CONCLUSÕES DE RECURSO
FALTA DE CONCLUSÕES
Sumário

1. As conclusões do recurso devem conter uma síntese das questões de facto e de direito que a parte pretende ver apreciadas no recurso.
2. A utilização do título “conclusões” para identificar um segmento das alegações de recurso não é suficiente para se entender cumprido o dever de apresentar conclusões, importando verificar se o conteúdo desse segmento contém as menções legalmente exigidas para o efeito.
3. A distinção entre a omissão de conclusões e a sua deficiência por insuficiência é paralela à distinção entre a ineptidão da petição inicial por falta de pedido ou causa de pedir e a insuficiência de alegação fáctica, não sendo a omissão / ineptidão passível de aperfeiçoamento, ao contrário da deficiência.
(Sumário da Relatora)

Texto Integral

Processo n.º 8582/24.5YIPRT.E1
(1ª Secção)


Sumário: (…)
(Sumário da responsabilidade da Relatora, nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil)

Conferência

I. Relatório

1. (…) e (…), Lda., intentou procedimento especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato contra (…), Lda., peticionando a condenação da R. no pagamento de € 20.926,72, acrescido de juros no montante de € 722,58 e outras quantias, no valor de € 250,00.

2. Uma vez citada, a R. apresentou oposição.

3. O procedimento de injunção foi remetido à distribuição como ação declarativa comum, tendo, após elaboração de despacho saneador e realização de audiência de julgamento, sido proferida sentença, com o seguinte dispositivo:

Face às razões de facto e de direito supra indicadas, julgo parcialmente procedente a acção e, em consequência;

a) Condeno a Ré (…), Lda., ao pagamento à Autora, (…) e (…), Lda., da quantia de € 20.926,72 (vinte mil e novecentos e vinte e seis euros e setenta e dois cêntimos), acrescida dos juros à taxa comercial já vencidos desde a data do vencimento das facturas descritas na factualidade (10/10/2023) e dos juros vincendos, até efectivo e integral pagamento.

b) Condeno a Ré (…), Lda., ao pagamento à Autora, (…) e (…), Lda., da quantia de € 40,00 (quarenta euros), a título de custos de cobrança.”

4. A sentença foi notificada às partes a 14.10.2024, e, inconformada com a mesma, veio a R. interpor recurso de apelação, a 18.11.2024, de cujas alegações consta, a final, o seguinte:

V. CONCLUSÕES

NESTES TERMOS E EM CONCLUSÃO:

A. Com o presente recurso visa a Recorrente colocar em crise a apreciação da prova produzida, e gravada, em desrespeito das exigências legais no que tange às regras que a devem nortear, nomeadamente as máximas de experiência, que deviam ter conduzido a um resultado probatório diametralmente diferente do alcançado pelo Tribunal a quo.

Nestes termos, e nos melhores de Direito do suprimento de V. Exas, deverá ser concedido provimento ao presente Recurso, alterando a Douta Decisão recorrida nos termos propugnados nas presentes Alegações, acolhendo o peticionado em sede de Oposição à Injunção.

É o que se pede e se espera deste Tribunal, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!”

5. Não foram apresentadas contra-alegações.

6. O recurso foi admitido, por despacho proferido a 14.01.2025, tendo o Tribunal a quo, nesse despacho, consignado, além do mais, o seguinte:

I – Da (eventual) falta de conclusões

Proferida sentença em 11/10/2024, apresentou recurso a Ré, nos termos que consta do requerimento de 18/11/2024.

Nos termos do artigo 641.º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo Civil, o requerimento de recurso é indeferido quando “(…) não tenha conclusões”.

Na matéria de direito, as conclusões devem indicar, de acordo com o n.º 2 do artigo 639.º do Código de Processo Civil:

a) As normas jurídicas violadas;

b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas;

c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada.

