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COMERCIANTE
ACTO COMERCIAL
PRESCRIÇÃO
ÓNUS DA PROVA
Sumário
I – Supostas contradições no âmbito da fundamentação da decisão de facto, bem como entre tal fundamentação e a decisão de facto, não configuram o vício previsto no artigo 615.º, n.º 1, alínea c), 1.ª parte, do CPC – que se verifica quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão –, não constituindo causa de nulidade da sentença; II – Compete ao réu que invocou ter a seu favor a presunção do cumprimento decorrente do decurso do prazo de prescrição estabelecido no artigo 317.º do Código Civil, sustentando que se encontra verificada a situação prevista na primeira parte da alínea b) do preceito, o ónus da prova da factualidade que constitui a base da presunção, no caso, factualidade que permita considerar que o crédito reclamado pelo autor configura um crédito de comerciante pelos objetos vendidos a quem não seja comerciante ou os não destine ao seu comércio; III – Assente a qualidade de comerciantes do autor vendedor e do réu comprador, compete a este último o ónus da prova da não afetação dos bens comprados ao seu comércio. (Sumário da Relatora)
Texto Integral
Processo n.º 71080/24.0YIPRT.E1
Juízo Local Cível de Ourém
Tribunal Judicial da Comarca de Santarém
Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:
1. Relatório
(…) intentou procedimento de injunção contra (…) e cônjuge, (…), pedindo a notificação destes no sentido de lhe ser paga a quantia de € 7.930,88, correspondendo € 4.890,00 ao capital em dívida, € 2.938,88 a juros vencidos e € 102,00 a taxa de justiça.
A fundamentar a pretensão, invocou a celebração com o requerido de um contrato de fornecimento de bens ou serviços em 07-03-2007, alegando que é portador do cheque que identifica, no montante de € 4.890,00, emitido pelo requerido em 07-03-2007 para pagamento de bens que lhe forneceu.
Os requeridos deduziram oposição, defendendo-se por exceção, invocando o pagamento em dinheiro do montante de € 4.890,00, no contexto que descrevem, e o decurso do prazo de prescrição previsto no artigo 317.º, alínea b), do Código Civil, como tudo melhor consta do articulado apresentado.
Atenta a dedução de oposição, foram os autos remetidos ao Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, tendo sido distribuídos como ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos.
Notificado para o efeito, o autor apresentou articulado de resposta, no qual se pronuncia sobre a matéria de exceção deduzida na oposição.
Realizada a audiência final, foi proferida sentença, na qual se consideraram não verificadas as exceções invocadas pelos réus – o pagamento e a prescrição presuntiva do crédito reclamado – e se julgou a ação parcialmente procedente, decidindo-se o seguinte: Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente, por provada, a presente acção e condena-se o R. (…) na parte dos pedidos apresentados pelo A. na sua P.I., consistente no pagamento a este último: a-) Do valor de 4.890 euros, correspondente ao preço da venda das mercadorias referidas em 3), efectuado pelo A. a favor do R. (…), que ainda permanece em débito, que consistirá na dívida de capital. b-) Dos juros moratórios vencidos calculados desde a data em que o R. (…) foi citado para a presente acção, contados sobre o valor referido em a), à taxa legal dos juros civis de 4%, sendo que é esta que se encontra actualmente em vigor. c-) Dos juros que entretanto se vencerem até integral pagamento, à taxa legal dos juros civis de 4%, sendo que é esta que se encontra actualmente em vigor, sobre a quantia referida em a).
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Por outro lado, decide-se declarar improcedente por não provada a restante parte da presente acção. Consequentemente, decide-se indeferir a restante parte dos pedidos formulados pelo A. Em conformidade, absolve-se o R. (…) desta parte dos pedidos formulados pela A.
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Por outro lado, decide-se declarar totalmente improcedente a presente acção, por não provada, em relação à R. (…). Deste modo, decide-se absolver a R. (…) de todos os pedidos deduzidos pelo A. nos presentes autos.
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Condena-se o A., de um lado, e o R. (…), do outro, no pagamento das custas do presente Processo, em razão do decaimento (cfr. artigo 527º, do Código de Processo Civil). Fixa-se a proporção da responsabilidade do A. nas custas em 40% do seu total, e a proporção da responsabilidade do R. (…) nessas custas em 60% do seu total.
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Registe e notifique.
Inconformado, o réu interpôs recurso desta decisão, na parte em que lhe foi desfavorável, arguindo a nulidade da sentença e pugnando pela procedência da exceção de prescrição presuntiva invocada, com a consequente absolvição do pedido, terminando as alegações com a formulação das conclusões que se transcrevem:
«1º
Os recorrentes por via de um procedimento injuntivo citados para pagamento da quantia de € 7.828,88, relativo à compra de material de construção civil de cofragens e vigas.
2º
Os recorrentes deduziram oposição por via de excepção perentória da prescrição presuntiva prevista no artigo 317.º, alínea c), do CC, para tanto alegando que esta compra foi destinada à sua economia familiar, de queima para aquecimento e construção de galinheiros.
