INTERRUPÇÃO TEMPORÁRIA DE ATIVIDADE
TRANSMISSÃO DO ESTABELECIMENTO
REMISSÃO ABDICATIVA
PRESUNÇÃO A QUE SE REFERE O N.º 4 DO ART.º 366.º DO CÓDIGO DO TRABALHO
Sumário

I – A interrupção temporária da atividade desenvolvida não é, por si só, suscetível de excluir a existência de transmissão do estabelecimento, devendo a sua relevância ser aferida em cada caso, em função das demais circunstâncias.
II - Os contratos de trabalho que tenham “cessado” antes da transmissão do estabelecimento são considerados existentes para os efeitos previstos pelo art.º 285.º, n.º 1 do Código do Trabalho e do art.º 3.º da Diretiva 2001/23/CE do Conselho, de 12 de Março de 2001 se a cessação for ilícita, resultando essa ilicitude do incumprimento do art.º 4.º da Diretiva ou de qualquer das causas previstas pelos Código do Trabalho, transferindo-se a posição de empregador para o adquirente, o qual será o responsável pelas consequências da declaração de ilicitude do despedimento.
III – Não configura uma remissão abdicativa a declaração subscrita pela trabalhadora no momento em que lhe é comunicada verbalmente a cessação do contrato de trabalho, da qual não resulta que a mesma renuncia a quaisquer créditos para além dos referidos no próprio documento.
IV – A presunção a que se refere o n.º 4 do art.º 366.º do Código do Trabalho, não é aplicável nas situações de caducidade do contrato de trabalho, pelo que a não devolução da compensação recebida não inibe a instauração de ação com vista à declaração de que o contrato cessou por despedimento ilícito.

Texto Integral

Processo n.º 9157/21.6T8VNG.P1

Origem: Comarca de Porto, Juízo do Trabalho de Vila Nova de Gaia- J2

Acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

Relatório

AA intentou ação declarativa de condenação contra A..., Lda e B..., S.A.

Formulou os seguintes pedidos:

Ser declarada a nulidade da cláusula 1ª dos contratos de trabalho celebrados pela Autora e 1ª Ré, por via disso, serem os mesmos reconhecidos como um único contrato de trabalho sem termo.

Ser declarada a ilicitude do despedimento da Autora.

Ser declarada a transmissão do estabelecimento/supermercado da 1.ª para a 2.ª Ré.

Serem a rés solidariamente condenadas a pagar à Autora a quantia de 9.387,06 euros, relativa aos créditos indicados nos pontos 73. a 83. da presente petição, ou seja créditos laborais emergentes de contrato de trabalho, indemnização a que se refere o artigo 391º, nº 1 do CT, danos não patrimoniais e retribuições a que se refere o artigo 390º, nº 1 do CT, sem prejuízo das vincendas.

Sem prescindir, para o caso de ser declarada a ilicitude do despedimento mas não a transmissão do estabelecimento:

- Ser a 1.ª Ré condenada a pagar à Autora a quantia de 9.387,06 euros, relativa aos créditos indicados nos pontos 73. a 83. da presente petição, ou seja créditos laborais emergentes de contrato de trabalho, indemnização a que se refere o artigo 391º, nº 1 do CT, danos não patrimoniais e retribuições a que se refere o artigo 390º, nº 1 do CT, sem prejuízo das vincendas.

Sem prescindir, para o caso de não ser declarada a ilicitude do despedimento nem a transmissão do estabelecimento:

- Ser a 1.ª Ré condenada no pagamento à Autora da quantia de 2.842,49 euros, relativa a compensação pela cessação do contrato e demais créditos indicados no ponto 73. da presente petição.

Sobre qualquer uma das quantias peticiona, ainda, os juros moratórios, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento, aos quais deve acrescer a sanção compulsória a que se refere o artigo 829.º-A do CC.

BB intentou ação declarativa de condenação contra A..., Lda e B..., S.A.

Formulou os seguintes pedidos:

Ser declarada a nulidade da cláusula 1ª dos contratos de trabalho celebrados pela Autora e 1.ª Ré e, por via disso, serem os mesmos reconhecidos como um único contrato de trabalho sem termo.

Ser declarada a ilicitude do despedimento da Autora.

Ser declarada a transmissão do estabelecimento/supermercado da 1.ª para a 2.ª Ré.

Serem a rés solidariamente condenadas a pagar à Autora a quantia de 12.631,85 euros, relativa aos créditos indicados nos pontos 74. a 84 da presente petição, ou seja, créditos laborais emergentes de contrato de trabalho, indemnização a que se refere o artigo 391.º, n.º 1 do CT, danos não patrimoniais e retribuições a que se refere o artigo 390.º, n.º 1, do CT, sem prejuízo das vincendas.

Sem prescindir, para o caso de ser declarada a ilicitude do despedimento mas não a transmissão do estabelecimento:

-Ser a 1.ª Ré condenada a pagar à Autora a quantia de 12.631,85 euros, relativa aos créditos indicados nos pontos 74. a 84. da presente petição, ou seja, créditos laborais emergentes de contrato de trabalho, indemnização a que se refere o artigo 391.º, n.º 1 do CT, danos não patrimoniais e retribuições a que se refere o artigo 390.º, nº 1 do CT, sem prejuízo das vincendas.

Sem prescindir, para o caso de não ser declarada a ilicitude do despedimento nem a transmissão do estabelecimento:

- Ser a 1.ª Ré condenada no pagamento à Autora da quantia de 3.139,49 euros, relativa a compensação pela cessação do contrato e demais créditos indicados no ponto 74 da presente petição.

Sobre qualquer uma das quantias peticiona, ainda, os juros moratórios, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento, aos quais deve acrescer a sanção compulsória a que se refere o artigo 829.º-A do CC.

As duas autoras alegaram, em síntese, que eram trabalhadoras da 1ª ré, tendo esta comunicado verbalmente a cessação dos seus contratos por encerramento da atividade. Apesar disso o estabelecimento de supermercado em que exerciam a sua atividade continuou a laborar explorado pela 2ª ré, pelo que houve transmissão do estabelecimento, sendo o despedimento das autoras ilícito.

A ré A... não contestou.

A ré B... contestou nos dois processos, argumentando, em síntese que, ao optarem pela indemnização em substituição da reintegração, os contratos de trabalho das autoras cessaram na data do despedimento pelo que não se transmitiram. A autora AA ao assinar o recibo de quitação aceitou que os seus créditos estão pagos bem como a caducidade do seu contrato, havendo abuso de direito da autora. Já a autora BB como não devolveu a indemnização paga pela 1ª ré aceitou o despedimento.

Acrescentou a falta de poderes do sócio da 1ª ré que procedeu a cessação dos contratos e pediu o reconhecimento da existência do seu direito de regresso sobre a 1.ª, caso liquide a totalidade do valor a que sejam condenadas solidariamente e em consequência que a 1.ª Ré ficará obrigada a pagar-lhe 50% desse valor.

As autoras responderam às exceções deduzidas pela 2.ª ré na contestação, pugnando pela respetiva improcedência.

Nos dois processos foi dispensado o despacho de fixação do objeto do litígio e de enunciação dos temas de prova e, por despacho de 10/01/2023 foi determinada a apensação dos dois processos.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, na sequência da qual foi proferida sentença que, julgando as ações parcialmente procedentes, decidiu o seguinte:

“- declara-se a nulidade da cláusula 1ª (primeira) dos contratos de trabalho celebrados pela Autora AA e 1ª Ré A..., Lda, por via disso, serem os mesmos reconhecidos como um único contrato de trabalho sem termo.

- declara-se a ilicitude do despedimento da Autora.

- declara-se que houve a transmissão do estabelecimento/supermercado da 1.ª para a 2.ª Ré;

- condena-se a ré B..., S.A., a pagar à Autora uma indemnização em substituição da reintegração correspondente a 35 (trinta e cinco) dias de retribuição base por cada ano ou fracção de antiguidade até ao trânsito em julgado da sentença e que presentemente se cifra na quantia de 4.247,13€. € (quatro mil duzentos e quarenta e sete euros e treze cêntimos);

- a esse valor acrescem juros de mora, à taxa legal, contados desde o trânsito em julgado da sentença, bem como a sanção pecuniária compulsória prevista no artigo 829º-A, nº 4, do Código Civil

- condena-se a ré B..., S.A a pagar à autora as retribuições mensais que deixou de auferir, desde 2/11/2021 (dois de Novembro de dois mil e vinte e um), incluindo subsídios de férias e de Natal e proporcionais destes subsídios pela cessação do contrato de trabalho, reportados à data do trânsito em julgado da sentença, correspondendo cada retribuição ao valor da retribuição mínima mensal garantida em vigor em cada momento deduzidas das quantias percebidas pela autora como subsídio de desemprego, a determinar em incidente de liquidação;

- a este última valor, desde a sua liquidação, acrescem juros de mora, à taxa legal, bem como a sanção pecuniária compulsória prevista no artigo 89º-A, 4, do Código Civil

- condena-se a ré B..., S.A., a entregar à Segurança Social as quantias pagas à autora a título de subsídio de desemprego desde a data 20/7/2021 (vinte de Julho de dois mil e vinte e um).”

(…)

- declara-se a nulidade da cláusula 1ª (primeira) dos contratos de trabalho celebrados pela autora BB e pela 1.ª Ré A..., Lda e, por via disso, serem os mesmos reconhecidos como um único contrato de trabalho sem termo.

- declara-se a ilicitude do despedimento da Autora.

- declara-se a transmissão do estabelecimento/supermercado da 1.ª para a 2.ª Ré.