E, recorrendo-se igualmente da matéria de facto, as respectivas conclusões devem indicar, de acordo com o n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

Dito isto, em anexo ao requerimento de interposição de recurso, a recorrente junta as motivações de recurso e, a final, no ponto “V”, o que designa de conclusões nos termos seguintes:

“A. Com o presente recurso visa a Recorrente colocar em crise a apreciação da prova produzida, e gravada, em desrespeito das exigências legais no que tange às regras que a devem nortear, nomeadamente as máximas de experiência, que deviam ter conduzido a um resultado probatório diametralmente diferente do alcançado pelo Tribunal a quo.”

Com todo o respeito, a «conclusão» apresentada é apta a ser utilizada em qualquer recurso, de qualquer processo, pois que é de tal ordem lacónica e abrangente que da mesma nada de extrai para o caso concreto, faltando materialmente o segmento de conclusões (ainda que formalmente exista um parágrafo designado de «conclusões»).

De qualquer forma, entendemos que não cabe ao Tribunal a quo apreciar de tal questão, devendo apenas, nos termos do artigo 641.º do CPC, efectuar o controlo da regularidade formal quanto aos requisitos do recurso e esses, atendendo à forma de organização do requerimento acima referido, está preenchido.

Certo é que a decisão referente à admissão do recurso, não vincula o tribunal superior nem pode ser impugnada pelas partes (n.º 5 do artigo 641.º do Código de Processo Civil).”

7. O despacho de admissão do recurso foi notificado às partes a 16.01.2025, e em 31.01.2025 apresentou o Recorrente um requerimento nos autos, ao qual se mostram anexadas novas alegações de recurso, tendo advogado o seguinte em tal requerimento:

3. Na sequência do Douto Despacho proferido pelo Meritíssimo Juiz aos 14 de Janeiro de 2025, tomou a Ré consciência do lapso ocorrido na submissão, via Citius, do requerimento de interposição de recurso, aos 18 de Novembro de 2024.

4. A versão do requerimento e subsequentes alegações e conclusões, submetida nos termos referidos, não corresponde claramente à final, faltando-lhe as restantes conclusões.

5. Bem se sabe existir jurisprudência, senão unânime, largamente maioritária no sentido da existência do dever de convite ao aperfeiçoamento em situações símiles à presente,

6. pelo que, em respeito pelas mais elementares considerações de celeridade e economia processuais, requer a Ré que seja admitida a versão completa, ora junta ao presente requerimento, do recurso previamente interposto.”

8. Após, foi proferido o seguinte despacho:

No que concerne à apresentação de novas alegações de recurso, pelos fundamentos que constam do requerimento antecedente, não caberá já a este Tribunal debruçar-se sobre a sua admissibilidade.”

9. Neste Tribunal da Relação foi proferida decisão singular de rejeição do recurso, com a seguinte fundamentação:

“1. Os factos relevantes para a decisão constam do relatório.

Assim, no caso em apreço veio o Recorrente declarar que pretende impugnar a decisão da matéria de facto, tendo apresentado alegações, que rematou com as conclusões acima transcritas.

Na sequência da admissão do recurso com a menção de que se mostravam omissas conclusões com as menções especificadas na lei, mas que se trata de questão a apreciar pelo Tribunal ad quem, veio o Recorrente apresentar novas alegações, reiterando o Tribunal a quo que se trata de questão a apreciar por este Tribunal da Relação.

Importa, deste modo, apreciar se as alegações inicialmente vertidas nos autos não possuem conclusões e, assim se entendendo, se esta omissão é passível de correção.

2. Afirma-se na primeira parte do n.º 2 do artigo 637.º do Código de Processo Civil que “o requerimento de interposição do recurso contém obrigatoriamente a alegação do recorrente, em cujas conclusões deve ser indicado o fundamento específico da recorribilidade”.

E no artigo 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, sob a epígrafe “ónus de alegar e formular conclusões”, aduz-se que “O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.”

Os recursos podem ter por objeto a decisão da matéria de facto ou de direito ou ambas, descrevendo-se no n.º 2 do referido artigo 639.º do Código de Processo Civil o conteúdo obrigatório das conclusões quando o recurso verse sobre matéria de direito:

“a) As normas jurídicas violadas;

b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas;

c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada.”

