EXCEÇÃO DE CASO JULGADO
QUALIFICAÇÃO JURÍDICA DIVERSA
CAUSA DE PEDIR
Sumário

1. O caso julgado abrange todas as possíveis qualificações jurídicas da questão apreciada, pois o que releva é a identidade de causa de pedir, isto é, os factos constitutivos do direito, e não a identidade das qualificações jurídicas que esse fundamento comporte.
2. Se em anterior acção foi expressamente decidido que os AA. apenas tinham direito a outorgar uma escritura de cedência do direito de habitação, em cumprimento de um contrato-promessa celebrado pelas partes, e não uma escritura de compra e venda do imóvel, há coincidência de causa de pedir e de pedido se, anos mais tarde, formulam o mesmo pedido e com base nos mesmos factos constitutivos do direito.
(Sumário do Relator)

Texto Integral

Sumário: (…)


Acordam os Juízes da 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:

No Juízo Central Cível de Portimão, (…) e (…) demandaram a Cooperativa de Construção e Habitação Económica (…), pedindo que seja a Ré condenada a outorgar a escritura de compra e venda do prédio urbano identificado nos autos, a favor dos AA. e pelo preço, já pago, de € 9.635,26, procedendo à sua marcação no prazo máximo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da sentença, notificando, para o efeito, por meio idóneo, os AA. da data, local e hora para o efeito; que seja a Ré condenada a pagar aos AA. uma quantia não inferior a € 100,00 por cada dia de atraso na outorga da referida escritura de compra e venda; e, finalmente, seja a Ré condenada a pagar aos AA., a título de indemnização por danos não patrimoniais, o valor de € 120.000,00.
Alegam a sua qualidade de cooperadores da Ré e a celebração com esta de um contrato-promessa de cedência do direito de habitação de um imóvel, que a Ré não cumpriu, apesar de ter sido condenada em anterior acção judicial a cumpri-lo.
Na contestação, a Ré invocou a excepção de caso julgado, que o saneador reconheceu, absolvendo a Ré da instância.

Inconformados, os AA. recorrem e concluem:
A. Os elementos constantes do processo deveriam ter originado decisão diversa, julgando improcedente a excepção de caso julgado invocada, por violação do disposto no artigo 581.º do Código do Processo Civil (CPC).

B. Tal excepção não existe nos presentes autos, por não se encontrarem reunidos os legais pressupostos, de facto e de direito.

C. Andou mal o Tribunal a quo ao considerar que o pedido e a causa de pedir se subsumem na presente acção, tout court, ao pedido reconvencional da acção cuja decisão transitou em julgado proferida nos autos do processo n.º 3494/11.5TBPTM.

D. In casu, há identidade de sujeito, mas já não de pedido e de causa de pedir.

E. De facto, a decisão transitada em julgado proferida nos autos do processo n.º 3494/11.5TBPTM, que correu os seus termos no juiz 2 do Tribunal da Comarca de Portimão, tinha como pedido a resolução de um contrato promessa de cedência do direito de habitação e como causa de pedir o incumprimento contratual por parte dos então RR., ora Apelantes do supramencionado contrato-promessa.

F. Em sede de pedido reconvencional, vieram os ora Apelantes então reconvintes, peticionar a que o Tribunal reconhecesse como válido e eficaz o referido contrato-promessa (o que já resultaria no caso de os então RR. serem absolvidos do pedido...) e que a Reconvinda fosse igualmente condenada a outorgar a escritura de compra e venda do prédio urbano objecto do litígio.

G. No entanto, e embora de uma leitura desatenta possa resultar que aparentemente o pedido possa ser o mesmo, na verdade não o é.

H. É que na primeira acção, os ora Apelantes reagiram ao pedido de resolução de um contrato-promessa de direito à habitação, reconvindo pela sua validade e, em consequência, que a escritura de compra e venda fosse outorgada.

I. Ou seja, é impossível dissociar o pedido (outorgar a escritura pública) da causa de pedir (sendo válido o contrato-promessa, a consequência será cumprir essa promessa).

J. Daí que o Tribunal da Relação de Évora, no douto acórdão transitado em julgado, tenha decidido que: “em consequência condenam a Autora (ora Ré) a reconhecer como válido e eficaz o contrato promessa celebrado com os RR. (ora AA) (…) bem como a outorgar a escritura pública relativa ao contrato prometido, no prazo de noventa dias”.

K. Por outro lado, não há igualmente identidade da causa de pedir, uma vez que, desta feita, pretendem os ora Apelantes que a escritura de compra e venda do imóvel seja outorgada, não por violação do contrato-promessa, mas outrossim porque a ora Ré violou a lei, os seus próprios estatutos e a sua direcção tomou a decisão sem conhecimento da Assembleia Geral da Ré.

L. Repare-se que, em sede de Petição Inicial, se refere que (52º da P.I.): “O que os Apelantes questionam e ora peticionam, é que o douto tribunal declare que a Ré se recusa, de forma ilegítima, a celebrar com os Apelantes a escritura definitiva de compra e venda do imóvel sito no Lote 53, de que estes já são detentores do direito à habitação, mas de que deverão igualmente ser proprietários do direito de superfície do referido prédio urbano, à semelhança dos outros 122 cooperadores que, em igualdade de circunstâncias, já são dos seus respectivos prédios urbanos, há praticamente duas décadas!”

