PLANTAFORMA DIGITAL
NÃO QUALIFICAÇÃO DA RELAÇÃO COMO LABORAL: POSSIBILIDADE DE DEFINIR O VALOR MÍNIMO A RECEBER PELA ATIVIDADE
DE ESCOLHER QUANDO PRESTA A ATIVIDADE E ONDE
DE REJEITAR AS OFERTAS QUE LHE SÃO FEITAS
DE SE PODER SUBSTITUIR E DE PRESTAR A SUA ATIVIDADE A TERCEIROS
Sumário

I - Estando em causa a qualificação da relação jurídica estabelecida entre as partes, e não se extraindo da matéria de facto provada que as partes tivessem alterado, a partir de 1 de Maio de 2023, os termos daquela relação, aplica-se o regime jurídico acolhido no Código do Trabalho de 2009, na versão anterior às alterações introduzidas pela Lei n.º 13/2023.
II - Estaremos próximos do contrato de trabalho se o credor da prestação goza do poder de determinar o modo concreto como a prestação há-de ser realizada, estando o devedor da prestação obrigado a cumprir as ordens e instruções do empregador respeitantes à execução ou disciplina do trabalho, bem como a segurança e saúde no trabalho, que não sejam contrárias aos seus direitos ou garantias. E estaremos próximos da prestação de serviços se, definido o resultado pretendido, o devedor da prestação goza de autonomia para organizar os meios para alcançar o resultado.
III - Não constitui contrato de trabalho a relação em que o estafeta trabalha nos dias que quer e nas horas que entende; é livre de aceitar o pedido ou de o rejeitar sem consequências; no mesmo período pode estar a trabalhar para outra entidade, incluindo empresas concorrentes da ré, não estando sujeito a qualquer dever de exclusividade ou não concorrência; e pode fazer-se substituir por outro estafeta da plataforma.

(Sumário da responsabilidade do Relator)

Texto Integral

Processo n.º 4420/23.4T8OAZ.P1

Origem: Comarca de Aveiro, Juízo do Trabalho de Oliveira de Azeméis

Acordam os juízes da secção social do Tribunal da Relação do Porto

Relatório

O Ministério Público intentou a presente ação especial de reconhecimento de contrato de trabalho contra Glovoapp Portugal, Unipessoal, Lda, pedindo que seja reconhecida e declarada a existência de um contrato de trabalho entre a ré e o trabalhador AA, por tempo indeterminado, fixando-se a data do seu início no dia 1/10/2021. Mais requereu que seja, oportunamente, comunicada a decisão nos termos do disposto no artigo 186.º-O, nomeadamente ao Instituto da Segurança Social, I.P. com vista à regularização das contribuições.

Alegou para o efeito, e em síntese, que[1]:

“A ré é uma plataforma digital que se dedica a prestar serviços à distância, tendo parceiros que vendem os seus produtos a clientes finais que são utilizadores da plataforma através do seu sítio na internet e da sua aplicação informática;

Os clientes solicitam através da plataforma produtos que são fornecidos pelos parceiros comerciantes da ré e, esta, para efetuar as entregas, organiza o trabalho de estafetas, designadamente o trabalhador aqui em causa, ficando a plataforma com os resultados desta atividade;

O trabalhador não tinha uma organização empresarial própria, prestando os seus serviços inserido na organização da ré, que fixa o respetivo preço;

O referido trabalhador efetua serviços de entrega nos termos e condições definidos pela ré, que fixa a respetiva retribuição e condições de pagamento sem qualquer negociação com o trabalhador;

É a ré quem negoceia os preços com os comerciantes e cobra o valor aos clientes, que não paga diretamente ao trabalhador, podendo haver pagamentos em dinheiro que, quando excede determinado valor, implica um depósito pelo trabalhador na conta da ré, podendo esta determinar que aquele fique com algum valor por conta da retribuição a receber;

A ré compensava o IVA ao prestador de atividade;

O valor da retribuição dependia de um valor fixo por entrega, um valor dependente do número de quilómetros percorridos e outros valores dependentes de outros fatores, cabendo ao prestador fixar um multiplicador entre 0,9 e 1,1 aplicável à totalidade da retribuição;

O trabalhador ficava sujeito ao poder de direção e autoridade da ré, que ditava as regras do exercício da atividade, designadamente nas condições gerais, concretamente quanto às características da mochila a utilizar e às regras para iniciar a atividade e ficando obrigado a efetuar controlo biométrico quando solicitado, o que fazia;

O trabalhador está coberto por seguros fornecidos pela ré e esta impõe que o trabalhador tenha seguro do veículo válido;

O trabalhador é advertido de que deve agir com boa educação para com os clientes, sob pena de ser mal avaliado por estes e, em caso de uso de linguagem ou atitudes abusivas, poder ser, temporária ou definitivamente, impedido de prestar atividade;

Para além do controlo biométrico, a ré acompanhava o trabalho do trabalhador através do sistema GPS, que tinha de estar sempre ligado e quando não estava, o trabalhador recebia um alerta na aplicação informática e não podia continuar a atividade;

Durante a atividade de entrega o cliente acompanha na aplicação o trabalhador em tempo real, sabendo onde o mesmo se encontra, sendo definida uma rota pela platafoma;

A ré monitoriza o tempo de disponiblidade do estafeta, o multiplicador escolhido e a proximidade ao ponto de recolha, atribuíndo mais pedidos a quem é mais disponível, tem menor multiplicador e está mais próximo do ponto de recolha através de gestão algoritmica;

O prestador de atividade exercia atividade em horários determinados pela plataforma e apenas no horário de funcionamento desta;

O trabalho do prestador de atividade é avaliado na plataforma pelos clientes;

A plataforma aplica sanções ao prestador de atividade, mais concretamente com reduções nos pagamentos, bloqueios temporários e definitivos da conta, bem como através da atribuição de menos pedidos; e

O estafeta é proprietário do veículo e outros instrumentos de trabalho, mas a ré é proprietária da aplicação informática através da qual se organiza a atividade.”

A ré apresentou Contestação (refª 15544146) alegando, em síntese, que:

“A ação de fiscalização em causa foi efetuada no âmbito de uma ação de reclassificação geral do vínculo de centenas de prestadores de atividade, sem intenção de atender à situação do caso concreto, como se a norma do artigo 12.º-A, n.º 1, do Código do Trabalho, fosse automática e não resultasse de uma presunção ilidível, o que significa que se trata de uma reclassificação massiva ilegal;

A ré opera uma plataforma digital de intermediação tecnológica, mediando transações entre diversos tipos de utilizadores – clientes finais, comerciantes e distribuidores – aos quais cobra taxas pela utilização da plataforma que constituem as suas receitas – respetivamente: taxa de serviço, taxa de parceria e taxa de plataforma –, agindo como mero agente intermediário dos pagamentos entre os diversos utilizadores e, como tal, não pode haver uma relação de trabalho entre os prestadores de serviços e a plataforma;

A relação iniciou-se antes de 1 de maio de 2023 e, por isso, o artigo 12.º-A, n.º 1, do Código do Trabalho, não se aplica ao caso concreto;

Não se verificam igualmente as características previstas para preenchimento da presunção de laboralidade, na medida em que o trabalho não é efetuado na plataforma, a retribuição resulta de um multiplicador escolhido pelo prestador de atividade e não se tem em conta a gratificação do utilizador-cliente; é o prestador que define o número de pedidos que aceita, podendo recusá-las, escolhendo conetar-se ou desconetar-se quando desejar e em quantas plataformas pretende trabalhar; todos os elementos, documentos e equipamentos exigidos dependem de regras de segurança ou legais; a geolocalização apenas tem de estar ligada para recebimento de pedidos, podendo ser desligada após isso; não existe um sistema de avaliação, mas apenas uma avaliação facultativa e qualitativa dos clientes, que a ré apenas consolida e torna visível ao prestador e não afetam a apresentação de pedidos; o prestador de atividade pode ligar-se ou desligar-se quando quiser, não estando sujeito a quaisquer horários, nem a tempos mínimos de disponibilidade; o prestador de atividade pode aceitar ou recusar os pedidos efetuados; a plataforma permite a utilização de subcontratados ou substitutos; a aplicação informática não é um equipamento ou instrumento de trabalho e os principais equipamentos e instrumentos de trabalho são o veículo e o telemóvel que são do prestador de atividade.

Assim sendo, não se verifica sequer a presunção de laboralidade, porque não existe subordinação, pois é necessário ter em conta (i) o elevado grau de autonomia, evidenciado, entre outros aspetos, pela possibilidade de se ligar ou desligar livremente ou pela possibilidade de rejeitar um serviço é um forte indício negativo de laboralidade, (ii) a possibilidade de prestar serviço para concorrentes e (iii) a possibilidade contratual de o prestador de serviços se fazer substituir por outra pessoa contratada para o efeito.

Em termos jurídicos, a ré invoca ainda o seguinte:

A inconstitucionalidade do processo, inserido numa ação de reclassificação em massa, por violação de direitos, liberdades e garantias da Ré, em especial os direitos de defesa e a uma tutela jurisdicional efetiva, tendo em conta o número de procedimentos que deram origem a ações de reconhecimento de contratos de trabalho, não havendo uma possibilidade real e efetiva de exercício do contraditório numa situação de igualdade de armas, sobretudo com a recusa de prorrogação do prazo para resposta;

Os artigos 12.º e 12.º-A do CT, conjugados com os n.º 1 e 3 do artigo 15.º-A da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, quando interpretados no sentido de que a ACT os pode utilizar como instrumentos repressivos para visar um concreto setor de atividade (i.e., as plataformas digitais de intermediação tecnológica, particularmente, as que serviços de entrega), numa reclassificação setorial dos vínculos que titulam a prestação da atividade, independentemente das circunstâncias de facto concretas, da forma de operar de cada plataforma digital, das expectativas dos operadores económicos envolvidos – nomeadamente, os prestadores de serviços (estafetas) – e da prova dos factos de base das “presunções” aplicáveis, são inconstitucionais por violação dos princípios da proteção da confiança, da segurança jurídica e da não discriminação, previstos nos artigos 2.º e 13.º da CRP, e da liberdade de escolha de géneros de trabalho, previsto no artigo 47.º da CRP;

A não verificação de indícios negativos de subordinação jurídica no âmbito da aplicação de uma presunção de laboralidade viola o Direito da União Europeia, mais concretamente, por um lado, apesar de não existir um conceito jurídico de trabalhador, a Diretiva 2003/88 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de novembro de 2003, relativamente a determinados aspetos da organização dos tempos de trabalho, tem como pressuposto a sua aplicabilidade apenas a pessoas com contrato de trabalho subordinado e, por outro lado, a prestação de serviços enquadra-se no âmbito da liberdade de estabelecimento, prevista no artigo 49.º TFUE, e a liberdade de prestação de serviços, prevista no artigo 56.º do mesmo TFUE, e a liberdade de trabalhar e liberdade de emprega decorrem dos artigos 15.º e 16.º CDFUE, pelo que os prestadores de serviços da Ré, seja o estafeta em causa, sejam outros estafetas na sua posição, e a própria Ré, no âmbito da relação acordada, exercem a sua liberdade de estabelecimento, de prestação de serviços de condução de um negócio, de acordo com os artigos 15º e 16º da CDFUE.

Perante isto, caso o Tribunal considere haver uma dúvida de interpretação do Direito da União Europeia, tendo em conta o princípio do primado do Direito da União Europeia e a necessidade de harmonização da interpretação da legislação nacional em conformidade com o referido Direito da União Europeia, deverá reenviar previamente ao TJUE para avaliar a conformidade daquelas normas com o direito da União Europeia.

Nesse caso, nos termos do artigo 267.º do TFUE, requer-se a este Tribunal que suspenda a instância e remeta ao TJUE as seguintes questões:

a) A contratação de serviços numa situação como a dos Autos constitui uma forma de exercício da liberdade de estabelecimento e da livre prestação de serviços garantidas pelos Tratados da União Europeia?

b) Pode a aplicação de uma presunção de laboralidade (como a do artigo 12.º e/ou do artigo 12.º-A do CT, que estabelece uma presunção de subordinação jurídica), que não admita que a presunção seja ilida mediante a verificação de critérios indiciários negativos, ser considerada uma restrição à liberdade de estabelecimento e à liberdade de prestação de serviços? Em caso afirmativo, pode tal restrição ser considerada conforme com as exigências do Direito da União Europeia que impendem sobre Portugal por força dos artigos 49.º e 56.º do TFUE?

c) A prestação de serviços efetuada em condições de auto-organização, de liberdade de aceitação e recusa, sem exclusividade nem restrições de concorrência, que caracterizam as que estão em causa no presente processo, pode ser considerada trabalho subordinado à luz do Direito da União Europeia e da jurisprudência do TJUE e, portanto, sujeita às disposições do artigo 31.º, n.º 2, da CDFUE?

d) Tendo em conta o conceito de trabalho subordinado inerente ao Direito da União Europeia, a verificação de alguns dos seguintes indícios deve ser considerada suficiente para afastar uma presunção de subordinação jurídica nos termos do direito nacional?

i) O prestador de serviços pode recorrer a subcontratados ou substitutos para a execução do serviço que se comprometeu a prestar;

ii) O prestador de serviços pode aceitar ou não as várias tarefas propostas pelo seu suposto empregador, ou fixar unilateralmente o número máximo dessas tarefas;

iii) O prestador de serviços pode prestar os seus serviços a terceiros, incluindo concorrentes diretos do pretenso empregador, e

iv) O prestador de serviços pode fixar as suas próprias horas de "trabalho" dentro de certos parâmetros e adaptar o seu tempo às suas conveniências pessoais e não apenas aos interesses do suposto empregador,”

e) Caso se considere que os serviços prestados em condições análogas às do presente processo podem ser qualificados como uma relação de trabalho, ser-lhes-á aplicável a Diretiva 2003/88 relativa a determinados aspetos da organização do tempo de trabalho, nomeadamente os limites diários, semanais e mensais do tempo de trabalho nela previstos (artigos 3.º a 7.º), bem como as regras relativas às férias anuais nela previstas?

f) Em caso de resposta afirmativa à questão anterior, como deve ser calculado o tempo de trabalho e como devem ser aplicados os limites de tempo de trabalho previstos na Diretiva referida na questão anterior?”

Notificado do teor da contestação e para se pronunciar, querendo, pelo Ministério Público foi apresentado articulado de Resposta (refª 315578325).

Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento (refªs 133600795, 133737697, 133978410 e 134124657) na sequência da qual foi proferida sentença (refª 134177385) que julgou a ação procedente reconhecendo a existência do contrato de trabalho nos termos peticionados.

Inconformada, a ré interpôs o presente recurso (refª 16639373). Formulou as seguintes CONCLUSÕES:

(…)

O Ministério Público apresentou contra-alegações (refª 41250754) defendendo que deve ser negado provimento ao recurso. Formulou as seguintes CONCLUSÕES:

(…)

O tribunal a quo proferiu despacho (refªs 135819111 e 136291814) pelo qual:

- admitiu o recurso da ré, como de apelação, com efeito devolutivo;

- admitiu o recurso subordinado do autor, como de apelação, com efeito devolutivo.

Nesta Relação o Ministério Público não emitiu Parecer (refª 18967668).

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Questões a decidir

Conforme vem sendo entendimento uniforme, e como se extrai do nº 3 do art.º 635º do Código de Processo Civil (cfr. também os art.ºs 637º, nº 2, 1ª parte, 639º, nºs 1 a 3, e 635º, nº 4 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013 de 26 de Junho – todos aplicáveis por força do art.º 87º, nº 1 do Código de Processo do Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 480/99 de 9 de Novembro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 295/2009 de 13 de Outubro), o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação apresentada, sem prejuízo, naturalmente, das questões de conhecimento oficioso.

Assim, são as seguintes as questões a que temos que dar resposta:

- se a decisão da matéria de facto deve ser alterada nos termos propostos pela ré;

- se deve ser qualificada como contrato de trabalho a relação entre AA e a ré.

Fundamentação

Factos provados

Porque tem interesse para a decisão do recurso, desde já se consignam os factos dados como provados na sentença de 1ª instância, objeto de recurso.

1. A Ré dedica-se a atividades relacionadas com as tecnologias de informação e informática (CAE 62090) e comércio a retalho por correspondência ou via internet (47910), sendo a sua sede na Rua ..., em Lisboa.

2. No âmbito da sua atividade, a Ré disponibiliza serviços à distância através de meios eletrónicos, nomeadamente através do sítio da internet e da aplicação informática (app) pertencente à Plataforma GlovoApp a pedido de utilizadores.

3. Os clientes da Ré, quer os clientes finais/consumidores, quer os estabelecimentos aderentes/parceiros, são da plataforma e é esta que contacta com o mercado e disponibiliza toda a rede de suporte para o desenvolvimento da atividade.

4. (eliminado nesta sede recursiva).

5. Os resultados da plataforma não pertenciam ao prestador, mas sim à plataforma que recebe os valores dos clientes.

6. (eliminado nesta sede recursiva).

7. O prestador de atividade prestava a sua atividade a clientes que solicitavam entrega de produtos à ré, sendo a plataforma que estabelece todos os aspetos relativos à recolha e entrega dos produtos e ao respetivo preço.

8. (eliminado nesta sede recursiva).

9. O prestador de atividade não podia realizar a sua tarefa se estivesse desligado da plataforma.

10. O serviço de entrega é concebido e organizado pela plataforma de forma a providenciar um serviço estandardizado aos clientes.

11. A prestação de atividade de AA era efetuada numa localização determinada traduzida na zona da cidade de São João da Madeia, que abrangia áreas de Santa Maria da Feira e de Oliveira de Azeméis e, em cada serviço, entre o ponto de recolha (restaurante ou comerciante) e o ponto de entrega (cliente) que lhe eram indicados pela ré.

12. No dia 8.09.2023, pelas 11h30m, conforme verificado por inspetor da Autoridade para as Condições do Trabalho, AA encontrava-se no restaurante McDonalds, sito na Avenida ..., em ..., a prestar a sua atividade de estafeta.

13. O prestador de atividade registou-se na aplicação da ré e acordou com a Ré, ao aceitar os seus termos e condições, que, através da aplicação acima referida, iria prestar atividade como estafeta seguindo os termos que a mesma lhe indicasse;

14. Incumbia-lhe distribuir e entregar produtos alimentares adquiridos por terceiros por meio da plataforma eletrónica da “GLOVO”, encontrando-se naquele momento a executar um pedido.

15. A ré, através da sua plataforma digital, fixava o preço de cada entrega a efetuar; (alterado nesta sede recursiva)

16. Quando um cliente formulava um pedido na aplicação da plataforma digital e este, de acordo com os critérios definidos no algoritmo da ré, era direcionado para o estafeta que acedia ao pedido, a plataforma facultava o acesso aos seguintes conteúdos: a) pedido formulado pelo cliente; b) valor a pagar (ou já pago) pelo cliente correspondente ao pedido; c) endereço de entrega; d) distância a percorrer pelo estafeta até ao local de entrega e; e) valor pecuniário associado à entrega a desenvolver.

17. O valor a pagar ao estafeta, designado por “total ganho”, no momento da inspeção compreendia: uma componente fixa designada por “tarifa base”, neste caso, no valor de €1,40 e uma componente variável resultante da conjugação das seguintes rubricas: €0,25 por cada km percorrido pelo estafeta desde o local de recolha do pedido (em regra restaurante, mas poderia ser qualquer outro tipo de produtos dos estabelecimentos aderentes da plataforma) até ao endereço de entrega do mesmo (os quilómetros percorridos são os definidos na rota dada pelo “google maps”); uma percentagem variável em função da hora do pedido/entrega, época do ano ou condições climatéricas ou promoções, designadas por “compensação por hora de ponta”; uma componente variável dependente do tempo de espera no ponto de recolha para além de um certo período de tempo, com o valor por minuto de, pelo menos, 0,05€; e uma componente variável designada por “multiplicador” cujo valor é definido pelo próprio e, o altera, entre os quocientes 0,90 a 1,10 – limites mínimo e máximo pré-definidos pela plataforma, podendo ser alterado apenas uma vez por dia pelo prestador da atividade.

18. A escolha dos estafetas é feita em função de determinados critérios definidos pela plataforma.

19. O prestador da atividade só tinha acesso ao valor a receber pela tarefa/entrega depois de a aceitar, não negociando qualquer valor, limitando-se a aceitar as condições da plataforma.

20. A plataforma pagava diretamente ao prestador de atividade e processava os pagamentos a efetuar.(alterado nesta sede recursiva)

21. É a plataforma quem negoceia os preços e condições com os titulares dos estabelecimentos.

22. O cliente final pagava à plataforma e não ao prestador de atividade.

23. A fatura era emitida pelo restaurante ao cliente final e nunca ao prestador de atividade;

24. O pagamento da plataforma ao estafeta era quinzenal e efetuava-se por transferência bancária.

25. A plataforma permitia que o cliente pagasse em dinheiro ao estafeta, ficando este com “dinheiro nas mãos” (saldo em mãos).

26. Nesse caso, o valor em numerário entregue pelos clientes ao prestador de atividade era compensado no pagamento quinzenal efetuado pela plataforma, mas quando o mesmo excedesse um determinado limite pré-definido pela plataforma, deveria ser depositado à ordem da mesma em prazo determinado.

27. No pagamento feito ao prestador de atividade, a plataforma compensava o valor do IVA (Imposto sobre o Valor Acrescentado) suportado pelo estafeta findo o seu primeiro ano de isenção, o que significa que esse valor era suportado pela plataforma após comunicação desse facto pelo estafeta.

28. A plataforma exige ao prestador de atividade que utilize uma mochila isotérmica, com requisitos definidos pela plataforma, não podendo escolher outro tipo ou meio de conservação ou transporte de alimentos.

29. O prestador de atividade foi instruído de que tem de tratar os clientes finais com cordialidade;

30. Para que o estafeta possa receber pedidos efetuados por clientes dos parceiros de negócio da plataforma e consequentemente prestar os serviços de entrega aos clientes finais, o prestador de atividade tem de efetuar o registo prévio do prestador de atividade na plataforma da “GLOVO”, registo esse efetuado através de criação de conta no website da Glovo: https://delivery.glovoapp.com/pt/

31. Para tanto, o prestador de atividade esteve obrigado a enviar os seus documentos de identificação à plataforma, em concreto, declaração de início de atividade como trabalhador independente, com o código ...19 (outros prestadores de serviços), e passaporte. (alterado nesta sede recursiva)

32. No decurso do processo de inscrição, foram disponibilizados ao prestador de serviço vídeos informativos. (alterado nesta sede recursiva)

33. O prestador de serviço, no seu processo de registo, escolheu a cidade de São João da Madeira, tendo ficado a desenvolver a sua atividade na localidade selecionada, mas cuja área de abrangência é definida pela plataforma (neste caso, concelhos de Oliveira de Azeméis, São João da Madeira e Santa Maria da Feira), podendo ir para outra zona se o requerer e depois de, feitas as verificações necessárias e as alterações técnicas ao sistema, ser criada uma nova conta. (alterado nesta sede recursiva)

34. No decurso da criação de conta o prestador de atividade, como passo obrigatório para o completar, identificou qual o tipo de veículo a utilizar no exercício das suas funções. (alterado nesta sede recursiva)

35. Para o desempenho da atividade o prestador de serviço, através da plataforma da ré, fica dependente da utilização da aplicação digital “app Glovo Couriers”, que descarregou e instalou no seu telemóvel.

36. O estafeta pagava uma taxa de utilização da plataforma de 1,85€ por quinzena, que incluía o acesso e a cobertura de seguro de responsabilidade civil contratado pela plataforma, titulado pela seguradora A..., podendo, em caso de sinistro, reportar tal facto à Seguradora. (alterado nesta sede recursiva)

37. O estafeta está abrangido por seguro de responsabilidade civil contratado e disponibilizado pela plataforma, titulado pela Chubb com a apólice n.º ...12, sendo tomador do seguro a GLOVO e estando o estafeta coberto durante o período de tempo que selecionou para prestar o serviço à plataforma e a sua disponibilidade, que coincide com o momento em que entra na plataforma para registar que vai iniciar o serviço e termina uma hora após o fim dessa faixa horária, sendo ambos os momentos registados e cabendo à plataforma a rastreabilidade e o registo da rota do serviço efetuado pelo estafeta.

38. (passou para os factos não provados em sede recursiva)

39. O custo destes seguros é coberto pela taxa quinzenal de 1,85€ pago pelo prestador de atividade.

40. A GLOVO exigia que o prestador de atividade identificasse o seu rosto na aplicação com uma periodicidade variável para reconhecimento facial/controlo biométrico, para tanto o prestador de atividade tinha de tirar uma foto (selfie) e enviar para ser comparada com a constante da base de dados da GLOVO.

41. Este pedido de identificação era aleatório.

42. Os clientes a quem o estafeta fazia as entregas são da plataforma e é esta que contacta com o mercado, contrata com os clientes finais e com os estabelecimentos aderentes.

43. O estafeta, neste caso, AA, não celebrou qualquer acordo com os estabelecimentos aderentes da plataforma nem com os clientes finais. (alterado nesta sede recursiva)

44. Durante os períodos em que estava disponível na aplicação e durante o desenvolvimento das entregas pelo estafeta, o prestador de atividade mantinha a permissão de acesso ao GPS ativa, com recurso ao sistema de geolocalização, utilizando para o efeito o telemóvel pessoal do estafeta.

45. Para que lhe fosse atribuído serviço, o estafeta, através do seu telemóvel pessoal tinha de ter o sistema de GPS ligado, caso tivesse o sistema de GPS desligado recebia uma informação de alerta e não conseguia receber propostas.

46. O estafeta ao iniciar a sessão com os dados móveis e a localização ligados, no seu telemóvel pessoal, a plataforma passava a saber a sua localização.

47. Após a aceitação do pedido, quer a plataforma quer o cliente final passam a conhecer, em tempo real, a sua localização devido à geolocalização existente na App, fazendo a ré, através da plataforma, a partilha desses dados com o cliente final;

48. A rota a percorrer no percurso da entrega é definida pelo “Google maps”, sendo a distância percorrida, critério para definição da componente variável da retribuição do estafeta, podendo o estafeta desviar-se dessa rota.

49. O estafeta quando chegava ao ponto de recolha devia ativar na app o botão “cheguei” para que o parceiro fique a saber que este está no ponto de recolha e lhe fosse entregue o pedido.

50. Pelo menos até fevereiro de 2024, existiam avaliações facultativas dos clientes que incidiam sobre a atividade do estafeta e, até pelo menos, maio de 2023, a plataforma atribuia uma notação numérica, até 5, a cada estafeta, incluido o que está em causa nestes autos.

51. A plataforma informava o estafeta se o sistema de geolocalização estivesse desligado no telemóvel pessoal com a mensagem: «Ups! Ativar o serviço de localização».

52. Se o telemóvel pessoal do estafeta estivesse com a bateria a 20%, pelo menos, tinha menos possibilidade de receber pedidos.

53. (passou para os factos não provados em sede recursiva).

54. Através de gestão algorítmica, entre outros critérios, a plataforma distribui o serviço ao estafeta que estiver mais perto do ponto de recolha.

55. Pelo menos até maio de 2023, a avaliação feita pelos utilizadores do serviço prestado pelo estafeta influenciava a notação atribuída ao estafeta.

56. Até maio de 2023, em determinados dias da semana, a ré abria faixas horárias definidas pela plataforma que os estafetas escolhiam pela ordem da respetiva notação atribuída pela plataforma, escolhendo primeiro os estafetas com melhor nota numérica e só podiam aceder à plataforma e receber pedidos nas faixas horárias escolhidas.

57. A partir de maio de 2023, os estafetas passaram a poder ligar-se e desligar-se da plataforma de acordo com a sua escolha, desde que dentro do horário de funcionamento da plataforma, que na zona de São João da Madeira ocorre entre as 10h e as 23h.

58. Para o efeito, o estafeta acede à plataforma, através do seu telemóvel pessoal, informando que se encontrava em disponibilidade e liga o sistema de geolocalização para receber os serviços.

59. O prestador de atividade em causa nos autos fica disponível durante vários períodos do dia (por exemplo durante o período do almoço e do jantar) e durante vários dias da semana.

60. Pelo menos até maio de 2023, a plataforma suspendia temporariamente a possibilidade de receber pedidos, pelo menos, quando o estafeta fazia entregas fora da zona ou saía da zona durante a faixa horária que lhe estava atribuída, quando recusava mais de dois pedidos por dia, quando não fazia o reconhecimento facial positivo ou quando ao depositava o saldo em caixa determinado pela plataforma no prazo de 24 horas.

61. Atualmente, a plataforma suspende temporariamente a possibilidade de receber pedidos, pelo menos, quando não faz o reconhecimento facial positivo após um número não determinado de solicitações ou quando ao depositava o saldo em caixa determinado pela plataforma no prazo de 24 horas.

62. Os estafetas beneficiam de um clube de descontos designado Glovo +.

63. A Ré tem uma plataforma que se serve de um programa informático que atribui os pedidos em função de diversos critérios, não podendo o prestador de atividade exercer atividade através da ré sem utilizar esta aplicação ou o sítio da ré na internet.

64. (eliminado nesta sede recursiva).

65.(passou para os factos não provados em sede recursiva).

66. (eliminado nesta sede recursiva).

67. Em 1 de outubro de 2021 a Ré aceitou o registo e início do serviço de AA, após inscrição do mesmo na referida app, para exercer as funções de estafeta, mediante o pagamento de contrapartida de natureza monetária, paga com periodicidade quinzenal nos termos já referidos.

68. Desde 1/10/2021 e até meados de Junho de 2024, o referido AA vem exercendo as funções de estafeta efetuando distribuição e entrega de produtos alimentares adquiridos por terceiros por meio da plataforma eletrónica da GLOVO, o que fez durante vários períodos do dia (por exemplo durante o período do almoço e do jantar) e durante vários dias da semana, apresentando-se aos comerciantes e clientes como estafeta da ré, quase todos os dias, prestando a sua atividade nas áreas dos concelhos de São João da Madeira, Oliveira de Azeméis e Santa Maria da Feira. (alterado nesta sede recursiva)

69. Para o efeito, o prestador de atividade utiliza a aplicação informática da ré que descarregou e instalou no seu telemóvel.

70. A Ré junta, através da sua aplicação, três tipos de pessoas/entidades que denomina de utilizadores de serviços da plataforma:

− Os estabelecimentos comerciais, sejam restaurantes ou outros estabelecimentos aderentes;

− Os denominados utilizadores prestadores de serviços, normalmente designados por estafetas; e

− Os utilizadores clientes.

71. Para os restaurantes ou estabelecimentos comerciais, a utilização dos serviços tecnológicos da Ré traduz-se no acesso à visibilidade e promoção da lista de estabelecimentos presente na aplicação, permitindo-lhes conectarem-se, via aplicação, com os utilizadores finais e obter um serviço de entrega executado através dos utilizadores prestadores dos serviços.

72. Para os denominados utilizadores prestadores de serviços, o acesso à plataforma da Ré significa a possibilidade de executarem serviços de entrega, podendo conectar-se ou desconectar-se em qualquer altura de acordo com a possibilidade de escolherem os pedidos que pretendem realizar – e podendo conectar-se a outras plataformas –, obtendo rendimentos.

73. Para o utilizador cliente, o acesso à plataforma significa a possibilidade de ter acesso aos produtos vendidos pelos estabelecimentos e, se solicitado, aos serviços de entrega executados, em curto prazo, pelos denominados utilizadores prestadores de serviços.

74. A ré deduz na fatura quinzenal do prestador de atividade uma taxa que denomina de “taxa de plataforma” no valor de € 1,85.

75. Por vezes os utilizadores finais, via plataforma, solicitam aos denominados utilizadores prestadores de serviços de entrega, sem efetuar qualquer aquisição junto dos estabelecimentos comerciais utilizadores da plataforma;

76. A Ré não impõe aos prestadores de serviço a aquisição obrigatória de mochila com a sua marca, nem proíbe que os mesmos prestadores realizem o serviço através da utilização de marcas dos seus concorrentes.

77. É possível executar a entrega sem a geolocalização ativada, emitindo a aplicação um aviso com a seguinte mensagem: «Ups! Ativar o serviço de localização»; e tendo o estafeta de recorrer a outros meios, diferentes dos normalmente usados para assinalar a chegada ao estabelecimento e a conclusão da entrega para poder receber o seu pagamento e obter novos pedidos.

78. Após maio de 2023,os clientes finais eram convidados a dar um feedback que, em princípio, não influênciava a oferta de novos pedidos.

79. Após este momento, a Ré consolidava a informação obtida dos clientes e tornava-a visível para o prestador da atividade.

80. Após maio de 2023,o prestador da atividade, dentro do horário de funcionamento entre as 10h e as 23h, pode ligar ou desligar em qualquer momento, não tendo que cumprir qualquer horário predefinido nem tendo de cumprir qualquer limite mínimo de tempo de disponibilidade.

81. Antes de maio de 2023, o prestador de atividade tinha de escolher faixas horárias definidas pela ré, de acordo com uma prioridade atribuída por esta em função da notação numérica que esta lhe atribuía, só podendo ligar-se nessas faixas horárias e ficando impedido de exercer atividade nessas faixas caso não se ligasse nesses períodos ou recusasse mais de dois pedidos.

82. Após maio de 2023, estando ligado, o prestador da atividade pode aceitar ou recusar os pedidos, sem penalização;

83. Antes de maio de 2023, estando ligado, o prestador da atividade podia aceitar ou recusar os pedidos, até ao limite de duas recusas diárias, sob pena de ficar impossibilitado de exercer atividade nessa faixa horária e na seguinte;

84. (eliminado nesta sede recursiva).

85. O veículo e o telemóvel utilizados são do prestador da atividade.

86. O prestador da atividade suporta os custos da manutenção e reparação dos equipamentos utilizados no âmbito da sua atividade, suportando todos os custos relacionados com a sua atividade.

