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FALTA DE CITAÇÃO
INTERVENÇÃO NO PROCESSO
SANAÇÃO
Sumário
Sumário: (elaborado pela relatora e da sua inteira responsabilidade - art. 663º, nº 7 do Cód. Proc. Civil) I - A intervenção no processo relevante para efeitos de sanação da falta de citação, nos termos do disposto no artigo 189º do Código de Processo Civil, é aquela que pressupõe o conhecimento ou a possibilidade de conhecimento do processo pela parte demandada como decorreria da citação, ou seja, o conhecimento que lhe seria dado pela citação. II - O fundamental para os efeitos mencionados em I é a salvaguarda da função constitucional das normas processuais que visam efectivar o direito de acesso à justiça; ou seja, o critério fundamental é, perante cada caso concreto, a cognoscibilidade, pelo demandado, do processado e a concreta possibilidade de o mesmo exercer o seu direito de defesa.
Texto Integral
Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
I - RELATÓRIO
Em 13/06/2015, a exequente “Banco Santander Totta, SA” - actualmente, “Hefesto STC, S.A.”, em virtude de cedência do crédito exequendo -, instaurou a presente acção executiva para pagamento de quantia certa, sob forma de processo sumário, contra A … e outros três executados (Referência Citius nº … 68).
Após penhora de um bem, foi expedida, em 29/07/2015, carta para citação da executada A … para o seu local de trabalho, que foi recepcionada por “B …”, que assinou o respectivo A/R em 04/08/2015 - Referências Citius nºs … 02 e … 63, respectivamente.
Em 10/04/2024, foi expedida carta de notificação para penhora do vencimento auferido pela executada, endereçada à respectiva entidade patronal (“Urbencomenda – Transportes, Lda”), que a recepcionou (Referências Citius nº … 68 e … 72, respectivamente).
Por requerimento apresentado em 01/07/2024 (Referência Citius nº … 67), a executada A … veio arguir a sua falta de citação para estes autos, nos seguintes termos (na parte relevante): “I – DOS FACTOS: a) DA TOMADA DE CONHECIMENTO DA PRESENTE AÇÃO EXECUTIVA: 1. A Executada, ora Reclamante, só tomou conhecimento que corria contra si uma ação executiva quando a sua entidade patronal lhe comunicou que havia recebido uma notificação por Agente de Execução para proceder à penhora do seu salário em 10 de Abril, do corrente ano. 2. Desconhecendo do que se tratava, e não compreendendo a que se respeitava, prontamente contactou o Sr. Agente de Execução, via email em 15.04.2024, para obter os esclarecimentos necessários, conforme DOC 1, que ora se junta. 3. Volvidos 2 meses e por ausência de resposta pelo Sr. AE enviou, a Executada ora Reclamante, enviou novamente um email, em 11.06.2024, do qual obteve resposta em 17.06.2024, tendo-lhe sido comunicado que o imóvel, objeto da presente execução, havia sido vendido a terceiros, em leilão, pelo valor de 55.256,07€ (…) mas que, ainda se encontrava por liquidar a quantia de 66.777,47€ (…), conforme DOC 2 e 3, que ora se juntam. 4. Foi então que e de imediato, a Executada, ora Reclamante, entrou em contacto com os seus mandatários por forma a que estes a pudessem ajudar. b) DA CONSULTA AO PROCESSO 5. Foi então que a sua mandatária remeteu, em 20.06.2024, ao processo um requerimento para consulta do mesmo. 6. Tendo esse pedido sido deferido em 21.06.2024. 7. Foi aí que a Executada, ora Reclamante, tomou conhecimento que, efetivamente, corria contra si, o seu ex companheiro e os seus fiadores, a presente ação executiva. II – POR IMPUGNAÇÃO a) DA RECLAMAÇÃO DOS ATOS PRATICADOS PELO AE, POR VERIFICAÇÃO DA FALTA DE CITAÇÕES/NOTIFICAÇÕES: 8. Da mesma forma tomou conhecimento haviam sido endereçadas citações/notificações no ano de 2015 para a Praceta … …, onde já não reside desde o ano de 2013, tendo sido devolvidas por não terem sido reclamadas, bem como para a Av.ª Dr. … …, onde residiu mas, as quais, NUNCA recebeu, não constando nos autos a sua realização. 9. Mais pasmada ficou quando verificou, através da consulta aos presentes autos que, a Sra. Agente de Execução, Dra. C …, apenas no dia 25.01.2022, ou seja, 7 anos após a entrada da presente execução, se dignou a consultar a base de dados quer da Segurança Social, quer da Autoridade Tributária, tendo então tomado conhecimento da morada da, ora Reclamante, registada na Autoridade Tributária desde o ano de 2019, conforme DOC 4, que se junta. 10. No entanto e mesmo após ter conhecimento da atual morada da, ora Reclamante, a Sra. AE insiste em notificá-la para a anterior morada! 11. Incumprindo, claramente, com aquelas que são as suas obrigações enquanto AE, nomeadamente na parte respeitante à modalidade de citação/notificação, legalmente previstas podendo ter tentado a citação por contato pessoal. Verifica-se, ainda, por consulta ao processo, que; 12. No dia 29.07.2015 a AE remete uma notificação para o, então, domicílio profissional da ora Reclamante, Centro Hospitalar de Lisboa, com o prazo para deduzir oposição à execução. 13. A mesma terá sido rececionada pelo Sr. B … no dia 4.08.2015. 14. Ora, desconhece, em absoluto a Executada, ora Reclamante, de quem se trata e qual a categoria profissional que legitimasse a receção da notificação em nome desta, acrescendo que, se trata de uma unidade hospitalar onde trabalham centenas de funcionários. 15. A verdade é que, a notificação, NUNCA lhe foi entregue. 16. Não tendo dela, assim, tomado conhecimento. 17. Razão pela qual não se deve presumir que, a mesma, foi realizada! Mas mais, 18. Continuando a consulta dos presentes autos, continua a verificar-se que, a Sra. AE, remete novas carta para o Centro Hospitalar de Lisboa, mais precisamente em 12.08.2015 e em 24.11.2016, desconhecendo-se se, as mesmas, foram ou não rececionadas pois que, os comprovativos da sua receção não se encontram junto aos presentes autos. 19. Ainda assim e mais uma vez declara a Executada, ora Reclamante, NUNCA lhe ter sido dado conhecimento de qualquer notificação rececionada no seu local de trabalho. 20. O mesmo se dirá com a afixação do edital na porta do imóvel em 9.11.2015 pois que a Executada, ora Reclamante, já nele e desde o ano de 2013, não residia, data em que se separou do, também Executado, Sr. D …. 21. Continuando a consulta verifica-se que a Sra. AE notifica a Executada, ora Reclamante, para a Av. ª Arlindo vicente no Seixal, morada para onde foi residir após a sua separação e até inícios do ano de 2019, mas NUNCA, esta, recebeu qualquer notificação nessa morada, não podendo existir qualquer comprovativo da sua receção, não podendo presumir-se a sua realização. 22. Informa, ainda, a Sra. AE o tribunal que nenhum dos executados esteve presente para facultar o acesso ao interior do imóvel, objeto de venda. 23. Ora, onde estão os comprovativos da receção dessa notificação por parte da, ora, Reclamante? 24. Mesmo sabendo que a Executada, ora Reclamante, se encontrava a residir na Rua … … desde o ano de 2019, por consulta à base de dados em 25.01.2022, a Sra. AE, continuou a notificá-la para as anteriores moradas, sendo exemplo disso nova notificação em 01.06.2022, 5 meses após consulta à base de dados, para a Av.ª Dr. … …. Acresce que, 25. Mesmo com a entrada, nos presentes autos, do novo Agente de Execução, Dr. E … em 30.05.2023, as notificações continuaram a ser remetidas para a anterior morada da ora Reclamante, até ao passado dia 20.06.2024 data em que EFETIVAMENTE, foi devidamente notificada! 26. Pelo que, dúvidas não existem de que, a ora Reclamante, NUNCA foi citada/notificada nem para deduzir oposição à execução; nem sobre a modalidade da venda do imóvel, nem para facultar o acesso ao imóvel; nem da absolvição do executado/embargante da instância executiva; nem do valor da venda do mesmo na proporção de 50%, bem como de todos os atos posteriormente verificados, 27. Apenas se excetuando o prazo para dedução à penhora, por notificação remetida em 20.04.2024 pelo Sr. AE Dr. E …, para a sua morada atual na Rua ....”
