NULIDADES DA DECISÃO
MATÉRIA DE FACTO
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
Sumário

I - A falta de fundamentação da decisão de facto não configura o vício previsto no artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do CPC, não constituindo causa de nulidade da sentença;
II – Incumbe ao recorrente indicar o efeito pretendido com a apelação, isto é, a alteração que pretende obter na decisão recorrida.
(Sumário da Relatora)

Texto Integral

Processo n.º 1/23.0T8LGA-C.E1
Juízo de Comércio de Lagoa
Tribunal Judicial da Comarca de Faro


Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:

1. Relatório

Por apenso ao processo no âmbito do qual foi declarada a insolvência de (…), intentou (…), Lda. a presente ação de impugnação da resolução em benefício da massa insolvente contra a Massa Insolvente de (…), representada pelo Sr. Administrador da Insolvência, impugnando a resolução pelo AI, em benefício da massa insolvente, do contrato de compra e venda que celebrou com a ora insolvente em 20-07-2022, relativo a metade indivisa da fração autónoma que identifica, pedindo, pelos motivos que expõe, se declare a inexistência do direito à resolução do negócio em causa, com as legais consequências, como tudo melhor consta da petição inicial.
Citada, a Massa Insolvente contestou, sustentando a verificação dos fundamentos invocados para a resolução do contrato e pugnando pela improcedência da impugnação deduzida, pelos motivos que expôs.
Por despacho de 29-08-2024, foi dispensada a audiências prévia, fixado o valor à causa e proferido despacho saneador, após o que se identificou o objeto do litígio e se enunciou os temas da prova.
Realizada a audiência final, foi proferida sentença, na qual se considerou não verificada exceção de caducidade invocada pela ré em sede de alegações e se julgou improcedente a ação, absolvendo-se a ré do pedido formulado e condenando-se a autora nas custas.
Inconformada, a autora interpôs recurso desta decisão, invocando a respetiva nulidade e terminando as alegações com a formulação das conclusões que se transcrevem:
1) A Apelante apresentou ação de impugnação da resolução incondicional da venda da metade indivisa da Insolvente (…) do apartamento sito na Praceta dos (…), Quinta da (…), Lote 11, 3.º A.
2) A venda do imóvel realizou-se pelo preço de € 60.000,00 (sessenta mil euros), isto é, € 30.000,00 (trinta mil euros) para cada propriedade, em 20 de julho de 2022.
3) A Apelante sustentou que o facto de ser empregadora do companheiro da Insolvente, tal realidade não lhe conferia a qualidade de entidade especialmente relacionada com a Insolvente.
4) Sustentando, ainda, que não conhecia, e muito menos tinha o dever de conhecer, a situação de pré-insolvência do casal.
5) Concluindo pela inexistência de má fé na realização do negócio, tendo o preço acordado para a venda sido o justo para a localização, tipo de construção e estado de conservação do imóvel.
6) Por essa razão, entende a Apelante que não se encontra preenchido o terceiro pressuposto elencado no artigo 121.º, n.º 1, da alínea h), do CIRE, pelo que deverá ser declarada a inexistência do direito à resolução incondicional da venda pelo Administrador de Insolvência.
7) Em sede contestação veio a Apelada alegar que a venda foi realizada por um preço inferior ao preço de aquisição, mesmo tendo decorrido quinze anos da data da sua aquisição.
8) Pelo que este negócio foi prejudicial à massa e, por conseguinte, as obrigações assumidas pela Insolvente foram superiores àquelas assumidas pela contraparte.
9) Para além disso, considera a Apelada que a Apelante é uma pessoa especialmente relacionada com a Insolvente.
10) Assim, concluiu a Apelada que devia a ação ser julgada totalmente improcedente, por não provada, e, em consequência, manter-se na ordem jurídica a resolução da venda promovida pelo Exmo. Sr. Administrador de Insolvência.
11) Por Sentença datada de 17 de março de 2025 veio o Mmo. Tribunal a quo sustentar que o imóvel foi vendido por um valor bastante inferior ao valor de mercado, uma vez que a venda foi feita pelo preço de € 60.000,00 (sessenta mil euros) e apenas 9 meses depois a Apelante revendeu o imóvel pelo valor de € 115.000,00 (cento e quinze mil euros).
12) Acrescentando que a venda foi realizada no ano anterior à declaração e decretamento da insolvência da Insolvente.
13) Por todo o exposto, entendeu o Mmo. Tribunal a quo que se encontravam verificados todos os pressupostos elencados pelo artigo 121.º, n.º 1, alínea h), do CIRE e, por essa razão, concluiu que bem andou o Exmo. Administrador de Insolvência ao promover a resolução do negócio.
14) Contudo, na sentença proferida, limitou-se o Mmo. Tribunal a quo a elencar os factos que dava como provados e os que dava como não provados, subsumindo-os ao direito aplicável.
15) Porém, em momento algum da sentença, analisou criticamente as provas ou indicou as ilações tiradas dos factos instrumentais, inexistindo qualquer fundamento de facto que permita concluir no sentido da formação da sua convicção.
16) Ora, nos termos do artigo 205.º da CRP recai sobre o julgador a obrigatoriedade de fundamentar as decisões judiciais, obrigação que o Mmo. Tribunal a quo incumpriu.
17) Idêntica obrigação prescreve o artigo 154.º do CPC, estatuindo o dever de fundamentação das decisões proferidas.
18) Este entendimento encontra-se vertido no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de janeiro de 2025, Processo n.º 661/20.4T8VCTB.G1.S1 que reforça o dever de fundamentação das decisões judiciais, dever que resulta, não só, de imposição constitucional (artigo 205.º da CRP), como do preceito legal prescrito no artigo 154.º do CPC.
19) Densificando, ainda, que este duplo dever tem por objetivo explanar os motivos pelos quais o julgador decidiu em determinado sentido, mas, ainda, permitir aos destinatários compreendê-la e contrapô-la.
20) Pelo que, o desrespeito por este dever viola também o princípio do contraditório tendo em conta que, a ausência de fundamentação de facto, não permite à Apelante contrapor o raciocínio que motivou aquela decisão, por este ser desconhecido.
21) Assim, tendo-se o Mmo. Tribunal a quo limitado a explanar os factos que considerava provados, e aqueles que considerava como não provados, e não tendo apresentado a fundamentação de facto que contribuiu para a formação da sua convicção, tal viola os preceitos legais previstos nos artigos 205.º da CRP, 154.º e 607.º, n.º 4, do CPC.
22) Por tudo o exposto, conclui-se que a sentença proferida enferma de nulidade, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do CPC
23) Pelo que questão que aqui se coloca à Douta apreciação do Mmo. Tribunal ad quem resume-se a saber se a Sentença proferida enferma de nulidade, por não especificar os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, em violação do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.»
Não foram apresentadas contra-alegações.
Face às conclusões das alegações da recorrente e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre apreciar as questões seguintes:
- da nulidade da decisão recorrida;
- do efeito pretendido com a apelação.
Corridos os vistos, cumpre decidir.


2. Fundamentos

2.1. Decisão de facto

2.1.1. Factos considerados provados em 1.ª instância:
1. Em 5/1/2023, (…) foi declarada insolvente;
2. (…) é companheiro da insolvente, tendo também ele sido declarado insolvente em 22/2/2023, proferido no processo n.º 25/23.8T8LGA;
3. Em 29 de julho de 2022, a insolvente e o seu companheiro, também insolvente, declararam vender o referido imóvel à aqui Autora, que aceitou comprar, pelo montante de € 60.000,00;
4. A Autora foi notificada, por carta registada (CTT RL034462885PT), recebida em 27 de Maio de 2023, que o Sr. Administrador de Insolvência declarou a resolução incondicional da venda da metade indivisa da Insolvente (…) do apartamento sito na Praceta dos (…), Quinta da (…), Lote 11, 3º-A, correspondente à fração “P” do prédio urbano pertencente à freguesia e concelho de Portimão, descrito na CRP sob o n.º (…) e inscrito na respetiva matriz predial com o n.º (…), venda que foi outorgada em 29 de Julho de 2022 no Cartório Notarial da Notária (…), em Portimão;
5. O Sr. Administrador de Insolvência resolveu incondicionalmente a venda da metade indivisa da Insolvente (…) do apartamento, nos termos constantes do doc. 1 junto com a contestação, que aqui se dá por reproduzida;
6. Por Despacho de 23/03/2023, proferido no Processo de Insolvência 1/23.0T8LGA foi determinada a realização de uma avaliação independente do apartamento em apreço por perito avaliador inscrito na CMVM, o qual, em Abril de 2023, avaliou o mesmo no valor de mercado de € 146.300,00 e no valor de venda imediata de € 131.700,00, mesmo sem lugar de garagem e arrecadação;
7. Eles viviam em casa com vários gatos;
8. Pela Ap. (…), de 02/03/2016, foi averbado no âmbito do processo de Execução Sumária n.º 939/15.9T8SLV, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Juízo de Execução de Silves, uma penhora sobre o imóvel melhor identificado nos autos, pertença da Insolvente (…) e do seu companheiro (…), promovida pelo Banco (…), S.A., no montante de € 5.287,83 – cfr. descrição predial aqui junta como doc. n.º 4;
9. A 25-01-2019, foi a dita penhora cancelada na sequência de sentença proferida a 8-11-2018, a pedido do Executado (…), companheiro da Insolvente (…) e ele próprio também Insolvente;
10. Tal cancelamento foi proferido a pedido do sr. (…) e contra a posição do Agente de Execução, uma vez que aquele entendeu que um lugar de garagem no mesmo prédio e uma arrecadação seriam suficientes para satisfação da dívida exequenda (cfr. sentença junta como doc. n.º 5);
11. Ora, não obstante, a venda promovida foi manifestamente insuficiente, resultando num valor alcançado de € 2.000,00 (dois mil euros) – cfr. docs. n.º 6 e 7;
12. Em face do exposto, resultou a necessidade de efetuar nova penhora à Insolvente e ao seu companheiro (…), para ressarcimento do Credor;
13. Porém, com o intuito de obstarem à satisfação da quantia reclamada pelo Credor, e antes que fosse efetuada a penhora e alienação judicial do bem, a Insolvente (…) e o seu companheiro procederam à dissipação do bem;
14. Venderam-no pelo montante de € 60.000,00 (sessenta mil euros), através de escritura pública outorgada em 29-07-2022 no Cartório Notarial em Portimão da notária (…) – cfr. Escritura junta como doc. n.º 8.
15. Acontecendo que a Insolvente (…) e o seu companheiro adquiriram o imóvel em 2007 pelo preço de € 60.914,00 (sessenta mil e novecentos e catorze euros), um valor superior ao da venda, ocorrida em 2022;
16. O sr. (…), a 17 de Abril de 2023, detendo a chave do imóvel, e lá habitando, agendou a visita e entrada do perito avaliador – cfr. Emails juntos como docs. n.º 10 a 12;
17. A Insolvente e o seu companheiro continuaram a residir no apartamento, pelo menos até à visita do perito avaliador;
18. O Insolvente (…) aí recebeu as notificações relativas à Resolução – comprovativos juntos como docs. n.º 13 e 14;
19. Na sequência da sua avaliação, o perito efetuou o registo fotográfico do imóvel, tendo junto ao seu relatório – cfr. relatório aqui junto como doc. n.º 15;
20. A (…) alegou ter feito obras e comprovadamente pintou o apartamento, circunstância que permite aferir que o mesmo tão pouco teria sido pintado;
21. Por ocasião da sua visita, o Perito Avaliador não constatou a existência de qualquer obra recente no imóvel;
22. Depois de a Insolvente e o seu Companheiro alienarem o imóvel à Autora em 29- 07-2022, pelo qual pagavam uma prestação ao Banco de € 183,36 (cento e oitenta e três euros e trinta e seis cêntimos);
23. De imediato terem acordado uma relação de arrendamento com a Autora no valor de € 350,00 (trezentos e cinquenta euros), circunstância manifestamente desfavorável – cfr. Contrato junto como doc. n.º 25;
24. A Insolvente não obteve lucro com a venda do imóvel, ao contrário do que a Autora pretende fazer crer, quando o preço de venda em 2022 foi inferior ao preço de aquisição em 2007;
25. A Autora é a entidade patronal do companheiro da Insolvente (…) desde 04-09-2017 – cfr. contrato de trabalho ora junto como doc. n.º 26;
26. Teve conhecimento das fragilidades da Insolvente (…) e do seu companheiro uma vez que sobre o vencimento do sr. (…) incidia penhora no âmbito do processo n.º 1303/15.5T8SLV e do n.º processo 939/15.9T8SLV – cfr. recibo de vencimento junto como doc. n.º 27;
27. O Autor aproveitou-se das circunstâncias por conhecer a fragilidade da Insolvente (…) e o seu companheiro, também Insolvente, por saber que incidiam penhoras sobre o vencimento do último;
28. O Autor ficou com um único ativo de valor dos AA;
29. Até porque o apartamento foi alienado por preços não usuais nem normais para o imóvel, para a época e para a própria região;
30. A Autora bem sabia dos valores do mercado, uma vez que tem como principais objetos a construção civil, bem como a compra, venda e revenda de imóveis;
31. Caso o imóvel tivesse sido vendido pelo seu justo valor, tinha-se conseguido pagar a todos os credores;
32. Na data da venda, foi integralmente liquidado o valor dos créditos hipotecários do “Banco (…), SA”, no valor de € 52.205,90;
33. A venda do imóvel, que se encontrava hipotecado, pelo valor de € 60.000,00 (sessenta mil euros) permitiu extinguir a dívida àquela instituição bancária e ficar com o restante no valor de € 7.794,10 (sete mil, setecentos e noventa e quatro euros e dez cêntimos).
34. A Autora desconhece, sem dever de conhecer, qual o destino dado pelos Insolventes ao valor que sobrou após a liquidação dos créditos hipotecários.

2.1.2. Factos considerados não provados em 1.ª instância:
1. O valor de venda correspondia, na data do negócio, ao efetivo valor de mercado do imóvel, atendendo ao seu estado de conservação;
2. À data da venda, o imóvel apresentava-se extremamente mal conservado;
3. As carpintarias, incluindo os roupeiros, estavam irrecuperáveis;
4. Os pavimentos, para além de obsoletos, estavam em mau estado de conservação;
5. Os proprietários realizaram obras no imóvel que ao invés de aumentar, reduziam drasticamente o seu valor, nomeadamente a construção de um armário para guardar sapatos que nunca foi acabado, assim como as obras na casa de banho, que apesar de iniciadas, não foram concluídas;
6. O imóvel apresentava-se pintado com cores bastante garridas;
7. A Autora adquiriu o imóvel, teve necessariamente que realizar obras de renovação;
8. Tendo despendido com tais obras um valor correspondente a € 40.000,00 (quarenta mil euros);
9. Naquela data o valor de venda, € 60.000,00 (sessenta mil euros), era correspondente ao seu valor de mercado para o mesmo tipo de imóveis naquela zona e naquele estado de conservação;
10. A cozinha não tinha porta, as paredes e os tetos de toda a habitação apresentavam vários buracos e fissuras;
11. As carpintarias estavam degradadas;
12. Parte do revestimento de uma das paredes não estava acabada;
13. A cozinha não tinha porta, as paredes e os tetos de toda a habitação apresentavam vários buracos e fissuras;
14. As carpintarias estavam degradadas;
15. Parte do revestimento de uma das paredes não estava acabada;

2.2. Apreciação do objeto do recurso

2.2.1. Nulidade da decisão recorrida
Vem posta em causa na apelação a sentença que julgou improcedente a presente ação de impugnação da resolução em benefício da massa insolvente – através da qual a autora impugnou a resolução, operada pelo administrador da insolvência em benefício da massa insolvente, do contrato de compra e venda que outorgou em 20-07-2022 com a ora insolvente, relativo a metade indivisa da fração autónoma identificada nos autos –, absolvendo a ré do pedido e condenando a autora nas custas.
Na apelação que interpôs, a autora arguiu a nulidade da decisão recorrida, imputando-lhe o vício previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil.
As causas de nulidade da sentença encontram-se previstas no n.º 1 do invocado preceito, nos termos do qual é nula a sentença quando: a) não contenha a assinatura do juiz; b) não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e) o juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
Cumpre apreciar se a decisão recorrida padece da causa de nulidade que lhe é imputada nas alegações de recurso.
A apelante imputa à decisão recorrida a causa de nulidade prevista na alínea b) do n.º 1 do citado preceito, invocando a falta de fundamentação da decisão proferida sobre a matéria de facto.
Analisada a sentença, constata-se que foi efetivamente omitida a fundamentação da decisão proferida sobre a matéria de facto, conforme alega a apelante, limitando-se a 1.ª instância a declarar os factos julgou provados e os que julgou não provados.
Verifica-se, assim, que não foi dado cumprimento ao dever de motivação da decisão de facto imposto pelo artigo 607.º, n.º 4, do CPC, nos termos do qual, na fundamentação da sentença, deve o juiz, além de declarar quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisar criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção, bem como tomar em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documento ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.
Porém, a falta de fundamentação da decisão de facto não configura o vício arguido pela apelante, não constituindo causa de nulidade da sentença.
O vício previsto na invocada alínea b) ocorre quando a sentença não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, assim incumprindo o dever de fundamentação da decisão estabelecido no artigo 154.º do CPC. A nulidade em causa pressupõe se omita completamente o cumprimento deste dever de fundamentação, o que requer a total ausência de especificação da fundamentação de facto ou de direito, não se verificando perante a omissão da motivação da decisão de facto.
Em anotação ao citado artigo 615.º, afirmam José Lebre de Freitas/Isabel Alexandre (Código de Processo Civil Anotado, volume 2.º, 3.ª edição, Coimbra, Almedina, 2017, pág. 736) o seguinte: «Face ao atual Código, que integra na sentença tanto a decisão sobre a matéria de facto como a fundamentação desta decisão (artigo 607.º, n.ºs 3 e 4), deve considerar-se que a nulidade consagrada na alínea b) do n.º 1 (falta de especificação dos fundamentos de facto que justificam a decisão) apenas se reporta à primeira, sendo à segunda, diversamente, aplicável o regime do artigo 662.º, n.ºs 2-d e 3, alíneas b) e d)».
Como tal, a situação invocada pela apelante, relativa à falta de fundamentação da decisão de facto, não configura o vício previsto na referida alínea b), o qual não se verifica no caso presente, dado constar da decisão recorrida a indicação da matéria de facto e da matéria de direito em que se baseia.
Não se verifica, assim, a invocada nulidade da decisão recorrida, com fundamento no vício previsto na alínea b) do preceito.
Aqui chegados, tendo-se considerado que foi omitida a fundamentação da decisão proferida sobre a matéria de facto, cumpre aferir se deve ser determinada a supressão de tal deficiência da sentença recorrida.
Dispõe a alínea d) do n.º 2 do artigo 662.º do CPC que a Relação deve, mesmo oficiosamente, determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados.
Está em causa, no indicado preceito, o deficiente cumprimento do dever de motivação da decisão de facto, nos termos impostos pelo artigo 607.º, n.º 4, do CPC.
Conforme explica António Santos Abrantes Geraldes (Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª edição, Coimbra, Almedina, 2018, pág. 310), “se a decisão proferida sobre algum facto essencial não estiver devidamente fundamentada a Relação deve determinar a remessa dos autos ao tribunal de 1.ª instância, a fim de preencher essa falha com base nas gravações efetuadas ou através de repetição da produção da prova, para efeitos de inserção da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto”.
Nas palavras de Paulo Ramos de Faria/Ana Luísa Loureiro (Primeiras Notas do Novo Código de Processo Civil – Os Artigos da Reforma, volume II, Coimbra, Almedina, 2014, pág. 106), “a consequência da deteção deste vício é, pois, apenas a prescrição da sua supressão, aperfeiçoando-se a motivação, como ato preparatório da pronúncia do tribunal ad quem sobre o objeto da impugnação – o sentido da decisão do tribunal a quo sobre a matéria de facto”.
Da análise do preceito decorre que, perante a deficiente fundamentação da decisão proferida sobre a matéria de facto, estando em causa um facto essencial para o julgamento da causa, deverá a Relação determinar a baixa do processo ao tribunal de 1.ª instância, a fim de ser suprido o vício.
No caso presente, em que a apelante não impugnou a decisão proferida quanto à matéria de facto e em que não está em causa a modificabilidade de tal decisão pela Relação, não se mostram preenchidos os pressupostos estabelecidos alínea d) do n.º 2 do artigo 662.º, carecendo de justificação legal a remessa dos autos à 1.ª instância para fundamentação da decisão sobre a matéria de facto.

2.2.2. Efeito pretendido com a apelação
Nas alegações de recurso, a apelante arguiu a nulidade da decisão recorrida, o que foi apreciado e julgado improcedente em 2.2.1., não peticionando qualquer modificação da decisão recorrida no que respeita à matéria de facto ou à matéria de direito, nem ao segmento decisório final.
Tal decorre claramente da parte final das alegações de recurso, em que a recorrente consigna que a questão colocada a esta Relação se resuma a saber se a sentença proferida enferma da invocada causa de nulidade.
Dispõe o artigo 639.º, n.º 1, do CPC, que o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão, esclarecendo o n.º 2 do preceito as indicações que deverão constar das conclusões, nos casos em que o recurso versa sobre matéria de direito.
Explicam António Santos Abrantes Geraldes/Paulo Pimenta/Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Coimbra, Almedina, 2018, págs. 767-768) que “conforme ocorre com o pedido formulado na petição inicial, as conclusões devem corresponder à identificação clara e rigorosa daquilo que o recorrente pretende obter do tribunal superior, em contraposição com aquilo que foi decidido pelo tribunal a quo”, acrescentando que deve ser incluído, na parte final, o resultado procurado.
No caso presente, limitou-se a recorrente a arguir a nulidade da decisão recorrida, não peticionando qualquer concreta alteração da decisão final.
Nesta conformidade, apreciada e julgada não verificada a nulidade arguida, nada mais há a apreciar, cumprindo julgar improcedente a apelação.

Em conclusão: (…)

3. Decisão

Nestes termos, acorda-se em julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.
Custas pela apelante.
Notifique.
Évora, 05-06-2025
(Acórdão assinado digitalmente)
Ana Margarida Carvalho Pinheiro Leite (Relatora)
Cristina Dá Mesquita (1.ª Adjunta)
Maria Domingas Simões (2.ª Adjunta)