87. O prestador da atividade não utiliza um uniforme identificativo da Ré, podendo, como qualquer outra pessoa, comprar merchandising da Ré na sua loja on-line.

88. O prestador de atividade pode alterar o percurso e as rotas;

89. O prestador de atividade escolheu com que viatura executa as tarefas de entrega;

90. Mesmo depois de iniciada a prestação, enquanto não recolher a encomenda, o prestador de atividade pode optar por desistir da mesma livremente;

91. O prestador de atividade recebe instruções, via plataforma, para se deslocar ao estabelecimento, para assinalar a chagada ao estabelecimento, carregando no botão “cheguei”, para se deslocar ao local de entrega e para assinalar a conclusão da entrega;

92. O valor da faturação é variável, em função das características de cada serviço e do número de serviços aceites pelo prestador de atividade;

93. Os termos e condições permite ao prestador de atividade exercer outras atividades, incluindo atividades de entrega para outras plataformas semelhantes ou diretamente para estabelecimentos e subcontratar a sua conta nos termos a seguir indicados.

94. Em maio de 2023, a ré introduziu alterações nos termos contratuais e no funcionamento da sua aplicação, através da qual os estafetas operam, abrangendo designadamente os seguintes aspetos:

1)- eliminação da exigência da indicação pelos estafetas, duas vezes por semana, de slots de horário previamente definidos pela plataforma;

2)- eliminação da avaliação do cliente que determinam a atribuição ao estafeta de uma nota quantitativa, entre 0 e 5, que define a prioridade dos estafetas nas escolhas dos slots de horário;

3)-eliminação da atribuição a um certo número de recusas de entregas na consequência de perda de slots de horário em causa e, eventualmente, do seguinte com abertura de vagas nesses horários para outros estafetas;

4)- introdução de um multiplicador entre 0,9 e 1,1 a aplicar à retribuição da entrega, escolhida uma vez por dia pelo estafeta que, em outubro/novembro de 2023 passou para o intervalo entre 1 e 1.1.

95. Dos termos e condições relativos aos utilizadores estafetas consta, para além de tudo o mais, o seguinte:

«(…)

As Partes podem cessar os Serviços pelas seguintes razões:

1. Por vontade própria, em qualquer altura sem aviso prévio, salvo se acordado de outro modo por escrito.

2. Por violação de qualquer uma das obrigações previstas nos presentes Termos e Condições.

3. Em caso de impossibilidade de cumprir qualquer disposição dos presentes Termos e Condições.

4. O não cumprimento das Normas de Ética e Conduta Empresarial para Terceiros da GLOVO e/ou de qualquer outra Política da GLOVO aplicável a todos os Utilizadores da Plataforma.

5. Por violação da legislação local por parte do Estafeta que possa constituir uma violação do princípio de boa-fé entre as Partes.

6. Quaisquer outras circunstâncias resultantes em danos fiscais, de segurança social, financeiros, comerciais, organizacionais ou de reputação

para a outra Parte ou um Terceiro, independentemente do montante ou dimensão do dano causado.

7. A utilização da Plataforma GLOVO para fins abusivos ou fraudulentos suscetíveis de causar danos materiais e/ou imateriais a qualquer um dos

Utilizadores da plataforma.

8. Em situações de força maior, de acordo com a cláusula 8.5 destes Termos e Condições.

(…)

1. Em conformidade com o Código de Ética que rege todos os Utilizadores da Plataforma, utilizar a Plataforma para insultar, ofender, ameaçar e/ou agredir Terceiros, nomeadamente, Utilizadores Cliente, Estabelecimentos Comerciais, outros Estafetas e pessoal da GLOVO.

2. Violar a lei ou quaisquer outras disposições dos Termos e Condições Gerais ou outras políticas da GLOVO.

3. Participar em atos ou conduta violentos.

(…)

Caso não cumpra qualquer um dos presentes Termos e Condições, a GLOVO pode desativar a sua Conta, sem prejuízo de qualquer ação legal/ação que possa resultar de crimes, violações ou danos civis que possam ter sido causados.

(…)

5.4 Segurança dos Serviços e da Plataforma da GLOVO

5.4.1 Em certos casos, por uma questão de prevenção de fraudes, poderá ter de apresentar prova da sua identidade e/ou, se aplicável nos termos da legislação local, dos seus substitutos ou subcontratantes para aceder ou utilizar os Serviços e aceita que lhe pode ser negado acesso aos Serviços e à utilização dos mesmos se você ou os seus substitutos ou subcontratantes recusarem fornecer essa prova de identidade. A GLOVO pode também recorrer a terceiros fornecedores de serviços para efeitos de verificar a sua identidade ou a dos seus substitutos ou subcontratantes.

5.4.2 A GLOVO pode, mas não é obrigada, monitorizar, rever e/ou editar a sua Conta. A GLOVO reserva-se o direito de, em qualquer caso, eliminar ou desativar o acesso a qualquer Conta por qualquer motivo ou sem motivo, até mesmo se considerar, a seu critério exclusivo, que a sua Conta viola os direitos de terceiros ou direitos protegidos pelos Termos e Condições.

5.4.3 A GLOVO pode adotar essa ação sem aviso prévio feito a si ou a um terceiro. A eliminação ou desativação do acesso à sua Conta de Utilizador será a critério exclusivo da GLOVO e não há qualquer obrigação de eliminar ou desativar o acesso em relação a Estafetas específicos.

(…)

5.7 Sistema de Reputação

O Estafeta terá uma Reputação associada ao seu perfil fácil de usar e consultar. Este sistema é automático e é atualizado periodicamente à medida que os diferentes Utilizadores realizam transações na Plataforma GLOVO e está sujeito às regras aí contidas e sobre as quais os Utilizadores são informados no presente documento e/ou na APP e/ou através dos canais de comunicação apropriados, para que o conheçam exaustivamente e o considerem útil.

O sistema baseia-se em dados objetivos, informação numérica e métricas fornecidas pelos Utilizadores da Plataforma e os clientes do Estafeta: Utilizadores Cliente e Estabelecimentos Comerciais.

A GLOVO não manipula ou intervém no processo de formação da Reputação, mas apenas consolida informação objetiva obtida dos Utilizadores Cliente e Estabelecimentos Comerciais, beneficiários dos serviços do Estafeta.

A GLOVO não verifica a veracidade ou precisão dos comentários feitos por outros Utilizadores e não é responsável pelo que é expresso no sítio Web ou por outros meios, nomeadamente e-mail. Todas as informações fornecidas pelos Utilizadores serão incluídas no sítio Web sob a exclusiva responsabilidade do seu autor.

(…)

A geolocalização é uma informação importante e básica para a prestação do Serviço, porquanto serve apenas para informar o Estabelecimento Comercial ou o Utilizador Cliente da localização do Estafeta e, portanto, calcular o tempo de recolha ou entrega, mas que é também usada pela GLOVO para a oferta de pedidos. A proximidade do ponto de recolha é um dos critérios utilizados no momento da oferta do pedido, pelo que, se não estiver ativada, a GLOVO não poderá garantir que são oferecidos pedidos, ou que são razoáveis em termos do tempo previsto de recolha ou entrega.

Neste sentido, e sem prejuízo do sistema operativo do dispositivo do Estafeta que pede consentimento para o uso da geolocalização, a utilização desta informação é necessária para correta execução dos Termos e Condições.

Em todo o caso, o Estafeta pode desativar a geolocalização quando não está a usar a Plataforma, embora a GLOVO não use esta informação fora do âmbito da oferta de pedidos ou fora das horas em que o Estafeta está a usar a Plataforma.

De igual modo, é expressamente indicado que o Estafeta tem total liberdade de decisão em relação ao itinerário e/ou percursos escolhidos para a oferta e concretização dos seus serviços e em nenhum caso a Glovo utilizará esses dados para fins de controlo do Estafeta.

Neste sentido, a geolocalização é meramente temporária e não de modo algum exaustiva.

A informação de geolocalização pode também ser usado para efeitos de faturação (a fim de obter informações relativas à quilometragem e despesas atribuíveis), bem como em relação à segurança rodoviária, antiterrorismo, branqueamento de capitais ou prevenção de crimes contra a segurança pública, caso no qual pode ser partilhada com as autoridades competentes que a solicitem (por exemplo, Forças do Estado, órgãos do poder executivo ou da polícia).

Em qualquer caso, uma vez que a GLOVO apenas trata esta informação durante o tempo em que o Estafeta está a prestar serviços aos Utilizadores da Plataforma e em conformidade com as faixas horárias que escolheu, a informação comunicada a essas autoridades não terá impacto na esfera privada do Estafeta.

(…)

O utilizador da conta (doravante, o "Utilizador") não pode ceder ou subcontratar, total ou parcialmente, os direitos e obrigações decorrentes do uso da Plataforma sem comunicação prévia por escrito à GLOVO.

Para o efeito, o Utilizador informará a GLOVO por escrito, e antes da celebração de qualquer acordo de subcontratação, da sua intenção de subcontratar a sua conta, a identidade da pessoa com quem irá subcontratar, juntamente com a sua autorização de prestação de serviços e fotografia, para que a GLOVO tenha prova do subcontrato sem que tal notificação implique qualquer assunção de responsabilidade por parte da GLOVO, O Utilizador assegura a idoneidade do subcontratado e a garantia do resultado dos serviços por ele prestados a terceiros.

A fim de proteger a integridade do uso da plataforma, a GLOVO reserva o direito de rejeitar a possível subcontratação de utilizadores que tenham sido previamente desativados na plataforma por motivos técnicos ou relacionados a fraudes.

Em qualquer caso, o Utilizador deve estar registado nos Registos correspondentes e estar autorizado a prestar os serviços ou atividades sujeitas à subcontratação. O Utilizador será responsável por todas as obrigações e encargos fiscais e de Segurança Social aplicáveis à prestação dos seus serviços, quer pelos seus próprios meios, quer através de subcontratados, sem que a GLOVO tenha qualquer responsabilidade por infrações a este respeito. O Utilizador será exclusivamente responsável por garantir que os subcontratantes cumpram sempre a legislação local no âmbito da prestação dos serviços de entrega.

A GLOVO não intervém na relação contratual estabelecida entre o Utilizador e os seus subcontratados, pelo que o Utilizador será o único responsável, por sua conta e risco, que a modalidade contratual escolhida seja a ideal e que o contrato seja celebrado respeitando as disposições legais e de boafé, não sendo necessário que o Utilizador ou os seus subcontratados apresentem qualquer documentação a este respeito à Glovo.

A subcontratação será realizada através da utilização de uma única conta detida pelo Utilizador. Através da possibilidade de subcontratação, o Utilizador nomeia substitutos que poderão realizar a prestação de serviços em seu nome, podendo a conta ser utilizada por apenas uma pessoa de cada vez e ao mesmo tempo.

O Utilizador será responsável pelas violações dos Termos e Condições da plataforma por parte da(s) pessoa(s) subcontratada(s), bem como pela correta utilização da plataforma.

Os atos, erros ou violações dos Termos e Condições da plataforma por parte de qualquer subcontratado não serão atribuíveis, em caso algum, à GLOVO, que poderá redirecionar a responsabilidade ao Utilizador caso alguma violação por parte do Utilizador ou subcontratado lhe for imputada.

O Utilizador será responsável pelas obrigações dos subcontratados, mesmo no caso de notificação à GLOVO. Da mesma forma, o Utilizador isentará a GLOVO de quaisquer danos que a GLOVO possa sofrer direta ou indiretamente devido às ações dos referidos subcontratados.

Os valores provenientes da prestação dos serviços executados pelos subcontratados, pagos pelos clientes e estabelecimentos, utilizadores da plataforma, serão transferidos para o Utilizador, assumindo este a responsabilidade de gerir o pagamento dos referidos valores junto da(s) pessoa(s) subcontratada(s).

Desde que os requisitos acima sejam cumpridos, a pessoa subcontratada terá o mesmo acesso à cobertura de seguro de acidentes pessoais e responsabilidade civil que o titular da conta durante o tempo em que utilizar a plataforma. Estes seguros não excluem nem substituem os seguros obrigatórios pelo Utilizador ou pelo(s) seu(s) subcontratante(s) de acordo com a legislação aplicável.

O Utilizador será o único responsável pelo pagamento da taxa de utilização da plataforma da conta.

(…)».

Factos não provados

“1. A prestação de atividade do prestador de atividade em causa nestes autos era efetuada online e numa localização determinada onde tinha de ficar a aguardar pedidos.

2. Através de uma gestão algorítmica, a plataforma atribui mais trabalho aos estafetas que mais tempo estão “ligados” à plataforma e que mais aceitam pedidos e menos aos que se “desligam” da plataforma e mais rejeitam os pedidos.

3. Se o prestador de atividade ficar doente, tem como instruções de trabalho, requerer baixa médica pelo SNS e deve submeter na plataforma o documento em referência.

4. A ré através da aplicação aplicava sanções ao trabalhador, sancionando-o por uma pluralidade de condutas diferentes, como por exemplo: atrasos, ausências, más avaliações, períodos de indisponibilidade.

5. A ré determina as características do telemóvel pessoal e do meio de transporte.

6. A Ré presta meramente serviços de acesso e intermediação a diferentes tipos de utilizador da plataforma.

7. Por vezes os próprios utilizadores estabelecimentos comerciais, recebendo pedidos via plataforma e continuando obrigados ao pagamento da respetiva taxa de acesso, optam por recorrer aos seus próprios serviços de entrega, sem se conectar, via aplicação, com os utilizadores prestadores dos serviços;

8. Por vezes o utilizador final, através da plataforma, dirige pedidos aos estabelecimentos comerciais e usar a opção “take away”, sem fazer qualquer uso dos prestadores de serviços de entrega registados na plataforma;

9. Por vezes o prestador de atividade em causa nos presentes autos aceita e executa pedidos provenientes de outras plataformas, ou subcontrata os seus serviços a outros utilizadores prestadores de serviços de entrega, sem alterar os termos da relação com os utilizadores estabelecimentos comerciais e a plataforma.

10. O controlo biométrico, através do reconhecimento facial, é feito para a autenticação, por ser mais fácil fazer a autenticação através de reconhecimento facial, do que obrigar o prestador da atividade a retirar as luvas e digitar o código pessoal.”

11. A mochila térmica tem de ter as características indicadas pela ré.

12. Na formação referida, o prestador é informado que tem acesso ao seguro Qover caso esteja a utilizar a plataforma – está coberto enquanto estiver online até uma hora após ficar offline.

13. A Ré, através da plataforma, determina que o prestador tem de ativar o “permitir sempre a localização”

Cumpre decidir

Quanto a saber se a decisão da matéria de facto deve ser alterada nos termos propostos pela ré.

A recorrente pretende ver alterada a decisão relativa à matéria.

Tendo dado cumprimento ao disposto no art. 640º do CPC, importa conhecer da impugnação.

Antes de iniciarmos a análise crítica da prova importa tecer algumas considerações sobre os critérios de decisão.

Quanto ao standard de prova, para Teixeira de Sousa[i],

«A finalidade da prova é a formação da convicção do tribunal sobre a realidade de um facto e a veracidade de uma afirmação de facto. Segundo o grau de convicção exigida pela lei ao tribunal, isto é, segundo a exigência respeitante à fundamentação dessa convicção -, na prova lato sensu pode distinguir-se a prova stricto sensu, a mera justificação e o princípio de prova.

O grau de prova estabelece a medida da convicção que é necessária para que o tribunal possa julgar determinado facto como provado. A sua relevância apenas surge depois da apreciação da prova: só após o tribunal considerar que a parte cumpriu o ónus da prova relativamente a certo facto é que importa verificar se essa prova é suficiente para que, no processo pendente, esse órgão possa dar o facto como provado.

Esta distinção entre a apreciação da prova e a medida da prova aflora no artº 722º, nº2, no qual se estabelece que, enquanto o erro na apreciação da prova não constitui fundamento do recurso de revista, já o é o desrespeito pelo grau de prova exigido para a demonstração de certo facto.» - sublinhado nosso.

O professor Cavaleiro de Ferreira ensina[ii], a este propósito, que

«em processo civil o tribunal condena quando tem dúvidas para a absolvição e absolve quando tem dúvidas para a condenação e em processo penal o tribunal condena quanto tem certezas para a não absolvição e absolve quando tem dúvidas para a condenação, pelo que em processo civil as exigências de fundamentação são iguais para a condenação e para a absolvição e em processo penal as exigências de fundamentação são maiores para a condenação do que para a absolvição.»

Para o professor Lebre de Freitas[iii],

«No âmbito do princípio da livre apreciação da prova, não é exigível que a convicção do Julgador sobre a validade dos factos alegados pelas partes equivalha a uma certeza absoluta, raramente atingível pelo conhecimento humano. Basta-lhe assentar num juízo de suficiente probabilidade ou verosimilhança, que o necessário recurso às presunções judiciais (arts. 349 e 351 CC) por natureza implica, mas que não dispensa a máxima investigação para atingir, nesse juízo, o máximo de segurança. Quando no espírito do julgador, em vez da convicção, se forma a dúvida sobre a realidade dos factos a provar, nomeadamente como resultado do confronto entre a prova produzida pela parte onerada com o respectivo ónus e a contraprova oposta pela parte contrária (art. 346 CC), o facto não pode ser dado como provado, em prejuízo da parte onerada ou, na dúvida sobre a determinação desta, em prejuízo da parte a quem o facto aproveitaria (art. 516).» - sublinhado nosso.

Manuel Tomé Soares[iv] explica que

«Quanto ao critério da livre convicção, há que ter presente que o convencimento do julgador se deve fundar numa certeza relativa, histórico empírica, dotada de um grau de probabilidade adequado às exigências práticas da vida. Para a formação de tal convicção não basta um mero convencimento íntimo do foro subjectivo do juiz, mas tem de ser suportada numa persuasão racional, segundo juízos de probabilidade séria, baseada no resultado da prova apreciado à luz das regras da experiência comum e atentas as particularidades de cada caso.» - sublinhado nosso.

Ou seja, apesar de ser necessário que a decisão se funde na melhor aproximação possível à realidade empírica dos factos, é inevitável que se trate em todo o caso, e apenas, de uma aproximação. O standard de prova regra é o da probabilidade prevalecente sustentado num nível mínimo de corroboração de uma hipótese.


*

Quanto aos factos conclusivos, na versão anterior à reforma de 2013 o Código de Processo Civil previa no art.º 646º, n.º 4 que “têm-se por não escritas as respostas do tribunal colectivo sobre questões de direito e bem assim as dadas sobre factos que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes”. Conclusão que por analogia se aplicam às conclusões de facto, em particular quando têm a virtualidade de, por si só, resolverem questões de direito.

Apesar da revogação desta norma, a verdade é que, conforme ensina Abrantes Geraldes[v] “a decisão da matéria de facto pode apresentar patologias que não correspondem verdadeiramente a erros de apreciação ou de julgamento. Uma poderão e deverão ser solucionadas de imediato pela Relação, outras poderão determinar a anulação total ou parcial do julgamento.

(…)

Outro vicio que pode detetar-se, mas cuja identificação merece uma mais cuidada reflexão em face do atual CPC, pode traduzir-se na integração na sentença, na parte em que enuncia a matéria de facto provada (e não provada), de pura matéria de direito e que nem sequer em termos aproximados se possa qualificar como decisão de facto”.

No entanto, e conforme refere o citado autor, a circunstância de a produção de prova em audiência ter por objecto os «temas de prova» enunciados em audiência prévia em lugar dos factos rígidos da anterior base instrutória, deve levar a que se atenuem os efeitos de um excessivo rigor formal, sendo de admitir asserções que, não correspondendo a puras questões de direito sejam mais do que puras questões de facto.

Esta maior liberdade na descrição da realidade litigada justifica-se ainda pela circunstância de atualmente se integrar numa única peça processual a decisão da matéria de facto e a sua integração jurídica.

Daí que, para este autor, apenas estaremos perante um vicio da sentença quando for apresentada como matéria de facto (provada ou não provada) pura e inequívoca matéria de direito.

Também a jurisprudência dos nossos tribunais superiores tem entendido (pensamos que de forma unânime) que “não obstante a revogação com a mesma reforma do anterior artigo 646.º, em que se previa que no julgamento da matéria de facto ter-se-ão por não escritas as respostas do tribunal sobre questões de direito – solução que como é entendimento doutrinário e jurisprudencial se aplica, por analogia, às respostas que constituam conclusões de facto, designadamente quando as mesmas têm a virtualidade de, por si só, resolverem questões de direito a que se dirigem –, deve continuar a entender-se, como se afirma entre outros no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Setembro de 2014, que, constituindo a possibilidade de eliminação de factos conclusivos equiparados a questões de direito uma prerrogativa dos tribunais superiores de longa tradição doutrinal e jurisprudencial, esta pode ser exercida mesmo que não esteja prevista expressamente na lei processual” – cfr. Ac. do TRP de 20/11/2017, que teve como Relator Nelson Fernandes[vi]. Ainda no mesmo sentido vide Ac. do STJ de 9/9/2014, que teve como Relatora Maria Clara Sottomayor[vii], do qual destacamos o seguinte: “A reforma do Código de Processo Civil de 1995 alargou os poderes da Relação no que diz respeito à alteração da matéria de facto, evolução que se acentuou com a Reforma de 2013, ficando claro que os Tribunais da Relação têm autonomia decisória e competência para formar e formular a sua convicção mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis.

Contudo, a Reforma de 2013 revogou o art. 646.º, n.º 4 do CPC, invocado pelo acórdão recorrido na fundamentação da alteração ao facto n.º 42.

Ora, referindo-se o acórdão recorrido à forma como foi elaborada e respondida a base instrutória e sendo a sentença de 1.ª instância e a decisão quanto à matéria de facto de data anterior à da entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil, não se aplica, para determinar a validade ou invalidade do procedimento do tribunal da 1.ª instância, a nova lei processual, mas a lei vigente à data da prática do acto, portanto, a versão do Código de Processo Civil proveniente da redacção do DL n.º 303/2007, de 31 de Agosto.

Diga-se ainda, que, constituindo a possibilidade de eliminação de factos conclusivos equiparados a questões de direito uma prerrogativa dos tribunais superiores de longa tradição doutrinal e jurisprudencial, esta pode ser exercida mesmo que não esteja prevista expressamente na lei processual”.

Concluímos então pela possibilidade de a Relação proceder à eliminação de factos conclusivos equiparados a questões de direito, e temperando esse poder nos exactos termos propostos por Abrantes Geraldes, ou seja, admitindo asserções que, não correspondendo a puras questões de direito sejam mais do que puras questões de facto.

Quanto ao que se deve entender por factos conclusivos, ensina Helena Cabrita[viii] que “os factos conclusivos são aqueles que encerram um juízo ou conclusão, contendo desde logo em si mesmos a decisão da própria causa ou, visto de outro modo, se tais factos fossem considerados provados ou não provados toda a ação seria resolvida (em termos de procedência ou improcedência) com base nessa única resposta”.

Esta análise deverá ser objeto de especial cuidado porquanto o julgamento da matéria de facto implica quase sempre que o julgador formule juízos conclusivos.

Conforme referido no Acórdão do STJ de 14/7/2021[ix], que teve como Relator Júlio Gomes, “importa, pois, verificar se o facto mesmo com uma componente conclusiva, não tem ainda um substrato relevante para o acervo dos factos que importam para uma decisão justa”.

No mesmo sentido, o Acórdão do STJ de 13/11/2007[x], que teve como Relator Nuno Cameira, onde se refere que “é praticamente impossível formular questões rigorosamente simples, que não tragam em si implicados, o mais das vezes, juízos conclusivos sobre outros elementos de facto; e assim, desde que se trate de realidades apreensíveis e compreensíveis pelos sentidos e pelo intelecto dos homens, não deve aceitarse que uma pretensa ortodoxia na organização da base instrutória impeça a sua quesitação, sob pena de a resolução judicial dos litígios ir perdendo progressivamente o contacto com a realidade da vida e assentar cada vez mais em abstracções (e subtilezas jurídicas) distantes dos interesses legítimos que o direito e os tribunais têm o dever de proteger. E quem diz quesitação diz também, logicamente, estabelecimento da resposta, isto é, incorporação do correspondente facto no processo através da exteriorização da convicção do julgador, formada sobre a livre apreciação das provas produzidas”.

Será com base nesta ponderação que iremos decidir do recurso na matéria de facto, em particular nos segmentos em que a recorrente considera ser conclusivo o teor dos factos provados.


***

Na sentença recorrida consta a seguinte motivação, quanto à matéria de facto:

“O Tribunal formou a sua convicção sobre os factos provados e não provados com base na conjugação dos depoimentos prestados com a documentação apresentada, mais concretamente nos seguintes elementos probatórios:

De uma forma geral, todos os inspetores, incluindo o que depôs no âmbito dos presentes autos, declararam como fonte do seu conhecimento um conjunto de informações transmitidas pelos serviços centrais que foram fornecidas pela ré, a que acrescentaram as informações que recolheram junto dos estafetas, diretamente e através de troca de impressões com outros inspetores que fizeram o mesmo trabalho.

Existe assim um conjunto de informações gerais, sobre o modo de funcionamento da plataforma, bem como informações específicas relativas a cada estafeta.

No que se refere à informação específica e ao modo como a atividade era desenvolvida em concreto por cada estafeta, entendemos que a informação transmitida pelo(a) inspetor(a) do trabalho deve ser complementada pelo próprio estafeta, para podermos afirmar mais concretamente aquilo que se passava, ao longo do tempo, com o prestador de atividade.

Isso significa que, não havendo informação específica fornecida aos autos, em audiência de julgamento, pelo(a) próprio(a) estafeta, então entendemos que apenas podemos considerar provada factualidade genérica, sem fazer qualquer afirmação relativamente ao estafeta em concreto e devem entender-se os factos alegados, para além de algumas considerações mais genéricas relativas à plataforma, designadamente quando se refere ao estafeta ou ao prestador de atividade, como se referindo àquele estafeta ou prestador de atividade concreta.

Havendo informação prestada ao tribunal pelo estafeta em concreto, devemos considerar a factualidade provada com base nessa informação como fonte principal, ainda que complementada pelo depoimento do(a) inspetor(a) do trabalho e dos elementos documentais anexos à participação.

Neste âmbito, a inspetora do trabalho BB confirmou o modo, as informações e os documentos necessários para inscrição na plataforma, referindo que o estafeta preenche os campos solicitados e aceita os termos, sem os negociar; a existência de links para vídeos que explicavam o modo de funcionamento da plataforma e continham informações/instruções gerais, que não viu (referiu que, do que percebeu, os estafetas consideravam a sua visualização como obrigatória), falando apenas em regras de boa conduta; a exigência de uma mochila isotérmica com determinadas caraterísticas e dimensões; a escolha de uma área geográfica (São João da Madeira) e depois a ré selecionava uma zona com maior abrangência; os instrumentos que tinham de ter para iniciar a atividade (referiu o veículo, a mochila, o telemóvel e a aplicação da ré instalada), bem como o GPS ligado, que é obrigatório, pelo menos, para receber pedidos, no momento da recolha e no momento da entrega, que têm de ser confirmadas, não sabendo se no resto têm de ter o GPS ativado; surgindo um pedido, ficam com informação sobre os pontos de recolha e entrega, os kms e acha que não tinha o trajeto, mas o estafeta pode fazer outro trajeto diferente do que depois é indicado, mas só recebe pelo calculado pela plataforma; perante os pedidos o estafeta pode aceitar ou recusar; aceitando o pedido, os estafetas vão recolher a encomenda, têm um código para recolha, são controlados pelo restaurante que tem a sua fotografia; durante o dia a aplicação pede ao estafeta para tirar um fotografia, para confirmar a identidade; o cliente pode avaliar o estafeta, havendo uma classificação na plataforma, e que os estafetas relacionavam com o número de pedidos que recebiam; explicou a retribuição, as suas componentes, o multiplicador e a forma de pagamento, incluindo os pagamentos em dinheiro; podem existir punições aplicadas pela plataforma, tendo os estafetas identificado sanções que podiam chegar à exclusão, passando ainda por suspensão, por avaliações negativas, atrasos, etc…; os estafetas podem trabalhar com outras plataformas; e afirmou que os estafetas referiram alterações na plataforma e na aplicação da plataforma, de vária ordem, designadamente por volta da agenda do trabalho digno. Referiu as datas de início de atividade de cada um dos estafetas entrevistados, referindo que o estafeta CC já tinha trabalhado com outra plataforma, mas na data da visita não o fazia e o estafeta DD trabalhava com outra plataforma.

Para além disso, a testemunha AA afirmou que iniciou atividade na Glovo em outubro de 2021, mais ou menos em contínuo, com regularidade, por norma, 7 dias por semana, mas só algumas horas por dia (mais ou menos 6 horas), mas deixou de trabalhar como estafeta a meio do mês de junho de 2024, porque deixou de compensar. Descreveu o processo de registo, os documentos enviados, referiu que se coletou nas finanças para esta finalidade de trabalhar com a ré, com o CAE que indicavam e uma semana depois começou, aceitando os termos indicados pela plataforma. Sabe que existiam algumas regras, sem recordar exatamente quais, também recebia comunicações por email e havia uns vídeos, viu alguns, mas acha que não viu todos, com conselhos sobre como tratar os clientes e que se reconduziam a ser afáveis e cordiais (confirmou que chegou a receber um email a dizer para tratar bem os clientes e o produto). O essencial era a mochila que tinha de estar sempre limpa e cuidada, mas não tinha de ser da ré e aconselharam uma capa para a chuva a quem andava de mota, mas não era obrigatório. Declarou que tinha de fazer o reconhecimento facial, tirar uma fotografia e os clientes e os restaurantes também tinham acesso à sua fotografia. Na inscrição escolheu São João da Madeira, mas não sabia exatamente a que zona correspondia, depois é que viu no mapa da plataforma e a zona foi evoluindo ao longo do tempo, foi alargando. Sabe que paga € 1,85 por quinzena para usar a app, mas não sabe se inclui o seguro. Para efetuar entregas tem de entrar na aplicação, tem de ter internet e a localização ligada, esta tem de estar ligada até concluir os pedidos, uma vez perdeu a internet e conseguiu entregar, mas depois teve de esperar até ter internet para dar como concluída a entrega. Quando recebia um pedido, sabia o local de recolha e entrega, os quilómetros e o valor, podia recusar, achando que quando recusa fica mais tempo a aguardar pedidos, antes havia limites para as recusas, 2 ou 3, senão havia uma penalização e tinham de escolher horários a determinada hora, de acordo com uma pontuação que lhes era atribuída e que dependia dos pedidos feitos, das recusas e da desistência de horas. Agora acha que a pontuação já não existe e pode trabalhar em qualquer horário, o que acontece há mais ou menos um ano. Quando aceitam também tem um percurso, não sabe se tinham de o seguir, mas seguia-o sempre, sabe que só pagavam os quilómetros desse percurso. Iam ao restaurante, levantam o pedido e têm de dar como levantado e depois vão entregar ao cliente e têm de o dar como entregue. O cliente podeia dar uma avaliação, que acha que contava para a pontuação, mas agora não sabe se ainda dão. Explicou a retribuição, o multiplicador, os pagamentos e os recebimentos em dinheiro, realçando que se não fizer o depósito em 24h é bloqueado, mas nunca lhe aconteceu. Nunca trabalhou para outra plataforma, o veículo e o telemóvel são seus, as avarias e o combustível são consigo, atualmente não há justificações, antes perdiam pontos se não justificassem, recebe de acordo com os pedidos, achando que não há limites para os pedidos, não tem de ter determinada apresentação e não tem um chefe ou um supervisor.

