QUALIFICAÇÃO DA INSOLVÊNCIA
PARECER DO ADMINISTRADOR
PRAZO DE APRESENTAÇÃO
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO E DE DIREITO
ERRO DE JULGAMENTO DA MATÉRIA DE FACTO
Sumário


1- O prazo do art. 188º, n.º 1 do CIRE (na redação da Lei n.º 9/2022, de 11/01), tem natureza perentória, pelo que, nos casos em que o juiz não tenha na sentença em que declarou a insolvência declarado aberto o incidente de qualificação da insolvência, apenas poderá determinar posteriormente a sua abertura a requerimento do administrador da insolvência e/ou de qualquer interessado (qualquer pessoa com legitimidade para, nos termos do art. 20º do CIRE, requerer a declaração da insolvência do devedor), solicitando que a insolvência seja qualificada como culposa, indicando as pessoas que devem ser afetadas por essa qualificação e alegando os factos que servem de fundamento a esses pedidos, contanto que esse requerimento seja apresentado no prazo de 15 dias, a contar da realização da assembleia de credores para apreciar o relatório a que alude o art. 155º do CIRE ou, no caso de dispensa desta, a contar da junção ao processo de insolvência do dito relatório.
2- Aquele prazo pode ser prorrogado, mediante requerimento fundamentado do administrador da insolvência e/ou de qualquer interessado, o qual tem de ser apresentado antes do termo do prazo perentório de 15 dias do art. 188º, n.º 1 do CIRE ou do termo da prorrogação desse prazo antes concedida, mas a prorrogação não pode, em caso algum, exceder seis meses, a contar da realização da assembleia de credores para apreciar o relatório do art. 155º do CIRE ou, no caso de dispensa desta, da junção desse relatório ao processo de insolvência.
3- A circunstância do requerimento em que foi pedido que a insolvência fosse qualificada como culposa, em que foram indicadas as pessoas que deviam ser afetadas por essa qualificação, e em que foram alegados os factos que fundamentam esses pedidos, ter sido apresentado por um credor da devedora, após a junção ao processo de insolvência do relatório a que alude o art. 155º do CIRE, mas antes da realização da assembleia de credores para apreciar esse relatório (não cumprindo, por isso, o dito requerimento rigorosamente o disposto no n.º 1 do art. 188º do CIRE), não constitui fundamento legal bastante que impeça que o juiz declare aberto o incidente de qualificação com base nesse requerimento.
4- Os pareceres do administrador da insolvência e do Ministério Público previstos no art. 188º, n.ºs 6 e 7 do CIRE, têm natureza obrigatória e os prazos fixados para que sejam juntos ao processo de insolvência são meramente ordenadores.
5- A prolação de sentença em que se fundamentou/motivou o julgamento da matéria de facto nela realizado em bloco (sem descriminação dos fundamentos probatórios em relação ao conjunto de pontos da matéria de facto julgada provada e não provada que verse sobre a mesma realidade ontológico e cuja prova ou não prova assenta nos mesmos elementos de prova, e sem que se tivesse exposto o percurso racional/cognitivo que a partir deles foi percorrido pelo julgador de modo a concluir pela prova ou não prova dessa facticidade) e, bem assim, em que, em sede de julgamento da matéria de direito, se expendeu, ao longo de onze páginas, considerações doutrinais e jurisprudenciais a propósito do conceito de “insolvência culposa”, a diferença de regimes jurídicos contidos no n.º 2 e no n.º 3 do art. 188º do CIRE, e sobre os requisitos legais das diversas alíneas daqueles n.ºs 2 e 3 que, segundo o requerente do incidente de qualificação e os pareceres emanados pelo administrador da insolvência e pelo Ministério Público estariam preenchidas, em que, em meia página se indicou, em bloco, parte dos factos que se julgou provados e se conclui que estes preenchem as als. b), d) e f) do n.º 2 e as als. a) e b) do n.º 3 do art. 188º, é nula, por absoluta e total falta de fundamentação de facto e de direito.
6- A circunstância de na sentença o tribunal não ter julgado provados, nem não provados factos essenciais integrativos da causa de pedir ou das exceções invocadas, que foram alegados, não configura causa determinativa da nulidade da sentença por omissão de pronúncia, na medida em que os «factos» são as realidades da vida, pelo que, será com base neles (da sua prova ou não prova) que o juiz irá resolver as «questões» que lhe foram colocadas pelas partes ou que sejam de conhecimento oficioso (isto é, decidir todos os pedidos, tendo em conta todas as causas de pedir invocadas pelo autor na petição inicial ou pelo réu-reconvinte na reconvenção, e todas as exceções dilatórias ou perentórias que foram alegadas pelas partes ou que sejam de conhecimento oficioso).
7- Por isso, quando o julgador não julgue provados, nem não provados factos essenciais que foram alegados pelas partes, não incorre em qualquer nulidade da sentença que proferiu por omissão de pronúncia, mas em erro de julgamento da matéria de facto, na vertente de deficiência - ao não ter julgado aqueles factos como provados, nem como não provados, conforme lhe era imposto que fizesse, atenta a natureza essencial dos mesmos, o juiz errou em sede de julgamento da matéria de facto.

Texto Integral


Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães no seguinte:

I- RELATÓRIO

Nos autos de insolvência instaurados em 18/01/2022, por sentença proferida em 19/01/2022, transitada em julgado, declarou-se a insolvência de EMP01..., Lda., com sede no Lugar ..., ..., ... ....
Em 06/04/2022, o administrador da insolvência juntou aos autos o relatório a que alude o art. 155º do CIRE, em que concluiu que “a aprovação de um plano de insolvência não se afigura viável” e que “o encerramento da empresa é irreversível”, devendo-se “passar de imediato à liquidação do ativo”.
Em 04/05/2022, teve lugar a assembleia de credores para apreciação do relatório, em que: se procedeu à substituição do administrador da insolvência; notificou-se o administrador da insolvência substituto para, em vinte dias, “vir complementar ou substituir o relatório elaborado nos termos do art. 155º do CIRE, junto aos autos em 06.04.2022 (ref.ª ...15)” e, bem assim, para se pronunciar “quanto à necessidade de nomeação de comissão de credores”; e, finalmente, designou-se nova data para a realização da assembleia de credores (o dia 22 de junho de 2022, pelas 10h00).
Na sequência, em 14/06/2022, o administrador da insolvência substituto requereu a junção aos autos “de novo relatório nos termos e para os efeitos do disposto no art. 155º do CIRE” e informou “não se vislumbrar vantagem na nomeação de comissão de credores”. 
No dito relatório o administrador da insolvência propôs o encerramento do estabelecimento da devedora e que os autos prosseguissem para liquidação do ativo.
Em 22/06/2022, realizou-se a assembleia de credores para apreciar o novo relatório apresentado pelo administrador da insolvência substituto, em que se determinou que o processo prosseguisse para liquidação do ativo e declarou-se o encerramento definitivo da atividade da devedora e que esse facto fosse comunicado à Administração Fiscal e ao Instituto da Segurança Social, nos termos do n.º 3 do art. 65º do CIRE.
Por decisão de 07/10/2022, transitada em julgado, declarou-se encerrado o processo de insolvência por insuficiência da massa insolvente.
Em 21/04/2022, a credora EMP02... – Empreendimentos Turísticos e Imobiliários, Lda. requereu que a insolvência da devedora fosse qualificada como culposa e fossem afetados pela qualificação: a) AA; b) BB; e c) EMP03..., S.L.
Para tanto alegou, em síntese: ser credora da devedora da quantia global de 687.854,97 euros, a que acrescem juros de mora; o passivo da devedora ascende a 2.262.000,32 euros; instaurou ação, em 08/06/2020, que correu termos no Juízo de Comércio de Viana do Castelo sob o n.º 1678/21...., em que requereu que a devedora fosse declarada insolvente, na qual esta deduziu oposição, em 01/07/2021, onde alegou a sua solvência e ter a sua situação para com a Autoridade Tributária e a Segurança Social regularizada; à dada da oposição a devedora já tinha dívidas de mais de dois milhões de euros para com os credores e agora vem-se a descobrir que tem dívidas à Segurança Social no montante de 183.667,09 euros e à Autoridade Tributária de 43.846,59 euros; ciente da situação de insolvência em que se encontrava, a devedora apresentou-se, em 01/09/2021, a PER, que correu termos no Juízo de Comércio de Viana do Castelo sob o n.º 2452/21.6T8VCT, em que, contradizendo a alegação que tinha apresentado na ação de insolvência, sabe e assume que está em situação de insolvência, sem que, porém, se tivesse apresentado à insolvência; apesar de ter estado na posse de valores que eram para serem entregues aos seus fornecedores, a devedora optou por não o fazer; a sócia da devedora EMP03..., S.L. nunca depositou o capital social que lhe dizia respeito; a devedora colocou todo o seu ativo na empresa sócia EMP03..., que é gerida pelo mesmo gerente.
Concluiu, encontrarem-se preenchidas as presunções de insolvência culposa do art. 227º, n.ºs 1, als. b) e c) do CIRE.
Por despacho proferido em 29/04/2022, a 1ª Instância determinou que:
“Tendo em conta que foi, entretanto, designada a realização da reunião da assembleia de credores nos autos principais, tendo em vista, além do mais, proposta de substituição e designação de novo AI, aguardará o presente apenso em conformidade”.
Por despacho proferido em 05/05/2022, decidiu que:
“O presente apenso aguardará, por ora a apreciação do relatório a apresentar/complementar pelo AI entretanto nomeado nos autos principais”.
E por despacho proferido em 24/06/2022, determinou a abertura do incidente de qualificação da insolvência, com caráter pleno, e ordenou a notificação do administrador da insolvência para juntar aos autos parecer sobre a qualificação da insolvência.
Em 10/08/2022, o administrador da insolvência requereu que lhe fosse prorrogado, por 90 dias, o prazo para apresentar o parecer, o que foi deferido por despacho de 11/08/2022.
Em 15/12/2022, ordenou-se a notificação do administrador da insolvência para que juntasse aos autos o parecer em falta, no prazo de cinco dias.
Na sequência, por requerimento de 20/12/2022, o administrador da insolvência, alegando ter sido submetido a uma intervenção cirúrgica e que um seu assistente se encontrava a trabalhar em regime de tempo parcial, por parentalidade, requereu que lhe fosse prorrogado o prazo para juntar aos autos o parecer em falta, por cinco dias úteis, o que foi deferido por despacho de 21/12/2022.
Em 28/12/2022, o administrador da insolvência juntou aos autos parecer sobre a qualificação da insolvência, em que concluiu dever esta ser qualificada como culposa, encontrando-se preenchidas as presunções do art. 186º, n.º 2, als. b), d) e f) e 3, al. a) do CIRE, devendo ser afetado pela qualificação o gerente AA.
Alegou, em suma, que: a devedora só prestou contas do exercício do ano de 2019; quanto ao exercício do ano de 2020, não lhe foi disponibilizada informação/documentação, com exceção da algumas contas; não foi documentado o depósito relativo ao aumento do capital social, permanecendo por realizar entradas dos sócios de 99.000,00 euros; as contas do exercício de 2020 não foram aprovadas pela gerência, pelo que não se procedeu ao seu depósito; não foi apresentada a declaração Modelo 22/IRC, o que tudo inviabiliza o conhecimento do desempenho económico e financeiro e da situação patrimonial da devedora no termo do exercício do ano de 2020; no exercício do ano de 2021, foram-lhe disponibilizados extratos de contas, cujo saldo apresentava valores “contranatura”, nomeadamente, saldos devedores de entidades que seriam credoras; foram autonomizados registos de movimentos bancários cuja circularização não foi conseguida, o balancete analítico disponibilizado não contempla o mês de dezembro de 2021, por falta de documentação passível de contabilização; o contabilista certificado da devedora informou não dispor de dados completos para o encerramento do exercício, nomeadamente, a faturação do mês de dezembro de 2021; não foram cumpridas as obrigações declarativas, o que tudo torna impossível realizar uma análise comparativa dos diversos exercícios da devedora; em junho de 2021, foi requerida a insolvência da devedora, à qual se opôs, quando já se encontrava numa situação de incumprimento generalizado das obrigações para com os seus credores, incluindo as resultantes de fornecimentos correntes de bens/serviços; no exercício do ano de 2020, o défice de exploração da devedora situou-se em cerca de 329.400,00 euros, que foi parcialmente financiada por um empréstimo bancário de 100.000,00 euros, mas a devedora acumulou passivo no ano de 2021 de, pelo menos, cerca de 313.000,00 euros; em 10/09/2019, foi efetuada uma transferência bancária de 10.000,00 euros a favor da EMP04... (..., ...), realizada porque o gerente da devedora declarou ser diretor de um fundo financeiro, sem que se vislumbre qualquer adesão dessa transferência ao objeto social da devedora; foram contratados serviços pela devedora à EMP05... SL (EMP05...), que, no período de 2019 a 2021, totalizaram o montante global de 150.617,09 euros, sem que se vislumbre racional económico que justifique a contratação deste tipo de serviços.
Em 04/01/2023, o Ministério Público emitiu parecer no sentido de que a insolvência da devedora fosse qualificada como culposa, nos termos do art. 186º, n.ºs 2, al. b) e 3, al. b) do CIRE, e fosse afetado pela qualificação AA.

Em 04/01/2023, ordenou-se que:
“Com cópia do requerimento inicial, dos pareceres do AI e do MP, notifique a Devedora e cite AA para se oporem, querendo, no prazo de 15 dias [art.º 188.º, n.º 9 do CIRE]”.

Na sequência, procedeu-se à notificação e à citação, por cartas registadas com aviso de receção, respetivamente, da devedora e de AA (seguindo nessas cartas cópia do requerimento inicial apresentado, em 21/04/2022, pela credora EMP02... – Empreendimento Turístico e Imobiliários, Lda. e dos pareceres emitidos pelo administrador da insolvência e pelo Ministério Público – vide Citius).
A devedora EMP01..., Lda. contestou impugnando a generalidade da facticidade alegada naquele requerimento e pareceres e concluiu pedindo que a insolvência fosse qualificada como fortuita.
Na sequência da devolução da carta para citação de AA e se desconhecer o seu paradeiro, ordenou-se a sua citação edital, na sequência do que contestou essencialmente nos mesmos termos da devedora.
Em 16/07/2024, proferiu-se despacho dispensando a realização de audiência prévia; saneador tabular; fixou-se o valor do incidente de qualificação em montante equivalente à alçada da Relação; identificou-se o objeto do litígio; enunciou-se os temas da prova; advertiu-se as partes para a possibilidade de, atenta a natureza dos factos em causa, poderem vir a ser condenadas como litigantes de má-fé; conheceu-se dos requerimentos de prova; e, finalmente, designou-se data para a realização de audiência final.
Em 09/09/2024 teve lugar a audiência final.
Consta do Citius a menção da Secção de que a gravação realizada na audiência final foi disponibilizada em 09/09/2024.
Em 21/09/2024, foi proferida sentença, em que se qualificou a insolvência da devedora, EMP01..., Lda., como culposa e afetado pela qualificação AA.
Em 26/09/2024, a devedora e AA requereram que, “com vista a proceder à transcrição da prova gravada”, se determinasse “que a secretaria proceda à disponibilização da mesma às partes, nos termos do n.º 3 do art. 155º do CPC, constando da aplicação CITIUS a menção de que “Esta sessão de gravação ainda não foi disponibilizada pela secretaria.” – cfr. print anexo”.
Na sequência, em 26-09-2024, a Secção lavrou a cota que se segue:
“Em 26/09/2024 procedi à disponibilização da sessão de gravação, conforme requerimento que antecede”.
Por requerimento de 03/10/2024, AA veio invocar a nulidade processual decorrente da falta ou deficiência da gravação disponibilizada, alegando que a gravação das declarações de parte que foram prestadas pelo próprio em audiência final se encontram praticamente ininteligíveis na globalidade, o que é agravado pelo facto de ter prestado aquelas em língua espanhola e de serem escassos os momentos em que o tradutor presente procedeu à tradução dessas declarações para a língua portuguesa.
Inconformado com o decidido na sentença proferida em 21/09/2024, o identificado AA interpôs recurso, em 22/10/2024.
Acontece que AA tinha interposto recurso prévio, o qual subiu em separado, no apenso O.
No âmbito do recurso acabado de referir, por decisão sumária, proferida por esta Relação, em 15/11/2024, transitada em julgado, julgou-se o recurso procedente e, em consequência, revogou-se o despacho recorrido, que tinha julgado injustificada a falta da testemunha BB à audiência final que teve lugar em 09/09/2024, e em que se declarou encerrada a dita audiência final sem que se tivesse inquirido aquela testemunha e, em sua substituição, julgou-se a falta da testemunha à audiência do dia 09/09/2024 justificada e determinou-se que a 1ª Instância reabrisse a audiência final para inquirição daquela testemunha, seguindo-se após alegações orais, com prolação de nova sentença (cfr. apenso O).
Cumprindo com o ordenado, em 11/12/2024, a 1ª Instância designou data para reabertura da audiência final.
Reaberta a audiência, faltou a testemunha BB, na sequência do que foi prescindida, seguindo-se alegações orais, findas as quais, se procedeu ao encerramento da audiência final.
Em 13/02/2015, proferiu-se sentença, em que se qualificou a insolvência da devedora como culposa e afetado pela qualificação o respetivo gerente, AA, da qual consta a seguinte parte dispositiva:
“Em conformidade com o exposto, decide o Tribunal:
i. qualificar a insolvência de EMP01..., Ld.ª como culposa;
ii. declarar AA a pessoa afetada pela qualificação da insolvência como culposa;
iii. decretar a inibição de AA, por um período de 3 anos, para o exercício do comércio, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de atividade económica, empresa pública ou cooperativa;
iv. determinar a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente detidos pelo mencionado AA e a sua condenação na restituição dos bens ou direitos já recebidos em pagamento desses créditos;
v. condenar AA a indemnizar os credores da devedora declarada insolvente, no montante dos créditos não satisfeitos, até às forças dos respetivos patrimónios.
Custas pelo Requerido [art.º 304.º do CIRE]”.
Inconformado com o decidido, AA interpôs recurso, em que formulou as seguintes conclusões:

