EXECUÇÃO
INJUNÇÃO
ABUSO DE DIREITO
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
Sumário

I. O instituto da preclusão que se baseia nos princípios da boa fé e da economia processual impede que o executado que não se oponha ao pedido de injunção, no prazo que lhe foi concedido, o faça a posteriori, designadamente em sede de oposição à execução, invocando fundamentos que já poderia ter deduzido.
II. Assim, o executado que, notificado, por carta registada com aviso de receção, de que tinha 15 dias para reagir ao pedido de injunção, com a cominação de que “se não pagar, nem responder dentro do prazo não poderá dizer mais tarde por que motivos considera não ter a obrigação de pagar o valor que lhe é exigido”, não deduz oposição, não pode, em sede de oposição, por embargos, defender-se com fundamento na inexistência do descoberto em conta na data invocada no requerimento de injunção, por tal consubstanciar um meio de defesa que poderia ter sido invocado no âmbito do procedimento de injunção.
(Sumário da Relatora)

Texto Integral

Tribunal Recorrido: Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, Juízo de Execução de Setúbal, J1
Recorrente: (…)
Recorrido: (…) Portugal, SA

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Sumário: (…)
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Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora,
1. Relatório:
Por apenso à execução sumária para pagamento da quantia de € 15.194,27, acrescida de juros de mora, que (…) Portugal, SA instaurou, o executado (…) deduziu oposição por embargos, invocando, em síntese, que pagou todas as dívidas que teve ao Banco (…), SA, em 11.03.2014, pelo que só por lapso se compreende que a exequente alegue que o referido Banco lhe cedeu um crédito que tinha sobre o executado, em 04.01.2017; que nunca foi interpelado para pagar a dívida que a exequente se arroga e proveniente do descoberto em conta; nunca foi notificado da cessão de créditos, que não está demonstrada, pelo que a exequente não tem legitimidade para a causa; não foi interpelado da resolução do contrato, o que implica a inexigibilidade da quantia exequenda, uma vez que a exequente apenas pode exigir o valor vencido até à entrada do requerimento executivo; que a taxa de juro de 29%, que desconhece como foi alcançada, é usurária e que estão prescritos os juros vencidos há mais de cinco anos, nos termos do artigo 310.º, alínea d), do Código Civil.
A exequente contestou alegando que a responsabilidade executada provém do incumprimento de um contrato de abertura de conta de depósitos à ordem, não existindo qualquer pagamento; que o contrato de cessão de créditos foi notificado por carta simples, pois a lei não obriga a qualquer formalidade; que está em causa um descoberto em conta bancária verificado em 20.05.2009, sendo o capital em dívida de € 5.386,58 e sendo devidos juros à taxa convencionada de 29%; que é aplicável o prazo de prescrição de 20 anos; e que o requerimento de injunção é título executivo nos termos do disposto no artigo 703.º, n.º 1, alínea d), do CPC.
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Após a junção do extrato bancário da conta em causa entre a data da abertura da conta e 20-05-2009, pelo Banco (…) a solicitação do tribunal, da certidão integral do procedimento de injunção que desembocou na aposição de fórmula executória no requerimento injuntivo dado à execução e de uma tentativa de conciliação, foi proferida sentença que julgou os embargos improcedentes e determinou o prosseguimento da execução.
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Inconformado com esta sentença, o Embargante interpôs o presente recurso de apelação, terminando com as seguintes CONCLUSÕES:
1. O Recorrente deduziu embargos de executado dizendo que nada devia ao Exequente.
2. Porquanto tendo decorrido no Tribunal de Vila Real de Santo António um processo executivo do qual era executado, o aqui executado e exequente o Banco (…), SA., ficaram liquidadas todas as dívidas existentes ao banco.
3. Foram junto aos autos pelo Banco (…), SA, os extratos bancários da conta depósitos à ordem com o n.º (…), titulada pelo executado, desde a abertura até 20-05-2009, data alegada como estando em dívida um descoberto de € 5.386,58.
4. Após a junção dos referidos extratos constatou—se que não havia qualquer descoberto na conta, apresentando a mesma, um saldo, em maio de 2009, de € 4,56.
