A falsidade da acta da audiência de discussão e julgamento tinha de ser arguida perante o tribunal a quo, no prazo de 10 dias, contados daquele em que os recorrentes tiveram conhecimento dela, e que cabia ao mesmo tribunal, no final do incidente, decidi-lo.
Requerentes da insolvência/recorridas: (…); (…).
Insolvente: (…).
Embargantes/recorrentes: (…); (…).
Pedido: Revogação da sentença que declarou a insolvência de (…).
Decisão recorrida:
«Compulsados os autos, verificamos agora que, subsistem por apreciar as exceções invocadas pelas requerentes:
(…)
Quanto à tempestividade dos embargos:
Compulsados os autos principais verifica-se que foi declarada a insolvência em 09/05/2024, e publicitada em 13/05/2024.
Os embargos foram deduzidos em 03/06/2024.
Nos termos do artigo 40.º o prazo para dedução de embargos é de cinco dias após a notificação da sentença ao embargante ou ao fim da dilação aplicável.
Por sua vez, nos termos do artigo 37.º, n.º 7 e 8, do CIRE, a notificação aos demais credores e outros interessados é efetuada por edital com a dilação de cinco dias, afixado na sede ou residência do devedor e no tribunal e anúncio publicado no portal citius.
Acresce o disposto no artigo 9.º, n.º 4, do CIRE, onde se dispõe que:
“Com a publicação no local próprio, dos anúncios requeridos neste Código, acompanhada da afixação de editais se exigida (…) consideram-se citados ou notificados todos os credores, (…) que já não devam haver-se por citados ou notificados em momento anterior(…).
No caso dos autos o anúncio da sentença de insolvência foi publicado no portal citius em 13/05/2024, pelo que, o prazo para a dedução de embargos, acrescido da dilação de 5 dias, terminou em 23/05/2024.
Pelo que, a dedução dos embargos em 03/06/2024 se mostra extemporânea.
Em face do exposto, julga-se procedente a exceção de extemporaneidade arguida e em consequência determina-se a extinção da presente instância.
Notifique.»
Síntese das conclusões dos recursos:
1 – A acta de que consta a decisão recorrida não corresponde à realidade, pois a audiência de julgamento nela descrita não se realizou.
2 – A prolação da decisão recorrida sem a realização da audiência de julgamento determina a nulidade daquela, nos termos do artigo 615.º do CPC.
3 – Com a prolação da decisão de 04.10.2024, ficou esgotado o poder jurisdicional do tribunal a quo, nos termos do artigo 613.º do CPC.
4 – Consequentemente, a prolação da decisão recorrida violou esta última norma legal.
5 – Atento o disposto nos artigos 37.º, n.º 7, do CIRE e 153.º, n.º 2, do CPC, os embargos foram tempestivamente deduzidos.
Questões a decidir:
1 – Nulidade da decisão recorrida;
2 – Esgotamento do poder jurisdicional do tribunal a quo;
3 – Tempestividade dos embargos.
Segundo os recorrentes, a acta de que consta a decisão recorrida não corresponde à realidade, por não se ter realizado a audiência de discussão e julgamento nela descrita, o que determina a nulidade daquela decisão.
Os recorrentes não têm razão.
A desconformidade invocada pelos recorrentes, ainda que se verificasse, não integraria qualquer das causas de nulidade das decisões judiciais previstas no n.º 1 do artigo 615.º do CPC. Sintomaticamente, os recorrentes invocam este artigo, mas não especificam a alínea do seu n.º 1 que têm em vista.
No fundo, aquilo que os recorrentes fazem é arguir a falsidade da acta de que consta a decisão recorrida em sede de recurso. Porém, não é esta a sede própria para o efeito.
O n.º 2 do artigo 451.º do CPC estabelece que a falsidade de acto judicial diverso da citação deve ser arguida no prazo de 10 dias, a contar daquele em que deva entender-se que a parte teve conhecimento do acto. O n.º 3 do mesmo artigo dispõe que, ao incidente de falsidade de acto judicial, é aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 446.º a 450.º do CPC.
Resulta das mencionadas normas legais que a falsidade da acta da audiência de discussão e julgamento tinha de ser arguida perante o tribunal a quo, no referido prazo de 10 dias, contados daquele em que os recorrentes tiveram conhecimento dela, e que cabia ao mesmo tribunal, no final do incidente, decidi-lo.
