Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
RECLAMAÇÃO CONTRA DESPACHO QUE NÃO ADMITIR OU RETIVER RECURSO
ARGUIÇÃO DE NULIDADES
PRAZO DO RECURSO
Sumário
1 – As nulidades decisórias devem ser arguidas no recurso e apenas quando a decisão não admita recurso (recurso ordinário) as nulidades deverão ser arguidas perante o próprio tribunal que proferiu o acto. 2 – O prazo para interposição/motivação de recurso não se suspende nem interrompe em virtude de requerimentos com arguições de nulidades, pedidos de aclaração ou correcção da decisão recorrida. 3 – A arguição de nulidades da decisão recorrida tem de ser formulada no recurso sendo insusceptível de afectar o termo inicial do prazo para interposição/motivação do recurso. (Sumário do Relator)
Texto Integral
Processo n.º 427/22.7JAFAR-A.E1 Tribunal Judicial da Comarca de Faro – Juízo de Instrução Criminal de Portimão – J1 * I – Relatório:
(…) veio reclamar do despacho de não admissão do recurso por si interposto, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 405.º do Código de Processo Penal.
*
O arguido foi acusado pela prática em autoria imediata, na forma consumada e em concurso efectivo, dos seguintes crimes:
· 1 (um) crime de escravidão, previsto e punido pelo artigo 159.º, alínea a), do Código Penal;
· 2 (dois) crimes de ofensa à integridade física, previsto e punido pelo artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal;
· 1 (um) crime de sequestro, previsto e punido pelo artigo 158.º, n.º 1 e n.º 2, alínea b), do Código Penal;
· 1 (um) crime de furto, previsto e punido pelo artigo 203.º, n.º 1, do Código Penal;
· 1 (um) crime de abandono, previsto e punido pelo artigo 138.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal.
*
Em 28/10/2024, o arguido apresentou pedido de abertura de instrução.
*
Por despacho datado de 24/02/2025, o Tribunal a quo rejeitou, por inadmissibilidade legal, o requerimento de abertura de instrução apresentado pelo arguido (…), ao abrigo das normas conjugadas dos artigos 286.º, n.º 1 e 287.º, n.º 3, ambos do Código de Processo Penal.
*
O arguido, na pessoa do seu defensor, foi notificado desta decisão a 27/02/2025.
*
Em 10/03/2025, o arguido veio suscitar a existência de nulidade da referida decisão de não admissibilidade do requerimento de abertura de instrução, por omissão de pronúncia.
*
Em 07/04/2025 o Tribunal a quo indeferiu as nulidades suscitadas.
*
Em 04/05/2025 a defesa apresentou requerimento de interposição de recurso em que suscita a revogação do despacho de não admissão da instrução, «determinando-se que os autos prossigam com abertura de instrução nos termos solicitados pelo arguido».
*
Em 26/05/2025, o Tribunal a quo decidiu não admitir o recurso interposto pelo arguido do despacho de rejeição do requerimento de abertura de instrução proferido a 24/02/2025.
*
Foi apresentada reclamação contra a não admissão do recurso, onde se pede que o mesmo seja tido por tempestivo, uma vez que «tendo sido arguida a nulidade do mesmo dentro do prazo legal, ocorreu um facto impeditivo do trânsito naquele prazo de 30 dias, havendo que, em consequência, aguardar o trânsito da decisão conhecendo da arguição».
* II – Dos factos com interesse para a decisão:
Os factos com interesse para a justa decisão do litígio são os que constam do relatório inicial.
* III – Enquadramento jurídico:
Do despacho que não admitir ou que retiver o recurso, o recorrente pode reclamar para o presidente do tribunal a que o recurso se dirige, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 405.º[1] do Código de Processo Penal.
Em matéria de recursos dispõe a alínea a) do n.º 1 do artigo 411.º do Código de Processo Penal que o prazo para a respectiva interposição é de 30 dias e conta-se a partir da respectiva notificação.
Por despacho datado de 24/02/2025, o Tribunal a quo rejeitou, por inadmissibilidade legal, o requerimento de abertura de instrução apresentado pelo arguido (…).
O arguido, na pessoa do seu mandatário, foi notificado em 27/02/2025 da decisão que rejeitou o requerimento de abertura de instrução.
Em função disso, na perspectiva da 1ª Instância, o arguido teria de apresentar o recurso até ao dia 29/03/2025. Tratando-se de um sábado, a possibilidade de praticar o acto seria transferido para o 1.º dia útil subsequente (31/03/2025). E da aplicação conjugada dos artigos 107.º-A do Código de Processo Penal e 139.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, o acto poderia ser efectivado até ao 3.º dia útil seguinte (03/04/2025).