No que tange ao recurso sobre matéria de facto, o preceito pertinente é o artigo 640.º do Código de Processo Civil, onde, sob a epígrafe “ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”, se prescreve que:

“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.”

A ideia fundamental que se extrai da norma agora transcrita é a de que deve o recorrente delimitar de forma clara o objeto do recurso, identificando os segmentos da decisão de facto que pretende impugnar e os meios de prova que impõem decisão diversa.

A razão desta exigência encontra-se na circunstância dos recursos se destinarem à reapreciação das decisões proferidas em 1ª instância e não à prolação de uma decisão inteiramente nova (entre outros, os Acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães de 28.06.2018 (Jorge Teixeira), Processo n.º 123/11.0TBCBT.G1, e do Tribunal da Relação do Porto de 08.03.2021 (Fátima Andrade), Processo n.º 16/19.3T8PRD.P1, ambos in http://www.dgsi.pt/).

A clara definição do objeto do recurso assegura também o cabal exercício do contraditório, permitindo à parte contrária pronunciar-se especificadamente sobre os fundamentos da impugnação, sendo que este é um dos princípios estruturantes do processo civil (artigo 3.º do Código de Processo Civil).

Relativamente às imposições vertidas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, tem sido entendido que o seu cumprimento pode ser alcançado através da conjugação das conclusões com o corpo das alegações (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12.04.2024 (Mário Belo Morgado), Proc. n.º 823/20.4T8PRT.P1.S1, in http://www.dgsi.pt/).

Exige-se ao recorrente, no que tange à indicação dos concretos meios probatórios, aludida na alínea b) do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, que reporte a cada um dos factos provados ou não provados o meio de prova ou os meios de prova que impõem decisão diversa, sejam documentos ou depoimentos, referindo, quanto a estes, as passagens que são relevantes para o efeito.

Sem prejuízo, “enquanto a falta de especificação dos requisitos enunciados no n.º 1, alíneas a), b) e c) do artigo 640.º implica a imediata rejeição do recurso, já quanto à falta ou imprecisão da indicação das passagens da gravação dos depoimentos a que alude o n.º 2 do mesmo artigo, tal sanção só se justifica nos casos em que essa omissão ou inexatidão dificulte, gravemente o exercício do contraditório pela parte contrária e/ou o exame pelo tribunal de recurso” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12.04.2024, acima referido).

Com efeito, decorre do preceito citado que a inobservância das exigências aí formuladas determina a rejeição do recurso, sendo pacificamente entendido que nestes casos não há lugar a despacho de aperfeiçoamento, “uma vez que o artigo 652.º, n.º 1, alínea a), do CPC, apenas prevê a intervenção do relator quanto ao aperfeiçoamento «das conclusões das alegações, nos termos do n.º 3 do artigo 639.º», ou seja, quanto à matéria de direito e já não quanto à matéria de facto” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27.09.2018 (Sousa Lameira), Processo n.º 2611/12.2TBSTS.L1.S1, in http://www.dgsi.pt/).

Sufragando esta orientação, escreve António Santos Abrantes Geraldes (Recursos em Processo Civil, 7ª ed., Coimbra, 2022, pág. 199) que “pretendendo o recorrente a modificação da decisão de um tribunal de 1ª instância mediante uma pretensão dirigida a um Tribunal Superior que nem sequer intermediou a produção da prova, é compreensível uma maior exigência no que concerne à impugnação da matéria de facto, impondo, sem possibilidade de paliativos, regras muito precisas.”

Revertendo ao caso concreto, constatamos que as “conclusões” vertidas nas alegações de recurso não cumprem o ónus imposto pelo artigo 640.º do Código de Processo Civil, porquanto são completamente omissas quer quanto à modificação concreta da matéria de facto pretendida pelo Recorrente, isto é, identificação dos factos impugnados e alteração visada, quer quanto à indicação dos meios de prova que determinariam decisão diversa da proferida.