Da extinção do incidente de qualificação de insolvência:
I- Conforme resulta da tramitação processual, o(novo)Administrador de Insolvência foi notificado em 24.06.2022 para apresentar o parecer de qualificação de insolvência, tendo-o sido na sequência de despacho proferido na mesma data–24.06.2022–em que se declarou a abertura do incidente de qualificação da insolvência e na sequência do relatório que o mesmo AI   apresentouem14.06.2022nostermosdoart.155ºdoCIRE.
II- Porém, não o fez, nem apresentou qualquer justificação ao tribunal, no prazo(inicial)que lhe foi concedido por notificação de 24.06.2022; não o fez perante a notificação da secretaria de 22.07.2022; não o fez, nem apresentou qualquer justificação, no prazo (adicional) de 90 dias concedido por despacho judicial de 11.08.2022; e não o fez, nem apresentou qualquer justificação ao tribunal, no prazo que lhe foi concedido por notificação de 15.11.2022.
III- Só em 28.12.2022, na sequência do despacho de 15.12.2022 que lhe concedeu 5 dias para o efeito e após solicitar nova prorrogação do prazo por5 dias, é que o A  I  apresentou o parecer de qualificação da insolvência.
IV- Nostermosdodispostonoartigo188º, n.º 1doCIRE, o administrador de insolvência pode alegar por escrito o que tiver por conveniente para efeito de qualificação da insolvência como culposa e indicar as pessoas que devem ser afetadas por tal qualificação no prazo perentório de 15dias após a junção aos autos do relatório a que se reportaoartigo155º.
V- Nos termos do disposto no artigo 188º, n.º 2 do CIRE, o prazo de 15 dias pode ser prorrogado mediante requerimento fundamentado do administrador de insolvência ou de qualquer interessado, e que não suspende o prazo em curso.
VI- Enostermosdodispostonoartigo188º, n.º 3 do CIRE, a prorrogação prevista no n.º 2 não pode, em caso algum, exceder os seis meses após a   assembleia de apreciação do relatório ou, no caso de dispensa da realização desta, após a junção aos autos do relatório a que se refere o artigo155.º.
VII- No caso concreto verifica-se que o relatório a que alude o art. 155º do CIRE foi apresentado nos autos principais em 14.06.2022e o parecer de qualificação de insolvência em 28.12.2022.
VIII- Tendo o relatório a que se refere o artigo 155º do CIRE sido junto aos autos principais em 14.06.2022, aquando da apresentação do parecer de qualificação pelo Administrador, o que sucedeu em 28.12.2022, nesta data há muito que se mostrava ultrapassado o prazo perentório previstonodo188º, n.º 1do CIRE, que assim foi violado.
IX- Mostra-se também violado o art. 188º, n.º 2 e 3 do CIRE, segundo os quais a prorrogação do prazo prevista no n.º 1 não pode, em caso algum, exceder os seis meses após a assembleia de apreciação do relatório ou, no caso de dispensa da realização desta, após a junção aos autos do relatório a que se refere o artigo 155.º, pois tendo o relatório sido junto em 14.06.2022, aquando da apresentação do parecer pelo Administrador, o que sucede em 28.12.2022,nesta data já se mostravam excedidos os referidos seis meses.
X- Os prazos aí previstos têm natureza perentória, sendo a sua violação do conhecimento oficioso do Tribunal, pelo que deverá ser revogada a sentença recorrida e declarado extinto, por extemporâneo, o incidente de qualificação da insolvência.
XI- Aadmissãodoincidentedequalificaçãodeinsolvênciaparaalémdosprazosfixadosnosn.ºs1, 2 e3 do artigo 188º do CIRE, viola os princípios constitucionais da   confiança e   da segurança do direito, inerentes ao Estado de Direito Democrático, o que igualmente se invoca com as legais consequências.
Da nulidade decorrente da deficiência da gravação da audiência final:
XII- Conforme resulta dos presentes autos, a gravação da prova produzida em audiência de discussãoejulgamentofoidisponibilizadapelasecretariaaoRecorrenteem01.10.2024.
XIII- Ouvida a gravação dos depoimentos/declarações, verificou-se que as declarações de parte do Recorrente AA encontram-se ininteligíveis praticamente na globalidade, o que é agravado pelo facto de ter prestado declarações em língua estrangeira (espanhola) e serem escassos os momentos em que o tradutor presente procedeu à tradução das suas declarações para a língua portuguesa.
XIV- Pretendendo o Recorrente recorrer da sentença proferida e suscitar a reapreciação da matéria de facto, a falta de gravação ou a sua falha impedem-no de dar cabal cumprimento às disposições legais aplicáveis, vendo-se a parte impedida de exercer o seu direito de recurso sobre a matéria de facto, e, bem assim, ficando ainda o tribunal ad quem impedido, em qualquer caso, de proceder à reapreciação de tal matéria por falta ou falha de registo da prova.
XV- faltaoudeficiênciadagravaçãodaaudiênciafinalconsubstanciaaomissãodeumatoquea lei prescreve e, porque tem óbvia influência no exame e decisão da causa por poder impedir ou condicionar o cumprimento do disposto no artigo 640º do CPC, constitui uma nulidade secundária, prevista noart.195ºdoCPC.
XVI- A nulidade decorrente da falta ou deficiência da gravação foi invocada no prazo de 10 dias previsto no n.º 4 do art.º 155º do CPC, pois tendo a gravação da prova sido disponibilizada pela secretaria aos Recorrentes em 01.10.2024, a nulidade foi arguida por requerimento de 03.10.2024.
XVII- Sob a nulidade arguida na 1ª instância ainda não incidiu qualquer decisão, pelo que, sem prejuízo de subsistir a nulidade por omissão de pronúncia (art.615º, n.º 1, al. d) do CPC) quanto ao requerimento de 03.10.2024, vem o Recorrente, ad cautelam, suscitar esse tema nesta sede recursiva.
XVIII- A nulidade invocada tem como consequência a anulação dos depoimentos deficientemente gravados, que deverão ser repetidos e novamente gravados em audiência de julgamento, com necessária anulação da sentença proferida – na qual se decidiu a matéria de facto – e seus termos subsequentes, isto porque assenta a mesma na totalidade da prova produzida, e também no depoimento deficientemente gravado.
XIX- Tendo por base o enquadramento fático e jurídico descrito, deverá ser declarada a nulidade decorrente da deficiência da gravação das declarações departe prestada por AA na audiência final, determinando-se sua repetição, com a consequente anulação da sentença proferida e de todos os atos subsequentes.
Da nulidade da sentença nos termos da alínea b) do n.º 1doart.615ºdoCPC.
XX-  Nos termos da al. b) do n.º 1 do art. 615º do CPC, é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
XXI. Vertendo ao caso concreto, no que tange à fundamentação da matéria provada, entende o Recorrente queoTribunalaquonãocumpriuoónusdefundamentaçãodamatériadefactoque considerou provada e não provada.
XXII- A sentença que antecede é omissa quanto aos concretos meios de prova que foram tidos em conta para dar como provados cada um dos factos constantes da sentença, o que impede o Recorrente de sindicar cada um deles de forma discriminada, ficando assim comprometido o direito ao recurso da matéria de facto, o que contende com o acesso à Justiça e à tutela efetiva consagrada com o direito fundamental no art.20ºdaCRP.
XXII-  Na verdade, a sentença a quo, no que tange à fundamentação da matéria que considerou provada, remete em bloco para alguns dos meios de prova produzidos, não especifica quais os concretos meios probatórios que conduziram à demonstração de cada um dos factos, não indica a convicção que retirou de cada um deles, como não procede à um juízo crítico das provas.
XXIV-  Em suma: a fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, provada e não provada, deverá fazer-se por indicação dos fundamentos que foram decisivos para a convicção do juiz, o que compreenderá não só a especificação dos concretos meios de prova, mas também a enunciação das razões ou motivos substanciais por que eles relevaram ou obtiveram credibilidade no espírito do julgador – só assim se realizando verdadeiramente uma “análise crítica das provas”.
XXV-   Na verdade, face à forma marcadamente genérica e aglutinadora como o tribunal recorrido decidiu motivar a decisão da matéria de facto, fica-se, em termos objetivos, sem saber em que concretos meios probatórios se ancorou para fixar a matéria de facto provada e não provada, ficando-se sem saber qual ou quais os concretos subsídios de prova que, afinal, foram determinantesparaojuízoprobatórioemitidorelativamenteacadaumdosenunciadosfácticos em crise.
XXVI - Verifica-se, assim, uma situação de falta ou deficiente fundamentação na decisão proferida pela primeira instância sobre a matéria de facto e de direito, sendo que, com vista à sanação desse vício, torna-se mister convocar a aplicação do disposto na al. d) do n.º 2 do art. 662º e consequentemente determinar a devolução dos autos à 1.ª instância para que o juiz de julgamento proceda à adequada fundamentação da sua decisão segundo as exigências legalmente estabelecidas.
XXVII- Conclui-se assim, no caso “sub judice”, pelo incumprimento do disposto no art. 607º, n.º 4 do CPC, e que constitui omissão de formalidade legal com manifesta influência no exame e na decisão da causa, tendo-se por cometida nulidade processual nos termos do art.195º do CPC, o que determinará a anulação da sentença recorrida e dos atos subsequentes dela dependentes.
XXVIII- Por outro lado, a sentença em crise padece também de défice de fundamentação de direito, pois não concretiza quais os factos provados que preenchem cada um dos normativos aplicados.
XXIX- Em concreto, a sentença conclui que os factos provados são suscetíveis de preencher as alíneas b), d) e f) do n.º 2, e a) e b) do n.º 3, do art.º 186.º, do CIRE. No entanto, nada refere a sentença quanto à concreta factualidade provada que preenche cada uma das indicadas alíneas, o que compromete o direito ao recurso e à tutela efetiva.
XXX- A sentença que antecede viola o art.607º, n.º 4, art.154º, n.º1,eart.195ºtodosdoCPC,eainda os art. 205º e 20º, ambos da CRP, devendo ser declarada nula nos termos da al. b) do n.º 1 do art. 615º do CPC, com as legais consequências.
Da nulidade da sentença-alínea d) do n.º 1doart.615º, e art.195º, ambos do CPC
XXXI- Nos termos da al. d) do n.º 1 do art. 615º do CPC, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
XXXII- No caso concreto, verifica-se que a sentença que antecede não faz qualquer alusão a determinados factos alegados pelo Recorrente AA na sua oposição (e que também constam da oposição da sociedade, embora aí com numeração diversa), nomeadamente os factos constantes dos itens 2º, 3º,5º,6º,8º,9º,10º,11º,12º,13º, 14º, 15º,16º,17º, 18º,19º,20º, 21º,22º,23º, 24º,25º,26º, 27º,28º,29º, 30º,31º,32º, 33º, 34º, 36º,37º,38º, 39º,40º,41º, 42º,43º,44º, 45º,47º,50º, 55º,57º,58º, 62º,63º,64º, 65º, 66º,69º,70º,71ºe72º.
XXXIII- Os indicados factos, muitos deles do conhecimento geral e outros ex oficio do Tribunal, por constarem de documentos juntos aos autos principais e apensos, não mereceram resposta de provados ou não provados, não se mostram prejudicados a partir da prova dos demais, e são suscetíveis de influir na decisão da causa pois demonstram, no essencial, que a insolvência foi puramente fortuita.
XXXIV- Em sede de motivação da decisão de facto e consequente análise crítica das provas, a Mmª Juíza “a quo” nada escreveu no tocante a esses outros factos que “aparentemente” não se provaram, o que significa que não se pronunciou, nessa sede, sobre a vária factualidade acima referida que foi alegada na oposição.
XXXV- Assim, desconhecem-se os motivos que a levaram a considerá-la não provada ou, se provada como irrelevante para a decisão. Ou seja, em termos factuais, há um absoluto silêncio da 1ª instância no tocante à factualidade alegada na oposição, sendo certo que é nela que se centra parte substancial da defesa dos aqui Recorrentes.
XXXVI- Conclui-se assim, no caso “sub judice”, pelo incumprimento do disposto no art. 607º, n.º 4 do CPC, e que constitui omissão de formalidade legal com manifesta influência no exame e na decisão da causa.
XXXVII- Por essa razão tem-se por cometida nulidade processual nos termos do art. 195º do CPC, o que determinará a anulação da sentença recorrida e dos atos subsequentes dela dependentes.
XXXVIII- A nulidade por omissão de pronúncia é um vício que o corre quando o Tribunal não se pronuncia sobre questões concretas com relevância para a decisão de mérito.
XXXIX- Termos em que, verificando-se que o Tribunal a quo deixou de se pronunciar sobre aqueles concretos factos colocados à sua apreciação, não os integrando nos factos provados nem nos não provados, deverá declarar-se a invocada nulidade, com as legais consequências.
Sem prejuízo do exposto:
Da impugnação da decisão relativa à matéria de facto;
XL - O Recorrente, com o devido respeito, discorda da factualidade dada como provada constante dos pontos 3.18, 3.20, 3.21 e3.22, a qual deverá dada como provada em diferentes moldes ou não provada, consoante cada um dos factos em apreço e que adiante melhor se concretizará.
XLI- No que concerne ao ponto 3.18 dos factos provados, deverá ser dado como PROVADO que:
“3.18. À data do pedido de declaração da insolvência, à qual a sociedade se opôs, que ocorreu em junho de 2021, esta encontrava-se em situação económica difícil.”.
XLII-  A prova que  impõe decisão diversa reporta-se aos documentos juntos com a  contestação ao processo de insolvência, apresentada em 01.07.2021, e que demonstram que nessa data a devedora se encontrava com a situação contributiva regularizada junto da segurança social e autoridade tributária, ou o facto de se manter em atividade, explorando nessa data duas unidades hoteleiras.
XLIII- Por outro lado, olvidou ainda que a insolvente, em 02.09.2021, deu entrada do PER que com o n.º 2452/21.6T8VCT correu termos neste mesmo Juízo do Comércio – ponto 3.14 dos factos provados.
XLIV- Nesse PER a devedora alegou que em resultado da crise global decorrente da pandemia provocada pela doença COVID-19, que afetou com especial incidência o setor hoteleiro, se encontrava em situação económica difícil, com sérias dificuldades em cumprir pontualmente algumas das suas obrigações vencidas, tendo acumulado passivo não passível de ser recuperado num curto espaço de tempo.
XLV- Com o PER a devedora juntou todos os documentos legalmente obrigatórios, entre os quais declaração de contabilista certificado, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 17º-A do CIRE, a declarar que com base nos documentos contabilísticos da sociedade esta não se encontrava em situação de insolvência, mas antes em situação económica difícil suscetível de recuperação, PER que foi aceite por este mesmo Tribunal e correu os seus trâmites normais.
XLVI-  Sendoaoposiçãoàinsolvênciade01.07.2021eaapresentaçãoaoPERde02.09.2021, é patente que aquando da contestação à insolvência a devedora não se encontrava em situação de insolvência, nem resulta das reclamações de créditos que a mesma se encontrasse em incumprimento generalizado das suas obrigações, o que se traduz numa conclusão e não num facto.
XLVII- No sentido ora pugnado vejam-se ainda as declarações prestadas pelo do AI, que mencionou que a situação pandémica impactou a generalidade da economia, colocou os gestores em dificuldades e sem saber o que fazer, e que, no fundo, o juízo de culpabilidade que verteu no parecer não resulta propriamente da apresentação tardia à insolvência, mas sim pelo de não terem sido apresentadas as contas legalmente obrigatórias.
XLVIII- No que concerne ao ponto 3.20 dos factos provados, deverá ser dado como PROVADO que: “3.20. Em 10.09.2019, altura em que teve lucros, a sociedade insolvente efetuou uma transferência bancária no montante de € 10.000,00, a favor de EMP04... (..., ...), tendo em vista a subscrição de um fundo de investimentos, através da qual visou a obtenção de ganhos no mercado de capital.”
XL I  X-       A prova que impõe decisão diversa consiste essencialmente nas declarações de parte do Recorrente AA, nas quais explicitou devidamente o racional económico que presidiu à aplicação financeira no montante de 10.000,00 €, nomeadamente que foi efetuada em 2019 e visou a obtenção de ganhos de capital.
L- Todavia, como supra invocado, a deficiência da gravação de tais declarações de parte, que se mostram ininteligíveis, impede os Recorrentes de as utilizar nesta sede recursiva e de dar cabal cumprimento às disposições legais aplicáveis, vendo-se a parte impedida de exercer o seu direito de recurso sobre a matéria de facto, e, bem assim, ficando ainda o tribunal ad quem impedido, em qualquer caso, de proceder à reapreciação de tal matéria por falta ou falha de registo da prova.
LI- Sem prejuízo, e conforme alegado na oposição sob os itens 53º a 56º - factos que não mereceramrespostadeprovadosounãoprovadospeloTribunalaquonasentença–aaplicação financeira foi realizada em setembro de 2019, no valor de 10.000,00€, ano em que a devedora apresentou lucros e exerceu a sua atividade sem o contexto pandémico provocado pela covid-19.
LII- No que concerne ao ponto 3.21 dos factos provados, deverá ser dado como PROVADO que: “3.21. Entre 2019 e 2021 a devedora contratou serviços de aluguer de veículos destinado a fazer deslocar pessoas e mercadorias entre as várias unidades hoteleiras que explorava e uma que não possuía frota automóvel.”
LIII- Aprova que impõe decisão diversa consiste essencialmente nas declarações de parte do Recorrente AA, nas quais explicitou devidamente o racional económico da decisão de alugar veículos no exercício da atividade da devedora. Contudo, a deficiência da gravação de tais declarações de parte impede o Recorrente de as utilizar nesta sede recursiva.
LIV- Não obstante, e conforme alegadonaoposiçãosoboitem57º, a devedora, não possuindo frota automóvel e necessitando de fazer deslocar pessoas e mercadorias entre as várias unidades hoteleiras, contratou   serviços de aluguer de veículos automóveis com uma entidade terceira, situada em Espanha, não constituindo tal ato de gestão um desvio ao objeto social da devedora ou à normal prossecução da sua atividade.
LV- Ainda no sentido da alteração pretendida vejam-se as declarações do AI Dr. CC, e ainda o depoimento de parte da Sra. DD, gerente da requerente da insolvência, que confirmou que pelo menos um dos diretores de hotéis detinha um veículo alugado para uso profissional.
LVI- Como é evidente, necessitando a devedora de fazer deslocar pessoas e mercadorias entre as várias unidades hoteleiras que explorava, nomeadamente os diretores de hotéis, optou por alugar veículos ao invés de os comprar, esta que seria certamente uma decisão mais onerosa, mas que ainda assim respeitaria o objeto social da devedora e a normal prossecução da sua atividade.
LVII-  Em face da prova produzida é patente que o aluguer de veículos constitui um ato normal de gestão, uma decisão perfeitamente racional e conforme o objeto social da devedora.
LVIII-  No que concerne ao ponto 3.22 dos factos provados, deverá ser dado como PROVADO que: “3.22. A Singular’sHotelsécredoradainsolventede€226.294,28€ (duzentos e vinte seis mil euros duzentos e noventa e quatro euros e vinte e oito cêntimos), sendo que, mesmo “compensando” tais valores com o do capital social alegadamente não realizado (98.010,00 €), sempre resultaria para a EMP03... um crédito correspondente à diferença de 128.284,28€(226.294,28€-98.010,00€).”
LIX-  A   prova que impõe decisão diversa engloba as declarações de parte prestadas pelo Recorrente AA, mas cuja deficiência de gravação impede os Recorrentes de as utilizar nesta sede recursiva.
LX-   Por outro lado, e conforme alegado na oposição sob os itens 58º a 66º - factualidade que não mereceu resposta de provada ou não provada – demonstrou-se, com base em elementos documentais que a sentença ignorou, que a sociedade “EMP03...” não é devedora da aqui insolvente, mas credora.
LXI-   Os documentos usados pelo AI para sustentar o seu parecer, os quais a sentença reproduz sem juízo ou apreciação crítica, tratam-se de documentos particulares que foram impugnados e que não fazem prova da posição debitória/creditória entre ambas as entidades.
LXII- A   sentença a quo ignorou que no processo n.º 2452/21.6T8VCT do Juízo de Comércio de Viana do Castelo foi reconhecido à sociedade “EMP03...”, em setembro de 2021, um crédito no valor total de226.294,28€ (duzentos e vinte seis mil euros duzentos e noventa e quatro euros e vinte e oito cêntimos) sobre a aqui insolvente, tudo conforme os documentos n.º 13 e14 juntos pelo Recorrente AA na sua oposição.
LXIII- Mesmo na tese adotada pelo AI no seu parecer de compensar o capital social alegadamente não realizado (98.010,00 €) no valor do crédito reconhecido na insolvência (226.294,28 €), a sociedade EMP03... manter-se-ia como credora da insolvente no montante de 128.284,28 € (226.294,28€-98.010,00€).
LXIV- A redação do mencionado facto dado como provado limita-se a reproduzir o parecer do AI e ignora tudo o que em contrário resulta dos documentos constantes das oposições das Recorrentes e dos demais processos apensos, nomeadamente os autos principais e de reclamação de créditos.
LXV- Por outro lado, nem o próprio AI, nas declarações prestadas em julgamento, corroborou a versão que verteu no seu parecer, conforme resulta dos seguintes trechos do seu depoimento, em que confirmou não ter consultado os documentos de suporte a fim de atestar se as conclusões vertidas no parecer eram ou não corretas.
LXVI - Além disso, a redação do facto provado encontra-se em oposição com a constante do ponto 3.23, pois se neste dá como provado que a insolvente tem um passivo(reconhecido)que ronda os € 1.783.049,46, é porque parte da premissa que a EMP03... é credora da insolvente no valor de 226.294,28 € (duzentos e vinte seis mil euros duzentos e noventa e quatro euros e vinte e oito cêntimos), pois de outro modo não alcançaria aquele valor.
Do não preenchimento das als. b), d) e f) do n.º2 e a) e b) do n.º3, do art.º186.º, do CIRE:
LXVII- Sem prejuízo de tudo quanto supra vai expendido, entendem os Recorrentes que os factos provados impunham, por si só, a prolação de decisão de improcedência do incidente da qualificação de insolvência, pois os mesmos não preenchem qualquer das alíneas als. b), d) e f) do n.º 2 e a) e b) do n.º 3, do art.º 186.º, do CIRE, identificadas na fundamentação de direito da sentença.
LXVIII- Não se encontra verificada a alínea b) do n.º 2 do art.186º do CIRE.
LXIX- Não se vislumbram quais os factos que preenchem o referido normativo, nem a sentença os especifica, daí a invocação prévia da sua nulidade.
LXX- O que resulta dos autos, nomeadamente do apenso de reclamação de créditos e da relação dos créditos reconhecidos, é que a sociedade EMP03... é credora da insolvente de, pelo menos, €226.294,28€ (duzentos e vinte seis mil euros duzentos e noventa e quatro euros e vinte e oito cêntimos), e mesmo compensando tais valores com o do capital social alegadamente não realizado (98.010,00€), sempre resultaria par a EMP03... um crédito correspondente à diferençade128.284,28€(226.294,28€-98.010,00€).
LXXI- Não se encontra verificada a alínea d) do n. º2doart.186ºdoCIRE.
LXXII- Nesta temática, a sentença não especifica quais os concretos factos que preenchem o referido normativo, nem do elenco dos mesmos factos provados resulta a sua aplicabilidade, o que se invoca com as legais consequências.
LXXIII- Não havendo sentença de graduação e verificação de créditos, não é possível extrapolar para os factos provados a conclusão de que tenha havido proveito de terceiros, nada tendo sido provado ouconcretizadoquantoaosconcretoscredoresafetadosporessesupostobenefício/prejuízo.
LXXIV- Não se encontra verificada a alínea f) do n.º 2doart.186ºdoCIRE.
LXXV- Tal como referido para a alínea anterior, também neste caso vem consagrada uma presunção para qual é necessário que estejam preenchidos certos requisitos, os quais deverão ser sustentados através de concreta matéria dada como provada.
LXXVI- No caso concreto, a sentença nada refere quanto aos concretos factos que considerou provados e que no seu entender preenchem a referida alínea f) do n.º 2 do art. 186º do CIRE, trazendo-se novamente à colação a invocada nulidade da sentença por falta de fundamentação e violação do direito de defesa e ao recurso.
LXXVII- Os factos provados não preenchem a presunção consagrada na alínea f) do n.º 2 do art.186º do CIRE, o que invoca com as legais consequências.
LXXVIII- Não se encontra preenchida a alínea a) do n.º 3, do art.º 186.º, do CIRE.
LXXIX- Conforme supra se aludiu na impugnação da matéria de facto, os documentos juntos com a contestação ao processo de insolvência, apresentada em 01.07.2021, demonstram que nessa data a devedora se encontrava com a situação contributiva regularizada junto da segurança social e autoridade tributária, mantendo-se então em atividade, explorando nessa altura duas unidades hoteleiras.
LXXX- Daí que, em 02.09.2021 a insolvente deu entrada com o PER n.º 2452/21.6T8VCT, que correu termos neste mesmo Juízo do Comércio–ponto3.14dosfactosprovados.
LXXXI- Nesse PER a devedora alegou que em resultado da crise global decorrente da pandemia provocada pela doença COVID-19, que afetou com especial incidência o setor hoteleiro, se encontrava em situação económica difícil, com sérias dificuldades em cumprir pontualmente algumas das suas obrigações vencidas, tendo acumulado passivo não passível de ser recuperado num curto espaço de tempo.
LXXXII- Com o PER a devedora juntou todos os documentos legalmente obrigatórios, entre os quais declaração de contabilista certificado, nos termoseparaosefeitosprevistosnoartigo17º-Ado CIRE, a declarar que com base nos documentos contabilísticos da sociedade esta não se encontrava em situação de insolvência, mas antes em situação económica difícil suscetível de recuperação, PER que foi aceite por este mesmo Tribunal e correu os seus trâmites normais.
LXXXIII- Sendo a oposição à insolvência de 01.07.2021 e a apresentação ao PER de 02.09.2021, é patente que aquando da contestação à insolvência a devedora não se encontrava em situação de insolvência, nem resulta das reclamações de créditos que a mesma se encontrasse em incumprimento generalizado das suas obrigações, o que se traduz numa conclusão e não num facto.
LXXXIV- Por decorrência do exposto, dos factos provados como fundamentadores da qualificação da insolvência como culposa resulta o não preenchimento da alínea a) do n.º 3, do art.º 186.º, do CIRE, ou do respetivo nexo causal, o que se invoca com as legais consequências.
LXXXV- Não se encontra preenchida a alínea b) do n.º 3, do art.º 186.º, do CIRE
LXXXVI.-  Conforme resulta dos factos provados, a devedora apresentou as contas relativas aos anos de 2019, relativamente aos demais anos (2020 e 2021) apresentou as declarações de IRC, sendo que, atenta a data da declaração de insolvência, em janeiro de 2022, a obrigação de apresentar as contas relativas a 2021 já competia ao AI nomeado.
LXXXVII-   Sem prejuízo, a sentença nada refere quanto aos concretos factos que considerou provados e que no seu entender preenchem a referida alínea b) do n.º 3, do art.º 186.º, do CIRE, mas que em todo o caso seriam conclusivos e insuficientes, face à falta de alegação e prova de factos concretos, para demonstrar, para além da presunção de culpa pela falta de apresentação de contas, o agravamento concreto da situação de insolvência face ao incumprimento da obrigação.
LXXXVIII- De facto, e ainda que subsistisse falta de apresentação e subsequente registo das contas, esta previsão jurídica não basta para demonstrar o agravamento da situação da insolvência; não se podem presumir dos factos provados outros factos que possam integrar o prejuízo para a insolvência.
LXXXIX- Termos em que, em face dos factos considerados provados, deverá considerar-se não verificada a violação da obrigação de elaborar contas anuais e não preenchida a al. b) do n.º 3doart.186º do CIRE.
XC- Não preenchendo os factos provados os pressupostos necessários à qualificação da insolvência como culposa, haverá que revogar a decisão que antecede e qualificar a insolvência como fortuita.
XCI- Termos em que, concedendo provimento ao recurso, farão Vossas Excelências a habitual justiça.