5. Não havendo qualquer descoberto mormente de € 5.386,58 nunca poderia ter havido uma cessão de créditos pelo Banco (…) à Exequente em 04-01-2017 relativamente à conta de depósitos à ordem com o n.º (…), uma vez que não havia qualquer valor em dívida do executado, desde maio de 2009.
6. Assim, e sem qualquer margem de dúvida, o Executado à data da cessão de créditos, 04-01-2017, nada devia ao Banco (…).
7. A prova apresentada deveria ter levado o tribunal recorrido a decidir e julgar em conformidade com os factos alegados pelo Recorrente: que nada devia ao Banco (…).
8. Ao decidir como o fez, o Mmº Juiz do Tribunal a quo não apreciou corretamente a prova apresentada, levando a uma decisão injusta e destituída de fundamento.
9. Impõe-se, como tal, revogar a sentença proferida e subjacente aos ora autos, com a extinção de todos os seus efeitos, substituindo-a por douto acórdão que julgue procedente o presente recurso onde os embargos sejam procedentes, com a consequente extinção da execução, fazendo-se assim a costumada, Justiça.
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Não foram oferecidas contra-alegações.
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Considerando que do extrato bancário junto pelo Banco (...), e não impugnado, resulta que à data de 20-05-2009, o saldo da conta bancária em causa era de menos € 4,56, e não, como alegadamente consta do requerimento de injunção, de € 5.386,58 foram as partes notificadas, quanto à possibilidade de este Tribunal conhecer da exceção do abuso de direito, a que se reporta o artigo 334.º do Código Civil, por o exequente poder estar a peticionar um valor que não lhe seria devido.
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O embargante respondeu que nada tinha a opor a que o Tribunal conhecesse da exceção do abuso de direito.
Já a exequente (…) Portugal, SA respondeu que:
- Não há abuso de direito “apesar de haver um pequeno lapso na indicação da data de incumprimento”.
- A cessão do crédito sub iudice teve por base o seu valor à data de 04-01-2017, conforme resulta quer da declaração emitida pelo Banco (...) com data de 02-02-2017 e do extrato bancário do Banco (...) datado de 03-02-2017.
- O recorrente não invocou a exceção de abuso de direito, nem na oposição ao requerimento de injunção, nem em momento posterior, pelo que o Tribunal não pode da mesma conhecer.
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Questões a decidir:
Sendo o objeto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos artigos 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, importa, no caso, apreciar e decidir:
1) Da a reapreciação da relação subjacente ao requerimento de injunção a que foi aposta fórmula executória;
2) Do abuso de direito;
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2. Fundamentação
2.1. Dos factos:
2.1.1. Factos dados como provados:
O Tribunal Recorrido considerou provados os seguintes factos:
1. A execução baseia-se em requerimento de injunção apresentado pela exequente em 30.08.2021, ao qual o sr. Secretário de Justiça apôs fórmula executória no dia 21.10.2021, após notificação efetuada por carta registada com aviso de receção, nos termos do artigo 14.º-A do Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro.
2. No requerimento de injunção, no qual a exequente e o embargante figuram como requerente e requerido, respetivamente, alega-se o seguinte: “(…)
1. No âmbito da sua actividade bancária, a 16.02.2004 foi celebrado entre o Banco (…) – Sucursal em Portugal e o ora Requerido o contrato de abertura de conta de depósitos à ordem com o n.º (…).
2. Por Contrato de Cessão de Créditos outorgado em 04 de Janeiro de 2017, foi o crédito – decorrente do contrato de abertura de conta de depósitos à ordem com o n.º (…) – cedido à (…) Portugal, S.A..
3. Tal cessão foi notificada ao ora Requerido.
4. No âmbito do contrato celebrado, o Requerido podia movimentar a conta de depósitos à ordem através de cheques, ordens de pagamento, cartão de débito ou de Crédito e outros meios de pagamento, desde que permitidos pelo Banco (…).
5. De acordo com a cláusula 5ª, ponto 4., das Condições Gerais de Abertura de Conta, caso não exista provisão em qualquer conta de depósitos à ordem e o Banco (…) entenda autorizar o pagamento, o descoberto passará a vencer juros à taxa mais alta praticada pelo Banco (…) para operações ativas, acrescido das sobretaxas devidas, comissões e competentes impostos sem prejuízo do Cliente diligenciar a regularização imediata de tal descoberto.
