ACÇÃO EXECUTIVA
OPOSIÇÃO
INEXIGIBILIDADE DA OBRIGAÇÃO
Sumário

Sumário: (elaborado pela relatora e da sua inteira responsabilidade - art.º 663º, nº 7 do Cód. Proc. Civil)
I - A exigibilidade da concreta obrigação exequenda é um pressuposto ou condição da acção executiva (artigo 713º do Código de Processo Civil), dado que, se a obrigação ainda não é exigível, não se justifica proceder à realização coactiva da prestação (prematuridade da execução).
II – Por isso, a inexigibilidade da concreta obrigação exequenda constitui fundamento de oposição a execução que, caso seja julgada procedente, determina a extinção da execução - cfr. artigos 729º, al. e) e 732º, nº 4 do Código de Processo Civil.

Texto Integral

Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
I - RELATÓRIO
“ARES LUSITANI STC, S.A.” intentou, em 23/12/2022, contra A … e B …, acção executiva de pagamento de quantia certa (de que estes autos são apenso), nos termos da qual requer a cobrança coerciva da quantia total de € 76.186,87, sendo € 68.281,84 de capital em dívida e € 7.905,03 de juros de mora vencidos até 02/08/2021, bem como os juros vincendos até pagamento.
A exequente deu à execução a escritura pública intitulada “Compra e venda, mútuo com hipoteca e procuração”, outorgada em 15/01/2016, pela qual o “Banco Espírito Santo S.A.” emprestou aos executados a quantia de € 76.500,00, pelo prazo de 420 meses, a liquidar em 420 prestações mensais, tendo sido constituída a favor daquele uma hipoteca sobre um imóvel; os executados interromperam os pagamentos das prestações acordadas em 02/08/2021, apesar das diversas diligências desenvolvidas quer pelo “Novo Banco” [para o qual foi transferida a generalidade da actividade e do património do “Banco Espírito Santo S.A.”, por força da deliberação extraordinária do Conselho de Administração do Banco de Portugal de 03/08/2014], quer pela exequente, que adquiriu a posição daquele por cessão de créditos celebrada entre ambos em 07/04/2022; a situação descrita determinou o direito de considerar vencida toda a dívida, reportada à data da última prestação paga, e, consequentemente, exigir o pagamento imediato de todo o capital em dívida à data daquela prestação, acrescida dos juros de mora desde 02/08/2021.
Os executados apresentaram oposição à execução, tendo: excepcionado a ilegitimidade da exequente; e impugnado o invocado, sustentado, em suma, que: a exequente não cumpriu o PERSI; a inexigibilidade da obrigação, alegando que: em 25/05/2021, os executados acordaram com o “Novo Banco, S.A.”, através da “ServDebt”, um “Plano de Pagamentos” com vista à regularização do montante, então, em dívida, de € 6.939,27, tendo ficado acordado que o pagamento desta quantia seria efectuado em 21 prestações mensais e sucessivas, sendo a 1ª prestação no valor de € 540,00, da 2ª à 20ª prestação no valor de € 320,00 cada e uma última prestação no valor de € 319,27, com início no mês de Maio de 2021; mais foi ali acordado que “Após concluído o Plano de Pagamentos, o processo será devolvido à estrutura comercial da entidade bancária com vista à sua continuidade até à data final do contrato de crédito”; nesta sequência, os executados pagaram mensalmente as prestações acordadas entre 17/05/2021 e 28/04/2022, perfazendo o montante total de € 4.066,00; em 09/05/2022, os executados foram notificados da cessão de créditos; os executados tentaram junto da exequente obter as referências necessárias para o pagamento das restantes prestações, conforme estava acordado com o “Novo Banco, S.A.”; a exequente recusou-se a aceitar a manutenção do acordo celebrado entre os executados e o “Novo Banco, S.A.”, não aceitando o pagamento prestacional, pretendendo receber integralmente o valor da dívida.
A exequente contestou os embargos, sustentando a sua improcedência.
Foi realizada audiência prévia, onde foi proferido despacho saneador (julgando improcedente a excepção de ilegitimidade activa), fixado o objecto do litígio e enunciados os temas de prova.
Realizado julgamento, foi proferida sentença que julgou os embargos procedentes e, consequentemente, determinou a extinção da execução.
Inconformada, a exequente recorre desta decisão, requerendo a revogação da mesma e a sua substituição por outra que “que determine a improcedência dos embargos de executado e que ordene, consequentemente, a prossecução dos” autos de execução; terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões:
“A. O presente recurso tem por objceto a sentença que julgou procedentes os embargos e, consequentemente, determinou a extinção da execução e a recorrente entende que a Meritíssima Juiz a quo incorreu em erro de julgamento da matéria de facto, tendo em consideração a prova produzida em sede de audiência, rectius, as declarações dos executados, e depoimento das testemunhas, nas quais assentou o cerne da fundamentação da sentença e convicção do julgador.
B. A Meritíssima Juiz a quo procedeu, portanto, a uma valoração incorrecta da prova produzida, assim como interpretou erradamente o direito aplicável ao caso.
C. No ponto 1 a Meritíssima Juiz a quo considerou que não ficou provado que “Os mutuários e ora Executados A … e mulher B … interromperam os pagamentos das prestações do empréstimo acima melhores identificados em 02/08/2021.”
E considerou ainda no ponto 2 “Nada mais tendo pago por conta do mesmo.” por considerar que estão em contradição com o facto provado em que Q que refere “No âmbito do acordo em questão foram recebidos, pelo Banco Cedente, os seguintes valores, nas seguintes datas, respetivamente: ▪ 2022/04/28 € 320 ▪ 2022/03/28 € 320 ▪ 2022/02/28 € 320 ▪ 2022/02/06 € 320 ▪ 2022/01/05 € 320 ▪ 2021/12/05 € 320 ▪ 2021/10/30 € 320 ▪ 2021/10/02 € 320 ▪ 2021/08/31 € 326 ▪ 2021/07/29 € 320 ▪ 2021/06/28 € 320 ▪ 2021/05/17 € 540.”
D. Resulta das declarações prestadas pela Embargante B …, no dia 03-12-2024, com o registo no sistema Diligencia_12642-22.9T8LRS-A_2024-12-03_14-25-55, do minuto 09:30 ao minuto 10:15, que voluntariamente e de uma forma consciente deixaram de cumprir o acordo firmado com a Servdebt, no âmbito da gestão de créditos do Novo Banco.
E. O mesmo resulta das declarações prestadas pelo Embargante A …, no dia 03-12-2024, com o registo no sistema Diligencia_12642-22.9T8LRS-A_2024-12-03_14-38-37, do minuto 04:02 ao minuto 05:49, que confessa que aquando o recebimento da carta de cessão de créditos, deixaram de cumprir o acordo, pese embora apenas detivessem um único empréstimo junto do Novo Banco.
F. Não há, assim, dúvidas de que não havia mais nenhum crédito dos executados junto do Banco Cedente pelo que o crédito habitação era o único, motivo pelo qual caso tivessem continuado a cumprir o acordo, a finalidade dos pagamentos a realizar junto da cessionária seria apenas para pagamento desse mesmo crédito o que facilmente demonstrariam pela junção dos comprovativos de pagamento.
G. O Embargado confessa que deixou de cumprir o pagamento, conforme resulta das declarações prestadas pelo Embargante A …, no dia 03-12-2024, com o registo no sistema Diligencia_12642-22.9T8LRS-A_2024-12-03_14-38-37, do minuto 06:45 ao minuto 07:10.
H. Os executados confessaram a recepção das cartas a comunicar a cessão de créditos, enviadas pela recorrente e que o próprio NOVO BANCO, confirmou a cessão de créditos e das cartas em questão não resulta o pedido de pagamento do valor total em dívida conforme se alcance do seu teor e conteúdo.
I. O pedido de pagamento do valor total em dívida apenas resulta – conforme infra se verá – da carta de interpelação enviada aos executados.