O Ministério Público contra-alegou pugnando para que o recurso fosse julgado improcedente.
*
A 1ª Instância admitiu o recurso como de apelação, a subir nos próprios autos e com efeito devolutivo, o que não foi alvo de modificação no tribunal ad quem.

*
Conheceu da nulidade processual suscitada, em 03/10/2024, por AA (ora recorrente), decorrente da falta ou da deficiente gravação das declarações de parte que prestou na audiência final que teve lugar em 09/09/2024, julgando-a improcedente, nos termos que se seguem:
“Com relação à arguição de nulidade decorrente da deficiência da gravação da audiência final, assentando aquela, nos termos do art.º 155.º, n.º 4 do CPC, em ser a gravação de tal forma deficiente que alcança um grau de impercetibilidade tal que impede o seu efetivo conhecimento e, como tal, a sua impugnação, com vista a ser reapreciação da prova e sindicância da decisão, auscultada aquela gravação e, ainda, atendendo ao teor das próprias alegações de recurso, conclui-se que tal nulidade não se verifica”.
*
Finalmente, pronunciou-se quanto às nulidades assacadas pelo recorrente à sentença sob sindicância, nos seguintes termos:

“Vem arguida a nulidade da sentença, nos termos do art.º 615.º, n.º 1 do CPC.
Cumpre, pois, proferir despacho nos termos do art.º 617.º do citado diploma.
Ora, salvo o devido respeito, afigura-se-nos que a decisão proferida não padece da invocada nulidade, pois que da mesma consta de forma clara e inequívoca os seus fundamentos quer de facto quer de direito, não se encontrando os mesmos em oposição nem padecendo de qualquer ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”.
*
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II- DO OBJETO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC.
Acresce que, o tribunal ad quem também não pode conhecer de questão nova, isto é, que não tenha sido, ou devesse ser, objeto da decisão sob sindicância, salvo se se tratar de questão que seja do conhecimento oficioso, dado que, sendo os recursos os meios específicos de impugnação de decisões judiciais, mediante o reexame de questões que tenham sido, ou devessem ser, nelas apreciadas, visando obter a anulação da decisão recorrida (quando padeça de vício determinativo da sua nulidade) ou a sua revogação ou alteração (quando padeça de erro de julgamento, seja na vertente de erro de julgamento da matéria de facto e/ou na vertente de erro de julgamento da matéria de direito), nos recursos, salvo a já enunciada exceção, não podem ser versadas questões de natureza adjetivo-processual e/ou substantivo material sobre as quais não tenha recaído, ou devesse recair, a decisão recorrida[1].
No seguimento desta orientação cumpre ao tribunal ad quem apreciar as seguintes questões:
a- Se se impõe julgar extinto o presente incidente de qualificação da insolvência da devedora, EMP01..., Lda., em virtude do requerimento apresentado em que se solicitava que a insolvência fosse qualificada como culposa e que o recorrente fosse afetado por essa qualificação, com a indicação dos fundamentos que presidem a esses pedidos, ter sido apresentado extemporaneamente, isto é, para além dos prazos perentórios do art. 188º, n.ºs 1 e 3 do CIRE;
b- Se a sentença sob sindicância é nula por omissão de pronúncia, em virtude do recorrente ter suscitado, em 30/10/2024, a nulidade processual decorrente da falta ou da deficiente gravação das declarações de parte que prestou na audiência final que teve lugar em 09/09/2024, sem que sobre essa questão tivesse ainda recaído decisão por parte do tribunal a quo e quando a falta ou deficiente gravação condiciona o cumprimento pelo mesmo dos ónus impugnatórios do julgamento da matéria de facto previstos no art. 640º, n.ºs 1 e 2, al. a) do CPC;
A propósito desta concreta questão suscita-se a questão prévia de se saber se tendo, aquando da prolação do despacho de admissão do presente recurso a 1ª Instância conhecido daquela nulidade processual, julgando-a improcedente, se é legalmente consentido a esta Relação conhecer da questão referida em b) no âmbito do presente recurso;
c- se a sentença é nula for falta de fundamentação, em virtude de ser omissa quanto aos concretos meios de prova que foram tidos em consideração pelo tribunal a quo para dar como provados cada um dos factos que julgou provados, impedindo o recorrente de sindicar cada um deles de forma discriminada e, em sede de direito, o julgador limitou-se a dizer que os factos provados são suscetíveis de preencherem as alíneas b), d) e f) do n.º 2 e as alíneas a) e b)  do n.º 3 do art. 186º do CIRE, sem que tivesse concretizado qual a concreta facticidade julgada provada que preenche cada uma dessas alíneas, o que tudo compromete o direito do recorrente ao recurso e à tutela jurisdicional efetiva;
d- Se a sentença é nula por omissão de pronúncia dado que nela não se faz qualquer alusão aos factos que foram alegados pelo recorrente na oposição/contestação nos itens 2º, 3º,5º,6º,8º,9º,10º,11º,12º,13º, 14º, 15º,16º,17º, 18º,19º,20º, 21º,22º,23º, 24º,25º,26º, 27º,28º,29º, 30º,31º,32º, 33º, 34º, 36º,37º,38º, 39º,40º,41º, 42º,43º,44º, 45º,47º,50º, 55º,57º,58º, 62º,63º,64º, 65º, 66º,69º,70º,71ºe72º;
e- Se a sentença padece de erro de julgamento da matéria de facto quanto à facticidade que nela foi julgada provada nos pontos 18º, 20º, 21º e 22º e se, uma vez revisitada e reponderada a prova produzida, se impõe alterar a facticidade julgada provada nesses pontos, julgando provado o seguinte:
“18- À data do período de declaração da insolvência, à qual a sociedade se opôs, que ocorreu em junho de 2021, esta encontrava-se em situação económica difícil”;
“20- Em 10/09/2019, altura em que teve lucros, a sociedade insolvente efetuou uma transferência bancária, no montante de 10.000,00 euros, a favor de EMP04... (..., ...), tendo em vista a subscrição de um fundo de investimento, através da qual visou a obtenção de ganhos no mercado de capital”;
“21 – Entre 2019 e 2021 a devedora contratou serviços de aluguer de veículos destinados a fazer deslocar pessoas e mercadorias entre as várias unidades hoteleiras que explorava e uma vez que não possuía frota automóvel”;
“22- A EMP03... é credora da insolvente de 226.294,28 euros, sendo que, mesmo compensando tais valores com o capital social alegadamente não realizado (98.010,00 euros), sempre resultaria para a EMP03... um crédito correspondente à diferença de 128.284,28 euros (226.294,28 euros – 98.010,00 euros)”;
f- Se a sentença recorrida (ao julgar encontrarem-se preenchidos os requisitos previstos no art. 186º, n.ºs 2, als. b), d) e f) e 3, als. a) e b) do CIRE e, em consequência, ao qualificar a insolvência da devedora como culposa e ao declarar afetado por essa qualificação o recorrente) padece de erro de direito e se, em consequência, se impõe revogar a decisão de mérito nela proferida e, em sua substituição, qualificar a insolvência da devedora como fortuita, absolvendo o recorrido dos pedidos que contra ele foram formulados. 
*
III- DA FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A 1ª Instância julgou provada a seguinte facticidade com relevância para a decisão de mérito a proferir no âmbito do presente incidente de qualificação da insolvência:

1- A Devedora, com sede em Lugar ... ... ..., ..., trata-se de uma sociedade comercial por quotas, matriculada na respetiva Conservatória Registo Comercial sob n.º ...16.
2- À data da sua declaração de insolvência, o capital social da Devedora era de € 100.000,00, distribuído por duas, quotas sociais, uma no valor nominal de € 1.000,00, titulada por EE, e outra no valor nominal de € 99.000,00, titulada por EMP03..., S.L..
3- A gerência era exercida, desde sempre, por AA.
4- A insolvente foi constituída no ano de 2019, com o objeto social “Gestão e exploração de hotéis com ou sem restaurante”, correspondente ao CAE Principal 55111-R3.
5- Aos 29.09.2020, foi subscrito um aumento do capital social em € 99.000,00, sendo € 98.010,00 pelo sócio EMP03... SL e € 990,00 pela sócia EE.
6- À data da declaração insolvência a Devedora já não operava, não apresentando pessoal ao serviço.
7- A Devedora não possui instalações próprias.
8- A sua sede correspondia ao endereço/sede da credora EMP02..., Ld.ª.
9- A Devedora integra o grupo “EMP03..., SL”, sediada em ... (Espanha), que por sua vez explora várias unidades hoteleiras em Espanha, e que constituiu a sociedade ora insolvente com vista a exercer a mesma atividade em território nacional.
10- Tendo em vista a expansão da atividade do grupo “EMP03...” em território nacional, foram pela Devedora celebrados os seguintes negócios:
2019.04.16 – Contrato de Cessão de Exploração Comercial celebrado com EMP02..., Ld.ª (...);
2019.11.25- Contrato de Cedência de Imóvel e Cessão de Exploração Hoteleira com EMP06... Unip., Ld.ª (...);
2020.05.2020- Contrato de Cedência de Utilização de Imóvel e Cessão de Exploração Comercial da EMP07... com EMP08..., Ld.ª (EMP09...);
2010.10.14- Contrato Promessa de Cedência de Cessão de Exploração de Empreendimento Turismo no Espaço Rural (...) designado por EMP10..., Ld.ª (EMP10...).
11- Até meados de 2021, a Devedora explorou as quatro unidades hoteleiras supra descritas, sendo que, entretanto, os respetivos contratos de exploração foram sendo resolvidos, designadamente, verificando-se: em 2021.05.12, a resolução do contrato promovida por EMP08..., Ld.ª, com tomada da posse em 2021.09.04; em 2021.06.03, a rescisão contrato com EMP02..., Ld.ª; em 2021.06.11, a resolução contrato promovida por EMP06... Unip., Ld.ª; em 2021.09.17, a resolução do contrato promovida por EMP11... Lda., com entrega do imóvel em 2021.11.23.
12- Entretanto, em 07.06.2021 fora requerida a declaração insolvência da ora Devedora, promovida por EMP02..., Ld.ª, dando origem ao Processo n.º 1678/21.7T8VCT, que correu termos neste mesmo Juízo do Comércio.
13- Naqueles autos, em 01.07.2021, a Devedora contestou o pedido de declaração de insolvência.
14- Por sua vez, em 02.09.2021, a Devedora deu entrada com o PER que, com o n.º 2452/21.6T8VCT, correu termos neste mesmo Juízo do Comércio, o qual acabou encerrado, por despacho datado de 18.01.2022, por não apresentação de plano.
15- Seguiu-se a declaração de insolvência nos presentes autos, aos 19.01.2022, processo este ao qual foi apensado o PER supra identificado.
16- A Devedora só prestou contas anuais com referência ao exercício de 2019.
17- Da análise da IES relativa ao exercício de 2019 e do Balancete Analítico reportado ao final do 2021, bem como ao seu confronto com as reclamações créditos apresentadas nestes autos, verifica-se que:
- com relação ao ano de 2019, as contas, aprovadas por unanimidade pelos sócios, apresentaram um resultado líquido positivo de cerca de 21 mil euros;
- relativamente ao ano de 2020, não foi documentado o depósito relativo ao aumento de capital social, permanecendo por realizar entradas de sócios relativas a 99 mil euros;
- no que diz respeito ao ano de 2021, não foram cumpridas as obrigações declarativas, pelo menos, relativas àquele período, assim como o apuramento e eventual entrega de impostos que se mostrassem devidos, com exceção da tributação autónoma em sede de IRC.
18- Tendo por referência a análise das reclamações de créditos apresentadas nestes autos, nomeadamente quanto ao incumprimento junto dos seus credores, resulta que à data do pedido de declaração da insolvência, à qual a sociedade se opôs, que ocorreu em junho de 2021, esta já se encontrava em incumprimento generalizado das suas obrigações, incluindo as resultantes de fornecimentos correntes de bens/serviços.
19- Acresce que, com referência ao exercício de 2020, o défice de exploração (diferença entre proveitos/receitas correntes e gastos/despesas correntes) situou-se em cerca de € 329.400,00, o que foi parcialmente financiado através da obtenção de apoio bancário de € 100.000,00 junto do Banco 1..., S.A..
20- Entretanto, foi realizada, em 10.09.2019, uma transferência bancária no montante de € 10.000,00, a favor de EMP04... (..., ...), alegadamente tendo em vista a subscrição de um fundo de investimentos, sem que, porém, resulte da contabilidade a adesão de tal transferência ao objeto social da Insolvente nem qualquer racional económico.
21- Ainda, foi levada a cabo a contratação de serviços à sociedade EMP12... SL (EMP05...) que totalizaram, no período de 2019 a 2021, o montante global de € 150.617,09, não se vislumbrando racional económico que justifique a contratação deste tipo de serviços e sendo que, ainda que parte dos pagamentos àquela entidade tenham sido realizados diretamente pelo Sócio EMP03... (€ 47.643,74, entre novembro de 2020 a setembro de 2021), resultou para a Devedora um custo de, pelo menos, cerca de 103 mil euros.
22- Por fim, resulta dos registos contabilísticos que a EMP03... seria devedora de € 199.055,00, por um lado tendo em conta o capital social não realizado de € 98.010,00, por outro, por conta de adiantamentos a fornecedores no valor de € 65.845,38 e, por fim, por alegados suprimentos € 35.261,22, sendo que, mesmo “compensando” tais valores com os comprovados pagamentos realizados diretamente a entidades credoras da sociedade, no total de € 111.553,87, sempre resulta numa perda para a ora Insolvente, correspondente à diferença de € 87.502,00.
23- A insolvente tem um passivo (reconhecido) que ronda os € 1.783.049,46.
24- A sociedade apresenta dívidas à Segurança Social no montante de € 183.667,09, à Autoridade Tributária de € 43.846,59 e de natureza laboral em cerca de 400 mil euros.
25- Por despacho datado de 07.10.2022, foi, ao abrigo do disposto no art.º 230.º, n.º 1, al. d) do CIRE, declarado encerrado o processo de insolvência, com os efeitos a que aludem as als. a) e b) do n.º 1 do art.º 233.º do CIRE.
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Por sua vez, a 1ª Instância julgou não provados os seguintes factos:
a) A situação financeira da Devedora decorreu, exclusivamente, da situação pandémica originada pela doença Covid-19 e seu agravamento.
b) A resolução unilateralmente do contrato de cessão de exploração promovida pela entidade cessionária do ..., designada EMP02..., provocou a criação de dívidas na esfera da sociedade Devedora.
c) Na altura em que se apresentou a PER, a Devedora adotou medidas para reduzir custos correntes e otimizar a sua atividade, só não o tendo conseguido por força das sucessivas resoluções dos demais contratos de cessão de exploração.
d- No início do PER, a Devedora era uma empresa viável, suscetível de recuperação, sendo que, na pendência do mesmo a sua situação agravou-se, essencialmente, por atos e culpa de terceiros, tendo passado só então a não dispor, em virtude de circunstâncias supervenientes e fatores externos alheios à sua vontade, de atividade suscetível de gerar receitas para fazer face às suas despesas e às dívidas anteriormente acumuladas.
e- A subscrição do aumento do capital social foi integralmente realizado pelos sócios mediante o pagamento, diretamente a terceiros, de dívidas da EMP01... Lda., mormente de salários dos trabalhadores e a fornecedores.
f- A aplicação financeira realizada em setembro de 2019, no valor de 10.000,00 €, foi feita junto de entidade prestadora de Serviços Financeiros autorizada e devidamente licenciada, com a mesma visando a Devedora a obtenção de ganhos de capital.
g- A contratação de serviços à sociedade EMP12... SL, teve em vista a normal prossecução da atividade da Devedora.
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IV- DA FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA

A- Da extinção do incidente de qualificação da insolvência
Sustenta o recorrente que o incidente de qualificação da insolvência da devedora, EMP01..., Lda.”, que culminou com a prolação da sentença recorrida, em que se qualificou a insolvência como culposa e se declarou o próprio afetado por essa qualificação, tem de ser julgado extinto devido ao facto de o requerimento que lhe serviu de base ter sido apresentado pelo administrador da insolvência para além do prazo perentório de 15 dias, a contar da realização da assembleia de credores para apreciar o relatório a que alude o art. 155º do CIRE, fixado no n.º 1 do art. 188º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE - onde constam todas as disposições que se se venham a citar sem referência em contrário) e, inclusivamente, após o decurso do prazo máximo de seis meses fixado no n.º 3 daquela norma, argumentando que: “Conforme resulta da tramitação processual, o(novo)Administrador de Insolvência foi notificado em 24.06.2022 para apresentar o parecer de qualificação de insolvência, tendo-o sido na sequência de despacho proferido na mesma data–24.06.2022–em que se declarou a abertura do incidente de qualificação da insolvência e na sequência do relatório que o mesmo AI  apresentou em 14.06.2022 nos termos do art.155ºdoCIRE. Porém, não o fez, nem apresentou qualquer justificação ao tribunal, no prazo(inicial)que lhe foi concedido por notificação de 24.06.2022. Não o fez perante a notificação da secretaria de 22.07.2022, não o fez, nem apresentou qualquer justificação, no prazo (adicional) de 90 dias concedido por despacho judicial de 11.08.2022, e não o fez, nem apresentou qualquer justificação ao tribunal, no prazo que lhe foi concedido por notificaçãode15.11.2022. Só em 28.12.2022, na sequência do despacho de 15.12.2022, que lhe concedeu 5 dias para o efeito e após solicitar nova prorrogação do prazo por5 dias, é que o A I  apresentou o parecer de qualificação da insolvência”.
Conclui terem sido violados os prazos fixados no art. 188º, n.ºs 1, 2 e 3, o que, por sua vez, constitui violação aos princípios constitucionais da confiança e da segurança do direito, inerentes ao Estado de Direito Democrático.

