IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ÓNUS DO RECORRENTE
CONCLUSÕES DE RECURSO
Sumário

I – Se a recorrente não especifica, designadamente nas conclusões, os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, não cumpre o ónus previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil;
II – Se a apelante também não indica, seja na motivação ou nas conclusões das alegações, a decisão que entende dever ser proferida sobre as questões de facto relativamente às quais manifesta discordância, incumpre o ónus previsto na alínea c) do n.º 1 do citado preceito;
III – Verificada a falta de expressa impugnação da decisão de facto e perante o incumprimento dos indicados ónus, impõe-se rejeitar a apreciação da argumentação da apelante, na parte em que põe em causa a decisão de facto;
IV – Se a solução que a recorrente defende para o litígio se baseia em factualidade que não se encontra provada, mostra-se prejudicada a apreciação das questões de direito suscitadas.
(Sumário da Relatora)

Texto Integral

Processo n.º 2197/23.2T8STR-A.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Santarém
Juízo de Execução do Entroncamento


Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:

1. Relatório

(…) deduziu oposição à execução para pagamento de quantia certa que lhe move (…), Lda., na qual é apresentado, como título executivo, contrato de arrendamento outorgado pela executada, na qualidade de arrendatária, acompanhado por comprovativo da comunicação à arrendatária do montante em dívida.
A embargante fundamenta a oposição invocando, em síntese, o pagamento da quantia exequenda e a titularidade de um contracrédito sobre a exequente, pretendendo obter a compensação de créditos, como tudo melhor consta do articulado apresentado, no qual peticiona a extinção da execução.
Recebida a oposição à execução, a embargada contestou, defendendo-se por impugnação, pugnando pela improcedência da oposição deduzida e invocando a litigância de má fé por parte da embargante.
Foi realizada audiência prévia, na qual se fixou o valor à causa e se proferiu despacho saneador, após o que se identificou o objeto do litígio e se procedeu à enunciação dos temas da prova.
Realizada a audiência final, por sentença de 20-02-2025, foi julgada improcedente a oposição à execução e considerada não verificada a litigância de má fé imputada à embargante, decidindo-se o seguinte:
Em conformidade com todo o conspecto fáctico-jurídico vindo de enunciar, decido:
A) Julgar integralmente improcedente a presente oposição à execução mediante embargos de executado deduzida por (…); e
B) Julgar improcedente o pedido de condenação da mesma como litigância de má-fé.