J. Nas cartas em questão (de comunicação da cessão) foram indicados os contactos de referência para qualquer informação e, bem assim, o IBAN para ser considerado a partir da data em causa, para efeitos de realização de quaisquer pagamentos respeitantes aos contratos em causa.
K. A carta de cessão menciona “quaisquer pagamentos respeitantes aos contratos em causa” e foi essa a indicação que os executados receberam por parte da recorrente, conforme resulta das declarações prestadas pela testemunha C …, no dia 03-12-2024, com o registo no sistema Diligencia_12642-22.9T8LRS-A_2024-12-03_15-31-48, do minuto 04:55 ao minuto 07:52, que atestou que até esclarecimento em contrário deveriam continuar a fazer os pagamentos que estavam previstos no acordo para o IBAN que estava na carta pois a carta, prevê e salvaguarda, precisamente, a cessão de cre´dito que possam estar em cumprimento e ainda não tenha sido detectada tal situação.
L. Assim, os clientes/ devedores evitam colocar-se numa situação de incumprimento que não lhes poderia ser imputável, o que não é o caso dos aqui executados, considerando que se escudaram num acordo que voluntariamente deixaram de cumprir apesar das expressas indicações me contrário.
M. E tal indicação para continuarem os pagamentos foi inequívoca por parte recorrente, conforme resulta das declarações prestadas pela testemunha C …, no dia 03-12-2024, com o registo no sistema Diligencia_12642-22.9T8LRS-A_2024-12-03_15-31-48, do minuto 09:34 ao minuto 09:55.
N. Desta feita, após a recepção da carta, após a confirmação do Novo Banco de que o – único – crédito tinha sido decidido, após a conversa com o gestor interno do processo, os recorridos optaram deliberadamente por deixar de pagar, sabendo – porque não podiam desconhecer – as consequências desse incumprimento.
O. Da motivação da sentença resulta que a carta de cessão é uma “carta tipo”, igual para todos os clientes e que, por via disso, não bastaria à recorrente alegar que os executados dispunham dos meios para pagar.
P. Pois bem, não resulta apenas isso da prova realizada: resulta quer da confissão dos executados, quer do depoimento da testemunha C … que aos executados foi duplamente confirmada a cessão e foi confirmado o IBAN para poderem continuar a cumprir os pagamentos do acordo.
Q. A única coisa que ficou pendente de confirmação foi apenas a existência do acordo por parte do Banco Cedente que, nessa qualidade, não havia informado a existência do acordo.
R. Em momento algum foram os executados informados de que o acordo não se iria manter, não ia ser aceite e não podiam ser aceites os pagamentos ao abrigo do mesmo.
S. O facto de a cessionária ser uma sociedade de titularizados de créditos impede a retoma à estrutura comercial porque isso é uma faculdade apenas conferida a intuições bancária mas não impede que a cessionária apure mensalmente o valor da prestação mensal devida, nos termos das condições contratualizadas com o Banco Cedente e receba tais prestações, para cumprimento integral do contrato celebrado.
T. Naturalmente, e após o pagamento do acordo feito pelos executados, seria este o procedimento que teria de acontecer.
U. Interrompido voluntariamente o pagamento do acordo, nada mais restava à recorrente a não ser considerar incumprido o acordo celebrado e, por consequência, o contrato celebrado, como fez.
V. Como tal, a matéria vertida no ponto 1 e 2 dos factos não provados deverá ser levada aos factos provados com a seguinte redacção “Os mutuários e ora Executados A … e mulher B … interromperam os pagamentos das prestações do empréstimo acima melhores identificados a partir de 09/05/2022, data em que foram notificados da cessão de créditos, nada mais tendo pago por conta do mesmo.” justamente o que deve ser concluído e decidido pelo douto Tribunal ad quem, o que desde já se requer.
W. No ponto 4 a Meritíssima Juiz a quo considerou que não ficou provado que “A exequente comunicou aos embargantes o vencimento da totalidade das prestações acordadas.”
X. De facto, e atento o volume de documentos juntos com o requerimento enviado aos autos em 25.10.2024 a aqui recorrente, por manifesto lapso pelo qual se repesa, não anexou a carta de interpelação enviada aos executados, antes da instauração da acção, pelo que procede à sua junção nesta data, nos termos do art. 651.º, requerendo-se, desde já, a admissão da sua junção aos autos, atento o alegado (Doc. n.º 1 que se junta e se dá por integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos).
Y. De facto, o elevado número de documentos juntos, assim como o lapso alegado em relação à acta de audiência prévia, aliado ainda ao facto de existirem documentos provenientes de entidades diferentes, contribuiu para o lapso firmado.
Z. Ora, não é credível, a não ser por mero e manifesto lapso, que a recorrente, na qualidade de exequente, não demonstrasse nos autos uma formalidade que cumpriu e que bem sabia ser demonstrativa (acima de tudo) por prova documental, condição para a exigibilidade da dívida exequenda, pelo que tal lapso deve ser sopesado na admissão da junção deste documento, nesta sede, o que se requer.
AA. Conforme se pode verificar os executados foram interpelados do vencimento da totalidade das prestações acordadas, por carta registada enviada com aviso de recepção em 04.11.2022 a qual foi pessoalmente recebida pelo executado em 10.11.2022.
BB. Só nesta data – e não aquando da comunicação da cessão – é que foi exigido o pagamento da totalidade do valor em dívida atento o incumprimento do acordo e dos termos do contrato de mútuo.
CC. Aliás, das declarações supra transcritas do Embargante A …, no dia 03-12-2024, com o registo no sistema Diligencia_12642-22.9T8LRS-A_2024-12-03_14-38-37, do minuto 04:02 ao minuto 05:49 corroboram, precisamente, que recebeu esta carta pois, de facto, atenta a resolução, foi exigido o pagamento da totalidade do valor em dívida, no valor de € 75.685,73, ou seja, os tais “75 mil euros” referidos pelo executado nas suas declarações.
DD. Como tal, a matéria vertida no ponto 4 dos factos não provados deverá ser levada aos factos provados com a seguinte redacção “A exequente comunicou aos embargantes o vencimento da totalidade das prestações acordadas.” justamente o que deve ser concluído e decidido pelo douto Tribunal ad quem, o que desde já se requer.
EE. Os executados já tinham sido integrados em PERSI por diversas vezes, conforme resulta dos autos e da documentação junta aos mesmos.
FF. Ante este novo incumprimento do acordo firmado, já na esfera da cessionária, não era, a esta, exigível nova integração em PERSI.
GG. Conforme resulta provado a cessão de créditos ocorreu a 7 de Abril de 2022 e a cessão de créditos não foi impugnada nem posta em causa por qualquer outro meio, pelos executados.
HH. Tendo o incumprimento ocorrido em Maio de 2022 (!!!), data a partir da qual os recorridos deixaram de cumprir, mensal e sucessivamente, o pagamento do acordo é notório que incumprimento dá-se, neste caso concreto, já após a cessão de créditos ocorrida em 7 de Abril de 2022, ou seja, já na esfera da cessionária.
II. No dia 1 de Janeiro de 2013 entrou em vigor o DL 227/2012, de 25 de Outubro e o preâmbulo do indicado diploma legal dá conta das razões subjacentes à consagração do regime ali estabelecido, convocando o contexto de degradação das condições económicas e financeiras sentido em diversos países, com um aumento significativo no incumprimento dos contratos de crédito, o que determinou a criação de um sistema de acompanhamento permanente e sistemático da execução dos contratos de crédito, bem como o desenvolvimento de medidas e de procedimentos que impulsionem a regularização das situações de incumprimento daqueles contratos, promovendo ainda a adopção de comportamentos responsáveis por parte das instituições de crédito e dos clientes bancários e a redução dos níveis de endividamento das famílias.