Quid inde?
Antes da revisão operada ao CIRE pela Lei n.º 16/2012, de 20/04, nos termos do disposto no art. 36º, n.º 1, al. i) então vigente, o juiz tinha sempre, na sentença em que declarasse a insolvência, de determinar a abertura do incidente de qualificação da insolvência, pelo que este tinha caráter obrigatório.
Acontece que, na sequência da revisão operada pela dita Lei ao art. 36º, n.º 1, al. i), o referido preceito passou a prever que, na sentença declaratória da insolvência, o juiz apenas declarava aberto o incidente de qualificação no caso de já dispor de elementos no processo que indiciassem que a insolvência foi criada de forma culposa, o que significa que, então (e no presente), o incidente de qualificação deixou de ter natureza obrigatória, passando a ter caráter meramente eventual.
Sucede que, na vigência da Lei n.º 16/2012, face ao disposto nos arts. 36º, n.º 1, al. i)  e 188º, n.º 1 então vigentes, não era pacífico o entendimento doutrinário e jurisprudencial a propósito de se saber se, por um lado, nos casos em que o juiz, na sentença em que declarasse a insolvência, não tivesse declarado aberto o incidente de qualificação da insolvência podia posteriormente determinar oficiosamente a abertura do incidente em causa, nomeadamente, por, na sequência das diligências que entretanto viessem a ser efetuadas no processo de insolvência terem sido recolhidos indícios de que a insolvência foi criada de modo culposo e, por outro lado, se o prazo de 15 dias após a realização da assembleia de credores para apreciação do relatório fixado no n.º 1 do art. 188º, n.º 1, para o administrador da insolvência ou qualquer interessado apresentarem requerimento fundamentado, solicitando que a insolvência fosse qualificada como culposa e indicando as pessoas que deviam ser afetadas pela qualificação, tinha natureza perentória ou meramente ordinatória, assistindo-se a uma corrente que defendia que o juiz  podia determinar ex officio a abertura do incidente de qualificação, a qualquer momento, até ao encerramento do processo de insolvência e, bem assim que o dito prazo de 15 dias era meramente ordenador ou regulador[2],  enquanto outros defendiam que o mencionado prazo do n.º 1 do art. 188º tinha natureza perentória, pelo que o juiz apenas podia determinar oficiosamente a abertura do incidente de qualificação na sentença em que declarasse a insolvência, apenas podendo posteriormente determinar essa abertura a requerimento do administrador da insolvência ou de qualquer interessado (isto é, dos credores ou das demais pessoas com legitimidade para apresentarem o pedido de declaração da insolvência – cfr. art. 20º), nos termos do art. 188º, isto é, desde que os últimos apresentassem requerimento fundamentado (com indicação dos fundamentos de facto e de direito), requerendo a qualificação da insolvência como culposa e indicando as pessoas que deviam ser afetadas por essa qualificação dentro do prazo perentório de 15 dias previsto no n.º 1 do art. 188º, sob pena do direito dos mesmos de apresentarem esse requerimento caducar e, em consequência, a insolvência jamais poder ser qualificada como culposa[3].  
Acontece que a Lei n.º 9/2022, de 11/01, alterou a redação do art. 188º, pondo termo à polémica acabada de referir ao estabelecer expressamente, no n.º 1 daquele preceito, que o prazo de 15  dias após a realização da assembleia de credores para apreciar o relatório do art. 155º ou, no caso de dispensa desta, a contar da apresentação desse relatório, para o administrador da insolvência ou qualquer interessado apresentarem requerimento, solicitando que a insolvência fosse qualificada como culposa e indicando as pessoas que deviam ser afetadas por essa qualificação, com a alegação da facticidade que fundamentasse esse pedido, tem natureza perentória.
Destarte, na sequência da revisão ao CIRE, introduzida pela Lei n.º 9/2022, de 11/01 (que é a redação aplicável aos autos), nas situações em que o juiz, na sentença em que declara a insolvência, não declare oficiosamente aberto o incidente de qualificação (por o processo de insolvência não conter então elementos que indiciem que a insolvência foi criada de modo culposo e que, por isso, fundamente a abertura do incidente em causa – art. 36º, n.º 1, al. i), não poderá posteriormente determinar a abertura oficiosa de tal incidente, mas apenas a requerimento do administrador da insolvência ou de qualquer interessado, nos termos do art. 188º. O requerimento em causa tem de ser apresentado pelo administrador da insolvência ou por qualquer pessoa com legitimidade para requerer a insolvência do devedor (“interessado”)  no prazo perentório de 15 dias após a realização da assembleia de credores para apreciar o relatório a que alude o art. 155º ou, no caso de dispensa desta, a contar da junção daquele relatório ao processo de insolvência e nele tem de ser requerido que a insolvência seja qualificada como culposa, indicadas as pessoas que devem ser afetadas por essa qualificação e tem de conter a alegação dos factos  que fundamentam esse pedido.  
Nas situações em que o juiz não tenha determinado oficiosamente a abertura do incidente de qualificação da insolvência na sentença em que declarou a insolvência e o administrador da insolvência e/ou os restantes interessados não apresentem o requerimento vindo a referir ou, o apresentem fora do prazo perentório de 15 dias, fixado no n.º 1 do art. 188º, face à caducidade do direito destes em apresentarem esse requerido para além de tal prazo de natureza perentória, jamais o juiz poderá determinar a abertura do incidente de qualificação de modo oficioso e, consequentemente,  jamais a insolvência poderá vir a ser qualificada como culposa.
Enfatize-se, porém, que o prazo perentório de quinze dias previsto no n.º 1 do art. 188º, pode ser prorrogado pelo juiz, a requerimento (fundamentado) do administrador da insolvência ou de qualquer interessado, quando sejam necessárias informações que não possam ser obtidas naquele curto período de tempo de quinze dias, mas a prorrogação não pode, em caso algum, exceder os seis meses após a realização da assembleia de credora para apreciação do relatório a que se refere o art. 155º ou, no caso de dispensa desta, após a junção aos autos desse relatório (art. 188º, n.ºs 2, 3 e 4)[4].
O pedido de prorrogação do prazo, atento o disposto no n.º 3 do art. 139º do CPC, tem de ser apresentado antes do termo do prazo perentório de quinze dias, fixado no n.º 1 do art. 188º, ou do termo da prorrogação desse prazo antes deferida, tanto mais que, na parte final do n.º 2 do art. 188º, houve a preocupação do legislador de expressamente determinar (o que se os prefigura ser uma redundância, por tal já resultar do art. 139ºº, n.º 3 do CPC) que a apresentação de pedido de prorrogação não suspende “o prazo em curso”.
Assentes nas premissas acabadas de referir, revertendo ao caso dos autos, a devedora, EMP01..., Lda., foi declarada insolvente por sentença proferida, em 19/01/2022, na qual não foi determinada a abertura do incidente de qualificação da insolvência.
Em 06/04/2022, o administrador da insolvência apresentou o relatório a que alude o art. 155º do CIRE, o qual foi submetido à assembleia de credores realizada no dia 04/05/2022, em que se decidiu substituir o administrador da insolvência que tinha sido nomeado na sentença que declarou a insolvência por um outro administrador, o qual foi notificado para “vir complementar ou substituir o relatório elaborado nos termos do art. 155º do CIRE, junto aos autos em 06/04/04/2022”, isto é, o que tinha sido anteriormente apresentado pelo administrador da insolvência nela substituído, e designou-se nova data para a realização da assembleia de credores para apreciar o relatório que viesse a ser apresentado pelo administrador da insolvência substituto e que complementasse o primeiro (elaborado e apresentado pelo administrador da insolvência substituído em 06/04/2022) ou o novo relatório que por ele viesse a ser apresentado caso fosse essa a sua opção.
O administrador da insolvência substituto optou por apresentar, em 14/06/2022, novo relatório a que alude o art. 155º, em que emitiu as mesmas conclusões que já constavam do relatório primeiramente apresentado pelo administrador da insolvência substituído, ou seja, em ambos os relatórios, os administradores da insolvência (substituído e substituto) propuseram o imediato encerramento da devedora e que o processo de insolvência prosseguisse os seus termos para liquidação do ativo.
O referido novo relatório foi apreciado na assembleia de credores que teve lugar em 22/06/2022, e que fora agendada na primeira assembleia de credores, designada para a apreciação do relatório que tinha de ser apresentado pelo administrador da insolvência que fora nomeado na sentença que declarou a insolvência e que, conforme antedito, veio nela a ser substituído.
Em 21/04/2022, a credora EMP02... – Empreendimentos Turísticos e Imobiliários Lda. requereu que a insolvência da devedora fosse qualificada como culposa e que fossem afetados por essa qualificação, entre outros, o recorrente AA, expondo nele os fundamentos de facto e de direito que fundamentavam esse seu pedido.
Esse requerimento foi apresentado pela credora EMP02..., Lda. (e, portanto, por interessada que, nos termos do art. 20º, n.º 1 dispunha de legitimidade para requerer a declaração da insolvência da devedora e que, por isso, dispunha de legitimidade para, à luz do n.º 1 do art. 188º, apresentar aquele requerimento, solicitando que a insolvência da devedora fosse qualificada como culposa e fosse afetado pela qualificação o ora recorrente e expondo nele os fundamentos de facto que sustentam esse pedido), antes da realização da assembleia de credores que teve lugar em 04/05/2022 (que fora designada para apreciar o relatório junto ao processo em 06/04/2022 pelo administrador da insolvência nomeado na sentença que declarou a insolvência - que veio a ser substituído), não cumprindo, por isso, o requerimento em causa, de forma rigorosa, o comando daquele n.º 1 do art. 188º, que determina que esse requerimento tem de ser apresentado “no prazo perentório de 15 dias após a assembleia de apreciação do relatório ou, no caso de dispensa da realização desta, após a junção aos autos do relatório a que se refere o artigo 155º”.
Acresce que, conforme antedito, na assembleia de credores de 04/05/2022, substituiu-se o administrador da insolvência que tinha sido nomeado na sentença de declaração da insolvência e nomeou-se, em sua substituição, um outro administrador da insolvência, que optou por apresentar novo relatório, o qual apenas veio a ser apreciado na assembleia de credores realizada no dia em 22/06/2022.
Todavia, salvo melhor entendimento, o que se acaba de dizer não constituem razões suficientes que impedissem que o juiz a quo tivesse, com base no requerimento que fora apresentada pela credora, EMP02..., Lda., em 21/04/2022, determinado a abertura do incidente de qualificação com fundamento no art. 188º, conforme fez, por despacho proferido em 24/06/2022.
Com efeito, tendo a credora EMP02..., Lda. apresentado o dito requerimento devidamente fundamentado, em que requeria que a insolvência fosse qualificada como culposa e que, entre outros, o ora recorrente fosse afetado por essa qualificação, antes da realização da assembleia de credores que tinha sido designada (e que foi realizada) no dia 04/05/2022, para apreciar o relatório a que alude o art. 155º, junto ao processo de insolvência pelo administrador da insolvência em 06/04/2022, nem, por isso, o tribunal a quo determinou o seu desentranhamento dos autos com fundamento na sua prematuridade, mas antes, por despacho proferido em 29/04/2022, determinou que se aguardasse a data designada para a realização da assembleia de credores para a apreciação daquele relatório de 06/04/2022 e, na sequência da realização dessa assembleia de credores, em que o administrador da insolvência nomeado na sentença de declaração de insolvência foi substituído por novo administrador da insolvência, a quem foi concedido o prazo de vinte dias para apresentar relatório complementar ao que já fora apresentado ou, para o substituir, por despacho proferido em 05/05/2022, a 1ª Instância determinou que se aguardasse pela apreciação do relatório complementar ou substituto (do anterior) que viesse a ser apresentado pelo novo administrador.
A elaboração do relatório a que alude o art. 155º pelo administrador da insolvência tem como finalidade a preparação da assembleia de credores em ordem a permitir que os credores tenham uma panorâmica geral e circunstanciada sobre a situação da massa insolvente, as causas que determinaram a insolvência e as perspetivas de solução[5], para que, em assembleia de credores, possam, de modo informado, decidir sobre o futuro a dar à devedora.
Esses objetivos são prosseguidos quer pelo relatório que fora junto ao presente processo de insolvência, em 06/04/2022, pelo administrador da insolvência substituído, quer pelo novo relatório que o administrador da insolvência substituto decidiu apresentar em 14/06/2022, na medida em que num e noutro são dadas informações objetivas e descomprometidas aos credores (que a intervenção do administrador da insolvência faz presumir) sobre a panorâmica geral e circunstanciada sobre a situação da massa insolvente, as causas que determinaram a insolvência e sobre as perspetivas de solução.
Dito por outras palavras, a circunstância do administrador da insolvência substituto ter optado por apresentar novo relatório em substituição do primeiro não apaga a informação fornecida pelo administrador substituído no relatório que elaborou e juntou aos autos. Aliás, a informação contida em ambos os relatórios, por via do princípio da aquisição processual, pode e deve ser considerada pelos credores, pelos restantes interessados e pelo tribunal em sede de instrução e de decisão a proferir no presente incidente de qualificação da insolvência.
Daí que se, na sequência do relatório junto aos autos, em 06/04/2022, pelo administrador da insolvência nomeado na sentença declaratória da insolvência (que veio a ser substituído), face às informações nele contidas e as que eventualmente já dispunha, a credora EMP02..., Lda. considerou estar habilitada a apresentar requerimento fundamentado, nos termos do art. 188º, requerendo que a insolvência da devedora fosse qualificada como culposa e o ora recorrente, entre outros, fossem afetados por essa qualificação, conforme aconteceu, atento o requerimento que apresentou em 21/04/2022, não é pela circunstância desse  requerimento ter sido apresentado antes da realização da assembleia de credores designada para apreciação daquele relatório e de, nessa assembleia de credores, o administrador da insolvência  que o apresentou ter substituído por outro administrador, e deste último ter optado por elaborar novo relatório, que obsta que, com fundamento nele, se tivesse ordenado, em 24/06/2022, a abertura do incidente de qualificação da insolvência, conforme aconteceu.
O prazo perentório de quinze dias estipulado no n.º 1 do art. 188º, não deixa, aliás, de ser um prazo máximo para que o administrador de insolvência ou os interessados apresentem requerimento fundamentado solicitando que a insolvência seja qualificada como culposa e indicando as pessoas que devem ser afetadas por essa qualificação. O dito prazo perentório é, de resto, fixado em favor do devedor e dos seus gerentes, de direito e de facto, que, de contrário, se veriam na contingência de, até ao encerramento do processo de insolvência, o administrador da insolvência e/ou os interessados requereram que a insolvência fosse qualificada como culposa e aqueles afetados pela qualificação.
Ora, o requerimento apresentado, em 21/04/2022, pela credora EMP02..., Lda., em que requer que a insolvência da devedora seja qualificada como culposa e o recorrente (entre outros) afetado pela qualificação, para além de se apresentar fundamentado de facto e de direito, apesar da sua prematuridade, não deixou de ser apresentado dentro do prazo perentório (limite) de quinze dias previsto no n.º 1 do art. 188º e, por isso, não deixa de poder servir de base à decisão do tribunal a quo, de 24/06/2022, em que determinou a abertura do incidente de qualificação, decisão essa que, aliás, se mostra conforme aos despachos que antes proferira, sem que daí decorra qualquer violação do direito ao contraditório que assiste à devedora e ao recorrente, os quais foram, respetivamente, notificados e citados para deduzirem, querendo oposição, nos termos do n.º 9 do art. 188º, seguindo nas cartas de citação e notificação que lhes foram remetidas o requerimento apresentado pela credora EMP02..., Lda.,  em 21/04/2022 e, bem assim os pareceres sobre a qualificação da insolvência que foram emanados, nos termos dos n.ºs 6 e 7 do art. 188º, pelo administrador da insolvência e pelo Ministério Público.
No sentido que se acaba de enunciar, em caso similar, em que o administrador da insolvência, no relatório a que alude o art. 155º, requereu fundamentadamente que a insolvência da aí devedora fosse qualificada como culposa e indicou as pessoas que deviam ser afetadas por essa qualificação, o STJ, no acórdão de 17/09/2024, decidiu que:
A eventual inobservância formal rigorosa do disposto no art. 188º, n.º 1 do CIRE, perante a apresentação  de requerimento pelo administrador da insolvência, devidamente fundamentado, pedindo a qualificação da insolvência como culposa (que não ultrapassou o prazo perentório de quinze dias previsto no art. 188º, n.º 1 do CIRE), não é de molde a frustrar a possibilidade de o juiz ordenar a abertura e o prosseguimento  desse mesmo incidente – através de decisão irrecorrível nos termos do art. 188º, n.º 5 do CIRE -, o que resulta essencialmente da importância e interesses primordiais e que se apure, de forma célere e expedita, a responsabilidade dos representantes da empresa, inexistindo outrossim qualquer direto de defesa que seja nestas circunstâncias colocado em crise, havendo aliás sido plenamente exercido, neste caso concreto, contraditório do recorrido”[6]  
Sendo a jurisprudência que se acaba de enunciar integralmente transponível para o caso dos autos, não assiste, assim, fundamento legal para se atender à pretensão do recorrente em ver declarado extinto o presente incidente de qualificação da insolvência.
Conforme se demonstrou, a abertura do incidente de qualificação determinada pela 1ª Instância, por despacho irrecorrível proferido, em 24/06/2022, assentou no requerimento, devidamente fundamento de facto e de direito, que foi apresentado, em 21/04/2022, pela credora EMP02..., Lda., em que requereu que a insolvência da devedora fosse qualificada como culposa e o recorrente (e outros) fosse afetado por essa qualificação, requerimento esse que foi apresentado dentro do prazo perentório (limite) de quinze dias do n.º 1 do art. 188º, e do qual aquele e a devedora foram citados e notificados, respetivamente, para que exercessem, querendo, quanto a ele (e aos pareceres emanados pelo administrador da insolvência e pelo Ministério Público) o direito que lhes assiste ao contraditório.
Salvo o devido respeito, ao requerer que se julgasse extinto o incidente de qualificação da insolvência, o recorrente desconsiderou que o incidente em causa foi aberto tendo por fundamento/base o requerimento acabado de referir, e não o parecer emanado pelo administrador da insolvência, o qual foi por ele emitido nos termos do n.º 6 do art. 188º.
O referido parecer do administrador da insolvência sobre a qualificação da insolvência, no caso de não ser ele o requerente da qualificação da insolvência como culposa (como é o caso dos autos, em que a requerente da qualificação foi a credora EMP02..., Lda.), tinha de ser por ele emanado, no prazo de 20 dias, a contar da abertura do incidente de qualificação, sem prejuízo do juiz lhe poder conceder prazo superior (n.º 6 do art. 188º).
O dito parecer do administrador da insolvência, nos termos do n.º 6 do art. 186º, tem de ser devidamente fundamentado (de facto e de direito) e documentado (mediante a junção de documentação que suporte a facticidade nele alegada) e nele o administrador tem de tomar posição expressa sobre se a insolvência deve ser qualificada como fortuita ou como culposa, e identificar, neste último caso, as pessoas que devem ser afetadas pela qualificação.
Na sequência dele o Ministério Público tem de emitir parecer, também ele devidamente fundamentado (de facto e de direito, podendo aderir – ou não – aos fundamentos de facto e de direito alegados pelo requerente – a EMP02..., Lda. – e/ou os alegados pelo administrador da insolvência no parecer a que alude o n.º 6 do art. 188º, e/ou alegar novos fundamentos de facto), onde tome posição expressa sobre se a insolvência deve ser qualificada como fortuita ou culposa e, neste último caso, quem deve ser afetado pela qualificação, no prazo de 10 dias (n.º 7 do art. 188º).
Trata-se de pareceres de emanação obrigatória, pelo que os prazos previstos para a respetiva emanação são meramente ordenadores. Os pareceres do administrador da insolvência e do Ministério Público, conforme decorre do que se acaba de dizer, constituem elementos relevantes na instrução e na decisão a proferir no âmbito do incidente de qualificação - e na sua tramitação, tanto assim que, nos termos do n.º 8 do art. 188º, se tanto o administrador da insolvência como o Ministério Público propuserem a qualificação da insolvência como fortuita, o juiz pode proferir de imediato decisão nesse sentido, a qual é irrecorrível –, e quando não for esse o caso, sem prejuízo do princípio do inquisitório que impende sobre o julgador (art. 11º), a sua atividade instrutória e decisória (thema decidendum) é delimitada pela facticidade alegada no requerimento apresentado nos termos do n.º 1 do art. 188º (no caso, no requerimento apresentado pela credora EMP02...) e, bem assim a que foi alegada pelo administrador da insolvência e pelo Ministério Público nos pareceres emanados nos termos dos n.ºs 6 e 7 do art. 188º. Por isso, nem o administrador da insolvência, nem o Ministério Público podem deixar de incumprir aquela imposição legal que os obriga a emanar os ditos pareceres sem que incorram em violação dos seus deveres funcionais, impondo-se que o juiz os notifique, instando-os para que os emanem, sempre que não o façam no prazo fixado naqueles n.ºs 6 ou 7 ou dentro do prazo concedido ao administrador da insolvência para emanar o parecer a que alude aquele n.º 6[7].
Daí que a circunstância do administrador da insolvência (que não é o requerente da qualificação da insolvência como culposa) não ter emitido o parecer previsto no n.º 6 do art. 188º, dentro do prazo de 20 dias fixado nessa disposição legal, contrariamente ao pretendido pelo recorrente, não constitui fundamento legal de extinção do presente incidente de qualificação, mas antes eventual causa para a sua destituição das funções de administrador da insolvência, por incumprimento dos deveres funcionais a que se encontra legalmente adstrito.
Decorre do que se vem expendendo, improcederem todos os fundamentos em que o recorrente alicerça a sua pretensão em ver julgado extinto o presente incidente de qualificação, devendo o recurso improceder nesta parte, o que se decide.

B- Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia – falta ou deficiente gravação

O recorrente assaca à sentença recorrida o vício da nulidade por omissão de pronúncia, advogando que, tendo a secretaria lhe facultado a gravação da prova produzida na audiência final realizada em 09/09/2024 apenas em 01/10/2024, na sequência da audição dessa gravação, veio a constatar que a gravação do depoimento/declarações de parte prestado pelo próprio está ininteligível “praticamente na sua globalidade, o que é agravado pelo facto de ter prestado declarações em língua estrangeira (espanhola) e serem escassos os momentos em que o tradutor presente procedeu à tradução das suas declarações para a língua portuguesa”. Acontece que, tendo suscitado a nulidade secundária decorrente da falta ou deficiente gravação junto do tribunal a quo, este ainda não tomou qualquer decisão sobre essa questão, o que condiciona o cumprimento pelo mesmo dos ónus impugnatórios do julgamento da matéria de facto do art. 640º do CPC, o que, na sua perspetiva, determina a nulidade da própria sentença recorrida por omissão de pronúncia.
Sem razão.  
Como bem observa o próprio recorrente, a falta ou deficiente gravação dos atos praticados na audiência final consubstancia uma nulidade processual secundária (e não causa determinativa de nulidade da sentença), embora seja certo que quando as nulidades processuais se projetem na própria sentença podem determinar a nulidade desta.
Concretizando.
Como é sabido, o processo jurisdicional, do ponto de vista estrutural, é composto por uma sequência de atos jurídicos, logicamente encadeados entre si, ordenados em fases sucessivas, com vista à obtenção da providência requerida pelo autor, requerente ou exequente[8], cujos requisitos e formalidades variam em função das diferentes formas de processos previstas na lei adjetiva. Sempre que o juiz se desvie do formalismo processual, praticando um ato que a lei adjetiva não admita/proíba, omita um ato por ela prescrito, ou pratique um ato imposto ou permitido por ela, mas com preterição de formalidades legais, incorre em error in procedendo, o qual se reconduz ao cometimento de uma nulidade processual quando a lei adjetiva comine expressamente o desvio cometido com o vício da nulidade (nulidade principal) ou, quando não o faça, quando aquele possa influir no exame (instrução e discussão) ou na decisão da causa, ressalvadas as situações em que a própria lei adjetiva estatua uma consequência jurídica distinta para o mesmo (nulidade secundária).
Dir-se-á, assim, que as nulidades processuais ou nulidades de processo se traduzem em quaisquer desvios ao formalismo processual determinado pela lei adjetiva, os quais podem assumir três modalidades: a omissão de um ato imposto por lei; a prática de ato proibido por lei; ou a prática de ato imposto ou permitido por lei, mas com omissão de formalidades por esta prescritas. Os referidos desvios quando são expressamente cominados pela lei adjetiva como nulidade processual assumem a natureza de nulidade processual principal (v.g. nulidade por ineptidão da petição inicial – art. 186º -; por falta de citação – arts. 187º e 188º -; por erro na forma do processo quando os atos já praticados não possam ser aproveitados sem diminuição de garantias de defesa do réu – art. 193º -; ou por falta de vista ou exame ao Ministério Público, quando a lei exija a sua intervenção como parte acessória e a causa tenha corrido à revelia da parte que devia por ele ser assistida – art. 194º-, todos do CPC,). De contrário, assumem a natureza de mera irregularidade, salvo quando forem suscetíveis (tenham a virtualidade) de influírem no exame ou na decisão da causa e a lei adjetiva não preveja para qualquer outra consequência jurídica para esse desvio, em que consubstanciam nulidade processual secundária (art. 195º).
As nulidades processuais não se confundem, por isso, com as nulidades de sentença enunciadas, de modo taxativo, no art. 615º, n.º 1, do CPC (aplicáveis aos acórdãos, por força do art. 666º, n.º 1 do CPC, e aos despachos, por via do disposto no art. 613º, n.º 1), na medida em que as primeiras se traduzem em quaisquer desvios ao formalismo processual prescrito na lei processual civil, que sejam expressamente qualificadas por esta como nulidade processual, ou quando o não faça, possam influir no exame ou na decisão da causa[9], enquanto as segundas se situam no âmbito restrito da elaboração da sentença, acórdão ou despacho, desde que o desvio cometido preencha um dos casos taxativamente contemplados numa das alíneas do n.º 1 do art. 615º do CPC.
As causas determinativas de nulidade da sentença, acórdão ou despacho reconduzem-se a vícios formais ou de conteúdo destes por neles o juiz não ter observado as normas que regulam a sua elaboração e/ou estruturação e/ou as que balizam o seu campo de cognição em termos de fundamentos (causa de pedir, exceções ou contra exceções), incorrendo em nulidade por omissão ou excesso de pedido), ou de pretensão (pedido), incorrendo em nulidade por condenação ultra petitum[10].
Ora, impondo o art. 155º, n.º 1 do CPC a gravação da audiência final de ações, incidentes e procedimentos cautelares, a falta ou deficiência da gravação da audiência final reconduz-se na preterição de um ato que é imposto pela lei adjetiva, o qual, por ser suscetível de influir no exame e na decisão da causa (condicionando, desde logo, em caso de recurso, o cumprimento pelo recorrente dos ónus impugnatórios do julgamento da matéria de facto enunciados no art. 640º, n.ºs 1 e 2, al. a) do CPC), nos termos do art. 195º, n.º 1 do mesmo diploma, consubstancia uma nulidade processual secundária (e não uma nulidade da sentença, do tipo enunciado no n.º 1, do art. 615º).
Essa nulidade processual secundária tem de ser suscitada pelo interessado junto do próprio tribunal em que se verificou, no prazo de dez dias, a contar do momento em que a gravação lhe foi disponibilizada (n.º 4 do art. 155º do CPC), sob pena de ficar sanada, não podendo posteriormente ser por ele invocada.
Daí que, salvo o devido respeito por entendimento contrário, tendo o recorrente invocado a nulidade secundária decorrente da falta ou deficiente gravação junto da 1ª Instância,  não se está perante qualquer causa determinativa de nulidade da sentença, nomeadamente, por omissão de pronúncia, mas sim perante um error in procedendo, mais concretamente uma nulidade processual secundária, a qual, no caso de ser julgada procedente, nos termos do n.º 2 do art. 195º do CPC, determina a nulidade de todos os atos processuais subsequentes à sua verificação (falta ou deficiente gravação), onde se inclui a própria sentença recorrida.
Por conseguinte, o conhecimento da nulidade processual decorrente da falta ou deficiente gravação suscitada pelo recorrente é questão prejudicial em relação ao presente recurso interposto da sentença, tendo de ser decidida previamente ao conhecimento dele, dado que, caso venha a ser julgada procedente, por decisão transitada em julgado, determina a nulidade da sentença, deixando o presente recurso de ter objeto. De contrário, isto é, no caso da nulidade processual suscitada pelo recorrente vir a ser julgada improcedente, por decisão judicial transitada em julgado, essa questão fica, em definitivo, decidida, por via do caso julgado formal que passa a cobrir essa decisão, não podendo mais ser conhecida no âmbito do presente processo de insolvência, respetivos incidentes e apensos, nomeadamente, no âmbito do presente recurso (art. 620º do CPC).
Posto isto, em 10/04/2025, a 1ª Instância proferiu decisão conhecendo da nulidade processual suscitada pelo recorrente, em 03/10/2024, decorrente da falta ou deficiente gravação das declarações de parte que prestou na audiência final de 09/09/2024, julgando essa nulidade processual secundária improcedente.
A decisão acabada de referir foi notificada via Citius, em 11/04/2025, à mandatária do recorrente, pelo que, nos termos dos arts. 247º, n.º 1 e 248º do CPC, presume-se notificada em 14/04/2025.
 O processo de insolvência, incluindo todos os seus incidentes, apensos e recursos, tem caráter urgente (art. 9º, n.º 1), pelo que o prazo para a interposição de recurso daquela decisão é de quinze dias (art. 638º, n.º 1 do CPC).
Ora, compulsado o processo informático (Citius) verifica-se que o recorrente não interpôs recurso da decisão que julgou improcedente a nulidade processual que suscitou, por falta ou deficiente gravação dentro do prazo legal de 15 dias, pelo que aquela transitou em julgado, operando caso julgado formal, não podendo a questão da falta ou deficiente gravação das declarações de parte que prestou na audiência final ser mais suscitada ou conhecida dentro do presente processo de insolvência, respetivos apensos e incidentes, incluindo por esta Relação no âmbito do presente recurso.
Decorre do exposto, impor-se concluir pela improcedência do fundamento de recurso suscitado pelo recorrente que se acaba de analisar, atento o trânsito em julgado do despacho proferido, em 10/04/2025, que julgou improcedente a nulidade processual secundária suscitada pelo recorrente decorrente da falta ou deficiente gravação das declarações de parte que prestou na audiência final de 09/09/2024. 

C- Da nulidade da sentença por falta de fundamentação
Advoga o recorrente que a sentença sob sindicância padece do vício da nulidade por falta de fundamentação, uma vez que o julgador a quo, em sede de fundamentação/motivação do julgamento da matéria de facto não discriminou quais os concretos meios de prova que considerou para dar como provados cada um dos factos que julgou provados e, em sede de direito, limitou-se a dizer que os factos provados são suscetíveis de preencherem as alíneas b), d) e f) do n.º 2 e as alíneas a) e b) do n.º 3 do art. 186º do CIRE, sem que tivesse concretizado qual a facticidade julgada provada que preenche cada uma das referidas alíneas, o que tudo, na sua perspetiva, compromete o seu direito ao recurso e à tutela jurisdicional efetiva, que lhe é constitucionalmente garantido pelo art. 20º da CRP e, em consequência,  determina, nos termos da al. b) do n.º 1 do art. 615º, a nulidade da sentença.
Vejamos se lhe assiste razão.
O dever de fundamentação das decisões judiciais (sentenças, acórdãos ou despachos) que não sejam de mero expediente é imposto pelo art. 205º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa e encontra-se densificado nos arts. 154º e 607º do CPC.
Nos termos daquele art. 154º, as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas (n.º 1), não podendo a fundamentação consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade (n.º 2).
Em sede de estruturação da sentença, estabelece o art. 607º do CPC que esta começa por identificar as partes e o objeto do litígio, enunciando, de seguida, as questões que ao tribunal cumpra solucionar (n.º 2); seguem-se os fundamentos, devendo o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final (n.º 3); na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência (n.º 3).
Resulta das normas constitucionais e infraconstitucionais que se acabam de enunciar que, ainda que o pedido não seja controvertido ou que a questão decidenda não suscite qualquer dúvida, todas as decisões judiciais têm de ser fundamentadas, dado que, destinando-se as decisões judiciais a solucionar um conflito de interesses e, assim, a promover a paz social, esse desiderato apenas será alcançado quando o julgador, através da fundamentação, logre demonstrar que a decisão que proferiu não é um mero ato arbitrário, mas a concretização da vontade abstrata da lei aplicada ao caso concreto, passando de convencido a convincente.
Acresce que a fundamentação exerce a função primordial de autocontrolo do próprio julgador, ao forçá-lo a ter de exteriorizar e motivar os fundamentos de facto e de direito em que assentou a decisão que proferiu (na parte dispositiva da sentença, acórdão ou despacho) e, em sede de julgamento da matéria de facto que neles realizou, a ter de exteriorizar os concretos fundamentos  probatórios que considerou e o raciocínio que a partir deles fez - ou não fez - para chegar à decisão de facto que proferiu e, bem assim, ao ter, em sede de direito, de exteriorizar as normas jurídicas que elegeu, a interpretação que fez das mesmas e o modo como as aplicou aos factos que julgou provados e não provados. Além disso a fundamentação permite ainda que se dê a conhecer às próprias partes os fundamentos de facto e de direito em que se ancorou o juiz para proferir a decisão que emanou (o dictat autoritário como resolveu o litígio constante da parte dispositiva que verteu na sentença, acórdão ou despacho), a fim de que possam ajuizar do bom (ou mau) fundamento do decidido e da viabilidade (ou não) de utilizarem os meios de impugnação que a lei lhes faculta em caso de dele discordarem. E, em caso de recurso, a fundamentação dá a conhecer ao tribunal de recurso os fundamentos de facto e de direito que presidiram à decisão recorrida para que os possa sindicar e ajuizar do bom ou mau fundamento do decidido. Finalmente, não dispondo o poder jurisdicional de uma legitimidade direta, mas antes indireta, que lhe advém da Constituição, a fundamentação constitui a fonte de legitimação do poder jurisdicional.
Neste sentido, citando vários autores, escreve Abílio Neto que a fundamentação da decisão judicial “contribui para a sua eficácia, já que esta depende da persuasão dos respetivos destinatários e da comunidade jurídica em geral. (…). Só assim racionalizada, motivada, a decisão judicial realiza aquela altíssima função de procurar, ao menos, convencer as partes e a sociedade da sua justiça”. Mas a fundamentação “permite, ainda, quer pelas próprias partes, quer, o que é de realçar, pelos tribunais de recurso, fazer o reexame do processo lógico racional que lhe subjaz, pela via do recurso”. E, a fundamentação constitui “um verdadeiro fator de legitimação do poder jurisdicional, contribuindo para a congruência entre o exercício desse poder e a base sobre a qual repousa: o dever de dizer o direito no caso concreto (iuris dicere). E, nessa medida, é garantia de respeito pelos princípios da legalidade, da independência do juiz e da imparcialidade das suas decisões”. A fundamentação constitui “uma das garantias fundamentais do cidadão no Estado de direito e no Estado social de direito comum contra o arbítrio do poder judiciário”[11].
O dever de fundamentação das decisões judiciais (relembra-se, apenas dispensado no caso de decisões de mero expediente ou, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade), não tem, contudo, um conteúdo fixo, mas deve ser ajustado ao caso concreto, tendo em consideração a complexidade das questões suscitadas ou da maior ou menor discussão que exista na jurisprudência ou na doutrina acerca delas. Ou seja, a suficiência ou insuficiência da fundamentação não se mede pelo seu volume ou extensão, mas pelo seu conteúdo substancial[12].
O dever de fundamentação é compreensivelmente intenso na sentença, dado que é nela que o tribunal conhece do fundo/mérito da causa e, portanto, decide sobre os bens discutidos no processo, dirimindo o conflito que lhe foi submetido pelas partes. Daí que, na sentença se imponha que o juiz, em sede de julgamento de facto cumpra escrupulosamente com os comandos dos n.ºs 3 e 4 do art. 607º e, em sede de motivação/fundamentação desse julgamento, tratando-se de facticidade submetida a regras de direito probatório material, em que a apreciação da prova tem de ser feita, por imperativo legal, de acordo com essas normas, que fixam o valor probatório de determinado meio de prova, sem deixarem qualquer margem de subjetivismo ao julgador sobre a decisão a proferir em sede de julgamento de facto (última parte do n.º 5 do art. 607º)[13], se imponha que identifique o concreto meio probatório que utilizou e o dispositivo legal (identificando-o, interpretando-o e aplicando-o) que lhe impõe, reafirma-se, sem qualquer margem de subjetivismo o sentido da decisão da matéria de facto a proferir. E quanto a facticidade submetida ao princípio geral da livre apreciação da prova, porque livre apreciação da prova não equivale naturalmente a arbitrariedade, aquele dever legal impõe-lhe que especifique os fundamentos probatórios que foram decisivos para a formação da sua convicção sobre a prova ou falta de prova sobre os factos, explicando “por que motivo deu mais crédito a uma testemunha do que a outra, por que motivo deu prevalência a um laudo pericial em detrimento de outro, por que motivo o depoimento de certa testemunha tecnicamente qualificada levou à desconsideração de um relatório pericial ou por que motivo não deu como provado certo facto apesar de o mesmo ser referido em vários depoimentos”[14]. Enfim, o juiz deverá exteriorizar “fundamentos suficientes, para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade da sua convicção sobre o julgamento do facto provado ou não provado”[15]. A obrigação de fundamentação/motivação em sede de julgamento da matéria de facto implica, em suma, que o julgador exteriorize quais os concretos meios de prova que considerou e quais as razões objetivas e racionais pelas quais obtiveram no seu espírito credibilidade, de molde a compreender-se o itinerário cognoscitivo seguido para a consideração de determinado facto como provado ou não provado[16].
E em sede de fundamentação da matéria de direito, o dever de fundamentação impõe que o juiz identifique as normas jurídicas que convocou, a interpretação que fez dessas normas e o modo como as aplicou aos factos que julgou provados e não provados.
O incumprimento do dever de fundamentação de facto e/ou de direito da sentença, despacho ou acórdão, nos termos dos arts. 615º, n.º 1, al. b), 613º, n.º 3 e 666º, n.º 1 do CPC, implica a nulidade daqueles por falta de fundamentação.
Todavia, cumpre enfatizar ser pacífico o entendimento doutrinal e jurisprudencial de que apenas a falta absoluta da indicação dos fundamentos de facto e/ou de direito que justificam a decisão é geradora da nulidade da sentença, acórdão ou despacho, e não apenas a mera deficiência, incompletude, ou incompletude da dita fundamentação[17]. Não deve confundir-se a falta de fundamentação com fundamentação deficiente, medíocre ou errada e menos ainda com fundamentação divergente. “O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afeta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade”. E por “falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto”[18].
Porque assim é, compreende-se que, padecendo o julgamento da matéria de facto do vício da deficiência, no sentido do julgador não ter julgado como provados nem como não provados factos essenciais integrativos da causa de pedir que tenham sido alegados pelo autor na petição inicial ou pelo réu-reconvinte na reconvenção, ou de factos essenciais que tenham sido alegados pelas partes e integrativos das exceções que deduziram, esse vício não determina a nulidade da sentença, acórdão ou despacho, designadamente, por falta de fundamentação ou por omissão de pronúncia, mas antes traduza erro de julgamento da matéria de facto, na vertente de deficiência, o qual terá de ser suprido pelo tribunal da Relação a partir dos elementos de prova que constam do processo e/ou da gravação, conforme o determina o n.º1 do art. 662º do CPC, salvo quanto os mesmos não lho permitam fazer com a necessária segurança, em que, fazendo uso dos poderes de cassação, nos termos da al. c), do n.º 2 daquele art. 662º, terá de anular a sentença e ordenar a baixa do processo à 1ª Instância para que amplie o julgamento da matéria de facto quanto à facticidade essencial em relação à qual não se pronunciou, seguindo-se a prolação de nova sentença. E também se compreenda que sempre que algum facto essencial não estiver devidamente fundamentado, se preveja, na al. d), do n.º 2 do art. 662º, que a Relação deve determinar a baixa dos autos à 1ª Instância para que o fundamente devidamente, tendo em conta os  depoimentos gravados e registados[19].
Na senda do que se vem dizendo, os erros de julgamento da matéria de facto, ainda que na vertente da deficiência e, bem assim, os verificados ao nível da fundamentação/motivação do julgamento da matéria de facto não consubstanciam, em princípio, causa determinativa de nulidade da sentença, acórdão ou despacho, uma vez que se encontram submetidos a um regime de valores negativos – a deficiência, a obscuridade ou a contradição da decisão ou a falta da sua motivação/fundamentação -, a que corresponde um modo diferente de controlo e de impugnação. Não falta, aliás, quem sustente que os erros de julgamento da matéria de facto nunca por nunca constituem causa determinativa de nulidade da sentença, acórdão ou despacho, continuando válida a distinção que na versão anterior à revisão do CPC operada pela Lei n.º 41/2013, de 26/06, se impunha efetuar entre erros de julgamento da matéria de facto e sentença propriamente dita, a qual versava apenas quanto ao julgamento da matéria de direito (mérito)[20]. Todavia, face às alterações introduzidas ao CPC pela Lei n.º 41/2003, em que a decisão sobre a matéria de facto e a respetiva fundamentação/motivação passou a integrar a própria sentença, na senda da doutrina sufragada por Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, entendemos que, se é certo que a deslocação da decisão da matéria de facto e da sua fundamentação/motivação para a própria sentença não afasta a distinção que se impõe realizar entre decisão sobre a matéria de facto e decisão sobre a matéria de direito, nem o regime específico do art. 662º, n.ºs 1 e 2 do CPC a que se encontram subordinados os vícios que afetam o julgamento da matéria de facto, não se pode afirmar que estes, em caso algum, constituam causa determinativa de nulidade da sentença, acórdão ou despacho, dado que poderão assumir foros de gravidade tal que acabem por se reconduzir a um dos tipos de nulidade da própria sentença, acórdão ou despacho do tipo do n.º 1 do art. 615º do CPC, que levem à sua invalidação, como será o caso de uma sentença, acórdão ou despacho em que o juiz tenha omitido totalmente a declaração e a discriminação dos factos que julgou provados, a discriminação dos factos que julgou não provados e/ou a motivação/fundamentação do julgamento da matéria de facto que realizou[21].