Por outro lado, a testemunha EE classificou a ré como uma plataforma tecnológica de intermediação entre varios tipos de utilizadores: cliente final, comerciante e estafeta; estabelecendo a comunicação entre utilizadores. Os serviços de intermediação são pagos, pois todos os utilizadores pagam uma taxa pela utilização da plataforma, que é a receita da ré. Referiu que quem paga ao estafeta é o cliente e que pode receber em dinheiro diretamente do cliente (no entanto, quando concretizou acaba por referir que o dinheiro que é entregue por um cliente, quando fica para o estafeta, não se refere apenas àquela entrega, confirmou que os pagamentos são feitos pela plataforma e o cliente não escolhe o estafeta). Referiu ainda existirem relações bilaterais (só com o comerciante, ou sáo com o estafeta), podem estar em causa prestações de serviços e o estafeta pode não ser da glovo. Esclareceu que não existe processo de recrutamento, basta a inscrição, o estafeta é livre para escolher a cidade, mas a zona que corresponde a uma área superior à cidade é definida pela plataforma, sendo possível alterar a cidade por mera comunicação. Os estafetas, para trabalharem, podem estar em qualquer local, desde que dentro da zona. O veículo, a mochila, o telemóvel, etc… são do estafeta e a aplicação não é um instrumento de trabalho, mas admitiu que sem a aplicação descarregada no telemóvel, o estafeta não pode trabalhar através da ré. Têm de ter uma mochila, mas pode ser de qualquer marca, tendo de ser térmica por imposição legal. O seguro do veículo, combustível e reparações são da responsabilidade do estafeta, mas com a taxa de utilização têm acesso a um seguro de acidentes. Não exigem qualquer uniforme. Podem ligar-se e desligar-se em qualquer momento, não têm horários de trabalho, só de funcionamento que depende da cidade, podem estar longos períodos sem se ligarem, sem qualquer comunicação, justificação ou penalização. Admitiu que anteriormente a maio de 2023 existiam aspetos diferentes, pois procederam a alterações na plataforma, mais concretamente: eliminação da exigência da indicação pelos estafetas, duas vezes por semana, de slots de horário previamente definidos pela plataforma; eliminação da avaliação do cliente que determinam a atribuição ao estafeta de uma nota quantitativa, entre 0 e 5, que define a prioridade dos estafetas nas escolhas dos slots de horário; eliminação da atribuição a um certo número de recusas de entregas na consequência de perda de slots de horário em causa e, eventualmente, do seguinte com abertura de vagas nesses horários para outros estafetas; e introdução de um multiplicador entre 0,9 e 1,1 a aplicar à retribuição da entrega, escolhida uma vez por dia pelo estafeta que, em outubro/novembro de 2023 passou para o intervalo entre 1 e 1.1. Atualmente a plataforma admite substituições de estafetas, podem subcontratar a sua conta, temporariamente (por exemplo, quando forem de férias), tem um procedimento, têm de fornecer os elementos e documentos da pessoa em causa, mas só os documentos pessoais e fotografica, o pagamento continua a ser feito ao titular da conta e depois é com eles. Admitiu a geolocalização, mas não há controlo da prestação, não tem de estar sempre ligada (só para a proposta), depois da aceitação pode desligar, não determinam o itinirário, aparecem os quilómetros, o valor e o ponto de recolha e entrega, sendo que os quilómetros são determinados pelo trajeto indicado na plataforma. Os estafetas podem recusar, até receberem o produto. Se o GPS estiver ligado o cliente consegue ver o estafeta a deslocar-se. O estafeta tem de marcar como entregue, para isso tem de ter o GPS ligado, mas depois ainda pode ser feito através do atendimento ou pelo cliente (sem marcar como entregue não recebe e não pode receber outros pedidos). Admitiu que o cálculo da retribuição pelo tempo de espera é feito pela geolocalização e em caso de reclamação também verificam a geolocalização. Não existem bloqueios de conta por questões de performance, mas podem existir por violação dos termos e condições, documentos ilegais, crimes com uso da plataforma, etc... Existem reconhecimentos faciais, mas os estafetas podem saltar e só bloqueia temporariamente passadas muitas situações (umas 50). Admitiu que as faturas e pagamentos são feitos pela ré e a retribuição que não tem limites, tem uma componente fixa, outra dependente da distância e bonus de hora, a que se aplica o multiplicador fixado pelo estafeta (agora entre 1 e 1,1 e antes entre 0,9 e 1,1), a que acresce um valor pelo tempo de espera no restaurante, que acha que é de 0,05€ por minuto para além dos 10 minutos, sendo que a retribuição está dependente da realização de entregas. Não existem formações, os vídeos explicam o funcionamento da plataforma, mas não dão instruções.

Para além destes depoimentos, consideramos os seguintes documentos:

Certidão de registo comercial da ré;

Participação elaborada pela Autoridade para as Condições do Trabalho;

O Código de Ética que rege a atividade dos utilizadores da plataforma Glovoapp, resultando do ponto 10 que o não cumprimento implica medidas disciplinares que podem incluir o “despedimento” (dismissal) e, em casos mais graves, denúncia às autoridades públicas;

Os termos gerais de utilização e contratação fornecidos pela ré;

As imagens obtidas através do centro de ajuda do sítio da ré na internet, donde resulta, para além do mais, o seguinte:

Pergunta: “Que equipamento preciso usar?”

Resposta: “Para fazeres entregas com a Plataforma, só precisas da AppCourier e de uma mochila adequada para o transporte de alimentos”…

Ou seja, a própria ré considera a aplicação informática como um equipamento nas respostas que dá aos estafetas.

Em termos de retribuição, resulta que esta é composta por várias componentes: fixa; variável dependente da distância; tempo de espera acima de um limite; opcional; promoções; e desafios.

Em termos de localização para receber pedidos, a aplicação recomenda a deslocação para zonas de maior atividade.

Nestes termos não está prevista a possibilidade de subcontratação do serviço propriamente dito, mas antes da conta (subcontratação da conta) a efetuar nos termos e condições de utilização da plataforma, designadamente não permite a utilização da conta ao mesmo tempo que está a ser subcontratada ou em zona diferente, exige que o subcontratado esteja registado, submetendo um conjunto de documentos e seja possível a verificação da sua identidade pela plataforma;

A mudança de cidade implica o preenchimento de um formulário da ré, dá lugar à desativação da conta existente e à criação de uma nova conta e está sujeita à necessidade da ré de estafetas na cidade para a qual o estafeta quer mudar a atividade;

O reconhecimento facial serve para verificar se quem está a utilizar a conta é o estafeta registado e exige uma fotografia pedida de forma aleatória;

A retribuição tem várias componentes, descrevendo-se cada componente, as formas de pagamento, sua regularidade e condições e, na parte da distância, é calculada pelo navegador google maps, pelo trajeto mais curto, independentemente do percurso que o estafeta decida fazer; e

Na forma como é feita a prestação, existe uma descrição completa sobre o que o prestador deve fazer, recomendando-se que carregue no botão “cheguei” quando chega ao estabelecimento, como deve ser feito o pagamento e quais as possibilidades, em várias situações.

Nos vários aspetos tratados no centro de atendimento, são colocadas situações típicas e depois surge a questão: o que devo fazer? Seguido da resposta dada pela plataforma, por vezes com várias possibilidades.

O resumo das Apólices de Seguro fornecidas pela ré;

O relatório de auditoria apresentado pela ré e que descreve vários aspetos do funcionamento da aplicação, de onde resulta que, no período entre fevereiro e março de 2024, foram feitos vários testes com um utilizador-estafeta e um utilizador-cliente (ambos de teste) e se verificaram vários aspetos, de que se destaca a possibilidade de recusa de tarefas, sem que se verifique qualquer comunicação ou repercussão, mesmo após cinco recusas; a circunstância de entre 14 de fevereiro e 23 de fevereiro ter deixado de ser possível o utilizador cliente avaliar a entrega do estafeta; a possibilidade de o estafeta receber pedidos em vários horários e localizações diversas dentro da zona geográfica; a possibilidade efetuar itinerários diferentes dos indicados na plataforma; a possibilidade de efetuar um serviço sem geolocalização ativada, exceto para receber o pedido e depois para concluir a entrega (neste aspeto, no teste desligou-se o acesso à internet, segundo entendemos, porque se colocou em modo avião, não se limitou a retirara a permissão de acesso à geolocalização e, no ínicio, surgiu um aviso relacionado com a inexistência de acesso à internet); a existência de um sistema de reconhecimento facial; a possibilidade de subcontratação da conta; a existência de vídeos facultativos sobre o modo de funcionamento da aplicação e sem instruções sobre o serviço; as componentes da retribuição; a determinação da retribuição com base numa base fixa e numa componente dependente do tempo consumido na realização da tarefa; na prestação da tarefa a solicitação ao estafeta que assinalasse a conclusão das seguintes atividades: chegada à morada do parceiro (ponto de recolha); recolha dos artigos no parceiro; chegada à morada do utilizador-cliente (ponto de entrega); e entrega dos artigos ao utilizador-cliente e conclusão do serviço (embora a entrega, em si, possa ser feita sem o cumprimento destas solicitações); a falta de evidência de correlação entre as avaliações e os pedidos apresentados a um estafeta; e a falta de evidência de correlação entre recusas e avaliações negativas e bloqueios ou desativação de contas;

O registo de alterações do multiplicador e de rejeições de serviço, supostamente, pelo estafeta em causa; e

Os 3 vídeos juntos aos autos pela ré e que demonstram um estafeta a executar uma entrega com a geolocalização desligada, surgindo constantemente na aplicação a mensagem: «Ups! Ativar o serviço de localização». Os vídeos permitem visualizar a execução de entrega, com os atos de recolha e entrega, sem a geolocalização ativada. Destes vídeos resulta que é possível executar as tarefas, recorrendo os reporte de problemas da aplicação, ou seja, como a geolocalização está desligada, a conclusão da tarefa é feita através do reporte de um problema (donde resulta que o normal é a geolocalização estar sempre ligada), o que é reforçado com a mensagem que está sempre a aparecer na aplicação no sentido da ativação da geolocalização. Não há dúvida que existem formas alternativas de execução das tarefas, até porque a tarefa, em concreto, é executada off line, mas consegue-se verificar que o normal é ser executada com a geolocalização ligada (isto é, com permissão de acesso a dados de geolocalização pela plataforma). Embora não seja claro nos vídeos, supomos que se trata sempre da mesma situação, sendo o primeiro vídeo a recolha do que é feito na aplicação e os dois vídeos seguintes o acompanhamento físico do estafeta entre o escritório da ré, onde recebeu o pedido, até ao estabelecimento comercial e depois até ao local de entrega.

Dos termos e condições relativos aos utilizadores estafetas consta, para além de tudo o mais, o seguinte:

«(…)

As Partes podem cessar os Serviços pelas seguintes razões:

1. Por vontade própria, em qualquer altura sem aviso prévio, salvo se acordado de outro modo por escrito.

2. Por violação de qualquer uma das obrigações previstas nos presentes Termos e Condições.

3. Em caso de impossibilidade de cumprir qualquer disposição dos presentes Termos e Condições.

4. O não cumprimento das Normas de Ética e Conduta Empresarial para Terceiros da GLOVO e/ou de qualquer outra Política da GLOVO aplicável a todos os Utilizadores da Plataforma.

5. Por violação da legislação local por parte do Estafeta que possa constituir uma violação do princípio de boa-fé entre as Partes.

6. Quaisquer outras circunstâncias resultantes em danos fiscais, de segurança social, financeiros, comerciais, organizacionais ou de reputação

para a outra Parte ou um Terceiro, independentemente do montante ou dimensão do dano causado.

7. A utilização da Plataforma GLOVO para fins abusivos ou fraudulentos suscetíveis de causar danos materiais e/ou imateriais a qualquer um dos

Utilizadores da plataforma.

8. Em situações de força maior, de acordo com a cláusula 8.5 destes Termos e Condições.

(…)

1. Em conformidade com o Código de Ética que rege todos os Utilizadores da Plataforma, utilizar a Plataforma para insultar, ofender, ameaçar e/ou agredir Terceiros, nomeadamente, Utilizadores Cliente, Estabelecimentos Comerciais, outros Estafetas e pessoal da GLOVO.

2. Violar a lei ou quaisquer outras disposições dos Termos e Condições Gerais ou outras políticas da GLOVO.

3. Participar em atos ou conduta violentos.

(…)

Caso não cumpra qualquer um dos presentes Termos e Condições, a GLOVO pode desativar a sua Conta, sem prejuízo de qualquer ação legal/ação que possa resultar de crimes, violações ou danos civis que possam ter sido causados.

(…)

5.4 Segurança dos Serviços e da Plataforma da GLOVO

5.4.1 Em certos casos, por uma questão de prevenção de fraudes, poderá ter de apresentar prova da sua identidade e/ou, se aplicável nos termos da legislação local, dos seus substitutos ou subcontratantes para aceder ou utilizar os Serviços e aceita que lhe pode ser negado acesso aos Serviços e à utilização dos mesmos se você ou os seus substitutos ou subcontratantes recusarem fornecer essa prova de identidade. A GLOVO pode também recorrer a terceiros fornecedores de serviços para efeitos de verificar a sua identidade ou a dos seus substitutos ou subcontratantes.

5.4.2 A GLOVO pode, mas não é obrigada, monitorizar, rever e/ou editar a sua Conta. A GLOVO reserva-se o direito de, em qualquer caso, eliminar ou desativar o acesso a qualquer Conta por qualquer motivo ou sem motivo, até mesmo se considerar, a seu critério exclusivo, que a sua Conta viola os direitos de terceiros ou direitos protegidos pelos Termos e Condições.

5.4.3 A GLOVO pode adotar essa ação sem aviso prévio feito a si ou a um terceiro. A eliminação ou desativação do acesso à sua Conta de Utilizador será a critério exclusivo da GLOVO e não há qualquer obrigação de eliminar ou desativar o acesso em relação a Estafetas específicos.

(…)

5.7 Sistema de Reputação

O Estafeta terá uma Reputação associada ao seu perfil fácil de usar e consultar. Este sistema é automático e é atualizado periodicamente à medida que os diferentes Utilizadores realizam transações na Plataforma GLOVO e está sujeito às regras aí contidas e sobre as quais os Utilizadores são informados no presente documento e/ou na APP e/ou através dos canais de comunicação apropriados, para que o conheçam exaustivamente e o considerem útil.

O sistema baseia-se em dados objetivos, informação numérica e métricas fornecidas pelos Utilizadores da Plataforma e os clientes do Estafeta: Utilizadores Cliente e Estabelecimentos Comerciais.

A GLOVO não manipula ou intervém no processo de formação da Reputação, mas apenas consolida informação objetiva obtida dos Utilizadores Cliente e Estabelecimentos Comerciais, beneficiários dos serviços do Estafeta.

A GLOVO não verifica a veracidade ou precisão dos comentários feitos por outros Utilizadores e não é responsável pelo que é expresso no sítio Web ou por outros meios, nomeadamente e-mail. Todas as informações fornecidas pelos Utilizadores serão incluídas no sítio Web sob a exclusiva responsabilidade do seu autor.

(…)

A geolocalização é uma informação importante e básica para a prestação do Serviço, porquanto serve apenas para informar o Estabelecimento Comercial ou o Utilizador Cliente da localização do Estafeta e, portanto, calcular o tempo de recolha ou entrega, mas que é também usada pela GLOVO para a oferta de pedidos. A proximidade do ponto de recolha é um dos critérios utilizados no momento da oferta do pedido, pelo que, se não estiver ativada, a GLOVO não poderá garantir que são oferecidos pedidos, ou que são razoáveis em termos do tempo previsto de recolha ou entrega.

Neste sentido, e sem prejuízo do sistema operativo do dispositivo do Estafeta que pede consentimento para o uso da geolocalização, a utilização desta informação é necessária para correta execução dos Termos e Condições.

Em todo o caso, o Estafeta pode desativar a geolocalização quando não está a usar a Plataforma, embora a GLOVO não use esta informação fora do âmbito da oferta de pedidos ou fora das horas em que o Estafeta está a usar a Plataforma.

De igual modo, é expressamente indicado que o Estafeta tem total liberdade de decisão em relação ao itinerário e/ou percursos escolhidos para a oferta e concretização dos seus serviços e em nenhum caso a Glovo utilizará esses dados para fins de controlo do Estafeta.

Neste sentido, a geolocalização é meramente temporária e não de modo algum exaustiva.

A informação de geolocalização pode também ser usado para efeitos de faturação (a fim de obter informações relativas à quilometragem e despesas atribuíveis), bem como em relação à segurança rodoviária, antiterrorismo, branqueamento de capitais ou prevenção de crimes contra a segurança pública, caso no qual pode ser partilhada com as autoridades competentes que a solicitem (por exemplo, Forças do Estado, órgãos do poder executivo ou da polícia).

Em qualquer caso, uma vez que a GLOVO apenas trata esta informação durante o tempo em que o Estafeta está a prestar serviços aos Utilizadores da Plataforma e em conformidade com as faixas horárias que escolheu, a informação comunicada a essas autoridades não terá impacto na esfera privada do Estafeta.

(…)

O utilizador da conta (doravante, o "Utilizador") não pode ceder ou subcontratar, total ou parcialmente, os direitos e obrigações decorrentes do uso da Plataforma sem comunicação prévia por escrito à GLOVO.

Para o efeito, o Utilizador informará a GLOVO por escrito, e antes da celebração de qualquer acordo de subcontratação, da sua intenção de subcontratar a sua conta, a identidade da pessoa com quem irá subcontratar, juntamente com a sua autorização de prestação de serviços e fotografia, para que a GLOVO tenha prova do subcontrato sem que tal notificação implique qualquer assunção de responsabilidade por parte da GLOVO, O Utilizador assegura a idoneidade do subcontratado e a garantia do resultado dos serviços por ele prestados a terceiros.

A fim de proteger a integridade do uso da plataforma, a GLOVO reserva o direito de rejeitar a possível subcontratação de utilizadores que tenham sido previamente desativados na plataforma por motivos técnicos ou relacionados a fraudes.

Em qualquer caso, o Utilizador deve estar registado nos Registos correspondentes e estar autorizado a prestar os serviços ou atividades sujeitas à subcontratação. O Utilizador será responsável por todas as obrigações e encargos fiscais e de Segurança Social aplicáveis à prestação dos seus serviços, quer pelos seus próprios meios, quer através de subcontratados, sem que a GLOVO tenha qualquer responsabilidade por infrações a este respeito. O Utilizador será exclusivamente responsável por garantir que os subcontratantes cumpram sempre a legislação local no âmbito da prestação dos serviços de entrega.

A GLOVO não intervém na relação contratual estabelecida entre o Utilizador e os seus subcontratados, pelo que o Utilizador será o único responsável, por sua conta e risco, que a modalidade contratual escolhida seja a ideal e que o contrato seja celebrado respeitando as disposições legais e de boafé, não sendo necessário que o Utilizador ou os seus subcontratados apresentem qualquer documentação a este respeito à Glovo.

A subcontratação será realizada através da utilização de uma única conta detida pelo Utilizador. Através da possibilidade de subcontratação, o Utilizador nomeia substitutos que poderão realizar a prestação de serviços em seu nome, podendo a conta ser utilizada por apenas uma pessoa de cada vez e ao mesmo tempo.

O Utilizador será responsável pelas violações dos Termos e Condições da plataforma por parte da(s) pessoa(s) subcontratada(s), bem como pela correta utilização da plataforma.

Os atos, erros ou violações dos Termos e Condições da plataforma por parte de qualquer subcontratado não serão atribuíveis, em caso algum, à GLOVO, que poderá redirecionar a responsabilidade ao Utilizador caso alguma violação por parte do Utilizador ou subcontratado lhe for imputada.

O Utilizador será responsável pelas obrigações dos subcontratados, mesmo no caso de notificação à GLOVO. Da mesma forma, o Utilizador isentará a GLOVO de quaisquer danos que a GLOVO possa sofrer direta ou indiretamente devido às ações dos referidos subcontratados.

Os valores provenientes da prestação dos serviços executados pelos subcontratados, pagos pelos clientes e estabelecimentos, utilizadores da plataforma, serão transferidos para o Utilizador, assumindo este a responsabilidade de gerir o pagamento dos referidos valores junto da(s) pessoa(s) subcontratada(s).

Desde que os requisitos acima sejam cumpridos, a pessoa subcontratada terá o mesmo acesso à cobertura de seguro de acidentes pessoais e responsabilidade civil que o titular da conta durante o tempo em que utilizar a plataforma. Estes seguros não excluem nem substituem os seguros obrigatórios pelo Utilizador ou pelo(s) seu(s) subcontratante(s) de acordo com a legislação aplicável.

O Utilizador será o único responsável pelo pagamento da taxa de utilização da plataforma da conta.

(…)».

Em nosso entendimento, a conjugação das declarações do(a) inspetor(a) do trabalho com o depoimento do prestador de atividade, complementada com a documentação referida e, em vários pontos, pelo depoimento da testemunha EE, permitem que se considere provada grande parte da matéria alegada pelo autor, expurgado de alguns aspetos que, ou não resultaram provados, ou constituem matéria conclusiva ou de direito. Consideramos igualmente que, em alguns aspetos, será necessário considerar provada matéria que constitui uma resposta explicativa da matéria alegada, ainda que consideremos que está dentro daquilo que foi alegado (designadamente, mas não só, porque são descritas algumas alterações no funcionamento na aplicação informática, estabecendo-se diferenças relevantes entre antes e depois de maio de 2023). .

Um aspeto que foi discutido prende-se com a finalidade da geolocalização. Não existe dúvidas que o prestador de atividade tinha de permitir o acesso da ré à geolocalização para prestar atividade, designadamente receber propostas, mas para além disso, para informar o Estabelecimento Comercial ou o Utilizador Cliente da localização do Estafeta; calcular o tempo de recolha ou entrega; e oferta de pedidos; faturação (a fim de obter informações relativas à quilometragem e despesas atribuíveis); e segurança rodoviária, antiterrorismo, branqueamento de capitais ou prevenção de crimes contra a segurança pública. Por outro lado, em matéria de não permissão de acesso à geolocalização, o que resulta destas condições é que “o Estafeta pode desativar a geolocalização quando não está a usar a Plataforma”. Para além disso, a testemunha EE admitiu que é usada para outras finalidades, como calcular o tempo de espera no restaurante, para efeitos de retribuição e quando existem reclamações sobre a entrega, para verificar que o estafeta esteve no local da entrega. Não há dúvida, e isso resulta dos vídeos e da auditoria apresentada, que um estafeta, depois de receber um pedido, pode executar a tarefa de entrega sem a geolocalização, mas é evidente que a geolocalização nunca é desligada e, quer da forma como funciona a aplicação (e os estafetas revelam muito receio de fazer algo diverso do que a aplicação pede ou que acham que é o que devem fazer, revelando até alguma estupefação quando era perguntado sobre a possibilidade de desligar a geolocalização e referindo, muitas vezes, algo como “eles sabem sempre onde estamos”), como se vê no video em que a aplicação está constantemente a pedir que se ative a geolocalização e o tratamento das entregas (designadamente a sua recolha e conclusão), sem a geolocalização, é tratada como um problema de uso da aplicação, exigindo um reporte ao atendimento (salientando-se que enquanto não for feita a conclusão da entrega, o estafeta não recebe outros pedidos). Daqui resulta claramente que não é certo que o estafeta possa desligar a geolocalização, pois das condições apenas resulta que o pode fazer quando não estiver a usar a plataforma, a aplicação está desenhada ou concebida para funcionar na sua plenitude com a geolocalização ligada e esta é a normalidade considerada pelos estafetas como uma obrigatoriedade inquestionável (mesmo que seja possível fazer a entrega sem a geolocalização).

No que respeita à matéria alegada pela ré, consideramos igualmente que, tudo que disser respeito à alegada prestação efetuada pelo prestador de atividade em concreto deste pretador, não existem elementos que nos permitam afirmar essa factualidade, salvo quanto à existência de recusas de tarefas ou alterações do multiplicador, pelo que consideramos provados os factos relativos à plataforma e aos prestadores de atividade em geral.

Para além disso, existem alguns factos que não resultaram propriamente da prova produzida (não existência de qualquer avaliação durante todo o período – pois resulta que esta existia e deixou de existir em fevereiro de 2024 – e nas condições gerais consta, não uma avaliação propriamente dita, mas uma reputação resultante de dados objetivos, informação numérica e métricas fornecidas pelos Utilizadores da Plataforma e os clientes do Estafeta: Utilizadores Cliente e Estabelecimentos Comerciais; inexistência de regras de conduta, pois existe um código de conduta e o prestador referiu a transmissão de regras de cordialidade) ou implicam uma classificação da atividade da ré, como intermediário tecnológico entre comerciantes, clientes e estafetas, que implicam uma qualificação da relação contratual e, por isso, deixamos para a matéria de direito.

Para além disso, existem outros dois aspetos em que entendemos que as próprias condições gerais apontam em sentido diferente da factualidade alegada pela ré, ou pelo menos, da forma como esta factualidade está alegada. Por um lado, no que respeita ao exercício de atividade em qualquer local, a prova produzida apontou no sentido de que efetivamente existe uma escolha pelo estafeta, no registo e para o poder completar, sobre uma cidade, mas escolhendo uma cidade, depois é-lhe definida pela plataforma uma zona que vai para além da cidade escolhida e o estafeta não pode exercer atividade em qualquer local, está vinculado a essa zona, tendo de solicitar à ré a alteração da zona para poder prestar atividade noutro local, sendo que das imagens obtidas no centro de ajuda da aplicação resulta que a mudança de cidade implica o preenchimento de um formulário da ré, dá lugar à desativação da conta existente e à criação de uma nova conta e está sujeita à necessidade da ré de estafetas na cidade para a qual o estafeta quer mudar a atividade, ou seja, não é livre, dependendo de formalidades e da necessidade definidas pela própria ré. Por outro lado, das próprias condições gerais resulta claramente que o prestador de atividade não pode substituir-se discricionariamente, antes pelo contrário, não está prevista a possibilidade de subcontratação do serviço propriamente dito, mas antes da conta (subcontratação da conta) a efetuar nos termos e condições de utilização da plataforma, designadamente não permite a utilização da conta ao mesmo tempo que está a ser subcontratada ou em zona diferente, exige que o subcontratado esteja registado, submetendo um conjunto de documentos e seja possível a verificação da sua identidade pela plataforma, pelo que não podemos considerar provada a matéria tal como alegada pela ré.

Por fim, como se considerou não provados alguns factos alegados pela ré por força da forma como são alegados e por se considerar que alguns aspetos podem não corresponder à realidade, considera-se provado, nesas matérias, aquilo que resulta exatamente dos termos e condições.”

Analisando o recurso da ré…

Quanto aos pontos 3 e 42 dos factos provados

É o seguinte o seu teor:

3. Os clientes da Ré, quer os clientes finais/consumidores, quer os estabelecimentos aderentes/parceiros, são da plataforma e é esta que contacta com o mercado e disponibiliza toda a rede de suporte para o desenvolvimento da atividade.

42. Os clientes a quem o estafeta fazia as entregas são da plataforma e é esta que contacta com o mercado, contrata com os clientes finais e com os estabelecimentos aderentes.

Considera a recorrente que pelo depoimento da testemunha EE e do Interveniente Acidental AA e pela prova documental junta, devidamente expostos supra, os pontos 3 e 42 dos Factos Provados deverão ser considerados como não provados.

Considera, ainda, que devem ser considerados não provados, por conterem matéria genérica e conclusiva. A sentença não refere em que consiste “rede de suporte”, nem qual a atividade que supostamente permite o desenvolvimento. E. A Recorrente presta serviços tecnológicos de intermediação.

Caso assim não se entenda, deverão aqueles pontos passar a ter a seguinte redação única:

“3/42 - Os clientes da Ré são os utilizadores clientes/consumidores, os estabelecimentos aderentes/parceiros e os utilizadores estafetas/prestadores de serviço, pagando, respetivamente, uma taxa à Ré pelos serviços de intermediação tecnológica por esta prestados”.

Na resposta ao recurso, o Ministério Público alegou que o facto 3) tem de ser lido em conjunto com os factos 1 e 2) dado que, como é percetível da sua leitura conjunta, a atividade aludida no facto 3) reporta-se à atividade da Ré nos termos definidos nos factos 1) e 2), não fazendo sentido por isso as objeções colocadas pela recorrente. A prova da atividade da Ré terá de ser determinada - tal como as condições, características do acordo e, em virtude disso, a sua qualificação – não por aquilo que as partes possam ter feito consignar por escrito, mas do modo como a relação era efetivamente e de facto estabelecida. Se a Ré fosse verdadeiramente uma intermediária que fazia a ligação entre comerciantes, clientes e estafetas – pelo menos no que concerne a estes últimos que são aqueles que aqui nos trazem - deixaria a Ré aos estafetas a possibilidade de inteiramente determinarem como, quando, de que modo e por que valor prestariam o seu serviço de estafeta. Limitar-se-ia a plataforma a dar a conhecer aos outros dois vértices do triângulo quais os estafetas que estariam dispostos a fazer a entrega, informando os consumidores e restaurantes das condições, mas condições estas que os estafetas, de sua livre e espontânea vontade e iniciativa estabelecessem, cobrando depois a Ré uma taxa por este serviço de intermediação prestado, mas sem que fosse ela a intervir na própria relação com fixação do valor a cobrar pela entrega, da forma como essa entrega irá ser feita (a pé, de carro, etc), por quem irá ser feita (se pelo próprio inscrito ou por pessoa a quem ele atribuísse o serviço), etc..

Nem podemos dizer, como alegado pela recorrente, que a Ré seja uma empresa tecnológica que forneça uma aplicação informática às partes para seu uso. A Ré é proprietária da aplicação, mas não a cede aos utilizadores para que a usem livremente como ferramenta de trabalho organizado pelos próprios, ou seja, não pode o estafeta usar a aplicação, por exemplo, para outras entregas que não as indicadas pela Glovo, não pode o estafeta usando a aplicação, impor condições ou limites ao algoritmo, modificando os seus termos, fixando unilateralmente os valores que pretende receber, os locais ou entidades onde quer fazer recolhas ou entregas, antes se tem de sujeitar àquilo que lhe é indicado pela plataforma, única entidade que intervém de modo constitutivo na aplicação. Não só envolve como acima dissemos, como é parte necessária e essencial, dado que sem estafetas não podia a Glovo fazer aquilo que faz: sem estafetas não conseguia entregar os produtos/bens/ou outros aos clientes, em suma, não podia a Ré cumprir aquilo que afirma no seu slogan “A Glovo entrega tudo”, tal como anuncia aos consumidores e utilizadores, mas que agora, em sede judicial, procura negar, afirmando que a Glovo apenas intermedeia tudo.

Entendemos que, nesta parte, não assiste razão à ré.

É objetivamente verdadeiro, considerando as declarações do estafeta e da testemunha da ré, que os consumidores finais e os estabelecimentos aderentes são clientes da ré.

Com efeito, é a ré que estabelece contacto e acordos com os estabelecimentos aderentes, sem qualquer intervenção dos estafetas na fixação dos termos de tais acordos. E os consumidores finais registam-se e interagem diretamente com a app da ré, e não com estafetas específicos, sendo o preço do serviço pago à ré (ainda que por vezes o recebimento possa ficar a cargo do estafeta) e sem que o estafeta tenha qualquer intervenção na ligação do consumidor final à app ou na disponibilização de serviços/estabelecimentos. É a ré que controla todo este fluxo comunicacional, de tal forma que o utilizador final só consegue aceder aos serviços se se registar na app da ré e se aceitar as condições impostas por aquela. O mesmo sucedendo com os estafetas e os estabelecimentos aderentes.

Uns e outros não se conhecem, não estabelecem qualquer tipo de relação comercial de forma direta. Dependem em absoluto da estrutura montada pela ré que, atrás de sua aplicação, decide quem a ela pode aceder, em que condições e de que forma podem usar/prestar os serviços. O facto, tal como foi dado como provado, foi confirmado pelos depoimentos de EE e AA, bem assim, pelo teor do Relatório do INESC e dos documentos juntos e designados por “Termos gerais de utilização e contratação” e “Termos e condições de utilização da plataforma Glovo para estafetas”.

EE referiu (minuto 3:40) que a ré funciona como uma plataforma tecnológica de intermediação. O que isto quer dizer na prática é que a Globo existe como plataforma e que permite a que vários tipos de utilizadores comuniquem entre si. Mas, o registo na plataforma, de cada um dos utilizadores (estabelecimento, estafeta e cliente utilizador/cliente) na plataforma é feito diretamente na plataforma. Ou seja, os três tipos de utilizadores, se pretenderem beneficiar do serviço de intermediação da plataforma estão obrigados a estabelecer contacto direto (ainda que por meios totalmente eletrónicos) com a plataforma e estabelecer com esta um acordo de utilização (também padronizado).

Também a testemunha AA referiu (minuto 3:59) que, para trabalhar na ré inscreveu-se na plataforma preenchendo um formulário disponibilizado pela ré e baixando a aplicação da ré que lhe permite receber e executar os pedidos.

É da natureza da atividade da ré que a intervenção dos vários sujeitos se faça através da sua plataforma e mediante registo prévio realizado também na plataforma e de acordo com as condições determinadas pela ré.

A expressão rede de suporte para o desenvolvimento da atividade que consta do ponto 3) tem um sentido claro, facilmente compreendido pelo comum dos cidadãos, reportando-se à plataforma de registo e à APP essencial à interação entre estabelecimentos, estafetas e utilizadores. Pelo que nada há a alterar na resposta que foi dada.

Quanto ao pontos 4 dos Factos Provados

É o seguinte o seu teor:

4. A prestação dos serviços envolve, como componente necessária e essencial, a organização de trabalho prestado pelos prestadores de atividade, neste caso AA, a troco de pagamento, sob termos e condições de um modelo de negócio e sob a marca “GLOVO”.

Considera a recorrente que contêm “factos” ou considerações / afirmações conclusivas que não podem integrar a matéria de facto porque estão diretamente relacionados com o thema decidendum – existência ou não de um contrato de trabalho - e impedem ou dificultam de modo relevante a perceção da realidade concreta, seja ela externa ou interna, ditando simultaneamente a solução jurídica, normalmente através da formulação de um juízo de valor, o que sucede no caso em apreço.

Assiste razão à ré neste ponto.

A organização do trabalho é um conceito que inclui diversas realidades, nomeadamente, o registo obrigatório numa aplicação com aceitação obrigatória dos termos e condições; o estabelecimento de uma zona de trabalho; o controlo e monitorização diária; a distribuição de tarefas/pedidos e o pagamento em termos definidos ela ré; regras quanto ao equipamento; sistema de avaliação e/ou penalização; horário de funcionamento da plataforma; e registo de recolha e entrega.

Pelo que, as expressões organização de trabalho e modelo de negócio são claramente conclusivas.

Em consequência, o ponto 4) dos factos provados deverá ser eliminado.

Quanto ao ponto 5 dos factos provados

É o seguinte o seu teor:

5. Os resultados da plataforma não pertenciam ao prestador, mas sim à plataforma que recebe os valores dos clientes.

Defende a ré que o ponto 5) dos factos provados deverá ter a seguinte redação:

5. Os resultados da plataforma não pertencem ao prestador de atividade nem aos estabelecimentos comerciais.

Na resposta ao recurso, o Ministério Público alegou que a Glovo não só cobra a taxa de utilização ao cliente final, aos restaurantes e aos estafetas, como, pelo menos quanto a estes, determina qual o valor que irá ser pago ao estafeta cobrando ao consumidor final uma taxa e/ou valor pelo transporte e guardando para si o lucro obtido neste ato, retribuindo ao estafeta na medida daquilo que lhe determinou.