3º
Tendo deixado um cheque de garantia e março de 2007 acertarem o pagamento em dinheiro.
4º
O que efetivamente veio a suceder em setembro de 2007, tendo o recorrente efetuado o pagamento em dinheiro no montante de € 4.890,00.
5º
Pelo exposto, os recorrentes nada devem ao requerente porquanto solveram a sua dívida.
6º
Jurisprudência: RL 16/06/1992, CJ “I- a prescrição de curto prazo tem na base uma presunção de pagamento. II- tal presunção é ilidível apenas pela confissão.”
STJ 19/06/1997: BMJ 468º - 356 e CJ/STJ, 1997, 2º - 134 “I – a prescrição presuntiva tem na sua base uma prestação de cumprimento. Trata-se de crédito normalmente exigidos a curto prazo e prontamente satisfeitos pelo devedor, que muitas vezes não exige ou não guarda recibo. II – para que os fins da prescrição presuntiva não sejam frustrados, o credor só pode provar o incumprimento mediante a confissão do devedor. Esta confissão pode ser expressa ou tácita, mas não serve aqui a confissão tácita que resulta da não impugnação especificada prevista no artigo 490.º, n.º 1, do CPC.”
RC 17/11/1998, SJ 1998, 5º - 16 “I- a prescrição presuntiva, menos do que diretamente extintiva da eficácia do vinculo obrigacional, é liberatória do ónus da prova do cumprimento, limitando-se o prazo prescricional a balizar o termo a partir da qual o R fica dispensado desse encargo probatório. II - A presunção de cumprimento decorrente do decurso do prazo legal só pode ser ilidida por confissão judicial ou extrajudicial, e esta só releva se constar de documento escrito.”
7º
Por douta decisão o tribunal a quo julgou a ação parcialmente provada e condenou os recorrentes no pagamento da quantia de € 4.890,00 acrescidos de juros.
8º
Isto para dizer que o senhor juiz não decidiu pela procedência da excepção perentória de prescrição presuntiva.
9º
Esta decisão em crise é nula por contradição entre a decisão e a sua fundamentação, é incompleta e nada assertiva, porquanto no ponto 3 dos factos provados no primeiro parágrafo a folhas 5 é referido que o autor era gerente de uma empresa de construção civil …….. 2º § … levaram-se em consideração as declarações de parte do A e do R (…). Na verdade, os mesmos vieram confirmar no seu depoimento a realização do negócio de venda de materiais de construção que se encontra referido nesse ponto. Que o A vendeu ao R materiais que estavam na sua posse.
10º
A folhas 4 último parágrafo refere a decisão …. Designadamente para a prova dos factos 1) e 2) levaram-se em consideração os depoimentos de parte do A e R (…).
11º
Continua a decisão para a prova dos factos referidos no ponto 4) levaram-se em consideração as declarações do A e do R (…).
12º
No § 3º refere a decisão “Para nós, a prova que o A e os RR apresentaram nos autos em relação a alguns dos factos foi simplesmente as declarações do A de um lado e do R (…) do outro, prestadas na audiência de julgamento, que não receberam a confirmação da parte contrária.
13º
Continua a douta decisão …para nós as declarações ou o depoimento de parte tem um valor muito reduzido em termos probatórios. último paragrafo “Ora no caso concreto não se vislumbra que tenha sido produzida qualquer prova adicional, isenta, objetiva e imparcial, que viesse confirmar o teor do depoimento prestado pelo A. E pelo R (…). Logo tais declarações não podem ser, nem foram utilizadas como meio de prova nos presentes autos, designadamente em relação aos factos alegados pelo A e pelos RR, que não foram considerados provados.
14º
O senhor juiz depois de dizer que levou em consideração os depoimentos do A e R Adelino para prova dos factos sob os números 1, 2, 3 e 4, no final refere que desconsiderou tais depoimentos como meio de prova nos presentes autos.
15º
Por outro lado está provado pelas testemunhas e pode ler-se na decisão a folhas 7, § 1º “Da análise dos factos como provados na presente acção resulta que existiu uma relação comercial entre o A e o R (…), no âmbito da qual aquele alienou a este ultimo determinados materiais de construção civil, nomeadamente cofragens e vigas que se encontravam na sua posse que teriam sido adquiridos para serem utilizados por uma empresa de construção civil de que o A era gestor”.
16º
Continuando a decisão § 2º “Nomeadamente ficou demonstrado nos autos que no ano de 2007 o A geria uma empresa que tinha como actividade comercial a construção civil. ……….. no início do ano de 2007 em data não concretamente apurada o A alienou onerosamente ao R (…) vários materiais de construção civil que estavam na sua posse, nomeadamente cofragens e vigas.
17º
Da conjugação dos referidos parágrafos 1º e 2º de folhas 7 o A agiu como gestor de uma empresa de cujo ativo resultavam cofragens e vigas, que as vendeu ao R (…).