Revertendo ao caso dos autos, a 1ª Instância fundamentou a facticidade que julgou provada e não provada nos termos que se seguem:
“O Tribunal formou a sua convicção, para a determinação da matéria de facto dada como provada e não provada, desde logo atendendo ao teor conjugado dos esclarecimentos prestados pelo/a AI, conjugados com o teor dos documentos juntos aos autos, designadamente quer o respetivo parecer quer o relatório (e respetivos anexos) apresentado ao abrigo do art.º 155.º do CIRE; a par ainda das declarações/depoimentos prestados pelos intervenientes, bem como das inquirições das testemunhas auscultadas.

Em concreto:
O AI foi sobejamente esclarecedor nos esclarecimentos que prestou, todos eles suportados pelos extensos elementos documentais juntos aos autos e anexos aos relatório e parecer pelo mesmo apresentados, permitindo a conclusão a que o mesmo chegara na proposta apresentada, qual seja a de que: à data do pedido de declaração insolvência formulado em junho de 2021 (que deu origem ao Processo 1678/21.7T8VCT deste mesmo Juízo e Tribunal) a sociedade apresentava um incumprimento generalizado das suas obrigações, não tendo, por sua iniciativa, como era sua obrigação, reconhecido tal situação, antes persistido no desenvolvimento de atividade deficitária, acumulando responsabilidades junto dos seus Credores; a gerência utilizou no seu próprio benefício e/ou dos sócios meios próprios da sociedade que se poderão considerar materialmente relevantes (cerca de 200 mil euros); a Devedora não manteve a sua contabilidade atualizada não tendo prestado contas dos exercícios de 2020, 2021 e 2022.
Os factos por aquele relatados, resultaram devidamente contextualizados, ainda, pelo teor das declarações da legal representante da credora requerente e pela (única) testemunha inquirida, não tendo, de resto, surtido abaladas pelas declarações de parte do requerido, quer por falta de justificação suficiente quanto ao que era por si mesmo alegado, quer por falta de sustentação em qualquer outro meio de prova. Em particular, procurando, por um lado, defender que a situação financeira da Devedora decorreu, exclusivamente, da situação pandémica originada pela doença Covid-19 e seu agravamento e, por outro, para a mesma terão contribuído ainda as sucessivas resoluções dos diversos contratos de cessão de exploração que precediam o exercício da sua atividade, o certo é que, não só não o demonstrou objetivamente, como tal se não mostraria jamais suficiente para explicar o facto de não ter sido mantida uma contabilidade organizada nem terem sido prestado contas dos exercícios de 2020, 2021 e 2022, nem sequer a situação que ter tardado na assunção da sua efetiva situação financeira, tendo acumulado dívidas que, claramente, resultaram no prejuízo dos credores, em face do já determinado encerramento da insolvência por insuficiência da massa”.

Analisada a motivação do julgamento da matéria de facto acabada de transcrever, trata-se de uma fundamentação em bloco, que incidiu sobre a totalidade da facticidade julgada provada e não provada pela 1ª Instância na sentença recorrida, a qual, pela forma como se encontra estruturada (em bloco) não permite naturalmente a qualquer observador externo apreciar os concretos fundamentos probatórios e o juízo crítico que sobre eles incidiu pelo tribunal a quo, de modo a ter julgado provada e não provada a facticidade que consta em cada um dos pontos do elenco dos factos que julgou provados e não provados (naturalmente, sem prejuízo de ser consentido ao julgador agregar a motivação/fundamentação do julgamento da matéria de facto quanto a vários pontos da facticidade que julgou provada ou não provada na sentença, contanto que incidam sobre a mesma realidade ontológica e assentem nos mesmos meios de prova, o que não é o caso, em que, se existe facticidade que incide efetivamente sobre a mesma realidade ontológica e sobre os mesmos meios de prova, que permitia que essa motivação/fundamentação fosse única - caso, por um lado, da facticidade julgada provada nos pontos 3.1 a 3.5 e 3.8; por outro, a julgada provada nos pontos 3.6 e 3.7; por outro ainda, a vertida nos pontos 3.9 e 3.10, etc., em que a 1ª Instância, por exemplo, podia fundamentar em conjunto a facticidade julgada nos pontos 3.1 a 3.5 e 3.8 -, existem outros que versam sobre realidades ontológicas distintas -  e, como tal, tinha de motivar separadamente a facticidade contida nos pontos 3.6 e 3.7, assim como a dos pontos 3.9 e 3.10, e assim sucessivamente).
 Em relação a cada conjunto de pontos da facticidade julgada provada que versasse sobre a mesma realidade ontológica e em que a prova ou não prova assentasse em meios de prova comuns, impunha-se que se tivesse identificado os concretos elementos de prova, com a respetiva análise crítica, de modo a se apreender o percurso cognitivo seguido pelo julgador a quo, de modo a ter concluído pela prova ou não prova da facticidade constante de cada um desse conjunto de pontos, o que não se fez.
Acresce que, na motivação/fundamentação do julgamento da matéria de facto, a 1ª Instância nada refere quanto aos concretos meios de prova a que se socorreu para ter julgado provada a facticidade constante dos pontos 3.1 a 3.5, 3.8 e 3.12 a 3.15, a qual, apesar de versar sobre matéria cuja prova apenas pode ser feita através de documentos autênticos (certidão da matrícula da devedora, das peças processuais a que neles se faz referência, do despacho em que se determinou o encerramento do PER e da sentença que declarou a devedora insolvente), não a dispensava de, pelo menos, identificar o concreto documento autêntico que presidiu ao julgamento de provado que fez em frente a cada um dos pontos da facticidade que julgou provada com base em tais documentos autênticos.
E quanto à restante facticidade que julgou como provada e não provada e que se encontra sujeita ao princípio geral da livre apreciação da prova, naquela fundamentação/motivação do julgamento da matéria de facto que realizou, para além do seu caráter genérico (em bloco), a 1ª Instância nada refere quanto aos elementos de prova e à análise crítica que deles fez (ou deixou de fazer) de modo a ter julgado provada a facticidade dos pontos 3.7 e 3.9 e 3.11, uma vez que na dita fundamentação que exarou, para além de não especificar quais os concretos “extensos elementos documentais” que corroboram “sobejamente os esclarecimentos” prestados pelo administrador da insolvência, nada diz em relação à dita facticidade, tanto assim que, na motivação/fundamentação em análise limitou-se a concluir que os esclarecimentos prestados pelo administrador da insolvência e os “extensos elementos documentais juntos aos autos e anexos ao relatório e parecer pelo mesmo apresentados”, permitem extrair “a conclusão a que o mesmo chegara na proposta apresentada, qual seja a de que: à data do pedido de declaração insolvência formulado em junho de 2021 (que deu origem ao Processo 1678/21.7T8VCT deste mesmo Juízo e Tribunal) a sociedade apresentava um incumprimento generalizado das suas obrigações, não tendo, por sua iniciativa, como era sua obrigação, reconhecido tal situação, antes persistindo no desenvolvimento de atividade deficitária, acumulando responsabilidades junto dos seus Credores; a gerência utilizou no seu próprio benefício e/ou dos sócios meios próprios da sociedade que se poderão considerar materialmente relevantes (cerca de 200 mil euros); a Devedora não manteve a sua contabilidade atualizada não tendo prestado contas dos exercícios de 2020, 2021 e 2022”, conclusões essas onde não consta a facticidade que julgou provada nos identificados pontos 3.7 e 3.9 e 3.11.
Na fundamentação do julgamento da matéria de facto que exarou na sentença recorrida a 1ª Instância escreve que os esclarecimentos prestados pelo administrador da insolvência, suportados pelos extensos elementos documentais juntos aos autos e anexos aos relatórios e pareceres pelo mesmo apresentados, permitem extrair a conclusão a que o mesmo chegara na proposta apresentada de que a devedora “não manteve a sua contabilidade organizada”, mas, salvo o devido respeito, a dita facticidade não foi levada ao elenco dos factos provados, apesar de ter sido alegada pelo administrador no parecer a que alude o art. 188º, n.º 6 do CIRE, junto aos autos em 28/12/2020, em que alegou: quanto às contas do exercício do ano de 2020, que “não foi disponibilizada informação/documentação, com exceção de extratos de algumas contas; (…); na altura as contas não foram aprovadas pela gerência; (…) não foi apresentada declaração Modelo 22/IRC”; quanto ao exercício do ano de 2021, que “o balancete analítico do ano de 2021 não contempla o mês de dezembro, por falta de documentação, (…)”, por não ter sido entregue a faturação desse mês ao contabilista pela devedora e, bem assim que a devedora “não manteve a sua contabilidade atualizada nos exercícios de 2020, 2021 e 2022”, apesar dessa concreta facticidade, caso venha a ser julgada provada, poder preencher a ficção legal (segundo outros, presunção inilidível) de insolvência culposa da al. h) do n.º 2 do art. 186º do CIRE, tratando-se, por isso, de matéria de facto com natureza essencial.
Em suma, o caráter absolutamente genérico da fundamentação/motivação do julgamento da matéria constante da sentença recorrida, decorrente daquela fundamentação ter sido feita em bloco (quando versa sobre realidades ontologicamente distintas), e de nela se remeter genericamente para o “teor dos esclarecimentos prestados pelo/a AI, conjugados com o teor dos documentos juntos aos autos” e, bem assim, se dizer que os esclarecimentos por ele prestados “são suportados pelos extensos elementos documentais juntos aos autos e anexos aos relatórios e parecer pelo mesmo apresentados”, sem se cuidar em concretizar quais foram os concretos esclarecimentos por ele prestados a que se reporta o julgador a quo e, bem assim, quais os concretos elementos documentais, designadamente, passagens, que corroboram esses esclarecimentos prestados pelo administrador da insolvência, e sem que nela se tivesse feito  uma análise minimamente crítica desses esclarecimentos e documentos, de modo a tornar viável o conhecimento sobre qual o concreto percurso cognitivo que a partir deles o julgador fez (ou deixou de fazer), de modo que a que tivesse concluído que as passagens dos ditos documentos (não especificados, nem as respetivas passagens) a que se reporta corroboram os concretos esclarecimentos prestados pelo administrador da insolvência a que alude (também eles não especificados), afastam a prova produzida em sentido contrário, e antes levam a que tivesse julgado provada a facticidade que julgou provada por ser a que, perante as regras da experiência comum, da lógica ou  da ciência, merece a corroboração prevalecente. Inclusivamente, na escassa especificação dos factos que afirma terem resultado provados face aos esclarecimentos prestados pelo administrador e atento o teor dos elementos documentais a que alude (mas que não concretiza), essa facticidade que especificou nem sequer abrange a totalidade da facticidade que julgou provada no elenco da facticidade que julgou provada na sentença. E na dita motivação/fundamentação conclui-se pela prova de determinada facticidade (que, conforme demonstrado, foi alegada e tem natureza essencial), mas que depois não se cuidou em levar ao elenco dos factos julgados provados na sentença.
Tudo o que se acaba de referir, por razões óbvias, não permite a qualquer observador externo, incluindo, ao recorrente e a esta Relação identificar quais os concretos elementos de prova e as concretas razões em que assentou a facticidade julgada provada e não provada na sentença recorrida.
A propósito da impugnação em bloco do julgamento da matéria de facto por parte do recorrente, é pacífico o entendimento jurisprudencial que, sem prejuízo de poder impugnar em conjunto (em bloco) a facticidade a que se refere a mesma realidade ontológica e quando os concretos meios de prova por ele indicados sejam comuns, fora dessa situação, a impugnação do julgamento da matéria de facto em bloco por parte do recorrente não cumpre o ónus impugnatório primário da al. b) do n.º 1 do art. 640º do CPC, impondo-se a imediata rejeição dessa impugnação[22].
Ora, o entendimento que se acaba de expor, que tem sido seguido pelo STJ a propósito dos ónus impugnatórios do julgamento da matéria de facto que impendem sobre o recorrente, salvo o devido respeito por entendimento contrário são, por maioria de razão, integralmente transponíveis para a motivação/fundamentação do julgamento da matéria de facto a realizar pelo julgador, até porque, entendimento contrário, além de ser violador do princípio constitucional da igualdade, tutelado no art. 13º (ao impor ao recorrente o cumprimento de determinados ónus, em sede de impugnação do julgamento da matéria de facto, sob pena dessa impugnação ser liminarmente rejeitada, que não seriam aplicáveis ao julgador em sede de fundamentação do julgamento da matéria de facto que realizou, quando, inclusivamente, atento os propósitos acima já enunciados prosseguidos pela fundamentação, a exigência do cumprimento daqueles ónus impugnatórios por parte deste, em sede de motivação/fundamentação do julgamento da matéria de facto que realizou devem ser acrescidos), e o direito à tutela jurisdicional efetiva, do art. 20º, ambos da CRP, ao não lhe dar a conhecer os concretos elementos de prova, nem o percurso racional que a partir deles foi efetuado pelo julgador, por forma a ter julgado determinada facticidade como provada ou não provada, impedindo-o de os poder sindicar e, desde logo, de cumprir o ónus impugnatório primário da al. b) do n.º 1 do ar. 640º no caso de recurso.
Resulta do que se vem dizendo que, o caráter genérico (em bloco) da fundamentação/motivação do julgamento da matéria de facto expendido pela Meritíssima Senhora Juíza a quo na sentença recorrida, aliado aos demais vícios que acima se apontaram de que enferma, não permite apreender quais os concretos elementos de prova em que assentou a sua convicção, nem o percurso racional por ela seguida de modo a ter julgado provada e não provada a facticidade que consta do elenco dos factos que julgou provados e não provados naquela, de modo que, nesse contexto, está-se perante uma situação em que ocorre, total e absoluta ausência de fundamentação/motivação do julgamento da matéria de facto que realizou, o que, nos termos da al. b) do n.º 1 do art 615º do CPC, determina a nulidade da própria sentença por falta de fundamentação/motivação do julgamento da matéria de facto, impondo-se determinar a baixa do processo à 1ª Instância para que fundamente devidamente o julgamento da matéria de facto que realizou de acordo com os parâmetros que acima se deixaram enunciados.
Passando ao julgamento da matéria de direito, compulsada a sentença recorrida, verifica-se que nela, ao longo de mais de onze páginas, expenderam-se considerações doutrinárias e jurisprudenciais sobre o conceito de “insolvência culposa”, requisitos legais exigidos para que se possa concluir pelo preenchimento desse conceito, diversidade de regimes jurídicos que constam das várias alíneas do n.º 2 do art. 188º (presunções inilidíveis de insolvência culposa, apontando-se doutrina e jurisprudência que considera que nas alíneas h) e i) se trata antes de verdadeiras ficções legais de insolvência culposa) comparativamente às duas alíneas do n.º 3 do mesmo preceito (anunciando-se estar-se nelas na presença de meras presunções ilidíveis de culpa grave, que não dispensa a prova do nexo causal entre as situações nelas descritas e a criação ou o agravamento do estado  de insolvência do devedor para que se possa concluir que a insolvência é culposa, e identificou-se pertinente jurisprudência) e, após analisou-se, jurisprudencial e doutrinariamente, as alíneas b), d) e f) do n.º 2 e alíneas a) e b) do n.º 3 do art. 188º do CIRE, que, segundo a requerente EMP02..., Lda. (no requerimento em que solicitou a qualificação da insolvência da devedora como culposa e o recorrente – entre outros – fosse afetado por essa qualificação), o administrador da insolvência e o Ministério Público (nos pareceres que emanaram nos termos dos n.ºs 6 e 7 do art. 188º do CIRE) pretenderam encontrarem-se preenchidas.