JJ. O mesmo diploma estabelece princípios e regras a observar pelas instituições de crédito na prevenção e na regularização das situações de incumprimento de contratos de crédito pelos clientes bancários e cria a rede extrajudicial de apoio a esses clientes bancários no âmbito da regularização dessas situações, consignando-se ainda no seu preâmbulo que se pretendeu “estabelecer um conjunto de medidas que, refletindo as melhores práticas a nível internacional, promovam a prevenção do incumprimento e, bem assim, a regularização das situações de incumprimento de contratos celebrados com consumidores que se revelem incapazes de cumprir os compromissos financeiros assumidos perante instituições de crédito por factos de natureza diversa, em especial o desemprego e a quebra anómala dos rendimentos auferidos em conexão com as atuais dificuldades económicas”.
KK. Como concretização de tais medidas, além de prever que cada instituição de crédito crie um Plano de Acção para o Risco de Incumprimento (PARI), foi instituído “um Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), no âmbito do qual as instituições de crédito devem aferir da natureza pontual ou duradoura do incumprimento registado, avaliar a capacidade financeira do consumidor e, sempre que tal seja viável, apresentar propostas de regularização adequadas à situação financeira, objetivos e necessidades do consumidor”.
LL. O citado diploma visou, assim, “promover a adequada tutela dos interesses dos consumidores em incumprimento e a atuação célere das instituições de crédito na procura de medidas que contribuam para a superação das dificuldades no cumprimento das responsabilidades assumidas pelos clientes bancários”.
MM. As medidas e procedimentos criados pelo mencionado diploma legal destinam-se, pois, a prevenir e regular o incumprimento dos contratos de crédito ou, em último caso, regularizar, extrajudicialmente, as situações de incumprimento por parte do consumidor, obviando ao acionamento de determinadas cláusulas dos contratos de crédito. Parte-se do pressuposto que a resolução das situações de incumprimento deve realizar-se, preferencialmente, fora do contexto judicial, através da negociação entre a instituição de crédito e o cliente bancário, sendo que o PERSI tem em vista a definição de um quadro harmonizado para a negociação, entre as Instituições Creditícias e os seus clientes, de soluções para a recuperação de créditos em incumprimento – cfr. art. 12.º do Dl 227/2012, de 25 de Outubro.
NN. Compete, pois, às instituições de crédito, nos termos do art. 12.º do DL 227/2012, promover as diligências necessárias à implementação do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) relativamente a clientes bancários que se encontrem em mora no cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito, começando por, no prazo máximo de 15 dias após o vencimento da obrigação em mora, informar o cliente do atraso no cumprimento e dos montantes em dívida e, bem assim, desenvolvendo diligências no sentido de apurar as razões subjacentes ao incumprimento – cfr. art.º 13.º.
OO. Note-se que para além da situação descrita e contemplada na fase inicial do procedimento, a instituição de crédito mutuante está sempre obrigada a incluir o cliente no PERSI quando aquele esteja numa situação de mora e o solicite, ou quando um cliente que já tivesse alertado para o risco do seu incumprimento entre, efectivamente, em mora – cfr. art. 14.º, n.º 2 do DL 227/2012.
PP. E porque essa integração é obrigatória, somos a concordar que verificados que sejam os respectivos pressupostos, a acção judicial destinada a satisfazer o crédito, só poderá ser intentada pela instituição de crédito contra o cliente bancário, devedor mutuário, após a extinção do PERSI – cfr. art. 18.º, n.º 1, b) do Decreto-Lei nº 227/2012.
QQ. Com efeito, o art. 18.º do DL 227/2012 estatui sobre as “Garantias do cliente bancário”.
RR. Ora, da conjugação dos normativos disciplinadores do regime em apreço resulta que, reunidos os pressupostos da aplicação do DL 227/2012, de 25 de Outubro, a integração do cliente bancário no PERSI é obrigatória; sendo obrigatória e havendo lugar à integração do devedor no PERSI, enquanto o procedimento não for extinto, não é possível o accionamento judicial do devedor.
SS. De igual modo, deve também ter-se por verdadeiro que a falta de integração no PERSI, verificados que estivessem os pressupostos para tanto, impede também que a instituição de crédito intente acção judicial com vista à satisfação do seu crédito, porque antes de o poder fazer tem de cumprir aquela obrigação que lhe é imposta de tentativa extrajudicial de regularização do incumprimento, ou seja, aquela integração surge como uma condição prévia ao accionamento judicial.
TT. Assim tem concluído a doutrina e a jurisprudência dos tribunais superiores.
UU. O conjunto dos elementos hermenêuticos – histórico, sistemático, teleológico e literal – aponta claramente que a integração do cliente bancário [e, bem assim, do fiador] no PERSI é obrigatória, quando verificados os respectivos pressupostos, posto que, consequentemente, a acção executiva só poderia ser intentada contra os obrigados após a extinção deste procedimento.
VV. E isto porque existe igualmente um feixe de direito concedidos aos clientes bancários e a concretização dessas garantias não é compatibilizável com a existência de um processo em curso.
WW. Importa ter presente que o art. 3.º do DL 227/2012 introduziu um elenco de conceitos que, para efeitos do presente diploma, devem ser tidos em conta, entre eles o de «Cliente bancário» que, para este efeito, é “o consumidor, na aceção dada pelo n.º 1 do artigo 2.º da Lei de Defesa do Consumidor, aprovada pela Lei n.º 24/96, de 31 de julho, alterada pelo Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, que intervenha como mutuário em contrato de crédito” – cf. alínea a).
XX. O art. 2.º, n.º 1 da Lei de Defesa do Consumidor estatui: “Considera-se consumidor todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios”.
YY. Os mutuários, pessoas singulares, destinaram os mútuos à aquisição da sua habitação permanente e para fins diversos, logo para um destino não profissional, pelo que devem ser considerados consumidores, nos termos do transcrito normativo legal para efeitos de aplicação do DL 227/2012.
ZZ. Por sua vez, a alínea e) do art. 3.º do DL 227/2012 determina que para efeitos do diploma se entende por «Instituição de crédito» “qualquer entidade habilitada a efetuar operações de crédito em Portugal, nos termos do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro, na sua redação atual (RGICSF)”.
AAA. Por sua vez, o art. 6.º do RGICSF enuncia os tipos de sociedades financeiras, estatuindo no seu n.º 5 que “Não são sociedades financeiras as entidades reguladas no Regime Jurídico da Titularização de Créditos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 453/99, de 5 de novembro, na sua redação atual, no Regime Geral dos Organismos de Investimento Coletivo, aprovado em anexo à Lei n.º 16/2015, de 24 de fevereiro, na sua redação atual, e no Regime Jurídico do Capital de Risco, Empreendedorismo Social e Investimento Especializado, aprovado em anexo à Lei n.º 18/2015, de 4 de março, na sua redação atual.”
BBB. O DL nº 453/99, de 5 de Novembro estabelece o regime das cessões de créditos para efeitos de titularização e regula a constituição e o funcionamento dos fundos de titularização de créditos, das sociedades de titularização de créditos e das sociedades gestoras daqueles fundos.
CCC. A exequente, aqui recorrente possui a designação ARES LUSITANI, STC, S. A. pelo que, sabendo-se que apenas as sociedades de titularização de créditos podem incluir tal abreviatura, tem de aceitar-se que a exequente não é uma instituição de crédito, nem tão-pouco uma sociedade financeira, estando antes abrangida pelo regime do DL 453/99, de 5 de Novembro e apenas pode ter por objecto social realização de operações de titularização de créditos ou de riscos.
DDD. Como tal, a exequente não está abrangida pelo âmbito de aplicação do regime instituído pelo DL 227/2012, de 25 de Outubro, não estando obrigada a promover as diligências necessárias à implementação do PERSI.
EEE. À data do início do incumprimento (Maio de 2022) já era a exequente a titular do crédito exequendo, pelo que nem sequer se pode colocar aqui em causa uma eventual preterição por parte da instituição de crédito mutuante, NOVO BANCO, S. A., da obrigação de integrar os executados no PERSI, dado que até à cessão de créditos para a ARES LUSITANI-STC, S.A. não ocorreu mora ou incumprimento por banda da mutuária que justificasse a implementação do procedimento extrajudicial de regularização do incumprimento, nos termos previstos no art. 12.º e seguintes do DL 227/2012, de 25 de Outubro, uma vez que tinham acordo feito para cumprimento das prestações vencidas apuradas e que se fossem vencendo durante o acordo, nos termos celebrados com a Servdebt.