18º
Não resulta de qualquer meio de prova documental testemunhal ou declarações de parte que estes materiais de cofragens e vigas tenham sido destinados ao comércio do R.
19º
O Recorrente (…) alegou que destinou tais bens ao seu consumo e que nada devia porque tinha pago o preço da compra.
20º
Esta venda por um comerciante de bens da sua sociedade comercial ocorreu há mais de 2 anos presumindo-se o seu pagamento.
21º
Esta presunção de pagamento (14 anos) só poderia ser ilidida pela confissão do devedor.
22º
O que facilmente se compreende não resultando das razoes da experiência comum que alguém guarde um cheque 17 anos para o cobrar.
23º
Esta decisão apesar de extensa fundamentação com citações doutrinais e jurisprudenciais a final ser pouco assertiva, nas convicções consequentes das suas apreciações os factos carreados a juízo.
24º
Repare-se no referido no paragrafo 3º a folhas 34 “Em conformidade, tendo em conta que tanto o credor, ou seja o A., como o devedor ou seja o R. (…) eram profissionais e exerciam uma actividade comercial, na data em que foi celebrado o contrato de compra e venda em causa nos autos, e como as mercadorias fornecidas pelo A se destinava á actividade comercial do R não se poderá aplicar ao caso concreto o regime da prescrição presuntiva, designadamente na aquele artigo 317.º do Código Civil, na medida em que tal se encontra afastada para a situação em causa nos autos.
25º
Não resultou de qualquer prova nos autos que o R destinou os bens adquirimos ao seu comércio, tal não passando de uma convicção especulativa do julgador, sem qualquer meio de prova a sustentar.
26º
RESPOSTA À MATÉRIA DE FACTO
Facto 1º a 6º – Provados.
Factos não provados: A a D.
27º
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO:
– Gravação da prova
O senhor juiz não valorou devidamente o depoimento das testemunhas (…).
A GRAVAÇÃO DA PROVA – com referência em acta - artigo 522.º-C do CPC.
Depoimento registado em CD, dia 21/11/2024 de 15:09:43h a 15:15:18h (522.º-C do CPC)
Repare-se no depoimento da testemunha responde a todos os temas de prova.
“(…eu não assisti a qualquer negócio entre eles …não assisti á entrega do cheque …. Não assisti á conversa entre o meu irmão e o senhor …. (refere o senhor juiz ele não tem conhecimento direto só sabe o que o irmão lhe disse) ….. sabe que irmão vendeu estes materiais que eram da sua empresa …… …/
Crítica: esta testemunha tem um depoimento absolutamente isento, até porque é indicado como testemunha do A., sendo seu irmão, referindo que os materiais adquiridos pelo R. (…) pertenciam à empresa do irmão…. Não refere que o R. destinou a compra dos materiais ao seu comércio.
28º
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO:
– Gravação da prova
O senhor juiz não valorou devidamente o depoimento das testemunha … (presta depoimento a todos os temas de prova).
A GRAVAÇÃO DA PROVA – com referência em ata - artigo 522.º-C do CPC.
Depoimento registado em CD, dia 21/11/2024 de 15:16:25h a 15/20/42h (522.º-C do CPC) “(…só sei o que o meu cunhado me disse … sei que o meu cunhado vendeu umas vigas … não assisti á entrega do cheque…. O (…) comprou o material á empresa do cunhado …. …..O cunhado vendeu depois da empresa ter cessado a actividade …..
Crítica: esta testemunha tem um depoimento absolutamente isento, esclarecedor com razão de ciência, porque foi indicado pelo autor de quem é cunhado referindo que o (…) comprou ao cunhado material que pertencia à empresa. Não refere que o R. destinou a compra dos materiais ao seu comercio.
29º
Factos incorrectamente julgados quer pela prova documental, testemunhal e declarações de parte.
Atenta a prova documental e testemunhal junta aos autos, deveria ter sido dada a seguinte resposta à matéria de facto:
Factos provados:
Facto 3 – Provado – passaria a ter a seguinte redação – No início do ano de 2007, em data não concretamente apurada, o A como comerciante e gestor da sua empresa alienou onerosamente ao R (…) vários materiais de construção civil, nomeadamente cofragens e vigas que eram propriedade desta.
Facto 7 – Das declarações de parte do R. (…) não resultou a confissão da dívida pelo contrário o mesmo alegou que já tinha pago o valor da compra dos materiais.
Factos não provados:
Facto E - Que o R. (…) tenha destinado a compra destes materiais nomeadamente cofragens e vigas à sua actividade comercial.
30º
Esta sentença é nula por violação do disposto nos artigos 5.º e 615.º/1/c, do CPC.
Termos em que, nos melhores de direito e com o sempre muito douto suprimento de Vossas Exª, deve ser concedido provimento, devendo a arguição da excepção perentória de prescrição presuntiva ser procedente absolvendo-se os recorrentes do pedido.
Ou devendo ser conhecida a nulidade da decisão, em crise por contradição na sua fundamentação.»