Conclui, peticionando, nomeadamente: “(…) deve a presente RECLAMAÇÃO, ser admitida, considerada procedente por provada e, em consequência: a) Ser reconhecida e declarada a falta de citação da, ora, Reclamante; b) Serem reconhecidos e considerados, nulos, todos os atos praticados pelos senhores Agentes de Execução, posteriores ao momento em que a citação deveria ter ocorrido; (…)”.
Com este requerimento, a executada juntou procuração forense e quatro documentos, sendo os três primeiros com o seguinte teor:
- Documentos nºs 1 e 2:
(…)
- Documento nº 3:
(…)
Em 17/01/2025, foi proferido despacho (Referência Citius nº …14), dispondo (para o que aqui releva): “Quanto à falta de citação, deve a instância executiva considerar-se suspensa – art. 851.º, n.º 1, do CPC – e a exequente ser notificada para, querendo, responder ao incidente, sob pena de se considerarem confessados os factos alegados – art. 293.º do CPC;”.
Notificada, a Exequente apresentou requerimento com o seguinte teor: “ (…)vem aos presentes autos solicitar que se notifique o Sr. Agente de Execução para esclarecer a questão levantada.” - Referência Citius nº … 33.
De seguida, em 05/03/2025, foi proferida a decisão objecto deste recurso (Referência Citius nº … 59), com o seguinte teor: “1. A …, executada, veio arguir a falta de citação, com fundamento no facto de (1) ter sido o aviso de recepção relativo à citação assinado por terceiro (B …) e (2) nunca lhe ter sido entregue (os documentos relativos à citação), pelo que não tomou conhecimento da citação. 2. Por despacho posterior, foi ordenada a notificação da exequente (que, pese embora já notificada daquela arguição nos termos do art. 221.º do CPC, nada havia oposto no prazo de dez dias) para “para, querendo, responder ao incidente, sob pena de se considerarem confessados os factos alegados – art. 293.º do CPC”. 3. Notificada, a exequente, ao invés de impugnar os factos alegados, enunciados em 1., veio requerer que fosse a Agente de Execução notificada para se pronunciar, o que permite concluir o seguinte: - primeiro, a exequente não impugnou os factos alegados no requerimento inicial do incidente de arguição de falta de citação e consequente anulação da execução, os quais, por consequência, se dão por confessados como expressamente advertida no despacho anterior – art. 293.º do CPC; - segundo, a notificação da Agente de Execução para se pronunciar, para além de desalinhada com o despacho proferido, não faz sentido e se indefere, porque, por um lado, o facto de a citação ter sido feita na entidade patronal da executada e o aviso de recepção ter sido assinado por terceiro estão plenamente documentados na execução, e, por outro lado, o facto de a executada não ter tomado conhecimento da citação, por não lhe ter sido entregue pelo terceiro que a recebeu, extravasa o conhecimento necessário da Agente de Execução. 4. Posto isto. No plano dos FACTOS, está assente, tanto porque documentado na execução como porque confessado, que (1) a citação da executada foi feita no local de trabalho, na pessoa de terceiro que assinou o aviso de recepção; e, (2) o terceiro nunca entregou a citação, isto é, os documentos relativos à citação, à executada, que dela não teve conhecimento. No plano do DIREITO, a executada não tomou conhecimento da citação e sem culpa, porque o terceiro que a recebeu nunca lhe deu conhecimento, o que permite ter por verificada a previsão da falta de citação prevista no art. 188.º, n.º 1, al. e), do CPC, conducente, por força do disposto nos arts. 696.º, al. e), i), e 851.º, n .ºs 1 e 2, ambos do CPC, à anulação da execução a partir de 04-08-2015, com ressalva das citações dos outros executados e da (hipotética) penhora de bens exclusivamente seus (dos outros executados). Quanto à venda do imóvel, a anulação da venda fica condicionada à verificação do disposto no art. 839.º, n.º 3, do CPC. 5. Nestes termos, julgo procedente o incidente de falta da citação da executada A … e determino a anulação da execução a partir de 04-08-2015, com ressalva da citação dos outros executados e da penhora de bens destes e, quanto à venda do imóvel, condicionada a anulação da venda à verificação futura do disposto no art. 839.º, n.º 3, do CPC. Custas pela exequente, vencida – art. 527.º, n.ºs. 1 e 2, do CPC.”
A exequente recorre desta decisão, terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões (em suma): “A) (…) B) Não pode a recorrente/exequente concordar com o teor do douto despacho recorrido quer ao nível dos factos quer ao nível do direito, senão vejamos: C) Não podem considerar-se confessados os factos alegados pela executada na arguição de nulidade de citação por falta de impugnação pela recorrente desses mesmos factos porque a recorrente não se absteve simplesmente de se pronunciar tendo, ao invés, em 20/01/2025, requerido ao douto tribunal a quo, a notificação do Sr. Agente de Execução para se pronunciar quanto à alegada falta de citação. D) A intervenção do Sr. Agente de execução revelava-se imprescindível para pronúncia e análise condigna pela exequente e para a descoberta da verdade material dos factos, por se tratar de matéria que não poderia estar na posse nem na disponibilidade da exequente e que esta não tem de conhecer por não se tratar de facto pessoal ou do qual deva ter conhecimento. E) É o Sr. Agente de Execução quem detém a competência para diligenciar em tudo o que se afigure necessário para a concretização das citações, podendo encontrar-se na posse de informação eventualmente não plasmada nos autos da qual resultasse que a executada tinha conhecimento do processo executivo em curso. F) (…) G) A própria executada alega no incidente de arguição de nulidade que a Sra. AE, remeteu novas cartas para a morada da sua entidade patronal, mais precisamente em 12.08.2015 e em 24.11.2016, desconhecendo-se se, as mesmas, foram ou não rececionadas pois que, os comprovativos da sua receção não se encontram junto aos presentes autos. H) E por diversas vezes no seu articulado questiona onde estão os comprovativos de recebimento de diversas notificações. I) A exequente procedeu à consulta do processo ... no escritório do Senhor Agente de Execução, para efeitos de elaboração do presente recurso, sendo que, desse processo ... consta um email da executada e do qual resulta que a referida executada não só foi citada por terceira pessoa após essa pessoa lhe ter entregue a citação como tem, por via disso, conhecimento destes autos desde o ano de 2015! J) Por se tratar de facto do qual a ora recorrente apenas teve conhecimento agora, ao abrigo do nº 1 do artigo 651º e 425º, ambos do CPC, requer a junção do documento nº 1 – e-mail da executada, com data posterior à citação efectuada em terceira pessoa, dirigida ao Sr. Agente de Execução, em 25/11/2016, a actualizar a respectiva morada e no âmbito do qual se identifica cabalmente bem como a este processo executivo. K) Como se faz prova, após ser oportunamente citada, a executada solicitou à Sra. Agente de Execução que as futuras notificações, a efectuar no âmbito destes autos de execução nº 5931/15.0T8ALM, fossem efectuadas para a morada ... ..., 2840-403 Torre da Marinha – Seixal, mais