotamento do poder jurisdicional - Alteração subsequente da decisão proferida
Lê-se no art.º 613.º, n.º 1 do CPC que, proferida «a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa» [18].
Significa isto que, tendo o juiz proferido decisão, não a pode em regra rever, alterando a decisão da causa, ou modificando os seus fundamentos, ficando esta susceptibilidade de modificação reservada para a sede própria, de recursos [19].
Logo, tutela-se aqui a proibição do livre arbítrio e discricionariedade na estabilidade das decisões judiciais, regra fundada nos princípios da segurança jurídica e da imparcialidade do juiz [20]: que «o tribunal superior possa, por via do recurso, alterar ou revogar a sentença ou despacho, é perfeitamente compreensível; que seja lícito ao próprio juiz reconsiderar e dar o dito por não dito, é de todo intolerável, sob pena de se criar a desordem, a incerteza, a confusão» (Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, V Volume, reimpressão, Coimbra Editora, 1984, pág. 127).
Compreende-se, por isso, que se afirme que da «extinção do poder jurisdicional consequente ao proferimento da decisão, decorre um efeito negativo, que é a insusceptibilidade de o próprio tribunal que proferiu a decisão tomar a iniciativa de a modificar ou revogar, e um efeito positivo, que é a vinculação desse mesmo tribunal à decisão por ele proferida» (Ac. da RC, de 17.04.2012, Henrique Antunes, Processo n.º 116/11.8T2VGS.C1).
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Contudo, se um tribunal, violando o princípio do esgotamento do poder jurisdicional, após ter proferido decisão sobre uma concreta questão (matéria), voltar a fazê-lo mantendo-se inalterados os seus pressupostos (e nomeadamente fazendo-o de forma desconforme com aquela primeira), esta sua subsequente decisão não poderá, obviamente, produzir quaisquer efeitos jurídicos.
Discutindo-se a concreta natureza do vício que a afecte [21], crê-se que, existindo uma efectiva decisão judicial e tendo sido proferida por um juiz em exercício de funções, não deverá ter-se a mesma por inexistente, mas sim como juridicamente ineficaz.
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4.2.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável) 4.2.2.1. Relação de bens devida no inventário de GG
Concretizando, verifica-se que, tendo os presentes autos sido impulsionados por AA (depois nomeado cabeça-de-casal) para partilha da herança de seu pai, BB, falecido em ../../2017, foi depois pedida pelo interessado FF a cumulação do inventário devido por morte de GG, filha daquele e pré-falecida em ../../2015.
Mais se verifica que, opondo-se o Cabeça-de-casal a essa cumulação, por alegadamente a irmã ter disposto de todos os seus bens, em comum e partes iguais, a favor dos respectivos irmãos, o Tribunal a quo veio, por decisão de 22 de Julho de 2023 e com esse preciso fundamento, indeferir a dita cumulação.
Verifica-se ainda que, tendo o interessado FF interposto recurso dessa decisão, o Tribunal da Relação de Guimarães concedeu-lhe provimento, por acórdão de 14 de Março de 2024, determinando a dita cumulação; e afirmando expressamente que, ao «contrário do que afirma a decisão recorrida, sem fundamento legal, em nada interfere nesta questão o facto de a falecida GG ter constituído legados a favor dos irmãos, sendo claro que há pelo menos um bem que não integra os referidos legados, que é, como já visto, o crédito da herança da mesma sobre a herança do falecido BB relativo à benfeitoria realizada por aquela no prédio descrito sob a verba n.º 6 da Relação de bens».
Logo, e salvo o devido respeito por opinião contrária, ficou desde logo assente nos autos que deveria ter sido relacionado de início (isto é, sem necessidade de qualquer decisão a determinar cumulação de inventários), na herança de BB, o quinhão hereditário do mesmo na herança da filha, por a mesma não ter sido ainda partilhada; e que, face à cumulação de inventários então decidida, se tornaria necessário apresentar uma relação de todos os bens e direitos que, à data do respectivo óbito, eram propriedade e titularidade de GG [22].
Enfatiza-se que, conforme já exposto supra, importando partilhar nestes autos o acervo hereditário da dita Inventariada (GG), do mesmo não poderiam ser excluídos quaisquer bens, nomeadamente os que houvesse legado por testamento (pretendendo-se, desse modo, que a dita relação de bens ficasse reduzida aos remanescentes): isso equivaleria a inviabilizar na prática a cumulação judicial do seu inventário, aceitando-se uma partilha extrajudicial de parte do seu património, à margem (e eventualmente ao arrepio) do determinado por lei para o efeito.
O exposto não equivale, obviamente, a afirmar que se desconsiderará nos autos qualquer disposição de última vontade que tenha feito, e sim que, relacionado o seu acervo hereditário, se procederá posteriormente à respectiva partilha de forma conforme com a sua vontade validamente expressa em testamento.
Por fim, verifica-se que, tal como já referido supra, nunca foi junta aos autos a relação de bens devida pela cumulação do inventário de GG (dos mesmos constando exclusivamente sucessivas relações de bens devidas no âmbito do inventário de BB), não obstante o Tribunal a quo afirme o contrário no despacho recorrido.
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4.2.2.2. Violação do caso julgado formado sobre prévias decisões judiciais proferidas nos autos - Violação do dever de acatamento de decisão proferida por Tribunal superior
Concretizando novamente, verifica-se que, tendo sido proferido acórdão pelo Tribunal da Relação de Guimarães em 14 de Março de 2024, determinando a cumulação do inventário de GG (e, por isso, a junção aos autos da necessária relação de bens que compunham o respectivo acervo hereditário), o mesmo transitou em julgado.
Mais se verifica que, em 10 de Maio de 2204, o Tribunal a quo proferiu despacho reiterando o dispositivo do dito acórdão, isto é, afirmando que «reitera-se a admissão da cumulação do invetário por óbito de GG»; e acrescentou que «Tome-se em consideração no futuro processado». Este despacho transitou igualmente em julgado.