M. Dito de outra forma, embora possa existir aparência similar entre os pedidos em ambas as acções, o que é certo é que a causa de pedir é outra: se na primeira, o pedido de outorga da escritura de compra e venda se fundava no cumprimento do contrato-promessa (ainda e sempre por via de reacção reconvencional, é certo), nesta o pedido fundamenta-se na violação da legislação aplicável às Cooperativas de Habitação e nos Estatutos da Ré, bem como por violação do princípio de igualdade e tratamento entre os cooperadores.

N. Por último, e também em sede de pedido na presente acção, refira-se que não há identidade nos pedidos, uma vez que na primeira acção os ora Apelantes não fizeram qualquer pedido indemnizatório a título de danos não patrimoniais, o que acontece apenas nesta acção, com causa de pedir que não encontra respaldo semelhante na primeira acção.

O. Como refere o Ac. do STJ de 12.04.23, disponível em www.dgsi.pt: “A violação do caso julgado tem como pressuposto ser a própria decisão impugnada a contrariar anterior decisão transitada em julgado violando-o, ela mesma, directamente”.

P. Ora, tendo a decisão no primeiro processo condenado a ora Ré a outorgar uma escritura de direito de habitação, como aconteceu, e indo este tribunal, como pretendem os Apelantes, condenar a R. a outorgar uma escritura de compra e venda, não existirá, naturalmente qualquer contradição, nem o tribunal ficará numa posição irreversível de ter de pôr em causa a decisão já tomada.

Q. Não existindo, assim, violação do disposto no artigo 580.º, n.º 2, do CPC, ao contrário do que o Tribunal a quo decidiu.

R. Andou igualmente mal o Tribunal a quo ao considerar que a decisão judicial transitada em julgado nos supra-referidos autos “não pode deixar de ser literal”, pecando a douta sentença ora recorrida por falta de fundamentação, violando o princípio da fundamentação das decisões judiciais, previsto no artigo 154.º do CPC.

S. Para que o Tribunal a quo pudesse fundamentar a decisão de julgar procedente a excepção de caso julgado deveria ter ido mais longe na sua fundamentação, que peca por defeito e, nomeadamente:

T. A escritura de cedência do direito de habitação do direito de superfície do prédio urbano denominado lote cinquenta e três entre Apelantes e Ré, em 25 de Setembro de 2015, foi celebrada em violação dos estatutos da Ré e sem conhecimento da Assembleia Geral da Ré, com o A. marido cedendo o fogo “no regime de propriedade colectiva, na modalidade de atribuição do direito de habitação, como morador usuário, nos termos do disposto no Regime Jurídico das Cooperativas de Habitação, o qual se rege pelo Decreto-Lei n.º 502/99, de 19 de Novembro”.

U. E é também por esse motivo, no entendimento dos Apelantes, que a Ré, numa interpretação estrita da douta decisão judicial, se limitaram a outorgar uma escritura de transmissão do direito de habitação e não de compra e venda do imóvel com base num regime de propriedade colectiva que nunca existiu na Cooperativa (…)!

V. Ao contrário do que fizeram com cerca de 120 outros cooperadores com quem, em igualdade de circunstâncias, celebraram outrossim escrituras definitivas de compra e venda, respeitando não só o espírito estatutário originário, como também toda a praxis da cooperativa.

W. E esta é a causa de pedir da presente acção: um comportamento / facto, ou conjunto de comportamentos / factos que, já não por força de um contrato-promessa que foi cumprido na sua essência (que era a causa de pedir da primeira acção e a qual ficou juridicamente solidificada), mas sim por força da violação dos Estatutos da Ré, publicado no D.R. III série n.º 212 de 12/09/1996, do Regime Jurídico das Cooperativas do Ramo de Habitação e Construção, publicado pelo D. L. n.º 502/99, de 19 de Novembro e do Código Cooperativo, aprovado pela Lei n.º 119/2015, de 31 de Agosto, importam a apreciação e decisão judicial.

X. O facto jurídico é, assim, novo: um comportamento violador dos Estatutos da Ré e da Lei aplicável (in fine o Código Cooperativo) e já não um contrato-promessa que foi cumprido e que se extinguiu na esfera jurídica das partes com a celebração da escritura definitiva do direito de uso e habitação.

Y. Não há, pois, e ao contrário do que o Tribunal a quo decidiu, coincidência na causa de pedir.

Z. E a apreciação deste novo pedido e causa de pedir nunca colocará, ao contrário do que o Tribunal a quo invoca, o tribunal na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior, em violação do artigo 580.º do CPC, senão vejamos: - A primeira decisão consistiu em reconhecer como válido o contrato-promessa de cedência do direito de habitação e a outorgar a escritura pública relativa ao contrato prometido, o que veio a acontecer; - Ora, caso o tribunal agora decida, como os Apelantes pretendem, que a Ré seja condenada a outorgar uma escritura de compra e venda (pedido coincidente, mas com causa de pedir diversa, reafirme-se), transmitir-se-á para os ora Apelantes o direito de propriedade do imóvel, o que não colide com o já decidido que foi apenas relativo à transmissão do direito de habitação.