deixando o seu nº de contacto pessoal na mesma correspondência. L) As cartas posteriores, remetidas pelo Sr. Agente de execução, passaram a ser enviadas para a nova morada, conforme expressamente solicitado pela Executada directamente à Sra. Agente de Execução, como em 12/01/2017 para que a executada facultasse o acesso ao imóvel penhorado e 30/11/2023 com a decisão de venda - ref. Citius … 46 e … 94. M) E a executada confessa, no artigo 21º da arguição de nulidade, que essa era a morada para onde foi residir após a separação e até inícios de 2019. N) Ao arguir a nulidade da sua citação e afirmando que só tomou conhecimento que corria contra si uma ação executiva quando a sua entidade patronal lhe comunicou que havia recebido uma notificação para proceder à penhora do seu salário em 10 de Abril, do corrente ano, a executada falta deliberadamente à verdade e, com isso, litiga com manifesta má fé. O) (…) P) A executada vem alegar a nulidade da citação para se furtar aos inconvenientes da penhora de salário já que, na hipótese de ser admitida a anulação da venda ocorrida por falta de citação, e estando em causa garantia hipotecária, somente após nova venda do bem em causa é que o salário da recorrida poderia ser uma vez mais penhorado, o que poderá levar anos atenta a tramitação em falta. Ainda que assim não fosse, o que por mera cautela de patrocínio se aventa: Q) Competiria à executada não só alegar que não recebeu a citação através do terceiro que a recebeu como fazer prova disso arrolando como testemunha o funcionário da sua ex-entidade patronal que assinou o aviso de recepção. R) Mesmo que a executada alegue, como fez, que não conhece a pessoa que procedeu à assinatura da citação, a pessoa em causa consta devidamente identificada na citação cabendo à executada o ónus de requerer ao douto tribunal que, ao abrigo do princípio da cooperação ínsito no artigo 7º do CPC, oficiasse a entidade patronal Centro Hospitalar de Lisboa para vir identificar nos autos de forma cabal o funcionário em questão, que à data era funcionário naquele local. S) O que não foi feito nem sequer requerido pela executada. T) Nos termos do nº 6 do artigo 225º do CPC: (…) U) Nos termos do nº 1 do 230º do CPC (…) V) A lei estabelece uma presunção juris tantum no caso de a carta de citação ser recebida por pessoa diversa do citando, ou seja, a presunção de que a carta de citação foi oportunamente entregue ao destinatário e de que este dela teve oportuno conhecimento, presunção que é, por isso, ilidível, mediante prova em contrário. W) Mas nenhuma prova é apresentada ou requerida pela executada. X) Considerar confessados factos pela falta de impugnação pela exequente é contrário ao disposto no artigo 574º do CPC porque não estão em causa factos passíveis de confissão pela exequente uma vez que não são factos pessoais ou de que a mesma deva ter conhecimento. Y) E nem tampouco a exequente se limitou a não se pronunciar já que requereu o auxílio do Sr. Agente de Execução para esclarecimento das questões suscitadas. Z) Competia à executada efectuar prova que ilidisse a presunção de que recebeu a carta e não apenas limitar-se a alegar o seu não recebimento, cf. disposto no nº1 artigo 342º do CC. AA) Entendimento contrário inverte as regras do ónus da prova em claro, ilegal e injusto detrimento da exequente. BB) Esteve mal o douto tribunal a quo ao considerar como assente o seguinte facto: o terceiro nunca entregou a citação, isto é, os documentos relativos à citação, à executada, que dela não teve conhecimento porque este facto 1) não é passível de confissão pela exequente, 2) carece de prova a efectuar por quem o alega, no caso. a executada, 3) resulta provado, do documento nº1 que se junta, que a executada tinha conhecimento dos presentes autos há largos anos. CC) o caso em apreço não gera a nulidade da citação cf acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 18/04/2024, no processo 7004/22.0T8ALM.L1-8 (…) DD) Ao abrigo do princípio do contraditório o douto tribunal a quo, sob pena de proferir decisão surpresa, deveria, caso entendesse indeferir o pedido da exequente - de notificar o Sr Agente de Execução -, dar sede à exequente para se pronunciar sobre tal indeferimento, previamente à tomada de decisão. DO TERCEIRO ADQUIRENTE DE BOA FÉ EE) O imóvel penhorado, melhor id. a fls…, foi alvo de venda judicial a terceiro, tendo o depósito do preço sido efectuado nos autos em 01/02/2024, há mais de um ano, encontrando-se a aquisição já registada e a recorrente parcialmente ressarcida do seu crédito. FF) O deferimento da arguida nulidade de citação é atentatória das legítimas expectativas quer do terceiro adquirente de boa fé quer da exequente/credora que há largos anos detém um crédito de valor considerável sobre a executada. GG) A sentença do douto tribunal a quo, salvo o devido respeito, viola o princípio do contraditório e do aproveitamento dos actos processuais, da confiança e segurança jurídicas, o dever de gestão processual ínsito no art artigo 6.º, n.º 1, do CPC, e os artigos 225, nº6, 230, nº1 e 574º do CPC bem como o artigo 342º do CC. HH) A actuação da executada preenche os pressupostos previstos nas alíneas do nº2 do artigo 542º do CPC tendo a mesma, com dolo ou, pelo menos, negligência grave, deduzido pretensão cuja falta de fundamento não ignorava (arguição da nulidade de citação que teve lugar), omitindo factos relevantes para a decisão da causa (conhecimento do processo e correspondência com o agente de execução), com isto praticando omissão grave do dever de cooperação e usando de forma reprovável (deduzindo incidente de nulidade de citação) o processo com o fim de conseguir objectivo ilegal (anulação da venda do imóvel e da penhora de vencimento) e impedir a descoberta da verdade material (citação nestes autos e efectivo conhecimento dos mesmos), o que configura uma situação de litigância de má-fé prevista no referido normativo, devendo a mesma ser condenada no pagamento de multa e indemnização à recorrente, de quantia não inferior a 10% do valor dado à execução – 8.940,00€ (oito mil novecentos e quarenta euros) -, pela conduta que se reputa reprovável, o que desde já requer.”
Não foram apresentadas contra-alegações.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
II – QUESTÕES A DECIDIR
De acordo com os arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1, ambos do Cód. Proc. Civil, é pelas conclusões da alegação do Recorrente que se delimita o objecto e o âmbito do recurso, seja quanto à pretensão do Recorrente, seja quanto às questões de facto e de direito que colocam. Esta limitação objectiva da actuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede de qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cfr. art. 5º, nº 3 do Cód. Proc. Civil).
Nestes termos, no caso, as questões a decidir são:
- (in)admissibilidade da junção aos autos do documento apresentado com este recurso;
- impugnação e pretendida alteração da decisão sobre matéria de facto;
- (in)existência do vício de nulidade da citação para os termos da execução e suas consequências processuais;
- (in)existência de litigância de má-fé por parte da executada/apelada.