Logo, e salvo o devido respeito por opinião contrária, tornou-se facto assente nos autos (isto é, não passível de nova discussão) que teria de ser apresentada a relação de todos os bens e/ou direitos que, à data do respectivo óbito, fossem da propriedade ou da titularidade da Inventariada (GG).
Verifica-se ainda que, não juntando o Cabeça-de-casal (AA) aos autos a dita relação de bens, foi a mesma reclamada pelo interessado FF, afirmando em 17 de Setembro de 2024 continuar aquele «a não apresentar a relação de bens conforme decidido no douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães»; e, nessa sequência, foi proferido pelo Tribunal a quo o despacho de 18 de Novembro de 2024, ordenando «a notificação do I. mandatário do Cabeça-de-Casal para, em 10 (dez) dias, proceder à retificação da relação de bens nos termos expostos», com a expressa cominação de que, não o fazendo «e nesse pressuposto», se ordenar «desde já a notificação da I. mandatária do interessado FF para, em 10 (dez) dias, proceder à retificação da relação de bens nos termos expostos, (…) tudo isto para evitar a “eternização” dos presentes autos nesta fase». Esse despacho também transitou em julgado.
Logo, e salvo o devido respeito por opinião contrária, manteve-se o entendimento do Tribunal a quo de que, não só era devida a apresentação nos autos da relação de bens pertinente ao inventário (cumulado) de GG, como se impunha ultrapassar a inércia do Cabeça-de-casal (AA), cometendo ao interessado FF a respectiva apresentação, caso aquela inação do Cabeça-de-casal perdurasse.
Contudo, e persistindo o Cabeça-de-casal (AA) na sua omissão (limitando-se a perfectibilizar a relação de bens já apresentada no âmbito do inventário de BB), o Tribunal a quo veio depois, por despacho de 19 de Fevereiro de 2025, ratificar a violação por ele de múltiplas decisões transitadas em julgado (duas inclusivamente proferidas por si), afirmando (contrariamente ao cristalino teor dos autos) «que já foram relacionados os Bens a partilhar pertencentes à herança da inventariada GG».
Ao fazê-lo, num juízo totalmente desconforme com outros antes proferidos (ausência nos autos da devida relação de bens da Inventariada), quando se mantiveram inalterados os seus pressupostos (continuando a não ser apresentada a dita relação de bens), o seu despacho é insuprivelmente nulo, por consubstanciar pronúncia que lhe estava vedada (por violadora da eficácia do caso julgado) [23].
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Dir-se-á ainda que, mesmo que assim se não entendesse, sempre seria o seu despacho de 19 de Fevereiro de 2025 juridicamente ineficaz, por ter sido proferido depois de esgotado o seu poder jurisdicional sobre a matéria em causa.
Com efeito, tendo-se ele próprio já pronunciado sobre a necessária apresentação nos autos, pelo Cabeça-de-casal (AA), da relação de bens relativa ao acervo hereditário da Inventariada (GG), e sobre a consequência da manutenção dessa sua omissão (deferindo-se, então, ao interessado FF o encargo da sua junção), não poderia depois voltar a pronunciar-se sobre a mesma matéria, mantendo-se inalterados os respectivos pressupostos de facto (por, efectivamente, persistir a omissão do Cabeça-de-casal), sobre os quais fez incidir nova e contraditória decisão.
Ao fazê-lo, o seu despacho é juridicamente ineficaz.
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4.3. Requisição de informações pelo Tribunal 4.3.1.1. Princípio da cooperação para a descoberta da verdade
Lê-se no art.º 7.º, n.º 4, do CPC, que sempre «que alguma das partes alegue justificadamente dificuldade séria em obter documento ou informação que condicione o eficaz exercício de faculdade ou o cumprimento de ónus ou dever processual, deve o juiz, sempre que possível, providenciar pela remoção do obstáculo».
O preceito referido é indiscutível concretização do princípio da cooperação (consagrado expressamente no nosso sistema após a reforma de 1995/1996, por via do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, e do Decreto-Lei n.º 180/96, de 25 de Setembro), princípio estruturante de todo o processo civil. Segundo o mesmo, existe um dever geral - das partes e de terceiros - de colaborarem com o tribunal, com vista «ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio», fim último que o art. 411.º, do CPC, comete ao juiz. Logo, e apoditicamente, o princípio da cooperação tem por finalidade última a satisfação de um interesse público, que é o da realização da justiça [24].
Assume-se, com ele, uma «concepção moderna do processo civil, que passa a ser visto como uma comunidade de trabalho, assim se apelando ao contributo de todos os intervenientes processuais na realização dos fins do processo e responsabilizando-os pelos resultados obtidos» (Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, Almedina, 2014, pág. 26, com bold apócrifo) [25].
Reconhece-se que no processo civil não são raros os casos em que, para a prova de determinados factos, se torna fundamental a obtenção de elementos que se encontram na disponibilidade exclusiva de terceiros (v.g. testemunhas ou instituições), e cujos beneficiários são terceiros à causa ou, sendo parte interessada, não concedem a autorização para a sua revelação.
Compreende-se, por isso, que a epígrafe do art.º 417.º, do CPC, seja «Dever de cooperação para a descoberta da verdade», e que a epígrafe do art.º 7.º, do CPC, seja «Princípio da cooperação»; e que as partes e os terceiros a quem o tribunal o solicitar tenham que facultar objectos ou informações que constituem meio de prova ou sejam necessários ao esclarecimento da verdade (art.ºs 429.º, 432.º e 436.º, todos do CPC), prestar depoimento e/ou declarações de parte, e depoimento testemunhal (art.ºs 452.º, 466.º e 526.º, todos do CPC), esclarecer o relatório pericial (art. 486.º, do CPC), ou submeter-se a inspecção judicial e ao exame pericial (arts. 467.º e 490.º, ambos do CPC).