Os clientes finais podem pagar diretamente ao estafeta, porém esse pagamento não corresponde ao pagamento do serviço prestado, mas antes ao recebimento do valor total cobrado pela Glovo por aquele serviço, incluindo o valor da comida. O estafeta é meramente o receptor de um dinheiro que não lhe pertence, tanto que o cliente final não escolheu o estafeta que ia prestar o serviço, nem acordou com o mesmo qual o valor pelo qual ia ser cobrado, limita-se o cliente final a pagar o valor final indicado pela Ré na aplicação por todo o serviço, a diferença é que em vez de pagar esse valor por transferência ou outro método bancário, decide pagar em dinheiro e, por facilidade, a Ré permite ao estafeta que o receba. Tanto assim é, ou seja, que o dinheiro entregue ao estafeta não lhe é entregue em pagamento, dado que este apenas pode ficar com o mesmo se a Glovo o permitir, dizendo-lhe para descontar desse monetário que recebeu, não só o valor daquela tarefa, mas outros valores que tenha a receber de tarefas anteriores ou ordenando-lhe, quando não lhe permite esse desconto, que o deposite em conta bancária da Glovo.

Entendemos não assistir razão à ré.

Com efeito, resulta dos depoimentos do estafeta e da testemunha da ré que o cliente final paga o serviço à ré. É a ré a credora do cliente final.

Aliás, resulta do ponto 4.4 do documento “Termos Gerais de Utilização e Contratação”, que:

“O pagamento do preço de qualquer produto (como comida, bebidas, prendas, etc.) feito adequadamente pelos Utilizadores à Glovo, quitará a obrigação de pagar o preço referido aos restaurantes e/ou estabelecimentos associados, assim como ao Mandatário, pelos serviços prestados”.

Naturalmente que a ré terá que pagar ao estabelecimento o valor do bem ou serviço prestado, nos termos acordados. Assim como terá que pagar ao estafeta o valor que lhe é devido. Mas é a ré quem recebe do consumidor o valor do bem/serviço.

É certo que a testemunha EE esclareceu que os utilizadores/consumidores finais podem pagar diretamente ao estafeta, em dinheiro.

E resulta do ponto 25) dos factos provados que a plataforma permitia que o cliente pagasse em dinheiro ao estafeta, ficando este com “dinheiro nas mãos” (saldo em mãos). Mas, nesses casos (ponto 26) o valor em numerário entregue pelos clientes ao prestador de atividade era compensado no pagamento quinzenal efetuado pela plataforma, e/ou quando o mesmo excedesse um determinado limite pré-definido pela plataforma, deveria ser depositado à ordem da mesma em prazo determinado.

Compreende-se esta possibilidade na medida em que muitos consumidores finais podem pretender pagar em numerário. E, nesses casos, faz todo o sentido que, até determinado limite, esses pagamentos (que não são ao estafeta, mas à plataforma) fiquem nas mãos do estafeta a aguardar a compensação aquando do pagamento quinzenal.

Mas os resultados (apesar de a expressar se situar no limite entre facto e conclusão parece-nos, ainda assim, que encerra um conteúdo que inequivocamente aponta para os valores percebidos pela plataforma) continuam a pertencer à plataforma. E é a ré quem processa esses pagamentos. Todos os valores passam pela ré (ainda que com a possibilidade a que alude o ponto 25) dos factos provados). Pelo que nada há a pontar à matéria do ponto 5) dos factos provados.

Quanto ao ponto 6) dos factos provados - BB

É o seguinte o seu teor:

6. O prestador de atividade não possuía uma organização empresarial própria.

A ré defende que este ponto deverá ser dado como não provado porquanto o próprio Interveniente Acidental o estafeta AA confessou que está coletado junto da Autoridade Tributária apresentando-se perante esta entidade sempre como trabalhador independente e que dispõe de serviços de contabilidade, que o próprio contrata por sua conta e risco.

Na resposta ao recurso, o Ministério Público alegou que da prova produzida, nomeadamente do depoimento do estafeta AA acima indicado resulta que o mesmo: apenas abriu atividade nos serviços de Finanças como trabalhador independente por se tratar de exigência da Ré, não porque o próprio tenha decidido desempenhar esta atividade de estafeta como empresário de serviços de transportes.

Decorre do depoimento do estafeta que este se dedicava, no período de tempo que limitou:

- exclusivamente a entregas através de plataformas digitais, não fazendo entregas para outras entidades sem ser através da aplicação;

- não possuía empregados ou pessoas adstritas a determinadas funções;

- não possuía equipamentos de trabalho, antes usando bens de uso pessoal como é o seu telemóvel e o meio de transporte que usa no seu dia-a-dia, apenas tendo investido num saco térmico, por tanto lhe ter sido exigido pela Ré;

- não possuía uma frota de veículos;

- não possuía um modelo de negócios;

Trata-se de pessoa singular que, para poder ganhar mais algum dinheiro para usar diretamente na satisfação das suas necessidades pessoais, se inscreveu na plataforma do modo como relatou e se limita, nessas tarefas que desempenha na plataforma, a fazer aquilo que a mesma lhe vai indicando quando aceita os pedidos que lhe são apresentados, como decorre dos demais factos provados. Para que tivesse atividade empresarial própria era necessário afirmar que, mais do que um individuo a prestar atividade – como entendemos que se demonstrou – resultava uma entidade: a empresa, entidade que se distingue da pessoa singular que a dirige.

Quanto a este ponto, deverá o mesmo ser eliminado.

O conceito de organização empresarial é um conceito complexo que depende da verificação de vários fatores: inscrição nas finanças como trabalhador independente; contratação de trabalhadores; desenvolvimento da sua atividade, de forma autónoma, para múltiplas entidades/pessoas; existência de estabelecimento, de máquinas e equipamentos, etc…

A afirmação de que “O prestador de atividade não possuía uma organização empresarial própria”, ainda que, por si só, não seja suficiente para determinar a decisão da própria causa, acaba por ter uma importância decisiva na medida em que inculca a ideia de que o estafeta está integrado na organização empresarial da ré.

Pelo que, tratando-se de matéria conclusiva, deverá ter-se por não escrita.

Quanto aos pontos 7) e 14) dos factos provados - CC

É o seguinte o seu teor:

7. O prestador de atividade prestava a sua atividade a clientes que solicitavam entrega de produtos à ré, sendo a plataforma que estabelece todos os aspetos relativos à recolha e entrega dos produtos e ao respetivo preço.

14. Incumbia-lhe distribuir e entregar produtos alimentares adquiridos por terceiros por meio da plataforma eletrónica da “GLOVO”, encontrando-se naquele momento a executar um pedido.

Considera a ré que o seu teor é contraditado pelos pontos 72, 73 e 75 dos Factos Provados da Sentença, em particular porque resulta ser falso que os clientes solicitem entrega de produtos à Recorrente, sendo verdade que o solicitam aos estafetas. São os clientes que escolhem quais os produtos a transportar, sendo que nem sequer têm que adquirir produtos a transportar.

Não vislumbramos qualquer contradição entre os pontos 7) e 14) e os pontos 72), 73) e 75). A inexistência de contradição é evidente quanto aos factos dos pontos 72) e 73). E quanto ao facto constante do ponto 75), importa registar que do mesmo consta que “por vezes os utilizadores finais, via plataforma, solicitam aos denominados utilizadores prestadores de serviços de entrega, sem efetuar qualquer aquisição junto dos estabelecimentos comerciais utilizadores da plataforma”, - bold e sublinhado nosso -, pelo que, mesmo nestes casos, existe intermediação da app da ré e o pagamento do serviço prestado é feito à ré.

A única diferença é, nesta modalidade, a possibilidade de o utilizador pedir a entrega de um produto existente em estabelecimento não utilizador da plataforma da ré.

Trata-se, nesse caso, do serviço denominado como “modelo Qualquer Coisa” – vide ponto 3.2 do documento da ré “Termos Gerais de Utilização e Contratação” – pelo qual o utilizador “declara a sua vontade de pedir a aquisição presencial de certos produtos e o Mandatário será um mero agente atuando em nome do Utilizador. O Utilizador pode especificar os produtos a serem incluídos no pedido usando a caixa de texto livre para incluir informações ou instruções mais pormenorizadas para o Mandatário que o vai executar”, sendo certo que nestes casos “aquando da realização de um pedido «Qualquer coisa», os Utilizadores deverão definir um preço estimado; o Utilizador é responsável pela definição de uma aproximação correta. A Glovo irá, então, fazer uma retenção, de um montante suficiente com base na referida aproximação, no meio de pagamento do Utilizador; esta retenção será liberada assim que o pedido for finalizado e a Glovo cobrará ao Utilizador o valor exato devido pelo pedido, dado o preço efetivamente cobrado ao Mandatário aquando da execução da tarefa. Caso o produto ou serviço a adquirir pelo Mandatário ultrapasse em mais de 30% a estimativa do Utilizador, o Mandatário e/ou a Glovo entrarão em contacto com o Utilizador para comunicar essa situação, sendo este último quem tomará a decisão final sobre a realização ou não da compra presencial nas instalações do Comerciante. Caso o Utilizador aceite proceder à compra pelo valor superior, será dado seguimento ao pedido; caso contrário, caso o Utilizador não aceite prosseguir, o pedido será cancelado e o Utilizador será responsável por quaisquer custos que o cancelamento possa acarretar, incluindo o pagamento de quaisquer taxas à Glovo ou ao Mandatário” – bold e sublinhado nosso.

Ou seja, mais não é que uma distinta modalidade de serviço disponibilizada pela ré ao utilizador final e que por este será paga à ré, ainda que com especificidades, nomeadamente a possibilidade que é dada ao utilizador de definir um preço aproximado e de decidir cancelar o pedido se o preço ultrapassar em mais de 30% a estimativa.

Pelo que, mesmo nesta modalidade, não deixamos de nos situar na hipótese a que alude o ponto 7) da factualidade provada.

Quanto ao ponto 8) dos factos provados - DD

É o seguinte o seu teor:

8. As condições contratuais ao abrigo das quais o prestador de atividade prestava os seus serviços eram ditadas pela plataforma e aceites pelo prestador de atividade.

A ré defende que deve ser considerado como não provado em virtude de estar em contradição com os Termos e Condições juntos a fls. …, e os pontos 75, 76, 82, 84, 85, 86, 87, 88, 89, 90, 92 93 da matéria de Facto Provada da Sentença, dos quais resulta evidente que os prestadores de atividade têm liberdade para definir onde, como, quando e a quem é que pretendem prestar serviços de entregas propostas através da aplicação gerida pela Recorrente, bem como quais os itinerários a efetuar e utilizando material de merchandising alusivo a marcas concorrentes, bem como aplicações.

Na resposta ao recurso, o Ministério Público alegou que consta dos documentos juntos com a petição (fls. 64 e seguintes da mesma e 176 e seguintes da petição inicial), “os termos gerais de utilização e contratação” e “termos e condições de utilização da plataforma Glovo para estafetas”, da leitura destes documentos verifica-se que não se limitam, ao contrário do que a recorrente alega, a disciplinar a utilização do sítio web, mas a própria prestação da atividade, no que aqui nos interessa quanto ao estafeta: quanto aos pedidos, entregas, devoluções, valores a pagar, etc.

Reconhece-se alguma autonomia dos estafetas, nomeadamente quanto ao momento em que prestam a atividade, mas tal circunstância, não interfere com o facto de – quando prestam a atividade - ela ser determinada pela Ré. Efetivamente, todas as testemunhas descreveram a existência de (simplificadamente no que aqui importa à matéria destes concretos factos) 3 tipos de sujeitos nesta atividade – os estafetas que faziam entregas, os restaurantes/outros estabelecimentos que forneciam as refeições/outros produtos e os clientes que queriam comprar e receber esses produtos, sendo a forma desses pedidos e acessos inteiramente definidos pela Ré dado que era a mesma que possuía o domínio da plataforma limitando-se os intervenientes a preencher formulários de adesão e, após, a clicar em botões eletrónicos de modo a avançar no esquema de pedido/entrega inteiramente delineado pela Ré, sem possibilidade de alterar esse esquema, apenas tendo a possibilidade de ao mesmo não aderir e sendo esse esquema igual para todos os utilizadores.

Aquilo a que se alude no ponto 8 é à circunstância de essas condições serem apresentadas pela Ré ao estafeta que, quanto às mesmas apenas poderia aceitar ou não as mesmas, sem possibilidade de negociação, como sucedeu neste caso e o estafeta aqui esclareceu.

Quanto a este ponto, assiste razão à ré.

Com efeito, neste ponto da matéria de facto é feita alusão às condições contratuais ao abrigo das quais o prestador de atividade prestava os seus serviços de forma genéricas, sem se referirem quais seriam essas condições e em que condições e circunstâncias o estafeta tinha que as aceitar.

Pelo que, a factualidade vertida no ponto 8) deverá ser eliminada.

Quanto aos pontos 9), 10) e 35) dos factos provados - EE

É o seguinte o seu teor:

9. O prestador de atividade não podia realizar a sua tarefa se estivesse desligado da plataforma.

10. O serviço de entrega é concebido e organizado pela plataforma de forma a providenciar um serviço estandardizado aos clientes.

35. Para o desempenho da atividade o prestador de serviço, através da plataforma da ré, fica dependente da utilização da aplicação digital “app Glovo Couriers”, que descarregou e instalou no seu telemóvel.

Entende a ré que estes factos devem ser considerados como não provados porque resulta dos Termos e Condições (ponto 1 e 4) e do depoimento das testemunhas EE e da Sra. Inspetora da ACT, que: a. Os prestadores de atividade podem desempenhar, e desempenham, a sua atividade sem recorrer à plataforma “Glovo”, fazendo-o de forma voluntária, autónoma e independente, não recebendo instruções por parte da Recorrente, nomeadamente sobre quais os serviços que pretende realizar, podendo recusar aqueles que não lhe interessa realizar, onde é que se pretende posicionar para receber propostas de pedidos, quais as rotas/itinerários a realizar no âmbito da execução dos serviços que aceite realizar, podendo, ainda, subcontratar terceiros para prestar esses serviços; b. O estafeta não recebe quaisquer instruções sobre como se apresentar aos clientes, nem como se vestir e exercer a atividade de estafeta. O estafeta não tem que se apresentar com qualquer indumentária nem mochila térmica alusiva à Recorrente, podendo fazê-lo como quiser, inclusivamente alusivas a marcas e/ou plataformas concorrentes da Recorrente.; c. O estafeta pode exercer outras atividades profissionais, ou a mesma atividade de estafeta, em simultâneo, utilizando outras plataformas e/ou diretamente para estabelecimentos e/ou clientes, por conseguinte, sob circunstância alguma se poderia concluir que os prestadores de atividade são estafetas da “Glovo”.

Na resposta ao recurso, o Ministério Público alegou que estes factos não podem ser lidos sem serem conjugados com os factos anteriores, nomeadamente com o facto 7) onde se descreve qual era a atividade do estafeta, atividade essa relacionada com a Ré.

Na realidade, nesse facto 9) não se fala da atividade do estafeta, mas concretamente da “tarefa”, descrevendo-se nos demais factos em que é que consistia essa tarefa que aqui está em causa, nomeadamente nos factos 7) e 14): distribuir e entregar produtos alimentares adquiridos por terceiros por meio da plataforma eletrónica da “GLOVO”. Ou seja, regressando ao facto 9):“o prestador de atividade não podia realizar a sua tarefa (distribuir e entregar produtos adquiridos por terceiros por meio da plataforma eletrónica da “GLOVO”) se estivesse desligado da plataforma”, tal como se demonstrou através da prova produzida, designadamente o estafeta não recebia sequer nenhum pedido da GLOVO se estivesse desligado da plataforma, pois esta não o contactava de nenhuma outra forma, pelo que não assiste razão à recorrente. Ademais esse serviço foi concebido e organizado pela plataforma pois nenhum dos outros intervenientes podia, aceitando o serviço, alterar de modo significativo a forma como o serviço era prestado, apenas podendo clicar nos botões que acionariam o passo seguinte, limitando-se a cumprir as instruções que lhe eram dadas pela aplicação, de forma genérica e standardizada para todos, não se podendo dizer que existia um plano e forma de entregas verdadeiramente diferente consoante se tratasse do estafeta A ou B.

Não assiste razão à ré.

Recorremos, também aqui, ao teor do documento junto e designado “TERMOS E CONDIÇÕES DE UTILIZAÇÃO DA PLATAFORMA GLOVO PARA ESTAFETAS”, da autoria da ré.

Consta do ponto 3 que: “3.ª A Plataforma Digital da GLOVO Digital (os «Serviços de Tecnologia»)

3.1 Opções de Serviço

No nosso sítio Web encontrará uma descrição das nossas opções de Serviço de Tecnologia e explicaremos que opções de Serviço tem à sua disposição quando cria uma Conta GLOVO. Os presentes Termos e Condições serão aplicáveis a todos os nossos Serviços Tecnológicos se se registar na Plataforma como Utilizador Estafeta.

Serviços incluídos na Taxa de Utilização da Plataforma:

Acesso à plataforma que lhe permitirá oferecer voluntária e livremente os seus serviços de entrega, podendo conectar-se em qualquer altura de acordo com a possibilidade de escolher livremente os pedidos que pretende realizar. Esse acesso inclui a possibilidade de prestar os seus serviços a qualquer um dos Utilizadores da Plataforma (Utilizadores Cliente, Estabelecimentos Comerciais, etc.), independentemente da empesa do Grupo Glovo (GLOVO e/ou as suas filiais e/ou empresas coligadas) que gere a Plataforma à qual se conectou e sempre de acordo com a disponibilidade do país no qual se conecta.

(…)

Serviços incluídos dentro da taxa de ativação (se aplicável ao país em que você se conecta):

Criação do perfil do courier para usar a plataforma Glovo.

Aquisição e / ou uso de materiais que podem ser solicitados por você.”

O acima transcrito revela ser verdade que é através da plataforma que o estafeta consegue desenvolver a sua atividade. Sem ela o estafeta não tem como receber os pedidos dos utilizadores. A app liga o utilizador à Glovo e esta aos estafetas e estabelecimentos aderentes. O modelo de negócio da ré está assente, em grande medida, na existência da app onde estão registados os estabelecimentos aderentes, os estafetas e os utilizadores e onde estes últimos solicitam os serviços, de acordo com os critérios de funcionamento constantes do ponto 3 “Funcionamento do Serviço e Modelos de Serviço” do documento junto e designado “Termos Gerais de Utilização e Contratação”.

Aliás, o relatório do INESC descreve as várias etapas do ciclo de vida de um pedido, resultando inequivocamente daquele relatório que a factualidade em análise é verdadeira.

Assim, e reproduzindo o aludido relatório (pág. 2):

“De seguida, descrevemos as várias etapas do ciclo de vida de um pedido, bem como as interações entre a plataforma, e aplicações associadas, e os vários utilizadores envolvidos.

1. Um utilizador-cliente efetua um pedido na plataforma, através da aplicação “Glovo”, consistindo num conjunto de artigos comercializados por um parceiro.

2. A plataforma transmite a encomenda dos artigos ao parceiro, através da sua interface da plataforma, e o parceiro aceita a encomenda (também pode rejeitar).

3. A plataforma, através da aplicação “Glovo Couriers”, oferece a um utilizador-estafeta o serviço de entrega associado ao referido pedido. Caso o utilizador-cliente opte por recolher o pedido diretamente junto do parceiro (take-away), esta oferta não será efetuada.

4. Um utilizador-estafeta pode ter uma de 3 atitudes: (i) aceitar, (ii) não responder ou (iii) rejeitar o serviço (que pode ter sido anteriormente rejeitado por outros utilizadores-estafeta). Após aceitar um serviço o utilizador-estafeta pode ainda rejeitá-lo, em qualquer momento.

5. Caso utilizador-estafeta tenha aceitado o serviço, dirige-se para a morada do parceiro (ponto de recolha) e aguarda que os artigos que constituem o pedido lhe sejam disponibilizados pelo parceiro, efetuando a recolha dos mesmos.

6. Já na posse dos artigos que constituem o pedido, o utilizador-estafeta dirige-se para a morada do utilizador-cliente (ponto de entrega) e efetua a entrega, ao utilizador cliente, dos mesmos”.

Resulta da citação que antecede que as etapas fundamentais de todo o processo (pedido do utilizador; aceitação da encomenda pelo parceiro; oferta ao estafeta do serviço de entrega; e aceitação do serviço por parte do estafeta, têm, obrigatoriamente, que ser feitas através da aplicação da ré e mediante um procedimento único e standard.

Quanto ao ponto 11) dos factos provados - FF

É o seguinte o seu teor:

11. A prestação de atividade de AA era efetuada numa localização determinada traduzida na zona da cidade de São João da Maderia, que abrangia áreas de Santa Maria da Feira e de Oliveira de Azeméis e, em cada serviço, entre o ponto de recolha (restaurante ou comerciante) e o ponto de entrega (cliente) que lhe eram indicados pela ré.

Defende a ré que estes factos devem ser considerados como não provados porque está em contradição com os Pontos 77 e 88 dos Factos Provados e com o depoimento da testemunha EE e do prestador de atividade. É o prestador de atividade que escolhe onde é que vai prestar atividade e se aceita realizar determinado serviço entre os pontos de recolha e entrega definidos pelo utilizador cliente, não a Recorrente.

Na resposta ao recurso, o Ministério Público alegou que decorre do depoimento do estafeta AA que a atividade do estafeta para a Glovo não podia ser prestada em qualquer zona do país, quando assim este livremente decidisse. É certo que ao estafeta era dada a possibilidade - e a necessidade dizemos nós porque sem essa opção não podia fazer entregas para a Ré - de optar pela área onde iria prestar a sua atividade, mas essa área não era definida pelo estafeta, mas antes previamente pré-estabelecida pela Ré, que a foi inclusive alargando como relatou o estafeta (a este propósito também o gestor de operações da Glovo, EE, esclarecendo que a área geográfica de cada cidade é definida pela plataforma e esclarecendo que o lugar onde espera pelo pedido tem de estar situado dentro daquela área definida pela Glovo). E embora o estafeta pudesse mais tarde prestar atividade em outra zona, essa alteração carece sempre de uma autorização prévia da Ré, autorização esta que não é imediata, podendo demorar dias (EE).

O facto de o prestador poder escolher ou alterar a área (previamente estabelecida pela Ré) não significa que possa prestar a sua atividade livremente em qualquer lugar à sua escolha, dado que quer o pedido de prestação, quer a alteração não abrangem toda a área do país, mas apenas zonas, só podendo o prestador prestar a atividade fora da área inicialmente indicada e autorizada, após obter aprovação dessa alteração.

E não se diga como alega a recorrente “é o estafeta que escolhe onde se posiciona a aguardar por recepção de propostas de serviço”, pois como resulta da prova (nomeadamente o depoimento do gestor de operações da Glovo acima identificado) se o estafeta se posicionasse onde verdadeiramente quisesse não receberia sequer pedidos, apenas os receberia se se posicionasse dentro da área predefinida pela Ré.

Ademais, como consta nesse facto, em cada serviço, a atividade do estafeta era prestada na área entre o ponto de recolha e o ponto de entrega, pontos estes que lhe eram indicados pela ré através da aplicação, tal como se deu como provado.

A circunstância de o estafeta não ter de seguir um trajeto predefinido pela Ré para chegar do ponto A ao ponto B, não significa que para efetuar a entrega e poder receber o valor do pedido não tenha de se deslocar a esse ponto A e a esse ponto B que lhe são indicados pela Ré, como de facto tinha de fazer.

Não assiste razão à ré.

Em primeiro lugar, não se vislumbra matéria conclusiva no ponto da matéria de facto em análise. A própria ré, apesar de o alegar em termos genéricos, não concretiza qual a matéria conclusiva a que se refere.

Em segundo lugar, a prestação de atividade de AA numa localização determinada traduzida na zona da cidade de São João da Madeira, que abrangia áreas de Santa Maria da Feira e de Oliveira de Azeméis, não é incompatível – logo, não existe contradição – com a possibilidade de o estafeta executar a entrega sem a geolocalização ativada ou com a possibilidade de alterar o percurso e as rotas – pontos 77) e 88) dos factos provados.

Quanto à geolocalização, e conforme se refere no ponto 9.3 do documento junto e designado “TERMOS E CONDIÇÕES DE UTILIZAÇÃO DA PLATAFORMA GLOVO PARA ESTAFETAS”, da autoria da ré, “Ao utilizar a aplicação fornecida pela GLOVO para a execução da relação e, portanto, para exercer a atividade, a GLOVO pode receber os dados de geolocalização do Estafeta caso o mesmo tenha ativado esta função diretamente no seu telemóvel.

A GLOVO usará os Dados obtidos para prestar os Serviços ao Estafeta e partilhá-los com o Utilizador Cliente e o Estabelecimento Comercial cujo pedido o Estafeta aceitou executar, para que o Utilizador Cliente e o Estabelecimento Comercial possam contactar o Estafeta no caso de algum incidente.” – bold e sublinhado nosso.

O estafeta pode seguir o trajeto indicado na app ou, se assim o entender, pode optar por outro trajeto, quer opte por manter a geolocalização ativa ou não.

Por sua vez, a inspetora da ACT, BB, explicou as regras de inscrição dos estafetas na plataforma e da necessidade de os mesmos, no formulário, terem de escolher uma área geográfica, sendo que depois a ré selecionava uma área com maior abrangência.

E o gestor de operações da Glovo, EE confirmou que, esclarecendo que a área geográfica de cada cidade é definida pela plataforma. Com efeito, ao minuto 13.33, a testemunha referiu que o estafeta é livre de indicar a cidade onde deseja prestar o serviço e pode mudar a atividade para outra cidade. Mas a alteração está sujeita a comunicação (minuto 14.20). O estafeta quando se quer registar (minuto 15), indica a cidade em que quer trabalhar.

Mas, a circunstância de o estafeta, aquando do registo, poder escolher o local da atividade, em nada contraria o que foi dado como provado. Aliás, o que resulta do depoimento da testemunha referenciada é precisamente o contrário, ou seja, o estafeta desempenha a sua atividade numa área determinada, por si escolhida aquando do registo. E para mudar de área, tem de comunicar essa mudança à ré previamente.

A testemunha EE afirmou que (minuto 13:30) o estafeta, quando se regista na plataforma indica a área onde pretender prestar a atividade, acrescentando (minuto 14:15) que a mudança de área é voluntária e está sujeita a comunicação à ré.

É, por isso, factualmente verdadeira a afirmação constante do ponto 11) dos factos provados, ou seja, “A prestação de atividade de AA era efetuada numa localização determinada”.

Quanto ao ponto 13) dos factos provados - GG

É o seguinte o seu teor:

13. O prestador de atividade registou-se na aplicação da ré e acordou com a Ré, ao aceitar os seus termos e condições, que, através da aplicação acima referida, iria prestar atividade como estafeta seguindo os termos que a mesma lhe indicasse;

Entende a ré que este ponto deve ser considerado não provado porque a testemunha EE esclareceu que os estafetas não são sujeitos a qualquer processo de recrutamento; os estafetas que querem prestar serviços a utilizadores registados na aplicação da Recorrente registam-se na mesma; a inscrição dos estafetas é 100% voluntária; inexistem critérios de seleção e/ou análise curricular; inexistem quaisquer testes prévios; inexistem quaisquer normas de conduta e/ou fardamento; o estafeta é que decide, a seu critério, quais os serviços que pretende ou não prestar.

Na resposta ao recurso, o Ministério Público alegou que não existe qualquer contradição do facto provado 13) com os factos 33), 77) e 88).

O 33) refere-se à área da atividade que é, como aí consta definida e limitada pela plataforma e relativamente ao que nos pronunciámos anteriormente; O 77) prevê que “É possível executar a entrega sem a geolocalização ativada, emitindo a aplicação um aviso com a seguinte mensagem: «Ups! Ativar o serviço de localização»; e tendo o estafeta de recorrer a outros meios, diferentes dos normalmente usados para assinalar a chegada ao estabelecimento e a conclusão da entrega para poder receber o seu pagamento e obter novos pedidos”, pelo que em nada conflitua com o 13) e o 88) que prevê que “o prestador de atividade pode alterar o percurso e as rotas”. Afirma a recorrente que os estafetas voluntariamente inscrevem-se na plataforma, concordamos e isso não contraria o facto 13 que prevê “o prestador de atividade registou-se na aplicação da Ré”; indica que o prestador é livre de recusar serviços e não se ligar à aplicação pelo período que entender, concordamos igualmente com estas afirmações, mas as mesmas continuam a não contrariar o artigo 13), tanto mais que as mesmas constam dos termos e condições ali aludidos.

Também neste ponto não tem a ré razão.

Conforme tivemos oportunidade de referir supra, as condições ao abrigo das quais o estafeta prestava os seus serviços eram ditadas pela plataforma no documento junto e designado “TERMOS E CONDIÇÕES DE UTILIZAÇÃO DA PLATAFORMA GLOVO PARA ESTAFETAS”.

No ponto 2.2 daquele documento consta expressamente que: “2.2. A sua aceitação

Para utilizar os Serviços GLOVO, é indispensável cumprir os seguintes requisitos:

i) Tem de aceitar eletronicamente os termos e condições específicos com base no país onde utilizará a Plataforma, através do canal descrito que a GLOVO pode facultar oportunamente.

ii) Tem de aceitar os presentes Termos e Condições de Utilização.” – bold e sublinhado nosso.

E no ponto 2.3 consta que “A GLOVO pode alterar unilateralmente os Termos e Condições e os respetivos anexos sem aviso prévio.

As Alterações produzirão efeitos após a publicação aqui pela GLOVO dos Termos e Condições atualizados ou de quaisquer políticas alteradas ou termos adicionais sobre o Serviço aplicável.

Se a GLOVO introduzir alterações importantes aos Termos e Condições, será notificado conforme apropriado pelas circunstâncias, por exemplo, por e-mail, SMS, boletim informativo, notificações na Plataforma, etc. Por conseguinte, deve certificar-se de que lê esses avisos cuidadosamente.

Se pretender deixar de utilizar o Serviço na versão alterada dos Termos e Condições, pode cancelar a sua Conta.

A continuação do seu acesso e utilização dos Serviços após a referida publicação constitui o consentimento implícito, necessário e suficiente em ficar vinculado aos Termos e Condições conforme alterados.

Ou seja, a ré estabelece os termos e condições aplicáveis aos estafetas e estes, para utilizarem os serviços da ré, têm de aceitar as condições estabelecidas, as quais, por isso, não são negociadas.

Além disso, a ré pode, unilateralmente, alterar essas condições, restando aos estafetas, como vimos, apenas duas possibilidades: aceitar as novas condições ou deixar de utilizar o serviço.

E quanto à utilização da plataforma, remetemos para o ponto 3 do mesmo documento, que transcrevemos supra, e donde resulta que é através da plataforma que o estafeta consegue desenvolver a sua atividade. Sem ela o estafeta não tem como receber os pedidos dos utilizadores. A app liga o utilizador à Glovo e esta aos estafetas e estabelecimentos aderentes. O modelo de negócio da ré está assente, em grande medida, na existência da app onde estão registados os estabelecimentos aderentes, os estafetas e os utilizadores, e onde estes últimos solicitam os serviços, de acordo com os critérios de funcionamento constantes do ponto 3 “Funcionamento do Serviço e Modelos de Serviço” do documento junto e designado “Termos Gerais de Utilização e Contratação”. Esta realidade não sai beliscada pelo facto de o estafeta poder desligar a geolocalização ou poder utilizar um percurso alternativo – sendo certo que o pagamento por km percorrido tinha por base a rota dada pelo google maps e não o trajeto escolhido). Com efeito, qualquer destas possibilidades pressupõe sempre a utilização da aplicação, sem a qual o utilizador não poderá nunca fazer o pedido e o estafeta não irá receber o mesmo.

Quanto ao ponto 15) dos factos provados - GG

É o seguinte o seu teor:

15. A ré, através da sua plataforma digital, fixava o preço de cada entrega a efetuar, podendo o prestador de atividade apenas recusar a proposta caso não aceitasse esse preço;

A ré defende que este ponto deve ser considerado não provado por estar em contradição com os pontos 17, 57, 58, 82, 84, 85, 86, 87, 88, 89, 90, 92 e 93 da própria matéria de Facto Provada da Sentença, os quais são corroborados pela testemunha EE, que esclareceu que a Recorrente não fixa limites mínimos nem máximos de serviços; a Recorrente não fixa objetivos aos estafetas; os preços dos serviços de entregas são variáveis e dependem de inúmeros fatores não dependentes da Recorrente, nomeadamente o multiplicador escolhido pelo estafeta, a distância a percorrer entre o ponto a e o ponto b e a hora em que o estafeta pretende prestar atividade.

Na resposta ao recurso, o Ministério Público alegou que este facto não está em contradição com os demais indicados, nomeadamente as constantes de 17) e 82), referindo-se no 17) as várias componentes em que se desdobra esse preço e o 82), prevendo que o prestador pode aceitar ou recusar os pedidos, o que não infirma o 15) dado que ali se menciona que o prestador se não aceitasse o preço indicado podia recusar o pedido, tal como consta nesses factos, inexistindo por isso qualquer contradição entre os mesmos.

Decorre do depoimento do estafeta (depoimento de AA) e do gestor de operações da Glovo (EE) que o valor a pagar por cada entrega é composto por várias componentes, uma fixa e outras variáveis. Porém é a Ré que define qual o valor destas componentes determinando a Ré a componente fixa e que ascende ao valor de €1,40 por cada entrega e é também a Ré que define a componente variável, quer quanto ao valor a pagar por cada km percorrido (limitando-o a €0,25 por cada km, no caso de São João da Madeira, sem possibilidade de alteração ou negociação), quer quanto ao valor a atribuir por situações que entende serem de promoção por dificuldades climatéricas, horários ou outras. Existe apenas no final deste cálculo, uma parcela que – ilusoriamente no nosso entender - fica na disposição do trabalhador, na estrita medida em que este o pode alterar, mas apenas dentro dos parâmetros definidos pela Ré e que é o referido multiplicador.