- condena-se a ré B..., S.A., a pagar à Autora uma indemnização em substituição da reintegração correspondente a 35 (trinta e cinco) dias de retribuição base por cada ano ou fracção de antiguidade até ao trânsito em julgado da sentença e que presentemente se cifra na quantia de 4.921,02€ (quatro mil novecentos e vinte e um euros e dois cêntimos);

- a esse valor acrescem juros de mora, à taxa legal, contados desde o trânsito em julgado da sentença, bem como a sanção pecuniária compulsória prevista no artigo 829º-A, nº 4, do Código Civil

- condena-se a ré B..., S.A a pagar à autora as retribuições mensais que deixou de auferir, desde 28/1/2022 (vinte e oito de Janeiro de dois mil e vinte e dois), incluindo subsídios de férias e de Natal e proporcionais destes subsídios pela cessação do contrato de trabalho, reportados à data do trânsito em julgado da sentença, correspondendo cada retribuição ao valor da retribuição mínima mensal garantida em vigor em cada momento deduzidas das quantias percebidas pela autora como subsídio de desemprego, a determinar em incidente de liquidação;

- ao valor das retribuições a pagar à autora, desde a sua liquidação, acrescem juros de mora, à taxa legal, bem como a sanção pecuniária compulsória prevista no artigo 829ºA, 4, do Código Civil

- condena-se a ré B..., S.A., a entregar à Segurança Social as quantias que esta tiver pago à autora a título de subsídio de desemprego desde 20/7/2021 (vinte de Julho de dois mil e vinte e um).”

Quanto ao mais que havia sido peticionado as rés foram absolvidas do pedido.


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A 2. ré, B..., S.A., inconformada com a sentença, veio dela interpor o presente recurso, concluindo as alegações nos seguintes termos:

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Nenhuma das autoras apresentou contra-alegações.

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O recurso foi regularmente admitido, tendo-lhe sido atribuído efeito suspensivo mediante a prestação de caução pela recorrente.

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Neste tribunal, os autos foram com vista ao Ministério Público que, ao abrigo do art.º 87.º, n.º 3 do Código de Processo do Trabalho (CPT), emitiu parecer no sentido da procedência parcial do recurso com a seguinte fundamentação:

“Contudo, merece o reparo que lhe é feita quanto à matéria de facto que deveria ter consignado o afirmado pela recorrida AA, no momento da audiência de julgamento, relativamente à sua situação laboral, em França, desde final de Janeiro de 2022, aí auferindo um salário mensal de € 1.500,00. Tal facto terá de ser levado em conta na redacção do ponto nº. 203, com a inerente alteração factual. Consequentemente, terá de ser considerada em ulterior incidente de liquidação, como se refere no ponto nº. 206. Tal implica a correção da condenação que se identifica sob o nº. 6 da asserção nº. 231 do segmento decisório.

No mais, as questões a dirimir nos presentes autos, que foram adequadamente analisadas, o que afasta qualquer de erro de julgamento na apreciação da matéria de direito.

Apenas uma nota quanto à transmissão de estabelecimento. Tendo sido suscitada a questão do hiato temporal da sua transferência, esta não pode relevar como resulta da factualidade provada e sua motivação. O estabelecimento continuou, logo após, a sua actividade, talqualmente, como havia sido exercida, com a mesma estrutura, finalidade económica e clientela. À recorrente incumbia o ónus de provar e demonstrar que a real causa dos despedimentos das recorridas não foi a transmissão, mas uma outra divergente.

Procedem, somente, as conclusões formuladas sob os pontos B. a G.

A sentença recorrida merece ser, parcialmente, mantida na ordem jurídica.”


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Nenhuma das partes se pronunciou sobre o parecer do Ministério Público.

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Foram colhidos os vistos legais, após o que, em virtude do impedimento da Mm.ª Juiz Desembargadora titular, os autos foram redistribuídos (Provimento n.º 1/2025 de 07/01/2025 do Exmo. Sr. Juiz Presidente do Tribunal da Relação do Porto).

Não tendo ocorrido modificação dos Exmos. Srs. Juízes Adjuntos, não há lugar a novos vistos, pelo que, cumpre decidir.


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Delimitação do objeto do recurso

Resulta do art.º 81.º, n.º 1 do CPT e das disposições conjugadas dos arts. 639.º, nº 1, 635.º e 608.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil, aplicáveis por força do disposto pelo art.º 1.º, n.º 1 e 2, al. a) do CPT, que as conclusões delimitam objetivamente o âmbito do recurso, no sentido de que o tribunal deve pronunciar-se sobre todas as questões suscitadas pelas partes (delimitação positiva) e, com exceção das questões do conhecimento oficioso, apenas sobre essas questões (delimitação negativa).

Assim, as questões a decidir são:

- impugnação da matéria de facto;

- se se verificou a transmissão do estabelecimento;

- se os contratos de trabalho que vinculavam as autoras à 1.ª ré se transmitiram para a 2.ª ré/recorrente;

- se ocorreu a remissão abdicativa dos créditos emergentes da cessação do contrato da autora AA;

- se, tendo a autora AA aceite a cessação do contrato, atua em abuso de direito ao pretender impugná-la;

- se a autora BB, não tendo devolvido o valor da compensação aceitou a cessação do contrato;

- valor da indemnização em substituição da reintegração, caso seja devida;

- se a recorrente é responsável pelo pagamento às autoras dos créditos pelas mesmas reclamados.


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Fundamentação de facto

Foram dados como provados em 1.ª instancia os seguintes factos:

“27. A Ré A..., Lda., doravante designada por 1.ª Ré, dedica-se, com fins lucrativos, ao “comércio a retalho de géneros alimentícios, bebidas, produtos de higiene, papelaria e outros artigos para o lar, talho, peixaria, cafetaria, loja de comunicações, informática e eletrodomésticos.

28. A Ré B..., S.A, doravante designada por 2.ª Ré, dedica-se, com fins lucrativos “a compra e venda e distribuição, por grosso e retalho, no mercado interno e externo de produtos alimentares, não alimentares e de consumo, designadamente produtos de uso doméstico, de drogaria, de homeopatia, de dietética, óptica, cosmética, perfumaria, higiene pessoal e também produtos para animais; todas as operações inerentes à exploração de supermercados e outros estabelecimentos comerciais, incluindo restauração e bebidas, take-away e medicamentos não sujeitos a receita médica”.

29. No desenvolvimento da sua atividade a 1ª Ré admitiu a autora AA ao seu serviço, através de contrato de trabalho, celebrado entre as partes em 11.08.2018, designado por “contrato de trabalho a termo resolutivo e tempo parcial”, com início em 11.08.2018 e término em 10.02.2019.

30. Ao abrigo do sobredito contrato, a autora AA obrigou-se a executar as tarefas que lhe foram confiadas, sob as ordens, direção e fiscalização da 1.ª Ré, tendo-lhe sido atribuída a categoria profissional de “Operador ajudante”, mediante retribuição no valor proporcional às horas trabalhadas, tendo como base a remuneração mensal ilíquida para 40 horas semanais trabalhadas no valor de 580,00 euros de remuneração base.

31. Posteriormente, a autora AA e a 1.ª Ré celebraram, em 11.02.2019, um “contrato de trabalho a termo resolutivo e tempo parcial”, com início em 11.02.2019 e término em 10.08.2019, no âmbito do qual a Autora, sob as ordens, direção e fiscalização da 1.ª Ré, prestava serviço com a mesma categoria profissional, com as mesmas horas semanais, mediante a retribuição, no valor proporcional às horas trabalhadas, tendo como base a remuneração mensal ilíquida para 40 horas semanais trabalhadas no valor de 600,00 euros de remuneração base.

32. Após 10.08.2019 a autora AA continuou a laborar para a 1ª Ré nos mesmos termos, tendo passado nessa data a trabalhar a tempo inteiro, correspondente a 40 horas semanais e a auferir o respetivo vencimento tendo em conta essas horas trabalhadas.

33. . Nos termos dos contratos de trabalho outorgados entre a autora AA e a 1.ª Ré, o motivo justificativo invocado para a celebração dos mesmos a termo foi o seguinte:

“O motivo é justificado de acordo com o previsto na alínea a) do n.º 4 do artigo 140 da lei 7/2009 de 12 de Fevereiro (cláusula primeira dos contratos).

34. Os contratos celebrados entre a autora AA e a 1ª ré preveem que tudo o que não estiver neles expressamente regulado será regido pela legislação laboral e pela Contrato Colectivo de Trabalho celebrado entre a APED e a FEPCES publicado no BTE nº 22 de 15/6/2008

35. No desenvolvimento da sua atividade, a 1.ª Ré admitiu a autora BB ao seu serviço, através de contrato de trabalho celebrado entre as partes em 03.11.2017, designado de “contrato de trabalho a termo resolutivo”, com início em 03.11.2017 e término em 02.05.2018.

36. Ao abrigo do sobredito contrato, a autora BB obrigou-se a executar as tarefas que lhe foram confiadas, sob as ordens, direção e fiscalização da 1.ª Ré, tendo-lhe sido atribuída a categoria profissional de “Operadora Ajudante de 1ª”, no período normal de trabalho de 40 horas semanais, mediante a quantia mensal ilíquida de 580,00 euros de remuneração base.

37. Posteriormente, a autora BB e a 1.ª Ré celebraram, em 03.05.2018, um “contrato de trabalho a termo resolutivo”, com início em 03.05.2018 e término em 02.11.2018, no âmbito do qual a Autora, sob as ordens, direção e fiscalização da 1.ª Ré, prestava serviço com a mesma categoria profissional, com as mesmas horas semanais, mediante a mesma retribuição.

38. Por último, a autora BB e a 1.ª Ré celebraram, em 03.11.2018, um “contrato de trabalho a termo resolutivo”, com início em 03.11.2018 e término em 02.05.2019, no âmbito do qual a Autora, sob as ordens, direção e fiscalização da 1.ª Ré, prestava serviço com a mesma categoria profissional, com as mesmas horas semanais, mediante a mesma retribuição.

39. Nos termos dos contratos de trabalho outorgados entre a autora BB e a 1.ª Ré, o motivo justificativo invocado para a celebração dos mesmos a termo foi o seguinte: “O motivo é justificado de acordo com o previsto na alínea a) do n.º 4 do artigo 140 da lei 7/2009 de 12 de Fevereiro (cláusula primeira dos contratos).

40. Os contratos celebrados entre a autora BB e a 1ª ré preveem que tudo o que não estiver neles expressamente regulado será regido pela legislação laboral e pela Contrato Colectivo de Trabalho celebrado entre a APED e a FEPCES publicado no BTE nº 22 de 15/6/2008.

41. Após 02.05.2019 a autora BB continuou a laborar para a 1.ª Ré nos mesmos termos, ou seja, com a mesma categoria profissional e com as mesmas horas semanais e a auferir a retribuição mínima mensal garantida.