Mais se compreende que se leia, no n.º 2, do art.º 417.º citado, que aqueles «que recusem a colaboração devida são condenados em multa, sem prejuízo dos meios coercitivos que forem possíveis», sendo que a omissão grave do dever de cooperação pode, inclusivamente, dar lugar à condenação da parte como litigante de má fé (art.º 542.º, n.º 2, al. c) do CPC).
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4.3.1.2. Requisição de documentos/informações em poder de terceiros
Lê-se no art.º 436.º do CPC que incumbe «ao tribunal por sua iniciativa ou a requerimento de qualquer das partes, requisitar informações, pareceres técnicos, plantas, fotografias, desenhos, objetos ou outros documentos necessários ao esclarecimento da verdade» (n.º 1); e a «requisição pode ser feita aos organismos oficiais, às partes ou a terceiros» (n.º 2).
Trata-se de uma concretização do princípio do dever de cooperação material, para a descoberta da verdade, no campo da instrução do processo, consagrado no art.º 417.º, do CPC; e esta «solução é imposta pela finalidade última do processo - obtenção de uma justa composição do litígio - e nasce da conciliação do princípio do dispositivo com os princípios do inquisitório e da cooperação» (Ac. da RC, de 11.12.2012, Maria Domingas Simões, Processo n.º 798/11.0TBCNT-A.C1) [26].
Dir-se-á, assim, que a obtenção de quaisquer destes elementos em poder de terceiro, por recurso ao Tribunal (tal como a obtenção de informações junto dele), depende, da impossibilidade dessa obtenção directa pela parte a quem aproveita; e de o elemento a requisitar pelo Tribunal ser necessário ao esclarecimento da verdade, isto é, para a boa decisão da causa.
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Precisando, desde cedo se entendeu que a obtenção oficiosa de prova junto de terceiro só faria sentido relativamente àqueles elementos probatórios que a parte, por si mesma, não pudesse obter, necessitando por isso que o Tribunal, por meio de requisição oficial, ultrapassasse a respectiva impossibilidade.
Hoje em dia, tal entendimento resulta claramente do art.º 7.º, n.º 4, do CPC, onde (recorda-se) se lê que, sempre «que alguma das partes alegue justificadamente dificuldade séria em obter documento ou informação que condicione o eficaz exercício de faculdade ou o cumprimento de ónus ou dever processual, deve o juiz, sempre que possível, providenciar pela remoção do obstáculo».
Logo, só quando exista uma justificada dificuldade séria em obter o documento ou a informação, pela própria parte, poderá o Tribunal intervir, requisitando-o junto de terceiro que o detenha [27].
Contudo, essa impossibilidade poderá resultar, ou do desde logo alegado pela própria parte, ou do que os autos evidenciam[28].
Compreende-se, por isso, que possa «o juiz indeferir o requerimento se entender que a pretensão do requerente não tem razão de ser; é o caso de a parte pretender a junção de documento que ela própria possa obter» (Professor Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume IV, Coimbra Editora, Limitada, 1987, pág. 40, a propósito do preceito correspondente ao actual art. 429.º, do CPC, sendo que a pág. 45 afirma que «tem cabimento aqui a mesma observação que fizemos a propósitos dos arts. 552º e 553º», uma vez que «o regime do art. 554º só tem razão de ser a respeito de documentos que o requerente não possa obter por si») [29].
Dir-se-á, por isso, queo campo preferencial de aplicação do preceito será, ou o da prova por documentos particulares, ou o da prova por documentos autênticos não acessíveis ao público indiferenciado[30].
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Já relativamente à «necessidade para o esclarecimento da verdade» de documento (ou informação) a requisitar junto de terceiro, dir-se-á que se exige mais do que uma mera conveniência para este efeito, por deste modo se impor ao Tribunal um balanceamento entre o princípio do inquisitório e o princípio da autorresponsabilidade das partes.
Com efeito, lê-se no art.º 411.º do CPC que incumbe «ao juiz realizar ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que é lícito conhecer» [31].
Está-se aqui (em sede de instrução) perante o princípio do inquisitório [32], que se manifesta nomeadamente na requisição de documentos (art.º 436.º, do CPC), na determinação do depoimento de parte (art.º 452.º, do CPC), no ordenar de perícia (art.º 477.º, do CPC), na realização de inspecção judicial (art.º 490.º, do CPC), na determinação de verificação não judicial qualificada (art.º 494.º, do CPC), na inquirição de testemunha no local da questão (art.º 501.º, do CPC), ou na inquirição oficiosa de testemunhas (art.º 526.º, do CPC).
Dir-se-á, ainda, que a substituição da expressão o «juiz tem o poder de» (da versão original do art.º 264.º, n.º 3, do CPC de 1961), pela expressão «incumbe ao juiz» (do art.º 411.º, do actual CPC), evidencia uma mudança de paradigma: ali estávamos perante um poder discricionário; agora estamos perante um poder-dever.
Precisa-se, contudo, que o tribunal deverá assegurar aqui, como ao longo de todo o processo, «um estatuto de igualdade substancial das partes, designadamente (…) no uso dos meios de defesa» (art.º 4.º, do CPC) - emanação do princípio do contraditório (art.º 3.º, do CPC) - isto é, quanto à possibilidade de utilização dos meios de prova, assegurando o que se designa usualmente pelo princípio de igualdade de armas.
Compreende-se, por isso, que se afirme que, se de «acordo com o princípio do inquisitório, consagrado na lei processual civil, o juiz tem a iniciativa da prova, podendo realizar e ordenar oficiosamente todas as diligências necessárias para o apuramento da verdade», certo é igualmente que esta «amplitude de poderes/deveres (…) não significa que o juiz tenha a exclusiva responsabilidade pelo desfecho da causa».