O autor apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção da parte impugnada da decisão recorrida.
Face às conclusões das alegações do recorrente e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre apreciar as questões seguintes:
- da nulidade da sentença recorrida;
- da impugnação da decisão relativa à matéria de facto;
- da reapreciação da decisão relativa à matéria de direito, no que respeita à verificação da exceção de prescrição presuntiva invocada.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
2. Fundamentos
2.1. Decisão de facto
2.1.1. Factos considerados provados em 1.ª instância:
1- No ano de 2007 o A. geria uma empresa que tinha como atividade comercial: a construção civil.
2- Nesse ano de 2007, o R. (…) tinha como atividade a venda de materiais e máquinas destinados à construção civil.
3- No início do ano de 2007, em data não concretamente apurada, o A. alienou onerosamente ao R. (…) vários materiais de construção civil que estavam na sua posse, nomeadamente cofragens e vigas, pela contrapartida total de 4.890 euros.
4- O A. entregou ao R. (…) todos os materiais que lhe foram alienados nos termos mencionados em 3).
5- Na ocasião referida em 3), o R. (…) preencheu e assinou um cheque com o n.º (…), sacado de uma conta de que era titular no Banco (…), cuja cópia se encontra junta aos autos a fls. 19, que continha os seguintes elementos apostos: o valor de 4.890,00 euros, quer por extenso, quer em números, a data de 7-3-2007, à ordem do A., e entregou o mesmo ao A..
6- O cheque referido em 5) nunca foi apresentado a pagamento.
2.1.2. Factos considerados não provados em 1.ª instância:
A- Foi acordado entre as partes que o R. (…) pagaria ao A., a contrapartida da alienação dos materiais, referida em 3), na data constante do cheque mencionado em 5), ou seja 7-3-2007, e através do referido cheque.
B- Na ocasião referida em 3), o R. (…) adquiriu ao A. uma quantidade não determinada de madeira, para ser beneficiada por ambos os RR., que se destinava a ser queimada para aquecimento, e para a construção de galinheiros.
C- O A. e o R. (…) acordaram que em Setembro de 2007 se encontrariam numa obra de construção civil que o A. estava a realizar em (…), para acertarem o pagamento dm dinheiro do valor da contrapartida de alienação referida em 3) e B).
D- Em Setembro de 2007, o A. e o R. (…) encontram-se na obra de construção civil referida em C), tendo o R. entre ao A. o montante de 4.890 euros, em dinheiro, para liquidar a contrapartida da alienação referida em 3).
2.2. Apreciação do objeto do recurso
2.2.1. Nulidade da decisão recorrida
Na apelação interposta, o réu arguiu a nulidade da sentença recorrida, imputando-lhe o vício previsto no artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil, com fundamento em contradições, que afirma existirem, no âmbito da fundamentação da decisão de facto e entre tal fundamentação e a decisão de facto.
As causas de nulidade da sentença encontram-se previstas no n.º 1 do invocado artigo 615.º, nos termos do qual é nula a sentença quando: a) não contenha a assinatura do juiz; b) não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e) o juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
Cumpre apreciar se a sentença padece do vício que lhe é imputado pelo apelante.
A causa de nulidade prevista na 1.ª parte da alínea c) verifica-se quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão, o que ocorre quando aqueles, seguindo um raciocínio lógico, devam conduzir a resultado decisório diverso.
Conforme explica José Lebre de Freitas (A Ação Declarativa Comum: À Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3.ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 2013, pág. 333), “(…) se, na fundamentação da sentença, o julgador segue determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decide noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição é causa de nulidade da sentença. Esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica, ou, muito menos, com o erro na interpretação desta: quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade (…)”. Eventuais vícios da decisão sobre a matéria de facto não configuram, sem mais, a invocada causa de nulidade, desde logo porque, conforme explicam José Lebre de Freitas/Isabel Alexandre (Código de Processo Civil Anotado, volume 2.º, 3.ª edição, Coimbra, Almedina, 2017, pág. 734), “a invocação de vários dos vícios que a esta dizem respeito é feita nos termos do artigo 640.º e porque a consequência desses vícios não é necessariamente a anulação do ato (cfr. os n.ºs 2 e 3 do artigo 662.º)”.
A previsão do preceito em análise não se encontra preenchida com a situação invocada pelo réu, relativa a supostas contradições no âmbito da fundamentação da decisão de facto, bem como entre tal fundamentação e a decisão de facto, situação que poderá constituir fundamento de impugnação da decisão de facto, não sendo causa de nulidade da sentença.
Estando em causa a imputação de deficiências à decisão de facto, cumpre atender aos meios processuais previstos na lei para efeitos da modificabilidade de tal decisão, dos quais decorre que a verificação desses vícios não configura causa de nulidade da sentença. Efetivamente, prevendo a lei que tais vícios sejam invocados em sede de impugnação da decisão de facto, nos termos do artigo 640.º do Código de Processo Civil e com observância dos ónus de alegações estatuídos neste preceito, a invocação dos mesmos constitui fundamento de impugnação da decisão de facto, não configurando o vício arguido, assim não sendo causa de nulidade da sentença.