Porém, não podemos dizer que a existência deste multiplicador determine que a retribuição não seja fixada pela Ré, mas antes pelo trabalhador. Em primeiro lugar porque o trabalhador não pode fixar esse multiplicador num valor que pretenda dado que o mesmo possui um limite mínimo e máximo que é, também ele, unilateralmente determinado pela Ré (inicialmente de 0,90 a 1,10 e posteriormente de 1 a 1,10), sendo que o mesmo não consiste num valor a somar à componente fixa e variável, mas um quociente que interfere em todos estes valores. De facto, se este multiplicador tivesse sido fixado para permitir ao estafeta fixar livremente o valor que pretende obter por aquele serviço, não só não teria uma barreira máxima (de valor reduzido diga-se), mas também não teria um valor inferior à unidade, dado que a fixação do multiplicador em 0,90 significa que na prática, o trabalhador iria ainda receber menos 10% do que o valor tabelado pela Ré. Na verdade, da audição dos estafetas, verifica-se que, na prática, este multiplicador em vez de os beneficiar, ainda os veio prejudicar: se antes de o mesmo ter sido introduzido o estafeta recebia a retribuição fixada pela plataforma, passou posteriormente a receber ainda menos 10% desse valor, porque se queriam ter trabalho, teriam de o colocar no valor mínimo, sob pena de ficarem a ver os colegas, com multiplicadores mais baixos, a receber encomendas enquanto o estafeta com o multiplicador mais alto ali ficaria sem trabalho e sem que esse tempo que disponibiliza à aplicação lhe fosse de alguma forma compensado (depoimento de AA, relatando que iniciou a colocar em 1.1 e teve de baixar para o mínimo porque senão não recebia propostas).

Ou seja, na prática, o multiplicador significa que ao trabalhador são colocadas as seguintes opções: receber o que a Ré fixa, ou receber menos 10% desse valor ou mais 10% desse valor, nunca recebendo, por critérios unicamente por si definidos, para além destas margens. Para além disso, se fosse verdadeiramente o estafeta a propor ou a influir decisivamente no valor a pagar e tendo-se estabelecido que os km percorridos seriam parte essencial desse valor, então teria de ser o estafeta a indicar não só efetivamente o valor de cada km, como os km a percorrer de acordo com o percurso que efetivamente tomou ou pretende tomar quando vai iniciar a atividade e não ser a Glovo a fazê-lo. Para além disso, a posição do estafeta, mesmo quanto ao multiplicador, não influencia verdadeiramente o preço apresentado para as propostas, continuando a Glovo a apresenta-las pelos preços que entende, anunciando-o ao estafeta que não o pode negociar, limitando-se este a aceitar ou recusar o valor fixado, mas sem que lhe seja dada a possibilidade de intervir significativamente na alteração desse valor.

Neste ponto assiste razão à ré.

Com efeito, sendo verdade que a ré, através da sua plataforma digital, fixava o preço de cada entrega a efetuar, já não é verdade que o prestador da atividade, perante aquela fixação, apenas podia recusar a proposta caso não aceitasse o preço. Com efeito, e conforme resulta da factualidade vertida no ponto 17), o valor a pagar ao estafeta é constituído por várias parcelas, incluindo uma componente variável designada por “multiplicador” cujo valor é definido pelo próprio e, o altera, entre os quocientes 0,90 a 1,10 – limites mínimo e máximo pré-definidos pela plataforma, podendo ser alterado apenas uma vez por dia pelo prestador da atividade.

Pelo que, não é rigoroso afirmar que a única opção do estafeta, perante o valor fixado pela ré através da plataforma, era recusar o serviço.

No mais, não vislumbramos qualquer contradição entre o ponto 15) e os pontos 57, 58, 82, 84, 85, 86, 87, 88, 89, 90, 92 e 93 da matéria de facto provada.

Assim, decide-se alterar o ponto 15), o qual passa a ter a seguinte redação:

15. A ré, através da sua plataforma digital, fixava o preço de cada entrega a efetuar;

Quanto aos pontos 16), 19) e 48) dos factos provados - II

É o seguinte o seu teor:

16. Quando um cliente formulava um pedido na aplicação da plataforma digital e este, de acordo com os critérios definidos no algoritmo da ré, era direcionado para o estafeta que acedia ao pedido, a plataforma facultava o acesso aos seguintes conteúdos: a) pedido formulado pelo cliente; b) valor a pagar (ou já pago) pelo cliente correspondente ao pedido; c) endereço de entrega; d) distância a percorrer pelo estafeta até ao local de entrega e; e) valor pecuniário associado à entrega a desenvolver.

19. O prestador da atividade só tinha acesso ao valor a receber pela tarefa/entrega depois de a aceitar, não negociando qualquer valor, limitando-se a aceitar as condições da plataforma.

48. A rota a percorrer no percurso da entrega é definida pelo “Google maps”, sendo a distância percorrida, critério para definição da componente variável da retribuição do estafeta, podendo o estafeta desviar-se dessa rota.

Para a ré estes factos devem ser considerados não provados considerando o Parecer junto a fls. …, o depoimento das testemunhas EE e do prestador de atividade e do ponto 9.3 dos Termos e Condições a fls. …

Em alternativa, devem passar a ter a seguinte redação:

16. Quando é proposto um serviço ao prestador de atividade, na interface de oferta do serviço ao utilizador estafeta é apresentado um mapa com os pontos de recolha (morada do parceiro) e de entrega (morada do utilizador-cliente) assinalados, bem como a rua do ponto de recolha (sem informação do número da porta), a distância estimada e o preço do serviço. Nessa altura, o estafeta pode aceitar ou recusar o serviço

19. Caso aceite o serviço, é adicionalmente comunicado ao utilizador-estafeta o nome e morada exata do parceiro (ponto de recolha), informações de contacto no parceiro, estimativa do tempo de espera no parceiro, o nome e morada exata do utilizador cliente (ponto de entrega), os detalhes de pagamento e a lista de artigo do pedido e o valor do mesmo. Nessa altura e até recolher o produto – momento em que o mesmo fica sob a sua responsabilidade -, o utilizador estafeta é livre de recusar prestar esse serviço.

48. A distância a percorrer entre o ponto de recolha e o ponto de entrega utilizada para cálculo de uma das componentes variáveis do preço do serviço, é efetuada pelo “Google Maps”, tendo o estafeta total liberdade de decisão em relação ao itinerário e/ou percursos escolhidos na execução do serviço.

Na resposta ao recurso, o Ministério Público alegou que não existe contradição entre o facto 16) e 19) na medida em que no 19) não se fala do conhecimento do valor a receber, mas acesso a esse valor, ou seja, apenas acederá a esse valor depois da aceitação, apenas nesse momento tendo conhecimento das parcelas individuais em que o mesmo se compõe. Não aceitamos que o facto 48) induza em erro, pois decorre da prova que, após aceitação, momento a que alude o 48) efetivamente é apresentado ao estafeta uma rota na aplicação googlemaps, mas rota essa que o mesmo não é obrigado a seguir como se provou em 88).

Neste ponto não assiste razão à ré.

Em primeiro lugar, o texto dos pontos 16) e 19) são claros e não induzem em erro. Com efeito, do ponto 16) resulta que no momento em que o estafeta recebe o pedido na plataforma, fica a conhecer, entre outros elementos, o valor a pagar (ou já pago) pelo cliente correspondente ao pedido e o valor pecuniário associado à entrega a desenvolver.

Quanto à questão da rota, é aceite que o estafeta pode alterar o percurso e as rotas – ponto 88) dos factos provados. Mas, ao aceitar o pedido, é apresentada na app uma a distância estimada, a qual serve para calcular o valor a pagar a título de km percorridos – vide relatório do INESC, fls. 15.

A matéria de facto constante dos pontos 16), 19) e 48) dos factos provados mostra-se também comprovada pelo teor do relatório do INESC – fls. 15, 16, 20, 30, 38, 40, 45 e 48.

Quanto aos pontos 20) e 22) dos factos provados - LL

É o seguinte o seu teor:

20. A plataforma pagava a retribuição diretamente ao prestador de atividade e processava os pagamentos a efetuar.

22. O cliente final pagava à plataforma e não ao prestador de atividade.

Para a ré estes factos devem ser considerados não provados porquanto a matéria é contraditada pelos pontos 26, 73 e 74 dos Factos Provados da Sentença, pelo ponto 5.3.1. dos Termos e Condições juntos a fls. …, pelas declarações das testemunhas EE e do prestador de atividade, de onde resulta expressamente que o estafeta pode ser pago em dinheiro diretamente dos clientes e que a Recorrente intermedeia os pagamentos, sendo a Recorrente paga pelo estafeta para o efeito. Deste modo os pontos 20 e 22 deverão ser considerados como não provados e passar a ter a seguinte redação:

20. A plataforma intermedeia os pagamentos dos utilizadores clientes para o prestador de atividade e processa os pagamentos a efetuar.

22. O cliente final pode pagar ao prestador de atividade através da plataforma ou diretamente.

Na resposta ao recurso, o Ministério Público (incluindo no que respeita ao ponto 24) alegou que decorre da prova produzida (depoimento de AA) que a plataforma ia contabilizando os várias tarefas desempenhadas pelo estafeta num período de 15 dias, findo o qual lhe pagava o valor total dessas tarefas, da qual descontava o valor que lhe cobrava de “taxa”, transferindo para a sua conta bancária esse montante, caso o mesmo já não tivesse sido entregue anteriormente por um cliente através de pagamento em dinheiro. Não podemos aceitar que a entrega ao estafeta pelo cliente final do valor em dinheiro da totalidade do pedido (que recorde-se é excecional e engloba todas as taxas e valores do pedido, incluindo a comida ou produto comprado e não apenas o serviço de transporte) signifique que é este a pagar diretamente ao estafeta pelo serviço de transporte e não a Glovo, quando nesta relação o estafeta é meramente o receptor de um dinheiro que não lhe pertence, tanto que o cliente final não escolheu o estafeta que ia prestar o serviço, nem acordou com o mesmo qual o valor pelo qual ia ser cobrado, limita-se o cliente final a pagar o valor final indicado na aplicação por todo o serviço: por exemplo entrega de uma refeição, incluindo o fornecimento e transporte da mesma e custos inerentes tal como determinados pela Glovo, a diferença é que em vez de pagar esse valor por transferência ou outro método bancário, decide pagar em dinheiro e, por facilidade, a Ré permite ao estafeta que o receba.

Tanto assim é, ou seja, que o dinheiro entregue ao estafeta não lhe é entregue em pagamento, dado que este apenas pode ficar com o mesmo se a Glovo o permitir, dizendo-lhe para descontar desse monetário que recebeu, não só o valor daquela tarefa, mas outros valores que tenha a receber de tarefas anteriores ou ordenando-lhe, quando não lhe permite esse desconto, que o deposite em conta bancária da Glovo.

Na realidade, o pagamento das tarefas ao estafeta é feito, como se deu provado na sentença, quinzenalmente pela Ré, por transferência bancária, da totalidade das tarefas desse período, descontando das mesmas as parcelas relativamente às quais já aceitou compensação e descontando a taxa que a Ré cobra e tanto é a Ré que o paga, que é à Ré que é emitido o recibo.

Neste ponto assiste, parcialmente, razão à ré.

Uma coisa é saber a quem o utilizador paga o serviço. Outra, distinta, é a possibilidade de o estafeta receber o pagamento do utilizador e, até um certo montante, poder ficar com o dinheiro para depois acertar contas a final.

Aliás, e quanto ao utilizador final, resulta do ponto 4.4 do documento “Termos Gerais de Utilização e Contratação”, que:

“O pagamento do preço de qualquer produto (como comida, bebidas, prendas, etc.) feito adequadamente pelos Utilizadores à Glovo, quitará a obrigação de pagar o preço referido aos restaurantes e/ou estabelecimentos associados, assim como ao Mandatário, pelos serviços prestados”.

Ou seja, a relação é estabelecida entre o utilizador e a ré, e entre o estabelecimento aderente e a ré, e não entre o estafeta e aqueles.

No entanto, a expressão “a retribuição” encerra um sentido jurídico preciso, normalmente associado ao contrato de trabalho, devendo ser eliminada.

Pelo que nada há a alterar na apontada factualidade.

Quanto aos pontos 21) e 64) dos factos provados - MM

É o seguinte o seu teor:

21. É a plataforma quem negoceia os preços e condições com os titulares dos estabelecimentos.

64. A plataforma faculta aos restaurantes aderentes os instrumentos informáticos (tablets) que lhe permitem desenvolver o trabalho, sendo a plataforma responsável pela manutenção desse equipamento.

Para a ré estes pontos devem ser considerados não provados, desde logo porque consubstancia um facto público e notório que os preços dos bens vendidos pelos estabelecimentos que se registam na aplicação gerida pela Recorrente são fixados pelos próprios estabelecimentos comerciais, resultando expresso no ponto 5 dos Termos e Condições juntos a fls. … que a Recorrente não participa nem tem qualquer responsabilidade sobre os produtos e serviços publicitados pelos estabelecimentos comerciais. Além disso, a ré não faculta quaisquer instrumentos informáticos que permitam aos estabelecimentos desenvolver “o trabalho”, sendo tal afirmação falsa. A utilização da plataforma gerida pela Ré por parte dos utilizadores estabelecimentos comerciais, depende do pagamento da respetiva taxa, o que é corroborado pelo depoimento da testemunha EE.

Na resposta ao recurso, o Ministério Público alegou que a prova deste facto decorre do depoimento dos inspetores que disseram que a Glovo facultava aos restaurantes aderentes tablets, tal como consta da página da Glovo aludindo à tablet Glovo, mencionando como pode o parceiro aceder à mesma e indicando que fornece ajuda em caso de problema com o tablet glovo.

Assiste, parcialmente, razão à ré.

Percebe-se que, quando se afirma que é a plataforma quem negoceia os preços e condições com os titulares dos estabelecimentos, o que está em causa não é o preço dos bens ou serviços prestados pelo estabelecimento aderente, mas as condições em que aqueles estabelecimentos podem utilizar a plataforma da ré e o respetivo custo.

Quanto ao ponto 64), analisados os depoimentos prestados nestes autos, verificamos que não há qualquer referência ao fornecimento pela plataforma aos restaurantes aderentes os instrumentos informáticos (tablets) que lhe permitem desenvolver o trabalho, sendo a plataforma responsável pela manutenção desse equipamento.

Em face do exposto, mantém-se a decisão quanto à factualidade vertida no ponto 21). Já quanto à matéria constante do ponto 64) deverá ser considerada como não provada.

Quanto ao ponto 24) dos factos provados - OO

É o seguinte o seu teor:

24. O pagamento da plataforma ao estafeta era quinzenal e efetuava-se por transferência bancária.

Defende a ré que deve ser considerado não provado porque resulta do depoimento do prestador de atividade e da testemunha EE que o período de faturação é quinzenal mas o pagamento pode não coincidir com a quinzena, porque os clientes podem já ter pago em dinheiro, pelo que, se os clientes tiverem pagado diretamente ao estafeta (e não por transferência bancária) e/ou o estafeta não tiver prestado serviços nos 15 dias anteriores, inexistirá qualquer pagamento intermediado pela plataforma ao estafeta, muito menos quinzenalmente. O estafeta pode recusar prestar os serviços que entender.

A posição do Ministério Público está expressa supra a propósito dos pontos 20) e 22).

Também neste ponto não assiste razão à ré.

Está assente que o estafeta recebe em função dos trabalhos efetuados.

Também está provado que quando o utilizador paga diretamente ao estafeta, este pode conservar o dinheiro até um certo montante, sendo as contas acertadas no momento do pagamento.

O estafeta esclareceu que quando recebia dinheiro dos clientes, se acumulasse um saldo elevado de dinheiro em mão, a plataforma pedia-lhe para depositar esse valor. O depósito era feito através de uma referência Multibanco e era dado um prazo, normalmente de 24 horas, para realizar o depósito.

Mas a realidade descrita em nada contende com o facto constante do ponto 24). Com efeito, resulta do depoimento do estafeta, AA, que a ré pagava ao estafeta quinzenalmente, por transferência bancária.

Quanto ao ponto 27) dos factos provados - PP

É o seguinte o seu teor:

27. No pagamento feito ao prestador de atividade, a plataforma compensava o valor do IVA (Imposto sobre o Valor Acrescentado) suportado pelo estafeta findo o seu primeiro ano de isenção, o que significa que esse valor era suportado pela plataforma após comunicação desse facto pelo estafeta.

Considera a ré que este ponto encerra matéria de direito.

Discordamos do entendimento da ré.

O teor do ponto 27) dos factos provados alude a uma realidade apreensível e compreensível pelos sentidos e pelo intelecto dos homens. A referência à compensação do IVA reporta-se apenas a saber se a ré entregava ao estafeta o IVA por este pago.

Quanto aos pontos 28) e 65) dos factos provados - PP

É o seguinte o seu teor:

28. A plataforma exige ao prestador de atividade que utilize uma mochila isotérmica, com requisitos definidos pela plataforma, não podendo escolher outro tipo ou meio de conservação ou transporte de alimentos.

65. A mochila térmica tem de ter as características indicadas pela ré.

Alega a ré que estes factos devem ser considerados não provados.

Defende que não resulta da prova testemunhal nem documental que a Recorrente exija aos utilizadores estafetas a utilização de uma mochila isotérmica para o transporte de outros bens; do ponto 5.1.1 al. n) dos Termos e Condições juntos a fls. …, decorre que: “No caso de transporte de alimentos, em conformidade com a regulamentação aplicável a este respeito, o Estafeta compromete-se a transportá-los em meios de transporte e recipientes adequados para os mesmos”; a testemunha EE esclareceu cabalmente que a Recorrente não exige que os estafetas utilizem para todos os serviços uma mochila térmica, que podem ser mochilas de qualquer marca, inclusivamente alusivas a plataformas concorrentes, sendo que a Recorrente não tem forma de saber nem controlar o tipo de mochilas que os prestadores de atividade utilizam, o que resultou provado no ponto 76 da matéria de Facto Provada da Sentença. A Recorrente não proíbe que os prestadores de atividade utilizem recipientes de marcas concorrentes.

Na resposta ao recurso, o Ministério Público alegou que decorre dos termos e condições que o transporte tem de ser efetuado em mochila e, mais concretamente mochila isotérmica com condições para o transporte de alimentos. As regras de segurança alimentar exigem que a comida seja transportada em equipamentos que reúnam condições térmicas e de higiene adequadas, não exigindo que seja mochila.

De facto, outras formas existiam em que as exigências de segurança alimentar poderiam ser satisfeitas e, não obstante, não são admitidas pela Ré, pense-se por exemplo em caixas térmicas ou em viaturas equipadas para transporte de alimentos, tudo equipamentos que assegurariam as exigências de segurança alimentar, mas que não são admitidos pela Ré para a prestação da atividade exigindo que o equipamento térmico seja mochila, pelo que é forçoso concluir pela demonstração dos factos 28) e 65).

Assiste, parcialmente, razão à ré.

Consta do relatório do INESC – fls. 13 – que “No passo final, antes do envio das credenciais de acesso à aplicação “Glovo Couriers” foi solicitado ao utilizador-estafeta “teste” que indicasse se dispunha ou não de uma mochila isotérmica, sendo também apresentado um link para a loja online da Glovo, onde poderia, se assim pretendesse, adquirir uma, em caso negativo. O utilizador-estafeta “teste” indicou que já dispunha de uma mochila isotérmica e, alguns minutos depois, recebeu no seu e-mail as credenciais de acesso à aplicação”.

Do mesmo relatório consta também que “No decurso do processo de inscrição do utilizador-estafeta “teste” este foi apenas informado da existência da loja online da Glovo, onde poderia adquirir alguns dos materiais eventualmente necessários, ou outros materiais não necessários, à realização da atividade, não lhe sendo solicitado que efetuasse qualquer aquisição para o prosseguimento do processo de inscrição. No decurso do processo de inscrição foi ainda solicitado qual o tipo de transporte (mota, carro ou bicicleta) a utilizar pelo utilizador-estafeta “teste”. No passo final, antes do envio das credenciais de acesso à aplicação “Glovo Couriers” foi solicitado ao utilizador-estafeta “teste” que indicasse se dispunha ou não de uma mochila isotérmica, sendo também apresentado um link para a loja online da Glovo, onde poderia adquirir uma, em caso negativo, caso assim entendesse. O utilizador estafeta “teste” indicou que já dispunha de uma mochila isotérmica e alguns minutos depois recebeu as credenciais de acesso à aplicação no seu e-mail.

Resumindo, não foi solicitada a aquisição da mochila isotérmica, ou de qualquer outro artigo, na loja online da Glovo”.

Finalmente, no aludido relatório, e em resposta à pergunta “30) O utilizador-estafeta é livre de escolher e usar quaisquer materiais ou equipamentos para a realização da sua atividade, incluindo veículos, telemóveis, sacos, roupas, etc., não sendo proibido pela plataforma de o fazer por qualquer via jurídica (v.g. propriedade, locação ou outra)?”, o INESC respondeu que “No Teste #30 verificámos que, no decurso do processo de inscrição do utilizador-estafeta, este foi apenas informado da existência da loja online da Glovo com mechandising, onde, querendo, poderia adquirir alguns dos materiais eventualmente necessários à realização da atividade ou outros, não lhe sendo solicitado que efetuasse qualquer aquisição para o prosseguimento do processo de inscrição. No decurso do processo de inscrição foi solicitado qual o tipo de transporte (mota, carro, bicicleta) a utilizar pelo utilizador-estafeta.

No passo final, antes do envio das credenciais de acesso à aplicação “Glovo Couriers” foi solicitado ao utilizador-estafeta que indicasse se dispunha ou não de uma mochila isotérmica, sendo também apresentado um link para a loja online da Glovo [3], onde poderia, se assim pretendesse, adquirir uma, em caso negativo. O utilizador-estafeta indicou que já dispunha de uma mochila isotérmica e alguns minutos depois recebeu as credenciais de acesso à aplicação no seu e-mail”.

Daqui resulta que a ré exigia aos estafetas a utilização de uma mochila isotérmica.

Quanto às características da mochila, a testemunha EE disse que a ré não impunha características especiais. O mesmo sucedendo com a testemunha AA, que apenas referiu que tinha que ter a mochila sempre limpa, cuidada e devidamente higienizada.

Em face do exposto, deverá manter-se como provado o ponto 28). Quanto à matéria do ponto 65), deverá passar para o elenco de factos não provados.

Quanto ao ponto 29) dos factos provados - TT

É o seguinte o seu teor:

29. O prestador de atividade foi instruído de que tem de tratar os clientes finais com cordialidade;

Para a ré este ponto deve ser considerado não provado porque não existe nos autos qualquer prova testemunhal ou documental que o comprove. A testemunha EE confirmou que os vídeos facultados aquando da inscrição aos prestadores de atividade, para além de não serem de visualização obrigatória, inexistindo qualquer controlo pela Recorrente se os prestadores de atividade os viram ou não, incide apenas sobre o funcionamento da aplicação e não sobre a atividade de estafeta, muito menos sobre normas comportamentais. E AA confirmou que não viu todos os vídeos facultados pela Recorrente aquando da inscrição e não confirmou a existência de instruções sobre forma de tratamento dos utilizados.

Na resposta ao recurso, o Ministério Público alegou que este facto resulta do depoimento do estafeta (depoimento de AA).

Não assiste razão à ré nesta parte.

Com efeito, a testemunha AA confirmou no seu depoimento que nos tutoriais disponibilizados na plataforma da Glovo, eram dados conselhos sobre como lidar com os clientes de forma afável e cordial. AA referiu que nesses tutoriais havia sempre forma de "aconselhar, entre aspas”. Era pedido para serem "afáveis", "cordiais" e para não trabalharem de maneira a prejudicar-se ou aos clientes.

Quanto ao ponto 30) dos factos provados - UU

É o seguinte o seu teor:

30. Para que o estafeta possa receber pedidos efetuados por clientes dos parceiros de negócio da plataforma e consequentemente prestar os serviços de entrega aos clientes finais, o prestador de atividade tem de efetuar o registo prévio do prestador de atividade na plataforma da “GLOVO”, registo esse efetuado através de criação de conta no website da Glovo: https://delivery.glovoapp.com/pt/

Para a ré, além de integrar o thema decidendum, o ponto 30 dos Factos Provados da Sentença é contraditado expressamente pelo ponto 72 e 93 dos Factos Provados da mesma.

Defende, por isso, que, em face da prova produzida, o ponto 30 dos Factos Provados deverá ser considerado como parcialmente não provado, passando a ter a seguinte redação:

“30. Para o estafeta receber pedidos efetuados através de aplicação “GLOVO” por clientes dos parceiros de negócio da plataforma e prestar os serviços de entrega aos clientes finais, o prestador de atividade tem de efetuar o registo prévio do prestador de atividade na plataforma da “GLOVO”, registo esse efetuado através de criação de conta no website da Glovo: https://delivery.glovoapp.com/pt/

Neste caso nada há a apontar à decisão recorrida.

O teor do ponto 30) dos factos provados diz, no essencial, o mesmo que consta da redação proposta pela ré, ou seja, o estafeta só pode receber pedidos se estiver registado na plataforma “GLOVO”.

Pelo que não se justifica qualquer alteração.

Quanto aos pontos 31) e 34) dos factos provados - WW

É o seguinte o seu teor:

31. Para tanto, o prestador de atividade esteve obrigado a enviar os seus documentos de identificação à plataforma, em concreto, carta de condução, declaração de início de atividade como trabalhador independente, com o código ...19 (outros prestadores de serviços), passaporte, registo e seguro do veículo de duas rodas.

34. No decurso da criação de conta o prestador de atividade, como passo obrigatório para o completar, identificou qual o tipo de veículo a utilizar no exercício das suas funções, com a obrigação de comunicar qualquer mudança do tipo de veículo utilizado.

Para a ré, estes factos devem ser considerados não provados pelos motivos constantes na alínea (a) do ponto 1.2.2. do presente Recurso, pelo teor dos pontos 82, 83, 84, 85, 87, 88, 89, 90 e 93 da matéria de Facto Provada da Sentença, sendo os prestadores de atividade livres de prestar atividade com aplicações concorrentes, ou diretamente para estabelecimentos e/ou clientes utilizadores ou não da aplicação da Recorrente. Tendo resultado da prova produzida, nomeadamente da testemunha EE, que os estafetas é que se registam voluntariamente para oferecer os serviços de estafeta através da aplicação da Recorrente, não sendo recrutados nem sujeitos a processo de recrutamento por parte da Recorrente.

Adicionalmente, não foi feita qualquer prova de que o prestador de atividade tenha que comunicar alterações de veículo, nem que a Recorrente controle qual o veículo que o prestador de atividade se encontre, efetivamente, a utilizar enquanto presta serviços, conforme referiram, e também a título de exemplo, as testemunhas EE e o prestador de atividade que referiu não ter identificado a viatura aquando do registo na aplicação.

Na resposta ao recurso, o Ministério Público alegou que não se coloca em causa que os estafetas são livres de se inscreverem na plataforma ou não. O facto aqui em causa é que escolhendo o estafeta inscrever-se na plataforma, para que esse registo seja validado tem de entregar aqueles documentos, não tendo possibilidade de se inscrever sem a entrega dos mesmos, como decorre da prova produzida.

E, quanto ao facto 34), a prova decorre do depoimento do inspetor da Autoridade para as Condições do Trabalho, do estafeta e dos termos e condições (veja-se nomeadamente o documento de fls. 118 que descreve o modo de proceder caso o estafeta quisesse alterar o veículo).

Assiste parcialmente razão à ré.

Da leitura do relatório do INESC resulta, sem margem para dúvidas, que no momento do registo, e para o poder completar, é exigido aos estafetas, entre outros elementos, endereço de correio eletrónico (e-mail), telefone, veículo (entre moto, carro ou bicicleta), foto do documento de identificação (com opção entre “Cartão de Cidadão”, “Título de residência” ou “Passaporte”), cópia do comprovativo de Início de Atividade nas Finanças.

Quanto aos documentos de registo do veículo ou comprovativos do respetivo seguro, nada é referido no relatório do INESC.

A testemunha AA confirmou que teve que fotografar e enviar o seu cartão de cidadão e o comprovativo de início de atividade, bem assim como uma fotografia sua. Mas não se recorda de ter enviado carta de condução, e os documentos do veículo ou do seguro. Também não referiu ser necessário comunicar ou solicitar autorização para mudar o veículo.

Em face do exposto, os pontos 31) e 34) devem passar a ter o seguinte teor:

31. Para tanto, o prestador de atividade esteve obrigado a enviar os seus documentos de identificação à plataforma, em concreto, declaração de início de atividade como trabalhador independente, com o código ...19 (outros prestadores de serviços), e passaporte.

34. No decurso da criação de conta o prestador de atividade, como passo obrigatório para o completar, identificou qual o tipo de veículo a utilizar no exercício das suas funções.

Quanto aos pontos 32) e 38) dos factos provados - XX

É o seguinte o seu teor:

32. No decurso do processo de inscrição, foi disponibilizado ao prestador de serviço uma sessão de informação/formação online prévia, na plataforma, com a duração de cerca de trinta minutos.

38. Na formação referida, o prestador é informado que tem acesso ao seguro Qover caso esteja a utilizar a plataforma – está coberto enquanto estiver online até uma hora após ficar offline.

Afirma a ré que, da prova testemunhal produzida resultou de forma clara e inequívoca que a Recorrente não presta nem ministra formação aos estafetas e que os vídeos que o Tribunal a quo, na matéria de facto, qualifica como formação online prévia, o que é conclusivo e integra o thema decidendum, pelo que deve por essa razão ser considerado não provado, são, na verdade, de visualização facultativa. Mais, nenhuma prova foi feita que nos referidos vídeos conste qualquer informação sobre “seguros” (depoimento EE e prestador de atividade, que admitiu não ter visto os vídeos todos). Pelo que, os pontos 32 e 38 dos Factos Provados deverão ser considerados como não provados.

Na resposta ao recurso, o Ministério Público alegou que decorre de todos os depoimentos recolhidos que ao estafeta aquando do processo de inscrição era disponibilizado um vídeo de visualização facultativa e que davam informações sobre o funcionamento da plataforma.

Assiste, parcialmente, razão à ré.

Do relatório do INESC resulta que no decurso do processo de inscrição do estafeta são disponibilizados vídeos de apresentação com informações básicas sobre a Glovo, nomeadamente "Introdução - O que é a Glovo?", "Como funciona a realização de pedidos?", "Sistema de Free Login" e "Contactos". A visualização destes vídeos é facultativa e a não visualização não impedia o prosseguimento do processo de inscrição.

O relatório do INESC não faz referências ao seguro Qover.

AA referiu que no decurso do processo de inscrição foram disponibilizados alguns tutoriais. Referiu que não eram de assistência obrigatória, e ele próprio não viu todos.

EE referiu que no decurso do processo de inscrição na plataforma Glovo, não é disponibilizada uma sessão de formação online prévia com a duração de cerca de trinta minutos no sentido de formação profissional. Durante o registo, são apresentados vídeos simples que demonstram o funcionamento da plataforma. Estes vídeos mostram como o estafeta deve aceder à plataforma, ver os detalhes dos pedidos, aceitar e realizar as entregas. Os estafetas não são obrigados a visualizar estes vídeos para poderem realizar entregas. Podem começar a utilizar a plataforma e realizar entregas sem sequer ver os vídeos.

Nenhuma das testemunhas confirmou a factualidade vertida no ponto 38).

Perante o exposto, o ponto 32) deverá passar a ter a seguinte redação:

32. No decurso do processo de inscrição, foram disponibilizados ao prestador de serviço vídeos informativos.

Já o ponto 38) deverá passar para o elenco dos factos não provados.

Quanto ao ponto 33) dos factos provados - YY

É o seguinte o seu teor:

33. O prestador de serviço, no seu processo de registo, escolheu a cidade de São João da Madeira, tendo ficado a desenvolver a sua atividade na localidade selecionada, mas cuja área de abrangência é definida pela plataforma (neste caso, concelhos de Oliveira de Azeméis, São João da Madeira e Santa Maria da Feira), não podendo ir para outra zona.

Para a ré, tanto o prestador de atividade, como a testemunha EE, esclareceram que os prestadores de atividade é que escolheram a área onde prestam serviços e que podiam alterar a área onde prestavam atividade, por decisão sua.

Por esse motivo, defende que o facto 33 deverá ser considerado parcialmente como não provado e deve passar a ter a seguinte redação:

“33. O prestador de serviço, no seu processo de registo, escolheu a cidade de São João da Madeira, tendo ficado a desenvolver a sua atividade na localidade selecionada, mas cuja área de abrangência é definida pela plataforma (neste caso, concelhos de Oliveira de Azeméis, São João da Madeira e Santa Maria da Feira), podendo prestar serviços com a aplicação gerida pela Recorrente em zona diferente, devendo comunicar à Recorrente a alteração de zona”.

Na resposta ao recurso, o Ministério Público alegou que decorre do depoimento de AA que a sua atividade era efetuada na área geográfica denominada pela Glovo como São João da Madeira e que incluía a área de vários municípios, ou seja, não só São João da Madeira, como Oliveira de Azeméis e Santa Maria da Feira, mas que exclui todas as outras cidades.

Decorre desse depoimento que após escolha e enquanto se mantiver a cidade de São João da Madeira, não pode o estafeta prestar a sua atividade para a Glovo em outra zona, como acima referido quanto ao facto 11) e que aqui se renova.

Apurou-se também que essa área podia ser posteriormente alterada, mas essa alteração dependia de pedido efetuado pelo estafeta à Ré e, posteriormente, carecia sempre de uma autorização da Ré, autorização esta que não é imediata, podendo demorar dias (EE, gestor de operações da Glovo).

Ou seja, ao contrário do alegado, embora essa zona inicialmente escolhida possa ser alterada, essa alteração não implica a mera comunicação à Ré, antes tem de ser por esta autorizado.

Assiste, parcialmente, razão à ré.