Logo, e associada «a ela está a responsabilidade das partes, sobre as quais a lei faz recair ónus, inclusive no domínio probatório, que se repercutem em vantagens ou desvantagens para as mesmas e que, por isso, aquelas têm interesse direto em cumprir»; e, neste «contexto, a investigação oficiosa não deve ser exercida com a finalidade da parte poder contornar a preclusão processual decorrente da sua inércia» (Ac. da RG, de 20.03.2018, João Diogo Rodrigues, Processo n.º 14/15.6T8VRL-C.G1, com bold apócrifo).
Fala-se, então, do princípio da preclusão[33] e do princípio da auto-responsabilidade das partes [34].
Compreende-se, por isso, particularizando um critério objectivo de decisão, que se afirme que, a «necessidade da prova» terá que se impor por si, desligada da «pretensão subjectiva da parte. Caso contrário, se a necessidade não for patentemente justificada pelos elementos constantes dos autos, a promoção de qualquer outra diligência resultará, apenas, da vontade da parte nesse sentido, a qual, não se tendo traduzido pela forma e no momento processualmente adequados, não deverá agora ser substituída pela vontade do juiz, como se de um seu sucedâneo se tratasse». Logo, a «sua pretensão só pode ter sucesso se lograr convencer o tribunal de que a diligência a promover é absolutamente necessáriaao esclarecimento dos factos e que esta necessidade se impõe por si, desligada da vontade que a parte manifesta na sua realização» (Nuno Lemos Jorge, «Os Poderes Inquisitórios do Juiz: Alguns problemas», Julgar, n.º 3, 2007, págs. 70 e 72, com bold apócrifo) [35].
Concluindo, não sendo «próprio as partes confiarem em exclusivo nos poderes inquisitórios do tribunal, esperando que» seja «o juiz a determinar toda e qualquer diligência probatória», certo é que «o inquisitório deve orientar-se por um padrão mínimo de objectividade, condição para ser exigível que o juiz adopte certa conduta em matéria instrutória», para o que «muito contribuirá o zelo probatório das partes». Assim, «a actuação do juiz é vinculada desde que se convença da necessidade de certa diligência probatória», estando-lhe então vedado «justificar a sua inércia com a tal auto-responsabilidade das partes» (Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, 2014, Almedina, págs. 342 e 343) [36].
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4.3.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável) 4.3.2.1.Impossibilidade de obtenção pelo próprio
Concretizando, devendo ser-lhe deferida a apresentação da relação de bens devida no âmbito do inventário relativo a GG (por reiteradamente o Cabeça-de-casal não o ter feito, mesmo quando expressamente notificado com essa cominação, conforme despacho proferido em 18 de Novembro de 2024), veio o interessado FF, em 16 de Dezembro de 2024, requerer ao Tribunal a quo que: «se digne ordenar a notificação do Banco de Portugal para vir informar os presentes autos quais as contas bancárias existentes em nome da Autora da Sucessão GG»; após «tal informação, se digne oficiar aos bancos constantes da declaração emitida pelo Banco de Portugal, se dignem informar quais os montantes existentes á data do óbito e nos últimos sessenta dias anteriores a tal data»; e se «digne oficiar, à Autoridade Tributária, na pessoa do Chefe de Repartição dos serviços de Finanças ..., para vir aos autos informar quais os bens existentes em nome da Autora da Sucessão GG à data do óbito, apresentando ainda a Declaração de Imposto de Selo apresentada por óbito da Autora da Sucessão» (bold apócrifo) [37].
Ora, qualquer uma destas informações está coberta por sigilo profissional, quer bancário, quer fiscal [38]; e, por isso, quer Entidades Bancárias, quer a Autoridade Tributária, estão proibidas de as fornecer voluntariamente a pessoa diversa daquela a que digam respeito.
Mostra-se, assim, verificado o primeiro pressuposto que condicionava o deferimento da pretensão do Requerente (o não poder ele próprio obter as informações que se encontram em poder de Entidades Bancárias e da Autoridade Tributária, reportadas à Inventariada).
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4.3.2.2.Necessidade para o esclarecimento da verdade
Concretizando novamente, importando instruir os autos de inventário cumulado, pertinente a GG, com a discriminação de todos os bens e/ou direitos de que era proprietária e/ou titular à data da sua morte, indicando ainda os respectivos valores, as informações pretendidas obter quanto à eventual existência de contas bancárias (e seus saldos) e quanto ao que foi declarado como compondo o seu acervo hereditário junto da Autoridade Tributária é absolutamente necessário para a apresentação, pelo interessado FF, da dita relação de bens.
Mostra-se, assim, verificado o segundo pressuposto que condicionava o deferimento da pretensão do Requerente (serem as informações pretendidas necessárias ao esclarecimento da verdade, no caso, inclusivamente do prosseguimento dos autos).
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Deverá, assim, decidir-se em conformidade, pela procedência do recurso de apelação interposto pelo interessado FF.
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V - DECISÃO
Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, acordam as Juízas deste Tribunal da Relação em julgar procedente o recurso de apelação interposto pelo interessado FF e, em consequência, em:
I. Declarar insuprivelmente nulo, por violação da eficácia do caso julgado, e juridicamente ineficaz, por violação do princípio do esgotamento do poder jurisdicional, o despacho recorrido;
II. Ordenar que seja substituído por outro, a proferir pelo Tribunal a quo, cometendoao interessado FF a apresentação nos autos da relação de bens relativa ao inventário (cumulado) de GG e deferindo a requisição oficial das informações pretendidas por ele para esse efeito.
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Custas da apelação pelo Cabeça-de-casal, que nela ficou vencido (art.º 527.º, n.º 1 e n.º 2, do CPC).