Em conclusão, não enferma a sentença recorrida da causa de nulidade arguida pelo recorrente na apelação.
2.2.2. Impugnação da decisão relativa à matéria de facto
O apelante põe em causa a decisão sobre a matéria de facto constante da sentença recorrida, defendendo a modificação da redação de um ponto da factualidade julgada provada, bem como o aditamento de um ponto a tal factualidade e de um ponto à factualidade julgada não provada.
Sob a epígrafe Modificabilidade da decisão de facto, dispõe o artigo 662.º do Código de Processo Civil, no n.º 1, que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Esta reapreciação da decisão proferida sobre determinados pontos da matéria de facto deve, de forma a assegurar o duplo grau de jurisdição, ter a mesma amplitude que o julgamento efetuado na 1.ª instância, o que importa a apreciação da prova produzida, com vista a permitir à Relação formar a sua própria convicção.
No caso presente, cumpre reapreciar a decisão de facto proferida pela 1.ª instância, no que respeita aos pontos impugnados pelo recorrente, com vista a apurar se devem ser efetuadas as modificações que preconiza.
Defende o apelante a modificação do ponto 3 de 2.1.1. – com a redação: No início do ano de 2007, em data não concretamente apurada, o A. alienou onerosamente ao R. Adelino Vieira vários materiais de construção civil que estavam na sua posse, nomeadamente cofragens e vigas, pela contrapartida total de 4.890 euros –, passando a ter a redação indicada na 29.ª conclusão das alegações de recurso, a saber: «No início do ano de 2007, em data não concretamente apurada, o A como comerciante e gestor da sua empresa alienou onerosamente ao R. (…) vários materiais de construção civil, nomeadamente cofragens e vigas que eram propriedade desta».
Analisando a redação defendida pelo apelante para o ponto 3, verifica-se que dela decorre a eliminação do segmento “pela contrapartida total de 4.890 euros”, constante da parte final redação que lhe foi atribuída na decisão recorrida; porém, tal elemento factual configura matéria admitida pelo requerido na oposição deduzida, articulado no qual admitiu ter adquirido os bens em apreciação pelo indicado preço, o que impõe a improcedência desta parte da modificação preconizada pelo recorrente.
Mais se extrai da redação defendida pelo recorrente o aditamento ao ponto 3 do segmento “como comerciante e gestor da sua empresa”, relativo ao autor, e do segmento “que eram propriedade desta”, relativo aos bens alienados ao réu; no entanto, tais elementos não foram alegados por qualquer das partes, o que impõe se verifique se se incluem na globalidade da matéria de facto carecida de prova, isto é, se cabem nos poderes de cognição do tribunal em matéria de facto.
O artigo 5.º do Código de Processo Civil, com a epígrafe Ónus de alegação das partes e poderes de cognição do tribunal, dispõe, no n.º 1, o seguinte: Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas. O n.º 2 do preceito acrescenta: Além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz: a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa; b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar; c) Os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções.
No que respeita aos elementos que o apelante pretende sejam aditados ao ponto 3, não se tratando de factos alegados pelas partes nos seus articulados, nem se vislumbrando que se trate (o que não foi sequer invocado pelo recorrente) de factos instrumentais, de factos complementares ou concretizadores dos que as partes hajam alegado ou de factos notórios, cumpre concluir, ao abrigo do disposto no artigo 5.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, que não se trata de factos a considerar pelo juiz, assim não integrando a matéria de facto carecida de prova.
Nesta conformidade, não se tratando de factos a considerar pelo juiz, afastada se encontra a procedência da pretensão deduzida, quanto ao aditamento ao ponto 3 dos elementos indicados pelo recorrente.
Requer o apelante o aditamento à factualidade provada de um ponto com a redação seguinte: «7 – Das declarações de parte do R. (…) não resultou a confissão da dívida pelo contrário o mesmo alegou que já tinha pago o valor da compra dos materiais».
Analisando o teor deste ponto, que o apelante pretende se adite à factualidade provada, verifica-se que os elementos que o integram não constituem matéria de facto, antes configurando uma apreciação sobre um elemento probatório – a saber: sobre as declarações de parte prestadas pelo recorrente na audiência final –, o que afasta o respetivo aditamento ao elenco de factos tidos por provados.
Mais requer o apelante o aditamento à factualidade não provada de um ponto, com a redação seguinte: «Que o R. (…) tenha destinado a compra destes materiais nomeadamente cofragens e vigas à sua atividade comercial».
Analisando o teor deste ponto, não se vislumbra que o mesmo tenha sido alegado por qualquer das partes, pelo que carece de fundamento legal o respetivo aditamento ao elenco de factos julgados não provados.