III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Os factos com interesse para a decisão deste recurso são os seguintes:
1 - Em 13/06/2015, a exequente “Banco Santander Totta, SA” - actualmente, “Hefesto STC, S.A.”, em virtude de cedência do crédito exequendo -, instaurou a presente acção executiva para pagamento de quantia certa, sob forma de processo sumário, contra A … e outros três executados (Referência Citius nº … 68);
2 – Foi penhorado nos autos: metade da fracção autónoma designada pela letra "J", 3 andar frente, destinado a Habitação Social, sito em Alto do …, ..., Lote …, Praceta … de …, nº …, descrito na ..., freguesia de ..., sob o nº …, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … da freguesia de ... (Referência Citius nºs … 49 e … 08);
3 - Em 29/07/2015, o Exmo Sr. Agente de Execução expediu carta registada com aviso de recepção para citação da executada A … para o seu local de trabalho [“...”] (Referência Citius nº … 02);
4 - A carta aludida em 3. foi recepcionada por “B …”, que assinou o respectivo aviso de recepção em 04/08/2015 (Referência Citius nº … 63);
5 - Em 12/08/2015, o Exmo Sr. Agente de Execução expediu carta registada para a executada A … para o seu local de trabalho (“...”), notificando-a, nos termos do disposto no art. 233º do Cód. Proc. Civil, “de que se considera citado(a) por carta registada com aviso de recepção na pessoa de B … Portadora do Cartão de Cidadão/Bilhete de Identidade Nº … 48 de que se junta cópia, conforme recebeu a citação e duplicados legais” (Referência Citius nº … 66);
6 - O terceiro aludido em 4. (“B …”) “nunca entregou a citação, isto é, os documentos relativos à citação, à executada, que dela não teve conhecimento”;
7 – O bem aludido em 2. foi vendido por leilão electrónico, pelo preço de € 55.256,07, tendo sido adjudicado ao proponente mediante título de transmissão lavrado em 20/02/2024 (Referência Citius nº … 60);
8 - Em 10/04/2024, o Exmo Sr. Agente de Execução expediu carta de notificação para penhora do vencimento auferido pela executada A …, endereçada à respectiva entidade patronal (“Urbencomenda – Transportes, Lda”), com o seguinte teor (na parte para aqui relevante: Referência Citius nº … 68): “G … NOTIFICAÇÃO PARA PENHORA - ARTIGO 779º CPC Agente de Execução PROCESSO: 5931/15.0T8ALM (…) Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa (…) Almada - Juízo Execução - Juiz 3 Nif: … 48 (... Execução e Solicitadores, SP, RL) Exequente: Hefesto Stc, S.A. Executado(s): D … e outros (…) Data: 10-04-2024 Documento: JYZ0XyDfLGl Referência interna do processo: PE/2077/2023 FUNDAMENTO DA NOTIFICAÇÃO Fica(m) V. Exa(s). pela presente notificado(s), nos termos e para efeitos do disposto no artigo 779º do Código Processo Civil (C.P.C.), na qualidade de entidade patronal/entidade pagadora, para a penhora dos respetivos abonos, vencimentos, salários ou outros rendimentos periódicos devidos ao executado adiante indicado, nomeadamente indemnização ou compensação que aquele tenha a receber, até que seja atingido o limite previsto também adiante indicado. No prazo de DEZ DIAS deve(m) declarar qual o vencimento do referido funcionário (ver informações complementares para melhor esclarecimento). Nos termos do artigo 738º do CPC são impenhoráveis dois terços da parte líquida dos vencimentos, salários, prestações periódicas pagas a título de aposentação ou de qualquer outra regalia social, seguro, indemnização por acidente, renda vitalícia, ou prestações de qualquer natureza que assegurem a subsistência do executado. Para efeitos de apuramento da parte líquida das prestações referidas no número anterior, apenas são considerados os descontos legalmente obrigatórios. A impenhorabilidade atrás referida tem como limite máximo o montante equivalente a três salários mínimos nacionais à data de cada apreensão e como limite mínimo, quando o executado não tenha outro rendimento, o montante equivalente a um salário mínimo nacional. VALOR TOTAL PREVISTO 89.099,67 Euros IDENTIFICAÇÃO DO EXECUTADO A …, NIF: … 67; BI: … -2 COMINAÇÃO / ADVERTÊNCIAS (…) PAGAMENTOS (…) INFORMAÇÕES COMPLEMENTARES Como responder à presente notificação: A resposta à presente notificação é prestada por meio de termo ou de simples requerimento dirigido ao signatário, no prazo de DEZ dias, juntando para o efeito o último recibo de vencimento do executado (do qual conste o salário ilíquido, descontos e retenções bem assim as demais regalias, incluindo subsidio de refeição, deslocação, etc), devendo do recibo ser previamente rasurados os dados pessoais do executado, ou , em alternativa, discriminar todos os créditos e débitos que constam do recibo vencimento. Se o executado não for trabalhador devem informar de tal facto, esclarecendo se este nunca o foi ou a data em que terminou o vínculo laboral. Se assim o pretenderem, podem solicitar ao Agente de Execução que determine o valor a ser penhorado. No sítio de internet www.solicitador.org/CE está disponível um simulador para cálculo da penhora. (…) PRAZOS E DILAÇÕES (…) DOCUMENTOS ANEXOS (…) DATA E ASSINATURA 10-04-2024 O Agente de Execução G … Cédula Profissional: … PROVA DE LEGITIMIDADE Nos termos e para os efeitos do disposto do artigo 37º da Portaria 282/2013 de 29 de agosto, a Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução certifica que este documento foi gerado através do sistema informático de suporte à atividade dos agentes de execução (SISAAE), fazendo assim prova de que o agente de execução G …, cédula …, nif … 26, com domicilio profissional na Rua ...… …, n.º … A, 2560-… Torres Vedras, se encontra designado no processo .../15.0T8ALM, Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Almada - Juízo Execução - Juiz ... (valor do processo: 89400.09 euros) em que é Exequente Hefesto Stc, S.A., e Executado(s) D … e outros. Este documento foi emitido no dia 10-04-2024, podendo ser consultado o seu suporte eletrónico através da página de internet www.solicitador.org, utilizando a opção "validar documentos", inserindo o identificador do documento … XyDfLGl. Caso verifique desconformidade entre o documento em papel e o suporte eletrónico contacte os serviços da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução para o email ....” ;
9 – A carta aludida em 8. foi recepcionada pela entidade patronal da executada (Referência Citius nº … 72);
10 – Em 15/04/2024 e em 11/06/2024, a executada A … enviou ao Exmo Sr. Agente de Execução um e-mail (em cada uma daquelas datas), com os seguintes teores (confissão da executada exarada nos arts. 2º e 3º do requerimento apresentado pela mesma em 01/07/2024, com a Referência Citius nº … 67, aludido em 13.; e documentos nºs 1 e 2 juntos com tal requerimento):
11 – O Exmo Sr. Agente de execução respondeu ao e-mail da executada A … de 15/06/2024 (aludido em 10.), por e-mail de 17/06/2024 (que aquela recepcionou) da seguinte forma (confissão da executada exarada no art. 3º do requerimento apresentado pela mesma em 01/07/2024, com a Referência Citius nº … 67, aludido em 13.; e documento nº 3 junto com tal requerimento):
12 - Em 20/06/2024, a Ilustre Srª Drª F …, na qualidade de Advogada Estagiária, requereu, “nos termos e para os efeitos do Art.º 27.º/4 da Portaria 280/2013”, “a consulta dos autos” (Referência Citius nº … 11), acesso que lhe foi concedido em 21/06/2024 pelo prazo de dez dias (Referência Citius nº … 31);
13 - Por requerimento apresentado em 01/07/2024, a executada A … veio arguir a sua falta de citação para estes autos (Referência Citius nº … 67);
14 - Com o requerimento aludido em 13., a executada A … juntou procuração forense por si outorgada em 21/06/2024, atribuindo poderes forenses aos Ilustres Srs. Drs. F … e G ….
IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
(In)Admissibilidade da junção aos autos do documento que foi apresentado com este recurso
Com o recurso, a apelante requereu a junção aos autos de um documento.
Como é sabido, os documentos são meios de prova de factos - cfr. arts. 341º e 362º do Cód. Civil. E, a sua junção tem em vista a prova de factos que hajam sido alegados pelas partes nos respectivos articulados (normais ou supervenientes) – cfr. art. 423º, nºs 1 e 2 do Cód. Proc. Civil.