Acompanhamos, pois, o Tribunal a quo quando refere que inexistem conclusões em substância, isto é, o segmento das alegações do Recorrente que foi assim intitulado não revela um conteúdo conforme à respetiva definição legal, o que equivale à total ausência de conclusões.

Não se trata, com efeito, de mera insuficiência, o que pressuporia o cumprimento parcial do ónus, mas antes de um enunciado vazio no que concerne às menções obrigatórias, porquanto consta apenas o pedido genérico de alteração da matéria de facto, sem qualquer proposição concreta relativa ao caso em apreço.

No que tange, depois, à questão atinente à possibilidade de aperfeiçoamento das conclusões, resulta do acima exposto que a resposta é negativa, pelo que não deve, nem pode proferir-se despacho de convite o Recorrente a apresentar as conclusões em falta.

Todavia, espontaneamente veio o Recorrente apresentar novas alegações.

Mas é pacífico que uma vez praticado um ato no processo, este não pode ser substituído por outro com diferente conteúdo, desde logo porque no caso do recurso e noutros casos paralelos, maxime, a contestação, nos encontramos no âmbito de prazos perentórios, pelo que a omissão da prática destes atos no prazo legalmente fixado para o efeito acarreta consequências processuais.

Enuncia-se precisamente no artigo 139.º, n.º 3, do Código de Processo Civil que “o decurso do prazo perentório extingue o direito de praticar o ato”, apontando Lebre de Freitas e Isabel Alexandre os prazos perentórios como uma “manifestação do princípio da preclusão” (Código de Processo Civil Anotado, vol. 1º, 3ª ed., Coimbra, 2014, pág. 270).

Assim, a falta de contestação tem como efeito a admissão por acordo dos factos alegados na petição inicial (artigo 567.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), do mesmo modo que a não apresentação de recurso tem como efeito o trânsito em julgado da decisão (artigo 628.º do Código de Processo Civil).

As normas que fixam prazos perentórios para o exercício de direitos processuais possuem natureza imperativa, sendo que a sua desconsideração poria em causa princípios estruturantes do processo equitativo, em concreto, a igualdade das partes (artigo 4.º do Código de Processo Civil) e a imparcialidade, prejudicando ainda a segurança jurídica quanto aos atos processuais consumados e quanto ao plano da tramitação sucedânea previamente definido na lei (a este respeito, com enfoque no princípio da adequação formal, v. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 3ª ed., Coimbra, 2024, pág. 647).

Ora, quando o Recorrente submeteu a juízo as novas alegações, já há muito se mostrava esgotado o prazo para interposição de recurso, tendo inclusivamente sido já proferido despacho de admissão do recurso.

É certo que está prevista a possibilidade de retificação de lapsos de cálculo ou de escrita, no artigo 146.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, onde se declara que “É admissível a retificação de erros de cálculo ou de escrita, revelados no contexto da peça processual apresentada.”

Porém, a submissão de novas alegações onde se contenham conclusões, não consubstancia, de modo algum, a retificação de lapsos de escrita, porquanto estes constituem tão somente correções pontuais, justificadas por lapsos que assomam de forma clara e inequívoca no contexto da peça processual.

Neste sentido pronunciaram-se os seguintes Acórdãos (todos in http://www.dgsi.pt):

- do Tribunal Central Administrativo Norte de 14.02.2008 (Francisco Rothes) (Processo n.º 01032/04):

“I - A lei permite a correcção dos erros materiais manifestos verificados nas peças processuais (artigos 249.º e 295.º do CC e artigo 666.º, n.º 2, do CPC).

II - Essa faculdade, que visa a correcção de pontuais erros em que seja manifesta ou ostensiva a divergência entre a vontade expressa e a que se quis declarar, não permite que, ao abrigo dela, se possa substituir uma peça processual para além do prazo peremptório que a lei adjectiva fixa para a prática do acto.