42. As duas autoras prestavam o seu trabalho nas instalações da 1.ª Ré, sitas na Avenida ..., ..., ... ... Vila Nova de Gaia.

43. Tais instalações correspondem ao supermercado com o nome de “C... Family”, que a 1.ª Ré explorava.

44. A “C... FAMILY” faz parte da mesma e conhecida cadeia de supermercados, denominada de “C...”, a operar em Portugal.

45. O supermercado “C... Family”, no qual eram comercializados a retalho produtos alimentares e afins da marca “B...” (produtos exclusivos da cadeia de supermercados explorada sob a insígnia “C...”) e de marcas concorrentes, produtos de higiene, papelaria e outros artigos para o lar, cafetaria, e eletrodomésticos, identificava-se com o referido nome aos respetivos clientes e ao público em geral,

46. o que resultava da marca/logotipo “C... Family” visível no exterior do estabelecimento, nomeadamente na entrada exterior do mesmo,

47. e, no interior do estabelecimento, do placard com a sinalética de serviço de atendimento a clientes com a designação “Linha de apoio C...”,

48. das placas com a designação “próximo cliente”, com a palavra C..., no tapete rolante das caixas,

49. do placard colocado/faixa colocada na parede por cima da caixa um, com a palavra “C...”,

50. das câmaras frigoríficas nas quais se encontrava mencionada a palavra “C...”,

51. dos produtos comercializados, nomeadamente os da referida marca “B...”, que apenas podem ser comprados nos supermercados explorados sob a insígnia “C...”, quer nas respetivas lojas físicas (“C... EXPRESS”, “C... FAMILY” e “C... MARKET”) quer online no respetivo sítio da internet .../, o que é do conhecimento público,

52. dos carrinhos de supermercado e dos uniformes usados pela Autora e demais trabalhadores, nos quais se encontrava mencionada a palavra “C...”.

53. O supermercado tinha clientela própria e contínua, de segunda feira a domingo, durante o respetivo horário de funcionamento.

54. O sócio da 1ª ré CC, comunicou verbalmente, em 19.07.2021 (segunda-feira), às duas autoras e aos demais oito trabalhadores do estabelecimento/supermercado, nos quais não se incluem a gerente de loja DD, o encerramento da loja e o fim do seu contrato de trabalho, com efeitos imediatos.

55. Na mesma data e mesmo momento, CC disse, separadamente, às duas autoras para assinarem os respetivos documentos denominados de “Recibo de quitação”, previamente elaborados, e que aquele apresentou, dizendo que as contas estavam correctas

56. Foi comunicado à autora AA que os seus créditos eram de 1.503,83 € (mil quinhentos e três euros e oitenta e três cêntimos).

57. Sendo a autora AA levada a crer que o valor dos seus direitos correspondia ao valor que lhe foi comunicado, assinou o referido documento.

58. Em ato contínuo, o referido sócio entregou à autora AA o respetivo recibo de vencimento com data de 31.07.2021, e que discrimina os seguintes valores brutos a crédito:

- vencimento – 421,17

- subsídio de Domingo – 51,84

- exercício de funções – 20,00

- subsídio de alimentação – dias processamento – 63,70

- proporcional subsídio de férias – 90,69

- proporcional subsídio Natal – 387,98

- indemnização – férias não gozadas – 151,15

Compensação por fim contrato-encerramento empresa – 509,91

59. tendo o valor líquido de 1.503,83 euros, correspondente ao valor bruto de 1.696,44 euros, sido creditado na conta bancária da autora AA na data de 21.07.2021.

60. Ainda na mesma data de 19.07.2021, a 1.ª Ré emitiu o documento “comprovativo de declaração de situação de desemprego” no qual a mesma assinalou, como motivo “Extinção ou encerramento da empresa”, tendo o mesmo sido enviado pela gerente da 1.ª Ré à autora AA também na mesma data.

61. A autora BB recusou-se a assinar o recibo que lhe foi apresentado por entender que tinha direito a mais.

62. O referido sócio da 1ª ré, solicitou à autora BB que comparecesse nas instalações do supermercado no dia seguinte, ou seja, no dia 20-07-2021.

63. No dia 20-07-2021 a autora BB compareceu nas referidas instalações, tendo o sócio CC informado que teria direito a receber o valor de 1.740,41 euros.

64. A autora BB recusou o referido valor, informando que o valor devido era superior.

65. O referido sócio informou a autora BB que não lhe pagava um valor superior a 1.740,41 euros, e entregou-lhe um recibo de vencimento com data de 31.07.2021, no valor líquido de 1.740,41 euros com os valores brutos dos créditos assim discriminados:

-- vencimento – 243,89

- subsídio de Domingo – 26,88

- subsídio de alimentação – dias processamento – 36,40

- proporcional subsídio de férias – 211,61

- proporcional subsídio Natal – 193,99

- indemnização – férias não gozadas – 241,84

- Compensação por fim contrato-encerramento empresa – 886,80

66. O valor de 1.740,41 euros correspondente ao valor bruto de 1.841,41 euros foi creditado na conta bancária da autora BB na data de 21.07.2021.

67. A 1.ª Ré entregou à autora BB o documento “comprovativo de declaração de situação de desemprego”, emitido em 19-07-2021, no qual assinalou, como motivo “Extinção ou encerramento da empresa”.

68. Em 19.07.2021 encontravam-se a trabalhar no interior do supermercado outros trabalhadores, que usavam uniformes iguais aos que as Autoras e os demais trabalhadores da ré A... envergavam no exercício das suas funções.

69. 2Nesse mesmo dia, os uniformes das duas autoras já haviam sido entregues pela mesma à 1.ª Ré, a solicitação desta.

70. Após, encontrando-se com dúvidas relativamente à situação de desemprego ora imposta pela 1.ª Ré,

71. A autora AA dirigiu-se à ACT, onde informaram que os valores dos seus créditos laborais eram superiores aos comunicados pela 1.ª Ré.

72. Por essa razão, em 27.07.2021, a autora AA enviou à 1ª Ré uma carta registada com aviso de receção, na qual, no essencial, comunicou o seguinte: “venho pela presente declarar que não aceito o valor indicado e, posteriormente, pago por V. Exas. (1.503,83 euros), e que, consequentemente, não abdico do valor dos créditos laborais cujo pagamento está em falta”.

73. Pese embora a supra referida carta tenha sido rececionada pela 1.ª Ré, nenhuma resposta foi enviada.

74. A 1.ª Ré não se encontra com a respetiva matrícula cancelada.

75. A 1.ª Ré não comunicou o encerramento das suas obrigações fiscais.

76. O estabelecimento/supermercado outrora explorado pela 1.ª Ré, onde as duas Autoras prestaram o seu trabalho, não encerrou, antes continuou a ser explorado, no mesmo local, pela 2.ª Ré.

77. A 2.ª Ré continua a ocupar as mesmas instalações, sitas na Avenida ..., ..., ... ... Vila Nova de Gaia, onde as duas Autoras exerceram as suas funções ao serviço da 1.ª Ré.

78. A 2.ª Ré continua a comercializar os mesmos produtos anteriormente comercializados pela 1.ª Ré, entre os quais os da marca “B...”.

79. A 2.ª Ré continua a explorar a marca/logotipo “C... Family”, anteriormente explorada pela 1.ª Ré no mesmo estabelecimento.

80. A referida marca/logotipo continua a ser visível na entrada exterior do estabelecimento/supermercado, mantendo a mesmíssima imagem.

81. No interior do estabelecimento continua o mesmo placard com a sinalética de serviço de atendimento a clientes com a designação “Linha de apoio C...”,

82. as mesmas placas com a designação “próximo cliente”, com a palavra C..., no tapete rolante das caixas, sendo que estas continuam as mesmas e com a mesma disposição no espaço,

83. o mesmo placard colocado/faixa colocada na parede por cima da caixa 1, as mesmas câmaras frigoríficas, nas quais se encontra mencionada a palavra “C...”,

84. os mesmos carrinhos de supermercado e os mesmos uniformes, usados pelos atuais trabalhadores do supermercado, e que outrora eram usados pelas duas autoras e demais trabalhadores da ré A....

85. O supermercado continua com a mesma clientela, e continua aberto de segunda feira a domingo.

86. A 2.ª Ré nunca estabeleceu qualquer contacto com as autoras.

87. Não foram afixados no estabelecimento quaisquer avisos relativos à transmissão do estabelecimento.

88. As últimas retribuições auferidas pelas autoras AA e BB foram no valor de 665,00 euros, cada.

89. As autoras no ano de 2021 gozaram, cada uma, cinco dias de férias.

90. Esta situação causou às duas autoras um estado de ansiedade, inquietação e um profundo sentimento de tristeza, e receio do futuro perante a situação de desemprego que passaram a vivenciar.

Das contestações

91. No dia 19/7/2021 foram trabalhadores da B... à loja,

92. Não foram operar a loja mas fazer o inventário.

93. Esta operação de inventário é costumeira nos casos em que, como aconteceu neste caso, uma loja da B... que é explorada por um terceiro em regime de franquia, cessa e retorna à sua esfera.

94. A loja encerrou ao público no dia 18/07/2021.

95. No dia 19/07/2021 foram trabalhadores da B... verificar o estado de conservação dos artigos (validades e danificados) de modo que entrassem em inventário apenas produtos aptos.

96. A loja reabriu ao publico, explorada pela B..., no dia 22/07/2021.

97. A 1ª ré A... explorou o supermercado ao abrigo de um contrato de franquia e locação de estabelecimento comercial firmado com a 2ª ré B... em 27/9/2017.

98. Em 5/7/2021 as rés firmaram um acordo de cessação do contrato de franquia e de locação de estabelecimento comercial.

99. Foi acordado que a loja seria devolvida no dia 20/07/2021.

100. O “recibo de quitação” da autora AA diz:

“Na sequência da cessação do contrato de trabalho por encerramento da actividade da empresa estabelece-se o seguinte acordo entre AA NIF ... na posição de trabalhador e A... Unipessoal, Lda NIPC ... na posição de entidade patronal.

A trabalhadora receberá a quantia de 1.503,83 euros, onde estão incluídos os créditos vencidos e exigíveis à data em virtude desta cessação, encontram-se incluídos neste montante todas e quaisquer remunerações a que a mesma tem direito, nomeadamente (…) e compensação por fim de contrato.”

101. Da certidão comercial da 1.ª Ré consta que a gerência cabe a EE.

102. A forma de obrigar a sociedade é através da intervenção de um gerente.

103. Não consta da certidão que CC alguma vez tenha sido gerente da referida sociedade, ainda que seja seu sócio e cônjuge da gerente EE.

104. A autora BB não devolveu o valor da compensação que lhe foi pago pela 1ª ré.

Mais se provou

105. A autora AA no período de 2021/07 a 2022/04 tem registado na Segurança Social, equivalências por prestação de desemprego total 273,53€ no mês 2021/07 (11 dias) e 746€ em cada um dos meses seguintes.”


*

Apreciação

A recorrente começa por deduzir pretensão no sentido de ser aditada à matéria de facto provado o seguinte:

“A Autora AA trabalha num supermercado em França desde final de Janeiro de 2022, auferindo mensalmente €1.500,00”.

Alega que se trata de matéria que ficou assente na ata de discussão e julgamento e que é relevante “para efeitos de eventual apuramento dos salários intercalares a pagar por uma das Rés”, ao abrigo do disposto pelo art.º 390.º, n.º 2, al. a) do CT.

Nos termos do disposto pelo art.º 390.º, n.º 1 do CT, sendo o despedimento declarado ilícito, o trabalhador tem direito a receber compensação correspondente às retribuições que deixar de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento.

E os termos do nº 2, al. a) da mesma disposição legal, àquelas retribuições deduzem-se as importâncias que o trabalhador aufira com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento.

O recebimento pelo trabalhador de rendimentos do trabalho auferidos em atividades iniciadas posteriormente ao despedimento constitui um facto extintivo do direito do autor, que não é do conhecimento oficioso, pelo que, na ação tendente à declaração de ilicitude do despedimento, impende sobre a ré, a sua alegação e prova (art.º 342.º, n.º 2 do Código Civil).

Por isso, se a questão não tiver sido sequer suscitada pela parte a quem incumbe o respetivo ónus, fica irremediavelmente precludida a possibilidade de vir a operar-se a dedução no que respeita a rendimentos daquela natureza porventura auferidos entre o despedimento e o encerramento da discussão em 1.ª instância.

No caso dos autos, a ré/recorrente nem alegou que autora AA tenha auferido rendimentos em atividades iniciadas posteriormente ao despedimento, nem sequer peticionou, mesmo que condicionalmente, a dedução de eventuais quantias a esse título, ficando, pois, o tribunal impedido de se pronunciar sobre essa questão.

Nessa medida, a factualidade que a recorrente pretende que seja aditada, é manifestamente irrelevante, já que não tem, nem pode ter qualquer influência na decisão a proferir.

Ora, nos recursos, nomeadamente no âmbito da matéria de facto, apenas se impõe tomar posição sobre as questões que sejam processualmente pertinentes/relevantes, pelo que o exercício dos poderes de controlo sobre a decisão da matéria de facto, sob pena de violação dos princípios da utilidade e pertinência, só é admissível se recair sobre factos com interesse para a decisão da causa segundo as várias soluções plausíveis de direito. Daí que, o dever de reapreciação da prova pelo Tribunal da Relação não exista quanto a matéria irrelevante para a decisão[1].

Assim, não se conhece da pretensão deduzida pela recorrente.


*

Tendo o tribunal, na sentença recorrida, concluído ter ocorrido a transmissão do estabelecimento no qual as recorridas prestavam o seu trabalho e que era explorado pela ré A..., para a recorrente, esta discordou, por entender que o tribunal não apreciou corretamente a relevância jurídica da suspensão da atividade da loja entre a cessação por parte da A... e o início da exploração por parte da Recorrente, alegando que como a reversão de exploração não foi imediata nem contínua não se pode aplicar o regime da transmissão de estabelecimento à reassunção da exploração da loja por parte da mesma.

Na sentença recorrida escreveu-se, a propósito da transmissão do estabelecimento, o seguinte:

“129. Decorre expressamente dos contratos de trabalho das autoras com a 1ª ré que se lhes aplica o Contrato Colectivo de Trabalho celebrado entre a APED e a FEPCES publicado no BTE nº 22 de 15/6/2008. e a ré A... reconhece ser associada da APED – factos provados nºs 34 e 40.

130. E a ré B... nas contestações reconhece ser associada da APED e que está sujeita àquele CCT.

131. O qual tem uma norma sobre a transmissão do estabelecimento. A cláusula 42ª que reza assim:

“1 - A posição que do contrato de trabalho decorre para a entidade patronal transmite-se ao adquirente, por qualquer título, do estabelecimento onde os trabalhadores exerçam a sua actividade, salvo se antes da transmissão o contrato houver deixado de vigorar nos termos deste contrato colectivo do trabalho.

2 - O adquirente do estabelecimento é solidariamente responsável por todas as obrigações do transmitente vencidas nos 12 meses anteriores à transmissão, ainda que respeitem aos trabalhadores cujos contratos hajam cessado, desde que reclamados pelos interessados até ao momento da transmissão.

3 - Para efeitos do n.º 2, deve o adquirente durante os 15 dias anteriores à transmissão, fazer afixar os avisos nos locais de trabalho ou levar ao conhecimento dos trabalhadores ausentes por motivos justificados, por forma segura, de que devem reclamar os seus créditos.”

132. Esta norma não define o que se deve entender por transmissão do estabelecimento. E outra não há no CCT sobre o assunto. Impõe-se o recurso à regulamentação legal da matéria vertida nos art.s 285º e ss do Código de Trabalho.

133. A disciplina legal nacional decorre da transposição da Directiva 2001/23/CE do Conselho de 12/3/2001 relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes à manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferência, no todo ou em parte, de empresas ou de estabelecimentos.

134. Como se pode ler no Acórdão 160/14 (Silva e Brito v. Estado Português) do Tribunal de Justiça da União Europeia:

“Segundo jurisprudência constante, a Diretiva 2001/23 tem em vista assegurar a continuidade das relações de trabalho existentes no quadro de uma entidade económica, independentemente da mudança de proprietário. O critério decisivo para demonstrar a existência de uma transferência, na acepção dessa directiva, consiste na circunstância de a entidade em questão preservar a sua identidade, o que resulta, designadamente, da prossecução efetiva da exploração ou da sua retoma.

Para determinar se este requisito está preenchido, há que tomar em consideração todas as circunstâncias de facto que caracterizam a operação em causa, entre as quais figuram, designadamente, o tipo de empresa ou de estabelecimento de que se trata, a transmissão ou não de elementos corpóreos, tais como os edifícios e os bens móveis, o valor dos elementos incorpóreos no momento da transmissão, a reintegração ou não, por parte do novo empresário, do essencial dos efectivos, a transmissão ou não da clientela, bem como o grau de similitude das atividades exercidas antes e depois da transmissão e a duração de uma eventual suspensão destas actividades. Estes elementos constituem, contudo, apenas aspectos parciais da avaliação de conjunto que se impõe e não podem, por isso, ser apreciados isoladamente”.

135. No que respeita à transmissão de elementos corpóreos e à reintegração ou não dos efectivos, a sua importância variará conforme o peso específico que eles têm na actividade em questão. Por exemplo, numa empresa de transporte os veículos (a sua transmissão) serão, em princípio mais relevantes. Numa empresa de limpeza, em regra, já será a mão-de-obra

136. A lei nacional faz eco da disciplina da Directiva, designadamente, no art. 285º CT que se transcreve nas suas partes pertinentes:

“1 - Em caso de transmissão, por qualquer título, da titularidade de empresa, ou estabelecimento ou ainda de parte de empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, transmitem-se para o adquirente a posição do empregador nos contratos de trabalho dos respectivos trabalhadores, bem como a responsabilidade pelo pagamento de coima aplicada pela prática de contraordenação laboral.

2 - O disposto no número anterior é igualmente aplicável à transmissão, cessão ou reversão da exploração de empresa, estabelecimento ou unidade económica, sendo solidariamente responsável, em caso de cessão ou reversão, quem imediatamente antes tenha exercido a exploração.

(…)

5 - Considera-se unidade económica o conjunto de meios organizados que constitua uma unidade produtiva dotada de autonomia técnico-organizativa e que mantenha identidade própria, com o objetivo de exercer uma atividade económica, principal ou acessória. (…)”

137. Pois bem, como a interpretação da lei nacional tem de ser conforme à legislação europeia, para apurar se houve uma transmissão de unidade económica há que recorrer ao referido método indiciário.

138. Ora, dos factos provados decorre que as autoras trabalhavam para a 1ª ré num supermercado – factos provados nº 43.

139. Nesse mesmo local, nas mesmas instalações, a 2ª ré continuou a explorar um supermercado. Comercializa produtos com a mesma marca B..., com o mesmo placard com a sinalética de serviço de atendimento a clientes, com as mesmas placas de próximo cliente, mesmos tapetes rolantes, na mesma disposição, as mesmas câmaras frigoríficas, os mesmos carrinhos – factos provados nºs 76 a 84.

140. Realce-se que no dia 19/7/2021 funcionários da ré A... foram verificar a validade dos produtos e fazer um inventário dos bens – factos provados 91 e 92.

141. Portanto, houve transmissão de elementos corpóreos.

142. O supermercado continuou a operar debaixo da mesma marca “C...” – facto provado nº 79.

143. A ré B... não integrou qualquer trabalhador da ré A.... Porém, isso é de pouca importância porque nesta actividade são mais relevantes os elementos corpóreos do que a reintegração dos efectivos.

144. Por outro lado, a actividade exercida pelas rés é a mesma.

145. A clientela é a mesma – facto provado nº 85.

146. E a suspensão da actividade foi muito curta: três dias (19, 20 e 21/7) – factos provados 94 e 96

147. Visto em globo estes factos permitem concluir que houve transmissão do estabelecimento.

148. Refira-se que, embora não seja imprescindível uma base contratual para a transmissão de estabelecimento, no caso dos autos temo-la. O acordo de cessação do contrato de franquia e de locação de estabelecimento firmado entre as rés em 5/7/2021 – facto provado 98.

149. O que permite enquadrar a situação sub judice na hipótese de reversão da exploração do estabelecimento mencionada no nº 2 do art. 285º.

150. Em suma, houve transmissão do estabelecimento.”

Como acima referimos a discordância da recorrente relativamente ao decidido prende-se, nesta parte, com a relevância do período que decorreu entre o momento em que a mesma passou a explorar o estabelecimento e a cessação da exploração do estabelecimento pela 1.ª ré, empregadora das autoras.

Ora, tal como referido na sentença por apelo ao Acórdão do Tribunal de Justiça de 9 de setembro de 2015 (Ferreira da Silva e Brito e o., C‑160/14) a existência e duração do período de suspensão da atividade é um dos indícios a valorar para aferir da existência ou não da transmissão do estabelecimento, mas como também decido pelo mesmo tribunal no Acórdão do Tribunal de Justiça de 7 de agosto de 2018, processo C-472/16 (Sigüenza): “(…) o facto de a empresa estar, no momento da transferência, temporariamente encerrada e não ter trabalhadores ao seu serviço constitui evidentemente um elemento a ter em consideração para decidir se uma entidade económica ainda existente foi transferida. Todavia, o encerramento temporário da empresa e a consequente ausência de pessoal no momento da transferência não são, por si sós, suscetíveis de excluir a existência de uma transferência de empresa na aceção do artigo 1.º, n.º 1, da Diretiva 2001/23 (Acórdão de 15 de junho de 1988, Bork International e o., 101/87, EU:C:1988:308, n.º 16 e jurisprudência referida).

Assim, só na apreciação do caso concreto, a relevância da interrupção da atividade poderá ser aferida, motivo pelo qual a resposta poderá ser diferente em situações de facto diferentes.

No nosso caso, com relevo para a apreciação da questão mostra-se provado que a 1ª ré A... explorou o estabelecimento de supermercado ao abrigo de um contrato de franquia e locação de estabelecimento comercial firmado com a 2ª ré B..., em 27/09/2017. Em 05/07/2021 as rés firmaram um acordo de cessação do contrato de franquia e de locação de estabelecimento comercial, ficando acordado que a loja seria devolvida no dia 20/07/2021.

A loja encerrou ao público no dia 18/07/2021, tendo reaberto, explorada pela recorrente, no dia 22/07/2021, sendo que, no dia 19/07/2021, trabalhadores da recorrente foram fazer o inventário e verificar o estado de conservação dos artigos (validades e danificados) de modo que entrassem em inventário apenas produtos aptos.

Daqui resulta que a cessação do contrato de franquia e consequentemente devolução da loja à recorrente produziu efeitos em 20/07/2021, pelo que a partir dessa data o estabelecimento e a sua exploração ficaram na disponibilidade da recorrente, a qual, de resto, no dia 19/07/2021, procedeu ao inventário dos bens ali existentes, evidenciando que, em bom rigor, não existiu qualquer hiato entre a cessação da exploração do estabelecimento pela 1.ª ré e o início de exploração pela recorrente ou que, se existiu, teve apenas a duração de 1 dia (dia 19/07/2021, em que foi feito o inventário e o mesmo dia em que a 1.ª ré comunicou que cessariam os contratos de trabalho das autoras). O estabelecimento esteve encerrado ao público nos dias 19, 20 e 21 de julho, o que não equivale necessariamente à suspensão da atividade para os efeitos aqui em causa, pois quaisquer atos preparatórios da “reabertura” ao público quando a recorrente já tinha a disponibilidade da loja, não podem deixar de se considerar, ainda, atos de exploração do estabelecimento.

Por isso, salvo o devido respeito por opinião contrária, no caso concreto, o encerramento do estabelecimento ao público durante 3 dias, não é suficiente para descaracterizar a manutenção da identidade do estabelecimento explorado antes pela 1.ª ré e depois pela recorrente, impondo-se, na presença dos demais indícios cuja apreciação pelo Mm.º Juiz “a quo” merece a nossa concordância, concluir que houve transmissão do estabelecimento por reversão da sua exploração para a recorrente, nos termos do art.º 285.º, n.º 2 do Código do Trabalho (CT).


*

Questão diversa da anteriormente decidida é a de saber se, estando verificados pressupostos para se concluir que ocorreu a transmissão do estabelecimento, os contratos de trabalho que vinculavam as autoras à 1.ª ré se transmitiram para a recorrente, ao abrigo do art.º 285.º, n.º 1 do CT e da cláusula 43.ª do CCT supra identificado (na sentença por lapso inconsequente refere-se a cláusula 42.ª).

A este respeito, contrariando a sentença recorrida, a recorrente alega que os contratos não se transmitiram porque no momento da suposta transmissão os mesmos não estavam em vigor.

A aplicação do regime do artigo 285.º do CT no sentido de que se transmite para o adquirente “a posição do empregador nos contratos de trabalho dos respectivos trabalhadores” tem como pressuposto evidente que estes contratos de trabalho subsistam à data da transmissão.

É certo que o art.º 285.º do CT - ao contrário do que acontecia com o art.º 37.º da LCT que no seu n.º 1 dizia expressamente que “[a] posição que dos contratos de trabalho decorre para a entidade patronal transmite-se ao adquirente, por qualquer título, do estabelecimento onde os trabalhadores exerçam a sua actividade, salvo se, antes da transmissão, o contrato de trabalho tiver deixado de vigorar nos termos legais, ou se tiver havido acordo entre o transmitente e o adquirente, no sentido de os trabalhadores continuarem ao serviço daquele noutro estabelecimento sem prejuízo do disposto no artigo 24.º” – nada refere a propósito dos contratos de trabalho que tiverem deixado de vigorar antes da transmissão.

Tal não significa, contudo que a existência dos contratos de trabalho no momento da transmissão tenha passado a ser irrelevante, pois, só pode ser transmitido aquilo que ainda existe.

No âmbito do direito comunitário é igualmente pacífico que a diretiva só pode ser invocada por aqueles trabalhadores cujo contrato de trabalho existe no momento da transferência.

O artigo 3.º, n.º 1, primeiro parágrafo, da diretiva tem a seguinte redação:

«Os direitos e obrigações do cedente emergentes de um contrato de trabalho ou de uma relação de trabalho existentes à data da transferência são, por esse facto, transferidos para o cessionário.» (sublinhado nosso).

No Acórdão de 15 de junho de 1988 (Bork International e o., 101/87, EU:C:1988:308, n.º 17) o Tribunal de Justiça refere a este respeito que “a directiva só pode ser invocada por aqueles trabalhadores cujo contrato de trabalho existe, subiste no momento da transferência, sendo tarefa do direito nacional dos estados membros decidir, no respeito pelas disposições imperativas da directiva, quando é que se pode afirmar tal existência ou subsistência”.

A diretiva contém, contudo, uma situação em que os contratos cessados em data anterior à transferência devem ser considerados contratos existentes.

De facto, resulta do art.º 4.º da diretiva que «1. A transferência de uma empresa ou estabelecimento ou de uma parte de empresa ou estabelecimento não constitui em si mesma fundamento de despedimento por parte do cedente ou do cessionário. Esta disposição não constitui obstáculo aos despedimentos efectuados por razões económicas, técnicas ou de organização que impliquem mudanças da força de trabalho.»

Serão, pois, ilícitos todos os despedimentos cuja causa seja a transferência de uma empresa ou estabelecimento, e tal como decidido no acórdão de 15 de Junho de 1988, Bork International já acima identificado, os trabalhadores cujo contrato ou relação de trabalho tenham cessado com efeitos a uma data anterior à da transferência, em violação do artigo 4°, n.º 1, da directiva, devem ser considerados como continuando ao serviço da empresa na data da transferência com a consequência, designadamente, de as obrigações da entidade patronal relativamente a eles se transferirem automaticamente do cedente para o cessionário.

No âmbito da legislação nacional, o CT não esclarece quando é que se pode considerar que os contratos de trabalho existem para os efeitos aqui em causa, nada sendo dito, nomeadamente quanto aos contratos que cessaram antes da transmissão da empresa ou estabelecimento. Mas em linha com a interpretação do art.º 4.º, n.º 1 da diretiva, afigura-se-nos que devem também ser considerados existentes os contratos “cessados” antes da transmissão, se tal cessação vier a ser declarada ilícita após a transmissão.

Na verdade, como refere Joana Vasconcelos[2] “As obrigações que, por força do nº 1 do presente preceito, se transmitem para o adquirente da empresa ou do estabelecimento são unicamente as emergentes dos contratos de trabalho “existentes” à data da transmissão - é o que resulta do artigo 3º, nº 1, da Diretiva, à luz do qual deve o mesmo ser interpretado (TJUE, Ac. Marleasing, de 13-11-1990, Proc. nº C-106/89).

Ficam, pois, excluídos desta transmissão, permanecendo na esfera do transmitente, os créditos (v.g, por subsídios de férias ou de Natal ou por trabalho suplementar) emergentes de contratos de trabalho que tenham cessado em momento anterior aquela, com uma exceção: os contratos cuja extinção venha a ser judicialmente declarada ilícita. Quando assim suceda, e porque tais vínculos laborais se consideram “existentes” à data da transferência, transitam para a esfera do adquirente da empresa ou do estabelecimento as obrigações deles emergentes (caso, v.g, das relativas ao pagamento das retribuições intercalares ou da indemnização substitutiva da reintegração).” (sublinhado nosso).

Por sua vez escreve, Diogo Vaz Marecos[3], também citado com pertinência na sentença recorrida, “Por força do n.º 1, transmitem-se para o transmissário as obrigações que decorram dos contratos de trabalho existentes à data da transmissão. Isto significa que os contratos de trabalho que tenham licitamente cessado, por qualquer motivo, antes da transmissão, e dos quais resultem eventualmente quaisquer obrigações, como trabalho suplementar que não foi retribuído, parte da retribuição que não foi paga, etc., são responsabilidade do transmitente.

Quando o contrato de trabalho cessou ilicitamente (por exemplo, o empregador decidiu aplicar a sanção de despedimento sem indemnização ou compensação, e o trabalhador impugnou judicialmente essa sanção), o que veio a ser reconhecido judicialmente após a transmissão, o vínculo laboral manteve-se, tudo se passando como se a actividade do trabalhador tivesse sido normalmente exercida até ao momento em que o tribunal declarou a ilicitude da cessação do contrato. O legislador criou a ficção legal de que o contrato de trabalho se manteve, como se o trabalhador estivesse ao serviço do empregador durante tal período, precisamente para evitar que o trabalhador venha a ser afectado por uma cessação do contrato de trabalho, promovida pelo empregador, que vem a ser declarada ilícita. Por efeito do n.º 1 do artigo 390.º o momento a atender, para a definição dos direitos conferidos ao trabalhador despedido ilicitamente, é a data da decisão final, sentença ou acórdão do tribunal, que haja declarado ou confirmado a ilicitude do despedimento, sendo esta decisão do tribunal que marca, na data em que for proferida, o termo da relação laboral que liga as partes, quando o trabalhador opte por não ser reintegrado, ou o tribunal exclua a reintegração (artigo 391.º ou 392.º). Assim, a responsabilidade pelo pagamento dos salários intercalares e da indemnização ao trabalhador (quando este opte por não ser reintegrado, ou o tribunal exclua a reintegração), quando o despedimento tenha sido considerado ilícito após a transmissão, é do transmissário.” (sublinhados nossos).

Assim, para os efeitos previstos pelo art.º 3.º, n.º 1 da diretiva, quanto aos contratos cessados antes da transmissão, devem distinguir-se as situações em que a cessação é lícita daquelas em que cessação veio a ser reconhecida como ilícita só após a transmissão. Nas primeiras, os contratos, porque não existem na data da transmissão, não se transmitem para o adquirente, nas segundas os contratos são considerados existentes à data da transmissão, transferindo-se a posição de empregador para o adquirente.

Assim, do nosso ponto de vista, os contratos que tenham “cessado” antes da transmissão do estabelecimento são considerados existentes para os efeitos previstos pelo art.º 285.º, n.º 1 do CT, se a cessação for ilícita, resultando essa ilicitude do incumprimento do art.º 4.º da diretiva ou de qualquer das causas previstas pelo CT, transferindo-se para o adquirente, o qual será o responsável pelas consequências da declaração de ilicitude do despedimento.

Veja-se que a finalidade da referida diretiva é assegurar, tanto quanto possível, a continuação dos contratos ou das relações de trabalho com o cessionário, sem modificação, a fim de impedir que os trabalhadores em causa sejam colocados numa posição menos favorável apenas por causa dessa transferência (Acórdãos do Tribunal de Justiça de 17 de dezembro de 1987, Ny Mølle Kro, 287/86, EU:C:1987:573, n.º 25, e de 26 de maio de 2005, Celtec, C‑478/03, EU:C:2005:321, n.º 26, Acórdão de 27 de novembro de 2008, Juuri, C‑396/07, EU:C:2008:656, n.º 28 e jurisprudência referida).

Por isso, admitir que os contratos cessados ilicitamente antes da transferência, não se transmitem para o adquirente, quando tal ilicitude é declarada após a transferência da empresa ou do estabelecimento, seria pôr em causa a finalidade da diretiva. Estaria encontrada a forma para que a transmissão ou não dos contratos de trabalho ficasse na inteira disponibilidade do transmitente, com o risco de colocar os trabalhadores numa posição mais vulnerável, exatamente o que se pretendeu evitar com o regime da diretiva.

Acresce que, à transmissão do contratos para o adquirente não obsta, a opção pela indemnização em substituição da reintegração no âmbito da ação judicial intentada com vista à declaração de ilicitude do despedimento, como aconteceu no caso dos autos.

Desde logo pelos fundamentos constantes do Ac. STJ de 26/06/2019[4], citado na sentença, e que subscrevemos na íntegra, relativo a uma situação em que, tal nos autos, a trabalhadora havia optado pela indemnização em substituição da reintegração, do qual se transcreve apenas o sumário, por suficientemente elucidativo:

“II – A declaração de ilicitude do despedimento tem eficácia retroativa e acarreta a restauração integral da relação de trabalho como se o despedimento não tivesse ocorrido.

III – Declarado ilícito o despedimento, tudo se passa como se os autores estivessem ao serviço efetivo aquando das transmissões, pelo que os respetivos contratos transferiram-se sucessivamente para as posteriores prestadoras do serviço que sucederam à primitiva concessionária naquele local de trabalho.”

Por outro lado, mesmo que se considerasse que a cessação do contrato ocorre com a opção do trabalhador pela indemnização em detrimento da reintegração, a solução não seria diferente. Na verdade, na nossa perspetiva, ao contrário do que defendem alguns autores[5], tal opção, não implica que a causa da cessação do contrato deixe de ser o despedimento ilícito passando a ser a resolução por iniciativa do trabalhador. De facto, só porque o despedimento é ilícito é que o trabalhador tem a faculdade de optar pela indemnização em substituição da reintegração, ao abrigo do art.º 391.º do CT., ao que acresce a circunstância de a decisão de cessação dos contratos, produzir efeitos logo que chega ao conhecimento do trabalhador, sendo irrevogável. E mesmo que se considerasse, que a cessação do contrato se produz com essa opção, por a mesma ser irrevogável, ela produziria efeitos na data em que fosse exercida e não na data do despedimento, o que, no caso, só teria ocorrido já após a transmissão pois as ações foram intentadas, obviamente, após a transmissão, (em 22/12/2021 e 28/02/2022).

Importa, pois, no caso dos autos perceber se os contratos de trabalho que vinculavam as autoras à 1.ª ré subsistiam à data da transmissão do estabelecimento.

Resulta da matéria de facto provada que, em 19/07/2021, a 1ª ré comunicou, verbalmente, às duas autoras, o encerramento da loja e o fim do seu contrato de trabalho, com efeitos imediatos.

E na mesma data a 1.ª ré emitiu o documento “comprovativo de declaração de situação de desemprego” no qual assinalou, como motivo da cessação do contrato “Extinção ou encerramento da empresa”.

Não restam dúvidas de que a cessação dos contratos procedeu, de uma mera comunicação, unilateral, da iniciativa da empregadora.

Em abstrato, considerando o motivo invocado pela 1.ª ré, tal situação poderia reconduzir-se à caducidade dos contratos de trabalho, ao abrigo do disposto pelo art.º 346.º, n.º 3 do CT, segundo o qual o encerramento total e definitivo de empresa determina a caducidade do contrato de trabalho.

Porém, nem foi comunicado às autoras o encerramento total e definitivo da empresa, mas apenas “o encerramento da loja”, nem tal encerramento ocorreu, já que, como vimos, a loja continuou a ser explorada pela 2.ª ré, tendo ocorrido a transmissão do estabelecimento. Assim, a cessação dos contratos comunicada pela 1.ª ré às autoras, não foi apta a determinar a caducidade dos mesmos, porque o motivo invocado, nem existiu, nem se reconduz à caducidade. E não se reconduzindo a qualquer outra das causas de cessação dos contratos de trabalho por iniciativa do empregador, mas não podendo deixar de constituir uma declaração de vontade da empregadora de extinguir os contratos, no caso concreto, configura um despedimento ilícito.

Por outro lado, tendo a cessação dos contratos sido comunicada verbalmente, não foi cumprido o procedimento previsto nos arts. 360.º e seguintes do CT, aplicável com as necessárias adaptações nas situações a que se reporta o art.º 346.º, n.º 3 do mesmo código. Diga-se que a emissão da “declaração de situação de desemprego” não supre a omissão do formalismo, não constituindo comunicação às autoras, destinando-se a ser entregue na Segurança Social.

Estamos, pois, em face de dois despedimentos ilícitos nos termos dos art.º 381.º, al. b) e c) do CT., e consequentemente, se outros motivos não houvesse, os contratos em causa têm de ser considerados existentes na data da transmissão do estabelecimento.

Mesmo que tivesse corrido a cessação dos contratos por caducidade ao abrigo do art.º 346.º, n.º 3 do CT, ele não poderiam deixar de se considerar existentes à data da transmissão, pois, não tendo sido observado o aviso prévio a que se refere o art.º 363º, n.º 1 do CT, que, no caso, atenta as antiguidades das autoras, inferiores a cinco anos, seria de 60 dias, nos termos do disposto pelo n.º 4 da mesma disposição legal, os contratos só cessariam decorrido o tempo de aviso prévio em falta, ou seja, em 17/09/2021. Nessa medida quando ocorreu a transmissão, em 20/07/2021, os contratos de trabalho ainda existiriam, ocorrendo a sua transmissão para a recorrente.

Ainda que assim não fosse, sempre seria de considerar ilícita a cessação dos contratos de trabalho, por violação do art.º 4.º, n.º 1 da Diretiva, pois, ela resultou da transmissão do estabelecimento.

O citado Acórdão do processo Bork International, o Tribunal de Justiça considerou “que para determinar se um despedimento era motivado pela transferência se torna necessário tomar em consideração todas as circunstâncias objetivas em que o despedimento ocorreu e, particularmente, como no caso em que o Tribunal teve que se pronunciar, o facto de que o despedimento deveria produzir os seus efeitos numa data muito próxima à data da transferência e os trabalhadores em questão foram, em grande medida, reassumidos pelo transmissário.”

Nem por isso, se pode considerar que apenas quando ocorreram aquelas duas circunstâncias se verifica a relação causal entre a transmissão e a cessação do contrato, sendo esta ilícita, podendo tal conclusão ser sustentada noutros indícios. Resulta daquela decisão que, quando se verifiquem tais circunstâncias e, dizemos nós, quaisquer outras que relevem no sentido do estabelecimento da relação causal entre a transmissão e a cessação do contrato de trabalho, impenderá sobre o empregador um particularmente intenso ónus de fundamentação da decisão capaz de afastar o juízo de associação causal entre a transmissão e o despedimento[6].

No caso, não ficou demonstrado que a 2.ª ré, a transmissária, tenha reassumido qualquer dos trabalhadores do estabelecimento. Porém, as demais circunstâncias do caso concreto, são suficientes para se poder concluir que os contratos só cessaram por causa da transmissão. De facto, tendo a cessação do contrato de franquia e de locação do estabelecimento sido acordadas em 05/07/2021, a comunicação da cessação dos contratos, só foi efetuada na véspera da produção de efeitos da transmissão do estabelecimento. Por outro lado, a 1.ª ré não se encontra com a respetiva matrícula cancelada, nem comunicou o encerramento das obrigações fiscais, motivo pelo qual, não terá ocorrido a sua liquidação, seja porque motivo for. Acresce que não resulta da matéria de facto qualquer outro fundamento para a cessação dos contratos que pudesse sustentar a sua conformidade ao disposto pelo art.º 4.º, n.º 1 da Diretiva, ónus que, do nosso ponto de vista, impendia sobre a transmitente, que nem sequer contestou a ação e/ou sobre a transmissária, que nada alegou nesse sentido.