Nos termos do art. 651º, nº 1 do Cód. Proc. Civil: “As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância.”; dispondo aquele art. 425º que: “Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.”
Da conjugação destas normas resulta que apenas se mostra possível a junção de documentos em sede de recurso:
(i) devido à impossibilidade de apresentação do documento anteriormente ao recurso - cfr. arts. 651º, nº 1, primeira parte, e 425º do Cód. Proc. Civil;
ou
(ii) quando o julgamento da primeira instância tenha introduzido na acção um elemento de novidade que torne necessária a consideração de prova documental adicional, que até aí – até ao julgamento em primeira instância – se mostrava desfasada do objecto da acção ou inútil relativamente a este - cfr. art. 651º, nº 1, segunda parte, do Cód. Proc. Civil.
O primeiro destes requisitos (i) pressupõe a superveniência do documento pretendido juntar, superveniência essa, que pode ser objectiva, isto é, que ocorreu histórica e cronologicamente depois de um determinado momento; ou subjectiva, ou seja, que justificadamente só foi tido conhecimento desse documento por alguém depois desse momento - impondo-se, em ambos os casos, que a parte demonstre a referida superveniência.
Comum a estes dois segmentos da primeira parte do art. 651º, nº 1 do Cód. Proc. Civil é, pois, a impossibilidade de junção em momento anterior (por referência ao encerramento da discussão na audiência final), por razões atendíveis e de acordo com a diligência normal do cidadão médio.
No que respeita à impossibilidade de apresentação anterior (cfr. art. 425º do cód. Proc. Civil, a contrario), afirmam Lebre de Freitas et al, in “Código de Processo Civil Anotado”, 2º Vol., Coimbra Editora, 2001, p. 426, que: “Constituem exemplos de impossibilidade de apresentação o de o documento se encontrar em poder de terceiro, que só posteriormente o disponibiliza, de a certidão de documento arquivado em notário ou outra repartição pública, atempadamente requerida, só posteriormente ser emitida [superveniência objetiva] ou de a parte só posteriormente ter conhecimento da existência do documento [superveniência subjetiva]. Nos dois primeiros casos, será necessário que se tenham esgotado anteriormente os meios dos arts. 531º a 537º [atuais Artigos 432º a 437º do Código de Processo Civil].”.
O segundo (ii) mencionado requisito (cfr. segunda parte do nº 1 do invocado art. 651º) prende-se com a necessidade de junção de determinado documento quando tenha sido introduzido na acção um elemento de novidade que torne necessária a consideração de prova documental adicional. Quer isto dizer que, esse elemento de novidade não pode ter já sido debatido nos articulados ou em sede de discussão e julgamento, antes devendo ser algo de novo.
Como salientam António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in “Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Parte Geral e Processo de Declaração”, Coimbra, 2018, p. 786, “tem-se entendido que a junção de documentos às alegações da apelação só poderá ter lugar se a decisão da 1ª instância criar, pela primeira vez, a necessidade de junção de determinado documento, quer quando a decisão se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes, quer quando se funde em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação as partes não contavam (STJ, 26-9-12, 174/08, RL 8-2-18, 176/14 e RP 8-3-18, 428/16)”.
A este propósito, escrevem Antunes Varela, J. Miguel Bezerra, Sampaio e Nora, in “Manual de Processo Civil”, 2ª ed. revista e actualizada, Coimbra Editora, 1985, p. 533-534, que: “a lei não abrange a hipótese de a parte se afirmar surpreendida com o desfecho da acção (ter perdido, quando esperava obter ganho de causa) e pretender, com tal fundamento, juntar à alegação documento que já poderia e deveria ter apresentado em 1.ª instância. O legislador quis manifestamente cingir-se aos casos em que, pela fundamentação da sentença ou pelo objeto da condenação, se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes de a decisão ser proferida”.
Também a este propósito, esclarece Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 5ª ed., p. 242-243, que: “Podem ainda ser apresentados documentos quando a sua junção apenas se tenha revelado necessária por virtude do julgamento proferido, máxime quando este se revele de todo surpreendente relativamente ao que seria expectável em face dos elementos já constantes do processo. A jurisprudência anterior sobre esta matéria não hesita em recusar a junção de documentos para provar factos que já antes da sentença a parte sabia estarem sujeitos a prova, não podendo servir de pretexto a mera surpresa quanto ao resultado.”. Cfr., neste sentido, por todos: Acórdão do STJ de 18/02/2003, relator Azevedo Ramos (o regime do art. 651º, nº 1 não abrange a hipótese de a parte pretender juntar à alegação documento que já poderia e deveria ter apresentado em 1ª instância); Acórdão do TRL de 21/10/93, relator Rodrigues Codeço (não é admissível a junção, com a alegação de recurso, de um documento potencialmente útil à causa ab initio e não apenas após a sentença); Acórdão do TRG de 27/02/2014, relatora Ana Cristina Duarte – todos, acessíveis em www.dgsi.pt; e Acórdão do TRL de 17/03/2016, relator Tibério Silva, in CJ 2016-I, p. 81-86 (não é admissível a junção de documentos para provar factos que já antes da decisão a parte sabia estarem sujeitos a prova, não podendo servir de pretexto a mera surpresa quanto ao resultado).
Visa-se abranger as situações que - pela fundamentação da sentença ou pelo objecto da condenação - tornaram necessário provar determinados factos, cuja relevância a parte não podia, razoavelmente, ter em consideração antes da decisão ter sido proferida - Acórdão do TRL de 19/03/2013, relatora Ana Resende, acessível em www.dgsi.pt.
No caso dos autos, pretende a apelante a junção de um documento [e-mail enviado pela executada A … ao Exmo Sr. Agente de Execução em 25/11/2016] para prova de que a “executada não só foi citada por terceira pessoa após essa pessoa lhe ter entregue a citação como tem, por via disso, conhecimento destes autos desde o ano de 2015”; alegando que “procedeu à consulta do processo ... no escritório do Senhor Agente de Execução, para efeitos de elaboração do presente recurso, sendo que, desse processo ... consta” aquele email da executada, apenas agora tendo tido conhecimento daqueles factos, pelo que requer a respectiva junção ao abrigo do nº 1 do art. 651º e 425º, ambos do Cód. Proc. Civil.
Ora, o concretamente alegado para justificar a junção do documento apenas neste momento [que só com a consulta ao processo ... que a apelante efectuou para efeitos de elaboração deste recurso, é que teve conhecimento do documento] não se afigura uma razão atendível, de acordo com a diligência normal do cidadão médio, uma vez que poderia/deveria ter consultado tal processo em momento processual anterior, nomeadamente, quando foi notificada para exercer o contraditório quanto ao requerimento de arguição da falta de citação pela executada. Donde, não se verificar, no caso, a impossibilidade de junção do documento em momento anterior, com o sentido atrás enunciado, não existindo, por isto, fundamento legal para a apelante juntar o documento neste momento processual.
Em suma, quanto ao documento junto com este recurso, não se mostra observado o primeiro requisito (i) do art. 651º, nº 1, 1ª parte, do Cód. Proc. Civil, sendo certo, ainda, que nem a apelante alegou a existência de factos que permitam a aplicação do segundo requisito (ii) daquele preceito, nem os mesmos resultam dos autos.
Pelo exposto, considerando o caráter excepcional da admissão da prova documental em via de recurso e não se verificando, in casu, os requisitos exigidos pelo art. 651º, nº 1 do Cód. Proc. Civil para o efeito, decide-se rejeitar a junção do documento em causa, e, condenar a apelante nas custas do incidente, fixando-se as mesmas em uma UC (art. 7º, nºs 4 e 8 do Regulamento das Custas Processuais e tabela ii anexa ao mesmo).