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Guimarães, 05 de Junho de 2025.
O presente acórdão é assinado electronicamente pelas respectivas
Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos; 1.ª Adjunta - Lígia Paula Ferreira de Sousa Santos Venade; 2.ª Adjunta - Rosália Cunha.
[1]É do seguinte teor o despacho de admissão do recurso: «(…) - Admite-se o Recurso apresentado pelo Interessado FFsob a ora cit. Refª ...25, o qual é de Apelação, com subida imediata e nos próprios autos, e com efeito suspensivo, porque a sua retenção poderia implicar a prática de atos inúteis proibidos pelo artigo 130º do CPC, em virtude de a tramitação subsequente dos presentes autos, se prosseguida antes da decisão do Recurso, vir a assentar em pressupostos(indeferimento liminar das diligências requeridas e a efetuar junto do Banco de Portugal, das demais instituições bancárias e da Autoridade Tributária) que podem vir a ser revogados pela decisão do aludido Recurso(artigo 641º/5 do Código de Processo Civil); - Notifique os I. Mandatários das partes. (…)» [2] «Trata-se, aliás, de um entendimento sedimentado no nosso direito processual civil e, mesmo na ausência de lei expressa, defendido, durante a vigência do Código de Seabra, pelo Prof. Alberto dos Reis (in Código do Processo Civil Anotado, Vol. V, pág. 359) e, mais tarde, perante a redação do art. 690º, do CPC de 1961, pelo Cons. Rodrigues Bastos, in Notas ao Código de Processo Civil, Vol. III, 1972, pág. 299» (Ac. do STJ, de 08.02.2018, Maria do Rosário Morgado, Processo n.º 765/13.0TBESP.L1.S1, nota 1 - inwww.dgsi.pt, como todos os demais citados sem indicação de origem). [3]Neste sentido, numa jurisprudência constante, Ac. da RG, de 07.10.2021, Vera Sottomayor, Processo n.º 886/19.5T8BRG.G1, onde se lê que questão nova, «apenas suscitada em sede de recurso, não pode ser conhecida por este Tribunal de 2ª instância, já que os recursos destinam-se à apreciação de questões já levantadas e decididas no processo e não a provocar decisões sobre questões que não foram nem submetidas ao contraditório nem decididas pelo tribunal recorrido». [4] Neste sentido, Ac. do STA, de 09.07.2014, Carlos Carvalho, Processo n.º 00858/14. [5] O que a seguir se refere é igualmente a aplicável aos despachos (conforme art.º 613.º, n.º 3, do CPC) e aos acórdãos (conforme art.º 666.º, n.º 1, do CPC). [6] Neste sentido: Ac. do STJ, de 07.07.1994, Miranda Gusmão, BMJ, n.º 439, pág. 526; Ac. do STJ, de 22.06.1999, Ferreira Ramos, CJ, 1999, Tomo II, pág. 161; Ac. da RL, de 10.02.2004, Ana Grácio, CJ, 2004, Tomo I, pág. 105; ou Ac. da RL, de 04.10.2007, Fernanda Isabel Pereira. [7]Tem sido frequente nos autos a apresentação, por ambas as partes, de sucessivos requerimentos a propósito de uma mesma questão, muito para além da formulação inicial da respectiva pretensão (v.g. reclamação a relação de bens apresentada, pedido de cumulação de inventário) e do respectivo contraditório (v.g. resposta à pretensão inicial), sem que o Tribunal a quo reaja a tais articulados legalmente inadmissíveis; e, por vezes, mesmo os promovendo (convidando o Cabeça-de-casal a pronunciar-se sobre prévia pretensão do interessado FF - v.g. cumulação de inventário -, quando o mesmo já o havia feito). [8] A partilha «é a operação através da qual se põe fim à comunhão hereditária e se atribui a cada um dos contitulares, na proporção da sua quota na comunhão, a titularidade exclusiva sobre bens pertencentes a herança. Portanto, a partilha converte uma quota ideal num património comum em propriedade exclusiva sobre uma parcela deste património» (Miguel Teixeira de Sousa, Carlos Lopes do Rego, António Abrantes Geraldes e Pedro Pinheiro Torres, O Novo Regime do Processo de Inventário e Outras Alterações na Legislação Processual Civil, Almedina, Reimpressão, Setembro de 2021, pág. 57). [9]Enfatizando, porém, que não existem especialidades na aplicação do princípio do inquisitório ao processo de inventário, antes se lhe aplicando o respectivo regime geral, Ac. da RG, de 25.05.2023, Pedro Maurício, Processo n.º 2525/21.5T8VCT-A.G1, onde se lê que, por «força da entrada em vigor da Lei nº117/2019, de 13/09, actualmente, o processo de inventário judicial está configurado como uma verdadeira acção declarativa, sendo que a este processo especial são plenamente aplicáveis os princípios gerais do Código, bem como o regime do processo comum de declaração, com as adaptações necessárias».
Assim, e embora «no nº3 do art. 1105º do C.P.Civil de 2013 se consagre um reforço do princípio do inquisitório no âmbito do processo especial de inventário, verifica-se que inexiste aqui uma previsão mais ampla daquela que está estatuída na parte geral do Código, especificamente no art. 411º do C.P.Civil de 2013, que consagra o referido princípio e logo impõe que o juiz realize ou ordene, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias». [10]Precisa-se apenas, e a «propósito do efeito cominatório decorrente da falta de oposição nos incidentes (cf. art. 293.º, n.º 3)», «que, no novo regime do inventário, foi introduzido um ónus de contestação do requerimento inicial (arts. 1104.º e 1106.º) e um ónus de resposta à contestação (art. 1105.º, n.º 1), o que implica, como efeito cominatório para a falta de resposta ao requerimento inicial ou à oposição, a aceitação dos termos desse requerimento inicial ou dessa oposição. Passa, assim, a vigorar um verdadeiro sistema de preclusões, até agora inexistente, no processo de inventário» (Miguel Teixeira de Sousa, Carlos Lopes do Rego, António Abrantes Geraldes e Pedro Pinheiro Torres, O Novo Regime do Processo de Inventário e Outras Alterações na Legislação Processual Civil, Almedina, 2020, pág. 43).