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Custas pela executada/embargante (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
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Registe e notifique, incluindo a sra. Agente de Execução.
Inconformada, a embargante interpôs recurso desta decisão, pugnando pela respetiva revogação e terminando as alegações com a formulação das conclusões que a seguir se transcrevem:
«i. Por requerimento datado de 07-07-2023 a sociedade “(…), Lda.” moveu contra (…) acção executiva para pagamento da quantia global de € 6.087,94 (seis mil e oitenta e sete euros e noventa e quatro cêntimos) alegando o seguinte: «A exequente arrendou à executada fração autónoma com letra “A” prédio com matriz predial urbana (…), sito na Av. D. (…), 28, em Almeirim, tendo ficado acordado como valor de renda mensal a quantia de € 1.154,95 (mil e cento e cinquenta e quatro euros, noventa e cinco cêntimos), destinado ao Comércio. Sucede que raramente as rendas foram pagas até dia 8 de cada mês conforme contratado e estão em falta as cinco últimas rendas, de julho a novembro de 2022, inclusive, num total de € 5.774,75 (cinco mil e setecentos e setenta e quatro euros e setenta e cinco cêntimos). Em todos estes meses foi-lhe enviada uma carta registada com aviso de receção a solicitar o pagamento das rendas em falta acrescidos do 20% de indemnização legalmente previsto A executada entregou o locado em novembro de 2022, mas não procedeu ao pagamento das rendas em falta no valor de € 5.779,70. Foram enviadas cartas registadas com aviso de recepção e como a executada continuou sem pagar e foi efetuada notificação judicial avulsa que se anexa».
ii. A invocada notificação concretizou-se em 13-06-2023, dela fazendo parte: a) Um denominado «Contrato de Arrendamento comercial de duração limitada» com o seguinte teor: «Outorgantes: 1º (…), Lda, pessoa colectiva n.º (…), matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Loulé, com sede na (…), 2, Apartamento-204, 1º 8125-406 Vilamoura, representada neste acto pelo seu sócio e gerente (…), contribuinte n.º (…). 2º (…), contribuinte n.º (…), residente na Rua (…), Lt 9, R/C-Dto., 2080-194 Almeirim, com o cartão cidadão n.º (…). Acordam e reduzem a escrito o presente contrato de arrendamento, com as seguintes cláusulas: O 1º outorgante, na qualidade de proprietário da fração autónoma designada pela fração autónoma designada pela letra A, pertencente ao Rés-do-chão direito, do prédio urbano sito na Av. (…), n.º 28 (Lote 34), em Almeirim, descrito na Conservatória do Registo Predial de Almeirim sob o n.º (…), da freguesia e concelho de Almeirim, inscrito na matriz sob o artigo (…), dá a mesma de arrendamento ao 2º outorgante. 2.ª O local arrendado destina-se a Estabelecimento de Comércio de Pastelaria e Bebidas, não lhe podendo ser dado outro uso. O licenciamento e pedidos de autorização para o seu funcionamento, assim como os seus encargos são da responsabilidade do 2º Outorgante. 3.ª A renda mensal acordada, no regime de renda livre, é para vigorar no 1º ano o valor de € 1.150,00 (mil e cento e cinquenta euros), com atualização nos anos seguintes. 4ª O arrendamento é celebrado pelo prazo de duração efetiva de 5 anos, tendo o seu início em 1 de Maio de 2019. Tendo como obrigatoriedade de permanecer nas instalações durante dois anos. 5.ª A renda é paga ao 1º outorgante, no 1º dia útil seguinte ao dia 1 do mês anterior a que disser respeito, até ao máximo do dia 8 do mês corrente, conforme lei do arrendamento, para o IBAN: PT50 (…), do Banco (…). Na data da assinatura do contrato de mandamento o 2º outorgante efetua o pagamento de 1 mês de caução. 6.ª Quaisquer obras só podem ser feitas após autorização escrita do senhorio e, uma vez feitas, ficam pertença desta, não podendo o inquilino invocar retenção ou exigir qualquer indemnização. O local encontra-se em bom estado, devendo ser entregue nas mesmas condições existentes no fim do contrato. 7.ª A arrendatária não poderá como datá-lo ou sublocá-lo ou por qualquer outra forma cedê-lo a terceiros, gratuita ou onerosamente, no todo ou em parte, sem prévia autorização escrita do proprietário. 8.ª Existe para a fração a licença de utilização n.º 33/2001 emitida pela Câmara Municipal de Almeirim em 14 de Fevereiro de 2001, Certificado Energético e Ar Interior n.º (…). 9.ª Os outorgantes declaram que não houve intervenção de mediador imobiliário neste contrato.
Almeirim, 4 de Março de 2019 (…)».
iii. Carta registada com aviso de recepção datada de 13-02-2023, tendo como destinatária a aqui executada e o seguinte teor: «(…) Ass: Comunicação do valor em divida por rendas em falta nos termos do disposto no artigo 14.º-A da NRAU (…) Como é do seu conhecimento, celebramos um Contrato de Arrendamento Comercial da fração autónoma com a letra “A” prédio com matriz predial urbana (…) sito na Av. D. (…), 28, Almeirim, tendo ficado acordado como valor de renda mensal a quantia de € 1.154,95 (mil e cento e cinquenta e quatro euros e noventa e cinco cêntimos).
iv. Sucede que, raramente as rendas foram pagas até dia 8 de cada mês conforme contratado e estão em falta as cinco últimas rendas, de julho a novembro de 2022 inclusive, num total de € 5.774,75 (cinco mil e setecentos e setenta e quatro euros e setenta e cinco cêntimos).
v. Em todos estes meses foi-lhe enviada uma carta registada com aviso de receção a solicitar o pagamento das rendas em falta acrescidos dos 20% de indemnização legalmente previsto. Contudo, V. Exa. não pagou nem as rendas, no valor de € 5.774,75 (cinco mil e setecentos e setenta e quatro euros e setenta e cinco cêntimos), nem o acréscimo de 20%, que até novembro de 2022 eleva o valor em divida para € 6.297,70 (seis mil e novecentos e vinte e sete euros e setenta cêntimos).
vi. O contrato cessou em novembro de 2022, data em que entregou o locado, mas manteve em falta o pagamento das rendas de julho a novembro de 2022, razão pelo qual, o valor prestado como caução no montante de € 1.150,00 (mil e cento e cinquenta euros) foi acionado para liquidar parte das rendas em falta. Desta forma ficaram por pagar € 5.779,70 (cinco mil e setecentos e setenta e nove euros e setenta cêntimos). Face ao exposto, é V. Exa. devedora da quantia de € 5.779,70 (cinco mil e setecentos e setenta e nove euros e setenta cêntimos) desde novembro de 2022. Mais, informamos que iremos avançar com competente ação judicial para cobrança. (…)».