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Impugnação da matéria de facto:
Nos termos do disposto no art. 662º, nº 1 do Cód. Proc. Civil: “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
No caso dos autos, encontra-se provado que a citação da executada A … foi feita mediante carta registada com A/R, no local de trabalho, na pessoa de terceiro que assinou o aviso de recepção em 04/08/2015, e que, em 12/08/2015, foi expedida carta registada para a executada para aquele local de trabalho, notificando-a nos termos do art. 233º do Cód. Proc. Civil; bem como, que o terceiro nunca entregou à executada os documentos relativos à citação, “que dela não teve conhecimento” (factos provados sob os nºs 3. a 6.).
A apelante [dando suficiente cumprimento ao disposto no art. 640º do Cód. Proc. Civil] impugna a veracidade destes últimos factos [“o terceiro nunca entregou à executada os documentos relativos à citação, “que dela não teve conhecimento”], que o tribunal a quo fundamentou nos seguintes termos: “a exequente não impugnou os factos alegados no requerimento inicial do incidente de arguição de falta de citação e consequente anulação da execução, os quais, por consequência, se dão por confessados como expressamente advertida no despacho anterior – art. 293.º do CPC;”.
Invoca a apelante que não foi apresentada, nem feita, prova destes factos e que os mesmos não podem ser considerados confessados pela falta de impugnação pela exequente por tal desrespeitar o disposto no art. 574º do Cód. Proc. Civil, uma vez que “não estão em causa factos passíveis de confissão pela exequente uma vez que não são factos pessoais ou de que a mesma deva ter conhecimento”, nem “a exequente se limitou a não se pronunciar já que requereu o auxílio do Sr. Agente de Execução para esclarecimento das questões suscitadas.”
Porém, esta argumentação não pode proceder pelo seguinte:
No requerimento em que responde à notificação do tribunal “para, querendo, responder ao incidente, sob pena de se considerarem confessados os factos alegados – art. 293.º do CPC;” (Referência Citius nº … 14), a exequente apenas solicitou “que se notifique o Sr. Agente de Execução para esclarecer a questão levantada” (Referência Citius nº … 33), do que se constata, de forma clarividente, que não tomou posição definida perante os factos que constituem a causa de pedir invocada pela executada quanto aos pedidos formulados no incidente em apreço, máxime, os factos ora em análise; ou seja, a exequente não observou o ónus de impugnação que sobre ela recaía nos termos do art. 574º, nº 1, aplicável por força do art. 551º, nº 1, ambos do Cód. Proc. Civil.
Nos termos da 1ª parte do nº 2 do mencionado art. 574º, se o requerido (no incidente) não tomar posição definida sobre os factos alegados pelo requerente, entende-se que os admite como exactos. Ou seja, a falta de impugnação implica a admissão desses factos por acordo (confissão tácita ou ficta), o que implicará que os mesmos sejam tidos como assentes e provados nos autos, com excepção das situações previstas na 2ª parte daquela norma, designadamente, para o que aqui importa (por tal ter sido a hipótese convocada pela apelante) quando os factos não impugnados não admitam confissão. É o que sucede com os “chamados factos inconfessáveis” (casos de inidoneidade do objecto da confissão) previstos no art. 354º do Cód. Civil, porquanto “Se há casos em que a lei proíbe a confissão expressa, impondo restrições ao princípio da autonomia da vontade, é evidente que a confissão tácita, resultante da falta de impugnação, também não pode relevar, sob pena de ser alcançado indiretamente algo que é legalmente vedado” (António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in “Código de Processo Civil Anotado Parte Geral e Processo de Declaração”, Vol. I, Almedina, 2019, Reimpressão, p. 647-648).
Ora, como é cristalino, os factos em causa não se subsumem a nenhuma das situações previstas nas als. a) a c) do citado art. 354º do Cód. Civil. Donde, a falta de posição definida sobre tais factos por parte da exequente tem como consequência normativa que os mesmos sejam admitidos como exactos, como fez o tribunal a quo.
Note-se, ainda, que, ao contrário do que parece entender a apelante, na situação prevista no citado art. 574º, nº 2 do Cód. Proc. Civil - confissão tácita ou ficta - a lei ficciona uma confissão que, em rigor, não existiu, equiparando os efeitos do silêncio do réu aos da confissão. O regime desta prova, ou deste meio de prova, não é inteiramente coincidente com o aplicável à confissão, enquanto declaração expressa de reconhecimento da realidade dum facto desfavorável ao declarante (cfr. art. 352º do Cód. Civil). “Contrariamente à confissão, a admissão não exige que o facto admitido seja desfavorável ao admitente (cf. art. 352 CC); não joga quanto a factos para cuja prova a lei exija documento escrito (arts. 568-d e 574-2), relativamente aos quais a confissão é admitida (art. 364-2 CC); não se produz, quanto aos factos que outro réu conteste [] não é impugnável, como a confissão, nos termos do art. 359 CC, nem retractável [] só é eficaz no processo em que é produzida, não tendo a eficácia extraprocessual da confissão judicial (arts. 421-1 e 355-3CC)” – José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in “Código de Processo Civil Anotado”, Volume 2º, 3ª ed., p. 534.
José Lebre de Freitas, in “A Confissão no Direito Probatório (Um estudo Direito Positivo)”, 1991, p. 473, na constatação da diversidade de regimes aplicável a cada uma dessas situações, reserva para a consequência da falta de apresentação de contestação, o termo admissão, enquanto figura autónoma face à confissão, posto que aquela desta se distingue por consistir numa pura omissão (enquanto omissão, a admissão não constitui uma afirmação sobre a realidade e se exerce a função de prova da realidade de um facto, não implica um acordo de afirmações), enquanto a segunda se manifesta mediante declaração expressa.
Improcede, assim, a impugnação da matéria de facto.
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Do mérito da decisão recorrida
Está em causa nestes autos a regularidade da citação da executada A … para os termos da execução.
A citação é o acto ou peça processual através do qual se dá conhecimento ao réu/executado de que foi proposta contra ele uma determinada acção e se chama ao processo para se defender; é utilizada para chamar, pela primeira vez, ao processo alguma pessoa interessada – cfr. art. 219º, nº 1 do Cód. Proc. Civil. “Quer pela forma, quer pelo seu conteúdo e finalidade, a citação constitui o meio privilegiado para a concretização de um dos princípios basilares do processo civil: o princípio do contraditório. Num processo de natureza dialética, como é o processo civil, é a citação do réu que determina o início da discussão necessária a iluminar a resolução do conflito de interesses, com vista à justa composição do litígio. É pelo ato de citação que se dá conhecimento ao réu da petição ou do requerimento inicial, propiciando-lhe a faculdade de deduzir oposição.” – cfr. António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in ob. cit., p. 251.
A nulidade (em sentido lato) da citação comporta duas modalidades: a falta de citação e a nulidade (stricto sensu) – cfr., respectivamente, arts. 188º e 191º, ambos do Cód. Proc. Civil.
A mera nulidade (stricto sensu) da citação ocorre quando na sua realização não hajam sido observadas as formalidades prescritas na lei; devendo ser arguida no prazo indicado para a contestação ou, sendo a citação edital ou não tendo sido indicado prazo para a defesa, na primeira intervenção do citado no processo – cfr. art. 191º, nºs 1 e 2 do Cód. Proc. Civil.
Por sua vez, nos termos do art. 188º, nº 1 do Cód. Proc. Civil, haverá falta de citação quando: o acto tenha sido completamente omitido (al. a); tenha havido erro de identidade do citado (al. b); se tenha empregado indevidamente a citação edital (al. c); se mostre que foi efectuada depois do falecimento do citando ou da extinção deste tratando-se de pessoa colectiva ou sociedade (al. d); ou quando se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do acto, por facto que não lhe seja imputável (al. e). A falta de citação constitui uma nulidade principal que pode ser invocada em qualquer estado do processo, enquanto não deva considerar-se sanada, e é de conhecimento oficioso - cfr. arts. 196º e 198º, nº 2, ambos do Cód. Proc. Civil.