FFF. Por outro lado, estatui o art. 6.º do DL 453/99, de 5 de Novembro sobre os efeitos da cessão, prevendo que a sua eficácia em relação aos devedores fica dependente de notificação, ainda que, sendo o cedente uma instituição de crédito, como é o caso, tal eficácia ocorra no momento em que se tornar eficaz entre o cedente e o cessionário, não dependendo do conhecimento, aceitação ou notificação dos devedores – cfr. n.ºs 1 e 4, e quanto às garantias do devedor veja-se o n.º 6 e 7 do art. 6.º.
GGG. Em suma, ao tempo do incumprimento, a titularidade do crédito estava já transferida para a cessionária, que, não sendo instituição de crédito, não está sujeita às obrigações decorrentes do DL 227/2012 (diversamente, se acaso esse incumprimento se verificasse ao tempo em que a titularidade do crédito era da mutuante, a cedência do crédito não impediria a obrigação de integração no PERSI, posto que o facto era oponível à cessionária, conforme decorre do acima expendido).
HHH. Assim, a questão da apreciação do PERSI, nesta sede, salvo o devido respeito, era irrelevante.
III. Foram violadas, entre outras disposições, os arts. 12.º e 13.º do DL 227/2012, de 25 de Outubro, art. 2.º, n.º 1 da Lei de Defesa do Consumidor e arts. 2.º-A, w) e 6.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras e 781 .º do CC.”
Juntou um documento.
A executada apresentou contra-alegações, sustentando que a junção do mencionado documento não é legalmente admissível e defendendo a improcedência da apelação. O executado não apresentou contra-alegações.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II - QUESTÕES A DECIDIR
De acordo com as disposições conjugadas dos arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1, ambas do Cód. Proc. Civil, é pelas conclusões da alegação do Recorrente que se delimita o objecto e o âmbito do recurso, seja quanto à pretensão do Recorrente, seja quanto às questões de facto e de direito que colocam. Esta limitação objectiva da actuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede de qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cfr. art. 5º, nº 3 do Cód. Proc. Civil).
Nestes termos, no caso, as questões a decidir são as seguintes:
- admissibilidade da junção aos autos do documento apresentado com este recurso;
- impugnação e pretendida alteração da decisão sobre matéria de facto;
- (in)exigibilidade da obrigação exequenda.

III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A sentença recorrida deu como provados os factos nos seguintes termos:
“A. Por força da deliberação extraordinária do Conselho de Administração do Banco de Portugal, tomada em reunião extraordinária, no dia 03/08/2014, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 5 do art.º 145-G do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo D.L. n.º 298/92, de 31 de dezembro, foi constituído o NOVO BANCO, S.A.
B. Por intermédio da mesma deliberação, determinou o Conselho de Administração do Banco de Portugal que “a generalidade da atividade e do património do Banco Espírito Santo S.A., é transferida, de forma imediata e definitiva, para o Novo Banco S.A.”.
C. Por deliberação tomada em reunião extraordinária do Conselho de Administração do Banco de Portugal, são esclarecidos quais os ativos que transitam para o NOVO BANCO S.A., o que, em conjugação com o disposto no art.º 145-H, n.º 1, 9, 10 e n.º 11, do RGICSF (“A decisão de transferência prevista no n.º 1 produz efeitos, inscrito na respetiva matriz sob o art.º independentemente de qualquer disposição legal ou contratual em contrário, sendo título bastante para o cumprimento de qualquer formalidade legal relacionada com a transferência “ – n.º 11 do citado artigo), permite prosseguir a atividade de recuperação de crédito em nome do NOVO BANCO S.A.
D. Em 07/04/2022 foi celebrado contrato de cessão de créditos, no cartório Notarial da Notária Dra. D …, sito na Rua …, n.º …, R/C, entre o Novo Banco, S.A. e a sociedade Ares Lusitani, STC, S.A., com sede na Avenida José Malhoa, n.º 27, 11.º andar, freguesia de Campolide, concelho de Lisboa, com o capital social de € 250.000, com o número de identificação de pessoa coletiva … 90.
E. No referido contrato de cessão, o Novo Banco, S.A. cedeu ao ora Exequente/Credor um conjunto de créditos vencidos de que era titular, onde está(ao) incluído(s) o(s) ora peticionado(s).
F. A mencionada cessão incluiu a transmissão, relativamente a todos os direitos, garantias e direitos acessórios inerentes ao(s) crédito(s) aqui peticionado(s), sendo a Credora/Exequente Ares Lusitani, STC, S.A. o seu atual titular e parte legitima na presente demanda.
G. No âmbito da sua atividade creditícia o Banco Cedente, por escritura publica de mútuo com hipoteca e procuração, celebrado em 15/01/2016, concedeu aos Executados A … e mulher B …, a importância de Euros 76.500,00, pelo prazo de 420 meses, a liquidar em 420 prestações mensais, constantes e sucessivas, de capital e juros, acrescidas do imposto de selo em vigor, e nas demais condições constantes do referido título.
H. A taxa de juro contratada foi à taxa Euribor a 12 meses, acrescida do spread de 2,25%.
I. Em caso de mora ou incumprimento, tal taxa seria elevada de 4%.
J. Para caução e garantia de todas as responsabilidades assumidas nos termos do presente contrato, nomeadamente juros que forem devidos, e ainda das despesas judiciais e extrajudiciais, os Executados A … e mulher B … constituíram a favor do Banco Cedente hipoteca sobre a fração autónoma designada pela letra “B”, composta por casa de habitação, rés do chão, do prédio urbano denominado Quinta do …, lote …, no lugar de Paredes, na união das freguesias de Alenquer (Santo Estevão e Triana), concelho de Alenquer, descrito na Conservatória dos Registos Civil, Predial, Comercial e Automóveis de Alenquer sob n.º … da freguesia de Santo Estêvão e inscrito na matriz predial urbana ….
K. A sobredita hipoteca encontra-se devidamente registada a favor do Banco Cedente, respetivamente, pela inscrição Ap. … de 2016/01/15.
L. O averbamento de transmissão de crédito a favor da ora exequente encontra-se registado sob inscrição a Ap. … de 2022/05/04.
M. A quantia emprestada, referida no aludido título foi entregue aos Executados A … e mulher B … mediante créditos processados na sua Conta de Depósitos à Ordem n.º … 25, domiciliada na agência do Banco Cedente.
N. Os executados celebraram Plano de Pagamentos a 25/05/2021, com vista à regularização do montante em falta.
O. Tendo ficado acordado que o pagamento da quantia global de € 6.939,27 seria efetuado em 21 prestações mensais e sucessivas, sendo a 1ª prestação no valor de € 540,00, da 2ª à 20ª prestação no valor de € 320,00 cada, e uma última prestação no valor de € 319,27, vencendo-se cada prestação ao dia 17 de cada mês, com início no mês de maio de 2021.
P. Resulta do acordo de pagamento celebrado entre os executados e a gestora da dívida ao Novo Banco, S.A.: “Após concluído o Plano de Pagamentos, o processo será devolvido à estrutura comercial da entidade bancária com vista à sua continuidade até à data final do contrato de crédito”.
Q. No âmbito do acordo em questão foram recebidos, pelo Banco Cedente, os seguintes valores, nas seguintes datas, respetivamente:
. 2022/04/28 € 320
. 2022/03/28 € 320
. 2022/02/28 € 320
. 2022/02/06 € 320
. 2022/01/05 € 320
. 2021/12/05 € 320
. 2021/10/30 € 320
. 2021/10/02 € 320
. 2021/08/31 € 326
. 2021/07/29 € 320
. 2021/06/28 € 320
. 2021/05/17 € 540
R. A 09/05/2022, os executados foram notificados, por parte da exequente, da cessão de créditos.
S. Nas comunicações referidas em R, foram indicados os contactos de referência para qualquer informação e o IBAN para ser considerado a partir da data em causa, para efeitos de realização de quaisquer pagamentos respeitantes aos contratos em causa.