vii. Após a assinatura do susodito contrato em 04-03-2019 a executada/embargante realizou no locado obras que consistiram, nomeadamente, em: a) Substituição do pavimento existente em mosaico por novo pavimento em mosaico já que o anterior se encontrava degradado; b) Substituição de loiças sanitárias, colocação de azulejo nas paredes e, bem assim, a substituição da canalização nas duas instalações sanitárias existentes no interior do locado; c) Reparação da instalação elétrica, com substituição das condutas elétricas existentes e posterior religação ao quadro elétrico; d) Substituição por tectos em pladur dos tectos falsos existentes que se encontravam putrificados; e) Reparação das portas interiores em madeira, com lixamento e pintura das mesmas e respetivas ferragens; e f) Porta de acesso ao interior do estabelecimento comercial que se encontrava danificada por aquele espaço ter sido alvo de assalto em momento anterior.
viii. O custo despendido pela executada/embargante com tais obras cifrou-se em, pelo menos, € 8.973,70 (oito mil e novecentos e setenta e três euros e setenta cêntimos).
ix. Tal valor não inclui a quantia de € 450,00 (quatrocentos e cinquenta euros) suportada pela exequente/embargada relativamente a metade do preço de aquisição e instalação, autorizada verbalmente pela mesma, da porta de acesso a que se refere a alínea f) do inciso 3 supra.
x. As partes acordaram, quer antes do início da vigência do contrato, quer no seu decurso, que os montantes despendidos seriam liquidados pela exequente/embargada ou, em alternativa, transformados em crédito de rendas que a executada/embargante deixaria de liquidar;
xi. As rendas atinentes aos meses de Julho a Novembro de 2022 foram pagas nas seguintes datas: i. julho de 2022: paga no dia 25-07-2022; ii. agosto de 2022: paga em duas transferências bancárias realizadas em 08-08-2022 e 18-08-2022; iii. setembro de 2022: paga em duas transferências em 13-09-2022 e 19-09- 2022; iv. Outubro de 2022: paga em duas transferências em 18-10-2022 e 27-10- 2022; v. novembro de 2022: paga com o recurso ao valor de caução liquidado aquando da celebração do contrato de arrendamento que se encontrava na posse da arrendatária com a primeira renda liquidada.
xii. As partes estabeleceram acordo mediante o qual a executada/embargante poderia permanecer no locado pelo período temporal necessário, sem liquidar quaisquer valores, até que se mostrassem pagas as rendas correspondentes ao valor das susoditas obras, o que não sucedeu porque foi compelida e obrigada a abandonar o espaço que vinha ocupando até então.
xiii. Os factos dados como provados evidenciam que tendo sido celebrado contrato de arrendamento entre recorrente e recorrida, foi acordada entre as partes que quaisquer trabalhos de reabilitação correriam a expensas da executada que, por sua vez, deduziria os mencionados valores nas rendas a liquidar.
xiv. Contrariamente ao que alega a exequente no seu articulado os montantes não são exigíveis por incumprimento contratual da executada.
xv. Da mesma forma que no decurso da vigência do contrato as partes consignaram proceder, ainda que de forma verbal a diversas alterações contratuais.
xvi. Da mesma forma, também, importarão todas as benfeitorias existentes na fração da Exequente que, diga-se, foram realizadas em momento anterior à vigência do contrato de arrendamento.
xvii. Reclama a exequente lhe seja paga a quantia de € 6.087,94, a título de rendas vencidas e não pagas, o que não corresponde à verdade.
xviii. A exequente pretende ver cobrada a quantia respeitante aos valores a título de renda dos meses de julho a novembro de 2022.
xix. O valor da renda mensal estipulada no contrato de arrendamento ascende a € 1.154,95, cfr. resulta do requerimento executivo.
xx. Omite a exequente as diversas alterações ao contrato e bem assim as convenções celebradas entre as partes que levarão forçosamente à improcedência da presente ação.
xxi. Ainda antes do início da vigência do contrato de arrendamento celebrado entre as partes o que sucedeu – o início – em 01 de maio de 2019,
xxii. Contrato esse outorgado em 4 de março de 2019, a executada, no período que mediou a assinatura do contrato e o início da sua vigência, realizou no espaço que após tomou de arrendamento diversas obras de beneficiação.
xxiii. O custo despendido pela executada/embargante com tais obras cifrou-se em, pelo menos, € 8.973,70 (oito mil e novecentos e setenta e três euros e setenta cêntimos) – (ponto 4 dos factos dados como provados).
xxiv. Ficou acordado quer antes do início da vigência do contrato, quer no seu decurso entre as partes, que os montantes despendidos seriam liquidados pela exequente ou na alternativa, transformados em crédito de rendas que deixaria a executada de liquidar.
xxv. A exequente reclama o pagamento das rendas respeitantes aos meses de julho a novembro de 2022, sendo certo que os mesmos se encontram realizados como resulta do teor de transferências bancárias realizadas nas seguintes datas: julho de 2022, pago no dia 25.07.2022; agosto de 2022, pago em duas transferências em 08.08.2022 e 18.08.2022; setembro de 2022, pago em duas transferências em 13.09.2022 e 19.09.2022; outubro de 2022, pago em duas transferências em 18.10.2022 e 27.10.2022; novembro de 2022, foi pago com o recurso ao valor de caução liquidado aquando da celebração do contrato de arrendamento que se encontrava na posse da arrendatária com a primeira renda liquidada.
xxvi. Opera a compensação nestes autos, julgados procedentes os factos alegados, sendo certo que não poderá lançar mão de pedido reconvencional por não serem os presentes embargos compatíveis com tal.
xxvii. A executada tudo pagamento e sendo esta detentora de crédito sobre as benfeitorias existentes no espaço que tomou de arrendamento é credora da exequente e não devedora como pretende esta fazer crer.
xxviii. Efetivamente aquando da realização dos trabalhos no prédio dado de arrendamento em momento algum convencionaram as partes que as obras ficariam integradas no locado.
xxix. Não podendo a executada lançar mão do direito de retenção.
xxx. Ainda que assim não fosse sempre se dirá que a exequente e executada estabeleceram acordo mediante o qual a executada poderia permanecer no locado pelo período temporal necessário, sem liquidar quaisquer valores, até que se mostrassem pagas as rendas correspondentes ao valor das referidas obras, o que não sucedeu porque foi compelida e obrigada a abandonar o espaço que vinha ocupando até então.
xxxi. Face ao exposto forçoso será concluir que a exequente nada tem a receber da executada, sendo antes esta sim (executada) credora da exequente.
xxxii. Operando apenas no caso vertente dos autos a compensação de créditos.
xxxiii. Efetivamente existiu acordo entre as partes mediante o qual (ainda que verbal) ficou convencionado que a senhoria procederia à dedução dos custos dos trabalhos de beneficiação do locado no valor das rendas a liquidar pela executada.
xxxiv. E tal foi a convicção das partes, tanto mais que como decorre do depoimento prestado pela própria executada em juízo resulta que o próprio representante da exequente sempre a acompanhou na escolha dos materiais aplicados no locado, logo não poderia ignorar nem dizer, sequer, que inexistia qualquer acordo entre as partes!