No mesmo sentido: Ac. da RG, de 07.06.2023, Pedro Maurício, Processo n.º 94/21.5T8EPS-A.G1; ou Ac. da RG, de 15.06.2023, Joaquim Boavida, Processo n.º 1851/19.8T8CHV-B.G1. [11] Precisa-se que o «novo modelo do processo de inventário assenta», e como desde logo resulta das suas diferentes secções, «em fases processuais relativamente estanques e consagra um princípio de concentração, dado que fixa para cada acto das partes um momento próprio para a sua realização. Em consequência, o novo regime não pode deixar de comportar algumas cominações e preclusões», «inexistentes no regime anterior e responsáveis, sob o ponto de vista económico, pela ineficiência do anterior modelo». Dir-se-á, por isso, que o «novo modelo tem implícito um reforço da auto-responsabilidade das partes» (Miguel Teixeira de Sousa, Carlos Lopes do Rego, António Abrantes Geraldes e Pedro Pinheiro Torres, O Novo Regime do Processo de Inventário e Outras Alterações na Legislação Processual Civil, Almedina, Reimpressão, Setembro de 2021, págs. 8 e 9, com bold apócrifo). [12]No mesmo sentido, Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, pág. 704, onde se lê que «o caso julgado formal tem força obrigatória apenas dentro do processo, obstando a que o Juiz possa na mesma acção, alterar a decisão proferida, mas não impedindo que, noutra acção, a mesma questão processual concreta seja decidida em termos diferentes pelo mesmo Tribunal ou por outro entretanto chamado a apreciar a causa». [13] Fica paralisada a eficácia decisão contraditória proferida em segundo lugar, conforme Prof. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume V, Coimbra Editora, pág. 196, não sendo, contudo, pacífica a qualificação do vício de que padece. [14] Neste sentido, Prof. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume III, Coimbra Editora, págs. 92-93. [15] No mesmo sentido, José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2008, págs. 713 e 714, onde nomeadamente se lê que, seja «qual for o seu conteúdo, a sentença produz, no processo em que é proferida, o efeito de caso julgado formal, não podendo mais ser modificada (…). Mas, quando constitui uma decisão de mérito (“decisão sore a relação material controvertida”), a sentença produz também, fora do processo, o efeito de caso julgado material: a conformação das situações jurídicas substantivas por ela reconhecidas como constituídas impõe-se, com referência à data da sentença, nos planos substantivo e processual (…), distinguindo-se, neste, o efeito negativo da inadmissibilidade duma segunda acção (proibição de repetição: excepção de caso julgado) e o efeito positivo da constituição da decisão proferida em pressuposto indiscutível de outras decisões de mérito (proibição de contradição: autoridade de caso julgado)».
Ainda Miguel Teixeira de Sousa, «O Objecto da Sentença e o Caso Julgado Material», BMJ, n.º 325, pág. 49, onde se lê - com bold apócrifo - que «a excepção de caso julgado visa evitar que o órgão jurisdicional duplicando as decisões sobre idêntico objecto processual, contrarie na decisão posterior o sentido da decisão anterior ou repita na decisão posterior o conteúdo da decisão anterior», enquanto que «quando vigora como autoridade e caso julgado, o caso julgado material manifesta-se no seu aspecto positivo de proibição de contradição da decisão transitada: a autoridade de caso julgado é o comando de acção, a proibição de omissão respeitante à vinculação subjectiva à repetição do processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à não contradição no processo posterior do conteúdo da decisão anterior». [16] O art.º 2502.º do CC de Seabra, de 1867, afirmava cristalinamente que o caso julgado é o facto ou o direito, tornado certo por sentença de que não há recurso.
O art.º 580º, n.º 2 do CPC dispõe hoje no mesmo sentido, quando afirma que tanto «a excepção da litispendência como a do caso julgado têm por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior». [17]Neste sentido: Ac. do STJ, de 28.10.1997, Fernando Fabião, Processo n.º 98A233; Ac. da RP, de 11.07.2006, Mário Cruz, Processo n.º 0623350; Ac. da RL, de 08.10.2002, Manuel Rodrigues, Processo n.º 95274/18.9YIPRT.L2-6; Ac. da RC, de 17.04.2012, Henrique Antunes, Processo n.º 116/11.8T2VGS.C1; ou Ac. da RE, de 31.05.2012, José Lúcio, Processo n.º 855/11.3TBLLE-E1. [18] A disciplina contida nos art.ºs 613.º a 617.º, do CPC, é aplicável aos próprios despachos (por força do n.º 3 do art.º 613.º). [19]Rui Pinto (in Código de Processo Civil Anotado, Volume II, Almedina, 2021, pág. 174) fala de um primeiro nível de estabilidade da sentença, estabilidade interna, restrita ao órgão que a proferiu; e o segundo nível, já alargado - vinculando o tribunal e as partes, dentro do processo (art.º 620.º, do CPC), ou mesmo, fora dele e outros tribunais (art.º 619.º, do CPC) - apenas será atingido quando a sentença transitar em julgado (art.º 628.º, n.