Dispõe o artigo 607.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, que o juiz deve, na fundamentação da sentença, além do mais, declarar quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados; no que respeita a estes últimos, a matéria a considerar pelo juiz reporta-se unicamente aos factos articulados pelas partes, conforme se extrai do supra citado artigo 5.º, o que afasta a inserção na matéria tida por não provada de factos não alegados por qualquer das partes.
Em conclusão, cumpre julgar improcedente a impugnação da decisão de facto deduzida pelo apelante.
2.2.3. Reapreciação da decisão relativa à matéria de direito
Está em causa, nos presentes autos, o cumprimento de um contrato celebrado entre autor e réu, relação jurídica qualificada pela decisão recorrida como contrato de compra e venda, o que não é posto em causa no presente recurso, encontrando-se as partes de acordo a tal respeito.
Pretende o autor, com a presente ação, obter a condenação do réu a proceder ao pagamento da quantia de € 4.890,00, a título de preço dos bens vendidos, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos.
Na oposição deduzida, o réu invocou o pagamento do montante peticionado a título de preço e a prescrição presuntiva do crédito reclamado, com fundamento no decurso do prazo previsto no artigo 317.º, alínea b), do Código Civil, exceções que a 1.ª instância considerou improcedentes, tendo condenado o réu a pagar ao autor a quantia de € 4.890,00, acrescida de juros vencidos desde a data da citação e vincendos até integral pagamento.
Vem questionada na apelação a condenação do réu comprador a pagar ao autor vendedor o preço dos bens vendidos, sustentando o recorrente que tal pagamento não é devido atento o decurso do prazo previsto no artigo 317.º, alínea b), do Código Civil, pugnando pela procedência da exceção de prescrição presuntiva invocada, com a consequente absolvição do pedido.
A 1.ª instância julgou não verificada a invocada exceção de prescrição pelos motivos seguintes: (…) Como outro óbice ao direito de crédito reclamado pelo A. nos autos, consistente no pagamento do preço das mercadorias que lhe vendeu, veio o R. (…) invocar a prescrição de tal direito. Designadamente, vem alegar que o direito do A. já se encontrava prescrito quando ele veio reclamar o mesmo nos presentes autos. (…) No caso concreto, o R. (…) vem invocar a ocorrência da modalidade designada de prescrição presuntiva. Esta prescrição encontra-se prevista no artigo 317.º, alínea b), do Código Civil (…) (…) Contudo, resulta da análise da norma legal em causa, conforme tem sido igualmente sustentado pela doutrina e jurisprudência, que a prescrição presuntiva do crédito apenas ocorrerá quando a prestação do credor seja realizada no âmbito da sua actividade profissional de comércio, indústria ou de prestação de serviços e o devedor que beneficia da mesma não seja um profissional, designadamente, dedicando-se ao comércio, à indústria ou a prestação de serviços. Também se aplicará a prescrição presuntiva quando o devedor, embora seja um profissional do comércio, indústria ou prestação de serviços, não destine o produto prestado à sua actividade profissional de comércio, indústria ou de prestação de serviços. Contudo, esta prescrição presuntiva já não poderá ser aplicada às situações em que o devedor ou beneficiário da prestação, destine o produto prestado à sua actividade profissional de comércio, de indústria ou de prestação de serviços. (…) Ora, no caso concreto verifica-se que, na altura em que ocorreram os factos, o A. exercia a actividade comercial de construção através de uma empresa de que era gestor. Por sua vez, quando foi celebrado o contrato de compra e venda em causa nos autos, o R. (…), ou seja o devedor do crédito reclamado nos autos pelo A., e beneficiário da prestação por este efectuada, era igualmente um comerciante, que se dedicada à venda de materiais de construção civil. Na verdade, ficou igualmente demonstrado nos autos que no ano de 2007 o A. geria uma empresa que tinha como actividade comercial: a construção civil. Nesse ano de 2007, o R. (…) tinha como actividade a venda de materiais e máquinas destinados à construção civil. Além disso, tendo em conta o tipo das mesmas, ter-se-á que presumir que o R. (…) destinava as mercadorias que lhe foram fornecidas pela A. à sua actividade profissional. Designadamente, tendo em conta que o A. forneceu ao R. materiais de construção civil, e como o R. tinha a actividade de venda desses materiais, existirá uma forte presunção de que o R. destinava aquelas mercadorias que o A. lhe forneceu à sua actividade comercial. Logo ter-se-á que concluir que ficou demonstrado nos autos que as mercadorias que foram fornecidas pelo A., descritas supra, destinavam-se à actividade comercial do R. (…). Por outro lado, tendo em conta que foi ele que invocou a existência desta excepção de prescrição presuntiva do direito de crédito do A., cabia ao R. (…) o ónus de prova de todos os seus elementos, nos termos do artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil. Designadamente, cabia ao R., e não ao A., o ónus de prova que não tinha a qualidade de comerciante, e/ou não destinava as