Acontece que, após assim se ter expendido, doutrinária e jurisprudencialmente, ou seja, teoricamente e em abstrato, passando à subsunção dessas considerações teóricas à concreta facticidade julgada provada na sentença, nela escreveu-se:

Concretizando, com o elenco dos factos provados da sentença recorrida – de acordo com os quais, em suma, à data do pedido de declaração insolvência formulado em junho de 2021 (que deu origem ao Processo 1678/21.7T8VCT deste mesmo Juízo e Tribunal) a sociedade apresentava um incumprimento generalizado das suas obrigações, não tendo, por sua iniciativa, como era sua obrigação, reconhecido tal situação, antes persistido no desenvolvimento de atividade deficitária, acumulando responsabilidades junto dos seus Credores; a gerência utilizou no seu próprio benefício e/ou dos sócios meios próprios da sociedade que se poderão considerar materialmente relevantes (cerca de 200 mil euros); a Devedora não manteve a sua contabilidade atualizada não tendo prestado contas dos exercícios de 2020, 2021 e 2022 – mostram-se preenchidas a als. b), d) e f) do n.º 2 e a) e b) do n.º 3, do art.º 186.º, do CIRE, presumindo-se a culpa grave do Requerido gerente na violação destes concretos deveres (que lhe estavam cometidos, enquanto gerente da Insolvente); servindo ainda para qualificar a insolvência, uma vez que ficou demonstrado o exigido para o efeito no n.º 1, do mesmo preceito (a “insolvência é culposa quando a situação tiver sido criada ou agravada em consequência da atuação, dolosa ou com culpa grave, do devedor, ou dos seus administradores, de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência”).
Do exposto, conclui-se que a insolvência de EMP01..., Lda. é culposa, devendo ser afetado pela qualificação da insolvência o respetivo gerente AA”.---
Ou seja, mais uma vez, em bloco, sem se ter o cuidado, como lhe era legalmente imposto pelo n.º 2 do art. 607º do CPC, de subsumir a concreta facticidade julgada provada aos requisitos legais exigidos por cada uma das enunciadas alíneas b), d) e f) do n.º 2 e alíneas a) e b) do n.º 3 do art. 188º que entendeu encontrarem-se preenchidas, conclui-se, perante os factos julgados que especificou em conjunto que preenchiam a totalidade daquelas alíneas.
Ao assim se proceder, é apodítico que a 1ª Instância não operou a subsunção jurídica dos factos julgados provados que identificou aos requisitos legais exigidos pela norma contida em cada uma das identificadas alíneas que considerou encontrarem-se preenchidas, desconhecendo-se, por isso, de entre os factos que elencou, os que concretamente preenchem a estatuição de cada uma daquelas alíneas, o que, salvo o devido respeito, determina que o julgamento da matéria de direito que realizou padeça do vício de nulidade da al. b), do n.º 1 do art. 615º do CPC, por a sentença proferida ser, total e absolutamente, destituída de fundamentação de direito, impondo-se a sua anulação para que a 1ª Instância proceda ao enquadramento da concreta facticidade que julgou provada aos requisitos legais contidos em cada uma das alíneas do art. 188º, n.ºs 2 e 3 que diz encontrarem-se preenchidas e cujo enquadramento jurídico tratou profusamente, do ponto de vista doutrinário e jurisprudencial, ou seja, em suma, teoricamente, abstendo-se de o fazer em concreto.
Decorre do exposto que, na procedência do fundamento de recurso acabado de analisar, impõe-se declarar a nulidade da sentença recorrida, por total e absoluta falta de fundamentação de facto e de direito (art. 615º, n.º 1, al. b) do CPC), impondo-se determinar a baixa do processo à 1ª Instância para que, em sede de julgamento da matéria de facto, fundamente/motive o julgamento da matéria de facto que realizou de acordo com os parâmetros que acima se deixaram enunciados, e para que, em sede de julgamento da matéria de direito,  proceda ao enquadramento da facticidade que julgou provada aos requisitos legais contidos em cada uma das alíneas do art. 188º, n.ºs 1 e 2, que refere encontrarem-se preenchidos, o que se decide.
*
A anulação da sentença recorrida acabada de decidir não tem como efeito invariável a remessa do processo à 1ª Instância para que profira nova sentença sem os vícios da falta da fundamentação/motivação do julgamento da matéria de facto e de direito de que enferma.
Com efeito, por um lado, cumpre ao tribunal ad quem suprir o vício da nulidade de que enferma a sentença, exceto quando não disponha de elementos necessários que o permitam fazer (como é o caso, em que se acabou de anular a sentença recorrida, por enfermar de, total e absoluta, falta de motivação/fundamentação do julgamento da matéria de facto e do julgamento da matéria de direito nelas realizados e, em consequência, se ordenou a baixa do processo à 1ª Instância para que motive/fundamente esses julgamentos, o que naturalmente inviabiliza que se possa suprir o vício da nulidade por falta de fundamentação do julgamento da matéria de direito que naquela foi realizado, por inexistência, por ora, de uma plataforma sólida de facto para a integração jurídica do caso). Por outro, nos termos do n.º 1 do art. 665º do CPC, ainda que declare nula a decisão que ponha termo ao processo, cumpre ao tribunal de recurso conhecer do restante objeto do recurso[23].
Ora, assacando o recorrente à sentença recorrido o vício da nulidade por omissão de pronúncia, por nela não se ter julgado provada, nem como não provada facticidade que alegou na oposição/contestação, não estando a apreciação desse fundamento de recurso dependente da anulação da sentença recorrida acima determinada, nem do cumprimento pela 1ª Instância do que, nessa sequência, se lhe determinou, cumpre apreciar o identificado fundamento de recurso.

D- Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia – erro de julgamento da matéria de facto na vertente de deficiência

O recorrente imputa à sentença o vício de nulidade por omissão de pronúncia, da al. d) do n.º 1 do art. 615º do CPC, decorrente de nela não ter sido feita qualquer alusão (no sentido de não terem sido julgados provados, nem não provados) aos factos que alegou nos itens 2º, 3º,5º,6º,8º,9º,10º,11º,12º,13º, 14º, 15º,16º,17º, 18º,19º,20º, 21º,22º,23º, 24º,25º,26º, 27º,28º,29º, 30º,31º,32º, 33º, 34º, 36º,37º,38º, 39º,40º,41º, 42º,43º,44º, 45º,47º,50º, 55º,57º,58º, 62º,63º,64º, 65º, 66º,69º,70º,71ºe72º na oposição/contestação.
Ao assim expender, o recorrente incorre em dois equívocos: primo - confunde causas determinativas de nulidade da sentença, nomeadamente, por omissão de pronúncia, com erro de julgamento da matéria de facto na vertente da deficiência; secundo – parte da premissa errónea de que na sentença o julgador tem de se pronunciar sobre toda a facticidade que foi alegada pelas partes, julgando-a provada ou não provada.
Explicitando o primeiro equívoco, conforme é entendimento pacífico e consolidado na doutrina e na jurisprudência, as decisões judiciais proferidas pelos tribunais no exercício da sua função jurisdicional podem ser viciadas por duas causas distintas, obstando qualquer delas à sua eficácia ou validade: a) por se ter errado no julgamento da matéria de facto e/ou no  julgamento da matéria de direito, sendo então a respetiva consequência a sua revogação ou alteração pelo tribunal de recurso; e b) como atos jurisdicionais que são, por se ter violado as regras próprias da sua elaboração e/ou estruturação, ou as que balizam o conteúdo e/ou os limites do poder à sombra do qual são decretadas, sendo então passíveis de nulidade, nos termos do disposto no art. 615.º do CPC[24].
As causas determinativas de nulidade das decisões judiciais (sentença, acórdão ou despacho), conforme atrás se referiu mas aqui se reitera, encontram-se enunciadas, de modo taxativo, no n.º 1 do art. 615º; e, conforme decorre das diversas alíneas dessa norma, trata-se de vícios formais ou de conteúdo, que decorrem da circunstância de o tribunal na sua elaboração e/ou na estruturação não ter respeitado as normas processuais que regulam o modo como os devia ter elaborado ou estruturado ou por ter infringido/desrespeitado as normas adjetivas que delimitavam o seu campo de cognição e de decisão. Precisando, o campo de cognição e de decisão do tribunal fixado pelas partes e de que era lícito conhecer oficiosamente não foi respeitado, ficando a sentença, acórdão ou despacho aquém ou indo além desse campo de cognição, em termos de fundamentos/causa de pedir (incorrendo o julgador no vício da nulidade por omissão e excesso de pronúncia, respetivamente), e/ou de pretensão/pedido (incorrendo em nulidade por condenação ultra petitum). Trata-se, portanto, de defeitos de atividade ou de construção da própria sentença, acórdão ou despacho em si mesmos considerados, ou seja, vícios formais ou de conteúdo que os afetam per se e/ou os limites à sombra dos quais são proferidos[25].
Diferentes das causa determinativas de nulidade da sentença, acórdão ou despacho são os erros de julgamento (error in judicando), os quais contendem com desvios em que incorreu o julgador quanto à realidade factual ou jurídica que neles considerou como provada ou não provada (error facti); e/ou por ter incorrido em erro na identificação das normas aplicáveis à relação jurídica material controvertida submetida pelas partes à sua apreciação e decisão, na interpretação que fez dessas normas e/ou quanto ao modo como as aplicou à facticidade que julgou provada e não provada (error juris). Nos erros de julgamento assiste-se, assim, ou a uma deficiente análise crítica da prova produzida e/ou a uma deficiente enunciação, interpretação e/ou aplicação das normas jurídicas aplicáveis aos factos julgados provados e não provados. Trata-se de erros que já não respeitam ao modo como a sentença, acórdão ou despacho foram elaborados e/ou estruturados, nem contendem com os limites da decisão neles proferida em termos de fundamentos ou de pedido, mas que se relacionam com o mérito da decisão proferida, decorrente de o juiz ter errado na apreciação da prova, com o que acabou por proferir uma decisão desconforme à realidade ontológica e/ou por ter errado na aplicação do direito, acabando por proferir uma decisão desconforme com a realidade normativa[26].
A nulidade da sentença, acórdão ou despacho por omissão ou excesso de pronúncia da al. d) do n.º 1 do art. 615º do CPC relaciona-se com o disposto no art. 608º, n.º 2 do mesmo diploma, onde se impõe ao juiz o ónus de resolver na sentença, acórdão ou despacho todas as questões que as partes lhe tenham submetido, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras questões, e que lhe veda a possibilidade de conhecer questões não suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
Com efeito, devendo o tribunal conhecer de todas as questões que lhe são submetidas (isto é, de todos os pedidos deduzidos pelo autor ou pelo réu-reconvinte, com fundamento em todas as causas de pedir que por eles foram invocados na petição inicial ou na reconvenção para ancorar esses pedidos e, bem assim, de todas as exceções ou contra exceções invocadas pelas partes com vista a obstar que o tribunal possa entrar no conhecimento do mérito da causa ou a impedir, modificar ou extinguir o direito invocado pela sua contraparte, ou que sejam de conhecimento oficioso), o não conhecimento de pedido com fundamento em causa de pedir, de exceção ou contra exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão constitui nulidade por omissão de pronúncia[27]. Inversamente, o conhecimento de pedido com fundamento em causa de pedir, exceção ou contra exceção não invocadas pelas partes e de que não era lícito ao tribunal conhecer oficiosamente, configura nulidade por excesso de pronúncia.
Acresce precisar que, como já alertava Alberto dos Reis[28], impõe-se distinguir entre “questões” e “razões ou argumentos”: “(…) uma coisa é o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar, outra invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção (…). São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer a questão de que devia conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar as suas pretensões”. Apenas a não pronúncia pelo tribunal quanto a questões que lhe são submetidas pelas partes determina a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, mas já não a falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões[29]. E “questões” são os núcleos fáctico-jurídicos essenciais, centrais, nucleares, relevantes ou importantes, submetidos pelas partes ao escrutínio do tribunal para dirimir a controvérsia entre elas existentes e cuja resolução lhe submetem (atentos os sujeitos, pedidos, causas de pedir, exceções e contra exceções por elas deduzidas) ou que sejam do conhecimento oficioso, e não os simples argumentos, opiniões, motivos, razões, pareceres ou doutrinas expendidos no esgrimir das teses em confronto[30]. «Questões» são, pois, os fundamentos (causa de pedir, exceções e contra exceções) invocados pelas partes (v.g., se o contrato padece do vício de nulidade que o autor lhe imputa e de onde faz derivar a pretensão de ver o réu condenado a restituir-lhe o bem que, na execução desse contrato, lhe entregou; se o autor adquiriu aquele bem por escritura de compra e venda, doação, etc., conforme alega acontecer e em que funda a sua pretensão de reivindicação do dito prédio do réu; se esses contratos alegados pelo autor padecem dos vícios na formação ou na transmissão da vontade invocados pelo réu na contestação, conforme foi por ele alegado nesta, ou se é detentor de um contrato de arrendamento que lhe confira o direito a manter o gozo sobre o prédio reivindicado, conforme alegou na contestação, etc.).
Destarte, a circunstância de na sentença, acórdão ou despacho o tribunal não ter julgado provados e não provados factos que foram alegados pelas partes não configura causa determinativa de nulidade dos mesmos por omissão de pronúncia.
Com efeito, «factos» são “as ocorrências concretas da via real e o estado, a qualidade ou situação real das pessoas e das coisas, nele se compreendendo não só os acontecimentos do mundo exterior diretamente captáveis pelas perceções (pelos sentidos) do homem, mas também os eventos do foro interno da via psíquica, sensorial ou emocional do indivíduo”[31], não se confundindo, por isso, com as «questões» que as partes submeteram à decisão de tribunal, as quais se reconduzem ao conhecimento de todos os pedidos que foram formulados pelo autor na petição inicial ou pelo réu-reconvinte na reconvenção, respetivamente, com fundamento em todas as causas de pedir que nelas invocaram para os alicerçar e, bem assim o conhecimento de todas as exceções que foram alegadas pelas partes ou que sejam de conhecimento oficioso, que impeçam o tribunal de entrar no conhecimento do mérito (exceções dilatórias) ou que impeçam, modifiquem ou extingam o efeito jurídico dos factos articulados pelo autor ou pelo réu-reconvinte (exceções perentórias). Os «factos» são, por conseguinte, as realidades da vida em função de cuja prova ou não prova serão decididas pelo juiz as «questões» que as partes submeteram à sua decisão ou que sejam de conhecimento oficioso. Por isso, quando as partes alegam determinado facto e o julgador não o julga provado, nem não provado na sentença (acórdão ou despacho), no caso desse facto ter natureza essencial, por ser constitutivo da causa de pedir  alegada pelo autor na petição ou pelo réu-reconvinte na reconvenção ou das exceções invocadas pelas partes, não incorre em nulidade por omissão de pronúncia, na medida em que, ao assim proceder, não omitiu pronúncia sobre qualquer «questão» (conhecimento de todos os pedidos, com base em todas as causas de pedir e em todas as exceções que foram invocadas pelas partes ou que sejam de conhecimento oficioso),  mas limitou-se a errar no julgamento da matéria de facto que realizou ao não ter julgado como provado, nem como não provado a dita facticidade alegada pelas partes, apesar da sua natureza essencial, o que se reconduz a erro de julgamento na vertente de deficiência.
O erro de julgamento da matéria de facto na vertente de deficiência, conforme antedito, é de conhecimento oficioso do tribunal ad quem, a quem, fazendo uso dos seus poderes de substituição (art. 662º, n.º 1 do CPC), cumpre supri-lo a partir dos elementos de prova constantes do processo e da gravação, salvo quando não o permitam fazer com a necessária segurança; situação em que terá, fazendo uso dos seus poderes de cassação, de anular a sentença recorrida e ordenar a ampliação do julgamento de matéria de facto quanto a essa concreta facticidade (art. 662º, n.º 2, al. c) do CPC).
Passando à apreciação do segundo equívoco em que incorreu o recorrente, diversamente do que por ele vem propugnado, na sentença, acórdão ou despacho, o juiz não tem de se pronunciar sobre todos os factos que foram alegados pelas partes (julgando-a provada ou não provada), mas, conforme resulta da conjugação do disposto nos arts. 5º, n.ºs 1, 552º, n.º 1, al. d), 572º, al. c), 587º, n.º 2, 3º, n.º 4 e 607º, n.º 4, do CPC, ao elenco dos factos provados e não provados constantes da sentença apenas tem de levar: os factos essenciais constitutivos da causa de pedir invocada pelo autor na petição inicial ou pelo réu-reconvinte na reconvenção e, bem assim das exceções que tenham sido invocadas pelas partes, desde que esses factos essenciais tenham sido alegados; os factos complementares/concretizadores dos essenciais (em relação aos quais não existe o ónus de alegação dos mesmos pelas partes) que resultem da instrução da causa, desde que as partes tenham tido a possibilidade de se pronunciar quanto aos mesmos em audiência contraditória (art. 5º, n.º 2, al. b) do CPC). Os factos instrumentais que, independentemente da sua alegação pelas partes, tenham resultado da instrução da causa (arts. 5º, n.º 2, al. a) e 572º, n.º 2, parte final, do CPC), na medida em que exercem uma função puramente probatória, ao indiciarem a prova dos factos essenciais e/ou dos complementares/concretizadores, não devem ser levados ao elenco dos factos provados ou não provados na sentença (acórdão ou despacho), mas sim à fundamentação/motivação do julgamento da matéria de facto neles realizado (art. 607º, n.º 4 – “Na fundamentação da sentença (…), analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais …”). Em suma, não é certa a alegação do recorrente de que o tribunal tem de na sentença de se pronunciar sobre toda a facticidade que alegou (julgando-a provada ou não provada) nos itens da contestação/oposição que identifica, na medida em que apenas assim será se essa facticidade for essencial de exceção ou exceções que tenha invocado naquele articulado.
Decorre do excurso antecedente, improceder a nulidade por alegada omissão de pronúncia que o recorrente assaca à sentença recorrida decorrente de nela não se ter julgado provada, nem não provada a facticidade que por ele foi alegada nos itens 2º, 3º,5º,6º,8º,9º,10º,11º,12º,13º, 14º, 15º,16º,17º, 18º,19º,20º, 21º,22º,23º, 24º,25º,26º, 27º,28º,29º, 30º,31º,32º, 33º, 34º, 36º,37º,38º, 39º,40º,41º, 42º,43º,44º, 45º,47º,50º, 55º,57º,58º, 62º,63º,64º, 65º, 66º,69º,70º,71ºe72º da oposição/contestação.
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Conforme antedito, a conterem os itens acabados de referir factos essenciais integrativos de exceção ou exceções que tenham sido alegas pelo recorrente na oposição/contestação e a não ter a 1ª Instância julgado esses factos como provados, nem como não provados na sentença recorrida, incorreu em erro de julgamento da matéria de facto, na vertente de deficiência, erro esse que é do conhecimento oficioso do tribunal ad quem, pelo que se impõe: primeiro – verificar se naqueles itens se encontram alegados factos essenciais integrativos de exceções que tenham sido invocados pelo recorrente na oposição/contestação; segundo – no caso positivo, se o tribunal a quo não julgou esses factos como provados ou não provados na sentença recorrida.
Nos itens 2º e 3º da oposição/contestação não vem alegada qualquer facticidade essencial de exceção que tenha sido invocada pelo recorrente, pelo que essa facticidade não tinha se ser levada ao elenco dos factos julgados provados ou não provados na sentença. 
Nos itens 5º, 6º, 8º, 9º, 10º, 11º, 12º, 13º, 14º, 15º, 16º, 17º, 18º, 19º, 20º, 21º, 22º, 23º, 24º, 25º, 26º, 27º, 28º, 29º, 30º, 31º, 32º, 33º, 34º, 36º, 37º, 38º, 39º, 40º, 41º, 42º, 43º, 44º, 45º e 47º da oposição/contestação o recorrente alega, por um lado, que, aquando da apresentação da devedora, EMP01..., Lda., a PER, esta não se encontrava em incumprimento generalizado das obrigações que tinha para com os seus credores (a isto se reconduz o conceito jurídico de “insolvência”), “mantendo-se em atividade e mostrava ser uma empresa viável apesar das contingências decorrentes da doença da Covid”, ficando apenas impossibilitada de exercer as suas funções e de cumprir com os seus compromissos para com os seus credores devido aos comportamentos que descreve nos apontados  itens tidos pelos credores EMP02... e EMP06..., Lda., ou seja, matéria de pura impugnação, a qual, como tal, não tinha (nem tem) de ser levada ao elenco dos factos provados. Por outro lado, alega que a situação financeira deficitária da devedora decorreu exclusivamente da pandemia e das dívidas geradas pela resolução unilateral dos contratos de cessão de exploração levadas a cabo pelas credoras EMP02..., Lda e EMP06..., Lda., esta sim matéria de exceção, a qual foi julgada não provada nas als. a), b) e e) do elenco dos factos julgados não provados na sentença.
No item 50º, o recorrente alega que “a subscrição do aumento do capital social, mencionado no parecer do AI, foi integralmente realizado pelos sócios. Logo, matéria de pura impugnação, valendo as considerações acima já tecidas.
No item 55º, alega que a aplicação financeira realizada em setembro de 2019, no valor de 10.000,00 euros, foi realizada “em momento em que a devedora apresentou lucros e visou a obtenção de ganhos de capital”. Salvo o devido respeito, trata-se de facticidade que, de acordo com as várias soluções plausíveis da questão de direito, mostra-se totalmente irrelevante para a questão decidenda nos presentes autos, atento o objeto social da devedora. Aliás, a propósito dessa concreta facticidade, a 1ª Instância julgou-a como não provada na alínea f), o que nem o tinha de fazer dada a sua irrelevância para a questão decidenda.
Nos itens 57º, 58º, 62º, 63º, 64º, 65º e 66º o recorrente alega matéria de pura impugnação, a propósito da qual valem as considerações já referidas, sendo certo que a 1ª Instância julgou como não provada a dita facticidade nas alíneas e) e f). 
E nos itens 69º a 72º o recorrente alega matéria fáctica que, de acordo com as várias soluções plausíveis de direito, mostra-se totalmente irrelevante para a questão a decidir no presente incidente de qualificação, onde o que releva é determinar quando a devedora ficou insolvente, as causas dessa insolvência e o contributo da conduta do recorrente para a criação ou o agravamento desse estado e o apuramento da verificação dos factos base das presunções contidas no art. 188º, n.ºs 2 e 3 do CIRE.
Decorre do exposto, não se verificar o vício da deficiência do julgamento da matéria de facto quanto aos itens apontados pelo recorrente.