º 1, do CPC). [20] Neste sentido, Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Volume II, Almedina, 2021, pág. 174, onde se lê que, uma vez proferida uma decisão, «o tribunal não a pode revogar, por perda de poder jurisdicional. Trata-se, pois, de uma regra de proibição do livre arbítrio e discricionariedade na estabilidade das decisões judiciais». [21] Considerando ser a segunda decisão: .inexistente - Ac. do STJ, de 06.05.2010, Álvaro Rodrigues, Processo n.º 4670/2000.S1; Ac. da RL, de 09.03.2021, Luís Filipe Pires de Sousa, Processo n.º 23822/17.9T8LSB-H.L1-7; Ac. da RL, de 12.09.20123, José Capacete, Processo n.º 7624/15.0T8LSB.L1-7; ou Ac. da RP, de 23.05.2024, Isoleta de Almeida Costa, Processo n.º 3278/21.2T8PRT.P2 . nula (por pronúncia indevida) - Ac. da RG, de 16.05.2019, Margarida Sousa, Processo n.º 838/12.6TBGMR-F.G1; ou Ac. da RE, de 27.10.2022, Ana Pessoa, Processo n.º 312/19.0T8PTG-B.E.-1. .juridicamente ineficaz - Ac. da RG, de 14.09.2023, José Carlos Pereira Duarte, Processo n.º 120/16.0T8MGD.G2; Ac. da RG, de 15.02.2024, Gonçalo Oliveira Magalhães, Processo n.º 548/22.6T8VNF.G1; ou Ac. da RG, de 02.05.2024, Conceição Sampaio, Processo n.º 2851/14.0T8VNF.G1. [22] Recorda-se que se lê, a propósito e expressamente, no dito acórdão da Relação de Guimarães: «(…) Em face do exposto, tendo o quinhão hereditário de BB, na herança aberta por óbito de GG, passado a integrar o património do mesmo e não tendo a herança aberta por óbito da última sido partilhada, com o decesso daquele tal quinhão deveria ter sido relacionado. De referir que não se coloca aqui qualquer questão de relacionação dos concretos bens deixados por óbito da mesma. Tal relacionação só tem lugar mediante a cumulação de inventários. (…)» [23]Dir-se-á, e embora não constitua objecto do presente recurso, que do mesmo modo procedeu o Tribunal a quo, (isto é, ignorando o trânsito em julgado de anterior decisão sua) quanto à atribuição do valor do passivo da herança do Inventariado (BB).
Com efeito, tendo no seu despacho de 10 de Maio de 2024 ordenado a notificação dos «I. Mandatários das partes para em 10 dias atribuírem um concreto valor à “construção de um barracão no prédio rústico descrito sob a verba n.º 6 da relação de bens”, sob a expressa cominação de, na ausência de consenso, este tribunal vir a determinar a realização de uma Perícia/Avaliação de tal benfeitoria», e vindo a partes a dissentir no dito valor, não mais se pronunciou sobre esta concreta questão, nomeadamente determinado a realização da anunciada/prometida perícia de avaliação. [24]Neste sentido, Luís Filipe Pires de Sousa, Prova por presunção no Direito Civil, 3.ª edição, Almedina, págs. 41 e 42, onde se lê que, sendo o princípio da cooperação tributário do dever de boa-fé processual consagrado no artigo 8.º do CPC, «visa atender a um interesse que excede o das partes, qual seja, o interesse público do Estado na prestação da tutela jurisdicional».
Ainda Ac. da RC, de 10.03.2015, Falcão de Magalhães, Processo n.º 561/08.6TBTND-A.C1. [25] Pronunciando-se especificamente sobre o princípio da cooperação, Fernando Pereira Rodrigues, O Novo Processo Civil. Os Princípios Estruturantes, 2013, Almedina, Novembro de 2013, págs. 101-124. [26]Defendendo mesmo que, da «conjugação dos artigos 432º, 429º e 436º do CPC, interpretados, como devem sê-lo, à luz do disposto nos artigos 6º, 411º e 7º, n.º 4, do CPC, resulta que em matéria de prova documental em poder de terceiro se mostra consagrado um verdadeiro poder-dever do juiz, uma incumbência do tribunal», Ac. da RG, de 20.02.2020, Jorge dos Santos, Processo n.º 6583/18.1T8BRG-A.G1. [27] Neste sentido, Ac. da RC, de 18.12.2013, Albertina Pedroso, Processo n.º 319/12.8T2ILH-A.C1, onde se lê que «cabe à parte interessada na obtenção do documento, justificar a dificuldade de, ela própria, conseguir obtê-lo».
Mais recentemente, Ac. da RG, de 20.02.2020, Jorge dos Santos, Processo n.º 6583/18.1T8BRG-A.G1, onde se lê que «compete à parte interessada na obtenção do documento o ónus da identificação do concreto documento cuja junção se requer, a indicação de quais os factos que com o identificado documento se pretende provar e de que se tratem de documentos que se encontrem em poder de terceiro e que a própria parte não consiga obter». [28]Neste sentido, de forma análoga para os demais fundamentos a verificar, Ac. da RL, de 14.10.2021, Fernando Bastos, Processo n.º 6051/18.1T8LSB-A.L1-8, onde se lê que a «aferição do interesse e importância dos documentos ou informações documentadas para o exercício do ónus probatório da parte requerente, terá de ser realizada pelo juiz, segundo os motivos alegados ou evidência da situação». [29]No mesmo sentido, António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, Almedina, 2018, pág. 508, onde se lê que esta «actividade inquisitória se apresenta com natureza complementar relativamente à que foi empreendida pelas partes. (…)
Neste contexto, apesar dos poderes oficiosos de que dispõe, a intervenção do tribunal deve ser entendida em termos subsidiários relativamente à iniciativa das partes, tornando-se já exigível tal intervenção quando a parte demonstre que fez as diligências ao seu alcance para conseguir as informações e/ou documentos, mas não os logrou obter, por facto que não lhe é imputável - cf. art. 7º, nº 4, e STJ 1-6-04, 04A993)».