xxxv. A circunstância da intervenção da exequente na aquisição dos materiais aplicados no locado é sintomático do acordo firmado entre ambos.
xxxvi. Não obstante tal não constar do contrato reduzido a escrito a verdade é que criou a exequente a convicção na executada que tal seria nos termos acordados, pelo que ao reclamar, agora o pagamento de rendas que bem sabe não lhe serem devidas, atua com manifesto abuso de direito, tanto mais que as alterações contratuais firmadas quanto a tal não estavam vinculadas à sua redução a escrito, cfr. resulta do citado acórdão do TRP de 22.05.2003, Proc. 0231666, Manuel Ramalho, www.dgsi.pt.
xxxvii. A executada em declarações de parte instada à matéria dos autos esclareceu que sempre a exequente a colocou à vontade quanto à realização das obras – que acompanhou presencialmente – tendo do seu legal representante sempre obtido a resposta que nunca seria prejudicada em tal investimento realizado (vide depoimento executada 00:04:48).
xxxviii. Da mesma forma pela executada embargante foi afirmado em declarações de parte que não obstante constar do contrato que o locado se encontrava em bom estado de conservação a verdade é que tal não correspondia à verdade vendo-se esta na contingência de realizar obras a expensas suas, sem não antes o legal representante da exequente afirmar que não se preocupasse que não sairia prejudicada no negócio (00:04:48).
xxxix. As obras necessárias eram do conhecimento das partes em momento anterior à outorga do próprio contrato (depoimento executada 00:06:52), reiterando sempre, o legal representante da Exequente que nunca iria prejudicar a executada, ou seja, que seriam em momento posterior feitas contas (00:08:23).
xl. As obras não podiam ser removidas do locado razão porque ficaram incorporadas no mesmo (00:10:15), tendo o legal representante da exequente acompanhado sempre o decorrer de tais beneficiações, tendo-se deslocado com a executada ao local onde os materiais foram adquiridos (00:10:52), pelo que as obras teriam que ser descontadas em acerto de contas (00:11:58).
xli. O legal representante da exequente afirmado que poderia assinar o contrato pois que nunca iria prejudicar a executada (00:02:47).
xlii. Esclareceu mesmo que aquele terá afirmado: “Assina lá que não estou aqui para te enganar” (00:02:47).
xliii. O legal representante da Exequente instado à matéria constante dos autos esclareceu que, contrariando desde logo o teor do próprio contrato por si outorgado e demonstrando ter havido acordo diverso do vertido no contrato que acordaram que não seria paga a renda do mês de Abril de 2019 (00:06:08).
xliv. Ora, a autorização para a realização das obras pela executada ocorreu de forma verbal, o que desde logo é demonstrativo que o locado não se mostrava apto como fez aquele constar do próprio contrato (00:08:30; 00:09:16).
xlv. Aqui chegados temos que as partes quiseram, não obstante terem reduzido a escrito um contrato alterar os seus termos como supra descrito por ambas, pelo que a Exequente ao demandar a executada bem sabendo dos custos despendidos no locado por aquela, quando tal incumbia à senhoria, configura uma situação de abuso de direito e que conduz manifestamente ao seu enriquecimento sem causa.
xlvi. Fez, pois, a exequente, aquando da assinatura do contrato que iria acertar os custos das obras com a executada o que não fez, fazendo ainda constar do contrato menção que o locado se encontrava em perfeito estado de conservação o que pelo seu próprio depoimento resulta que não seria assim.
xlvii. As obras foram realizadas por forma a permitir o desenvolvimento da atividade da executada e beneficiaram a exequente, não podendo esta, agora, afirmar que nada tem a restituir à executada ou sequer a compensar por conta dos custos que aquele teve no locado, quando tal ficou claramente evidenciado no momento da outorga do contrato pelo próprio senhorio!
xlviii. Dúvidas não restam que as obras ocorreram como dado como provado na decisão sob recurso.
xlix. Demonstrada a realização de obras em valor superior ao da quantia exequenda (cfr. factos provados em 3 e 4), as mesmas têm enquadramento no acordo verbal celebrado entre as partes em momento posterior à outorga do contrato de arrendamento.
l. A compensação pode ser exercida a título de excepção peremptória, como facto extintivo a obrigação exequenda, e não em sede de reconvenção, que não é admissível em processo executivo (também assim se pronunciou o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 24-10-2024 prolatado no Processo n.º 5250/23.9T8VNF-A.G1), como resulta dos próprios embargos deduzidos pela executada.
li. Ainda que resulte escrito do contrato na cláusula 6.ª do contrato de arrendamento transcrito na alínea a) do facto provado em 2 que «quaisquer obras só podem ser feitas após autorização escrita do senhorio e, uma vez feitas, ficam pertença desta, não podendo o inquilino invocar retenção ou exigir qualquer indemnização», a verdade é que entre as partes coisa diversa foi contratada.
lii. E não se diga que a citada clausula é uma renuncia expressa a ser ressarcida quando da própria prova resulta o oposto!
liii. A circunstancia da exequente criar a convicção junta da executada que esta não seria prejudicada com a realização das obras não permite interpretação diversa de que, de facto, as partes quiseram e pretenderam fazer crer entre si que os custos despendidos pela executada no locado seriam levados em linha de conta nas rendas que viessem a vencer-se, pelo que se reitera que a conduta da exequente excede os limites da boa fé, litigando sim, com manifesto abuso de direito que nesta sede pode ser conhecido de forma oficiosa.
liv. Em suma, verifica-se, salvo melhor opinião e com o devido respeito com a decisão proferida, um erro na interpretação da lei e apreciação da prova produzida em juízo (parte já dada como provada), pelo que imporá a procedência da excepção de compensação invocada e em consequência a revogação da decisão recorrida com a consequente absolvição da recorrente do pedido formulado nos autos.
lv. A decisão recorrida violou o disposto nos artigos 66.º, 221.º, n.º 2, 334.º, 445.º, 847.º, n.º 1, todos do Código Civil.»
A embargada apresentou contra-alegações, pronunciando-se no sentido da rejeição da reapreciação da decisão relativa à matéria de facto, por indevidamente suscitada.
Face às conclusões das alegações da recorrente e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre apreciar as questões seguintes:
- da reapreciação da decisão sobre a matéria de facto;
- da reapreciação da decisão relativa à matéria de direito, no que respeita ao pagamento da quantia exequenda e à titularidade de um contracrédito sobre a embargada, bem como à invocação da existência de abuso do direito.
Corridos os vistos, cumpre decidir.