À falta e à nulidade da citação do executado aplicam-se, com as adaptações necessárias, as disposições gerais dos arts. 187º a 191º do Cód. Proc. Civil, que não estejam em contradição com o art. 851º, nº 1 do mesmo diploma – cfr. José Lebre de Freitas, in “A Acção Executiva à luz do Código Revisto”, 2ª ed., Coimbra Editora, 1997, p. 295; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 3º, Tomo I, 2ª ed., Coimbra Editora, 2008, p. 637; Alberto dos Reis, in “Processo de Execução”, Vol. II - Reimpressão, Coimbra Editora, 1985, p. 443-444.
Nos termos do art. 851º, nº 1 do Cód. Proc. Civil, sob a epígrafe “Anulação da execução em caso de revelia”: “Se a execução correr à revelia, pode o executado invocar, a todo o tempo, algum dos fundamentos previstos na alínea e) do artigo 696.º”; dispondo, por sua vez, este preceito que: “e) Tendo corrido o processo à revelia, por falta absoluta de intervenção do réu, se mostre que: i) Faltou a citação ou que é nula a citação feita; ii) O réu não teve conhecimento da citação por facto que não lhe é imputável; iii) O réu não pode apresentar a contestação por motivo de força maior;”.
Preceitua o art. 189º do Cód. Proc. Civil, sob a epígrafe “Suprimento da nulidade de falta de citação”, que considera-se sanada a nulidade por falta de citação se o réu ou o Ministério Público intervier no processo sem arguir logo a falta da sua citação.
Tal significa que a nulidade decorrente da falta de citação deve ser arguida no próprio acto que constitua a primeira intervenção da parte no processo, sob pena de sanação.
Na execução, a arguição da falta e da nulidade da citação tem lugar “a todo o tempo” (parte final do mencionado art. 851º, nº 1), enquanto não deva considerar-se sanada por o executado de alguma maneira intervir no processo sem logo a arguir – o que decorre, não só da norma consagrada no art. 189º do Cód. Proc. Civil (aqui aplicável, como vimos), como, também, resulta da menção “correr à revelia” inserta na 1ª parte do nº 1 do aludido art. 851º. Cfr., neste sentido, José Lebre de Freitas, in ob. e local citados; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, in ob. e local citados; e Alberto dos Reis, in ob. cit., p. 442-443, onde escreve [pese embora quer este autor, quer os anteriormente citados se debrucem sobre os arts. 921º e 194º a 198º dos anteriores Códigos de Processo Civil, os respectivos ensinamentos mantêm toda a sua intensidade e pertinência no caso, dada a similitude da letra e do espírito daqueles preceitos e os actuais arts. 851º e 187º a 191º]: “Suponhamos que o executado deixou correr à sua revelia o processo de execução, mas foi devidamente citado para ele. Não pode queixar-se senão de si; teve conhecimento legal da instauração da acção executiva; se não interveio nela for porque não quis. Seria de todo em todo infundado que ele fosse admitido a fazer anular os termos e actos da acção executiva. O executado não foi citado, ou foi citado com preterição de formalidades acidentais; mas interveio em certa altura no processo. Também nesta hipótese estamos fora do alcance do artigo 921.º; cometeu-se uma nulidade (falta de citação ou irregularidade de citação); mas a nulidade está longe de ter a consequência extrema definida naquele artigo. É que, tendo o executado intervindo no processo, se queria tirar partido da falta ou nulidade da sua citação, cumpria-lhe arguir imediatamente a falta ou a nulidade (arts. 196. e 198.º). Se o houvesse feito, teria conseguido a anulação do processo, não com fundamento no artigo 921.º, mas por efeito do artigo 194.º ou do artigo 198.º. Desde que o não fez, as nulidades ficaram sanadas e já não podem ser arguidas. Quando os dois factos se cumulem (revelia, por um lado, e falta ou nulidade de citação por outro), então é que o caso reveste aspecto patológico de extrema gravidade. A lei parte do pressuposto de que, se o executado não se defendeu no processo, se o deixou correr à revelia, foi porque não teve notícia de que contra ele houvesse sido instaurada a execução; quer dizer, em homenagem ao princípio fundamental do direito de defesa, a lei admite o executado a fazer anular, em qualquer altura, os actos e termos da acção executiva.”
Assim, na reclamação de falta/nulidade da citação, deve o executado arguir não só a nulidade cometida, mas relevar que não teve até à data intervenção alguma no processo (revelia), como os autos mostram, e pedir, em consequência, em obediência ao art. 851º a anulação de todo o processo executivo, com excepção do requerimento inicial (art. 187º, al. a) do Cód. Proc. Civil), e, consequentemente, se declarem sem efeito as vendas realizadas. O juiz conhece da reclamação, verificando se ocorreu realmente o alegado pelo executado, quer quanto à sua revelia, quer quanto à existência/regularidade da citação (cfr. Alberto dos Reis, in ob. cit., p. 445-446).
Da factualidade provada nestes autos, resulta que foi efectuada citação por carta registada com A/R no domicílio profissional da executada, carta essa, que foi recepcionada por terceiro, que a não entregou à executada (cfr. arts. 225º, nº 1 e 6, 228º, nºs 1 a 4, do Cód. Proc. Civil).
Conclui-se, assim, sem necessidade de maiores considerações, que ficou demonstrado nos autos que a executada (enquanto destinatária do acto de citação pessoal realizado por carta) não chegou a ter conhecimento do acto de citação por facto que não lhe é imputável, pelo que, se verifica o vício invocado pela executada de nulidade da falta de citação – cfr. art. 188º, nº 1, al. e) do Cód. Proc. Civil - apta a determinar a nulidade de todo o processado após o requerimento inicial, nos termos do art. 187º, al. a) do Cód. Proc. Civil, em consonância com o disposto no art. 851º, nº 2, parte final, do mesmo diploma. Porém, urge saber se tal falta de citação se deve considerar sanada – note-se que, não obstante esta questão não ter sido [pelo menos, de forma explícita] objecto de apreciação na decisão recorrida [pese embora a executada tenha invocado os factos necessários para o respectivo conhecimento, como infra melhor se verá], a verdade é que, podendo a nulidade da falta de citação ser conhecida oficiosamente pelo tribunal (cfr. art. 196º do Cód. Proc. Civil), nenhum impedimento existe a tal conhecimento por parte deste Tribunal, sendo certo que esta questão também foi aflorada pela apelante nas alegações recursórias.
Cumpre sublinhar, em primeiro lugar, que a executada - em conformidade com o seu ónus de alegação de factos revelantes de que não teve até à data intervenção alguma no processo (revelia): cfr. supra o que acima deixámos dito sobre este ónus – invocou, no requerimento de arguição da falta de citação (factos provados sob o nº 13 e Referência Citius nº … 67), factos atinentes à “TOMADA DE CONHECIMENTO DA PRESENTE AÇÃO EXECUTIVA:” [arts. 1. a 4. daquele requerimento] e factos atinentes à “CONSULTA AO PROCESSO” [arts. 5. a 7. daquele requerimento].
Dos factos provados sob os nºs 10. e 11., resulta que a executada enviou ao Exmo Sr. Agente de Execução dois e-mails, um em 15/04/2024, e o outro em 11/06/2024, a que o mesmo respondeu, por e-mail, em 17/06/2024, resposta que a executada recepcionou.
Assim, a questão que se coloca, na senda do que acima se deixou dito, é saber se a conduta da executada revelada por estes factos provados importa uma intervenção relevante no processo para os termos e efeitos do citado art. 189º do Cód. Proc. Civil.