6. Contudo, o ora Requerido deixou de aprovisionar a conta de depósitos à ordem, ficando, na data de 20.05.2009, em dívida o valor de € 5.386,58 (cinco mil e trezentos e oitenta e seis euros e cinquenta e oito cêntimos).
7. A este valor acrescem:
a) Juros de mora, calculados à taxa mais alta praticada pelo Banco (…), de 29,00%, no valor de € 8.489,76 (oito mil e quatrocentos e oitenta e nove euros e setenta e seis cêntimos), desde a data do incumprimento, a 20.05.2009, até à data da cessão, a 04.01.2017;
b) Juros de mora, calculados à taxa legal de 4,00%, no valor de € 1.021,24 (mil e vinte e um euros e vinte e quatro cêntimos), desde a data da cessão, a 04.01.2017, até à data de entrada do requerimento de injunção;
c) Juros de mora que se vençam desde a data do requerimento de injunção até integral e efetivo pagamento, custas, custas de parte, procuradoria, despesas e honorários de A.E., e em tudo o que mais for de Direito. (…)”.
3. No dia 16.02.2004 o embargante celebrou com o Banco (…) – Sucursal em Portugal um contrato de abertura de conta de depósitos à ordem com o n.º (…).
4. Nas condições gerais do documento referido no ponto anterior pode ler-se além do mais o seguinte: “(…)
5.3. Se a Conta de Depósitos não se encontrar provida com saldo suficiente para que nela seja lançado qualquer movimento a débito, o Banco (…) fica autorizado a debitar esse montante em qualquer outra conta de Depósito pertencente a qualquer um dos Titulares.
5.4. Caso não exista provisão em qualquer conta de depósito e o Banco (…) entenda autorizar o pagamento, o descoberto passará a vencer juros à taxa mais alta praticada pelo Banco (…) para operações activas, acrescidos das sobretaxas devidas e competentes impostos sem prejuízo do Cliente diligenciar a regularização imediata de tal descoberto. (…)”.
5. Através de documento denominado “Contrato de cessão de créditos”, datado de 04.01.2017, o Banco (…), Portugal, SA, ajustou com a exequente a cedência do crédito sobre o executado decorrente do contrato com o n.º (…).
6. O Banco (…), Portugal, SA, propôs uma ação executiva contra o ora executado, com base em duas escrituras públicas (escritura de “mútuo com hipoteca com mandato – transferência” e escritura de “mútuo com hipoteca com mandato”), ação essa que correu termos sob o n.º 681/06.1TBVRS no extinto Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real de Santo António.
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2.1.2. Factos dados como não provados:
O Tribunal a quo considerou que nada mais se provou com relevância para a decisão a proferir. Nomeadamente, não se provou que:
- O executado procedeu ao pagamento da quantia exequenda.
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2.2. Fundamentação:
2.2.1. Dos fundamentos da oposição à execução:
Pretende o recorrente/embargante que a oposição por embargos seja julgada procedente e a execução extinta, com fundamento no facto de a dívida de que a exequente se arroga não existir, porquanto, conforme resulta do extrato bancário junto pelo Banco (…), a solicitação do Tribunal, à data de 20 de maio de 2009, não havia um descoberto na conta de depósitos à ordem do executado, no valor de € 5.386,58, como invocado no requerimento de injunção, apresentando antes a referida conta um saldo de € 4,56, pelo que o Banco (…) jamais poderia ter cedido à exequente / embargada a dívida exequenda, no referido valor de € 5.386,58 acrescida de juros de mora no valor de € 9.511,00”.
O Tribunal a quo considerou, quanto a este fundamento que:
“Também não procede a exceção do pagamento alegado, seja com referência ao processo n.º 681/06.1TBVRS do Tribunal de Vila Real de Santo António (trata-se de uma execução proposta com base em duas escrituras de mútuo, para cobrança de uma dívida que nada tem que ver com a dos presentes autos), seja com referência aos demais documentos constantes dos autos, emitidos pelo Banco … (documentos que são contraditórios entre si e que não evidenciam o pagamento).
Ademais, não parece que possa ser agora invocado o pagamento alegadamente efetuado antes da apresentação do requerimento injuntivo, seja por não se enquadrar na previsão da alínea g) do artigo 729.º, seja por não constituir uma exceção perentória do conhecimento oficioso (…)”.
A questão que assim e, em primeiro lugar, se coloca é a de saber se o fundamento invocado: inexistência da dívida à data da cessão por não haver qualquer descoberto em conta em maio de 2009, como invocado no requerimento de injunção, é suscetível de ser aduzido, nesta sede de posição por embargos de executado.
Está em causa uma oposição à execução para pagamento de quantia certa, fundada em requerimento de injunção no qual, face à não oposição do Requerido, ora executado e embargante, foi aposta fórmula executória, nos termos do disposto no artigo 14.º, n.º 1, do DL n.º 269/98, de 1 de setembro.
O referido requerimento de injunção foi apresentado no dia 30 de agosto de 2021, ou seja, já na vigência do artigo 14.º-A do regime anexo do DL n.º 269/98, de 1/9, aditado pela Lei n.º 117/2019, de 13/9.
Este artigo 14.º-A que tem como epígrafe “Efeito cominatório da falta de dedução da oposição”, dispõe que:
1 - Se o requerido, pessoalmente notificado por alguma das formas previstas nos n.os 2 a 5 do artigo 225.º do Código de Processo Civil e devidamente advertido do efeito cominatório estabelecido no presente artigo, não deduzir oposição, ficam precludidos os meios de defesa que nela poderiam ter sido invocados, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
2 - A preclusão prevista no número anterior não abrange:
a) A alegação do uso indevido do procedimento de injunção ou da ocorrência de outras exceções dilatórias de conhecimento oficioso;
b) A alegação dos fundamentos de embargos de executado enumerados no artigo 729.º do Código de Processo Civil, que sejam compatíveis com o procedimento de injunção;
c) A invocação da existência de cláusulas contratuais gerais ilegais ou abusivas;
d) Qualquer exceção perentória que teria sido possível invocar na oposição e de que o tribunal possa conhecer oficiosamente”.
A referida Lei n.º 117/2019 alterou também artigo 857.º do CPC que prescreve sobre os “Fundamentos de oposição à execução baseada em requerimento de injunção” e que estipula que:
1 - Se a execução se fundar em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória, para além dos fundamentos previstos no artigo 729.º, aplicados com as devidas adaptações, podem invocar-se nos embargos os meios de defesa que não devam considerar-se precludidos, nos termos do artigo 14.º-A do regime dos procedimentos para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1.ª Instância, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, na sua redação atual.
2 – (…)
3 - Independentemente de justo impedimento, o executado é ainda admitido a deduzir oposição à execução com fundamento:
a) Em questão de conhecimento oficioso que determine a improcedência, total ou parcial, do requerimento de injunção;
b) Na ocorrência, de forma evidente, no procedimento de injunção de exceções dilatórias de conhecimento oficioso.”
Destas normas resulta que verificada a notificação do requerido do requerimento de injunção, com a advertência sobre o efeito cominatório, no caso de o requerido/executado não deduzir oposição, ocorre, em regra a preclusão dos meios de defesa que o requerido poderia ter invocado na oposição, não podendo , por isso mais tarde e designadamente nesta sede de embargos de executado vir opor-se com esses fundamentos.
Conforme explica Abrantes Geraldes in “A Injunção e as Conexas Ação e Execução, Almedina, 8.ª Edição , página 125, em anotação a este artigo 14.º-A, “O instituto da preclusão assenta nos princípios da economia processual, da segurança jurídica e da boa-fé e a preclusão temporal a que este normativo se reporta visa obstar a que o requerido no procedimento de injunção faça valer a posteriori nos embargos à ação executiva, os meios de defesa que podia ter deduzido face ao requerente na fase a isso destinada, ou seja, na quinzena subsequente à respetiva notificação do requerimento de injunção, mas que não deduziu”.
Ora, neste caso não foi suscitado pelo embargante qualquer nulidade relativa à notificação ou à cominação, pelo que ocorreu o efeito cominatório previsto no citado artigo (neste sentido o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 16-01-2025, no Proc. n.º 1406/23.2T8LLE-A.E1).
Com efeito, estando demonstrado que o executado foi notificado por carta registada com aviso de receção, de que tinha 15 dias para reagir ao pedido de injunção e que se não pagasse nem respondesse não poderia dizer mais tarde por que motivos considerava não ter a obrigação de pagar o valor que lhe era exigido, não tendo deduzido oposição, não lhe é permitido em sede de oposição por embargos defender-se com fundamento na inexistência do descoberto em conta, por tal consubstanciar um meio de defesa que poderia ter sido invocado no âmbito do procedimento de injunção.