Na interpretação da defesa o prazo para interposição de recurso apenas se iniciou após a prolação do despacho de 07/04/2025. A isto o Tribunal a quo respondeu, afirmando que o despacho que conheceu das nulidades não assume qualquer relação de “complementaridade” com o despacho de rejeição do requerimento de abertura de instrução nem dele é parte integrante.
Com a devida adaptação ao caso que nos ocupa, em anotação ao artigo 379.º do Código de Processo Penal, Oliveira Mendes assevera que «no n.º 2 regula-se o regime de conhecimento e de arguição de nulidades da sentença. De acordo com aquele dispositivo, as nulidades da sentença devem ser arguidas no recurso; caso a decisão não admita recurso (recurso ordinário) as nulidades deverão ser arguidas perante o próprio tribunal que proferiu a sentença – n.º 1 do artigo 120.º do CPP»[2].
Este entendimento é partilhado por Paulo Pinto de Albuquerque que opina que «as nulidades de sentença só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário. (…) Não cabendo recurso ordinário da sentença, a respetiva nulidade deve ser arguida nos termos gerais, isto é, dentro do prazo de 10 dias previsto no artigo 105.º, n.º 1, diante do tribunal que a proferiu»[3].
No mesmo sentido se pronunciaram Germano Marques da Silva[4] e Maia Gonçalves[5] e a jurisprudência reiterada do Supremo Tribunal de Justiça[6] perfilha da referida solução.
Em função disso, é consensual o entendimento que «o prazo para interposição / motivação de recurso não se suspende nem interrompe em virtude de requerimentos com arguições de nulidades, pedidos de aclaração ou correcção da decisão recorrida. A arguição de nulidades da decisão recorrida tem de ser formulada no recurso sendo insuscetível de afectar o termo inicial do prazo para interposição/motivação do recurso»[7].
Dito isto, o arguido tinha de arguir as convocadas nulidades que atribuía à decisão censurada no requerimento de interposição do recurso. Ao invocá-las junto do Tribunal a quo, não se verifica qualquer prazo acrescido ou interruptivo que tenha a virtualidade de impor a interpretação que a contagem do prazo para a impugnação da decisão de não admissão do requerimento de abertura de instrução se inicia a partir da notificação da decisão que conheceu das nulidades.
Neste espectro lógico-jurídico, o recurso apresentado pelo arguido foi interposto quando a decisão já havia transitado em julgado, devendo assim manter-se o despacho de não admissão de recurso, por extemporaneidade.
* IV – Sumário: (…)
* V – Decisão:
Nestes termos e pelo exposto, tendo em atenção as considerações expendidas e o quadro legal aplicável, mantém-se o despacho reclamado, não se admitindo o recurso interposto.
Custas a cargo do arguido, fixando a taxa de justiça em 2 UC´s.
Notifique.
*
Processei e revi.
*
Évora, 20/06/2025
José Manuel Costa Galo Tomé de Carvalho
__________________________________________________
[1] Artigo 405.º (Reclamação contra despacho que não admitir ou que retiver o recurso):
1 - Do despacho que não admitir ou que retiver o recurso, o recorrente pode reclamar para o presidente do tribunal a que o recurso se dirige.
2 - A reclamação é apresentada na secretaria do tribunal recorrido no prazo de 10 dias contados da notificação do despacho que não tiver admitido o recurso ou da data em que o recorrente tiver tido conhecimento da retenção.
3 - No requerimento o reclamante expõe as razões que justificam a admissão ou a subida imediata do recurso e indica os elementos com que pretende instruir a reclamação.
4 - A decisão do presidente do tribunal superior é definitiva quando confirmar o despacho de indeferimento. No caso contrário, não vincula o tribunal de recurso.
[2] Código de Processo Penal Comentado, Henriques Gaspar, Santos Cabral, Maia Costa, Oliveira Mendes, Pereira Madeira e Pires da Graça, Almedina, Coimbra, 2016, 2ª edição revista, págs. 1133 e 1134. [3] Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal”, UCE, Lisboa, 2007, pág. 948.
[4] Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português”, UCE, Lisboa, 2018, pág. 285.
[5] Maia Gonçalves, Código de Processo Penal anotado”, 19.ª edição, almedina, Coimbra, pág. 874.
[6] Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 25/01/2006 (proc. n.º 3468/05-3.ª), de 08/10/2008 (proc. n.º 1615/08), de 22/04/2020 (proc. 63/17.0T9LRS.L1.S1) e 02/06/2022 (proc. 3952/20.0T8AVR.P1.S1).
[7] Paulo Dá Mesquita, Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, tomo V, Almedina, Coimbra, 2024, pág. 209.