T. Após a comunicação da cessão, os executados solicitaram à exequente as referências necessárias para o pagamento das restantes prestações, conforme estava acordado com o Novo Banco, S.A., através da ServDebt.
U. Em 08/04/2016 o Banco cedente comunicou aos embargantes a integração em PERSI.
V. Em 08/07/2016 o Banco cedente comunicou aos embargantes a extinção em PERSI.”
*
A sentença recorrida deu como não provados factos nos seguintes termos:
“1. Os mutuários e ora Executados A … e mulher B … interromperam os pagamentos das prestações do empréstimo acima melhores identificados em 02/08/2021.
2. Nada mais tendo pago por conta do mesmo.
3. A ServDebt autorizou, telefonicamente, que os pagamentos em causa fossem efetuados até ao dia 2 do mês seguinte ao correspondente à prestação.
4. A exequente comunicou aos embargantes o vencimento da totalidade das prestações acordadas.
5. Os executados foram interpelados para pagamento, antes da celebração do acordo em causa.”

IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
(In)Admissibilidade da junção aos autos do documento que foi apresentado com este recurso
Com o recurso, a apelante requereu a junção aos autos de um documento.
Como é sabido, os documentos são meios de prova de factos - cfr. arts. 341º e 362º do Cód. Civil. E, a sua junção tem em vista a prova de factos que hajam sido alegados pelas partes nos respectivos articulados (normais ou supervenientes) – cfr. art. 423º, nºs 1 e 2 do Cód. Proc. Civil.
Nos termos do art. 651º, nº 1 do Cód. Proc. Civil: “As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância.”; dispondo aquele art. 425º que: “Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.”
Da conjugação destas normas resulta que apenas se mostra possível a junção de documentos em sede de recurso:
(i) devido à impossibilidade de apresentação do documento anteriormente ao recurso - cfr. arts. 651º, nº 1, primeira parte, e 425º do Cód. Proc. Civil;
ou
(ii) quando o julgamento da primeira instância tenha introduzido na acção um elemento de novidade que torne necessária a consideração de prova documental adicional, que até aí – até ao julgamento em primeira instância – se mostrava desfasada do objecto da acção ou inútil relativamente a este - cfr. art. 651º, nº 1, segunda parte, do Cód. Proc. Civil.
O primeiro destes requisitos (i) pressupõe a superveniência do documento pretendido juntar, superveniência essa, que pode ser objectiva, isto é, que ocorreu histórica e cronologicamente depois de um determinado momento; ou subjectiva, ou seja, que justificadamente só foi tido conhecimento desse documento por alguém depois desse momento - impondo-se, em ambos os casos, que a parte demonstre a referida superveniência.
Comum a estes dois segmentos da primeira parte do art. 651º, nº 1 do Cód. Proc. Civil é, pois, a impossibilidade de junção em momento anterior (por referência ao encerramento da discussão na audiência final), por razões atendíveis e de acordo com a diligência normal do cidadão médio.
No que respeita à impossibilidade de apresentação anterior (cfr. art. 425º do cód. Proc. Civil, a contrario), afirmam Lebre de Freitas et al, in “Código de Processo Civil Anotado”, 2º Vol., Coimbra Editora, 2001, p. 426, que: “Constituem exemplos de impossibilidade de apresentação o de o documento se encontrar em poder de terceiro, que só posteriormente o disponibiliza, de a certidão de documento arquivado em notário ou outra repartição pública, atempadamente requerida, só posteriormente ser emitida [superveniência objetiva] ou de a parte só posteriormente ter conhecimento da existência do documento [superveniência subjetiva]. Nos dois primeiros casos, será necessário que se tenham esgotado anteriormente os meios dos arts. 531º a 537º [atuais Artigos 432º a 437º do Código de Processo Civil].”.
O segundo (ii) mencionado requisito (cfr. segunda parte do nº 1 do invocado art. 651º) prende-se com a necessidade de junção de determinado documento quando tenha sido introduzido na acção um elemento de novidade que torne necessária a consideração de prova documental adicional. Quer isto dizer que, esse elemento de novidade não pode ter já sido debatido nos articulados ou em sede de discussão e julgamento, antes devendo ser algo de novo.
Como salientam António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in “Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Parte Geral e Processo de Declaração”, Coimbra, 2018, p. 786, “tem-se entendido que a junção de documentos às alegações da apelação só poderá ter lugar se a decisão da 1ª instância criar, pela primeira vez, a necessidade de junção de determinado documento, quer quando a decisão se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes, quer quando se funde em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação as partes não contavam (STJ, 26-9-12, 174/08, RL 8-2-18, 176/14 e RP 8-3-18, 428/16)”.
A este propósito, escrevem Antunes Varela, J. Miguel Bezerra, Sampaio e Nora, in “Manual de Processo Civil”, 2ª ed. revista e actualizada, Coimbra Editora, 1985, p. 533-534, que: “a lei não abrange a hipótese de a parte se afirmar surpreendida com o desfecho da acção (ter perdido, quando esperava obter ganho de causa) e pretender, com tal fundamento, juntar à alegação documento que já poderia e deveria ter apresentado em 1.ª instância. O legislador quis manifestamente cingir-se aos casos em que, pela fundamentação da sentença ou pelo objeto da condenação, se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes de a decisão ser proferida”.
Também a este propósito, esclarece Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 5ª ed., p. 242-243, que: “Podem ainda ser apresentados documentos quando a sua junção apenas se tenha revelado necessária por virtude do julgamento proferido, máxime quando este se revele de todo surpreendente relativamente ao que seria expectável em face dos elementos já constantes do processo. A jurisprudência anterior sobre esta matéria não hesita em recusar a junção de documentos para provar factos que já antes da sentença a parte sabia estarem sujeitos a prova, não podendo servir de pretexto a mera surpresa quanto ao resultado.”. Cfr., neste sentido, por todos: Acórdão do STJ de 18/02/2003, relator Azevedo Ramos (o regime do art. 651º, nº 1 não abrange a hipótese de a parte pretender juntar à alegação documento que já poderia e deveria ter apresentado em 1ª instância); Acórdão do TRL de 21/10/93, relator Rodrigues Codeço (não é admissível a junção, com a alegação de recurso, de um documento potencialmente útil à causa ab initio e não apenas após a sentença); Acórdão do TRG de 27/02/2014, relatora Ana Cristina Duarte – todos, acessíveis em www.dgsi.pt; e Acórdão do TRL de 17/03/2016, relator Tibério Silva, in CJ 2016-I, p. 81-86 (não é admissível a junção de documentos para provar factos que já antes da decisão a parte sabia estarem sujeitos a prova, não podendo servir de pretexto a mera surpresa quanto ao resultado).
Visa-se abranger as situações que - pela fundamentação da sentença ou pelo objecto da condenação - tornaram necessário provar determinados factos, cuja relevância a parte não podia, razoavelmente, ter em consideração antes da decisão ter sido proferida - Acórdão do TRL de 19/03/2013, relatora Ana Resende, acessível em www.dgsi.pt.
No caso dos autos, pretende a apelante a junção de um documento – “a carta de interpelação enviada aos executados, antes da instauração da acção” - para prova de que “a exequente comunicou aos embargantes o vencimento da totalidade das prestações acordadas” (factos não provados sob o nº 4); alegando que “atento o volume de documentos juntos com o requerimento enviado aos autos em 25.10.2024 a aqui recorrente, por manifesto lapso pelo qual se repesa, não anexou a carta de interpelação enviada aos executados, antes da instauração da acção, pelo que procede à sua junção nesta data, nos termos do art. 651.º”; “o elevado número de documentos juntos, assim como o lapso alegado em relação à acta de audiência prévia, aliado ainda ao facto de existirem documentos provenientes de entidades diferentes, contribuiu para o lapso firmado”, não sendo “credível, a não ser por mero e manifesto lapso, que a recorrente, na qualidade de exequente, não demonstrasse nos autos uma formalidade que cumpriu e que bem sabia ser demonstrativa (acima de tudo) por prova documental, condição para a exigibilidade da dívida exequenda, pelo que tal lapso deve ser sopesado na admissão da junção deste documento, nesta sede”.