mercadorias que adquiriu ao A. para a sua actividade comercial. Ora, verifica-se que o R. (…) não cumpriu o seu ónus de prova, não demonstrando aqueles elementos essenciais para funcionar a excepção de prescrição presuntiva aqui em causa. Designadamente, ao contrário do que foi alegado pelo R., não ficou demonstrado nos autos que ele não tem a qualidade de comerciante, nem destinava os objectos adquiridos à A. a qualquer actividade comercial. Nomeadamente, ao contrário do que foi alegado pelo R., não ficou demonstrado nos autos que na ocasião referida em 3), o R. (…) adquiriu ao A. uma quantidade não determinada de madeira, para ser beneficiada por ambos os RR., que se destinava a ser queimada para aquecimento, e para a construção de galinheiros. Consequentemente, tendo em conta que não foi feita prova desses dois elementos essenciais deste instituto, consistente no facto de o R. (…) não exercer qualquer actividade comercial, profissionalmente, nem destinar as mercadorias que adquiriu ao A. para uma actividade comercial, ter-se-á que concluir que a prescrição presuntiva do direito de crédito do A., reclamado nos autos, não poderá funcionar, nem declarar-se válida e eficaz. Em conformidade, tendo em conta que tanto o credor, ou seja o A., como o devedor, ou seja o R. (…), eram profissionais, e exerciam uma actividade comercial, na data em que foi celebrado o contrato de compra e venda em causa nos autos, e como as mercadorias fornecidas pelo A. se destinava à actividade comercial do R., não se poderá aplicar ao caso concreto o regime da prescrição presuntiva, designadamente naquele artigo 317.º do Código Civil, na medida em que tal se encontra afastado para a situação em causa nos autos. Em conformidade, perante o afastamento de aplicação ao caso concreto do regime da prescrição presuntiva, deverá ser aplicado ao crédito do A. reclamado nos autos, o regime da prescrição ordinária. Consequentemente, como o prazo dessa prescrição ordinária é de 20 anos, nos termos do artigo 309.º do Código Civil, ainda não prescreveu o direito de crédito reclamado nos presentes autos pelo A., na medida em que ainda não decorreu tal prazo desde a constituição do crédito, ou seja desde o ano de 2007. Consequentemente, o direito de crédito reclamado nos autos pela A., mantém-se válido e eficaz. Logo ter-se-á que rejeitar a excepção da prescrição presuntiva invocada pelo R. (…) quanto ao direito de crédito reclamado pelo A. nos autos.
Discordando deste entendimento, o recorrente defende a procedência da exceção de prescrição que invocou, sustentando que se mostra preenchida a previsão da alínea b) do artigo 317.º do Código Civil e que, face ao decurso de prazo superior a dois anos, se presume o cumprimento da obrigação de pagamento, acrescentando que tal presunção não foi ilidida por confissão do devedor.
Vejamos se lhe assiste razão.
O apelante invoca a prescrição do crédito reclamado pelo autor com fundamento no decurso do prazo previsto no artigo 317.º, alínea b), do Código Civil, que dispõe o seguinte: Prescrevem no prazo de dois anos: (…) b) Os créditos dos comerciantes pelos objetos vendidos a quem não seja comerciante ou os não destine ao seu comércio, e bem assim os créditos daqueles que exerçam profissionalmente uma indústria, pelo fornecimento de mercadorias ou produtos, execução de trabalhos ou gestão de negócios alheios, incluindo as despesas que hajam efetuado, a menos que a prestação se destine ao exercício industrial do devedor; (…).
Este preceito do Código Civil insere-se em subsecção relativa a prescrições presuntivas da secção respeitante à prescrição, inserida no capítulo intitulado O tempo e a sua repercussão nas relações jurídicas.
Sob a epígrafe Fundamento das prescrições presuntivas, dispõe artigo 312.º da mesma subsecção do Código Civil o seguinte: As prescrições de que trata a presente subsecção fundam-se na presunção de cumprimento.
Regulando a ilisão da presunção de cumprimento, o artigo 313.º dispõe o seguinte: 1. A presunção de cumprimento pelo decurso do prazo só pode ser ilidida por confissão do devedor originário ou daquele a quem a dívida tiver sido transmitida por sucessão; 2. A confissão extrajudicial só releva quando for realizada por escrito. Prevendo a confissão tácita, o artigo 314.º, por seu turno, dispõe o seguinte: Considera-se confessada a dívida, se o devedor se recusar a depor ou a prestar juramento no tribunal, ou praticar em juízo atos incompatíveis com a presunção de cumprimento.
Da análise deste regime decorre que, verificada, designadamente, a situação prevista na alínea b) do artigo 317.º e decorrido o prazo de dois anos, a lei presume o cumprimento da obrigação, presunção que só pode ser ilidida por confissão do devedor.
No caso presente, a 1.ª instância considerou não verificada a situação prevista na alínea b) do artigo 317.º, concretamente na invocada 1.ª parte da norma – relativa aos créditos dos comerciantes pelos objetos vendidos a quem não seja comerciante ou os não destine ao seu comércio –, por se ter entendido decorrer da factualidade provada que autor e réu são comerciantes, não tendo o réu logrado demonstrar que não destinou os bens adquiridos ao seu comércio.