Neste sentido, decidiu-se também no recente acórdão deste Tribunal da Relação de Évora, de 22 de maio de 2025 (processo n.º 1364/24.6T8SLV-B.E1), que tem o seguinte sumário: “Após as alterações da Lei n.º 117/2019, de 13/9 ao artigo 857.º, n.º 1, do CPC e ao regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1/9, com aplicação aos procedimentos de injunção iniciados após 01/01/2020, a impugnação dos factos constitutivos da causa de pedir do requerimento de injunção, ao qual não foi deduzida oposição e se verifica a regular notificação da Requerida / Executada, não constitui fundamento de oposição à execução baseada em requerimento de injunção dotado de fórmula executória”.
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2.2.2. Do abuso de direito:
A preclusão prevista no n.º 1 do artigo 14.º-A do DL 269/98, de 1 de setembro, porém, não abrange, conforme supra referido:
“a) A alegação do uso indevido do procedimento de injunção ou da ocorrência de outras exceções dilatórias de conhecimento oficioso;
b) A alegação dos fundamentos de embargos de executado enumerados no artigo 729.º do Código de Processo Civil, que sejam compatíveis com o procedimento de injunção;
c) A invocação da existência de cláusulas contratuais gerais ilegais ou abusivas;
d) Qualquer exceção perentória que teria sido possível invocar na oposição e de que o tribunal possa conhecer oficiosamente.”.
O embargante no recurso não alude a qualquer uma destas situações.
No entanto, quer o referido na alínea c), quer o referido na alínea d), reportam-se a situações de conhecimento oficioso, especialmente como sucede, no caso concreto, em que está em causa um contrato de crédito ao consumo, com utilização de cláusulas contratuais gerais, em que é notória a situação de desequilíbrio entre o consumidor e o profissional, a impor uma intervenção proactiva do Tribunal.
Por isso e considerando que:
- a quantia exequenda, conforme consta do requerimento de injunção que consubstancia o título executivo, diz respeito a um descoberto em conta, relativo à conta n.º (…), do executado no Banco (…), no montante de € 5.386,58, reportada à data de 20-05-2009, a que acrescem juros de mora sobre o capital em dívida, no montante de € 9.511,00;
- À data de 2009/05/20 o saldo final da referida conta à Ordem n.º (…) era de menos € 4,56, conforme resulta do extrato bancário junto pelo Banco (…), a solicitação oficiosa do Tribunal,
foram as partes notificadas para se pronunciarem sobre a exceção de conhecimento oficioso consubstanciada no abuso de direito (Executar o valor de capital de € 5.386,58 com juros à taxa de 29%, quando a conta bancária em causa, à data indicada no requerimento de injunção, tinha um saldo de € 4,56).

A primeira questão que desde logo a exequente invocou diz respeito ao facto de a exceção de abuso de direito não ter sido invocada pelo recorrente e por isso não puder este Tribunal e recurso conhecer da mesma.
Ora, não parece que assista razão ao exequente.
Com efeito, e conforme se decidiu no Acórdão do STJ de 20-12-2022, publicado in www.dgsi.pt (processo n.º 8281/17.4T8LSB.L1.S1) “I. O abuso de direito é de conhecimento oficioso, devendo o tribunal apreciá-lo enquanto obstáculo legal ao exercício do direito, quando, face às circunstâncias do caso, concluir que o seu titular excede manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes e pelo fim social e económico do direito;
II - O tribunal está vinculado a tomar conhecimento do abuso de direito se do conjunto dos factos alegados e provados resultarem provados os respetivos pressupostos legais”.
Assim, o abuso de direito é uma exceção perentória que teria sido possível invocar na oposição e de que o Tribunal pode conhecer oficiosamente, pelo que é suscetível de ser conhecida neste processo, por este Tribunal, nos termos do disposto no artigo 14.º-A do Regime anexo ao DL n.º 269/98, de 1 de setembro, por não estar abrangido pela preclusão prevista no n.º 1 do referido artigo (cfr. alínea d) do n.º 2 do artigo 14.º-A do citado diploma).