Como é reconhecido pela apelante, o documento em referência deveria ter sido junto aos autos em momento processual anterior ao presente.
Ora, o (alegado) lapso em que a apelante incorreu ao não proceder oportunamente à junção daquele documento apenas a si é imputável, sendo certo que o concretamente alegado para justificar tal lapso não se afigura uma razão atendível, de acordo com a diligência normal do cidadão médio. Donde, não se verificar, no caso, a impossibilidade de junção do documento em momento anterior, com o sentido atrás enunciado, não existindo, por isto, fundamento legal para a apelante juntar o documento neste momento processual.
Em suma, quanto ao documento junto com este recurso, não se mostra observado o primeiro requisito (i) do art. 651º, nº 1, 1ª parte, do Cód. Proc. Civil, sendo certo, ainda, que nem a apelante alegou a existência de factos que permitam a aplicação do segundo requisito (ii) daquele preceito, nem os mesmos resultam dos autos.
Pelo exposto, considerando o caráter excepcional da admissão da prova documental em via de recurso e não se verificando, in casu, os requisitos exigidos pelo art. 651º, nº 1 do Cód. Proc. Civil para o efeito, decide-se rejeitar a junção do documento em causa, e, condenar a apelante nas custas do incidente, fixando-se as mesmas em uma UC (art. 7º, nº 4 do Regulamento das Custas Processuais).
*
Da impugnação da matéria de facto
A apelante impugna a decisão do tribunal recorrido sobre a factualidade provada e não provada. Tendo dado suficiente cumprimento ao disposto no art. 640º do Cód. Proc. Civil, cumpre decidir.
Nos termos do disposto no art. 662º, nº 1 do Cód. Proc. Civil: “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Pretende a apelante a alteração dos factos não provados sob o nº 1 [“Os mutuários e ora Executados A … e mulher B … interromperam os pagamentos das prestações do empréstimo acima melhores identificados em 02/08/2021”] e 2 [“Nada mais tendo pago por conta do mesmo”] para a seguinte: “Os mutuários e ora Executados A … e mulher B … interromperam os pagamentos das prestações do empréstimo acima melhores identificados a partir de 09/05/2022, data em que foram notificados da cessão de créditos, nada mais tendo pago por conta do mesmo.”
A apelada discorda desta alteração.
E, com razão.
Na verdade, do que se apreende da argumentação recursória da apelante é que a mesma reconhece que, após 02/08/2021 [cfr. factos não provados sob o nº 1], os embargantes/executados procederam, ao longo dos meses seguintes, ao pagamento de diversas prestações conforme, então, acordado com o banco cedente e se encontra exarado nos factos provados sob a al. Q), sendo certo que a apelada não impugna a factualidade vertida nesta alínea Q) [pelo contrário, reconhece a mesma como verdadeira, quer, desde logo, no art. 31º da contestação, quer em sede deste recurso]. Ora, assim sendo, bem andou o tribunal a quo ao considerar não provado que os executados interromperam os pagamentos das prestações do empréstimo em 02/08/2021 e que nada mais pagaram, com a fundamentação que adiantou: “factos em contradição com o facto dado como provado em Q”.
Aliás, note-se, ainda, que o que a apelante pretende que seja aditado aos factos provados [ou seja, que os executados interromperam os pagamentos das prestações do empréstimo identificados a partir de 09/05/2022, data em que foram notificados da cessão de créditos, nada mais tendo pago por conta do mesmo] são asserções conclusivas: os factos correspondentes estão elencados na al. Q) – quanto aos pagamentos feitos – e na al. R) – quanto à data de notificação aos executados da cessão de créditos.
Ora, como é sabido, aquilo que deve constar da fundamentação de facto de uma sentença não são juízos valorativos, conclusivos ou de direito, mas verdadeiros enunciados de facto, no sentido de factos jurídicos ou juridicamente relevantes atinentes sobretudo, ainda que não em exclusivo, conforme afirmam Antunes Varela, J. Miguel Bezerra, Sampaio e Nora, in “Manual de Processo Civil”, 2ª ed. revista e actualizada, Coimbra Editora, 1985, p. 406-407, e RLJ, Ano 122, nº 3784, p. 219, a ocorrências concretas da vida real, assim como ao estado, à qualidade ou à situação real das pessoas ou das coisas. Os termos e condições em que tais factos assumem relevo no processo civil é decorrência da tipologia com que são delineados na fattispecie do quadro normativo que serve de fundamento à pretensão deduzida em juízo.
Desta forma, improcede a pretensão da apelante, mantendo-se a redacção dos factos não provados sob os nºs 1 e 2 e não sendo de aditar aos factos provados o pretendido.
*
Entende a apelante que os factos não provados sob o nº 4 [“A exequente comunicou aos embargantes o vencimento da totalidade das prestações acordadas”] deverão ser considerados provados, alicerçando a sua pretensão no documento que juntou aos autos com este recurso e nos trechos das declarações de parte do embargante constantes aos minutos 04:02 a 05:49 da gravação áudio do sistema Citius (transcritos a p. 8-9 das alegações), que, no entender da apelante, corroboram que os embargantes receberam a carta enviada pela exequente de comunicação do vencimento da totalidade das prestações acordadas.
A apelada discorda desta alteração.
Fundamentou o tribunal a quo a sua decisão sobre esta factualidade nos seguintes termos: “ausência de prova nesse sentido (que se impunha documental – não juntou a embargada qualquer interpelação para pagamento, nem de comunicação da resolução do contrato).”
Face à prova (não) produzida, não vemos como não acolher esta decisão do tribunal a quo.
Na verdade, por um lado, a prova documental com que a apelante procura sustentar esta sua pretensão não foi admitida (cfr. supra), pelo que não pode tal prova - e independentemente do respectivo valor probatório – ser atendível nesta sede; e, por outro lado, dos convocados trechos das declarações de parte do embargante não resulta de forma alguma que o mesmo tenha corroborado que os embargantes receberam a carta enviada pela exequente de comunicação do vencimento da totalidade das prestações acordadas – veja-se que, nos trechos convocados, o embargante a este propósito apenas afirma (cfr. ponto 42., a p. 8-9 das alegações, ex vi ponto 70., a p. 14 das alegações): “Porque fui saber do que é que era aquele IBAN, porque apareceu o IBAN numa carta e não mando dinheiro para um IBAN sem saber para onde é que estou a mandar dinheiro, que e mesmo assim. Fui saber e era um IBAN do Santander, uma IBAN super normal, qualquer pessoa pode ter, questionei a Ares Lusitani sobre isso mesmo, que é assim eu estou a fazer, faço uma transferência de 320euros para aquele IBAN, como é que eu consigo depois provar que aquele pagamento era da casa? Não consigo. É uma transferência voluntária, foi o que eu disse à Ares Lusitani, se eles me conseguiam facultar uma entidade e referência para fazer os mesmos pagamentos que eu estava a fazer antigamente. E a resposta foi que não que eles não são uma entidade bancária. E voltaram me a dizer que eu tenho de arranjar os 75 mil euros para pagar.”
Desta forma, improcede a pretensão da apelante, sendo de manter a redacção dos factos não provados sob o nº 4.
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Do mérito da decisão recorrida
A sentença recorrida concluiu pela inexigibilidade da obrigação exequenda [art. 713º e al. e) do art. 729º, ex vi do art. 731º, todos do Cód. Proc. Civil], julgando procedentes os embargos e extinta a execução.
Insurge-se a apelante contra esta decisão.
Na parte do recurso atinente à matéria de direito (cfr. art. 639º, nº 2 do Cód. Proc. Civil), a apelante, nas alegações, foca-se – unicamente - em sustentar que não estava “obrigada à integração dos clientes em PERSI”, argumentando amplamente nesse sentido (arts. 72º a 116º das motivações e als. EE. a III. das conclusões recursórias).