2. Fundamentos

2.1. Fundamentos de facto

2.1.1. Factos considerados provados em 1.ª instância:
1. Por requerimento datado de 07-07-2023 a sociedade “(…), Lda.” moveu contra (…) acção executiva para pagamento da quantia global de € 6.087,94 (seis mil e oitenta e sete euros e noventa e quatro cêntimos) alegando o seguinte:
«A exequente arrendou à executada fração autónoma com letra “A” prédio com matriz predial urbana (…) sito na Av. (…), 28, em Almeirim, tendo ficado acordado como valor de renda mensal a quantia de € 1.154,95 (mil e cento e cinquenta e quatro euros e noventa e cinco cêntimos), destinado ao Comércio.
Sucede que, raramente as rendas foram pagas até dia 8 de cada mês conforme contratado e estão em falta as cinco últimas rendas, de julho a novembro de 2022 inclusive, num total de € 5.774,75 (cinco mil e setecentos e setenta e quatro euros e setenta e cinco cêntimos).
Em todos estes meses foi-lhe enviada uma carta registada com aviso de receção a solicitar o pagamento das rendas em falta acrescidos do 20% de indemnização legalmente previsto
A executada entregou o locado em novembro de 2022, mas não procedeu ao pagamento das rendas em falta no valor de € 5.779,70. Foram enviadas cartas registadas com aviso de recepção e como a executada continuou sem pagar e foi efetuada notificação judicial avulsa que se anexa».
2. A invocada notificação concretizou-se em 13-06-2023, dela fazendo parte:
a) Um denominado «Contrato de Arrendamento comercial de duração limitada» com o seguinte teor:
«Outorgantes:
1º (…), Lda., pessoa colectiva n.º (…), matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Loulé, com sede na (…), 2, Apartamento-204, 1º 8125-406 Vilamoura, representada neste acto pelo seu sócio e gerente (…), contribuinte n.º (…).
2º (…), contribuinte n.º (…), residente na Rua (…), Lt 9, R/C-Dto., 2080-194 Almeirim, com o cartão cidadão n.º (…).
Acordam e reduzem a escrito o presente contrato de arrendamento, com as seguintes cláusulas:
1.ª O 1º outorgante, na qualidade de proprietário da fração autónoma designada pela fração autónoma designada pela letra A, pertencente ao Rés-do-chão direito, do prédio urbano sito na Av. (…), n.º 28 (Lote 34), em Almeirim, descrito na Conservatória do Registo Predial de Almeirim sob o n.º (…), da freguesia e concelho de Almeirim, inscrito na matriz sob o artigo (…), dá a mesma de arrendamento ao 2º outorgante.
2.ª O local arrendado destina-se a Estabelecimento de Comércio de Pastelaria e Bebidas, não lhe podendo ser dado outro uso.
O licenciamento e pedidos de autorização para o seu funcionamento, assim como os seus encargos são da responsabilidade do 2º Outorgante.
3.ª A renda mensal acordada, no regime de renda livre, é para vigorar no 1º ano o valor de € 1.150,00 (mil e cento e cinquenta euros), com atualização nos anos seguintes.
4ª O arrendamento é celebrado pelo prazo de duração efetiva de 5 anos, tendo o seu início em 1 de Maio de 2019. Tendo como obrigatoriedade de permanecer nas instalações durante dois anos.
5.ª A renda é paga ao 1º outorgante, no 1º dia útil seguinte ao dia 1 do mês anterior a que disser respeito, até ao máximo do dia 8 do mês corrente, conforme lei do arrendamento, para o IBAN: PT50 (…), do Banco (…). Na data da assinatura do contrato de mandamento o 2º outorgante efetua o pagamento de 1 mês de caução.
6.ª Quaisquer obras só podem ser feitas após autorização escrita do senhorio e, uma vez feitas, ficam pertença desta, não podendo o inquilino invocar retenção ou exigir qualquer indemnização. O local encontra-se em bom estado, devendo ser entregue nas mesmas condições existentes no fim do contrato.
7.ª A arrendatária não poderá como datá-lo ou sublocá-lo ou por qualquer outra forma cedê-lo a terceiros, gratuita ou onerosamente, no todo ou em parte, sem prévia autorização escrita do proprietário.
8.ª Existe para a fração a licença de utilização n.º (…), emitida pela Câmara Municipal de Almeirim em 14 de Fevereiro de 2001, Certificado Energético e Ar Interior n.º (…).
9.ª Os outorgantes declaram que não houve intervenção de mediador imobiliário neste contrato.
Almeirim, 4 de Março de 2019
(…)»;
b) Carta registada com aviso de recepção datada de 13-02-2023, tendo como destinatária a aqui executada e o seguinte teor:
«(…)
Ass: Comunicação do valor em divida por rendas em falta nos termos do disposto no artigo 14.º-A da NRAU
(…)
Como é do seu conhecimento, celebramos um Contrato de Arrendamento Comercial da fração autónoma com a letra “A” prédio com matriz predial urbana (…), sito na Av. (…), 28, em Almeirim, tendo ficado acordado como valor de renda mensal a quantia de € 1.154,95 (mil e cento e cinquenta e quatro euros e noventa e cinco cêntimos).
Sucede que, raramente as rendas foram pagas até dia 8 de cada mês conforme contratado e estão em falta as cinco últimas rendas, de julho a novembro de 2022 inclusive, num total de € 5.774,75 (cinco mil e setecentos e setenta e quatro euros e setenta e cinco cêntimos).
Em todos estes meses foi-lhe enviada uma carta registada com aviso de receção a solicitar o pagamento das rendas em falta acrescidos dos 20% de indemnização legalmente previsto.
Contudo, V. Exa. não pagou nem as rendas, no valor de € 5.774,75 (cinco mil setecentos e setenta e quatro euros e setenta e cinco cêntimos), nem o acréscimo de 20%, que até novembro de 2022 eleva o valor em dívida para € 6.297,70 (seis mil e novecentos e vinte e sete euros e setenta cêntimos).
O contrato cessou em novembro de 2022, data em que entregou o locado, mas manteve em falta o pagamento das rendas de julho a novembro de 2022, razão pelo qual, o valor prestado como caução no montante de € 1.150,00 (mil e cento e cinquenta euros) foi acionado para liquidar parte das rendas em falta.
Desta forma ficaram por pagar € 5.779,70 (cinco mil e setecentos e setenta e nove euros e setenta cêntimos).
Face ao exposto, é V. Exa. devedora da quantia de € 5.779,70€ (cinco mil e setecentos e setenta e nove euros e setenta cêntimos) desde novembro de 2022.
Mais, informamos que iremos avançar com competente ação judicial para cobrança.
(…)».
3. Após a assinatura do susodito contrato em 04-03-2019 a executada/embargante realizou no locado obras que consistiram, nomeadamente, em:
a) Substituição do pavimento existente em mosaico por novo pavimento em mosaico já que o anterior se encontrava degradado;
b) Substituição de loiças sanitárias, colocação de azulejo nas paredes e, bem assim, a substituição da canalização nas duas instalações sanitárias existentes no interior do locado;
c) Reparação da instalação elétrica, com substituição das condutas elétricas existentes e posterior religação ao quadro elétrico;
d) Substituição por tectos em pladur dos tectos falsos existentes que se encontravam putrificados;
e) Reparação das portas interiores em madeira, com lixamento e pintura das mesmas e respetivas ferragens; e
f) Porta de acesso ao interior do estabelecimento comercial que se encontrava danificada por aquele espaço ter sido alvo de assalto em momento anterior.
4. O custo despendido pela executada/embargante com tais obras cifrou-se em, pelo menos, € 8.973,70 (oito mil e novecentos e setenta e três euros e setenta cêntimos).
5. Tal valor não inclui a quantia de € 450,00 (quatrocentos e cinquenta euros) suportada pela exequente/embargada relativamente a metade do preço de aquisição e instalação, autorizada verbalmente pela mesma, da porta de acesso a que se refere a alínea f) do inciso 3 supra.