Resulta do relatório do INESC que, “no processo de registo efetuado pelo utilizador-estafeta ele teve total liberdade para escolher a zona geográfica que lhe era mais conveniente”.

E, no website público da ré (referido naquele relatório), disponível em https://delivery.glovoapp.com/pt/faq/, fornece a seguinte informação:

Glovo Pass: Entregar pedidos na App noutra cidade

Com o programa Glovo Pass, tens a oportunidade de trocar a tua cidade de atuação.

Troca de cidade permanente: se quiseres migrar para outra cidade, podes preencher o formulário abaixo e indicar que desejas alterar permanentemente a tua cidade de atuação. Assim que possível, a tua nova conta será criada. Após a criação da nova conta, a conta antiga será desativada e serás informado quando o processo estiver concluído.

Lembramos-te que ao alterares a tua zona, o teu histórico de pedidos não será transferido para a nova cidade. Receberás as informações relativas ao processo por e-mail.

Importante: a criação da tua nova conta só ocorrerá após as verificações necessárias e as alterações técnicas ao sistema, pelo que poderá demorar algum tempo. Caso precises cancelar a tua inscrição numa outra cidade, recomendamos que entres em contacto connosco por meio da App com brevidade para que possas evitar que a tua conta atual seja congelada – bold e sublinhado nosso.

Assim, o ponto 33) dos factos provados deverá passar a ter o seguinte teor:

33. O prestador de serviço, no seu processo de registo, escolheu a cidade de São João da Madeira, tendo ficado a desenvolver a sua atividade na localidade selecionada, mas cuja área de abrangência é definida pela plataforma (neste caso, concelhos de Oliveira de Azeméis, São João da Madeira e Santa Maria da Feira), podendo ir para outra zona se o requerer e depois de, feitas as verificações necessárias e as alterações técnicas ao sistema, ser criada uma nova conta.

Quanto ao ponto 36) dos factos provados - YY

É o seguinte o seu teor:

36. O estafeta está abrangido por seguro de responsabilidade civil contratado e disponibilizado pela plataforma, titulado pela seguradora A..., devendo, em caso de sinistro, reportar tal facto na plataforma da GLOVO, na área dos sinistros.

Defende a ré que o teor deste facto está incompleto e contém matéria falsa, que não resulta da prova produzida. Pelo contrário, da documentação junta pelo próprio Autor (que consta das páginas 111 e 158 de 229 da citação da Recorrente), do ponto 3.1. dos Termos e Condições juntos a fls. …, do ponto 39 dos Factos Provados da Sentença, o prestador de atividade paga uma taxa de utilização da aplicação quinzenalmente e que lhe dá acesso à cobertura de seguro pela duração da ligação à plataforma, é o prestador de atividade que suporta o custo do seguro e, em caso de sinistro, o mesmo deve contactar, querendo, diretamente a seguradora e não a Recorrente. Os demais seguros obrigatórios são da responsabilidade do estafeta, não se confundindo seguros de acidentes pessoais com seguros de acidentes de trabalho, pois não se destinam, sequer, a cobrir as mesmas eventualidades. O ora exposto foi corroborado pela testemunha EE. Pelo que, o facto 36 deverá ser considerado parcialmente como não provado e deve passar a ter a seguinte redação:

“36. O estafeta pagava uma taxa de utilização da plataforma de 1,85€ por quinzena, que incluía o acesso e a cobertura de seguro de responsabilidade civil contratado pela plataforma, titulado pela seguradora A..., podendo, em caso de sinistro, reportar tal facto à Seguradora”.

Na resposta ao recurso, o Ministério Público alegou que da leitura da argumentação verifica-se que o facto corresponde àquilo que a Ré afirma: confirma a Ré que o estafeta está abrangido por seguro de responsabilidade civil contratado e disponibilizado pela plataforma (não foi seguramente o estafeta que contratou este seguro), titulado pela seguradora A.... Questão diversa é a de quem assegura o pagamento inerente a este contrato e a isso se responde não no facto 36) impugnado, mas no facto 39), inexistindo por isso qualquer alteração a efetuar.

A formulação proposta pela ré é mais rigorosa.

Com efeito, consta do ponto 3.1 do documento TERMOS E CONDIÇÕES DE UTILIZAÇÃO DA PLATAFORMA GLOVO PARA ESTAFETAS, que:

“3.ª A Plataforma Digital da GLOVO Digital (os «Serviços de Tecnologia»)

3.1 Opções de Serviço

No nosso sítio Web encontrará uma descrição das nossas opções de Serviço de Tecnologia e explicaremos que opções de Serviço tem à sua disposição quando cria uma Conta GLOVO. Os presentes Termos e Condições serão aplicáveis a todos os nossos Serviços Tecnológicos se se registar na Plataforma como Utilizador Estafeta.

Serviços incluídos na Taxa de Utilização da Plataforma:

(…)

Acesso a cobertura de seguro durante o período de conexão à Plataforma”.

Perante isto, o ponto 36) dos factos provados deverá passar a ter o seguinte teor:

36. O estafeta pagava uma taxa de utilização da plataforma de 1,85€ por quinzena, que incluía o acesso e a cobertura de seguro de responsabilidade civil contratado pela plataforma, titulado pela seguradora A..., podendo, em caso de sinistro, reportar tal facto à Seguradora”.

Quanto ao ponto 43) dos factos provados - FFF

É o seguinte o seu teor:

43. O estafeta, neste caso, AA, não celebrou qualquer contrato comercial com os estabelecimentos aderentes da plataforma nem com os clientes finais.

Alega a ré que os beneficiários da atividade do utilizador estafeta são o utilizador cliente e o utilizador estabelecimento comercial, conforme resulta expressamente dos Termos e Condições juntos a fls. …: “O Estafeta reconhece que, ao aceitar um pedido, conforme aplicável com base na regulamentação local do respetivo país, celebrou um contrato comercial com o Estabelecimento Comercial e o Utilizador Cliente. Tal significa que o Estabelecimento Comercial e o Utilizador Cliente podem cancelar e/ou reatribuir o Serviço em qualquer altura por discordância dos compromissos assumidos ou infração dos mesmos”. O que é confirmado, também, das declarações prestadas pela testemunha EE. Além disso, o Tribunal a quo, na primeira parte do ponto 30 dos Factos Provados, reconhece e dá como provado, expressamente, que o prestador de atividade/estafeta, presta serviços de entrega aos clientes dos estabelecimentos comerciais. Pelo exposto, o facto 43 deverá ser considerado como não provado.

Na resposta ao recurso, o Ministério Público alegou que não se nega na sentença que os pedidos são efetuados por clientes dos parceiros de negócio da plataforma, tal como provado em 30), a questão é a prestação da tarefa do estafeta: e essa tarefa – entrega - foi acordada entre este e a plataforma, nunca tendo existido qualquer relação negocial entre o estafeta e o cliente final, nem com o estafeta e o restaurante.

A única entidade com quem o estafeta acordou foi a Ré, é esta que lhe propõe e é perante esta que o estafeta aceita, limitando-se os seus contactos com os outros dois intervenientes à estrita medida daquilo que a Ré lhe ordena e do modo como esta lhe ordena: dirigir-se ao restaurante, identificando o pedido, recolher o mesmo e entrega-lo no cliente final, sempre por indicação da Ré.

Ademais, como já referido, não é por a Ré colocar nos termos e condições que o estafeta reconhece que ao aceitar um pedido celebrou um contrato comercial com o estabelecimento comercial e o utilizador cliente que se prova que, na realidade e de facto, assim é. Essa prova terá de resultar do depoimento das partes que descrevem como esta relação se desenvolvia e como era executada.

Não assiste razão à ré.

É verdade que consta do documento TERMOS E CONDIÇÕES DE UTILIZAÇÃO DA PLATAFORMA GLOVO PARA ESTAFETAS que:

5.1.9 O Estafeta reconhece que, ao aceitar um pedido, conforme aplicável com base na regulamentação local do respetivo país, celebrou um contrato comercial com o Estabelecimento Comercial e o Utilizador Cliente. Tal significa que o Estabelecimento Comercial e o Utilizador Cliente podem cancelar e/ou reatribuir o Serviço em qualquer altura por discordância dos compromissos assumidos ou infração dos mesmos”.

Mas a realidade é bem distinta.

O estafeta não conhece os estabelecimentos aderentes, nem os utilizadores.

Limita-se a receber da plataforma da ré uma proposta para, mediante pagamento de determinada quantia, transportar um determinado bem do estabelecimento para a morada indicada pelo utilizador.

Como bem refere o Ministério Público, a “tarefa – entrega - foi acordada entre este e a plataforma, nunca tendo existido qualquer relação negocial entre o estafeta e o cliente final, nem com o estafeta e o restaurante.

A única entidade com quem o estafeta acordou foi a Ré, é esta que lhe propõe e é perante esta que o estafeta aceita, limitando-se os seus contactos com os outros dois intervenientes à estrita medida daquilo que a Ré lhe ordena e do modo como esta lhe ordena: dirigir-se ao restaurante, identificando o pedido, recolher o mesmo e entrega-lo no cliente final, sempre por indicação da Ré.

Ademais, como já referido, não é por a Ré colocar nos termos e condições que o estafeta reconhece que ao aceitar um pedido celebrou um contrato comercial com o estabelecimento comercial e o utilizador cliente que se prova que, na realidade e de facto, assim é”.

Admitimos, no entanto, que a expressão “contrato comercial” encerra matéria de direito e deverá ser substituída.

Perante isto, o ponto 43) dos factos provados deverá passar a ter o seguinte teor:

“43. O estafeta, neste caso, AA, não celebrou qualquer acordo com os estabelecimentos aderentes da plataforma nem com os clientes finais.”

Quanto aos pontos 47) e 53) dos factos provados - JJJ

É o seguinte o seu teor:

47. Após a aceitação do pedido, quer a plataforma quer o cliente final passam a conhecer, em tempo real, a sua localização devido à geolocalização existente na App, fazendo a ré, através da plataforma, a partilha desses dados com o cliente final;

53. A Ré, através da plataforma, determina que o prestador tem de ativar o “permitir sempre a localização”.

Afirma a ré que o teor dos pontos 47 e 53 dos factos provados é falso e está em contradição com os pontos 77, 88 e 90 da matéria de facto provada. Se após a aceitação do serviço por parte do utilizador estafeta, que é livre de o recusar, o mesmo pode desligar a geolocalização, é imperativo concluir que, após a aceitação do pedido, tanto a plataforma como cliente final, podem não saber onde é que o estafeta se posiciona, nem o itinerário que o mesmo efetua em direção ao ponto de recolha e ao ponto de entrega. Vale por dizer, a Recorrente não efetua qualquer espécie de controlo sobre o prestador de atividade, resultando resulta expressamente do documento junto pelo Autor na página 159 de 229 da citação da Recorrente, que o prestador de atividade, mesmo com a aplicação offline consegue executar o serviço. Tudo isto é corroborado pelo ponto 9.3 dos Termos e Condições, pelo Parecer junto a fls. … e do depoimento da testemunha EE.

Em suma não se provou que o estafeta, enquanto está a exercer a sua atividade, tenha que ter a sua geolocalização permanentemente ativa e que, para o efeito, tenham instruções da ré para ativar a opção “permitir sempre a localização”; não se provou que o tempo de entrega dos pedidos e o percurso efetuado pelos estafetas seja controlado pela ré, em tempo real, através da sua plataforma; provou-se, pelo contrário que a geolocalização ativa mas apenas quando o pedido é efetuado e aceite, sendo que após a aceitação pode ser objeto de desativação.

Pelo exposto, o ponto 53 da matéria de Facto Provada dever ser considerado não provado e o ponto 47 deverá ser considerado como não provado e deverá passar a ter a seguinte redação:

“47. Após a aceitação do pedido, o prestador de atividade pode desligar a geolocalização, podendo concluir o serviço de entrega com a geolocalização desligada. Se o prestador de atividade quiser, pode ligar a geolocalização e, nesse caso, quer a plataforma quer o cliente final passam a conhecer, em tempo real, a sua localização devido à geolocalização existente na App, fazendo a ré, através da plataforma, a partilha desses dados com o utilizador cliente”.

Na resposta ao recurso, o Ministério Público alegou que embora seja possível executar a entrega sem a geolocalização ativada, a Ré impõe ao prestador a sua ativação tal como se considerou provado em 47) e 53) – decorre isso não só de todo o sistema estar construído no pressuposto dessa geolocalização como, de facto, o próprio sistema quando a geolocalição está desligada (por acto voluntário do estafeta ou falha do serviço), apresenta ao estafeta uma mensagem de erro ordenando-lhe que o mesmo a active: tal como provado em 77): “Ups! Ativar o serviço de localização” e decorre do vídeo junto pela própria ré aos autos.

Não se encontram ainda estes factos em contradição com o facto 88): a circunstância de a Ré não impor uma rota e o estafeta poder optar pelo percurso que entende até ao destino, não significa que a Ré, com o sistema de geolocalização activo, não saiba onde o estafeta se encontre, mesmo que não siga a rota indicada.

Assiste, parcialmente, razão à ré.

Quanto ao ponto 47) nada há a apontar.

Com efeito, uma vez aceite o pedido, quer a plataforma quer o cliente final passam a conhecer, em tempo real, a sua localização devido à geolocalização existente na App, fazendo a ré, através da plataforma, a partilha desses dados com o cliente final.

Isso não significa (daí inexistir a contradição apontada) que o estafeta tenha, para fazer a entrega, que manter a geolocalização ativa. Mas, se mantiver, a informação chega à plataforma e ao utilizador.

Já quanto ao ponto 53), a prova produzida não confirma o seu teor.

Com efeito, uma coisa é (ponto 51) a plataforma informar o estafeta se o sistema de geolocalização estivesse desligado no telemóvel pessoal com a mensagem: «Ups! Ativar o serviço de localização». Outra, completamente distinta, é a afirmação de que a ré, através da plataforma, determina que o prestador tem de ativar o “permitir sempre a localização”.

Do relatório do INESC e dos depoimentos de EE e AA, resulta o contrário, ou seja, que o estafeta pode, após aceitação do pedido, desligar a geolocalização.

Pelo que, a matéria do ponto 53) deverá passar para o elenco dos factos não provados.

Quanto ao ponto 49) dos factos provados - PPP

É o seguinte o seu teor:

49. O estafeta quando chegava ao ponto de recolha devia ativar na app o botão “cheguei” para que o parceiro fique a saber que este está no ponto de recolha e lhe fosse entregue o pedido.

Alega a ré que o teor deste ponto é falso. Existe uma grande diferença entre “dever” e “poder”, que o Tribunal a quo decidiu, olimpicamente, ignorar, quando resulta da prova produzida precisamente o contrário do teor do referido ponto.

No Parecer do INESC-ID, junto a fls. …, que contém informação com base em teste efetuados em tempo real por um estafeta teste do próprio INESC-ID, o qual em nenhum momento foi contraditado, constam questões e respostas, de onde resulta a inexistência de controlo em tempo real por parte da Recorrente e, em particular que: “nos testes efetuados, verificámos que a não confirmação da passagem pelas várias etapas, embora possa limitar a capacidade dos restantes intervenientes (parceiro e utilizador-estafeta) seguirem o desenrolar do serviço, não é impeditiva da realização do mesmo por parte do utilizador-estafeta.”

Em suma, apesar de os estafetas poderem marcar na aplicação que já chegaram ao estabelecimento e que já recolheram a encomenda – para poderem confirmar a qualidade do serviço prestado -, por exemplo, não têm qualquer penalização ou advertência se o não fizerem, sendo livres de o fazer ou não.

Pelo exposto, o facto 49 deverá ser considerado como não provado, devendo passar a ter a seguinte redação:

49. O estafeta quando chegava ao ponto de recolha podia, querendo, ativar na app o botão “cheguei” para que o parceiro fique a saber que está no ponto de recolha e lhe fosse entregue o pedido. Se o estafeta não ativasse o botão cheguei, não tinha qualquer consequência.

Na resposta ao recurso, o Ministério Público alegou que não se indica neste facto, nem que o estafeta não pode comunicar a realização do serviço de outro modo que não através do botão “cheguei”, como não se afirma que se não o fizerem desse modo, mas por contacto com o call center têm alguma penalização.

O que se refere naquele facto é aquilo que o estafeta deveria efetuar quando chegava ao ponto de recolha e é inegável, tanto que é o que resulta das informações, que o modo usual e que deveria ser cumprido era esse, embora, excecionalmente, nomeadamente, quando o sistema de geolocalização estava desligado podia acionar a entrega de outro modo.

Ou seja, tal como consta do facto devia ativar na app o botão “cheguei”, mas como consta do facto 77) quando tinha a geolocalização desativada, podia recorrer a outros meios.

Efetivamente se a regra fosse não ter o sistema de geolocalização ativo e assinalar a entrega por outros meios, não apareceria a mensagem de erro dizendo ao estafeta para ativar o serviço de localização.

Não assiste razão à ré.

Consta do parecer do INESC que: Durante a execução e após a realização de um serviço é solicitado ao utilizador-estafeta que confirme a passagem pelas várias etapas do ciclo de vida do serviço (chegada ao parceiro, recolha dos artigos, chegada ao utilizador-cliente, entrega dos artigos - conclusão). No entanto, não podemos considerar esta solicitação como sendo algum tipo de controlo em tempo real.

Adicionalmente, nos testes efetuados, verificámos que a não confirmação da passagem pelas várias etapas, embora possa limitar a capacidade dos restantes interveniente (parceiro e utilizador-estafeta) seguirem o desenrolar do serviço, não é impeditiva da realização do mesmo por parte do utilizador-estafeta – bold e sublinhado nosso.

Ou seja, o estafeta devia sinalizar a chegada ao ponto de recolha, ainda que a não sinalização, embora podendo prejudicar o serviço, não seja impeditiva da realização do mesmo.

Pelo que nada há a apontar à resposta dada pelo tribunal a esta matéria.

Quanto ao ponto 59) dos factos provados - TTT

É o seguinte o seu teor:

59. O prestador de atividade em causa nos autos fica disponível durante vários períodos do dia (por exemplo durante o período do almoço e do jantar) e durante vários dias da semana.

Defende a ré que inexiste qualquer prova produzida nos autos que sustente a factualidade do ponto 59 dos Factos Provados. O Interveniente Acidental (cfr. depoimento gravado, disponível no Citius, de 00:18:27.3 a 00:18:28.6 e de 00:57:54.0 a 00:58:26.9)) admitiu nas suas declarações que até ficava em casa até surgirem as primeiras propostas de serviços e se existisse um período com menos cadência de pedidos, voltava novamente para casa para aguardar por novos pedidos, algo que é contraditório com o Ponto 59 dos Factos Provados. Da prova documental junta aos autos, em particular do registo do multiplicador junto com o requerimento de 04.06.2024, com a ref.ª 49108402 a fls… dos autos, resulta que o prestador de atividade nem sequer se ligou à aplicação da Recorrente nos seguintes dias: 5 a 9 de agosto, 11 a 14 de agosto, 16 de agosto e 27 de agosto de 2023. É, portanto, falso e genérico, dar como provado que o prestador de atividade fica disponível durante vários dias da semana, pois, atenta a liberdade que tem, de se ligar e desligar quando quer (ponto 57 dos Factos Provados), é impossível fazer essa determinação. Pelo exposto, o facto 59 deverá ser considerado como não provado.

Na resposta ao recurso, o Ministério Público alegou que a prova decorre do depoimento do estafeta que descreveu a periodicidade com que se ligava à plataforma para prestar atividade: por norma trabalhava os 7 dias da semana, não das 11h00 às 23h00, mas cerca de 6 horas por dia (depoimento de AA).

Não assiste razão à ré.

No seu depoimento, AA referiu que trabalhava, em regra, sete dias por semana. Porém, não trabalhava continuamente durante todo o dia. Fazia algumas horas por dia.

Este depoimento confirma a factualidade vertida no ponto 59) dos factos provados.

Quanto ao ponto 66) dos factos provados - XXX

É o seguinte o seu teor:

66. O referido AA, no dia, hora e local acima referidos encontrava-se sujeito ao regime e regras acima indicadas na sua atividade como estafeta.

Afirma a ré que este ponto contém factos conclusivos.

Entendemos, neste ponto, assistir razão à ré.

O teor do ponto 66) não contém um substrato relevante para o acervo dos factos que importam para uma decisão justa, ficando por saber que regras em particular o estafeta estava, naquele dia, hora e local a observar.

Pelo que este facto se deverá ter por não escrito.

Quanto ao ponto 67) dos factos provados - YYY

É o seguinte o seu teor:

67. Em 1 de outubro de 2021 a Ré aceitou o registo e início do serviço de AA, após inscrição do mesmo na referida app, para exercer as funções de estafeta, mediante o pagamento de contrapartida de natureza monetária, paga com periodicidade quinzenal nos termos já referidos.

Diz a ré que não aceita nem deixa de aceitar o “início do serviço” de estafeta. O estafeta é livre de prestar a atividade de estafeta com a aplicação que desejar ou diretamente para estabelecimentos, conforme resulta dos pontos 72 e 93 dos Factos Provados da Sentença. Resulta dos pontos 17, 82, 84, 85, 86, 88, 89 e 90 da própria matéria de Facto Provada da Sentença factualidade que infirma o ponto 67 dos factos provados dos Factos Provados.

Dos Factos Provados da Sentença ora descritos resulta evidente que os prestadores de atividade têm liberdade para definir onde, como, quando e a quem é que pretendem prestar serviços de entregas propostas através da aplicação gerida pela Recorrente, bem como quais os itinerários a efetuar.

É o prestador da atividade que define o tempo em que se pretende manter ligado e consequente o número de pedidos que recebe, bem como em aceitar aqueles que lhe apresentem o preço desejado ou rejeitar aqueles que não lhe interessem (pontos 17, 82, 84, 85, 86, 88, 89, 90 e 93 dos Factos Provados da Sentença).

É o prestador da atividade que escolhe o local em que se pretende ligar para receber pedidos de entrega, o que influencia, naturalmente, os quilómetros a percorrer pelo próprio e, influenciará, a decisão do próprio em efetuar determinadas distâncias e/ou para determinadas zonas.

O facto de o prestador de atividade não poder apresentar uma contraproposta através da aplicação gerida pela Recorrente, não significa que seja a Recorrente a fixar a retribuição, pois o estafeta é livre de não prestar esse serviço.

A testemunha EE confirmou que inexistem limites mínimos e máximos para os serviços que o prestador entenda prestar, não lhe sendo impostos quaisquer objetivos pela Recorrente.

O Prestador de atividade e a Sra. Inspetora da ACT esclareceram que o estafeta só recebe em função dos serviços que decida prestar.

Conforme resulta do ponto 72 dos Factos Provados da Sentença, o estafeta é que se decidiu registar na aplicação gerida pela Recorrente para aceder a um maior número de potenciais clientes para prestar serviços de entrega, podendo conectar-se ou desconectar-se em qualquer altura, de acordo com a sua disponibilidade e com os pedidos que pretende realizar, e podendo conectar-se a outras plataformas.

Deste modo, não se pode aceitar que a Recorrente tenha aceitado a prestação de funções de estafeta. A Recorrente, quanto muito, aceitou que o prestador de atividade utilizasse a aplicação gerida pela Recorrente para oferecer os serviços de estafeta!

Pelo exposto, o facto 67 deverá ser considerado como não provado ou, caso assim não se entenda, passar a ter a seguinte redação:

“67. Em 1 de outubro de 2021 a Ré aceitou o registo de AA, após inscrição do mesmo na referida app, enquanto utilizador estafeta, para oferecer os seus serviços de estafeta, mediante o pagamento de contrapartida de natureza monetária, paga, com periodicidade quinzenal nos termos já referidos, na eventualidade de ter efetivamente prestado serviços”.

Na resposta ao recurso, o Ministério Público alegou que resulta da prova que após a conclusão com sucesso da inscrição, AA pode começar a exercer as funções de estafeta através da app da Glovo.

Não se coloca em questão que foi livre de o fazer no dia 01 de Outubro de 2021 ou em qualquer outro dia após este, mas a verdade é que esta data marca o início em que o mesmo começou a desempenhar tais tarefas.

Pela prestação dessas tarefas recebia quinzenalmente uma contrapartida de natureza monetária, tal como já acima referido, remetendo-se para tal exposição

Não assiste razão à ré.

A ré, verdadeiramente, pode aceitar ou não o registo.

Com efeito, resulta claramente do relatório do INESC que o estafeta só consegue terminar o registo se consignar que tem mochila isotérmica e se juntar os documentos pedidos. Ou seja, ainda que não seja através de uma interação humana, a ré define as condições em que a pessoa pode registar-se. E, com o estabelecimento de tais critérios, define se aceita ou não um registo.

E quanto aos pagamentos, já vimos supra que os mesmos têm uma periodicidade quinzenal e estão dependentes das entregas realizadas.

Quanto ao ponto 68) dos factos provados - JJJJ

É o seguinte o seu teor:

68. Desde então e até à presente data, o referido AA vem exercendo as funções de estafeta efetuando distribuição e entrega de produtos alimentares adquiridos por terceiros por meio da plataforma eletrónica da GLOVO, o que fez de forma ininterrupta, todos os dias, cerca de 6 horas por dia, até meados de junho de 2024, apresentando-se aos comerciantes e clientes como estafeta da ré, quase todos os dias, prestando a sua atividade nas áreas dos concelhos de São João da Madeira, Oliveira de Azeméis e Santa Maria da Feira.

Afirma a ré que o ponto 68 dos Factos Provados é contraditório em si mesmo e com factualidade considerada provada na sentença, nomeadamente os pontos 75, 76, 87 e 93 da matéria de Facto Provada, pelo que deverá ser considerado como não provado.

À data da audiência de julgamento (05.07.2024) e, pelo menos, desde o mês de junho de 2024, o estafeta já tinha deixado de prestar serviços de estafeta, nomeadamente com a utilização da aplicação gerida pela Recorrente, exercendo a atividade de “TVDE”, cfr. depoimento do estafeta.

Não resultou provado que efetuasse distribuição e entrega de produtos alimentares adquiridos por terceiros por meio da plataforma eletrónica da Glovo. Tanto mais que, o Tribunal a quo considerou provado que os utilizadores clientes podem solicitar serviços de entrega aos estafetas sem fazer qualquer aquisição a estabelecimentos, e se o fizerem, não estão restringidos a produtos alimentares.

Não resultou provado que o estafeta realizasse atividade de estafeta, de forma ininterrupta, cerca de 6 horas por dia, antes pelo contrário, e como referido já acima, resultou documentalmente provado que foram inúmeros os períodos em que não prestou qualquer atividade (registo do multiplicador junto com o requerimento de 04.06.2024, com a ref.ª 49108402 a fls… dos autos).

Na redação do facto, o Tribunal a quo entra em contradição e já não se refere à prestação de serviços “de forma ininterrupta, todos os dias, cerca de 6 horas por dia” para “quase todos os dias”. Aliás, tal facto não foi alegado na petição inicial, e nem sequer foi dada oportunidade para a Recorrente fazer prova, nomeadamente documental, que facilmente infirmaria tamanha conclusão infundada.

É absolutamente falso, inexistindo qualquer prova nesse sentido, que o prestador de atividade se apresentasse aos comerciais e clientes “como estafeta da Ré”. Recorda-se que o Tribunal a quo, nesta parte bem, deu como provado os pontos 76, 87 e 93 da Sentença que infirmam tal afirmação, pois declara expressamente que os estafetas prestam serviços de entrega aos clientes dos estabelecimentos comerciais.

Na resposta ao recurso, o Ministério Público disse reconhecer que o até à presente data poderá conflituar com a baliza temporal limite que se indica no facto de “meados de Junho de 2024”, devendo esse facto mencionar “desde 01.10.2021 (facto 67) a meados de Junho de 2024, o referido AA vem exercendo as funções de estafeta efetuando distribuição e entrega de produtos alimentares adquiridos por terceiros por meio da plataforma eletrónica da GLOVO, o que fez de forma ininterrupta, todos os dias, cerca de 6 horas por dia, apresentando-se aos comerciantes e clientes como estafeta da ré, quase todos os dias, prestando a sua atividade nas áreas dos concelhos de São João da Madeira, Oliveira de Azeméis e Santa Maria da Feira”.

Disse, ainda, não poder concordar com as objeções quanto ao demais, nomeadamente por de acordo com os factos 76) a 87) o estafeta não usar uniforme e poder usar mochila com identificação de outra plataforma, dado que, aquando das entregas por conta da Glovo – que é aquilo que aqui está em causa – o estafeta apresentou-se como estafeta da Ré, tanto que para confirmação disso mesmo lhes entregou os códigos respetivos ao pedido efetuado à Ré.

Neste ponto assiste, parcialmente, razão à ré.

Com efeito, e conforme reconhece o Ministério Público, o período em que AA desempenhou tarefas de estafeta para a ré foi de 1/10/2021 e até meados de Junho de 2024.

Quanto aos dias da semana e ao número de horas, remete-se para o que foi dito a propósito do ponto 59).

Em face do exposto, o ponto 68) deverá passar a ter o seguinte teor:

68. Desde 1/10/2021 e até meados de Junho de 2024, o referido AA vem exercendo as funções de estafeta efetuando distribuição e entrega de produtos alimentares adquiridos por terceiros por meio da plataforma eletrónica da GLOVO, o que fez durante vários períodos do dia (por exemplo durante o período do almoço e do jantar) e durante vários dias da semana, apresentando-se aos comerciantes e clientes como estafeta da ré, quase todos os dias, prestando a sua atividade nas áreas dos concelhos de São João da Madeira, Oliveira de Azeméis e Santa Maria da Feira.

Quanto aos pontos 60), 81), 83) e 94) dos factos provados - QQQQ

É o seguinte o seu teor:

60. Pelo menos até maio de 2023, a plataforma suspendia temporariamente a possibilidade de receber pedidos, pelo menos, quando o estafeta fazia entregas fora da zona ou saía da zona durante a faixa horária que lhe estava atribuída, quando recusava mais de dois pedidos por dia, quando não fazia o reconhecimento facial positivo ou quando ao depositava o saldo em caixa determinado pela plataforma no prazo de 24 horas.

81. Antes de maio de 2023, o prestador de atividade tinha de escolher faixas horárias definidas pela ré, de acordo com uma prioridade atribuída por esta em função da notação numérica que esta lhe atribuía, só podendo ligar-se nessas faixas horárias e ficando impedido de exercer atividade nessas faixas caso não se ligasse nesses períodos ou recusasse mais de dois pedidos.

83. Antes de maio de 2023, estando ligado, o prestador da atividade podia aceitar ou recusar os pedidos, até ao limite de duas recusas diárias, sob pena de ficar impossibilitado de exercer atividade nessa faixa horária e na seguinte;

94. Em maio de 2023, a ré introduziu alterações nos termos contratuais e no funcionamento da sua aplicação, através da qual os estafetas operam, abrangendo designadamente os seguintes aspetos:

1)- eliminação da exigência da indicação pelos estafetas, duas vezes por semana, de slots de horário previamente definidos pela plataforma;

2)- eliminação da avaliação do cliente que determinam a atribuição ao estafeta de uma nota quantitativa, entre 0 e 5, que define a prioridade dos estafetas nas escolhas dos slots de horário;

3)-eliminação da atribuição a um certo número de recusas de entregas na consequência de perda de slots de horário em causa e, eventualmente, do seguinte com abertura de vagas nesses horários para outros estafetas;

4)- introdução de um multiplicador entre 0,9 e 1,1 a aplicar à retribuição da entrega, escolhida uma vez por dia pelo estafeta que, em outubro/novembro de 2023 passou para o intervalo entre 1 e 1.1.

Para a ré estes factos devem ser considerados como não provados.

Em primeiro lugar, porque não resulta da matéria alegada na petição inicial qualquer factualidade relativa ao período de atividade do prestador anterior à entrada em vigor do artigo 12.º-A do Código do Trabalho. Por conseguinte, a Recorrente, na sua contestação, não exerceu o direito ao contraditório relativamente a tal factualidade.

Deste modo, foi confrontada na Sentença com factualidade putativamente considerada provada que não foi objeto de efetivo contraditório por parte da Recorrente, e que consiste, também, em convicções do Mmo. Juiz do Tribunal a quo não suportadas em prova documental ou prova testemunhal segura, clara e consistente, que lhe tivesse permitido decidir como fez, o que aqui se demonstrará.

Ainda que de forma incompleta e que resultará complementado adiante, dispõe o ponto 56 dos Factos Provados da sentença que:

“56. Até maio de 2023, em determinados dias da semana, a ré abria faixas horárias definidas pela plataforma que os estafetas escolhiam pela ordem da respetiva notação atribuída pela plataforma, escolhendo primeiro os estafetas com melhor nota numérica e só podiam aceder à plataforma e receber pedidos nas faixas horárias escolhidas”.

Ou seja, resulta daquele que até maio de 2023:

o Era o prestador de atividade que escolhia as faixas horárias (“slots” horários), em que pretendia ligar-se à aplicação para prestar serviços de estafeta;

o A seleção das faixas horárias pelo prestador de atividade, ocorria, em determinados dias da semana (que eram dois mas o Tribunal a quo não apurou, ou não cuidou apurar!), bem como, a qualquer momento, em virtude da desistência de outros estafetas que tivessem escolhido determinado slot horário.

Significa, portanto, que o Tribunal a quo, nos pontos 68, 81, 83 e 94 dos Factos Provados, deu como provada matéria em contradição com o teor deste ponto 56.

O próprio teor dos pontos 81 e 83 e 94 n.º 3 dos Factos Provados da Sentença, é contraditório entre si e revelador da falta de prova e consistência da mesma, porquanto, o Tribunal a quo afirma que:

o A recusa de mais de dois pedidos numa slot horária (faixa horária) impedia o estafeta de prestar atividade nessa faixa horária (ponto 81 dos Factos Provados);

o A recusa de até dois pedidos numa slot horária (faixa horária) impedia o estafeta de prestar atividade nessa faixa horária e na seguinte (ponto 83 dos Factos Provados); e

o A recusa de “um certo número” de entregas numa slot horária (faixa horária) implicava a perda dessa slot horária e “eventualmente” da slot horária seguinte (ponto 94 n.º 3 dos Factos Provados).