AA. Andou igualmente mal o Tribunal a quo ao considerar que a interpretação da decisão judicial transitada em julgado nos supra-referidos autos “não pode deixar de ser literal”, pecando a douta sentença ora recorrida por falta de fundamentação, violando o princípio da fundamentação das decisões judiciais, previsto no artigo 154.º do CPC.

BB. Atente-se nos factos assentes dados como provados naquela acção, com relevância para esta causa: a) A Cooperativa não deliberou intentar (nem intentou) qualquer processo que culminasse em decisão de extinção do direito à habitação dos (ora) Apelantes b) A Cooperativa não outorgou a “respectiva escritura de compra e venda e nunca justificou a sua recusa na outorga da escritura aos ora RR. (alínea N) dos factos assentes)”; c) “A Cooperativa nunca deliberou no sentido de recusar a outorga da escritura (Alínea O) dos factos assentes)”; d) “Os réus aguardaram pela outorga da escritura definitiva de compra e venda, nunca desconfiando de que o seu direito à aquisição lhes fosse eliminado sem mais, até ao ano de 2004 (resposta ao artigo 5º da base instrutória)”.

CC. E na delimitação do objecto do recurso, o doutro TRE refere: “É pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognição (…). Discute-se nuclearmente a verificação de ilícitos contratuais por parte dos RR susceptíveis de conduzirem à licita recusa da Autora em celebrar a escritura definitiva”.

DD. Ora, a “escritura definitiva” que a então Autora, ora Ré, se havia recusado a celebrar era a “escritura de compra e venda” – factos dados como assentes alínea N) e O) daquela acção.

EE. Não questionam os Apelantes, nem o poderiam fazer, a qualificação jurídica da relação contratual entre os ora Apelantes e a Ré, nem a natureza do contrato promessa de cedência do direito de habitação que, aliás, veio a culminar na celebração da escritura de cedência do referido direito de habitação.

FF. O que os Apelantes questionam e ora peticionam, é que o douto tribunal declare que a Ré se recusa, de forma ilegítima, a celebrar com os Apelantes a escritura definitiva de compra e venda do imóvel sito no Lote 53, de que estes já são detentores do direito à habitação, mas de que deverão igualmente ser proprietários do direito de superfície do referido prédio urbano, à semelhança dos outros 120 cooperadores que, em igualdade de circunstâncias, já são dos seus respectivos prédios urbanos, há praticamente duas décadas, violando os Estatutos da Ré, o Código Cooperativo e o princípio constitucional da igualdade.

GG. A referida escritura de cedência do direito de habitação enferma também de outro vício que, salvo melhor opinião, contribui para a sua nulidade de forma irrefutável: o preço pago foi para a aquisição do imóvel e dos encargos fixados e não para a compra de um direito de habitação, senão vejamos:

HH. Facto provado 9 no processo em referência (cfr. Acórdão do TRE, pág. 10: “Em 2004 ocorreu o último pagamento devido pelos RR à Cooperativa para a aquisição do imóvel a que se referia o contrato mencionado em 1, cujo valor (da habitação) era de 885.716$00 (i.e. € 4.417,93), sendo pago até 2004 o valor de € 9.635,26 (alínea I) dos factos assentes)”.

II. E a escritura celebrada refere: “Que, pela presente escritura, em nome da sua representada e pelo preço de € 9.635,36, que já foi pago pelo segundo outorgante e do qual dão plena quitação, a este cedem o direito de habitação do direito de superfície do prédio urbano (…)”.

JJ. Ou seja, a Ré, de absoluta má-fé, induziu o A. marido em erro.

KK. Bem sabendo que o preço pago, de € 9.635,36, era, e sempre fora, para a aquisição do imóvel e não para pagamento do direito de habitação.

LL. Por isto tudo, a escritura celebrada entre a Ré e o A. marido no dia 25 de Setembro de 2015, no Cartório sito no Concelho de … (Algarve), na Rua (…), Lote 7, rés-do-chão direito, da Dra. (…), lavrada no livro …, a fls. 17 e seguintes, não corresponde à vontade expressa pelos Apelantes desde que, em 1982, começaram a amortizar o valor da casa que iriam adquirir assim que o fizessem por completo, como veio a acontecer em 1994.

MM. Ora, para que o Tribunal a quo decidisse, como decidiu, pela absolvição da instância da Ré – consequência castradora da procedência do caso julgado – deveria ter feito uma apreciação probabilística dos factos provados e prováveis constantes quer da primeira acção, quer da presente.

NN. Ao não fazê-lo, limitando-se a referir que: “A verdade é que a interpretação a fazer da decisão judicial não pode deixar de ser literal e, transitada em julgado, não é legítimo ao Tribunal de Primeira Instância, alterá-la, ainda que o comportamento da Cooperativa tenha sido diferente com outros cooperadores e tenha outorgado com os mesmos contratos de compra e venda, de transmissão do direito de propriedade sobre as fracções”, não se pronunciando nem fundamentado tal argumento (violou os Estatutos da Ré? Violou a Lei aplicável?), violou o princípio da fundamentação das decisões judiciais, previsto no artigo 154.º do CPC.