Não tendo os recorrentes procedido a essa arguição, no prazo legal e perante o tribunal competente, a acta consolidou-se, tendo, como documento autêntico que é (artigo 369.º, n.º 1, do CC), o valor probatório que lhe é reconhecido pelo n.º 1 do artigo 371.º do CC. Isto é, a acta faz prova plena dos factos nela referidos como tendo sido praticados pelo tribunal a quo, bem como dos factos que nela são atestados com base nas percepções deste. Logo, o tribunal ad quem terá de acatar a força probatória da acta, tomando o seu conteúdo como correspondente com a realidade.
Da acta consta que a audiência de discussão e julgamento foi declarada aberta às 14.55 horas e terminou às 15.00 horas. Resulta ainda que, nessa audiência, o tribunal a quo proferiu a decisão recorrida. Sendo assim, nenhum fundamento existe para considerar que a decisão recorrida padece da nulidade invocada pelos recorrentes.
2 – Esgotamento do poder jurisdicional do tribunal a quo:
A afirmação dos recorrentes de que, com a prolação da decisão de 04.10.2024, ficou esgotado o poder jurisdicional do tribunal a quo, nos termos do artigo 613.º do CPC, é absurda.
A decisão de 04.10.2024, que declarou a instância extinta por impossibilidade superveniente da lide, foi objecto de recurso e revogada por este tribunal, que ordenou o prosseguimento da instância. Consequentemente, tal decisão não subsiste, nem produz qualquer efeito, nomeadamente aquele que os recorrentes pretendem atribuir-lhe.
É óbvio que, prosseguindo a instância, o tribunal a quo mantinha o poder jurisdicional necessário para proferir novas decisões, nomeadamente aquela que constitui o objecto do presente recurso.
3 – Tempestividade dos embargos:
A fundamentação do recurso sobre esta questão é incompreensível. É ela a seguinte:
«47. Sem prejuízo do alegado, com o devido respeito, os embargos à sentença de insolvência não são intempestivos, pelo que não poderiam serem considerados manifestamente improcedentes, por não ocorrer a excepção de caducidade do exercício do direito invocado.
48. Por conseguinte, aplica-se-lhe o regime de citação previsto no artigo 37.º, n.º 7, do C.I.R.E..
“Os demais credores e outros interessados são citados por edital, com prazo de dilação de cinco dias, afixado na sede ou na residência do devedor, nos seus estabelecimentos e no próprio tribunal e por anúncio publicado no portal Citius.”
49. Nos termos do artigo 153.º, n.º 2, do C.P.C., o prazo para qualquer resposta se conta sempre desde a notificação do acto a que se responde.
50. A petição dos embargos deveria ter sido considerada tempestiva, e, por conseguinte, admitida.»
Saliente-se, desde logo, que o n.º 2 do artigo 153.º do CPC se encontra revogado.
Independentemente disso, a argumentação dos recorrentes em nada põe em causa aquela em que o tribunal a quo fundou a sua decisão de julgar os embargos extemporâneos.
Com efeito:
O n.º 7 do artigo 37.º do CIRE estabelece que os credores não referidos nos números anteriores e outros interessados são citados por edital, com prazo de dilação de 5 dias, afixado na sede ou na residência do devedor, nos seus estabelecimentos e no próprio tribunal e por anúncio publicado no portal Citius.
O n.º 8 do mesmo artigo estabelece que os editais e anúncios referidos no número anterior devem indicar o número do processo, a dilação e a possibilidade de recurso ou dedução de embargos e conter os elementos e informações previstos nas alíneas a) a e) e i) a n) do artigo anterior, advertindo-se que o prazo para o recurso, os embargos e a reclamação dos créditos só começa a correr depois de finda a dilação e que esta se conta da publicação do anúncio referido no número anterior.
O n.º 2 do artigo 40.º do CIRE estabelece que os embargos devem ser deduzidos dentro dos 5 dias subsequentes à notificação da sentença ao embargante ou ao fim da dilação aplicável, e apenas são admissíveis desde que o embargante alegue factos ou requeira meios de prova que não tenham sido tidos em conta pelo tribunal e que possam afastar os fundamentos da declaração de insolvência.
No caso dos autos, a insolvência foi declarada em 09.05.2024 e o edital foi publicado em 13.05.2024, pelo que o prazo para a dedução dos embargos terminou em 23.05.2024. Tendo os embargos sido deduzidos em 03.06.2024, são extemporâneos.
Delibera-se, pelo exposto, julgar os recursos improcedentes, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas a cargo dos recorrentes.
Notifique.
05.06.2025
Vítor Sequinho dos Santos (relator)
Eduarda Branquinho (1.ª adjunta)
Isabel de Matos Peixoto Imaginário (2.ª adjunta)