Recorda-se que o Tribunal a quo considerou não se ter provado que:

4. A ré através da aplicação aplicava sanções ao trabalhador, sancionando-o por uma pluralidade de condutas diferentes, como por exemplo: atrasos, ausências, más avaliações, períodos de indisponibilidade.

A prova testemunhal produzida em sede de audiência de julgamento corrobora todo o entendimento acima referido. Assim:

• A testemunha EE esclareceu que:

o Eram os estafetas que escolhiam as slots horárias em que pretendiam oferecer os seus serviços;

o Os estafetas com melhor pontuação tinham oportunidade de escolher as slots horárias em primeiro lugar. Não obstante, isso não significa que os estafetas com menor pontuação não pudessem escolher as mesmas slots horárias, quer porque os primeiros não as tivessem escolhido, quer porque, tendo escolhido, eram livres de não prestar atividade nessas slots que ficam livres para escolha do estafeta (independentemente da pontuação que tivesse) que assim o pretendesse;

o Não era a Recorrente que fixava ou atribuía quaisquer slots horárias a prestadores de atividade específicos;

o Não havia qualquer obrigação de regularidade ou assiduidade; o Não havia qualquer obrigação de prestação de serviços nas slots horárias escolhidas; o O estafeta podia recusar 10 ofertas de serviço por slot horária. Após a 10.ª recusa, a aplicação presumia a falta de interesse na realização de serviços naquela slot horária, e abria a mesma para todos os outros estafetas que quisessem prestar atividade, sendo qualquer um deles livre de a escolher, ou não;

o O prestador de atividade cuja slot horária tivesse sido oferecida a outros estafetas por recusa de mais de 10 serviços, voltava a poder prestar serviços nas slots horárias seguintes que o mesmo tivesse escolhido, voltando a poder recusar 10 serviços .

• A testemunha / prestador de atividade AA:

o Confirmou que se podia desligar da aplicação durante os períodos que entendesse, sem qualquer penalização e sem ter que avisar e/ou solicitar autorização previamente;

o Esclareceu que era o próprio que, antes de 1 de maio de 2023, escolhia as slots horárias (faixa de 1 hora cada) em que pretendia oferecer os seus serviços;

o Também confirmou que a referida escolha obedecia a uma ordem de prioridade, com os estafetas com pontuação mais alta a serem os primeiros a realizar a referida escolha, o que não impedia os restantes, ainda assim, de escolher slots horárias, inclusive aqueles que tivessem sido oferecidas aos estafetas com maior pontuação;

o Não conseguiu confirmar e assumiu não se recordar de quantas recusas de propostas de serviço é que poderia fazer por slot horária e/ou dia;

o Assim como também não conseguiu confirmar e/ou recordar da existência de penalizações por recusar propostas de serviço numa determinada slot horária.

A corroborar o facto de na petição inicial nada se ter alegado em relação à escolha de slots de horas no período anterior a 01.05.2023, resulta o depoimento da Sra. Inspetora da ACT que efetuou a participação que deu origem aos presentes autos, que apenas apurou que os estafetas não têm que indicar quando é que se vão ligar ou desligar da aplicação, sendo totalmente livres de escolher quando prestar atividade e quais os serviços a prestar.

Por fim, relativamente à matéria do reconhecimento facial constante do ponto 60 dos Factos Provados, a mesma é contraditória e conclusiva, porquanto resulta do ponto 61 que não se apurou o número de solicitações para reconhecimento facial que determinariam a suspensão de receção de propostas de serviços.

Pelo exposto, os pontos 60, 81, 83 e 94 deverão ser considerados como parcialmente não provados, devendo passar a ter a seguinte redação:

60. Pelo menos até maio de 2023, a plataforma suspendia temporariamente a possibilidade de receber pedidos, pelo menos, quando o estafeta fazia entregas fora da zona ou saía da zona durante a faixa horária que o mesmo tivesse escolhido, quando recusava mais de dez pedidos nessa slot horária, ou quando não depositava o saldo em caixa determinado pela plataforma no prazo de 24 horas”.

81. Antes de maio de 2023, o prestador de atividade tinha de escolher faixas horárias disponibilizadas pela ré, de acordo com uma prioridade atribuída por esta em função da notação numérica que esta lhe atribuía, podendo ligar-se nessas faixas horárias e noutras faixas horárias que viesse a selecionar caso outros estafetas não as utilizassem e ficando impedido de exercer atividade nessas faixas caso não se ligasse nesses períodos ou recusasse mais de dez pedidos.

“83. Antes de maio de 2023, estando ligado, o prestador da atividade podia aceitar ou recusar os pedidos, até ao limite de dez recusas por faixa horária, sob pena de ficar impossibilitado de exercer atividade nessa faixa horária, podendo ligar-se nas restantes que tivesse selecionado;

94. Em maio de 2023, a ré introduziu alterações nos termos contratuais e no funcionamento da sua aplicação, através da qual os estafetas operam, abrangendo designadamente os seguintes aspetos:

1)- eliminação da exigência da indicação pelos estafetas, duas vezes por semana, de slots de horário previamente disponibilizadas pela plataforma;

2)- eliminação da avaliação do cliente que determinam a atribuição ao estafeta de uma nota quantitativa, entre 0 e 5, que define a prioridade dos estafetas nas escolhas dos slots de horas;

3)- eliminação da atribuição a um certo número de recusas de entregas na consequência de perda de slots de horário em causa, com abertura de vagas nesses horários para outros estafetas;

4)- introdução de um multiplicador entre 0,9 e 1,1 a aplicar à retribuição da entrega, escolhida uma vez por dia pelo estafeta que, em outubro/novembro de 2023 passou para o intervalo entre 1 e 1.1.

Na resposta ao recurso, o Ministério Público alegou que a matéria de facto alegada na petição inicial diz respeito a toda a relação estabelecida entre a Ré e o estafeta AA desde 01.10.2021 (artigo 75.º da petição inicial, do modo descrito na peça em todo o seu articulado), referindo-se o artigo 65.º e 66.º aos horários e períodos de trabalho disponibilizados pela Ré, o artigo 67.º relativamente às sanções aplicadas ao trabalhador nomeadamente por “períodos de indisponibilidade, recusa de pedidos”.

Trata-se por isso de tema de prova sujeito a discussão, tendo sido provado não inteiramente estes factos tal como indicados na petição, mas com os esclarecimentos que constam dos factos acima indicados, dado que os horários e a sua disponibilidade não foram praticados do mesmo modo ao longo do tempo da relação entre Ré e estafeta.

Foi também por isso que, após produção de prova, como consta expressamente na ata de audiência de 15.07.2024, foi aditado o facto 94), tendo sido notificadas as partes nos termos e para os efeitos previstos no artigo 72.º, n,º1 do Código de Processo do Trabalho, nada tendo sido requerido pela Ré ou pelo Autor.

Não corresponde por isso à verdade, que tais factos não constassem da petição inicial e que não integrassem o acervo dos temas de prova relativamente aos quais a Ré teve oportunidade de exercer o seu direito ao contraditório, tendo tido possibilidade de exercer esse contraditório durante a produção de prova e, relativamente ao facto aditado, quando lhe foi dada oportunidade para tanto.

A prova deste facto decorre do depoimento de AA, que descreveu que havia dias em que tinha de fazer escolha das slots horárias, ficando penalizado em caso de recusa dos pedidos, bem como do depoimento do gestor de operações da Ré (EE, gestor de operações da Glovo) que fala das slots horárias, bem como esclarecendo que os estafetas tinham uma classificação e, em caso de má classificação, não tinham acesso a todos os horários, mas apenas aos melhores classificados, só podendo os mal classificados ter acesso a esses horários se os melhores desistissem deles (depoimento acima referido 29m08s) e referindo que existia um número máximo de recusas de pedidos, após o que a slot horária escolhida ficava indisponível (a hora vermelha aludida por muitos dos estafetas ouvidos), pelo que nesse período de tempo não podiam prestar a sua atividade através da aplicação – ou seja, a rejeição de pedidos tinha consequência e essa consequência era uma penalização por o impedir de exercer a atividade.

Nesta parte, concordamos com a posição defendida pelo Ministério Público.

A questão dos horários e períodos de trabalho foi alegada na petição inicial e a resposta do tribunal, sustentada nos depoimentos de AA e EE corroboram tal factualidade, ainda que com esclarecimentos decorrentes da produção de prova.

O facto do ponto 94) foi aditado em obediência ao disposto no art.º 72.º, n,º1 do Código de Processo do Trabalho, tendo as partes sido notificadas. Pelo que inexiste fundamento para a recorrente alegar violação do princípio do contraditório.

Finalmente, não se vislumbra qualquer contradição entre esta factualidade e a restante factualidade provada, em particular o ponto 56). Pelo contrário, o ponto 56) indica, no essencial, a mesma factualidade vertida no ponto 81) dos factos provados.

Pelo que nada há a apontar à resposta dada.

Quanto ao ponto 91) dos factos provados - DDDDD

É o seguinte o seu teor:

91. O prestador de atividade recebe instruções, via plataforma, para se deslocar ao estabelecimento, para assinalar a chagada ao estabelecimento, carregando no botão “cheguei”, para se deslocar ao local de entrega e para assinalar a conclusão da entrega;

Defende a ré que inexiste qualquer descrição sobre como, quando e de que forma é que a Recorrente, supostamente, dará instruções ao prestador de atividade.

Da matéria de Facto Provada da Sentença, constam factos demonstrativos da inexistência do alegado controlo da Recorrente sobre a prestação de serviço dos estafetas, nomeadamente dos pontos 80, 82 e 90 dos Factos Provados.

No Parecer do INESC-ID, junto a fls. …, que contém informação com base em teste efetuados em tempo real por um estafeta teste do próprio INESC-ID, o qual em nenhum momento foi contraditado, constam as seguintes questões e respostas, de onde resulta que “…nos testes efetuados, verificámos que a não confirmação da passagem pelas várias etapas, embora possa limitar a capacidade dos restantes intervenientes (parceiro e utilizador-estafeta) seguirem o desenrolar do serviço, não é impeditiva da realização do mesmo por parte do utilizador-estafeta”

Em suma, apesar de os estafetas poderem marcar na aplicação que já chegaram ao estabelecimento e que já recolheram a encomenda – para poderem confirmar a qualidade do serviço prestado -, por exemplo, não têm qualquer penalização ou advertência se o não fizerem, sendo livres de o fazer ou não. Em qualquer caso, não se concede a existência de qualquer tipo de “controlo de desempenho”. Esta factualidade foi confirmada nos depoimentos das testemunhas EE e do prestador de atividade. Pelo exposto, o facto 91 deverá ser considerado não provado.

Na resposta ao recurso, o Ministério Público alegou não conseguir alcançar como o facto de a aplicação por passos sucessivas ir indicando ao estafeta onde se deve dirigir para recolher o pedido, indicando um número, para onde o deve entregar, pedindo-lhe que confirme a chegada ao parceiro, a recolha dos artigos, a chegada ao utilizador-cliente, a entrega dos artigos, a conclusão, tais factos não integrem “instruções”, nem se consegue compreender como o INESC-ID qualifica tais factos como “informação mínima essencial à realização do serviço”, refutando que se tratem de instruções diretas.

De facto, se pensarmos num estafeta trabalhador por conta de outrem que exerça funções como estafeta as ordens que a entidade patronal lhe dá são precisamente as mesmas: o sítio onde se deve dirigir para levantar o pedido, como deve fazer para o levantar e o sítio onde o deve entregar.

Renova-se aqui as considerações acima efetuadas quanto ao parecer, acrescendo que nas suas respostas, nomeadamente na indicada na motivação de recurso, nos parecer que o mesmo, mais do que objectivo, é algo tendencioso, tanto que em vez de registar factos: o que é que sucede durante a entrega, qualifica os passos como informações, negando que se trate por exemplo de instruções, como acima referido.

Não assiste razão à ré.

No relatório do INESC, e em resposta à pergunta 7 “Antes, durante ou após a realização do serviço de entrega, o utilizador-estafeta recebe instruções diretas ou está sujeito, de algum modo, ao controlo em tempo real por parte da plataforma?”, foi prestado o seguinte esclarecimento: “Durante a execução e após a realização de um serviço é solicitado ao utilizador-estafeta que confirme a passagem pelas várias etapas do ciclo de vida do serviço (chegada ao parceiro, recolha dos artigos, chegada ao utilizador-cliente, entrega dos artigos - conclusão). No entanto, não podemos considerar esta solicitação como sendo algum tipo de controlo em tempo real.

Adicionalmente, nos testes efetuados, verificámos que a não confirmação da passagem pelas várias etapas, embora possa limitar a capacidade dos restantes interveniente (parceiro e utilizador-estafeta) seguirem o desenrolar do serviço, não é impeditiva da realização do mesmo por parte do utilizador-estafeta” – bold e sublinhado nosso.

Ou seja, é verdade, como consta do ponto 91), que o estafeta recebe indicação da plataforma para se deslocar ao estabelecimento, para assinalar a chagada ao estabelecimento, carregando no botão “cheguei”, para se deslocar ao local de entrega e para assinalar a conclusão da entrega. Estas indicações, enquanto informação sobre o procedimento a adoptar pelo estafeta, constituem verdadeiras instruções.

Pelo que nada há a apontar à resposta dada.


***

Finalmente, importa proceder oficiosamente, de harmonia com o disposto no art.º 662.º, n.º 1 do Código de processo Civil, à eliminação do ponto 84) dos factos provados em virtude de o mesmo encerrar matéria de direito.

É a seguinte a sua redação:

84. A Ré permite a subcontratação da conta do prestador de atividade nos termos referidos de seguida.

Como é sabido, “subcontratação” é um conceito jurídico.

Pelo que este ponto da matéria de facto deverá ser eliminado.

Quanto a saber se deve ser qualificada como contrato de trabalho a relação entre AA e a ré

Com a aprovação da Lei n.º 63/2013 de 27 de Agosto o legislador pretendeu instituir “mecanismos de combate à utilização indevida do contrato de prestação de serviços em relações de trabalho subordinado” – cfr. art.º 1º da Lei n.º 63/2013.

Na data a que o Ministério Público reporta o início do contrato – 1 de Outubro de 2021 - vigorava o CT aprovado pela Lei 7/2009 de 12/02.

Será, por isso, à luz deste código que iremos proceder à integração jurídica dos factos provados / não provados.

O Código do Trabalho define contrato de trabalho como “aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas” – cfr. art.º 11º do CT.

Também no Código Civil é definido contrato de trabalho como “aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta” – cfr. art.º 1152º do CC.

O contrato de trabalho caracteriza-se por dois elementos: prestação de uma atividade; e o pagamento de uma remuneração.

Porém, porque existem outras categorias contratuais que podem apresentar os mesmos elementos, nem sempre é fácil distinguir entre umas e outras. É o caso do contrato de prestação de serviços.

Considerando a noção legal de contrato de trabalho, apontam-se, em regra, três elementos que o distinguem de figuras contratuais próximas: a retribuição; o facto de o objeto da prestação ser uma atividade; e a subordinação jurídica.

Quanto à retribuição, acaba por se apresentar como o menos relevante dos critérios porquanto, em regra, todos os contratos pressupõem uma contrapartida e é precisamente a existência do pagamento para remunerar a atividade que, não raras vezes, torna difícil a distinção.

Quanto ao objeto, trata-se de um critério de difícil análise uma vez que toda a atividade pressupõe um resultado e todo o resultado tem na sua base uma atividade. Pelo que, as mais das vezes, a distinção só é possível em abstrato. Aliás, para o empregador, credor da prestação, o que interessa é efetivamente o resultado. O que se torna, aliás, visível no estabelecimento de objetivos e prémios de produtividade.

Este critério assume, no entanto, relevância especial quando associado ao último dos critérios apresentados, a subordinação jurídica.

Assim, estaremos próximos do contrato de trabalho se o credor da prestação goza do poder de determinar o modo concreto como a prestação há-de ser realizada, estando o devedor da prestação obrigado a cumprir as ordens e instruções do empregador respeitantes à execução ou disciplina do trabalho, bem como a segurança e saúde no trabalho, que não sejam contrárias aos seus direitos ou garantias – cfr. art.º 128º, n.º 1, al.e) do CT. E estaremos próximos da prestação de serviços se, definido o resultado pretendido, o devedor da prestação goza de autonomia para organizar os meios para alcançar o resultado.

Na dúvida, era frequente o recurso ao chamado “método indiciário”, com o qual era possível fazer uma análise global do caso concreto e formular um juízo global sobre a qualificação contratual.

Como referido no Acórdão desta secção de 3/2/2025, que teve como relatora Maria Luzia Carvalho[xi],

«A relação jurídica laboral caracteriza-se, pois, essencialmente, pela existência de subordinação jurídica, a qual se reconduz à possibilidade de determinação da atividade do trabalhador, mediante ordens, diretivas e instruções e ao dever de obediência deste no que concerne à execução e disciplina da prestação de trabalho fixadas pelo empregador, titular do poder diretivo e disciplinador dessa prestação.

Tal posição de sujeição que se assume como individualizadora da relação jurídico-laboral, mostra-se ausente no contrato de prestação de serviços, a que alude o art.º 1154º do Código Civil, como “aquele pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição”.

O que distingue verdadeiramente o contrato de trabalho é, pois, o estado de sujeição do trabalhador relativamente ao empregador, consubstanciado na possibilidade de aquele, a cada momento, poder ver ser concretizada por este a sua prestação em determinado sentido[xii].

Trata-se da possibilidade de o credor do trabalho determinar o modo, o tempo e o lugar da prestação de trabalho que é, portanto, heterodeterminada (pelo empregador), contrapondo-se ao trabalho autodeterminado em que, em princípio, cabe apenas ao próprio prestador da atividade a definição do modo, tempo e lugar da prestação.

Mas, mesmo no trabalho heterodeterminado o grau de dependência do prestador do trabalho em relação à autoridade e direção do empregador pode ser maior ou menor, sobretudo no que se refere ao modo da prestação, diminuindo, sensivelmente à medida que aumenta a especificidade técnica exigida para o desempenho da atividade. Por isso, o contrato de trabalho não é incompatível com a salvaguarda da autonomia técnica do trabalhador, sendo possível o desempenho de funções de elevada craveira técnica e intelectual em regime de subordinação jurídica.

(…)

Reconhecendo-se a dificuldade de, em concreto, traçar uma fronteira completamente definida entre o contrato de trabalho e algumas das figuras que lhe são afins, tem-se optado pelo recurso à verificação, em cada caso, de um conjunto de indícios da existência ou inexistência de subordinação jurídica, particularmente, nas situações, de interpretação divergente do sentido das declarações de vontade na celebração do contrato.

Entre outros, os indícios normalmente apontados no sentido da existência de subordinação são o de o lugar do trabalho pertencer ao empregador ou ser por ele determinado, o horário de trabalho ser o definido pelo empregador, a existência de poder disciplinar, a organização do trabalho depender estritamente da vontade o empregador, serem os instrumentos de trabalho pertencentes ao empregador, a existência de outros trabalhadores subordinados no exercício da mesma atividade, a opção pela modalidade de retribuição certa, o aumento periódico da retribuição, o pagamento de subsídios de férias e de Natal, a exclusividade da atividade laboral por conta do empregador, a sindicalização e a observância do regime fiscal e de segurança social próprios do trabalho por conta de outrem.»

Porém, e conforme ensinam Milena Rouxinol e Teresa Moreira[xiii],

«O método tradicionalmente utilizado na tarefa qualificativa e, em especial, para distinguir o contrato de trabalho do contrato de prestação de serviço era conhecido como o método indiciário. Tal método consistia no seguinte: levados ao julgador, pelo prestador de atividade, a quem cabia tal ónus, nos termos gerais, sinais de que a relação seria laboral, isto é, factos correspondentes à realidade típica de um contrato de trabalho (a prestação ser realizada em local pertencente ao beneficiário; ser deste último a propriedade dos instrumentos de trabalho; o horário ser definido por este sujeito; a remuneração ser calculada em função do tempo; haver lugar ao pagamento de subsídio de férias e de Natal e de prestações contributivas próprias do contrato de trabalho; a prestação ser cumprida em regime de exclusividade, etc.), e, porventura, pelo beneficiário da mesma, sinais de sentido contrário (designadamente, os opostos aos anteriormente descritos), isto é, elementos presentes na relação em causa mas ordinariamente associados a um contrato de diversa natureza, aquele primeiro era chamado a analisá-los - àqueles e a estes - conjunta e complementarmente, atribuindo-lhes, consoante a concreta configuração da relação, diverso peso relativo, para, de acordo com a prevalência, in casu, de fatores apontando numa direção ou noutra, firmar uma conclusão sobre a natureza do contrato, sem que, em todo o caso, de nenhum se fizesse decorrer, decisivamente, que quer opção qualificativa.

Presentemente, pode dizer-se, até certo ponto - veremos por que não em definitivo -, que este método qualificativo está ultrapassado. Encontramos, hoje, no art. 12.º do CT consagrada a designada presunção de contrato de trabalho, ou presunção de laboralidade.

Uma presunção, em sentido jurídico, consiste na indução de um facto desconhecido a partir de um conhecido, ou, noutros termos, no reconhecimento de um facto como assente a partir da prova de um outro. Traduz--se, pois, numa modulação das regras atinentes ao ónus da prova, designadamente no âmbito judicial: à parte interessada em provar o facto que se presume, basta fazer prova do que o faz presumir. Demonstrado este, incumbirá, então, ao interessado no contrário provar que, não obstante verificado o facto base da presunção, não se verifica aquele que, a partir daí, se induziu.»

Estabelece o art.º 12.º n.º 1 do CT que “Presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma actividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem algumas das seguintes características:

a) A actividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado;

b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da actividade;

c) O prestador da actividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma;

d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de actividade, como contrapartida da mesma;

e) O prestador de actividade desempenhe funções de direcção ou de chefia na estrutura orgânica da empresa”.

Ao estabelecer esta presunção de laboralidade, o legislador procurou facilitar a prova da existência de um contrato de trabalho e, por via disso, combater a dissimulação ilícita de relações laborais.

Resulta da citada norma que, estando demonstrada a prestação da atividade e a sua remuneração, basta a demonstração de pelo menos dois[xiv] dos elementos integrantes da presunção, para se concluir pela natureza laboral da relação em causa.

Menezes Cordeiro[xv] explica que

«A referência a "algumas” das seguintes características tem sido interpretada como a necessidade de se demonstrarem, pelo menos, duas delas. Tomando o preceito à letra, entende-se que caso o interessado prove (pelo menos) duas das características em causa, há uma presunção iuris da presença de um contrato de trabalho. O ónus da prova inverte-se, cabendo ao contrainteressado ilidir a presunção».

Assim, uma vez demonstrados os elementos integrantes da presunção, caberá ao empregador alegar e provar factos demonstrativos da inexistência de contrato de trabalho com vista a ilidir a presunção – cfr. artigos 344º, n.º 1 e 350º, ambos do Código Civil.

Mais recentemente, com as alterações ao Código do Trabalho trazidas pela Lei n.º 13/2023, o legislador introduziu, no art.º 12º - A, uma nova presunção de laboralidade.

Como ensina Leal Amado[xvi], “As profundas mudanças registadas, nos últimos anos, na forma de trabalhar e nos modos de prestar serviços, pondo em contacto a oferta e a procura, interpelam, crescentemente, o Direito. E também, claro, o Direito do Trabalho. Em particular, o trabalho prestado com recurso a plataformas digitais, seja a que nos proporciona uma alternativa de transporte ao clássico táxi, seja a que nos permite encomendar o almoço ou o jantar através de uma cómoda app, tem colocado questões jurídicas delicadas, dir-se-ia que à escala universal, a primeira das quais consiste, claro, na qualificação da relação que se estabelece entre a empresa que opera na plataforma digital (a Glovo, a Uber, etc.) e os respetivos prestadores de serviços, aqueles que transportam os clientes ao seu destino (os motoristas) ou que lhes levam a casa a refeição (os chamados “entregadores” ou “estafetas”)”.

Consagra o art.º 12.º-A do Código do Trabalho que:

Presunção de contrato de trabalho no âmbito de plataforma digital

1 - Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre o prestador de atividade e a plataforma digital se verifiquem algumas das seguintes características:

a) A plataforma digital fixa a retribuição para o trabalho efetuado na plataforma ou estabelece limites máximos e mínimos para aquela;

b) A plataforma digital exerce o poder de direção e determina regras específicas, nomeadamente quanto à forma de apresentação do prestador de atividade, à sua conduta perante o utilizador do serviço ou à prestação da atividade;

c) A plataforma digital controla e supervisiona a prestação da atividade, incluindo em tempo real, ou verifica a qualidade da atividade prestada, nomeadamente através de meios eletrónicos ou de gestão algorítmica;

d) A plataforma digital restringe a autonomia do prestador de atividade quanto à organização do trabalho, especialmente quanto à escolha do horário de trabalho ou dos períodos de ausência, à possibilidade de aceitar ou recusar tarefas, à utilização de subcontratados ou substitutos, através da aplicação de sanções, à escolha dos clientes ou de prestar atividade a terceiros via plataforma;

e) A plataforma digital exerce poderes laborais sobre o prestador de atividade, nomeadamente o poder disciplinar, incluindo a exclusão de futuras atividades na plataforma através de desativação da conta;

f) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertencem à plataforma digital ou são por esta explorados através de contrato de locação.

A primeira questão que se coloca prende-se com a aplicação no tempo desta norma.

A DIRETIVA (UE) 2024/2831[xvii] DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO, de 23/10/2024, estabelece no considerando 33 que “Por razões de segurança jurídica, a presunção legal não deverá produzir efeitos jurídicos retroativos, devendo, por conseguinte, aplicar-se apenas ao período com início em 2 de dezembro de 2026, inclusive para as relações contratuais concluídas anteriormente e ainda vigentes nessa data. Por conseguinte, as reclamações relativas à eventual existência de uma relação de trabalho anterior a essa data, bem como os direitos e obrigações decorrentes da relação até essa data, deverão ser apreciadas unicamente com base no direito da União e nacional aplicável antes dessa data, incluindo a Diretiva (UE) 2019/1152”.

A Lei n.º 13/2023, de 03/04, que entrou em vigor em 1 de Maio de 2023 – cfr. art.º 37.º, n,º 1 da lei -, estabelece no art.º 35º n.º 1 que «Ficam sujeitos ao regime do Código do Trabalho, com a redação dada pela presente lei, os contratos de trabalho celebrados antes da entrada em vigor desta lei, salvo quanto a condições de validade e a efeitos de factos ou situações anteriores àquele momento.»

A jurisprudência tem revelado uma posição constante e uniforme no sentido de que, estando em causa a qualificação da relação jurídica estabelecida entre as partes, e não se extraindo da matéria de facto provada que as partes tivessem alterado, a partir da entrada em vigor da Lei n.º 13/2023, os termos daquela relação, aplica-se o regime jurídico anterior, não tendo aplicação a presunção estipulada no artigo 12.ºA. Neste sentido, entre outros, o Acórdão do STJ de 28/1/2016[xviii], que teve como Relator Pinto Hespanhol, o Acórdão do STJ de 8/7/2020[xix], que teve como Relatora Paula Sá Fernandes, e o Acórdão do TRP de 7/10/2019[xx], que teve como Relator Jerónimo Freitas.

Não ignoramos, naturalmente, o recente Acórdão do STJ, de 15/5/2025, que teve como Relator Mário Belo Morgado, onde se concluiu que “relativamente a relações jurídicas iniciadas antes da entrada em vigor do art. 12.º-A, do Código do Trabalho, a presunção de contrato de trabalho no âmbito de plataforma digital é aplicável aos factos enquadráveis nas diferentes alíneas do seu nº 1 que, no âmbito dessas relações jurídicas, tenham sido praticados posteriormente àquele momento (01.05.2023)”.

De harmonia com o preceituado no art.º 12.º, n.º 1 do Código Civil, a lei só dispõe para o futuro.

Nas palavras de Menezes Cordeiro,

“A lei dispõe para o futuro: é a primeira regra do 12.º/1. A lei retroativa fixa efeitos não em função de factos presentes ou futuros (à medida que se verifiquem), mas de acordo com algo que sucedeu no passado e que nada poderá alterar. Representa una grave preversão: роr definição, a lei retroativa abdica de conformar condutas humanas, apenas procurando certos efeitos.”

No citado Acórdão do STJ de 15/5/2025 afirma-se que “no plano da ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, não se vê que ao autor seja de exigir prova positiva dessa reconfiguração, em especial em casos – como paradigmaticamente acontece nas plataformas digitais – em que, pelas próprias especificidades inerentes à atividade prestada, esta tem naturalmente associados elevados grau de heterogeneidade, atipicidade, aleatoriedade e fluidez [como de forma lapidar evidenciam os “Considerandos” da aludida Diretiva (UE) 2024/2831] que implicam a sua sucessiva reconstrução”. Mas sem que se forneça uma explicação para esta diferença interpretativa no que a esta ação especial diz respeito em comparação, por exemplo, com a ação de impugnação da validade e licitude do despedimento em que, cumulativamente, se discuta a natureza do vínculo.

Entendemos, no entanto, que a norma do art.º 35º n.º 1 da Lei n.º 13/2023 ao estabelecer que «Ficam sujeitos ao regime do Código do Trabalho, com a redação dada pela presente lei, os contratos de trabalho celebrados antes da entrada em vigor desta lei, salvo quanto a condições de validade e a efeitos de factos ou situações anteriores àquele momento”, impõe solução distinta. Interpretação que, no caso concreto, sai ainda reforçada pela circunstância de o autor, apesar de referir que à alegada relação laboral é aplicável o art.º 12.º-A, pretender ver reportado o início do contrato a data anterior (1/10/2021) ao início da vigência daquela lei.

Conforme explicado no Acórdão do STJ de 15/1/2019, que teve como Relator António Leones Dantas, sobre a aplicação do art.º 7.º da Lei n.º 7/2009,

“as presunções de laboralidade estabelecidas no artigo 12.º do Código do Trabalho em vigor – preceito legal aplicado pelo acórdão recorrido - prendem-se intimamente com a demonstração do facto de que emerge a relação jurídica a que se referem.

Ou seja, nada têm a ver com o complexo de direitos e obrigações que são inerentes à situação jurídica em que ocorrem, estando antes ligadas à caracterização do facto que dá origem àquela situação jurídica.

No fundo, visam a demonstração do título jurídico de que emerge a situação jurídica em causa e que a caracteriza e, nessa medida, só podem ser aplicadas a situações jurídicas já iniciadas na vigência da norma que as consagrou.

Assim, relativamente a relações iniciadas na vigência do artigo 12.º do Código do Trabalho em vigor, o legislador presume, juris tantum, que às mesmas está subjacente um contrato de trabalho, quando se mostrem preenchidos os pressupostos estabelecidos naquele normativo.

Estamos no âmbito da segunda parte n.º 1 do artigo 7.º da Lei n.º 7/2009, quando exceciona do âmbito de aplicação do novo código as «condições de validade e (.) efeitos de factos ou situações totalmente passadas anteriormente àquele momento».

Lida esta norma no contexto do artigo 12.º, n.º 2, 1.ª parte, do Código Civil, pode concluir-se, pois, que o que está em causa no âmbito das presunções de laboralidade são ainda «condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos».

(…)

Ora, a norma que criou as presunções de laboralidade e que impõe que verificada a ocorrência de determinados factos se presuma que a relação em que esses factos ocorrem é uma relação de trabalho subordinado, é uma norma que se refere à “constituição” (ou validade) de uma situação jurídica e não ao seu “conteúdo” ou aos efeitos de uma situação jurídica.”

Estando em causa a qualificação da relação jurídica estabelecida entre as partes, e não se extraindo da matéria de facto provada que as partes tivessem alterado, a partir de 1 de Maio de 2023, os termos daquela relação, aplica-se o regime jurídico acolhido no Código do Trabalho de 2009, na versão anterior às alterações introduzidas pela Lei n.º 13/2023.

Pelo que, seguindo o entendimento jurisprudencial maioritário, e considerando que no caso concreto, o estafeta iniciou a sua atividade em 1/10/2021, não é aplicável a presunção do art.º 12.º-A, mas apenas a do art.º 12.º do Código do Trabalho.


*

Estabelece o art.º 12.º n.º 1 do CT que “Presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma actividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem algumas das seguintes características:

a) A actividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado;

b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da actividade;

c) O prestador da actividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma;

d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de actividade, como contrapartida da mesma;

e) O prestador de actividade desempenhe funções de direcção ou de chefia na estrutura orgânica da empresa”.

Descendo ao caso concreto, verificamos que não se verifica qualquer das características a que alude o art.º 12.º.

Com efeito, a atividade do estafeta não é realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado.

Nem todos os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertencem ao beneficiário da atividade. No caso concreto, pertencem ao estafeta o veículo, a mochila e o telemóvel, sem os quais não pode desenvolver a atividade. E pertencem à ré a aplicação/app.

O estafeta não cumpre horas de início e de termo da prestação, determinadas pela ré. Aquele trabalha nos dias que entende e no horário por si escolhido.

Não é paga, com periodicidade, uma quantia certa ao estafeta. O pagamento, embora feito com periodicidade quinzenal, não é certo pois depende dos serviços efetivamente realizados.

E, finalmente, não se provou que o estafeta desempenha funções de direção ou de chefia na estrutura orgânica da ré.

Perante isto torna-se necessário regressar ao método indiciário a fim de determinar, em face dos factos provados, se a subordinação se manifesta na relação estabelecida entre o estafeta e a ré.