OO. E, por último, o Tribunal a quo, ao julgar procedente a excepção de caso julgado, absolvendo a Ré da instância, sem sequer se pronunciar sobre o pedido de condenação da Ré no pagamento de indemnização por danos não patrimoniais, violou o artigo 615.º, n.º 1 alínea d), 1ª parte, do CPC.

PP. É que a presente acção tem um Pedido não existente na primeira acção, que o Tribunal a quo nem sequer apreciou, violando assim o princípio da fundamentação das decisões judiciais:

QQ. Os ora Apelantes também fazem um pedido de condenação da Ré no pagamento aos ora Apelantes, a título de indemnização por danos não patrimoniais, no valor de € 120.000,00;

RR. Pedido esse inexistente na primeira acção, repita-se e que tem como causa de pedir os factos enunciados nos artigos 128º a 150º da Petição Inicial;

SS. E a Causa de Pedir neste pedido é, também ela, nova: os ora Apelantes alegam que a Ré os impede de adquirirem a propriedade plena do imóvel, casa de morada de família durante décadas, causando-lhes danos de reputação, por um lado, e psicológicos por outro, que a Ré, com a sua atitude, e ao longo de mais de duas décadas, tem causado aos Apelantes, merecendo, assim, tutela jurídica, nos termos do artigo 496.º, n.º 1, do Código Civil.

TT. Como tal, peticionam ser a R. condenada a pagar aos ora Apelantes., uma indemnização por danos não patrimoniais, fundada no facto ilícito de, pelo menos desde 2004, se recusar a celebrar com os AA. a escritura de compra e venda do imóvel sub judice, apesar de estes terem amortizado por completo o preço devido.

UU. Trata-se de um pedido autónomo e autonomizável do primeiro: mesmo que o Tribunal ad quem confirme, o que não se espera, a decisão recorrida na parte em que julga procedente o caso julgado, manter-se-ão os danos não patrimoniais, de reputação e psicológicos invocados, aliás, que resultariam agravados por tal decisão, face à discriminação de que os ora Apelantes se sentem alvo.

VV. Ao contrário do que o Tribunal a quo decide, não se trata de pedidos em relação ao supra apreciado, não prejudicando a decisão.

WW. O Tribunal a quo, ao julgar procedente a excepção de caso julgado, absolvendo a Ré da instância, sem sequer se pronunciar sobre o pedido de condenação da Ré no pagamento de indemnização por danos não patrimoniais, viola o artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC.


Na resposta sustenta-se a manutenção do julgado.
Cumpre-nos decidir.

Os factos relevantes para a decisão do recurso, assentes por acordo das partes ou por documento não impugnado, bem como os que constam da consulta ao Proc. n.º 3494/11.5TBPTM, cujo acesso a primeira instância solicitou, por despacho de 07.11.2024, e ao qual esta Relação também acedeu através do Citius, são os seguintes:
1. Por escritura de 28.05.1976, foi constituída a Ré, sendo o A. marido um dos seus cooperadores;
2. Por escritura de 18.10.1985, a Câmara Municipal de Lagoa cedeu à Ré, em direito de superfície, um terreno destinado à construção das habitações, sito em (…), freguesia do concelho de Lagoa, a desanexar do artigo matricial rústico (…) e descrito na respectiva Conservatória sob o n.º (…);
3. De acordo com essa escritura, o direito de superfície foi cedido pelo prazo de setenta anos, prorrogáveis, destinado à construção de cento e vinte e quatro fogos, para os membros cooperadores da Ré;
4. Aos AA. foi atribuído o imóvel com a tipologia “T4” sito no lote 53 do “Bairro de (…)”, na freguesia e concelho de Lagoa, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo (…) e descrito na respectiva Conservatória sob o n.º (…).
5. Em 10.08.1981, a Ré outorgou com os AA. um contrato-promessa de cedência do direito a habitação daquele fogo;
6. Por carta de 25.08.1982, a Ré informou os AA. que havia sido atribuído ao fogo 53, um custo final total para aquisição após amortização de esc. 885.719$00;
7. Até Abril de 2004, os AA. pagaram à Ré a quantia total de € 9.635,26;
8. A Ré propôs contra os AA. uma acção declarativa sob processo comum, que correu termos sob o n.º 3494/11.5TBPTM, na qual pediu que se declarasse resolvido o contrato promessa de cedência do direito de habitação supra referido, e a condenação dos réus na restituição imediata da habitação, no estado em que se encontraria se tivesse sido feita uma utilização prudente;
9. Em reconvenção, os AA. – réus naquela acção – pediram por seu turno que a aqui Ré fosse condenada a reconhecer como válido e eficaz o contrato-promessa supra referido, a outorgar a escritura de compra e venda do prédio urbano cuja restituição era peticionada, no prazo de 90 dias a contar da data do trânsito em julgado da sentença; a condenação da Ré no pagamento de uma quantia de € 3.000,00 por cada mês de atraso na outorga da escritura; e, a título subsidiário, a condenação da Ré no pagamento, a título de indemnização pelo valor actual do imóvel, da quantia de € 125.000,00;
10. Da contestação/reconvenção, oferecida pelos aqui AA. naquela acção, consta, para além do mais, o seguinte:

64º
O Contrato Promessa de Cedência de Habitação outorgado tem necessariamente de se conformar e reger pelos normativos que regem este tipo de Cooperativas – o Código Cooperativo, Estatutos, o Regulamento da Cooperativa e ainda o Código Civil e a Constituição Portuguesa, sendo ilegal, ao contrariar tais normativos, ao penalizar o sócio cooperante, imputando-lhe a consequência da penalidade mais grave prevista, que é a extinção do direito à habitação, com o direito de haver da Cooperativa exclusivamente a parte das prestações que tenham pago para amortização do valor de custo do fogo, na sequência da exclusão de sócio (artigos 3.º b), 8.º, n.º 1, C), 9.º, a) e 10.º).
(…)
81º
Há pois aqui que impugnar o alegado no artigo 4º da p.i., na medida em que os ora RR, não são apenas sócios, são possuidores em nome próprio, na convicção de que são proprietários do direito de propriedade, e agem como tal há mais de 30 anos.
82º
Não podem ser considerados possuidores precários como consta do próprio contrato promessa na sua cláusula 3ª, alínea d).
83º
Há também nesta parte ilegalidade no estipulado no contrato, na medida em que por um lado entende o promitente comprador como possuidor precário, por outro atribui-lhe a habitação para sua residência própria e permanente e do seu agregado familiar (artigo 4.º, a)), exigindo-lhe o pagamento de um preço para a posterior aquisição (artigos 5.º e 6.º) e deveres (artigos 7.º e 8.º), que vão muito além da posse precária (…).
84º
É pois ilegal e sem fundamento o disposto no Contrato Promessa que atribui, sem mais, ao sócio cooperante, adquirente de uma habitação integralmente paga e onde habita, a qualidade de possuidor precário, para o esvaziar de direitos incindíveis de pleno proprietário, como por exemplo do direito à habitação.
(…)
EM RECONVENÇÃO
Contudo, e ainda que assim não se entenda, vêm os RR, apresentar pedido reconvencional, nos termos e com os fundamentos seguintes:
96º
Os Réus por contrato-promessa identificado no artigo 1º da p.i. adquiriram o direito de habitação própria permanente o prédio urbano designado por lote 53, sito no Bairro (…).
97º
Este é um verdadeiro contrato-promessa de compra e venda do prédio urbano composto por rés do chão e primeiro andar, tendo no rés do chão quinta, garagem, dois quartos, despensa e casa de banho e no primeiro andar dois quartos e uma casa de banho, sito no Bairro (…), lote 53, (…)
98º
Pagaram a totalidade das quotas da cooperativa e o restante custo do preço até 2004.
99º
Nenhum dos fundamentos alegados pela Autora / Reconvinda para a extinção do direito a habitação do contrato-promessa tem fundamento legal.
100º
A resolução do contrato pedida pela Autora (agora reconvinda) não tem fundamento nem moral, nem legal, nem contratual. Como é natural o imóvel tem hoje um valor superior àquele que os Réus pagaram, assim como o valor inicialmente atribuído ao imóvel de € 4.417,93, visto que ao longo dos últimos trinta anos existiu em Portugal um processo inflacionista com elevados índices, bem como um acentuado aumento de valor dos prédios urbanos.
101º
Porém os Réus / Reconvintes tudo pagaram, segundo os valores adequados ao longo das várias tranches que o contrato previa.
102º
É imoral e ilegal a interpretação que a A. fez do contrato, dos Estatutos da Cooperativa, do seu Regulamento e das normas do Código Cooperativo, e que, a ser aceite, conduziria a um desfecho de grave injustiça para os Réus / Reconvintes.
103º
Nunca tais normas, nem as do Código Civil, nem as da Constituição permitiriam que a A. se apropriasse agora, passadas décadas, do prédio urbano dos Réus através de um processo que poderemos classificar de confisco, atenta a ridícula indemnização que se propõem pagar aos Réus / Reconvintes.
104º
Por isso, os Réus invocam o seu direito à realização da escritura de compra e venda do mencionado prédio urbano.
105º
Nenhuma das supostas violações do contrato-promessa ou dos estatutos da cooperativa pode fundamentar a violência da “expropriação”, quase sem indemnização da casa dos Réus, que numa fase da vida de grandes dificuldades custearam.
106º
Por isso os Réus têm direito a que a A. agora Reconvinda seja condenada a outorgar a escritura de compra e venda do identificado prédio urbano. E além disso ser condenada a fazê-lo em tempo útil, ou seja, no prazo de 90 dias contados da decisão e à indemnização de € 5.000,00 (cinco mil euros) por cada mês de atraso no cumprimento da decisão.
107º
Todavia, se assim não for entendido, sempre aos Réus teriam direito a que o imóvel não seja confiscado pela Reconvinda.
108º
A Reconvinda, em caso de procedência do pedido que formula na presente acção propõe-se devolver aos Réus a quantia que eles ao longo de décadas foram pagando.
109º
Tal indemnização tem um valor ridículo, na ordem dos € 9.500,00, face ao prejuízo sofrido pelos Réus-Reconvintes com a perda do prédio urbano.
110º
O prédio urbano tem a tipologia de T4, composto rés do chão e primeiro andar, tendo no rés do chão quinta, garagem, dois quartos, despensa e casa de banho e no primeiro andar dois quartos e uma casa de banho, sito no Bairro (…), lote 53, em Lagoa, (…);
111º
O valor de mercado actual do imóvel é no mínimo de € 125.000,00.
112º
Este é, aliás, um valor igual ao do preço porque têm sido vendidos imóveis vizinhos e iguais, situados no mesmo local pertencentes também à Cooperativa.
113º
É o caso do Lote 40, comprado por (…), em data que não se pode precisar em 2004/2005, com a mesma composição do prédio urbano dos RR, tipologia de T4, composto rés-do-chão e primeiro andar, tendo no rés do chão quinta, garagem, dois quartos, despensa e casa de banho e no primeiro andar dois quartos e uma casa de banho, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo (…), da freguesia de Lagoa, com área coberta de 136,40 m2 e descoberta de 66 m2 (Docs. 18 e 19).
114º
Pelo exposto, e caso o pedido da A. viesse a proceder, deveria então ser condenada a pagar aos Réus/Reconvintes a importância de € 125.000,00 (cento e vinte e cinco mil euros) como indemnização do valor pela perda do prédio urbano que pagaram integralmente.”
11. Por sentença de 12.12.2014, foi decidido julgar procedente a acção proposta pela aqui Ré, declarando-se resolvido o contrato-promessa de cedência do direito de habitação celebrado pelas partes e condenando os aqui AA. a restituí-lo à Ré, no estado em que o mesmo se encontraria se tivesse sido feita uma utilização prudente;
12. Quanto ao pedido reconvencional formulado pelos aqui AA., foi julgado parcialmente procedente, condenando-se a aqui Ré a pagar-lhes o montante de € 9.635,26;
13. No mais, aquela sentença absolveu a aqui Ré do restante pedido reconvencional;
14. Interposto recurso dessa sentença pelos aqui AA., por Acórdão de 28.05.2015, transitado em julgado, a Relação de Évora decidiu julgá-lo procedente, revogando a sentença recorrida e “substituindo-a por outra que julga improcedente o pedido da Autora e procedente o pedido reconvencional formulado a título principal e em consequência condenam a Autora a reconhecer como válido e eficaz o contrato promessa celebrado com os RR. e identificado no n.º 1 da fundamentação de facto da sentença recorrida, bem como a outorgar a escritura pública relativa ao contrato prometido, no prazo de noventa dias.”;
15. No mesmo Acórdão, mais foi a Ré – ali autora – condenada a pagar aos aqui AA., a título de sanção pecuniária compulsória, a quantia de € 50,00 por cada dia de atraso na outorga da escritura;
16. Por escritura de 25.09.2015, a Ré declarou que, pelo preço de € 9.635,26, que declarou já ter recebido e do qual deu quitação, ceder ao A. marido o direito de habitação do direito de superfície do supra referido lote 53;
17. Naquela escritura é declarado que esta é outorgada “em cumprimento do “Contrato de Promessa de Cedência do Direito à Habitação” celebrado entre as partes no dia dez de Agosto de mil novecentos e oitenta e um”;
18. Na dita escritura, o A. marido declarou que aceitava a cessão, nos termos exarados, e que o imóvel se destinava exclusivamente a sua habitação própria e permanente.