Nesta medida, conclui-se que a cessação dos contratos de trabalho das autoras não pode ser considerada conforme ao disposto pelo art.º 4.º, n.º 1 da Diretiva, do que decorre, também com este fundamento, que à data da transmissão, os contratos de trabalho das autoras têm que se considerar existentes, com a sua consequente transferência para a titularidade da 2.ª ré, sendo da responsabilidade desta, atento o disposto pelo art.º 285.º, n.º 1 do CT e o disposto pela cláusula 43.ª, n.º 1 da CCT aplicável, os créditos decorrentes da ilicitude dos despedimentos das autoras.

Improcede, pois, o recurso nesta parte.


*

Alegou também a recorrente que ocorreu a remissão abdicativa dos créditos emergentes da cessação do contrato da autora AA, face ao teor do documento que a mesma assinou em 19/07/2021.

Ficou provado que a AA assinou um denominado recibo de quitação com o seguinte teor:

“Na sequência da cessação do contrato de trabalho por encerramento da actividade da empresa estabelece-se o seguinte acordo entre AA NIF ... na posição de trabalhador e A... Unipessoal, Lda NIPC ... na posição de entidade patronal.

A trabalhadora receberá a quantia de 1.503,83 euros, onde estão incluídos os créditos vencidos e exigíveis à data em virtude desta cessação, encontram-se incluídos neste montante todas e quaisquer remunerações a que a mesma tem direito, nomeadamente (…) e compensação por fim de contrato.”

Ficou também provado que, no mesmo momento, foi entregue à autora recibo de vencimento com data de 31/07/2021, e que discrimina os seguintes valores brutos a crédito: vencimento – 421,17; subsídio de Domingo – 51,84; exercício de funções – 20,00; subsídio de alimentação – dias processamento – 63,70; proporcional subsídio de férias – 90,69; proporcional subsídio Natal – 387,98; indemnização – férias não gozadas – 151,15 e compensação por fim contrato-encerramento empresa – 509,91, tendo o valor líquido de 1.503,83 euros, correspondente ao valor bruto de 1.696,44 euros, sido creditado na conta bancária da autora AA na data de 21/07/2021.

Nos termos do disposto no artigo 863.°, n.º 1, do Código Civil “o credor pode remitir a dívida por contrato com o devedor”.

A remissão abdicativa é uma das causas de extinção das obrigações, consistindo na renúncia do credor ao direito de exigir a prestação, feita com a aquiescência da contraparte.

Analisada a declaração subscrita pela autora AA, não se vislumbra que a mesma contenha qualquer declaração daquela da qual possa resultar que esta aceita a cessação do contrato por encerramento da atividade da empresa.

A circunstância de da declaração constar que a mesma é feita na sequência da cessação do contrato de trabalho por encerramento da atividade da empresa, não comporta, qualquer declaração expressa de que a trabalhadora se conforma com a cessação do contrato, ou com a causa invocada para o efeito. De resto, o que lhe foi comunicado verbalmente pela 1.ª ré, não foi o encerramento da atividade da empresa, mas o encerramento da loja, ignorando-se se nesta se esgotava a atividade da 1.ª ré.

Também não resulta qualquer declaração no sentido de que a trabalhadora renuncia a quaisquer outros créditos para além dos referidos no próprio documento, mesmo que em conjugação com o recibo de vencimento que continha a discriminação das parcelas que compunham a quantia de € 1.503,83 que nele se refere, pelo que, jamais tal declaração poderia ser interpretada como uma declaração de remissão para os efeitos pretendidos pela recorrente.

Acresce que, na interpretação da dita declaração por apelo ao comando do art.º 236.º do CC, as circunstâncias em que tal declaração foi assinada, apontam no sentido inverso ao pretendido pela recorrente, pois, não se pode ignorar que ficou provado que a declaração foi assinada no mesmo momento em que foi comunicada a cessação do contrato, que foi comunicado à trabalhadora que os seus créditos eram de 1.503,83 € (mil quinhentos e três euros e oitenta e três cêntimos) e que esta assinou o documento, sendo levada a crer que o valor dos seus direitos correspondia ao valor que lhe foi comunicado.

De resto, o próprio documento está intitulado como “recibo de quitação”, não contendo qualquer menção a remissão abdicativa ou a expressão equivalente e como, elucidativamente, se pode ler no sumário do Ac. do STJ, de 13/02/2019[7]:

“I. Não fica demonstrada a existência de qualquer vontade de remitir por parte do trabalhador, quando não só não se provou a existência de qualquer negociação prévia, como o teor do texto que o trabalhador assinou não sugere, nem alerta, para qualquer remissão abdicativa.

II. A declaração negocial não pode valer com um sentido com o qual o declarante não podia razoavelmente contar e o declarante ao assinar um documento de quitação e pagamento de direitos não pode razoavelmente contar que o mesmo valha como remissão abdicativa.”.

Acresce que, mesmo que se considerasse existir alguma ambiguidade na declaração ela teria de ser interpretada nos termos do art.º 237.º do Código Civil. E, estando em causa um negócio gratuito, já que não se vislumbra qualquer contraprestação contratual do empregador, sempre deveria prevalecer o sentido menos gravoso para a trabalhadora.

Por isso, não se pode considerar que, ao subscrever a declaração em causa, a trabalhadora AA, aceitou a cessação do contrato ou abdicou de qualquer crédito emergente da mesma.

Improcede o recurso também nesta parte.


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E improcede igualmente no que respeita ao invocado abuso de direito da mesma trabalhadora.

Nos termos do art.º 334º do Código Civil “é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.

Está em causa o exercício de um direito quando o titular deste exorbita dos fins próprios do mesmo ou do contexto em que o mesmo é exercido, sendo que o excesso tem de ser claro e manifesto, constituindo uma clamorosa ofensa ao sentimento jurídico socialmente dominante.

Do ponto de vista deste tribunal, a atuação da autora não preenche aqueles requisitos.

A este respeito o Mm.º Juiz “a quo”, concluiu pela improcedência da alegação da recorrente, fazendo constar da sentença o seguinte (eliminando-se a numeração dos parágrafos):

“Ora, em parte nenhuma do recibo está escrito que a autora AA aceitou a caducidade do contrato.

Da sua leitura só é possível retirar que pode ter reconhecido que os seus créditos salariais, devidos por encerramento da empresa, se cingiam a 1.503,83 euros.

Mas já se viu que o contrato de trabalho não cessou por essa razão. Houve, antes um despedimento ilícito.

Acresce que não existiu qualquer negociação ou discussão entre as partes sobe os valores devidos. O que sucedeu foi:

O sócio CC comunicou verbalmente, em 19.07.2021, às duas autoras e demais trabalhadores o encerramento da loja e o fim do seu contrato de trabalho, com efeitos imediatos (facto provado nº 54).

E disse, separadamente, às duas autoras para assinarem os respetivos documentos denominados de “Recibo de quitação”, previamente elaborados pela 1ª Ré, e que aquele apresentou, e disse as contas estavam correctas (facto nº 55)

Foi comunicado à autora AA que os seus créditos eram de 1.503,83 € (facto provado nº 56).

Sendo a autora AA levada a crer que o valor dos seus direitos correspondia ao valor que lhe foi comunicado pela 1ª Ré, assinou o referido documento (facto provado nº 57).

Portanto, a autora AA foi colocada perante um facto consumado e uma cessação ilegal do seu contrato. Os seus direitos foram claramente violados. Pelo que lhe assiste toda a legitimidade para intentar esta acção.”

Concorda-se na íntegra, acrescentando-se, em reforço do ali decidido, o que referimos a propósito da inexistência de remissão abdicativa e de aceitação da cessação do contrato.


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Quanto à autora BB, a recorrente alegou, que não tendo a mesma devolvido o valor da compensação aceitou a cessação do contrato, nos termos do disposto pelo art.º 366.º, n.º 5 do CT que considera aplicável por remissão do art.º 346º, n.º 3 do mesmo código.

Ficou, na verdade demonstrado que a trabalhadora BB não devolveu o valor da compensação que lhe foi paga pela 1.ª ré em virtude da cessação do contrato. Nem por isso, a recorrente tem razão.

Dispõe o art.º 366.º do CT, sob a epígrafe “Compensação por despedimento coletivo” que:

“1 - Em caso de despedimento coletivo, o trabalhador tem direito a compensação correspondente a 12 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade.

2 - A compensação prevista no número anterior é determinada do seguinte modo:

a) O valor da retribuição base mensal e diuturnidades do trabalhador a considerar para efeitos de cálculo da compensação não pode ser superior a 20 vezes a retribuição minima mensal garantida;

b) O montante global da compensação não pode ser superior a 12 vezes a retribuição base mensal e diuturnidades do trabalhador ou, quando seja aplicável o limite previsto na alínea anterior, a 240 vezes a retribuição minima mensal garantida;

c) O valor diário de retribuição base e diuturnidades é o resultante da divisão por 30 da retribuição base mensal e diuturnidades;

d) Em caso de fração de ano, o montante da compensação é calculado proporcionalmente.

3 – (…)

4 - Presume-se que o trabalhador aceita o despedimento quando recebe do empregador a totalidade da compensação prevista neste artigo.

5 - A presunção referida no número anterior pode ser ilidida desde que, em simultâneo, o trabalhador entregue ou ponha, por qualquer forma, a totalidade da compensação paga pelo empregador à disposição deste último.

(…)”

O artigo 346.º, n.º 5 do CT, relativo à caducidade do contrato de trabalho estabelece que “Verificando-se a caducidade de contrato de trabalho em caso previsto num dos números anteriores, o trabalhador tem direito a compensação calculada nos termos do artigo 366.º, pela qual responde o património da empresa”.