E- Da ampliação do julgamento da matéria de facto – art. 664º, n.º 2, al. c) do CPC

No parecer a que alude o art. 188º, n.º 6 do CIRE, junto aos autos em 28/12/2020, o administrador da insolvência alegou:

Quanto às contas do exercício do ano de 2020, que:

1- Não foi disponibilizada ao administrador da insolvência informação/documentação, com exceção de extratos de algumas contas. 
2- As contas do exercício da devedora do ano de 2020 não foram aprovadas pela gerência desta.
3- Não foi apresentada declaração Modelo 22/IRC relativo ao exercício da devedora do ano de 2020.
Quanto ao exercício do ano de 2021, o administrador da insolvência alegou:
4- O balancete analítico do exercício do ano de 2021 não contempla o mês de dezembro de 2021, por não ter sido entregue a faturação desse mês ao contabilista da devedora.
Mais alegou que:
5- A devedora não manteve a sua contabilidade atualizada nos exercícios de 2020, 2021 e 2022.

A facticidade acabada de referir, apesar de ter sido alegada pelo administrador no parecer a que alude o n.º 6 do art. 188º do CIRE e se tratar de factos essenciais (posto que, no caso de vir a ser provada, é suscetível de preencher a previsão da al. h), do n.º 2, do art. 188º do CIRE), não consta dos temas da prova, nem do elenco dos factos julgados provados e não provados na sentença recorrida.
Impõe-se, em consequência, ordenar a ampliação do julgamento da matéria de facto quanto à referida facticidade.
 No que respeita à facticidade julgada provada no ponto 18º na sentença, impõe-se que, que, fazendo uso dos seus poderes inquisitoriais (art. 11º do CIRE), a 1ª Instância apure:
6- Os concretos contratos que foram celebrados pela devedora após junho de 2021, identificando a data da sua celebração, com quem foram celebrados, respetivo objeto e encargos que deles decorreram para a devedora (preço).
Quanto à facticidade julgada provada no ponto 20º na sentença, ordena-se que, fazendo uso dos poderes inquisitoriais, a 1ª Instância apure:
7- Em nome de quem (devedora, gerente, terceiro?) foi subscrito o fundo de investimento em que foi aplicada a quantia de 10.000,00 euros;
Quanto à facticidade julgada provada no ponto 21º, fazendo uso dos mesmos poderes:
8- Apure os concretos contratos que foram celebrados pela devedora com a sociedade EMP12... SL (EMP05...) após junho de 2021, identificando a data da sua celebração, respetivo objeto e encargos que deles decorreram para a devedora (preço).
E quanto à facticidade julgada provada no ponto 24º, determina-se, fazendo uso dos mencionados poderes inquisitoriais que lhe assistem, apure que:
9- As concretas dívidas em que a devedora se constituiu após junho de 2021, junto da Segurança Social e da Autoridade Social, respetiva causa (contribuições não pagas, IRC, IRS, juros, etc.?) e montantes.
A repetição do julgamento do julgamento apenas terá por objeto a facticidade supra indicada em 1 a 9 em relação à qual se ordena a ampliação do julgamento da matéria de facto, não abrangendo a facticidade julgada provada e não provada na sentença recorrida, sem prejuízo da apreciação de outros pontos da matéria de facto, com o fim de evitar contradições (al. c), do n.º 3, do art. 662º do CPC).
Decorre do supra expendido impor-se concluir pela parcial procedência do presente recurso e, em consequência, anula-se a sentença recorrida, por total e absoluta falta de fundamentação/motivação do julgamento da matéria de facto e do julgamento da matéria de  direito que nela foram realizados, e ordena-se a ampliação do julgamento da matéria de facto à facticidade supra identificada em 1 a 9 (destacada a preto), determinando-se que, após realização das diligências instrutórias necessárias ao apuramento da facticidade acima identificada, observância do princípio do contraditório quanto à prova documental que, nessa sequência, venha a ser junta aos autos, e notificação da requerente, EMP02..., Lda., administrador da insolvência, Ministério Público, devedora EMP13..., Lda. e  recorrente AA, para que identifiquem a prova pessoal que pretendem produzir quanto à matéria de facto cuja ampliação se determina, se repita o julgamento (que apenas abrangerá a facticidade em relação à qual se ordenou a dita ampliação, sem prejuízo de outros pontos da matéria de facto, com o fim de evitar contradições), seja proferida nova sentença em que se fundamente/motive o julgamento da matéria de facto e o julgamento da matéria de direito de acordo com os parâmetros acima enunciados.

F- Das custas
Nos termos do art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC, a decisão que julgue o recurso condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento, quem do processo tirou proveito. Entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
No presente recurso o recorrente, AA, obteve parcial provimento no recurso que interpôs, fixando-se o seu decaimento em 50%, pelo que as custas do presente recurso recaem sobre o mesmo na proporção de 50%.
Quanto à parte das custas do recurso em que decaiu o Ministério Público, não se condena este em custas dado que apresentou as contra-alegações, em que pugnou pela improcedência do recurso, nos termos do disposto nos arts. 3º, n.º 1, al. l) do E.M.J, 24º e 334º do CPC, e 188º, n.º 6 do CIRE, estando, por via disso, nos termos do art. 4º, n.º 1, al. a) do RCP, delas isento.
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V- Decisão

Nesta conformidade, os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam em julgar o recurso parcialmente procedente e, em consequência:

I- Anulam a sentença recorrida, por total e absoluta falta de fundamentação/motivação do julgamento da matéria de facto e do julgamento da matéria de direito que nela foram realizados;
II- Ordenam a ampliação do julgamento da matéria de facto à facticidade supra identificada em 1 a 9 (destacada a preto);
III- Determinam que, após realização das diligências instrutórias necessárias ao apuramento da facticidade acima identificada (em relação à qual se ordena a ampliação do julgamento da matéria de facto), observação do princípio do contraditório quanto à prova documental que, nessa sequência, venha a ser junta aos autos, se notifique a requerente, EMP02..., Lda., o administrador da insolvência, o Ministério Público, a devedora EMP01..., Lda., e o recorrente AA para que identifiquem a prova pessoal que pretendem produzir quanto à matéria de facto cuja ampliação se determinou;
IV- Determinam que, após, se repita o julgamento (o qual apenas abrangerá a facticidade em relação à qual se ordenou a dita ampliação do julgamento da matéria de facto, sem prejuízo de outros pontos da matéria de facto, com o fim de evitar contradições);
V- Após seja proferida nova sentença em que se fundamente/motive o julgamento da matéria de facto e o julgamento da matéria de direito de acordo com os parâmetros acima enunciados.
VI- Julgam o recurso, no mais (quanto às questões supra apreciadas, que se julgaram improcedentes), improcedente.
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Custas do recurso pelo recorrente, AA, na proporção do respetivo decaimento, que se fixa em 50%, não se condenando o Ministério Público nas custas do recurso na parte em que decaiu, dado que delas se encontra isento.
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Notifique.
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Guimarães, 05 de junho de 2025

José Alberto Moreira Dias – Relator
Maria Gorete Morais – 1ª Adjunta
Gonçalo Oliveira Magalhães – 2º Adjunto (corrigido).


[1] Ferreira de Almeida, “Direito Processual Civil”, vol. II, 2015, Almedina, págs. 395 e 396.
[2] Acs. STJ., de 13/07/2017, Proc. 2037/14.5T8VNG-E.P1.S2; R.G., de 15/03/2018, Proc. 253/16.2T8VNF-D.G1, in base de dados da DGSI, onde constam todos os acórdãos que se venham a citar sem referência em contrário; Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado”, 3ª ed., Quid Juris, Lisboa 2015, págs. 686 e 687.
[3] Acs. RC., de 15/01/2022, Proc. 632/21.3T8LRA-C.C1; RE., de 16/03/2023, proc. 255/22.0T8OLH.C.E1.
[4] Alexandre de Soveral Martins, “Um Curso de Direito da Insolvência”, vol. I, 4ª ed., Almedina, págs. 545 a 547; Marco Carvalho Gonçalves, “Processos de Insolvência e Processos Pré-Insolvenciais”, Almedina, págs. 590 a 591; Acs. R.G., de 18/01/2024, Proc. 173/23.2T8GNR-J.G1; de 16/03/2023, Proc. 2489/22.8T8GMR-E.G1; R.P., de 07/04/2024, Proc. 7665/22.0T8VNG-D.P1
[5] Carvalho Fernandes e João Labareda, ob. cit., pág. 580.
[6] Ac. STJ., de 14/07/2020, Proc. 538/16.8OLH-E.E1.
[7]Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, ob. cit., pág. 689; Catarina Serra, “O Incidente de Qualificação da Insolvência depois da Lei n.º 9/20022 – Algumas observações ao Regime com ilustrações jurisprudenciais”, pág. 17; Maria do Rosário Epifânio, “Manual de Direito da Insolvência”, 7ª ed., Almedina, pág. 177; Acs. RG., de 20/04/2017, Proc. 126/16.9T8GMR-G.G1; RC., de 13/04/2021, Proc. 627/10.BTACB-F.C1.
[8] Ac. STJ, de 17/05/2017, Proc. 4111/13.4TBBRG.G1.S1
[9] Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, “Manual de Processo Civil”, 2ª ed, Coimbra Editora, 1985, pág. 387, em que se lê: “(…), a nulidade do processo consiste sempre num desvio de caráter formal, traduzido num dos três tipos: a) prática de um ato proibido; b) omissão de um ato prescrito na lei; c) realização de um ato imposto ou permitido por lei, mas sem as formalidades requeridas”.
Manuel de Andrade, “Noções Elementares de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1979, págs. 176 e 177: “As nulidades de processo podem definir-se nestes termos: são quaisquer desvios do formalismo seguido, em relação ao formalismo processual prescrito na lei, e a que esta faça corresponder – embora não de modo expresso – uma invalidação mais ou menos extensa de atos processuais. Princípio geral acerca de quais sejam as irregularidades ou desvios no formalismo processual que constituem nulidade de processo. São só as que possam influir no exame (instrução e discussão) ou na decisão da causa; as que possam ter reflexos de ordem substancial (hoc sensu). Não assim, todavia, quando a lei preveja diferentemente. As outras são irrelevantes. Disso temos exemplo quando não seja deduzida discriminadamente a reconvenção, ou quando não seja articulada a narração da petição inicial ou da contestação (pelo menos se, em qualquer destas hipóteses, não for notavelmente prejudicada a clareza da respetiva peça); e também, dum modo geral, quando a formalidade preterida não impediu que o ato em questão atingisse a sua finalidade”.
Acs. STJ., de 17/10/2007, AD, 554º, pág. 461; de 25/11/2008, Proc. 08A3501.  
[10] Abílio Neto, “Novo Código de Processo Civil Anotado”, 2ª ed., janeiro/2014, Ediforum, pág. 734, onde se lê: “Importa distinguir muito claramente – o que, na prática, é frequentemente esquecido, com nefastas consequências – entre, por um lado, nulidades da sentença, ou, com maior rigor, nulidades de qualquer decisão, e, por outro, nulidades de processo.  As nulidades das decisões, revistam ou não a natureza de sentença, como resulta das disposições conjugadas dos artigos 615º, n.º 3, 666º e 679º, são as taxativamente indicadas naquele primeiro preceito (art. 615º, n.º 1), e devem ser arguidas, de harmonia com os seus n.ºs 2 e 3, umas vezes, no próprio tribunal em que a decisão foi proferida, e, outras vezes, em via de recurso, no tribunal ad quem.  Os vícios determinantes de nulidade da sentença correspondem a casos de irregularidades que afetam formalmente a sentença e provocam dúvida sobre a sua autenticidade, como é a falta de assinatura do juiz, ou ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduz, logicamente, a resultado oposto do adotado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender resolver questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões de que deveria conhecer (omissão de pronúncia) – als. a) a e) do n.º 1 do art. 615º. São sempre vícios que encerram um desvalor que excede o erro de julgamento e que, por isso, inutilizam o julgado na parte afetada.
Por seu turno, as nulidades de processo são quaisquer desvios ao formalismo processual seguido, em relação ao formalismo prescrito na lei, e a que esta faça corresponder – embora não de modo expresso – uma invalidade mais ou menos extensa de atos processuais. Estes desvios de caráter formal podem assumir, tendo em atenção o preceituado nos arts. 193º e ss., um de três tipos: prática de um ato proibido por lei, omissão de um ato prescrito na lei, e, por último, realização de um ato imposto ou permitido por lei, mas sem o formalismo requerido. Das nulidades de processo, umas são principais, típicas ou nominadas, sendo-lhes aplicável a disciplina fixada nos arts. 186º a 194º e 196º a 198º; outras, são secundárias, atípicas ou inominadas e têm a sua regulamentação genérica no n.º 1 do art. 195º, estando a sua arguição sujeita ao regime previsto no art. 199º”.
[11] Abílio Neto, “Código de Processo Civil Anotado”, 5ª ed., junho/2020, Ediforum, pág. 298, citando vários autores.
[12] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. I, 2ª ed., pág. 199.
[13] Abrantes Geraldes, “Sentença Cível”, janeiro de 2014, pág. 20.
[14] Paulo Pimenta, “Processo Declarativo”, 2004, Almedina, pág. 324.
[15] Miguel Teixeira de Sousa, “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, Lex, Lisboa 1997, pág. 348.
[16] Ac. RG. de 22/03/2007, Proc. 173/07-1.
[17] Ac. STJ., de 05/05/2005, Proc. 05B839; de 12/05/2005, Proc. 05B840; 10/07/2008, Proc. 08A2179;  Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, ob. cit., pág. 199; Anselmo de Castro, “Direito Processual Civil Declaratório”, vol. III, pág. 141; José Lebre de Freitas, “Código de Processos Civil Anotado”, vol. 2.º, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2008, págs. 703 e 704; e “A Ação declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013”, 3.ª edição, Coimbra Editora, setembro de 2013, pág. 332.
[18] Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, Coimbra Editora, pág. 140.
[19] Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2017, 4ª ed., Almedina, págs. 293 a 298.
[20] Acs. R.C., de 20/01/2015, Proc. 2996/12.0TBFIG.C1, em que se expende que: “Apesar de atualmente o julgamento da matéria de facto se conter na sentença final, há que fazer um distinguo entre os vícios da decisão de matéria de facto e os vícios da sentença, distinção de que decorre esta consequência: os vícios da decisão da matéria de facto não constituem, em caso algum, causa de nulidade da sentença, considerando além do mais o caráter taxativo da enumeração das situações de nulidade deste último ato decisório. Realmente a decisão da matéria de facto está sujeito a um regime diferenciado de valores negativos – deficiência, obscuridade ou contradição – a que corresponde um modo diferente de controlo e de impugnação: qualquer destes vícios não é causa de nulidade da sentença, antes é suscetível de dar lugar à atuação pela Relação dos seus poderes de rescisão ou de cassação da decisão da matéria de facto da 1ª Instância”; R.L., de 29/10/2015, Proc. 161/09.3TCSNT.L1-2.
Ainda Ac. STJ, de 24/02/2005, Proc. 04B4594: “A fundamentação a que alude o n.º 2 do art. 653º do CPC não se confunde com a fundamentação a que alude o art. 659º, n.ºs 2 e 3 do mesmo Código, sendo certo que as consequências para a sua omissão num caso e noutro são também diferentes : - no 1º caso, poderá a Relação ordenar a baixa do processo, (…), nos termos e para os fins do n.º 5 do art. 712º do CPC; - no 2º caso, se a falta de fundamentação for absoluta, ocorrerá a nulidade prevista na al. b) do art. 668º do CPC”.
[21] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2º, 3ª ed., Almedina, págs. 707 a 708 e 733 a 734.
[22] Acs. STJ, de 27/10/2021, Proc. 1372/19.9T8VFR.P1.S1; de 19/05/2021, Proc. 4925/17.6T8oAZ.P1.S1; de 06/11/2019, Proc. 1092/08.OTTBRG.G1.S1; de 08/10/2019, Proc. 3138/10.2TJVNF.G1.S2; 05/09/2018, Proc. 15787/15.8T8PRT.P1.S1; de 16/05/2018, Proc.2833/16.7T8VNFX.L1.S1; e de 20/12/2017, Proc. 299/13.2TTVRL.G1.S2.
[23] Abrantes Geraldes, ob. cita., págs. 321 a 324.
[24] Ac. STA. de 09/07/2014, Proc.00858/14.
[25] Abílio Neto, in “Novo Código de Processo Civil Anotado”, 2ª ed., janeiro/2014, pág. 734, em que expende: “As nulidades das decisões, revistam ou não a natureza de sentença, como resulta das disposições conjugadas dos arts. 615º, n.º 1, 666º e 679, são as taxativamente indicadas naquele primeiro preceito (art. 615º, n.º 1), e devem ser arguidas, de harmonia com os seus n.ºs 2 e 3, umas vezes, no próprio tribunal em que a decisão foi proferida, e, outras vezes, em via de recurso, no tribunal ad quem”. Trata-se de “irregularidades que afetam formalmente a sentença e provocam a dúvida sobre a sua autenticidade, como é a falta de assinatura do juiz, ou ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduz, logicamente, a resultado oposto do adotado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender resolver questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões que deveria conhecer (omissão de pronúncia) – als. a) a e) do n.º 1 do citado art. 615º. São, sempre, vícios que encerram um desvalor que excede o erro de julgamento e que, por isso, inutilizam o julgado na parte afetada”.
No mesmo sentido, Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, Coimbra Editora, 1984, pág. 122, em que escreve: “Sentença nula é a que, tendo existência jurídica, porque reúne os elementos essenciais já determinados, está, entretanto, inquinada de vícios de formação, dos chamados vícios de atividade, contrapostos aos vícios de julgamento. Temos, assim, dois tipos de sentença viciada: a sentença injusta e a sentença nula. A primeira enferma de erro de julgamento; e a segunda enferma de erro de atividade (erro de construção ou formação). A págs. 124 e 125, concretiza: “O magistrado comete erro de juízo ou de julgamento quando decide mal a questão que lhe é submetida ou porque interpreta e aplica erradamente a lei, ou porque aprecia erradamente os factos; comete erro de atividade quando, na elaboração da sentença infringe as regras que disciplinam o exercício do seu poder jurisdicional. Os erros da primeira categoria são se caráter substancial: afetam o fundo ou o mérito da decisão; os da segunda categoria são de caráter formal: respeitam à forma ou ao modo como o juiz exerceu a sua atividade de julgador”. [26] Ac. STJ. 08/03/2001, Proc. 00A3277.
[27]Alberto dos Reis, ob. cit., págs. 142 e 143, em que se lê: “Esta nulidade está em correspondência direta com o 1º período da 2ª alínea do art. 660º. Impõe-se aí ao juiz o dever de resolver todas as questões que as partes tiverem submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”, e em que aponta como exemplo de nulidade por omissão de pronúncia, o seguinte caso retirado da prática judiciária: “Deduzidos embargos a posse judicial com o fundamente de posse baseada em usufruto, se o embargado alegar que este não podia produzir efeitos em relação a ele por não estar registado à data em que adquiriu o prédio e a sentença ou acórdão deixar de conhecer desta questão, verifica-se a nulidade (…). O embargado baseara a sua defesa na falta de registo do usufruto; pusera, portanto, ao tribunal esta questão de direito: se a falta de registo do usufruto tinha como consequência a ineficácia, quanto a ele, da posse do usufrutuário, o tribunal estava obrigado, pelo art. 660º, a apreciar e decidir esta questão; desde que a não decidiu, a sentença era nula”.
Ac. RC. de 22/07/2010, Proc. 202/08.1TBACN-B.C1, em que se lê: “…O juiz deve, antes de tudo, tomar em consideração as conclusões expressas nos articulados, já que a função específica destes é a de fornecer a delimitação nítida da controvérsia. Mas não só; é necessário atender, também aos fundamentos em que essas conclusões assentam, ou, dito de outro modo, às razões e causas de pedir invocadas (…). Em última análise, questão será, pois, tudo o que respeite ao litígio existente entre as partes, no quadro, tanto do pedido e da causa de pedir, como no da defesa por exceção”.
[28] Alberto dos Reis, in ob. cit., 5º vol., págs. 55 e 143.
[29] No mesmo sentido Ferreira de Almeida, “Direito de Processo Civil”, vol. II, Almedina, 2015, pág. 371, em que afirma que “questões” são todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas, integrando “esta causa de nulidade a omissão do conhecimento (total ou parcial) do pedido, causa de pedir ou exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão (não a fundamentação jurídica adrede invocada por qualquer das partes). Não confundir, porém, questões com razões, argumentos ou motivos invocados pelas partes para sustentarem e fazerem vingar as suas posições (jurídico processuais); só a omissão da abordagem de uma qualquer questão temática central integra vício invalidante da sentença, que não a falta de consideração de qualquer elemento de retórica argumentativa produzido pelas partes”. 
[30] Acs. STJ.  30/10/2003, Proc. 03B3024; 04/03/2004, Proc. 04B522; 31/05/2005, Proc. 05B1730; 11/10/2005, Proc. 05B2666; 15/12/2005, Proc. 05B3974.
[31] Ac. STJ., de 09/10/2003, Proc. 03B1861.