Aplicando o Direito.
Da excepção de caso julgado
Tendo a primeira instância concluído que ocorria a tríplice identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir em relação à anterior causa que correu termos entre as partes, nomeadamente em relação à reconvenção que os aqui AA. ali deduziram, julgada definitivamente pelo Acórdão desta Relação de 28.05.2015, argumentam os AA. que não ocorre tal identidade, pois nesta acção a causa de pedir e o pedido serão diferentes.
No essencial, afirmam que naquela acção pretendiam, apenas, o cumprimento do contrato-promessa celebrado, neste caso pretendem a declaração de propriedade do direito de superfície do prédio urbano, em igualdade de circunstâncias com outros 122 cooperadores, fundando tal pretensão na violação da legislação aplicável às Cooperativas de Habitação e nos Estatutos da Ré, bem como por violação do princípio de igualdade e tratamento entre os cooperadores.
Vejamos então.
Analisando a contestação/reconvenção apresentada pelos AA. na anterior acção, estes já ali invocavam o seu direito de propriedade sobre o imóvel, e o pedido que ali formularam é coincidente com o que aqui é formulado – a outorga da escritura da escritura de compra e venda, em determinado prazo, com aplicação de uma sanção pecuniária compulsória.
Ora, o instituto do caso julgado material deve ser encarado quer na perspectiva da excepção de caso julgado, quer na perspectiva da autoridade do caso julgado. O prestígio das instituições judiciárias, reportado à coerência das decisões que os Tribunais proferem, o princípio da economia processual e o objectivo de estabilidade e certeza das relações jurídicas, exigem que se reconheça a eficácia do caso julgado à decisão daquelas questões preliminares que forem antecedente lógico indispensável do julgado[1].
De resto, o Supremo Tribunal de Justiça vem adoptando um critério moderador do rígido princípio restritivo dos limites objectivos do caso julgado, entendendo que a eficácia do caso julgado da sentença não se estende a todos os motivos da mesma, mas abrange as questões preliminares que constituíram as premissas necessárias e indispensáveis à prolação da parte injuntiva, contanto que se verifiquem os outros pressupostos do caso julgado material, abrangendo, pois, todas as excepções aí suscitadas por imperativo legal e conexas com o direito a que se refere a pretensão do autor, solução que permite evitar a incoerência dos julgamentos, respeita os princípios da justiça e da estabilidade das relações jurídicas, propicia a economia processual e corresponde ao alcance do caso julgado contido no artigo 621.º do Código de Processo Civil[2].
Neste sentido, o Supremo Tribunal de Justiça já decidiu, em Acórdão de 01.10.2019 (Proc. n.º 20427/16.5T8LSB.L1.S1, publicado na página da DGSI), o seguinte:
II – O caso julgado abrange todas as possíveis qualificações jurídicas do objecto apreciado, porque o que releva é a identidade da causa de pedir (isto é, dos factos com relevância jurídica) e não de qualificações jurídicas.
III – O facto de o recorrente ter qualificado juridicamente os factos alegados, invocando a responsabilidade contratual, de forma diferente da qualificação jurídica efectuada em outro processo (na decisão proferida nesse outro processo considerou-se que se estava em presença de responsabilidade extracontratual), não faz alterar a causa de pedir nem afasta a excepção do caso julgado, porquanto a causa de pedir, é o acto ou facto jurídico donde o autor pretende ter derivado o direito a tutelar e não a valoração jurídica que ele entende atribuir-lhe.”
Já na anterior acção os AA. afirmavam que eram proprietários do imóvel, e foi nesse sentido que formularam um pedido coincidente com o dos autos: a celebração de uma escritura de compra e venda, apta a satisfazer esse direito de propriedade.
E já nessa altura, o preço de € 9.635,36 estava pago, habilitando os AA. a afirmar o mesmo que também agora afirmam: que esse preço se destinou à aquisição do imóvel e não ao pagamento do direito de habitação.
É evidente a coincidência de sujeitos sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica – os AA. são os mesmos e a Ré também o é, sendo indiferente a posição que as partes assumam em ambos os processos[3].
Quanto à identidade de pedidos, é avaliada em função da posição das partes quanto à relação material, podendo considerar-se que existe tal identidade sempre que ocorra coincidência nos efeitos jurídicos pretendidos, do ponto de vista da tutela jurisdicional reclamada e do conteúdo e objecto do direito reclamado[4]. No caso, a coincidência do efeito jurídico – condenação da Ré a outorgar a escritura de compra e venda do imóvel, associada a uma sanção pecuniária compulsória em caso de atraso – também ocorre.
Finalmente, a causa de pedir consiste na alegação da relação material de onde se faz derivar o correspondente direito e, dentro dessa relação material, na alegação dos factos constitutivos do direito. A acção identifica-se e individualiza-se, não pela norma abstracta da lei, mas pelos elementos de facto que converteram em concreto a vontade legal[5].
Daí vem que a simples alteração da argumentação jurídica não signifique a alteração da causa de pedir. O caso julgado abrange todas as possíveis qualificações jurídicas da questão apreciada, pois o que releva é a identidade de causa de pedir, isto é, os factos constitutivos do direito, e não a identidade das qualificações jurídicas que esse fundamento comporte[6].
No caso, o facto constitutivo do direito invocado pelos AA. em ambas as acções, não se centrou apenas na celebração do contrato-promessa de 1981, mas também no pagamento do preço devido pela aquisição do imóvel e no cumprimento dos estatutos e da legislação aplicável ao sector cooperativo, em igualdade de circunstâncias com os demais cooperadores.
Para este efeito, torna-se irrelevante alterações de pormenor na qualificação jurídica utilizada, o essencial é o mesmo.
Se os AA. se mostram inconformados com o resultado da anterior acção, que apenas determinou o cumprimento do contrato-promessa nos seus exactos termos, e ao qual os próprios AA. deram cumprimento, com a outorga da escritura de 25.09.2015, na qual aceitaram a cedência do direito de habitação, incidente sobre o direito de superfície detido pela Ré, temos a responder que o meio processual adequado à modificação da anterior decisão transitada em julgado é o recurso extraordinário de revisão, desde que fundamentado em alguma das circunstâncias taxativamente elencadas no artigo 696.º do Código de Processo Civil, não podendo a parte inconformada com decisão transitada em julgado obter, através de nova acção, um efeito útil que se traduza em decisão diversa da anterior[7].

Quanto à alegação de nulidade da sentença, por falta de fundamentação, há que citar o Prof. Alberto dos Reis[8], quando afirma haver “que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto.”
Não sendo exigível que a fundamentação seja longa nem exaustiva, bastando que o Tribunal justifique a sua posição, ainda que se forma concisa ou pouco persuasiva, faz-se notar, de todo o modo, que a sentença recorrida especificou os fundamentos de facto e de direito que justificaram a decisão.
Pode a parte discordar das conclusões ali obtidas, mas tal não conduz à nulidade por falta de fundamentação.

Argumentam os AA., ainda, que a sentença incorreu em omissão de pronúncia quanto ao pedido de indemnização por danos não patrimoniais, no valor de € 120.000,00.
Afirmam que esta indemnização se funda no facto ilícito de, pelo menos desde 2004, a Ré se recusar a celebrar com os AA. a escritura de compra e venda do imóvel, apesar de estes terem amortizado por completo o preço devido.
Quanto a este fundamento de nulidade por omissão de pronúncia – alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º – referia o Prof. Alberto dos Reis[9], que “resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação não significa considerar todos os argumentos que, segundo as várias vias, à partida plausíveis, de solução do pleito (…), as partes tenham deduzido ou o próprio juiz possa inicialmente ter admitido: por um lado, através da prova, foi feita a triagem entre as soluções que deixaram de poder ser consideradas e aquelas a que a discussão jurídica ficou reduzida; por outro lado, o juiz não está sujeito às alegações das partes quanto à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas (…) e, uma vez motivadamente tomada determinada orientação, as restantes que as partes hajam defendido, nomeadamente nas suas alegações de direito, não têm de ser separadamente analisadas.”
Ora, o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras – artigo 608.º n.º 2, primeira parte, do Código de Processo Civil. E foi esse o dever que a sentença cumpriu, aliás na linha do próprio raciocínio lógico apresentado pelos AA. na sua petição inicial: o direito de indemnização por danos não patrimoniais não era autónomo do primeiro direito reclamado por estes, o reconhecimento da sua propriedade sobre o imóvel.
Afirmando o tribunal que esse pedido já estava decidido, por decisão transitada em julgado, na qual se reconheceu aos AA., apenas, o direito a obter a cedência do direito de habitação, como efectivamente acabou por ter lugar com a outorga da escritura de 25.09.2015, o conhecimento do pedido de indemnização por danos não patrimoniais ficou prejudicado.
Note-se que a indemnização pedida tinha o seu fundamento jurídico essencial na procedência do primeiro pedido, e logo no artigo 148º da sua petição inicial os AA. assim o declararam: “(…) deverá a Ré ser condenada a pagar aos AA., uma indemnização por danos não patrimoniais, fundada no facto ilícito de, pelo menos desde 2004, se recusar a celebrar com os AA. a escritura de compra e venda do imóvel sub judice, apesar de estes terem amortizado por completo o preço devido.”
Logo, a autonomia agora invocada pelos AA. não existe, havia uma efectiva dependência do pedido indemnizatório em relação ao pedido de outorga da escritura de compra e venda, e por esse motivo não se pode imputar à sentença a pretendida omissão de pronúncia.

Decisão.
Destarte, nega-se provimento ao recurso e confirma-se a sentença recorrida.
Custas pelos AA..

Évora, 5 de Junho de 2025
Mário Branco Coelho (relator)
Cristina Dá Mesquita
Vítor Sequinho dos Santos

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[1] Neste sentido, cfr. Rodrigues Bastos, in Notas ao Código de Processo Civil, 3.ª ed., pág. 202, afirmando o seguinte: “A nós afigura-se-nos, ponderadas as vantagens e os inconvenientes das duas teses em presença, que a economia processual, o prestígio das instituições judiciárias, reportado à coerência das decisões que proferem, e o prosseguido fim de estabilidade e certeza das relações jurídicas, são melhor servidos por aquele critério eclético, que sem tornar extensiva a eficácia do caso julgado a todos os motivos objectivos da sentença, reconhece todavia essa autoridade à decisão daquelas questões preliminares que forem antecedente lógico indispensável à emissão da parte dispositiva do julgado.”
[2] Mais recentemente, vide os Acórdãos do Supremo de 26.03.2015, de 07.05.2015 e de 16.02.2016, proferidos nos Procs. n.os 1847/08.5TVLSB.L1.S1, 15698/04.2YYLSB-C.L1.S1 e 53/14.4TBPTB-A.G1.S1, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
[3] Neste sentido, cfr. o Acórdão da Relação de Coimbra de 17.09.2013 (Processo n.º 507/12.7TBSEI.C1), no mesmo endereço.
[4] Ainda na linha do mesmo aresto.
[5] Continua-se a acompanhar o mesmo aresto.
[6] Cfr. o Acórdão da Relação de Coimbra de 18.02.2014 (Proc. n.º 889/13.3TBPBL.C1), igualmente em www.dgsi.pt.
[7] Cfr. o Acórdão da Relação de Coimbra de 06.09.2011 (Proc. n.º 816/09.2TBAGD.C1), sempre na mesma base de dados.
[8] In Código de Processo Civil Anotado, vol. V, pág. 140.
[9] In Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, pág. 143.