Contudo, discordando de que «a requisição de documentos é um meio subsidiário», defendendo que um tal «entendimento restritivo não tem apoio legal». José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 3.ª edição, Almedina, Março de 2018, págs. 255-256. [30]Neste sentido, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 3.ª edição, Almedina, Março de 2018, pág. 247. [31]Consideram-se como «diligências necessárias» as indispensáveis, imprescindíveis, para estabelecer ou infirmar a realidade do facto carecido de prova.
Contudo, estando-se perante um conceito indeterminado, só «em concreto, isto é, nas concretas circunstâncias da actividade instrutória desenvolvida conforme tempestivamente proposto pelas partes, é que o tribunal poderá considerar a necessidade de outros meios de prova, que se revelem necessários "ao apuramento da verdade e à justa composição do litigio". E isso, poderá até acontecer no decurso da audiência de julgamento, ou até antes, se, na situação concreta, o tribunal entender antecipadamente ser essencial á realização desses objectivos a produção de qualquer meio de prova que as partes não requereram» (Ac. da RP, de 04.06.2013, Rui Moreira, Processo n.º 490/10.3TYVNG-O.P1). [32] Enfatizando-o, há mesmo quem defenda que «ao juiz cabe, no campo da instrução do processo, a iniciativa e às partes incumbe o dever de colaborar na descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado, submetendo-se às inspecções necessárias, facultando o que for requisitado e praticando os actos que forem determinados (…). O papel do juiz-árbitro encontra-se definitivamente ultrapassado» (José Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil. Conceito e Princípios Gerais, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2006, pág. 153). [33]Recorda-seque ónus, preclusões e cominações ligam-se entre si ao longo de todo o processo, com referência aos actos que as partes, considerada a tramitação aplicável, nele têm de praticar dentro de prazos peremptórios», «sob pena de preclusão e, nos casos indicados na lei, de cominações. A auto-responsabilidade da parte exprime-se na consequência negativa (desvantagem ou perda de vantagem) decorrente da omissão do acto» (José Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil. Conceito e Princípios Gerais, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2006, págs. 160 e 161). [34]Precisando o principio da autorresponsabilidade, dir-se-á que as «partes é que conduzem o processo por sua conta e risco. Elas é que têm de deduzir e fazer valer os meios de ataque e de defesa que lhes correspondam (incluindo as provas), suportando uma decisão adversa, caso omitam algum. A negligência ou inépcia das partes redunda inevitavelmente em prejuízo delas porque não pode ser suprida pela iniciativa e actividade do juiz. É patente a conexão deste princípio com o dispositivo» (Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora,1979, pág. 378).
No mesmo sentido: . Castro Mendes, Do Conceito de Prova em Processo Civil, Edições Ática, 1961, pág. 162, onde se lê que, estreitamente «ligado ao princípio dispositivo está o da auto-responsabilidade das partes. Na medida em que o juiz está vinculado às alegações concordes ou incontestadas, ou a ausência de alegações, das partes, são estas que são responsáveis pelo resultado probatório e pelo conteúdo da decisão»; . ou António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, Almedina, 2018, págs. 483 e 484, onde se lê que o princípio do inquisitório «coexiste com os princípios do dispositivo, da preclusão e da autorresponsabilidade das partes, de modo que não poderá ser invocado para, de forma automática, superar eventuais falhas de instrução que seja de imputar a alguma das partes, designadamente quanto esteja precludida a apresentação de meios de prova». [35]No mesmo sentido, António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, Almedina, 2018, pág. 483 e 484, onde se lê que, «pelo menos nos casos em que não haja razões para afirmar a existência de comportamentos processuais abusivos, cumpre ao juiz exercitar a inquisitoriedade, preservando o necessário equilíbrio de interesses, critérios de objectividade e uma relação de equidistância e de imparcialidade».
«Já nas situações em que uma das partes promoveu as diligências probatórias ajustadas à situação litigiosa, cumprindo com diligência o ónus que lhe competia, nada impedirá o juiz de aceder, por sua iniciativa, a outros meios de prova (v.g., documentos na posse de qualquer das partes ou de terceiros, perícia que o caso justifique ou inquirições adicionais que repute indispensáveis para a descoberta da verdade), utilizando um critério objectivo para aferir da necessidade ou da conveniência das diligências probatórias suplementares com vista ao apuramento da verdade». [36]Particularizando ainda mais o seu raciocínio, diz o mesmo Autor, ibidem, nota 802: «O equilíbrio do nosso regime legal resulta da intersecção de duas dimensões: por um lado, o ónus da iniciativa probatória das partes; por outro, o poder-dever do juiz em sede instrutória. Daqui resulta o seguinte: jamais as partes podem encontrar naquele poder-dever um pretexto para negligenciarem a sua própria inércia; jamais o juiz pode ver naquela iniciativa probatória um alibi para a sua própria inércia. O critério firmado no art. 411º coloca a questão ao nível da necessidade das diligências probatórias para o apuramento da verdade e para a justa composição do litígio. Verificado o pressuposto da necessidade, o juiz tem o dever oficial de agir. Não se verificando o pressuposto, inexistirá aquele dever». [37]Recorda-se que, logo em 16 de Março de 2020, com a sua primeira intervenção nos autos (reclamando da inicial relação de bens apresentada pelo Cabeça-de-casal, com o requerimento de início do processo), e ainda antes de terem sido cumulados os inventários de BB e de GG, o interessado FF requerera a realização das mesmas diligências, igualmente por forma a apurar o acervo patrimonial da depois Inventariada.
Reiterou esse pedido em 31 de Outubro de 2020, quando, reclamando da relação de bens rectificada junta entretanto pelo Cabeça-de-casal (exclusivamente pertinente ao Inventariado), requereu a cumulação dos inventários. [38]O sigilo bancário está consagrado no art.º 78.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro).
O sigilo fiscal está consagrado no art.º 64.º da Lei Geral Tributária (aprovada pelo Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro).