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JUNÇÃO DE DOCUMENTOS
INDEFERIMENTO
RECURSOS INTERLOCUTÓRIOS COM SUBIDA A FINAL
Sumário
1 – A parte não pode recorrer de um despacho que lhe indeferiu a junção de documentos por extemporaneidade, concretamente, por inverificação da previsão do artigo 423.º, n.º 3, do CPC, alegando que o juiz tinha o dever de oficiosamente e ao abrigo do disposto no artigo 411.º do CPC ordenar a junção aos autos de tais documentos. 2 – Ainda que a parte tivesse requerido nos atos a junção dos documentos, invocando o princípio do dispositivo contemplado no artigo 411.º do CPC, o indeferimento de tal requerimento não podia ser objeto de apelação autónoma, pois um requerimento para que o juiz faça atuar um poder oficioso, que depende de uma avaliação de necessidade, não é um requerimento de produção de meio de prova (artigo 644.º do CPC), só podendo ser impugnado no recurso que venha a ser interposto da decisão que ponha termo à causa. (Sumário da Relatora)
Texto Integral
Apelação n.º 4018/22.4T8FAR.E1
(2.ª Secção)
Relatora: Cristina Dá Mesquita
1.º Adjunto: Vítor Sequinho dos Santos
2.ª Adjunta: Maria Domingas Simões
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Évora:
I. RELATÓRIO I.1.
(…), Construções, Lda., autora na ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum que moveu contra (…) e mulher, (…), interpôs recurso do despacho proferido pelo Juízo Central Cível de Faro, Juiz 3, do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, o qual indeferiu a junção dos documentos apresentados pela apelante e, consequentemente, determinou o seu desentranhamento e devolução à parte.
O despacho recorrido tem o seguinte teor:
«Requerimento de fls. 603 (ref.ª 13010604, de 29/10/2024) Veio a autora requerer a junção aos autos de um email (doc. n.º 58) e de um documento complementar ao orçamento já junto e que se alega tratar de uma versão integral daquele (doc. n.º 59), invocando para o efeito a verificação dos requisitos previstos no n.º 3 do artigo 423.º do Código de Processo Civil. Fê-lo, sustentando que, a junção destes documentos aos autos apenas se tornou necessária após o depoimento das testemunhas (…) e (…), servindo para auxiliar o tribunal a clarificar quaisquer questões que possam surgir na interpretação e leitura dos autos de medição já juntos aos autos, assim como das respetivas faturas e respetivos montantes em dívida. Os réus opõem-se à referida junção, considerando que não se encontre preenchido o formalismo a que se refere a aludida norma legal e, caso assim não se entenda, impugnando os mesmos. Cumpre apreciar e decidir. Nos termos do disposto no artigo 423.º do Código de Processo Civil: “1 - Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes. 2 - Se não forem juntos com o articulado respetivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, exceto se provar que os não pôde oferecer com o articulado. 3 - Após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.” In casu, ultrapassados os limites temporais previstos nos n.ºs 1 e 2 da citada disposição legal, incumbia ao apresentante (a ora autora) a prova da impossibilidade de obter os documentos em data anterior1 e a ocorrência posterior que tornou necessária tal junção. Sucede que, por um lado, não foi alegada a impossibilidade de obter (ou de elaborar) qualquer dos documentos em data anterior e, por outro lado, não se descortina qualquer ocorrência posterior suscetível de determinar a necessidade de proceder a tal junção, sendo que, a circunstância de terem sido prestados depoimentos em audiência pelas testemunhas (…) e (…), não é suscetível de se enquadrar na previsão da referida norma legal. Pelos fundamentos expostos, indefiro a junção dos referidos documentos e determino o respetivo desentranhamento e devolução à parte. Sem custas. Notifique.»
I.2.
A recorrente formula alegações que culminam com as seguintes conclusões:
«I.O presente recurso incide sobre o despacho proferido pelo Tribunal a quo, através do qual foi indeferida a junção aos autos do Doc. n.º 58 e do Doc. n.º 59 requerida pela sociedade Autora, ao abrigo do disposto no artigo 423.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, através de requerimento submetido via citius no dia 29.10.2024, no âmbito do qual havia sido requerida a junção aos autos de 20 (vinte) documentos – Docs. 40 a 59 – constituindo os primeiros 19 (dezanove) documentos, comunicações eletrónicas trocadas entre as partes com referência à faturação (e explicação) emitida ao abrigo do contrato de empreitada e trabalhos a mais em causa nos autos e o último desses documentos ao orçamento inicial completo e detalhado cujo resumo já havia sido junto à petição inicial.
II. Ao não se pronunciar sobre a totalidade dos documentos pretendidos juntar pela Recorrente, o despacho ora proferido é nulo, ao abrigo do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil.
III. Independentemente de tal nulidade, facilmente sanável com os mesmos fundamentos do despacho já proferido, considera a Recorrente que o Tribunal a quo fez uma errada interpretação e aplicação do artigo 423.º, n.º 3, do Código de Processo Civil em conjugação com o artigo 411.º daquele mesmo Código.
IV. Nos presentes autos está em causa a falta de pagamento do preço devido pela execução de um contrato de empreitada e respetivos trabalhos a mais, tendo a ora Recorrente junto com a petição inicial a prova documental necessária para demonstração dos factos essenciais cujo ónus da prova lhe competia, tais como o contrato de empreitada e respetivos anexos (caderno de encargo, orçamento adjudicado e plano financeiro), orçamentos relativos aos trabalhos a mais executados, faturas emitidas, autos de medição, atas de obra, notas de crédito, garantia bancária, entre outros.
V. Apesar dos montantes em dívida não terem sido específica e expressamente impugnados pelos Réus, tal como não foram impugnados os montantes pagos e detalhados no articulado da petição inicial, em sede de despacho sobre os temas da prova ficaram a constar os seguintes temas da prova no que interessa para este recurso: «2- Trabalhos acordados realizados e não realizados pela autora. 3- Pagamentos realizados e pagamentos em falta pelos réus».
VI. Para o primeiro tema da prova, foi efetuada perícia colegial que confirmou a execução de todos os trabalhos especificados nos respetivos orçamentos de trabalhos a mais.
VII. Relativamente ao tema da prova descrito em 3, a Recorrente considerou até às declarações de parte do Réu na última sessão da audiência de discussão e julgamento, que aqueles pagamentos e respetivos valores em falta estariam admitidos por acordo, sendo certo que contava, ainda, com o depoimento da testemunha arrolada por ambas as partes (…), o qual era a pessoa responsável, na Recorrente, pela emissão da faturação em causa nestes autos.
VII. Sucede que em virtude do paradeiro desconhecido no estrangeiro daquela testemunha, o seu depoimento revelou-se impossível nos autos, tornando-se necessário, posteriormente às declarações de parte dos Réus, esclarecer de forma cabal os valores emdívida ao abrigo do contrato de empreitada e trabalhos a mais executados pela Autora / Recorrente.
VIII. As comunicações agora juntas refletem com exatidão os montantes cobrados em cada uma das faturas emitidas por referência aos respetivos autos de medição e orçamentos de trabalhos a mais, os quais foram logo juntos aos autos com a petição inicial, permitindo ao Tribunal a quo verificar e validar os montantes em dívida, quer os faturados, quer os não faturados.
IX. Por seu turno, o Doc. n.º 59 destina-se a complementar o resumo do orçamento já junto como Doc. 5 com a petição inicial e que demonstra, claramente, ao contrário do referido pela testemunha Paulo Gregório e como corroborado pela testemunha (…), o contrato de empreitada celebrado entre as partes não era um contrato “chave na mão”.
X. Acresce que, ao contrário do mencionado no douto despacho de que se recorre, a Recorrente justificou nos artigos 4º e 5º deste requerimento, a impossibilidade de juntar estes documentos em momento anterior, tal como já havia adiantado ao Tribunal no artigo 99º da réplica, por força do comportamento da testemunha (…) aquando da cessação do seu contrato de trabalho na Recorrente, o qual apagou e eliminou todos os emails da Autora, tendo, inclusive, desativado o respetivo domínio.
XII. Pelo que, tornando-se impossível inquirir esta testemunha e atendendo às declarações dos Réus e ao depoimento da testemunha (…), tornou-se necessário juntar aquelas entretanto obtidas por forma «a clarificar quaisquer questões que possam surgir na interpretação e leitura dos autos de medição já juntos aos autos, assim como das respetivas faturas e respetivos montantes em dívida».
XIII. Os documentos agora pretendidos juntar não se destinam à prova de factos essenciais, mas antes à prova de factos acessórios e instrumentais, que ajudam no processo interpretativo que cumprirá ao Tribunal a quo fazer para resolução do primeiro objeto do processo.
XIV. Portanto, a menos que o Tribunal a quo se considere perfeitamente esclarecido no que aos montantes em dívida à Recorrente diz respeito (que não parece estar atendendo aos temas da prova enunciados) – quer no que se refere ao contrato de empreitada, quer no que se refere aos trabalhos a mais – aqueles documentos mostram-se úteis para descortinar os montantes faturados e os montantes ainda por faturar que se encontram em dívida.
XV. Pelo que, no presente caso, considera-se estarem preenchidos os dois requisitos legais (não cumulativos) para a junção tardia de documentos enunciados no n.º 3 do artigo 423.º do Código de Processo Civil, nomeadamente: a) Quando a apresentação desses documentos não tenha sido possível até àquele momento; e, ainda, b) Quando a apresentação dessesdocumentos se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.
XVI. No despacho de que se recorre, e apesar de não considerar erradamente preenchidos ambos os requisitos, parece que o Tribunal a quo exige, para a admissão de documentos fora dos limites temporais dos n.ºs 1 e 2 do artigo 423.º do Código de Processo Civil, a verificação cumulativa dos dois requisitos supra enunciados, o que não é correto.
XVII. Conforme se deixou exposto supra, estavam e estão preenchidos os requisitos do n.º 3 do artigo 423.º do Código de Processo Civil para a admissão da junção aos autos dos documentos, ao contrário da conclusão a que chegou o Tribunal a quo no despacho recorrido.
XVIII. Por outro lado, tendo em consideração a natureza destes documentos – instrumentais e destinados a auxiliar o Tribunal a quo na interpretação dos factos principais alegados na petição inicial com os respetivos documentos probatórios – ainda que considerasse não estarem preenchidos os requisitos legais para a junção dos documentos aos autos pelas partes, ao abrigo do dever de gestão processual e do princípio do inquisitório que lhe compete, bem poderia o Tribunal a quo ter ordenado a respetiva junção no exercício dosseus poderes de investigação oficiosa, ao abrigo do disposto no artigo 411.º do Código de Processo Civil.
XIX. Esta norma estabelece um verdadeiro poder-dever do juiz, a quem incumbe a obrigação de determinar quaisquer diligências de prova propostos pela parte, que sejam necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, estando o uso destes poderes sujeito aos seguintes requisitos: i) o meio de prova ser admissível por lei (que é); ii) a junção aos autos dos documentos tenha sido efetuada em momento processualmente desadequado (que foi considerado pelo Tribunal a quo como tendo sido); iii) ser a diligência necessária com vista ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio (que é); e iv) a prova a produzir incidir sobre factos que é lícito ao juiz conhecer (não sendo documentos para prova de factos essenciais, também o é).»
XX. Neste caso em concreto, estando ainda em aberto a resposta aos temas da prova 2 e 3, ainda que o Tribunal a quo considerasse não se verificarem os requisitos previstos no n.º 3 do artigo 423.º do Código de Processo Civil, tendo aqueles documentos utilidade (instrumental e acessória) no que respeita àqueles temas da prova de forma a interpretar com melhor clareza e exatidão os documentos contabilísticos emitidos e o que incluía ou não o contrato de empreitada celebrado entre as partes, competir-lhe-ia determinar a sua junção oficiosa para apuramento da verdade e justa composição do litígio. XXI. Requerendo-se, assim, a V. Exas. que se dignem revogar o douto despacho ora em crise, substituindo por outro que determine a junção aos autos dos documentos juntos com o requerimento da Recorrente de fls. 603, de 29.10.2024, com a Ref.ª 13010604.
Nestes termos e nos demais de Direito que V. Ex.as doutamente suprirão, deverá o presente Recurso ser considerado procedente e, em consequência, deverá ser o despacho ora em crise revogado e substituído por outro através do qual sejam admitidos todos os documentos apresentados pela Recorrente, no requerimento apresentado no dia 29.10.2024.»
I.3.
Os recorridos não apresentaram resposta às alegações de recurso.
I.4.
O recurso foi recebido pelo tribunal a quo, o qual se pronunciou, ao abrigo do disposto no artigo 617.º, n.º 1, do CPC, sobre nulidade de omissão de pronúncia, nos seguintes termos:
«DA NULIDADE SUSCITADA NAS ALEGAÇÕES DE RECURSO DE FLS. 710 (ref.ª 13234236, de 06/01/2025) Nas alegações de recurso apresentadas pela autora (…), Lda. é suscitada a nulidade do despacho proferido a fls. 706 (ref.ª 134480039, de 03/12/2024), em virtude do facto do mesmo apenas ter apreciado a admissibilidade de junção aos autos de dois documentos (email que corresponde ao documento n.º 58 e versão integral de um orçamento já junto que corresponde ao documento n.º 59). No essencial, os documentos em causa consistem em mails trocados entre os mesmos interlocutores no período entre março de 2020 e agosto de 2022, o que deu azo à errada perceção de que estávamos perante a junção de um único documento, lapso pelo qual me penitencio. Todavia, consideramos que as razões do indeferimento da junção aos autos dos documentos n.º 58 e 59 são extensíveis aos documentos em causa – documentos n.ºs 40 a 57 – tanto que, por um, lado, estamos na fase final de produção de prova – no pretérito dia 25 de novembro foram prestadas declarações de parte; e, por outro, considera-se que a autora podia e devia, no quadro da normal diligência, ter procedido à respetiva apresentação aos autos no momento processual próprio. Aliás, acrescente-se, o facto da testemunha (…) ter apagadoalguns emails que só agora foram recuperados não pode colher, tanto que estamosperante emails remetidos por/a pessoas sem qualquer ligação à autora, como seja ocaso do Eng. (…), da empresa (…), que já depôs em tribunal eque podia ter sido interpelado à junção de tais emails.
Pelos motivos expostos e com a fundamentação aludida, por agora e em complemento ao despacho de fls. 706 (ref.ª 134480039, de 3/12/2024), decido indeferir a junção aos autos dos aludidos documentos – documentos 40 a 57 – desta forma, reparando a nulidade invocada nas alegações de recurso apresentadas pela autora.»
Corridos os vistos em conformidade com o disposto no artigo 657.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, cumpre decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO II.1.
As conclusões das alegações de recurso (cfr. supra I.2) delimitam o respetivo objeto de acordo com o disposto nas disposições conjugadas dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, ambos do CPC, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608.º, n.º 2 e artigo 663.º, n.º 2, ambos do CPC), não havendo lugar à apreciação de questões cuja análise se torne irrelevante por força do tratamento empreendido no acórdão (artigos 608.º, n.º 2, e 663.º, n.º 2, do CPC).
II.2.
Considerando que o julgador a quo reparou a nulidade da decisão judicial recorrida que havia sido arguida pela recorrente, a única questão que importa decidir consiste em avaliar do acerto da decisão proferida pelo tribunal de primeira instância que não admitiu a junção dos documentos anexos ao requerimento apresentado em 29.10.2024.
II.3. FACTOS
Os factos a considerar são aqueles que constam da decisão judicial impugnada, complementada pelo despacho proferido em 13.03.2025 e, ainda, o seguinte:
1 – Em 2 de junho de 2023, o julgador a quo proferiu o despacho a que alude o artigo 596.º/1, do CPC, com o seguinte teor: «Objeto do Litígio Discute-se na ação saber se a ré se obrigou perante a autora no contrato de empreitada em causa nos autos, se os réus incumpriram o contrato de empreitada celebrado com a autora e, em caso afirmativo, quais as consequências. Discute-se na reconvenção saber se a autora incumpriu o contrato de empreitada celebrado com o réu e, em caso afirmativo, quais as consequências. Discute-se, ainda, saber se os réus atuam em abuso de direito e se as partes litigam com má-fé.
*
Temas da Prova 1- Atuação da ré como dona da obra 2- Trabalhos acordados realizados e não realizados pela autora 3- Pagamentos realizados e pagamentos em falta pelos réus 4- Alteração de circunstâncias em que as partes contrataram 5- Atraso dos réus na aprovação dos autos de medição e no pagamento das faturas emitidas 6- Atraso da autora na conclusão dos trabalhos e respetivos motivos 7- Atuação dos réus a impedir a autora de concluir os trabalhos 8- Redução da cláusula penal moratória por desproporcional 9- Desconformidades nos trabalhos realizados pela autora e/ou resultantes da utilização dos materiais escolhidos pelos réus 10- Recusa da autora na correção das desconformidades 11- Recusa dos réus na correção das desconformidades por parte da autora 12- Custos da reparação das desconformidades 13- Materiais a adquirir e pagar pelo réu e custos de fiscalização das obras e posterior limpeza 14- Danos causados pela autora ao réu 15- Atuação dos réus em abuso de direito 16- Litigância de má-fé das partes”».
2 – Em 29-10-2024, a autora (…), Construções, Lda. apresentou requerimento aos autos com o seguinte teor:
«(…), Lda., Autora nos autos acima identificados, em que são Réus (…) e mulher (…), vem, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 423.º do Código de Processo Civil, requerer a V. Ex.ª que se digne ordenar a junção aos autos de alguns documentos, o que faz nos termos e com os fundamentos seguintes: 1.º Na sequência do depoimento prestado pela testemunha (…), assim como do depoimento de parte dos Réus, não obstante estes confessarem e assumirem que não pagaram qualquer fatura posterior ao auto 18, inclusive, foi lançada a dúvida quanto ao montante faturado em cada fatura. 2.º Na verdade, e apesar daquele facto estar devidamente detalhado e resultar dos quadros constantes dos artigos 28º, 39º, 57º, 62º e 64º da petição inicial, entende a ora Autora que poderá ser necessário explicar com maior clareza a forma como aquelas faturas foram emitidas e as comunicações trocadas entre as partes aquando daquela emissão. 3.º Por outro lado, conforme, também, enunciado no artigo 99.º da réplica, e que pode ser confirmado pelos emails que ora se juntam como Docs. 40 a 57, todas as comunicações relativas à faturação desta empreitada eram trocadas entre o anterior Diretor Financeiro da Autora – a testemunha (…) – e o Réu marido e a testemunha (…). 4.º Sucede que a referida testemunha (…), quando saiu da Autora, apagou vários emails desta, assim como anulou as licenças de domínio relativamente aos vários endereços eletrónicos da Autora, tendo esta ficado sem acesso aos mesmos, o que motivou, inclusivamente, a apresentação de uma queixa-crime contra aquele. 5.º Após muito trabalho informático, a Autora conseguiu recuperar algumas comunicações que se julgam relevantes para os presentes autos e que são precisamente a troca de emails entre as partes explicativas dos montantes a faturar e faturados. 6.º A este respeito, conforme já avançado na petição inicial, não resulta qualquer problema de interpretação da faturação até ao auto de medição 12, data a partir da qual, por um lado, passou-se a faturar, a pedido do Réu, a empresas não sujeitas à autoliquidação de IVA e, por outro, agregou-se na mesma fatura faturação referente aos autos de medição da empreitada e de trabalhos a mais, complicando a análise daquelas faturas. 7.º Em todo o caso, apenas a partir do auto de medição 15 é que a faturação se complica de vez, tendo sido detetados vários erros. 8.º O auto de medição 15 tem um valor total de € 83.980,20 (conforme Doc. 9 junto com a petição inicial), mas apenas foi faturado o montante a pagamento após os 5% de retenção no valor de € 80.386,70, ao invés do valor total do auto. 9.º Aliás, as faturas que respeitam ao auto de medição 15 (fatura n.º …/2021 (em nome do Réu marido) e …/2021 (em nome da …), juntas como Doc. 13 com a petição inicial, no valor de € 20.000,00 e de € 52.756,34, respetivamente), compreendem a faturação dos seguintes trabalhos, conforme email agora junto como Doc. 54: Auto 15: € 80.386,70 TEE4: € 1.698,42 TEE6: € 2.343,19 TEE16: € 400,17 TEE23C: € 984,12 TEE33: € 3.229,67 TEE34: € 3.954,09 TEE38: € 804,85 TOTAL: € 93.801,21 TEE28A: € 17.000,56 (Nota Crédito 2) TEE35: € 2.008,66 (Nota Crédito 3) TEE36: € 2.035,67 (Nota Crédito 4) TOTAL: € 21.044,89. 10.º As faturas acima referidas no montante total de € 72.756,34, correspondem à faturação dos autos e trabalhos a mais acima referidos deduzidos dos trabalhos a menos, sendo que, quanto a estes últimos, já haviam sido emitidas as notas de créditos juntas como Docs. 17 com a petição inicial. 11.º Ou seja, o valor destes trabalhos a menos foi refletido duas vezes na conta corrente dos Réus com a sociedade Autora, os quais foram – mal – descontados à faturação dos trabalhos executados e a emitir, quando já tinham sido emitidas as competentes notas de crédito. 12.º Duplicando, assim, erradamente, valores a abater ao montante em dívida e ficando por faturar o montante equivalente àquelas notas de crédito. 13.º Problemas existem igualmente quanto à faturação do auto de medição 18. 14.º O primeiro problema é quando este auto de medição, ao invés de ter sido faturado pelo seu valor total com IVA, foi faturado sem IVA e sem o valor da retenção no montante de € 2.033,54, pelo valor total de € 36.603,74 (equivalente ao total do auto sem IVA € 38.637,28 - € 2.033,54). 15.º Este auto de medição foi faturado através da fatura n.º …/2022 emitida em nome do … (junta como Doc. 13 com a petição inicial), no valor de € 43.192,09 e que mais tarde veio a ser substituída a pedido do Réu pela fatura n.º …/2022 emitida em nome de … (junta como Doc. 12 com a petição inicial) e que ainda não se encontra paga, conforme confessado pelo Réu. 16.º O valor total assim faturado corresponde à soma das seguintes quantias deduzido dos trabalhos a menos constantes do TEE 44, nos termos do quadro que se segue e conforme pode ser verificado pelo email agora junto como Doc. 57: Auto 18: 36.603,74 TEE17: € 2.311,77 TEE18: € 277,08 TEE20: € 2.422,97 TEE32: € 2.948,49 TEE37: € 575,69 TEE40: € 2.074,07 TEE42: € 1.520,93 TEE43: € 1.281,80 TOTAL: € 50.016,54 TEE44: € 6.824,45. 17.º Também o auto de medição 19 foi mal faturado encontrando-se a fatura que lhe corresponde n.º 11.57/2022, emitida em nome de (…), no montante de € 55.556,85, ainda em dívida. 18.º Na verdade, conforme email agora junto como Doc. 58, o valor total refletido nesta fatura corresponde à soma dos seguintes valores deduzido do montante da garantia bancária, entretanto emitida, no valor de € 34.275,99: Auto 19: € 64.358,82 TEE13: € 70,51 TEE16: € 234,52 TEE19: € 998,64 TEE25: € 19.754,85 TEE27: € 520,62 TEE28A: € 1.134,15 TEE34: € 258,16 TEE43: € 506,00 TEE44: € 1.196,57 50% (…): € 800,00 TOTAL: € 89.832,84. 19.º Também aqui – mal – o auto de medição 19 foi faturado pelo respetivo valor a pagamento e não pelo valor total a faturar. 20.º Tal como, erradamente, foi descontado ao valor total a faturar a garantia bancária emitida e ainda em vigor (Doc. 8 junta com petição inicial) com os 5% de retenção para garantia da boa execução da obra. 21.º Portanto, estes foram os erros com que a Autora se deparou na preparação da presente ação, após uma análise rigorosa, detalhada e minuciosa do orçamento aprovado e adjudicado e dos vários autos emitidos em comparação com os respetivos documentos contabilísticos e pagamentos efetuados pelos Réus. 22.º Por outro lado, e conforme se deixou referido na petição inicial e que pode ser verificado no confronto do orçamento aprovado com os vários autos de medição faturados e com os autos relativos aos trabalhos a mais juntos como Docs. 16, 18 e 19 com a petição inicial, basta cálculos aritméticos para perceber e identificar que os montantes a cobrar constantes do auto de medição 20 são devidos e nunca chegaram a ser faturados. 23.º Concluindo-se, portanto, nos termos peticionados na presente ação e que, de resto, não foram impugnados pelos Réus, devendo, como tal, serem considerados totalmente provados, por acordo, o montante total da dívida quer referente ao contrato de empreitada, quer referente aos trabalhos a mais executados e já confirmados pelos Ilustres Peritos nomeados pelo Tribunal. 24.º Por outro lado, ainda na sequência dos depoimentos das testemunhas (…) e (…), considera a sociedade Autora ser necessária a junção aos autos do orçamento inicial completo datado de 19.12.2018 e cujo resumo foi junto aos autos como Doc. 5 com a petição inicial, e que ora se junta como Doc. 59. 25.º Com efeito, erradamente, ao contrário do que consta do contrato assinado entre as partes, a testemunha (…) declarou sob juramento a esse tribunal que o contrato de empreitada era um contrato “chave na mão” e que, como tal, para ele, enquanto fiscal, não lhe interessava o orçamento adjudicado, mas apenas e tão somente o cumprimento do projeto. 26.º Conforme declarado pela testemunha (…), o orçamento adjudicado no ano de 2020 passou por um longo processo negocial com os Réus que se iniciou no ano de 2018 quando foi solicitado à sociedade Autora um orçamento para cumprimento integral do projeto, o qual foi apresentado pelo montante total de € 1.099.458,53 + IVA. 27.º Após aquele longo processo negocial, os Réus adjudicaram o orçamento junto com o contrato de empreitada pelo montante de € 685.519,70 + IVA, sendo certo que, do orçamento adjudicado, no decorrer da obra, foram retirados à Autora a execução de diversos trabalhos, tais com, entre outros, o revestimento em madeira das escadas interiores (vide ponto 12.4 do orçamento adjudicado). 28.º A diferença de valores entre cada um dos orçamentos (inicial e adjudicado) não se refere apenas às especialidades que, entretanto, foram adjudicadas diretamente pelos Réus a outras empresas (até porque alguns deles só foram retirados após a adjudicação e, como tal, constam do orçamento adjudicado, fazendo parte dos autos de TEE relativos aos trabalhos a menos), mas também a trabalhos que constavam do projeto de arquitetura, mas cuja execução pela Autora foi eliminada/dispensada. 29.º Considerando-se importante ter presente esse processo negocial de quase dois anos e que, só por si, demonstra a demora e resistência dos Réus na adjudicação de trabalhos previstos no projeto de arquitetura, mas cujo valor de execução não se encontrava previsto no orçamento adjudicado à Autora como era do perfeito conhecimento dos Réus que estiveram pessoalmente envolvidos naquele processo negocial. 30.º A junção destes documentos aos autos apenas se tornou necessária após o depoimento daquelas testemunhas e servem para auxiliar V. Ex.ª a clarificar quaisquer questões que possam surgir na interpretação e leitura dos autos de medição já juntos aos autos, assim como das respetivas faturas e respetivos montantes em dívida. 31.º Por outro lado, o Doc. 59 ora junto destina-se a completar o Doc. 5 já junto com a petição inicial, sendo uma versão integral daquele. 32.º Termos em que, encontrando-se preenchidos e verificados os requisitos previstos no n.º 3 do artigo 423.º do Código de Processo Civil,
REQUER-SE a V. Ex.ª que se digne admitir a junção dos documentos. JUNTA: 20 (vinte) documentos».
II.4. Apreciação do objeto do recurso
No presente recurso está em causa o despacho proferido pelo tribunal de primeira instância, complementado pelo despacho em que foi reparada a nulidade invocada pela apelante nas suas alegações de recurso, que não admitiu os vinte documentos que a autora pretendeu juntar aos autos ao abrigo do disposto no artigo 423.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.
Comecemos, pois, pelo referido artigo 423.º do Código de Processo Civil.
Dispõe aquele normativo, inserido no Capítulo II – Prova por Documentos, e epigrafado, Momento da apresentação, o seguinte:
«1 – Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se alguém os factos correspondentes.
2 – Se não forem juntos com o articulado respetivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, exceto se provar que os não pôde oferecer com o articulado.
3 – Após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior».
Resulta do disposto no n.º 3 do preceito legal em análise que durante a audiência de julgamento é possível às partes juntarem aos autos documentos nas duas situações ali previstas: i. a sua apresentação não ter sido possível até ao limite temporal previsto no n.º 2 devido à verificação de impedimento que não pôde ser ultrapassado em devido tempo ou por se tratar de documentos objetiva ou subjetivamente supervenientes, isto é, que apenas foram produzidos ou vieram ao conhecimento da parte depois daquele momento; e ii. a sua apresentação se ter tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.
A propósito do conceito de “ocorrência posterior”, dizem Abrantes Geraldes/Paulo Pimenta/Luís Filipe de Sousa[1] que aquela não respeitará, por certo, a factos que constituam fundamento da ação ou da defesa (factos essenciais, na letra do artigo 5.º), pois que tais factos já hão de ter sido alegados nos articulados oportunamente apresentados ou, pelo menos, por ocasião da dedução de articulado de aperfeiçoamento (artigo 590.º, n.º 4). Tão pouco respeita a factos supervenientes, pois a alegação desses factos deve ser acompanhada dos respetivos documentos, sendo esse o meio da sua entrada nos autos (artigo 588.º, n.º 5). Portanto, no plano dos factos, a ocorrência posterior dirá somente respeito a factos instrumentais ou a factos relativos a pressupostos processuais».
A previsão do n.º 3, quando se refere a “ocorrência” respeita apenas a factos instrumentais[2] que sejam relevantes para a prova dos factos principais ou a factos que interessem à verificação dos pressupostos processuais.
Note-se que cabe à parte que pretende a junção de documento alegar e demonstrar que a sua apresentação não foi possível até ao momento previsto no artigo 423.º, n.º 2, do CPC ou que a sua apresentação só se tornou possível em virtude de “ocorrência posterior”.
No caso em apreço não é controvertido que a autora pretendeu juntar (20) documentos após o limite temporal previsto no n.º 2 do artigo 423.º do CPC.
Os documentos n.ºs 40 a 58 consistem em comunicações (emails) que tiveram por objetoa faturação respeitante à empreitada em causa nos autos – faturação que se mostra descrita nos artigos 28º, 39º, 62º e 64º da petição inicial – e que terão sido trocadas entre o anterior Diretor Financeiro da autora – (…) – e a testemunha … (cfr. artigo 3º do requerimento de 29.10.2024); com tais documentos a autora pretendia «explicar com maior clareza a forma como as faturas foram emitidas e as comunicações trocadas entre as partes aquando daquela emissão» (sic). Justifica a sua apresentação (apenas) no momento em que o fez, dizendo que «na sequência do depoimento prestado pela testemunha (…) e do depoimento prestado pelos Réus, foi lançada a dúvida quanto a montante faturado em cada fatura», aduzindo que o anterior diretor financeiro da autora, o supra referido (…), apagou vários emails quando saiu da autora, anulou as licenças de domínio relativamente aos vários endereços eletrónicos da autora, tendo esta ficado sem acesso aos mesmos, pelo que só após muito trabalho informático conseguiu a autora recuperar algumas comunicações, nomeadamente as que estão em causa no presente recurso.
Quanto ao documento n.º 59, o mesmo consiste no “orçamento inicial completo datado de 19.12.2018, cujo resumo foi anexo à petição inicial como documento n.º 5, e a sua junção no momento em que foi requerida foi pela autora justificada com o teor dos depoimentos das testemunhas (…) e (…).
Ora, à luz dos considerandos supra tecidos, a pretensão da autora e ora apelante formulada através do requerimento de 29.10.2024 (ref.ª 13010604) não se enquadra no último segmento do n.º 3 do artigo 423.º do CPC – necessidade de apresentação decorrente de “ocorrência posterior” – sendo que o depoimento de uma testemunha/da parte que vá no sentido contrário ao que foi alegado pela parte não é uma “ocorrência posterior” para efeitos do artigo 423.º/3, do CPC (junção de documentos). Acresce que aqueles documentos não visam a introdução no processo de factos instrumentais; aliás, a própria apelante reconhece, nas suas alegações, que os documentos em causa se reportam a factos principais alegados na petição inicial (visando a sua apresentação “remover quaisquer dúvidas” acerca do montante faturado em cada uma das faturas descrita na petição inicial).
A pretensão da autora/apelante tão pouco se enquadra no primeiro segmento do supra referido normativo legal – impossibilidade de apresentação até ao momento previsto no artigo 423.º/2 –, salientando-se que essa “impossibilidade” foi alegada apenas quanto aos documentos n.ºs 40 a 58 inclusive. Com efeito, e a este propósito a autora invocou que aquelas comunicações tinham sido apagadas pelo seu anterior Diretor Financeiro e que “só após muito trabalho informático” as conseguiu recuperar, mas não teve sequer o cuidado de situar no tempo a data em que tal recuperação terá ocorrido de molde a que o tribunal pudesse aferir se aquela alegada “recuperação” teria ocorrido para além do limite temporal previsto no artigo 423.º/2, do CPC.
Por todo o exposto, não merece censura a decisão recorrida que julgou não se integrar na previsão do artigo 423.º, n.º 3, do CPC a junção de documentos pretendida pela autora.
A apelante sustenta, ainda, que sendo tais documentos destinados a auxiliar o tribunal a quo «na interpretação dos factos principais alegados na petição inicial» o tribunal de primeira instânciapoderia ter ordenado a respetiva junção ao abrigo do disposto no artigo 411.º do Código de Processo Civil. Diz, então, a recorrente que «tendo aqueles documentos utilidade no que respeita aos temas de prova 2 e 3 de forma a interpretar com melhor clareza e exatidão os documentos contabilísticos emitidos e juntos com apetição inicial e o que incluía ou não o contrato de empreitada celebrado entre as partes, competir-lhe-ia determinar a sua junção oficiosa para apuramento da verdade e justa composição do litígio». Quid juris?
Dispõe o artigo 411.º do CPC, epigrafado Princípio do inquisitório, que:
«Incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos que lhe é lícito conhecer.»
O artigo 411.º corresponde ao n.º 3 do artigo 265.º do Código de Processo Civil de 1961 após a Reforma de 1995/96. Nas palavras de Lopes do Rego[3] a alteração da atividade do juiz contemplada naquele normativo (o artigo 265.º/3), atribuindo ao juiz uma “incumbência” na investigação dos factos alegados pelas partes, revela uma configuração daquela atividade judicial como sendo «mais o exercício de um autónomo dever de indagação oficiosa do que como a atuação de um mero poder discricionário, tendente a realizar uma função meramente supletiva e residual do tribunal em sede de produção de provas».
Salienta-se, no entanto, tal como referem Abrantes Geraldes/Paulo Pimenta/Luís Filipe Pires de Sousa, ob. cit., págs. 523-524, que o princípio do inquisitório previsto no normativo supra transcrito «coexiste com os princípios do dispositivo, da preclusão e da autorresponsabilidade das partes, de modo que não poderá ser invocado para, de forma automática, superar eventuais falhas da instrução que sejam de imputar a alguma das partes, designadamente quando esteja precludida a apresentação de meios de prova (…)».
A propósito refere Paulo Pimenta[4] o seguinte: «(…) não deve ser confundido aquilo que é próprio do princípio do inquisitório, em que a atuação do juiz é vinculada desde que se convençada necessidade de certa diligência probatória, com uma pretensa auto-responsabilidade das partes em sede probatória. É evidente que as partes têm o ónus de indicar os meios de prova de que pretendem fazer uso nos autos, sendo previsível que a omissão de tal indicação lhes seja desfavorável. (…) o inquisitório deve orientar-se por um padrão mínimo de objetividade, condição para ser exigível que o juiz adote certa conduta em matéria instrutória. Para isso, muito contribuirá o zelo probatório das partes. De todo o modo, uma vez verificados os pressupostos que lhe impõem exercer a incumbências previstas no artigo 411.º é vedado ao juiz justificar a sua inércia com a tal auto-responsabilidade das partes». E, em nota de rodapé, ob. cit., pág. 389, afirma ainda aquele autor: «O critério firmado no artigo 411.º coloca a questão ao nível da necessidade das diligências probatórias para o apuramento da verdade e para a justa composição do litígio. Verificando-se o pressuposto da necessidade, o juiz tem o dever oficial de agir. Não se verificando o pressuposto, inexistirá aquele dever».
Em síntese, «o ponto de equilíbrio resulta da interseção entre o ónus da iniciativa probatória das partes e os poderes-deveres cometidos ao julgador em sede instrutória, exigindo-se sempre que a aplicação prática da estatuição prevista no artigo 411.º esteja estruturada numa ideia de necessidade das diligências probatórias para o apuramento da verdade e para a justa composição do litígio»[5].
Voltando ainda ao ensinamento de Lopes do Rego, ob. cit., pág. 260, diz aquele autor que «a qualificação dos poderes instrutórios autónomos do julgador, como revestindo a natureza de um poder-dever, tendente à plena realização do fim do processo – a justa composição do litígio – implicará que constitui nulidade a ostensiva e injustificada omissão de diligência essencial e patentemente necessária ao apuramento da verdade dos factos: tratando-se, porém, de nulidade secundária, é evidente que sempre cumprirá à parte interessada reclamá-la tempestivamente, reiterando ao juiz a essencialidade das diligências probatórias pretensamente omitidas, nos termos dos artigos 201.º, 203.º e 205.º – sob pena de a mesma se dever considerar naturalmente precludida» (itálicos nossos). In casu a autora não requereu ao julgador de primeira instância que fizesse juntar os documentos em causa oficiosamente. Donde, não pode recorrer de um despacho que lhe indeferiu a junção de documentos por extemporaneidade (concretamente, por inverificação da previsão do artigo 423.º, n.º 3, do CPC), alegando que o juiz tinha o dever de oficiosamente e ao abrigo do disposto no artigo 411.º do CPC ordenar a junção aos autos de tais documentos. Refira-se que ainda que o tivesse requerido o indeferimento de tal requerimento não podia ser objeto de apelação autónoma, pois um requerimento para que o juiz faça atuar um poder oficioso, que depende de uma avaliação de necessidade, não é um requerimento de produção de meio de prova (cfr. artigo 644.º do CPC), só podendo ser impugnado no recurso que venha a ser interposto da decisão que ponha termo à causa. Aliás, só em sede de recurso da decisão final e por aplicação do artigo 662.º do CPC (verificando-se as circunstâncias da sua aplicabilidade) é que o tribunal de segunda instância poderá sindicar o comportamento do julgador de primeira instância que não diligenciou oficiosamente sobre a obtenção de determinado meio de prova[6].
Assim, e em face de todo o exposto, improcede também esta conclusão do recurso.
*
Improcede, pois, a presente apelação.
Sumário: (…)
III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam julgar a apelação improcedente, mantendo a decisão recorrida.
As custas na presente instância são da responsabilidade da recorrente, sendo que a este título nenhum pagamento é devido porquanto aquela já procedeu ao pagamento da taxa de justiça devida pelo impulso processual e não há lugar ao pagamento de encargos ou de custas de parte.
Notifique.
DN.
Évora, 5 de junho de 2025
Cristina Dá Mesquita
Vítor Sequinho dos Santos
Maria Domingas Simões
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[1] Código de Processo Civil Anotado, Volume I, 3.ª Edição, Almedina, págs. 541-542.
[2] Factos instrumentais ou factos probatórios são aqueles que constituem a base de uma presunção legal (artigos 349.º e 350.º, ambos do Código Civil) ou judicial (artigos 349.º e 351.º do Código Civil).
[3] Comentário ao Código de Processo Civil, Volume I, 2.ª edição, 2004, Almedina, pág. 260.
[4] Processo Civil Declarativo, 3.ª Edição, Almedina, pág. 388.
[5] Acórdão da Relação de Évora de 06-06-2024, processo n.º 3211/16.3T8STR-C.E1, relator Desembargador Tomé de Carvalho, consultável em www.dgsi.pt.
[6] Acórdão da Relação de Lisboa de 10.10.2023, processo n.º 11962/21.4T8SNT-A.L1-7, desembargador José Capacete, consultável em www.dgsi.pt.