2.1.2. Factos considerados não provados em 1.ª instância:
a) O custo despendido pela executada/embargante com as obras mencionadas em 3 supra ascendeu à quantia total de € 10.841,93 (dez mil e oitocentos e quarenta e um euros e noventa e três cêntimos);
b) As partes acordaram, quer antes do início da vigência do contrato, quer no seu decurso, que os montantes despendidos seriam liquidados pela exequente/embargada ou, em alternativa, transformados em crédito de rendas que a executada/embargante deixaria de liquidar;
c) As rendas atinentes aos meses de Julho a Novembro de 2022 foram pagas nas seguintes datas:
i. julho de 2022: paga no dia 25-07-2022;
ii. agosto de 2022: paga em duas transferências bancárias realizadas em 08-08-2022 e 18-08-2022;
iii. setembro de 2022: paga em duas transferências em 13-09-2022 e 19-09-2022;
iv. outubro de 2022: paga em duas transferências em 18-10-2022 e 27-10-2022;
v. novembro de 2022: paga com o recurso ao valor de caução liquidado aquando da celebração do contrato de arrendamento que se encontrava na posse da arrendatária com a primeira renda liquidada;
d) As partes estabeleceram acordo mediante o qual a executada/embargante poderia permanecer no locado pelo período temporal necessário, sem liquidar quaisquer valores, até que se mostrassem pagas as rendas correspondentes ao valor das susoditas obras, o que não sucedeu porque foi compelida e obrigada a abandonar o espaço que vinha ocupando até então.