Ora, ressalvando o devido respeito por posição divergente, afigura-se que não se pode concluir que a remissão do n.º 5 do art.º 346.º do CT abrange também a presunção prevista no artigo 366.º, n.º 4 do mesmo código, de que o trabalhador aceita o despedimento quando recebe a compensação pelo mesmo.

Na verdade, ao prever uma compensação “calculada nos termos do artigo 366.º”, no caso de caducidade do contrato de trabalho aquela, a remissão reporta-se, tão-só, aos parâmetros de determinação da compensação previstos no artigo 366.º do CT (ou seja, os contidos nos n.ºs 1 e 2 desse normativo), não abrangendo os demais aspetos regulados no mesmo preceito.

Com efeito, não se pode ignorar que, embora o art.º 9.º do Código Civil afirme no seu n.º 1 que a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, também estabelece que “não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (nº 2) e que “na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (nº 3)”.

A interpretação é feita segundo as regras decorrentes do referido normativo, sendo que o enunciado linguístico da lei é o ponto de partida de toda a interpretação, mas exerce também a função de um limite, não podendo ser considerada uma interpretação que não tenha o mínimo de correspondência verbal. O intérprete não pode, pois, retirar da lei um sentido que não tem, na sua letra, um mínimo de correspondência verbal, sendo certo que se deve presumir que o legislador se exprimiu em termos adequados.

No caso, analisado o texto do artigo 346.º, n.º 5 do CT, não pode afirmar-se que do mesmo resulte um mínimo de correspondência verbal que possa suportar a interpretação no sentido de que a remissão aí contida é relativa a todos os aspetos da disciplina contida no artigo 366.º.

Assim, mesmo que estivesse em causa a cessação do contrato por caducidade, não se pode, considerar que, a trabalhadora BB a aceitou, improcedendo, o recurso quanto a esta questão.


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Por fim, a recorrente alega que a ser devida a indemnização de antiguidade pela qual as autoras optaram, o valor fixado na sentença recorrida é excessivo, devendo ser fixado no mínimo legal de 15 dias, atento o baixo o grau de ilicitude do despedimento das autoras. Alega também que a retribuição a atender deve ser a devida à data da cessação do contrato e não a devida à data da sentença.

Nos termos do disposto pelo art.º 391.º do CT:

“1 - Em substituição da reintegração, o trabalhador pode optar por uma indemnização, até ao termo da discussão em audiência final de julgamento, cabendo ao tribunal determinar o seu montante, entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude decorrente da ordenação estabelecida no artigo 381.º.

2 - Para efeitos do número anterior, o tribunal deve atender ao tempo decorrido desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão judicial.

3 - A indemnização prevista no n.º 1 não pode ser inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades.”

Na sentença recorrida a indemnização foi fixada em 35 dias de retribuição por ano completo ou fração de antiguidade.

Na fixação da indemnização dentro dos parâmetros fixados pelo art.º 391.º, n.º 1, impõe-se ao tribunal que atenda ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude decorrente da ordenação estabelecida no art.º 381.º do mesmo código, de tal forma que quanto maior for a retribuição menor deverá ser o valor da indemnização e que quanto maior for o grau de ilicitude maior será a indemnização.

Importa ainda ter em atenção que, nos termos do n.º 2 do citado preceito legal, o tribunal deve ter em conta o tempo decorrido desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão judicial, o que significa que a antiguidade a atender para determinação da indemnização deve ser tida em conta até ao trânsito em julgado da sentença que declare a ilicitude do despedimento e não até à data do despedimento ou até à data da prolação da sentença.

No caso concreto, a retribuição base das autoras à data do despedimento, correspondia à retribuição mínima mensal garantida, que à data era de € 665,00 (DL n.º 109-A/2020 de 31/12), apontando no sentido de que o valor da indemnização se afaste do mínimo legal.

O grau de ilicitude dos despedimentos, que deve ser apreciado em função dos motivos que a determinam, é acima da média, já que resulta quer da inexistência dos motivos invocados, incluindo em violação de normas imperativas da Diretiva supra identificada, quer de não ter sido precedido do procedimento legal (art.º 381.º, als. b) e c) do CT), apontando no sentido do afastamento da indemnização do valor médio legal. Contudo, não podemos ignorar que estão em causa despedimentos cuja ilicitude não é, face à matéria de facto que está provada, imputável à recorrente, que, de resto, nenhum contacto teve com as trabalhadoras, ainda que seja ela que tem de suportar as consequências legais de tal ilicitude, o que, mitigando o grau de ilicitude, deverá também mitigar o valor da indemnização a fixar.

Por conseguinte, afigura-se-nos ser de fixar um valor indemnizatório correspondente à média legal, ou seja, a 30 dias de retribuição por cada ano de antiguidade ou fração.

No que respeita ao valor da retribuição a considerar, importa atender à auferida na data do despedimento, ou melhor, na data em que a cessação do contrato chega ao conhecimento do trabalhador, não se vislumbrando, nem tendo sequer sido invocado na sentença recorrida, fundamento para considerar de modo diverso.

Assim, importa revogar parcialmente a sentença, fixando-se as indemnizações devidas a cada uma das trabalhadoras, à razão de 30 dias de retribuição por ano de antiguidade ou fração, considerando-se, para tanto, a retribuição devida à data do despedimento que, em ambos os casos era de € 665,00 e a antiguidade que se vencer até ao trânsito em julgado.

O recurso, procede, pois, apenas parcialmente.


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Atento o decido e o disposto pelo art.º 527.º do CPC, as custas do recurso são da responsabilidade da recorrente e das recorridas na proporção do decaimento relativamente a cada uma das ações, sem prejuízo quanto a estas do apoio judiciário com que litigam.

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Decisão

Por todo o exposto acorda-se julgar o recurso parcialmente procedente e, em consequência:

I - revoga-se a sentença recorrida na parte relativa ao valor da indemnização de antiguidade devida a cada uma das autoras, condenando-se a recorrente a pagar a cada uma delas indemnização calculada à razão de 30 dias de retribuição no valor de € 665,00 (seiscentos e sessenta e cinco euros), por ano de antiguidade ou fração, contabilizando-se esta até ao trânsito em julgado;

- mantém-se a sentença recorrida em tudo mais.


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Custas pela recorrente e pelas recorridas na proporção do decaimento relativamente a cada uma das ações, sem prejuízo quanto a estas do apoio judiciário com que litigam.

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Notifique.

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Porto, 02/06/2025
Maria Luzia Carvalho
Sílvia Saraiva
Teresa Sá Lopes [vencida nos termos da declaração que se segue:
Voto de vencida
A divergência que expresso relativamente à posição que obteve vencimento, limita-se à exclusão da responsabilidade da 1ª Ré que fica decidida.
Sobre situação similar à dos presentes autos, fui relatora do acórdão desta secção, proferido no processo nº 9158/21.4T8VNG.P1, em 24 de Fevereiro de 2025, disponível in www.dgsi.pt.
Nas palavras do TJUE, no acórdão de 26 de março de 2020, ISS Facility Services, C-344/18, EU:C:2020:239, nº 26 “há que recordar, desde logo, que a Diretiva 2001/23 tem por objetivo assegurar a manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de mudança de empresário, permitindo‑lhes ficar ao serviço da nova entidade patronal nas mesmas condições que as acordadas com o cedente. A finalidade desta diretiva é assegurar, tanto quanto possível, a continuação dos contratos ou das relações de trabalho com o cessionário, sem modificação, a fim de impedir que os trabalhadores em causa sejam colocados numa posição menos favorável apenas por causa dessa transferência […].” (sublinhado introduzido)
Ainda segundo o TJUE, no mesmo acórdão ISS Facility Services, nº 26 “[…] além disso, importa precisar que, embora, de acordo com o objetivo da referida diretiva, se deva proteger os interesses dos trabalhadores afetados pela transferência, não se pode ignorar os do cessionário […] A Diretiva 2001/23 não tem unicamente por objetivo salvaguardar os interesses dos trabalhadores, aquando de uma transferência de empresa, mas pretende assegurar um justo equilíbrio entre os interesses destes últimos, por um lado, e os do cessionário, por outro (v., neste sentido, Acórdão de 18 de julho de 2013, Alemo‑Herron e o., C‑426/11, EU:C:2013:521, n.º 25).” (sublinhado introduzido)
Neste caso, importa considerar a cessação do contrato de franquia que existiu entre ambas as Rés, para exploração da loja em causa e os despedimentos ilícitos das Trabalhadoras levados a cabo pela 1ª Ré, ocorridos na véspera da transmissão da mesma loja.
Não resulta da matéria assente que o despedimento ocorrido se ficou unicamente a dever ao ato de transmissão do estabelecimento, o que justifica a condenação da 1ª Ré pelos pagamentos que se consideram devidos às Trabalhadoras, atento o procedimento ilícito que levou a cabo como Empregadora. A não ser assim, ou seja, não ficando a 1ª Ré responsável, a atuação desta, nada mais se tendo provado a este respeito, consubstancia-se numa mera transferência, para a 2ª Ré, que a tal não deu azo, da totalidade das consequências/custos daquele seu procedimento ilícito – a pretexto de uma transmissão de estabelecimento (que aqui se afiguraria claramente “hostil”) – o que salvo o muito e devido respeito, não pode ser ignorado ou admitido, pela proximidade que evidencia a uma atuação abusiva.]
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[1] Cfr. Ac. do STJ de 22/06/2022, processo n.º 2239/20.3T8LRA.C1.S1, acessível em www.dgsi.pt.
[2] Código do Trabalho Anotado, 2020, 13.ª ed., págs. 684/685.
[3] Código do Trabalho Comentado, 2024, 6.ª ed., pág. 850.
[4] Processo n.º 9438/14.5T2SNT.L2.S1, acessível em www.dgsi.pt. No mesmo sentido vd. o Ac. do STJ de 28/09/2017, processo n.º 1335/13.8TTCBR.C1.S1, acessível no mesmo sítio.
[5] Leal Amado, Contrato de Trabalho, 4.ª edição, pág. 424.
[6] Milena silva Rouxinol, em Direito do Trabalho, Relação Individual, 2.ª edição Revista e Atualizada, pág. 1153.
[7] Proc. n.º 1059/16.4T8PNF.P1.S1, acessível em www.dgsi.pt.