III - A não ser assim, estaria encontrada a maneira, enviesada, de obviar ao efeito preclusivo do prazo, efeito perverso e propiciador de abusos que a lei não pode ter pretendido e ao qual não pode dar aval.”

- do Tribunal da Relação de Lisboa de 15.01.2013 (Rui Vouga) (Processo n.º 493/09.0TCFUN.L1-1):

“1. Segundo uma orientação jurisprudencial praticamente pacífica, mercê do disposto no artigo 295.º do mesmo diploma, o princípio contido no artigo 249.º do Código Civil – rectificação de lapso manifesto – é aplicável a todos os actos processuais e das partes.

2. Consequentemente, como o requerimento de interposição de recurso constitui uma autêntica declaração de vontade da parte visando produzir determinados efeitos processuais, é-lhe aplicável o princípio contido no artigo 249.º do Código Civil, segundo o qual o simples erro de cálculo ou de escrita, revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita, dá direito à rectificação desta.

3. De qualquer modo tal erro só pode ser rectificado (ao abrigo do cit. artigo 249.º do Código Civil) se for ostensivo, evidente e devido a lapso manifesto: é preciso que, ao ler o texto logo se veja que há erro e logo se entenda o que o interessado queria dizer. (…)

6. Por outro lado, a faculdade de correcção dos erros materiais manifestos verificados nas peças processuais destina-se, tão só, à correcção de erros pontuais em que seja manifesta ou ostensiva a divergência entre a vontade expressa e a que se quis declarar e, como tal, não consente que, ao abrigo dela, se possa substituir integralmente (ou quase integralmente) uma peça processual já apresentada nos autos por outra totalmente distinta, para além do prazo peremptório que a lei adjectiva fixa para a prática do acto em questão, por forma a que a segunda peça processual seja considerada como apresentada na data em que a primeira deu entrada em juízo.

7. Se fosse admitido que, ao abrigo da possibilidade de correcção de erros materiais, se pudesse substituir uma peça processual por outra totalmente distinta, para além do prazo peremptório que a lei adjectiva fixa para a prática do acto, estar-se-ia a subverter completamente a tramitação processual, abrindo-se a porta para que, mediante a utilização ardilosa de um procedimento deliberadamente assumido com vista à ulterior alegação de erro material, não mais fossem respeitados os prazos peremptórios legalmente fixados para a prática dos actos processuais.”

- do Tribunal da Relação de Lisboa de 25.09.2018 (Carla Câmara) (Processo n.º 1059/10.8TBAGH.L1-7):

“3) A pretensão de substituição integral da peça processual apresentada por outra peça processual (substituição de uma contestação por outra) e, por via disso, a consideração de que esta segunda contestação deu entrada na data em que a primeira foi apresentada e, assim, foi apresentada no prazo fixado para o efeito, quando o mesmo já se mostrava expirado, não encontra acolhimento legal no artigo 249.º do Código Civil nem no artigo 146.º do CPC. A não ser assim, por via da rectificação, que pode ocorrer a todo o tempo, estaria permitida a subversão dos prazos peremptórios processuais.”

- do Tribunal da Relação do Porto de 18.05.2020 (Jerónimo Freitas) (Processo n.º 4424/18.9T8VFR-A.P1):

“Fora do âmbito de aplicação do artigo 146.º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, destinado a suprir deficiências formais de atos processuais das partes, não é legalmente admissível a apresentação de duas alegações de recurso, nem a substituição de umas por outras, ainda que dentro do prazo legal. Uma vez praticado o acto, fica esgotada a possibilidade de o voltar a praticar – ainda que dentro do prazo legalmente fixado para o efeito – de modo a garantir a estabilidade da instância, o respeito das expectativas legítimas das partes, bem como a igualdade de oportunidades entre as mesmas.”

Deve, consequentemente, julgar-se legalmente inadmissível a substituição das alegações de recurso.

3. Em conclusão, pretendendo o Recorrente impugnar no recurso a decisão da matéria de facto, mas não tendo apresentado conclusões, nem sendo admissível a substituição das alegações inicialmente submetidas a juízo, cumpre julgar verificada a ocorrência de circunstância que obsta ao conhecimento total do recurso (artigos 641.º, n.º 2, alínea b) e 652.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil).

Assinala-se ainda que, como sublinhado no despacho de admissão do recurso proferido pelo Tribunal a quo, este despacho não vincula o Tribunal da Relação (artigo 641.º, n.º 5, do Código de Processo Civil).

Deve, por isso, ser rejeitado o recurso, com fundamento em falta de conclusões.”

10. Inconformada, veio a R. requerer que seja proferida decisão colegial, advogando, em síntese, que por estarem em causa, no caso em apreço, conclusões deficientes, não se tratando de omissão de conclusões, tem-se por exigível a prolação de um despacho de aperfeiçoamento, sendo que a R. até já aperfeiçoou as conclusões, pelo que o recurso devia ser admitido.

II - Fundamentação

1. Na situação vertente a reclamação da R. assenta, essencialmente, na distinção entre omissão de conclusões ou apresentação de conclusões deficientes, distinção relevante por força das diferentes consequências de cada uma das situações, na medida em que a primeira determina a rejeição do recurso e a segunda é suscetível de sanação por via de um despacho de aperfeiçoamento, nos termos do n.º 3 do artigo 639.º do Código de Processo Civil.

Como resulta da descrição contida no relatório, a R. intitulou “Conclusões” um segmento das suas alegações de recurso, e escreveu aí “Com o presente recurso visa a Recorrente colocar em crise a apreciação da prova produzida, e gravada, em desrespeito das exigências legais no que tange às regras que a devem nortear, nomeadamente as máximas de experiência, que deviam ter conduzido a um resultado probatório diametralmente diferente do alcançado pelo Tribunal a quo.

Nestes termos, e nos melhores de Direito do suprimento de V. Ex.as, deverá ser concedido provimento ao presente Recurso, alterando a Douta Decisão recorrida nos termos propugnados nas presentes Alegações, acolhendo o peticionado em sede de Oposição à Injunção.

É o que se pede e se espera deste Tribunal, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!

Ou seja, formalmente a situação é distinta daquela em que não se identifica parte alguma das alegações como sendo conclusões, todavia, mais do que o nome dado às realidades, o que releva é o seu conteúdo, pelo que a questão reside em saber se o que se mostra vertido sob o título de conclusões pode ser reconduzido a esta figura ou, diversamente, não contém o substrato mínimo que permita essa qualificação.

Trata-se, no fundo, de uma distinção filiada no conceito de ineptidão da petição inicial por falta de indicação do pedido ou causa de pedir e no conceito de deficiência de alegação fáctica, pois também aqui a ineptidão não consente qualquer aperfeiçoamento, ao contrário do que sucede com a deficiência de alegação fáctica (Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 8ª ed., Coimbra, 2024, págs. 212-213).

Assim, “a lei exige que o recorrente condense em conclusões os fundamentos por que pede a revogação, a modificação ou a anulação da decisão. Com a necessária distância, tal como a motivação do recurso pode ser associada à causa de pedir, também as conclusões, como proposições sintéticas, encontram paralelo na formulação do pedido que deve integrar a petição inicial.

Rigorosamente, as conclusões devem (deveriam) corresponder a fundamentos que, com o objetivo de obter a revogação, alteração ou anulação da decisão recorrida, se traduzam na enunciação de verdadeiras «questões» de direito (ou de facto) cujas respostas interfiram com o teor da decisão recorrida e com o resultado pretendido, sem que jamais se possam confundir com os «argumentos» de ordem jurisprudencial ou doutrinário que não devem ultrapassar o sector da motivação.

As conclusões exercem ainda a importante função de delimitação do objeto do recurso, como clara e inequivocamente resulta do artigo 635.º, n.º 3.

Conforme ocorre com o pedido formulado na petição inicial, as conclusões do recurso devem corresponder à identificação clara e rigorosa daquilo que se pretende obter do Tribunal Superior, em contraposição com o que foi decidido pelo tribunal a quo. Incluindo, na parte final, o resultado procurado, as conclusões devem respeitar, na sua essência, cada alínea do n.º 2, integrando-se as respostas a tais premissas essenciais no encadeamento lógico da decisão pretendida” (idem, págs. 213-214).

Analisando, depois, os vícios de que podem padecer as conclusões, refere Abrantes Geraldes que “as conclusões são deficientes designadamente quando não retratem todas as questões sugeridas pela motivação (insuficiência), quando revelem incompatibilidade com o teor da motivação (contradição), quando nesta não encontrem apoio, surgindo desgarradas (excessivas), quando não correspondam a proposições logicamente adequadas às premissas (incongruentes) ou quando surjam amalgamadas, sem a necessária discriminação, questões ligadas à matéria de facto e questões de direito (confusas)” (ibidem).

Daqui se extrai que as conclusões deficientes contêm, em alguma medida, as indicações exigidas por lei, mas carecem de ser melhoradas, sob a forma, designadamente, de completamento do que está exposto de forma insuficiente ou esclarecimento de contradições.

As indicações exigidas por lei respeitam às questões de facto ou de direito que o recorrente pretende ver apreciadas no recurso, estabelecendo-se a separação entre estas e os argumentos, pelo que o objeto do recurso está reportado à apreciação de factos ou do enquadramento jurídico atinente aos pedidos formulados na ação ou às exceções nela deduzidas.

Revertendo ao caso concreto, verificamos que as intituladas conclusões omitem completamente a enunciação de questões de facto ou de direito, limitando-se a uma afirmação vaga do Recorrente de discordância com a decisão do Tribunal a quo, sem a menor referência a concretos factos ou institutos jurídicos ou pedidos ou exceções.

Aquilo que consta das intituladas conclusões cinge-se ao remate habitual de todas as peças processuais no sentido de peticionar ao tribunal que conceda provimento às pretensões do apresentante da peça, sem menção alguma aí a essas pretensões.

Entendemos, assim, que apesar de formalmente existir uma aparência de conclusões, em substância o conteúdo desse segmento das alegações de recurso não cumpre os requisitos mínimos para ser assim qualificado, pelo que não estamos em presença de conclusões deficientes, que consintam aperfeiçoamento, mas antes de omissão de conclusões, suscetível de determinar a rejeição liminar do recurso.

Esta apreciação em substância das conclusões de recurso foi feita, designadamente, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.10.2021 (Tibério Nunes da Silva) (Processo n.º 3657/18.2T8LRS.L1.S1, in http://www.dgsi.pt/):

“I. Nos termos do n.º 1 do artigo 639.º do CPC, o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.

II. As conclusões delimitam o objecto do recurso, isolando as questões a que as alegações tenham, antes, dado corpo, de forma a agilizar o exercício do contraditório e a permitir ao tribunal de recurso que identifique, com nitidez, as matérias a tratar.

III. Quando o recorrente, depois de uma introdução / relatório, inicia a crítica à sentença impugnada, não é a designação de Conclusões que confere a esse exercício o carácter que o termo sugere, se o que aí se desenvolve são os argumentos (não antes apresentados) tendentes à revogação da sentença, sem que se possa estabelecer, a partir de certa altura, uma fronteira que marque a elaboração de verdadeiras conclusões, ou seja, a síntese dos fundamentos por que se pede a alteração da decisão recorrida.

IV. A falta de conclusões, que é o que, in casu, se verifica, gera a rejeição do recurso, não havendo lugar a aperfeiçoamento.”

Tudo visto, mantém-se a decisão reclamada.

IV - Dispositivo

Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Cível deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a reclamação, confirmando, em Conferência, a decisão reclamada.

Custas pela Ré.

Notifique e registe.

Sónia Moura (Relatora)

António Marques da Silva (1º Adjunto)

Susana Ferrão da Costa Cabral (2º Adjunto)