2.2. Apreciação do objeto do recurso

2.2.1. Reapreciação da decisão sobre a matéria de facto
A apelante põe em causa a decisão sobre a matéria de facto constante da sentença recorrida, tecendo considerandos sobre a prova produzida e sustentando que determinados elementos probatórios foram indevidamente desconsiderados pela 1.ª instância, sendo certo que não deduz qualquer pretensão visando a modificação da factualidade julgada provada ou não provada, assim não podendo considerar-se efetivamente impugnada a decisão proferida.
É sabido que a impugnação da decisão relativa à matéria de facto se encontra sujeita a determinados requisitos, impostos pelo artigo 640.º do CPC, pelo que cumpre verificar se os mesmos se mostram cumpridos.
Sob a epígrafe Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, dispõe o citado preceito o seguinte:
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.
Explicando o sistema vigente quando o recurso envolva a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, afirma António Santos Abrantes Geraldes (Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª edição, Coimbra, Almedina, 2018, págs. 165-166), além do mais, o seguinte: “a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; b) Deve ainda especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; c) Relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exatidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos; (…) e) O recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente (…)”.
Em anotação ao citado preceito, explicam António Santos Abrantes Geraldes/Paulo Pimenta/Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Coimbra, Almedina, 2018, pág. 770) que “cumpre ao recorrente indicar os pontos de facto que impugna, pretensão esta que, delimitando o objeto do recurso, deve ser inserida também nas conclusões”.
Analisando as alegações de recurso apresentadas, verifica-se que a recorrente não especifica nas respetivas conclusões, nem sequer no corpo das alegações, os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, o que impõe se conclua que não cumpriu o ónus previsto na alínea a) do n.º 1 do mencionado artigo 640.º.
Acresce que a apelante também não indica, seja na motivação ou nas conclusões das alegações, a decisão que entende dever ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como tal incumprindo igualmente o ónus previsto na alínea c) do n.º 1 do citado preceito.
O incumprimento, pelo recorrente, de qualquer dos ónus previstos nas citadas alíneas a) e c), é cominado com a rejeição do recurso, na parte respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto, conforme decorre do estatuído no corpo do n.º 1 do citado artigo 640.º, assim se encontrando afastada a possibilidade de a Relação convidar ao aperfeiçoamento das alegações, de forma a suprir tal omissão.
No caso presente, verificado o incumprimento pela recorrente destes ónus – indicação nas conclusões dos concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e indicação, na motivação ou nas conclusões, da decisão que entende dever ser proferida sobre tais questões de facto –, sempre seria de rejeitar o recurso na parte respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto, caso tivesse sido efetivamente deduzida, conforme decorre do estatuído no corpo do n.º 1 do citado artigo 640.º.
Verificada a falta de efetiva impugnação da decisão de facto, impõe-se rejeitar a apreciação da argumentação da apelante, na parte em que põe em causa a decisão de facto.