Nas alegações de recurso o apelante alega que não se encontra provado que os materiais vendidos foram destinados ao comércio do réu; acrescenta que alegou ter destinado tais bens ao seu consumo e que não se fez prova da qual resultasse o contrário, designadamente que destinou os bens adquiridos ao seu comércio, concluindo que se mostra preenchida a previsão da invocada alínea b) do artigo 317.º.
Face à alegação do apelante, cumpre aferir se lhe compete o ónus da prova da verificação da situação prevista no preceito que invoca.
É sabido que, face às regras de distribuição do ónus da prova estatuídas no artigo 342.º do Código Civil, salvo casos especiais, cabe àquele que invocar um direito fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado (n.º 1), competindo a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado àquele contra quem a invocação é feita (n.º 2). Estas regras invertem-se, entre outras situações, quando haja presunção legal, conforme previsto no n.º 1 do artigo 344.º do Código Civil.
Consistem as presunções legais em ilações que a lei tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido, conforme noção constante do artigo 349.º do Código Civil. Esclarece o artigo 350.º do citado código que quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto a que esta conduz, podendo as presunções legais, todavia, ser ilididas mediante prova em contrário, exceto nos casos em que a lei o proibir.
Em anotação ao mencionado artigo 349.º, explica José Lebre de Freitas (CÓDIGO CIVIL: Anotado, Coord. Ana Prata, volume I, Coimbra, Almedina, 2017, pág. 434) que “legal ou judicial, a presunção baseia-se sempre numa regra de experiência, que estabelece a ligação entre o facto conhecido que está na base da ilação e o facto desconhecido que dele é derivado: atendendo ao elevado grau de probabilidade ou verosimilhança da ligação concreta entre o facto que constitui base da presunção e o facto presumido, este é dado como assente quando o primeiro é provado”.
Considerando que o réu invocou ter a seu favor a presunção do cumprimento decorrente do decurso do prazo de prescrição estabelecido no artigo 317.º, sustentando que se encontra verificada a situação prevista na primeira parte da alínea b) do preceito, incumbe-lhe o ónus da prova da factualidade que constitui a base da presunção, no caso, factualidade que permita considerar que o crédito reclamado pelo autor configura um crédito de comerciante pelos objetos vendidos a quem não seja comerciante ou os não destine ao seu comércio.
Neste sentido, em anotação ao citado artigo 317.º, afirma José Brandão Proença (Comentário ao Código Civil: Parte Geral, Coord. Luís Carvalho Fernandes/José Brandão Proença, Lisboa, Universidade Católica Editora, 2014, pág. 765) o seguinte: «A prova da qualidade de não comerciante ou da afetação dos objetos a uma finalidade não comercial recai sobre o comprador».
Esclarece o autor (ob. cit., págs. 764-765): «A primeira hipótese descrita na al. b) abrange os créditos dos comerciantes, ou seja, dos que exercem profissionalmente o comércio (por grosso ou a retalho), pelos objetos vendidos a quem não seja comerciante (por ex., um consumidor) ou a quem, sendo comerciante, não os venha a utilizar no seu comércio. Efetivamente, a qualidade de comerciante do devedor não lhe faz perder o benefício da prescrição presuntiva, caso o objeto adquirido não seja, comprovadamente, para o afetar ao seu giro comercial (afastando-se, neste caso, a presunção de comercialidade subjetiva resultante dos artigos 2.º, segunda parte, e 15.º do Código Comercial). Tratando-se, assim, de uma venda integralmente comercial, os credores beneficiarão de um prazo de prescrição (extintiva) mais alargado, não tendo que ser tão diligentes na cobrança dos seus créditos comerciais.»
No caso presente, extrai-se dos factos julgados provados sob os pontos 1 e 2 de 2.1.1. a qualidade de comerciantes do autor e do réu e foi julgada não provada a factualidade alegada pelo apelante visando demonstrar a afetação dos bens comprados a uma finalidade não comercial, conforme decorre da alínea B de 2.1.2..
Assim sendo, verifica-se que o réu não logrou provar a factualidade que alegou como base da presunção que invocou, não permitindo a factualidade assente considerar preenchida a previsão da primeira parte da alínea b) do artigo 317.º, invocada pelo apelante, conforme considerou a 1.ª instância.
Nesta conformidade, mostra-se acertada a decisão recorrida, ao julgar não verificada a presunção de cumprimento da obrigação de pagamento do preço, condenando o réu ao cumprimento de tal obrigação.
Improcede, assim, a apelação.
Em conclusão: (…)
3. Decisão
Nestes termos, acorda-se em julgar improcedente a apelação e confirmar a decisão recorrida.
Custas pelo apelante.
Notifique.
Évora, 05-06-2025
(Acórdão assinado digitalmente)
Ana Margarida Carvalho Pinheiro Leite (Relatora)
Eduarda Branquinho (1.ª Adjunta)
Cristina Dá Mesquita (2.ª Adjunta)