De acordo com as regras de repartição do ónus da prova, é ao autor que cabe alegar e provar os factos que apontem para a natureza laboral do contrato – cfr. art.º 342.º, n.º 1 do Código Civil.

Para Menezes Cordeiro[xxi], as dificuldades existentes na precisa delimitação do contrato de trabalho, perante algumas das figuras semelhantes que se lhe contrapõem, têm levado a doutrina e a jurisprudência a isolar determinados traços distintivos que facilitariam a destrinça. Assim, têm sido apontados critérios como os do número de beneficiários da atividade, da remuneração, da atividade a prestar, da propriedade dos meios de produção, do local de trabalho, do horário de trabalho, da subordinação económica e da subordinação jurídica. Funcionariam como presunções hominis de laboralidade.

Para este autor, a prestação da atividade a favor de uma única pessoa/entidade constitui indício de contrato de trabalho. Já assim não será se o prestador se apresentar disponível para vários interessados.

Por outro lado, a atividade a prestar, por oposição ao resultado da atividade, também constitui traço distintivo do contrato de trabalho, no sentido que o que caracteriza o contrato de trabalho não é o resultado do trabalho mas a atividade em si.

A propriedade dos meios de produção também constitui um indício da natureza laboral do contrato.

O mesmo sucedendo com o local de trabalho que, pertencendo ao beneficiário da atividade, também são indício de laboralidade.

Outro elemento importante consiste na existência de horário de trabalho fixado pelo beneficiário da prestação e em seu benefício.

Ainda como indício de laboralidade podemos considerar a sujeição do trabalhador de, por simples vontade do beneficiário da atividade, ver concretizada, num ou noutro sentido, o dever de prestar a que está obrigado.

É também relevante apurar quem assume o risco da não produção dos resultados.

E assume relevo saber se o prestador da atividade se encontra numa situação de dependência económica relativamente ao beneficiário.

Pode ainda ser relevante o regime fiscal e o regime de Segurança Social a que o trabalhador se encontra adstrito.

E, finalmente, também é importante apurar se quem presta a atividade está sujeito a ordens diretas ou a simples instruções genéricas e o controlo direto da sua prestação pelo credor.

A valoração dos apontados indícios deve ser efetuada globalmente e atendendo às circunstâncias concretas em que a prestação é realizada. E só se os mesmos se apresentarem como claros, precisos e conclusivos é que será possível qualificar o contrato como de trabalho.

Descendo ao caso concreto…

Quanto à possibilidade de o estafeta estar condicionado a prestar a atividade apenas para a plataforma ré, resulta do ponto 72) que os estafetas têm a possibilidade de se conectar ou desconectar da plataforma da Ré a qualquer altura e que podem conectar-se a outras plataformas. E nos termos e condições mencionados no ponto 93 refere-se que o prestador de atividade pode exercer outras atividades, incluindo atividades de entrega para outras plataformas semelhantes.

Finalmente, reforçando a mesma ideia, do ponto 76) resulta que a Ré não proíbe que os estafetas realizem o serviço através da utilização de marcas dos seus concorrentes.

Pelo que, neste ponto, nos afastamos da ideia de subordinação.

O segundo elemento distintivo é o da atividade a prestar, por oposição ao resultado da atividade.

Neste ponto releva a circunstância de o estafeta, dentro do horário de funcionamento da plataforma (na zona de São João da Madeira, entre as 10h e as 23h), poder ligar ou desligar em qualquer momento, não tendo que cumprir qualquer horário predefinido nem qualquer limite mínimo de tempo de disponibilidade.

Pode, além disso, mesmo estando ligado, aceitar ou recusar pedidos sem que a recusa implique qualquer penalização. Por outro lado, o pagamento ao estafeta não depende da sua disponibilidade para o trabalho, mas antes das características de cada serviço e do número de serviços aceites pelo estafeta, sendo o valor calculado mediante aplicação de vários critérios (cfr. ponto 17 ), mas tendo sempre por base as entregas efetivamente realizadas e não a disponibilidade para o serviço.

Pelo que, também neste ponto, nos afastamos da ideia de subordinação.

Quanto à propriedade dos meios de produção, enquanto elemento indiciador da natureza laboral do contrato, temos dois blocos distintos.

Por um lado, a plataforma/app que gere a atividade. Por outro, o veículo, o telemóvel e a mochila isotérmica.

A plataforma pertence à ré e é por esta disponibilizada ao estafeta.

Os restantes meios pertencem ao estafeta.

Parece-nos, e contrariamente a uma ideia que em algumas decisões tem feito caminho, que, em termos de essencialidade para a prossecução da atividade, todos estes elementos estão em pé de igualdade.

Com efeito, se é verdade que sem a plataforma o estafeta não pode receber pedidos e o utilizador não os pode fazer, também é verdade que sem telefone, veículo (sendo o estafeta quem suporta os custos da manutenção e reparação) ou mochila o estafeta está impedido de receber os pedidos e fazer as entregas.

Não se pode por isso, embora respeitando opinião contrária, afirmar que a aplicação tem um peso claramente superior aos restantes elementos.

Acresce que (ponto 36), o estafeta está obrigado a pagar um valor (taxa de utilização) para poder utilizar da plataforma - cerca de 1,85€ por quinzena, estando incluído na taxa o acesso à plataforma e a cobertura de seguro de responsabilidade civil contratado pela plataforma -. Ora, a imposição do pagamento deste valor para que o estafeta possa utilizar a plataforma, retira peso a este elemento enquanto indício de laboralidade porquanto, como é natural, no domínio de uma relação laboral é a entidade patronal quem fornece os instrumentos de trabalho sem exigir qualquer contrapartida ao trabalhador pelo seu uso.

Estando todos os meios/instrumentos ao mesmo nível, no que à sua essencialidade para o exercício da função respeita, não se pode ver aqui indício de laboralidade.

Já quanto ao local de trabalho, resulta inequivocamente da factualidade provada e do modo como a atividade do estafeta se desenvolve, que o mesmo não presta a atividade em instalações da ré.

Quanto a saber se o estafeta estava sujeito, por simples vontade da ré, a ver concretizada, num ou noutro sentido, o dever de prestar a que está obrigado, provou-se que antes de maio de 2023, a Ré abria faixas horárias definidas pela plataforma que os estafetas escolhiam pela ordem da sua notação. Os estafetas só podiam aceder à plataforma e receber pedidos nas faixas horárias escolhidas . Se o estafeta não se ligasse nessas faixas ou recusasse mais de dois pedidos, ficava impedido de exercer atividade nesses períodos. Além disso, a plataforma podia suspender temporariamente a possibilidade de receber pedidos se o estafeta fizesse entregas fora da zona ou saísse da zona durante a sua faixa horária . Estas condições demonstram que, até maio de 2023, a Ré controlava ativamente a disponibilidade e a capacidade do estafeta de prestar serviços.

Também se provou que, após maio de 2023, ocorreram alterações, e o prestador de atividade passou a poder ligar ou desligar em qualquer momento, dentro do horário de funcionamento, sem ter que cumprir horários predefinidos ou limites mínimos de tempo de disponibilidade . Estando ligado, podia aceitar ou recusar pedidos sem penalização . No entanto, mesmo após estas alterações, a Ré mantinha a possibilidade de suspender temporariamente a receção de pedidos em certas situações, como a não realização do reconhecimento facial positivo ou o não depósito do saldo em caixa no prazo definido .

Adicionalmente, os termos e condições estabeleciam que a Ré podia cessar os serviços por diversas razões, incluindo a violação dos termos e condições, o não cumprimento das normas de ética da Glovo, a violação da legislação local ou outras circunstâncias que resultassem em danos para a ré. A Glovo também se reservava o direito de eliminar ou desativar o acesso a qualquer conta por qualquer motivo, mesmo que considerasse que a conta violava direitos de terceiros ou os próprios termos e condições.

Portanto, mesmo que após maio de 2023 o estafeta tivesse mais flexibilidade para escolher quando se conectar, a Ré ainda mantinha o poder de influenciar e, em certas situações, impedir a prestação de serviços por parte do estafeta, seja através da suspensão temporária da receção de pedidos ou da desativação da conta. As condições contratuais eram ditadas pela plataforma e aceites pelo prestador de atividade. O prestador não podia realizar a sua tarefa se estivesse desligado da plataforma. O serviço de entrega era concebido e organizado pela plataforma. Desta forma, a obrigação de prestar serviço e as condições em que tal ocorria estavam fortemente sujeitas às regras e à vontade da Ré.

Estamos, assim, perante um indício de laboralidade.

Quanto ao risco da não produção de resultados, o mesmo encontra-se repartido. Com efeito, se é verdade que a ré só aufere rendimentos/lucros se o estafeta fizer entregas, também é verdade que este só recebe pagamentos em função das entregas que realiza. A “simples” disponibilização da sua força de trabalho não garante ao estafeta qualquer rendimento.

Pelo que, a este nível, também não podemos ver no modo de realização da atividade um qualquer indício de laboralidade.

Outro elemento que pode ser importante é o da dependência económica do estafeta relativamente à ré.

A verdade é que, dos factos provados, não resulta que o estafeta AA trabalhasse em exclusivo para a ré e, por esse motivo, não se pode afirmar a sua dependência económica.

Acresce que resultou provado que, de acordo com os termos e condições estabelecidos pela ré, o estafeta pode exercer outras atividades, incluindo atividades de entrega para outras plataformas semelhantes ou diretamente para estabelecimentos. A ré não proíbe que os prestadores de serviço realizem o serviço através da utilização de marcas dos seus concorrentes. Para os estafetas, o acesso à plataforma da Ré significa a possibilidade de executarem serviços de entrega, podendo conectar-se ou desconectar-se em qualquer altura, aceitar ou rejeitar os pedidos, ou conectar-se a outras plataformas (mesmo concorrentes da ré) obtendo rendimentos.

Pelo que, no caso concreto, não ficou demonstrado este indício de laboralidade.

Quanto ao regime fiscal e o regime de Segurança Social a que o trabalhador se encontra adstrito, provou-se que o estafeta teve de enviar à plataforma uma declaração de início de atividade como trabalhador independente, com o código ...19 (outros prestadores de serviços). Isto indica que o estafeta estava registado como trabalhador independente.

Mas este facto parece-nos pouco relevante, desde logo porque se tratou de uma imposição da ré, sem a qual o estafeta não se consegue registar na plataforma.

Sufragamos, quanto a este ponto, a posição defendida no Acórdão desta secção de 6/6/2016[xxii], que teve como relatora Maris José Costa Pinto, no qual se afirma:

«Além disso, é irrelevante para afastar a subordinação jurídica, o facto de a A. emitir facturas e os denominados “recibos verdes” para dar quitação das importâncias pagas pela R. [factos f), r) e s)]. É o próprio legislador a determinar que se declare no verso daqueles recibos, que “a utilização de recibos do presente modelo não implica a qualificação do trabalho prestado, como independente, para efeitos de Direito do Trabalho” [19], o que atesta o valor indiciário quase nulo desta circunstância.

O mesmo deve dizer-se da subsistência de outros aspectos formais não consentâneos com a execução de um contrato de trabalho, como o não pagamento de subsídios de férias e de Natal e o não pagamento de contribuições à Segurança Social [factos l) e n)], aspectos que não têm a virtualidade de determinar uma conclusão diferente daquela a que se chegou pelo análise do concreto condicionalismo de subordinação jurídica em que se processava a actividade profissional da A.. E é de notar que o valor contrário destes aspectos se mostra mitigado, por um lado, pela circunstância de se ter provado o gozo de férias e o pagamento da retribuição em doze meses por ano [factos j) e k)] o que implica, necessariamente, que a A. auferia retribuição num determinado período de cada ano sem prestar actividade, realidade que de modo algum se coaduna com um contrato de prestação de serviço, em que a retribuição constitui contrapartida de um concreto resultado da actividade intelectual ou manual do prestador.»

Somos levados a concluir que este indício apontando no sentido de estarmos perante um contrato de prestação de serviço, acaba por não ter relevância especial.

Quanto à sujeição do estafeta a ordens diretas ou a simples instruções genéricas e o controlo direto da sua prestação pelo credor destacamos (além do que referimos quando analisamos “se o estafeta estava sujeito, por simples vontade da ré, a ver concretizada, num ou noutro sentido, o dever de prestar a que está obrigado”) que o estafeta seguia um procedimento standardizado no que se refere ao recebimento e execução dos pedidos. Mas, em aspetos muitos relevantes da atividade, tinha uma liberdade e margem de atuação consideráveis. O estafeta decidia quando prestar a atividade, era livre de aceitar ou rejeitar os pedidos, podia desligar o gps depois de receber o pedido, era livre de escolher o trajeto, não tinha que usar mochila fornecida pela ré ou com o logo da ré.

Pelo que, perante este nível de liberdade / autonomia, não encontramos, neste ponto, indícios claros de laboralidade.

Importa então proceder à análise global dos indícios para, depois, decidir se os mesmos são suficientemente seguros para afirmar a existência de um contrato de trabalho.

Um eventual reconhecimento da existência de contrato de trabalho entre a ré e o estafeta representaria para a ré um conjunto de obrigações, das quais destacamos a obrigação de pagamento de retribuição (incluindo férias, subsídio de férias e subsídio de Natal), a contratação de seguro de acidentes de trabalho e o cumprimento de obrigações contributivas perante a segurança social, entre outras.

O direito do trabalho é o direito do equilíbrio.

De um lado, os interesses das empresas, e do outro os interesses dos trabalhadores. Uns e outros com proteção constitucional.

Dispõe o art.º 61.º, n.º 1 da Constituição que “a iniciativa económica privada exerce-se livremente nos quadros definidos pela Constituição e pela lei e tendo em conta o interesse geral”.

Conforme ensina Jorge Miranda[xxiii], a iniciativa privada é um direito de natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias e podem ser analisados em dois momentos…

«Num primeiro momento, trata-se da liberdade de iniciativa em sentido estrito ou, doutra óptica, da liberdade de estabelecimento. É o direito de iniciar uma atividade económica, o direito de constituir uma empresa, o direito, que pode ser individual e que pode ser institucional, de organização de certos meios de produção para um determinado fim económico.

No segundo momento, é o resultado da iniciativa e, do mesmo passo, a condição da sua prossecução a empresa que ressalta. Trata-se agora da liberdade de empresa, do direito da empresa de praticar os actos correspondentes aos meios e fins predispostos e de reger livremente a organização em que tem de assentar.».

Naturalmente que, como todos os direitos, não é absoluto. Terá que ser analisado, num esforço de concordância prática, com os demais direitos, nomeadamente os que a Constituição confere aos trabalhadores, em particular:

- o direito à segurança no emprego – art.º 53º da Constituição -, que “implica naturalmente a compressão, no domínio das relações laborais, da autonomia privada, da liberdade empresarial e de outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.

a) Com efeito, "a Constituição deixa claro o reconhecimento de que as relações do trabalho subordinado não se configuram como verdadeiras relações entre iguais", procurando proteger a "autonomia dos menos autónomos" (Acórdão n. 581/95)”;

- o direito ao trabalho – art.º 58º da Constituição -, competindo ao Estado a execução de políticas de pleno emprego;

- o direito à retribuição, à organização do trabalho em condições socialmente dignificantes, à organização do trabalho em condições de higiene, segurança e saúde, ao repouso, à assistência e reparação em casos de acidente - art.º 58º da Constituição -.

O esforço de concordância prática a que aludimos pressupõe que na aplicação do direito ao caso concreto fique sempre salvaguardado o núcleo fundamental de cada um dos direitos em confronto.

O art.º 11º do Código do Trabalho procura realizar esse equilíbrio ao definir define contrato de trabalho como “aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas” – cfr. art.º 11º do CT.

Regressando ao caso concreto, os únicos indícios que apontam no sentido de estarmos perante um contrato de trabalho são:

- o fornecimento pela ré da plataforma (e já vimos que, em termos da essencialidade para a execução das tarefas, a plataforma não é mais importante que o veículo, o telemóvel ou a mochila), e

- o facto de a ré manter o poder de influenciar e, em certas situações, impedir a prestação de serviços por parte do estafeta, seja através da suspensão temporária da receção de pedidos ou da desativação da conta. As condições contratuais eram ditadas pela plataforma e aceites pelo prestador de atividade. O prestador não podia realizar a sua tarefa se estivesse desligado da plataforma. O serviço de entrega era concebido e organizado pela plataforma. Desta forma, a obrigação de prestar serviço e as condições em que tal ocorria estavam fortemente sujeitas às regras e à vontade da Ré.

Mas estes indícios são claramente insuficientes.

Com efeito, o contrato de trabalho caracteriza-se, essencialmente, pela existência de subordinação jurídica, a qual se reconduz à possibilidade de determinação da atividade do trabalhador. A determinação da atividade do trabalhador não se basta com o poder influenciar e, em certas situações, impedir a prestação de serviços por parte do estafeta, seja através da suspensão temporária da receção de pedidos ou da desativação da conta. Pressupõe, desde logo, que o beneficiário da prestação possa dispor da força de trabalho do estafeta num horário certo e determinado e que tenha o poder de exigir assiduidade.

Sem este poder, fica completamente esvaziado o núcleo fundamental do apontado direito à iniciativa económica privada.

Com efeito, não se concebe que se possa impor à ré um contrato de trabalho quando o estafeta trabalha nos dias que quer e nas horas que entende; quando é livre de aceitar o pedido ou de o rejeitar sem consequências; quando, no mesmo período pode estar a trabalhar para outra entidade, incluindo empresas concorrentes da ré, não estando sujeito a qualquer dever de exclusividade ou não concorrência; quando a ré não controla a rota que o mesmo faz para concluir as entregas; e quando se pode fazer substituir por outro estafeta da plataforma.

Tal como no Acórdão desta secção de 7/4/2025[xxiv], que teve como Relator Rui Penha:

“não vislumbramos razão para alterar o entendimento que unanimemente se vinha seguindo nesta Secção Social, para situações não relacionadas com as plataformas digitais, segunda a qual é incompatível com uma relação laboral a possibilidade de o prestador da actividade poder faltar quando entender, sem ter que justificar as faltas, pode fazer-se substituir, ainda que por outra pessoa devidamente credenciada, não ter que cumprir qualquer horário de trabalho, e poder recusar as ofertas que lhe são apresentadas pelo beneficiário. Ora, a situação aqui em análise é ainda mais flagrante que as que se punham anteriormente, sem prejuízo da sempre presente dificuldade de delimitação do enquadramento jurídico já acima apontada.

Efectivamente, incluindo o tempo de trabalho, definido no art. 197º, nº 1, do Código do Trabalho, também o período em que o trabalhador permanece à disposição do empregador até que lhe seja indicada a actividade a realizar (veja-se Francisco Liberal Fernandes, em O Trabalho e o Tempo: Comentário ao Código do Trabalho, Porto: Universidade do Porto, 2018, págs. 82-83), é difícil conceber que o prestador da actividade possa prestar a mesma a diversos “empregadores” em simultâneo, sem se poder diferenciar para qual está a “trabalhar” em momentos especificamente determinados. Também não se vislumbra como compatibilizar com o contrato de trabalho a possibilidade de o prestador da actividade cancelar um serviço já aceite, mas cuja execução ainda não iniciou, para, por exemplo, poder fazer outro que entretanto lhe foi “oferecido” noutra plataforma” – sublinhado nosso.

Termos em que se conclui pela procedência da apelação.

Decisão

Pelo exposto, acorda-se em julgar procedente a apelação e, em consequência, absolve-se a ré do pedido.

Sem custas por isenção do Ministério Público.

Notifique.

Porto, 16/6/2025

António Costa Gomes (relatora)

Nélson Nunes Fernandes (1.º adjunto)

Teresa Sá Lopes (2.º adjunta) - [Voto de Vencido: Fiquei vencida, quanto à fundamentação e decisão pelas razões que menciono:

Em sede de matéria de facto:

A inclusão de matéria que espelha a conclusão da Ré de ser tão só uma “plataforma de intermediação”, justifica que fosse alterada a decisão de facto dos itens 70º e 72º dos factos provados.

Assim, excluiria dos factos provados a seguinte matéria:

- A Ré junta, através da sua aplicação, três tipos de pessoas/entidades que denomina de utilizadores de serviços da plataforma: os estabelecimentos comerciais, (…); os denominados utilizadores prestadores de serviços, normalmente designados por estafetas; e os utilizadores clientes.

- Para os denominados utilizadores prestadores de serviços, o acesso à plataforma da Ré significa a possibilidade de executarem serviços de entrega.

Em sede de direito:

O Supremo Tribunal de Justiça, em 15.05.2025, no Acórdão proferido por unanimidade no Processo nº 1980/23.3T8CTB.C2.S1, decidiu, com clareza “que, relativamente a relações jurídicas iniciadas antes da entrada em vigor do art. 12.º-A, do CT, a presunção de contrato de trabalho no âmbito de plataforma digital é aplicável aos factos enquadráveis nas diferentes alíneas do seu nº 1 que, no âmbito dessas relações jurídicas, tenham sido praticados posteriormente àquele momento (01.05.2023).”

Indicou assim, critério normativo relativamente à compreensão do âmbito de aplicação temporal do artigo 12º-A do Código do Trabalho, critério que a meu ver se impõe acompanhar, desde logo de modo a promover a coerência da jurisprudência na decisão de situações semelhantes de relações entre os estafetas e as empresas detentoras de plataformas digitais estabelecidas antes da entrada em vigor do referido artigo.

A situação destes autos enquadra-se, precisamente, naquelas que naquele Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça se mencionam.

Assim e tratando-se de norma especial, importa, desde logo, atender ao regime que resulta do artigo 12º-A do Código de Trabalho.

Mais recentemente, o Supremo Tribunal de Justiça, voltou a pronunciar-se sobre o tema, no Acórdão proferido no Processo nº 29923/23.7T8LSB.L1.S1, em 28.05.2025, evidenciando, nomeadamente, que os termos da ponderação tida pelo legislador nacional na introdução no ordenamento jurídico português da presunção de laboralidade, contemplada no artigo 12º - A do Código do Trabalho – antes mesmo, portanto, da entrada em vigor da Diretiva (UE) 2024/2831, relativa à melhoria das condições de trabalho em plataformas digitais – “são obrigatórios para os tribunais”.

Quanto à relevância do considerando 33 da Diretiva (UE) 2024/2831, relativa à melhoria das condições de trabalho em plataformas digitais – transcrito na fundamentação que logrou vencimento neste acórdão – para a delimitação do âmbito de aplicação temporal do artigo 12º-A do Código do Trabalho, sendo este último preceito uma disposição de direito interno português adotada antes da referida Diretiva 2024/2831, de 23 de outubro de 2024, sempre se dirá que este considerando não releva para a interpretação e definição do âmbito de aplicação de disposições de Direito interno dos Estados-Membros, como o referido artigo 12º-A em vigor desde 01.05.2023.

Este considerando não obstou, com efeito, à adoção, pelo STJ, do critério de a presunção de contrato de trabalho, no âmbito de plataforma digital, plasmada em norma de direito interno – o artigo 12º-A do Código do Trabalho – ser aplicável aos factos enquadráveis nas diferentes alíneas do seu nº 1 que no âmbito de relações jurídicas iniciadas antes da entrada em vigor de tal presunção, em 01.05.2023, tenham sido praticados posteriormente àquele momento, sendo esta pois questão decidida e ultrapassada.

Importa ainda assinalar que resulta expressamente do artigo 26º da Diretiva 2024/2831, que esta contém uma cláusula de não regressão e de salvaguarda de disposições mais favoráveis de direito nacional. O considerando 68 antecipa, de resto, esse artigo 26º afirmando que a Diretiva «define requisitos mínimos, deixando aos Estados-Membros a prerrogativa de introduzirem ou manterem disposições mais favoráveis às pessoas que trabalham em plataformas digitais. Os direitos adquiridos ao abrigo do atual regime jurídico deverão continuar a ser aplicáveis, inclusive no que respeita a mecanismos para verificar a existência de uma relação de trabalho, salvo quando a presente diretiva introduza disposições mais favoráveis. A aplicação da presente diretiva não pode ser utilizada para reduzir os direitos previstos no direito da União ou nacional em vigor neste domínio […].»

Na análise do caso concreto, entendo que os factos assentes nestes autos – dos quais resulta ser inequívoca a integração numa estrutura organizativa alheia ao prestador da atividade – são enquadráveis nas diversas alíneas do nº 1, do artigo 12º-A do Código de Trabalho.

Na menção sucinta das razões da minha discordância, remeto para as considerações efetuadas no Acórdão desta mesma secção, no processo nº 4392/23.5T8OAZ. P1, (relatora Desembargadora Sílvia Saraiva), reiteradas também nos acórdãos que relatei nos processos nº 4407/23.7T8OAZ.P1 e nº4128/23.0T8VFR.P1, todos proferidos na presente data.

Por outro lado, a Recorrente não logrou nestes autos provar os factos necessários para ilidir a presunção legal de existência de contrato de trabalho (cujo ónus da prova lhe incumbia, por força do artigo 350º do Código Civil) prevista no citado artigo 12º-A.

“[É] fundamental ponderar as especificidades da atividade em questão. É inegável que a margem de liberdade operacional do estafeta é superior à dos trabalhadores ditos tradicionais (ex.: operário fabril, da construção civil, hotelaria, etc.)

Com efeito, o estafeta não está sujeito a deveres de assiduidade e pontualidade (por exemplo, pode não estar sempre disponível, escolher as faixas horárias de prestação de serviço e até recusar serviços específicos). Também não está sujeito a deveres de exclusividade ou de não concorrência (podendo trabalhar para várias plataformas, incluindo concorrentes). Por fim, utiliza instrumentos de trabalho próprios (automóvel, mota, bicicleta, smartphone e mochila).

Não obstante, mesmo assim, verificam-se traços indiciadores de subordinação bastante vincados:

- O estafeta, tal como o motorista, não tem clientes próprios; os clientes pertencem à plataforma, que é quem interage com o mercado (os utilizadores instalam a app nos seus smartphones).

- O estafeta efetua as entregas sob a marca da plataforma, prestando a sua atividade para uma organização produtiva externa (a da plataforma digital), sem possuir uma organização empresarial própria.

- Não assume riscos de ganhos ou perdas, que são assumidos pela empresa sob cuja marca presta serviços.

- É a plataforma que define o valor final a receber pelo estafeta caso este aceite o pedido de entrega, processando os pagamentos. Embora o estafeta não receba um valor fixo e periódico, o critério de determinação da remuneração é, em última análise, definido pela plataforma, apesar de o estafeta poder recusar a prestação do serviço, nomeadamente por discordar do valor proposto.

- A plataforma controla a prestação do serviço em tempo real, através da gestão algorítmica e de sistemas de geolocalização constante do estafeta e do cliente, impedindo que o serviço seja realizado de forma independente.” (Acórdão proferido no processo nº 4392/23.5T8OAZ. P1).

Como tal, a consequência inelutável seria a de fazer operar a presunção estabelecida no artigo 12º-A do Código do Trabalho e concluir pela existência de um contrato de trabalho.

Mais ainda, na solução do caso vertente, entendo que se justificava reconhecer a existência do contrato de trabalho com efeitos a partir da data em que o Estafeta passou a ter atividade registada na plataforma.

Não me parece de excluir que se possa afirmar a existência do contrato de trabalho desde essa data, uma vez reconhecido o vínculo laboral, com base no artigo 12º-A do Código do Trabalho, conforme este é aplicado temporalmente pelo STJ. Entendo, com efeito, que seria artificial ficcionar que o contrato de trabalho só existe a partir de 01.05.2023, data da entrada em vigor da Lei nº 13/2023, quando a relação em causa, nestes autos, existe exatamente nos mesmos termos desde a data a partir da qual a Ré aceitou o registo do Estafeta na plataforma GlovoApp.

É certo que o STJ não teve que abordar esta questão especifica no referido acórdão de 15.05.2025.

Na linha do que afirmei acima, estando em causa o artigo 12º-A do Código do Trabalho – uma disposição de direito interno português adotada antes da Diretiva 2024/2831, de 23 de outubro de 2024 – não me parece que o aludido considerando 33 desta Diretiva obste também à interpretação e delimitação do âmbito de aplicação temporal deste artigo 12º-A no sentido de se poder concluir pela existência de um contrato de trabalho, com efeitos a partir da data em que o estafeta passou a ter atividade registada na plataforma, anterior a 01.05.2023.

Na resposta que se aguarda seja dada à questão específica indicada, não abordada pelo STJ, em nada querendo adiantar a esse respeito, afigura-se-me ainda assim incontornável ponderar, como acima assinalei, que a Diretiva é uma diretiva de mínimos. Deixa claramente aos Estados-Membros a possibilidade de manterem disposições mais favoráveis a quem trabalha em plataformas digitais, «inclusive no que respeita a mecanismos para verificar a existência de uma relação de trabalho.»

Independentemente do que venha a ser decidido pelo STJ quanto a esta questão específica, em todo o caso, na situação destes autos, relativamente ao período que decorreu entre 01/10/2021, data a partir da qual a Ré aceitou o registo do Estafeta na plataforma GlovoApp (item 67º dos factos provados) e 01.05.2023, considerando a natureza e especificidade da atividade em causa, também apreciando a qualificação do vinculo à luz do método indiciário ou tipológico – impendendo sobre o autor o ónus da prova (artigo 342º do Código Civil) dos factos constitutivos do direito à qualificação do vínculo como contrato de trabalho – entendo que resulta demonstrado dos factos assentes que o Estafeta prestava a sua atividade à Recorrida, no âmbito da organização e sob a autoridade da mesma (artigo 11º do Código do Trabalho).

Neste sentido apontam claramente os factos provados nos itens 5º, 7º, 9º, 10º, 11º, 13º, 15º, 18º, 19º, 21º, 28º, 30º, 33º, 40º, 42º, 44º, 45º, 46º, 54º, 60º, 61º, 67º, 68º e 69º.

Remeto a este respeito para as considerações efetuadas no acórdão desta mesma secção, proferido no processo nº 4119/23.1T8VFR.P,1 em 17.03.2025 (Relatora Desembargadora Maria Luzia Carvalho, in www.dgsi.pt).

Tal como aí se lê e conclui, “[o] que importa, pois, considerar com vista à distinção do contrato de trabalho de formas de prestação de trabalho autónomas, é, afinal, o modo concreto de execução da prestação.

[(…)]

Assim, a situação retratada no recurso, evidencia que, o vínculo estabelecido entre o estafeta e a recorrida tendo as especificidades próprias da prestação de atividade às plataformas digitais, consiste afinal numa relação de efetiva subordinação jurídica, entendida sob a nova roupagem que lhe conferem as hodiernas formas de organização do trabalho, não deixando de comungar do que no essencial define o contrato de trabalho, ou seja, a inserção do estafeta na organização produtiva da recorrida e a sua sujeição à autoridade desta.”

Em conformidade, tal como tenho vindo a decidir noutros processos, reconheceria a existência do contrato de trabalho, no caso, com efeitos a partir de 01/10/2021, data a partir da qual o Estafeta AA tem atividade registada na plataforma GlovoApp.]




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[1] Reproduzimos, nesta parte, a sentença
[i] Sousa, Teixeira de - As Partes, o Objecto e a Prova na Acção Declarativa, Lex, Lisboa, 1995, pp. 200-204
[ii] Ferreira, Cavaleiro de – A livre apreciação da prova em processo civil, Scientia Ivridica, Tomo XXXIII, 1984, Livraria Cruz, pág.
[iii] Freitas, Lebre de – Introdução ao processo civil, Coimbra editora, 1996, pp. 160 e 161
[iv] Gomes, Manuel Tomé Soares – Revista do CEJ, III-IV, 2005, pp.
[v] Geraldes, António Santos Abrantes – Recursos em Processo Civil. 7ª ed. Almedina, 2022, pp. 354.
[vi] https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:TRP:2017:1671.16.1T8MTS.P1.BC
[vii] https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2014:5146.10.4TBCSC.L1.S1.92
[viii] Cabrita, Helena - A Fundamentação de Facto e de Direito da Decisão Cível, Coimbra Editora, Coimbra, 2015, pp. 106.
[ix] https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2021:19035.17.8T8PRT.P1.S1.31/
[x] https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2007:07A3060.8E/
[xi] Processo 1406/24.5T8VNG.P1, não publicado, mas acessível no registo de acórdãos
[xii] A. Menezes Cordeiro, Manual de Direito do Trabalho, pág. 535.
[xiii] Rouxinol, Milena da Silva e Moreira, Teresa Coelho, Direito do Trabalho, relação individual, 2024, 2ª edição, Almedina, pág. 96
[xiv] Rouxinol, Milena da Silva e Moreira, Teresa Coelho, ob. Cit., pág. 97
[xv] Cordeiro, António Menezes – Direito do Trabalho II, Direito individual, 2019, Almedina, pág. 163
[xvi] Amado, Leal, As plataformas digitais e o novo artigo 12.°-A do Código do Trabalho: empreendendo ou trabalhando?, Revista do STJ, n.º 3, disponível em https://arevista.stj.pt/edicoes/numero-3/as-plataformas-digitais-e-o-novo-artigo-12-0-a-do-codigo-do-trabalho-empreendendo-ou-trabalhando
[xvii] https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/ALL/?uri=oj:L_202402831
[xviii] https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2016:2501.09.6TTLSB.L2.S1.AC/
[xix] https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2020:4220.15.5T8VFXL.S1/
[xx] https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:TRP:2019:4826.18.0T8MAI.P1.E6/
[xxi] Cordeiro, António Menezes, Direito do Trabalho II, Almedina, 2019, pág. 157 ss.
[xxii] https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:TRP:2016:424.13.3TTVFR.P1.BE/
[xxiii] Miranda, Jorge e Medeiros, Rui, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra Editora, 2005, pág. 620
[xxiv] Não publicado, mas disponível no livro de registo