Vejamos, então, se se verifica uma situação de abuso de direito:
O artigo 334.º do Código Civil, sob a epígrafe “Abuso do direito” diz que «É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.».
Pires de Lima e Antunes Varela (in Código Civil Anotado, 4ª edição Revista e Atualizada, Coimbra Editora, vol. I, pág. 298) explicam que “o abuso do direito pressupõe logicamente a existência do direito (direito subjectivo ou mero poder legal), embora o titular se exceda no exercício dos seus poderes. A nota típica do abuso do direito reside, por conseguinte, na utilização do poder contido na estrutura do direito para a prossecução de um interesse que exorbita do fim próprio do direito ou do contexto em que ele deve ser exercido”.]
Com pertinência para o caso concreto, decidiu-se no Acórdão do STJ de 10-12-2024 que: “A boa-fé, no quadro do abuso de direito (artigo 334.º do CC) concretiza-se também através do princípio da primazia da materialidade subjacente que reclama a necessidade de avaliação do exercício do direito em termos materiais, tendo em conta as consequências efetivas do mesmo, assumindo relevância a desproporcionalidade grave e manifesta de posições jurídicas, pelo que a boa-fé impede o exercício manifestamente desproporcionado, ou seja, o desequilíbrio no exercício jurídico, evitando a desproporcionalidade entre as vantagens concretamente auferidas pelo titular de uma posição jurídica e o sacrifício imposto a outrem pelo exercício dessa mesma posição jurídica”.
Assim, caso efetivamente não obstante a não dedução de oposição ao requerimento de injunção, se demonstrasse a inexistência de qualquer descoberto em conta na conta bancária em causa, designadamente entre a data invocada e da cessão de créditos, e que nada era devido, não podendo por isso ter operado qualquer cessão de crédito, poderíamos estar em causa de uma situação de abuso de direito.
Sucede, porém, que a exequente/embargada invocou lapso na indicação da data aposta no requerimento de injunção – 20 de maio de 2009 - e juntou dois documentos emitidos pelo Banco –sendo um deles uma declaração de dívida e um outro um extrato de conta que refere uma dívida de capital no valor de € 5.386,58 em mora há 2725 dias à data de 03-02-2017.
Destes documentos resulta que o descoberto em conta diz respeito a 20 de agosto de 2009 (ou seja, 2725 dias antes de 03-02-2017) e não a 20 de maio de 2009, conforme se refere no requerimento de injunção. Caso o embargante tivesse deduzido oposição à injunção, logo a questão da data poderia ter sido esclarecida, o que não sucedeu.
Por conseguinte, não demonstrou o embargante que, ao contrário do invocado em sede de requerimento de injunção ao qual não deduziu oposição, a dívida exequenda não existisse, mormente no momento da cessão. Por outro lado, só assim se compreende que os juros em causa, à taxa de 29% atinjam o valor peticionado de € 8.489,76 e não de € 11.923,38 (valor que alcançariam se se contabilizassem juros a essa taxa desde 20 de maio de 2009 a 04 de janeiro de 2017).
Em suma, o facto invocado e demonstrado de que a conta bancária n.º (…) do Banco (…) da titularidade do executado à data de 20 de maio de 2009 apresentava um saldo negativo de € 4,56 conjugado com as demais circunstâncias do caso, não permite concluir pela existência de uma situação enquadrável no abuso de direito, exceção perentória de direito material de conhecimento oficioso, nos termos e para os efeitos do artigo 334.º do CC e artigo 14.º-A, n.º 2, alínea d), do Anexo ao DL n.º 269/98, de 1 de Setembro, motivo pelo qual,
Por todo o exposto, concluímos que bem andou a sentença recorrida em considerar que inexiste qualquer fundamento que conduza à procedência dos embargos e à extinção da execução, impondo-se a sua manutenção.
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As custas do recurso são responsabilidade do Recorrente, que ficou vencido, nos termos do disposto no artigo 527.º, n.º 1 e 2, do CPC.
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3. Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora em julgar a apelação improcedente, e consequentemente, confirmar a sentença recorrida.
Custas pelo Recorrente. *
Évora, 5 de junho de 2025
Susana Ferrão da Costa Cabral (Relatora)
José António Moita (1.ª Adjunto)
Ana Pessoa (2.ª Adjunta)