Porém, a decisão recorrida, em momento algum, refere que a apelante estava “obrigada à integração dos clientes em PERSI”, ou seja, no Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento, instituído pelo Decreto-Lei nº 227/2012, de 25 de Outubro.
Note-se, aliás, que, se a decisão recorrida trilhasse esse caminho e na ausência de prova da integração dos executados no PERSI por parte da exequente [tendo o mesmo sido cumprido pela mutuária/cedente: cfr. factos provados sob as als. U. e V.], a consequência processual seria a verificação de uma excepção dilatória atípica ou inominada, por falta de pressuposto da instauração da acção, que conduziria à absolvição dos executados da instância executiva, como tem vindo a entender, de forma consolidada, a jurisprudência [cfr., neste sentido, por todos, Acórdãos, acessíveis em www.dgsi.pt: do STJ de 02/02/2023, relator Fernando Baptista, proc. nº 1141/21.6T8LLE-B.E1.S1; do TRE de 06/10/2016, José Manuel Galo Tomé de Carvalho, proc. nº 4956/14.8T8ENT-A.E1; do TRC de 15/12/2020, relatora Maria Teresa Albuquerque, proc. nº 6971/18.3T8CBR-A/B.C1; do TRP: de 23/02/2021, relator Rodrigues Pires, proc. nº 8821/19; e de 27/06/2022, relator Pedro Damião e Cunha, proc. nº 5480/16.0T8PRT-A.P1; do TRL: de 21/10/2021, relatora Laurinda Gemas, proc. nº 12205/18; e de 08/05/2025, relator António Santos proc. nº 549/22.4T8OER-C.L1-6] – e não, como foi, de considerar a dívida inexigível (cfr. últimos parágrafos da sentença recorrida).
O que a sentença recorrida afirma a este propósito é que:
“Conforme indicado por uma das testemunhas, aquando a cessão a exequente não tinha conhecimento do acordo em curso (atente-se que no requerimento executivo alegou que os pagamentos foram interrompidos em 02/08/2021), e, depois de ter, não garantiu aos executados que os pressupostos do acordo se manteriam (nomeadamente, que findos os pagamentos acordados, a retoma à área comercial). Não basta alegar que os executados tinham ao seu dispor os meios para pagar (designadamente para o IBAN indicado, igual para todos os clientes) e que os executados é que incumpriram.
Trata-se de uma situação em que, de forma evidente, não podia o crédito ter sido cedido, na medida em que, não se tratando a cessionária de uma instituição de crédito, não tinha como assegurar aos executados que, findos os pagamentos acordados, o contrato voltaria à área comercial para ser continuado.
Sem que tenha ficado demonstrado que o plano de pagamentos foi feito no âmbito de um PERSI (a exequente apenas demonstrou a comunicação de integração e extinção de PERSI efetuadas em 2016), não pode deixar de se tratar a situação de igual forma. Com efeito, e como expressamente se afirma no Preâmbulo do DL 227/2012 «com o presente diploma pretende-se estabelecer um conjunto de medidas que, refletindo as melhores práticas a nível internacional, promovam a prevenção do incumprimento e, bem assim a regularização das situações de incumprimento de contratos celebrados com consumidores que se revelem incapazes de cumprir os compromissos financeiros assumidos perante instituições de crédito por factos de natureza diversa, em especial o desemprego e a quebra anómala dos rendimentos auferidos em conexão com as atuais dificuldades económica».
Nos termos do disposto no artigo 18º do DL 227/2012 no período compreendido entre a data de integração do cliente bancário no PERSI e a extinção deste procedimento, a instituição de crédito está impedida de ceder a terceiro uma parte ou a totalidade do crédito.”
Porém, após estas asserções, a sentença recorrida não toma qualquer posição sobre a validade do negócio de cessão de créditos ocorrido entre a cedente/mutuária e a cessionária/exequente, nem tão pouco indica que esta estava onerada com qualquer obrigação decorrente do regime legal do PERSI.
Donde, a irrelevância/improcedência da argumentação recursória da apelante ora em análise.
*
Após discorrer, em geral, sobre o regime normativo do PERSI e daí não tirar qualquer conclusão, a decisão recorrida concluiu pela inexigibilidade da obrigação exequenda, julgando procedentes os embargos e extinta a execução, nos seguintes termos:
“Aplica-se o artigo 781º do Código Civil às dívidas liquidáveis em prestações por isso, seria, in casu, de ter sido aplicado quer ao Plano de Pagamentos, quer ao contrato de empréstimo.
Ora, não ficou demonstrada qualquer interpelação aos executados para o pagamento das prestações vencidas, nem vincendas, do acordo de pagamento. Igualmente ficou por demonstrar a comunicação aos executados da resolução do contrato e interpelação para pagamento das prestações vencidas e vincendas do contrato de empréstimo.
É entendimento maioritário da nossa jurisprudência que do imediato vencimento das prestações futuras, previsto no artigo 781º do Código Civil, não decorre automaticamente a entrada em mora do devedor relativamente a tais prestações, revelando-se necessária a sua prévia interpelação2.
Não se trata de uma norma imperativa, o que significa que existindo uma qualquer cláusula estipulada num contrato, ainda que de adesão, atribuindo outras consequências à mora do devedor será esta a prevalecer, face ao princípio da liberdade contratual, consagrado no artigo 405º do Código Civil.
In casu, não resulta nem do contrato de mútuo, nem do respetivo Documento Complementar, nem do Plano de Pagamentos qualquer estipulação quanto à renúncia ao benefício do prazo, pelo que tinha que ter havido interpelação.
Conclui-se, assim, ser a dívida inexigível, concluindo-se pela procedência dos Embargos”.
Concordamos com este entendimento, sendo de reforçar o mesmo com a seguinte explanação:
O título dado à execução é a escritura pública “de mútuo com hipoteca e procuração” a que aludem os factos provados sob as als. G. a J., nos termos do art. 703º, nº 1, al. b) do Cód. Proc. Civil.
De tal escritura pública, apreende-se estarmos na presença de um contrato de mútuo celebrado em 15/01/2016, no qual foram estabelecidos (420) pagamentos fraccionados (mensais) para reembolso do capital (€ 76.500,00) emprestado aos executados/embargantes/ora apelados pela entidade bancária que veio, posteriormente, a ceder os seus créditos à exequente/embargada/ora apelante.
Após tal cessão de créditos, a exequente instaurou a presente execução contra os executados na qualidade de devedores das obrigações de reembolso do capital a estes mutuado no mencionado contrato de mútuo, bem como, dos respectivos juros remuneratórios e moratórios, alegando que os executados deixaram de pagar as prestações acordadas naquele contrato em 02/08/2021, tendo-se vencido todas as prestações em dívida. Ou seja, no requerimento executivo, a exequente formatou a causa de pedir alicerçada, não na resolução, mas no incumprimento do aludido contrato de mútuo e no vencimento antecipado de todas as prestações acordadas em resultado da falta de cumprimento daquela prestação vencida, tendo, por isso, exigido o pagamento, não só do (total do) capital em dívida, mas também dos respectivos juros remuneratórios e moratórios.
Como é sabido, o art. 781º do Cód. Civil [preceito que a apelante se limita a referir como tendo sido violado na decisão recorrida: cfr. última parte da al. III. das conclusões recursórias, nada tendo sido exposto quanto a tal matéria ao longo das alegações] contempla uma causa de perda do benefício do prazo para o devedor. Por conseguinte, nas dívidas ou prestações fraccionadas, tendo o devedor faltado ao cumprimento de uma prestação, o credor poderá exigir imediata e antecipadamente o cumprimento da totalidade das restantes prestações (cujo cumprimento estava outrora convencionado ser fraccionado em prestações) à luz do disposto no citado normativo. Mas, para tanto é necessário, que tal direito (potestativo) seja exercido pelo credor.