2.2.2. Reapreciação da decisão sobre a matéria de direito
Encontra-se impugnada na apelação a decisão que julgou improcedente a oposição deduzida pela apelante à execução que lhe move a apelada, baseada em contrato de arrendamento outorgado pela executada, na qualidade de arrendatária, acompanhado por comprovativo da comunicação à mesma do montante em dívida.
Considerou a 1.ª instância que a exequente dispõe do título executivo complexo previsto no artigo 14.º-A, n.º 1, da Lei n.º 6/2006, de 27-02 (aditado pela Lei n.º 31/2012, de 14-08), que aprovou o Novo Regime do Arrendamento Urbano, o que não vem posto em causa na apelação; mais considerou não verificados os fundamentos de oposição à execução invocados pela embargante – a saber: i) o pagamento do montante peticionado a título de rendas relativas aos meses de julho a novembro de 2022; ii) a titularidade de um contracrédito sobre a exequente, com vista à obtenção da compensação de créditos –, matéria que vem posta em causa no recurso interposto.
Na apelação deduzida, a embargante defende a revogação da decisão recorrida, pugnando se considere verificado o pagamento do montante peticionado a título de rendas relativas aos meses de julho a novembro de 2022, bem como a existência de um contracrédito sobre a exequente, com vista à obtenção da compensação de créditos.
No entanto, baseia a solução que preconiza em factualidade não provada.
A 1.ª instância considerou não verificado o pagamento invocado na oposição à execução, por se ter entendido que não logrou a embargante demonstrar o pagamento das rendas relativas aos meses de julho a novembro de 2022, o que cumpre reapreciar.
Nas alegações de recurso, a apelante alega que efetuou tal pagamento, conforme decorre da conclusão XI, com a redação seguinte:
«xi. As rendas atinentes aos meses de Julho a Novembro de 2022 foram pagas nas seguintes datas: i. julho de 2022: paga no dia 25-07-2022; ii. agosto de 2022: paga em duas transferências bancárias realizadas em 08-08-2022 e 18-08-2022; iii. setembro de 2022: paga em duas transferências em 13-09-2022 e 19-09- 2022; iv. Outubro de 2022: paga em duas transferências em 18-10-2022 e 27-10- 2022; v. novembro de 2022: paga com o recurso ao valor de caução liquidado aquando da celebração do contrato de arrendamento que se encontrava na posse da arrendatária com a primeira renda liquidada».
Porém, esta factualidade foi julgada não provada, configurando a alínea c) do elenco de factos tidos por não provados em 2.1.2., pelo que se mostra prejudicada a apreciação da questão de direito suscitada com base em tal matéria de facto.
Na decisão recorrida, foi considerada não verificada a titularidade do contracrédito sobre a exequente invocado pela executada, relativo ao montante que despendeu com a realização de obras no locado, por se ter entendido não assistir à executada o direito a exigir tal pagamento à exequente, pelos motivos expostos no excerto que se transcreve:
(…) embora tenha demonstrado a realização de obras em valor superior ao da quantia exequenda (cfr. factos provados em 3 e 4), não tem suporte contratual que permita efectuar aqui a pretendida compensação.
Com efeito, admitimos, em linha com o entendimento que tem vindo a consolidar-se no Supremo Tribunal de Justiça (veja-se, por exemplo, o Acórdão de 12-12-2023 (Processo n.º 3255/18.0T8VNG-B.P1.S1), que a exigibilidade judicial a que se refere o artigo 847.º, n.º 1, alínea a), do Código Civil «não significa a necessidade de um prévio reconhecimento judicial, mas apenas que esse crédito esteja em condições de ser judicialmente reconhecido nos termos do artigo 817.º do Código Civil, isto é, por ação de cumprimento e execução».
Vale dizer que, do nosso ponto de vista, em sede de embargos de executado a compensação pode ser exercida a título de excepção peremptória, como facto extintivo a obrigação exequenda, e não em sede de reconvenção, que não é admissível em processo executivo (também assim se pronunciou o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 24-10-2024 prolatado no Processo n.º 5250/23.9T8VNF-A.G1).
Sucede que na concreta situação dos autos foi expressamente acordado na cláusula 6.ª do contrato de arrendamento transcrito na alínea a) do facto provado em 2 que «quaisquer obras só podem ser feitas após autorização escrita do senhorio e, uma vez feitas, ficam pertença desta, não podendo o inquilino invocar retenção ou exigir qualquer indemnização».
Salvo o devido respeito por entendimento diverso, à luz dos critérios estabelecidos nos artigos 236.º a 238.º do diploma civil fundamental a interpretação de tal cláusula é inequívoca, dela emergindo uma clara renúncia da aqui executada / embargante a ser compensada / indemnizada pelas obras em apreço, o que irremediavelmente afasta o direito a essa compensação / indemnização (…).
Discordando deste entendimento, a embargante, no recurso que interpôs, sustenta que as partes acordaram que os montantes despendidos pela arrendatária com obras seriam liquidados pela exequente ou transformados em créditos de rendas que a executada deixaria de liquidar, conforme decorre designadamente das conclusões X, XII, XIII e XV, com a redação seguinte:
«x. As partes acordaram, quer antes do início da vigência do contrato, quer no seu decurso, que os montantes despendidos seriam liquidados pela exequente/embargada ou, em alternativa, transformados em crédito de rendas que a executada/embargante deixaria de liquidar»;
«xii. As partes estabeleceram acordo mediante o qual a executada / embargante poderia permanecer no locado pelo período temporal necessário, sem liquidar quaisquer valores, até que se mostrassem pagas as rendas correspondentes ao valor das susoditas obras, o que não sucedeu porque foi compelida e obrigada a abandonar o espaço que vinha ocupando até então»;
«xiii. Os factos dados como provados evidenciam que tendo sido celebrado contrato de arrendamento entre recorrente e recorrida, foi acordada entre as partes que quaisquer trabalhos de reabilitação correriam a expensas da executada que, por sua vez, deduziria os mencionados valores nas rendas a liquidar»;
«xv. Da mesma forma que no decurso da vigência do contrato as partes consignaram proceder, ainda que de forma verbal a diversas alterações contratuais».
No entanto, também esta factualidade foi julgada não provada, conforme decorre das alíneas b) e d) do elenco de factos tidos por não provados em 2.1.2., o que torna desnecessária a apreciação da questão de direito suscitada com base em tal matéria de facto.
Mostra-se acertada a decisão recorrida, ao considerar que a factualidade provada não permite ter por verificados os fundamentos de oposição à execução invocados pela embargante e que tal impõe a improcedência da pretensão deduzida.
Afirma, ainda, a apelante que, apesar de tal não constar do contrato escrito, a exequente criou à executada a convicção de que não seria prejudicada pelo investimento realizado com a realização de obras no locado e que seria reembolsada dos montantes despendidos ou compensada no âmbito do pagamento das rendas, sustentando que, ao exigir o pagamento das rendas em apreciação, sabe não serem tais montantes devidos, agindo em abuso do direito.
Sob a epígrafe Abuso do direito, o artigo 334.º do Código Civil dispõe o seguinte: É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.
O abuso do direito, nas suas várias modalidades, pressupõe sempre, nos termos do artigo 334.º do Código Civil, que o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.
A apelante não baseia a arguição do abuso do direito em qualquer factualidade tida por provada, relativa ao exercício do direito em apreciação, o que não permite a apreciação do invocado obstáculo legal a tal exercício.
Porém, analisando o conjunto dos factos tidos por provados, verifica-se que deles não decorre que exequente, ao intentar a execução visando a cobrança coerciva de montantes relativos a rendas em dívida pela executada, sem levar em conta quantias por esta despendidas com obras realizadas no locado, constando do contrato de arrendamento entre ambas outorgado não poder o inquilino exigir qualquer indemnização com fundamento na realização de obras no locado, tenha excedido manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social e económico do direito.
Não se vislumbrando abusivo o exercício do direito em causa, não se verifica o invocado abuso do direito.
Nesta conformidade, improcede, na totalidade, a apelação.

Em conclusão: (…)

3. Decisão

Nestes termos, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
Custas pela apelante.
Notifique.
Évora, 05-06-2025
(Acórdão assinado digitalmente)
Ana Margarida Carvalho Pinheiro Leite (Relatora)
Vítor Sequinho dos Santos (1.º Adjunto)
Maria Domingas Simões (2.ª Adjunta)