Como explica Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral”, Vol. II, 6ª ed., p. 53, o que resulta do art. 781º do Cód. Civil é apenas a perda do benefício do prazo quanto a todas as prestações devidas para o futuro, ficando o credor, por conseguinte, com o direito de exigir a realização, não apenas da prestação a que o devedor faltou, mas de todas as prestações restantes, cujo prazo ainda não se tenha vencido; não resultando daquele preceito, qualquer vencimento imediato, ex vi legis, isto é, que o não pagamento de uma das prestações no prazo acordado determina, por si só, a entrada em mora do devedor quanto ao cumprimento das demais.
Pretendendo o credor exercer tal direito, terá de manifestar a sua vontade, através da interpelação do devedor para cumprir imediatamente todas as prestações vincendas. Porém, o credor pode, pelo contrário, optar por aguardar pelo decurso temporal convencionado de harmonia com o plano contratual inicialmente acordado, procedendo então à cobrança da integralidade das prestações em dívida.
Em suma, existindo uma dívida fraccionada em prestações, se o devedor não pagar uma delas, o credor tem o direito de considerar as restantes vencidas, mas, para esse efeito, tem de levar essa sua vontade ao conhecimento do devedor através da respectiva interpelação.
É este o entendimento largamente maioritário da doutrina e consolidado na jurisprudência, podendo consultar-se neste sentido, por todos:
- na doutrina, para além do já citado Autor: Almeida e Costa, in “Direito das Obrigações”, 12ª ed., 2009, p. 1017 a 1019; Vasco da Gama Lobo Xavier, in “Venda a prestações: algumas notas sobre os artigos 934.º e 935.º do Código Civil”, R.D.E.S., Ano XXI, nºs 1 a 4, p. 201, nota 4; Pessoa Jorge, in “Lições de Direito das Obrigações”, I, 1975/1976, p. 317; Menezes Cordeiro, in “Tratado de Direito Civil Português”, II, Direito das Obrigações”, Tomo IV, 2010, p. 39;
- na jurisprudência: Acórdãos do STJ de: 15/03/2005, Moitinho de Almeida; 17/01/2006, Azevedo Ramos; 14/11/2006, Bettencourt de Faria; 21/11/2006, Borges Soeiro; 25/05/2017, Olindo Geraldes; 18/01/2018, Fátima Gomes; 25/10/2018, Maria do Rosário Morgado; 06/12/2018, Manuel Tomé Gomes; 11/07/2019, Ilídio Sacarrão Martins; 29/04/2021, João Cura Mariano; 14/10/2021, Fernando Baptista de Oliveira; e 28/09/2022, António Barateiro Martins; do TRP de 23/06/2015, Márcia Portela; 12/10/2020, Miguel Baldaia de Morais; e 22/11/2021, Jorge Seabra; do TRG de: 15/12/2016, Maria Amália Santos; 17/12/2019, Alcides Rodrigues; 20/02/2020, Anizabel Pereira; e 30/04/2020, Margarida Almeida Fernandes; do TRL de: 12/09/2017, Rijo Ferreira; 07/06/2018, Cristina Neves; 21/03/2019, Pedro Martins; 21/05/2020, Gabriela Cunha Rodrigues; e 05/11/2020, Nelson Borges Carneiro; do TRC de: 12/12/2017, Luís Cravo; 16/10/2018, Maria João Areias; 13/07/2020, Alberto Ruço; e 14/09/2020, Sílvia Pires; do TRE de: 17/01/2019, Tomé Ramião; 12/06/2019, Ana Margarida Leite; 30/01/2020, Manuel Bargado; e 11/02/2021, Tomé de Carvalho – todos, acessíveis em www.dgsi.pt.
Por outro lado, a norma do art. 781º do Cód. Civil tem natureza supletiva, pelo que o credor e o devedor, no âmbito da sua autonomia privada (cfr. art. 405º do Cód. Civil), podem acordar num sentido diverso, nomeadamente do vencimento automático das prestações vincendas, sem necessidade, para tal efeito, de interpelação do devedor.
Aqui chegados, e não existindo – como não existe - no contrato de mútuo em causa nos autos qualquer cláusula que estipule em sentido diverso da norma do art. 781º do Cód. Civil, conclui-se que era necessária, na situação concreta, a interpelação dos devedores para que se verificasse o vencimento imediato (e antecipado) da totalidade das prestações vincendas.
Ora, no caso, dos factos provados resulta que, na data em que a exequente alegou a falta de pagamento da 1ª prestação pelos executados [02/08/2021], estes encontravam-se a pagar, de forma regular e devida, as prestações que tinham acordado com o mutuário em sede de Plano de Pagamento com vista à regularização do montante, então, em dívida; e, não só os executados pagaram a prestação devida naquela mês, como procederam ao pagamento das seguintes até 28/04/2022. A exequente não logrou provar que, nem antes, nem depois desta data (28/04/2022), comunicou aos executados o vencimento da totalidade das prestações acordadas (cfr. factos não provados sob o nº 4), ou seja, a exequente não terá feito qualquer interpelação admonitória aos executados para pagamento da quantia exequenda.
Em suma, à data da instauração da execução, a concreta obrigação exequenda que foi peticionada – a obrigação de pagamento da totalidade do capital mutuado em dívida, acrescido de juros remuneratórios e moratórios – não se encontrava vencida, sendo certo que o vencimento da obrigação é sempre indispensável à sua exigibilidade. Donde, verificar-se, no caso, uma situação de inexigibilidade da obrigação exequenda.
A exigibilidade da obrigação é um pressuposto ou condição da acção executiva (art. 713º do Cód. Proc. Civil), dado que, se a obrigação ainda não é exigível, não se justifica proceder à realização coactiva da prestação (prematuridade da execução). Por isso, a inexigibilidade da obrigação constitui fundamento de oposição a execução que, caso seja julgada procedente, determina a extinção da execução - cfr. arts. 729º, al. e) e 732º, nº 4 do Cód. Proc. Civil. Note-se, porém, que, sendo certo que a inexigibilidade consubstancia obstáculo à exequibilidade da prestação, tal obstáculo é “meramente dilatório pois a obrigação existe e subsiste, e, superada a inexigibilidade, passa a ser reclamável, mesmo em termos coercivos” – Acórdão do TRC de 10/07/2024, relator António Fernando Silva, proc. nº 2656/21.1T8VIS-D.C1, acessível em www.dgsi,pt, onde, a este propósito, ainda se escreve: “(…) do ponto de vista da acção executiva, a exigibilidade constitui uma qualidade da obrigação cujo cumprimento pode ser reclamado: o credor pode exigir a prestação. Deste ponto de vista, a inexigibilidade não depende da existência ou inexistência do direito do credor, e da correspondente obrigação, nada tendo a ver com as condições de nascimento ou de extinção da obrigação. Estas condições serão impeditivas ou extintivas da obrigação, enquanto aquela exigibilidade apenas respeitará aos termos de exercício do direito de crédito. Tanto a exigibilidade como a inexigibilidade pressupõem o direito de crédito, com cuja causa de aquisição ou de extinção não contendem, relacionando-se apenas com a verificação, ou não, dos elementos que permitem exigir do devedor o cumprimento naquele momento (ou seja, respeitam apenas à faculdade de exigência da prestação).”
Pelo exposto, e em suma: sendo, no caso, a concreta obrigação exequenda inexigível, é de manter a decisão recorrida, improcedendo a presente apelação.
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As custas devidas pela presente apelação são da responsabilidade da apelante – cfr. art. 527º, nºs 1 e 2 do Cód. Proc. Civil e art. 1º, nºs 1 e 2 do Regulamento das Custas Processuais.

V. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desta 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa em:
a) não admitir a junção a este recurso do documento apresentado pela apelante, sendo a mesma condenada em uma UC pelo incidente suscitado;
b) julgar a presente apelação totalmente improcedente, e, em consequência, manter a sentença recorrida.

Custas pela apelante.
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Lisboa, 17 de Junho de 2025
Cristina Silva Maximiano
Luís Filipe Sousa
Luís Filipe Brites Lameiras