A propósito do que deve entender-se por intervenção do réu no processo, sustenta J. Rodrigues Bastos, in “Notas ao Código de Processo Civil”, Vol. I, 3ª ed., Almedina, p. 251, que a aludida intervenção há-de reportar-se à prática de acto susceptível de pôr termo à revelia do réu, esclarecendo que a intervenção do réu (ou do Ministério Público) preenche as finalidades da citação, desde que ele não se mostre, desde logo, interessado em arguir essa omissão.
No mesmo sentido, esclarecem Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 1º, Coimbra Editora, 1999, p. 335, a propósito do art. 196º do Cód. Proc. Civil de 1961 (idêntico ao actual art. 189º), que “não faria sentido que o réu ou o Ministério Público interviesse no processo sem arguir a falta de citação e esta mantivesse o efeito de nulidade. Ao intervir, o réu ou o Ministério Público tem, ou pode logo ter, pleno conhecimento do processado, pelo que, optando pela não arguição da falta, não pode deixar de se presumir iuris et de iure que dela não quer, porque não precisa, prevalecer-se.”.
António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in ob. cit., p. 228, em comentário ao art. 189º do Cód. Proc. Civil, escrevem que: “A solução aqui consagrada radica no seguinte entendimento: se, não obstante o vício, quem deveria ter sido citado está no processo, o intuito informativo típico da citação está, afinal, assegurado. Mas para o efeito, «intervir no processo» pressupõe que o réu ou o Ministério Público estão em condições que permitem concluir que está superada uma situação de revelia absoluta.”.
Na jurisprudência, refere-se no Acórdão do TRP de 17/12/2008, relator Pinto de Almeida, proc. nº 0835621, acessível em www.dgsi.pt, que importante, para que essa intervenção no processo possa assumir relevo, é que a mesma envolva ou pressuponha “o conhecimento pelo réu da pendência do processo declarativo, o conhecimento que lhe seria dado pela citação./ A intervenção deve mostrar que o interessado teve, do processo, aquele conhecimento que a citação lhe deveria dar, e revela que a falta o não impediu de vir a juízo pugnar pelo seu direito[…]./ A intervenção relevante deve, como acima se referiu, preencher as finalidades da citação; pressupõe, portanto, o conhecimento do processo que esta propiciaria. Só assim seria legítimo presumir que o réu prescindiu conscientemente de arguir a falta de citação.”
Na esteira destes entendimentos, consideramos também que a intervenção no processo relevante para efeitos de sanação da falta de citação, nos termos do art. 189º do Cód. Proc. Civil, é aquela que pressupõe o conhecimento ou a possibilidade de conhecimento do processo pelo réu como decorreria da citação, ou seja, o conhecimento que lhe seria dado pela citação.
Como se escreve no Acórdão do TRP de 03/05/2010, relatora Maria Adelaide de Jesus Domingos, proc. nº 4501/08.4TBMAI-A.P1, acessível em www.dgsi.pt: “Mas para além do argumento formal do esgotamento do poder jurisdicional do juiz, não se podem descurar as razões de fundo e que estão relacionadas com o direito de defesa, que as partes devem exercer em condições de igualdade, sendo para o efeito imprescindível um real cumprimento do princípio do contraditório, ínsito no direito ao acesso aos tribunais com consagração constitucional no artigo 20.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa e vertido na lei ordinária, mormente nos artigos 3.º e 3.º-A do CPC. / Ou seja, um juízo de constitucionalidade sobre a admissão da sanação da nulidade da citação por intervenção do réu no processo sem a arguir, conforme prescreve o artigo 196.º do CPC, só pode ter acolhimento no nosso sistema judicial, tal como já foi decidido pelo Tribunal Constitucional,[9] se “…da intervenção posterior do réu nos autos, resul[ar] que, de harmonia com um juízo de razoabilidade, o mesmo, não obstante o vício da falta de citação, fique, ciente, nos seus precisos termos, das razões de facto e de direito que são avançadas pelo autor para fundarem a pretensão contra ele deduzida.” / Acrescentando-se no mesmo aresto que, face aos artigos 2.º e 20.º da Constituição da República Portuguesa, “Só assim, na verdade, se pode perspectivar que o princípio do contraditório foi observado e que ao réu foi, na prática, dada a possibilidade de uma actuação na lide em condições idênticas à do autor, princípio e possibilidade essas que (…) que defluem dos aludidos normativos constitucionais.”.
O fundamental será, assim, a salvaguarda da função constitucional das normas processuais que visam efectivar o direito de acesso à justiça. Por outras palavras, o critério fundamental é a cognoscibilidade, pelo demandado, no caso concreto, do processado e a concreta possibilidade de o demandado exercer o seu direito de defesa.
Por isto, a situação terá forçosamente “de ser apreciada à luz da casuística da tramitação do processo, significando que a arguição da falta de citação deverá ser acolhida na circunstância de se concluir que a exigência da defesa foi restringida ou suprimida; nas palavras de Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, «(…) constitui a garantia de o regime instituído ser utilizado para realizar o seu escopo (evitar a restrição ou supressão prática do direito de defesa) e não para finalidades puramente formais ou dilatórias.»” - Acórdão deste Tribunal e Secção, de 23/03/2021, relatora Isabel Salgado, proc. nº 8284/16.6T8SNT-B.L1-7, acessível em www.dgsi.pt.
Como se escreve também a este propósito no Acórdão do TRP de 08/10/2019, relator Rui Moreira, proc. nº 1969/13.0TBVCD-D-P1, acessível em www.dgsi.pt: “Todavia é também em atenção à importância e fins da citação que se compreende a regra do art. 189º do CPC: deixa de justificar-se a destruição de todos os actos praticados se o réu, ao tomar conhecimento do processo, não trata de reagir por tudo se ter passado à sua revelia, mostrando que quer ter um actualizado conhecimento da pretensão deduzida contra si para, eventualmente, poder desenvolver a partir de então a defesa que não teve oportunidade de apresentar.”.
Donde, na linha do que se vem a aduzir, deve ter-se por “sanada a falta de citação se se concluir que o réu, em algum momento do processo, teve conhecimento de que o mesmo prosseguia contra si e nada fez, facultando a interpretação de que não pretendia valer-se da falta da sua citação. (…) Neste sentido, a intervenção do réu no processo não tem de corresponder a um comportamento activo, podendo ter-se por consubstanciada por qualquer acto que tenha aquele significado, designadamente o recebimento de uma notificação que inequivocamente o informa do estado do processo, ou a percepção do desconto sucessivo de quantias no seu vencimento, por penhora, e a respectiva razão, bem como a identificação do processo de onde procede a penhora.” – cfr. citado Acórdão do TRP de 08/10/2019, Rui Moreira; isto é, “(…) a intervenção do réu demonstrativa do conhecimento do processo pode não corresponder necessariamente a um comportamento activo, podendo consubstanciar-se, também, por qualquer acto que de tal seja explícito.” – cfr. citado Acórdão deste Tribunal e Secção, de 23/03/2021, Isabel Salgado.
No caso dos autos, resulta da interpretação do teor das comunicações escritas ocorridas entre a executada e o Exmo Sr. Agente de Execução em 15/04/2024, 11/06/2024 e 17/06/2024 (factos provados sob os nºs 10. e 11.) que:
(i) pelo menos, já naquela primeira data (15/04/2024), a executada estava ciente de que contra ela decorria um processo judicial, tendo indicado a sua actual morada e contacto telefónico ao Exmo Sr. Agente de Execução;
(ii) desde 11/06/2024, a executada estava totalmente ciente de que contra ela decorria a presente execução, qual o seu objecto e actual (à data) estado processual. Na verdade, note-se a este respeito que: naquela data, a executada enviou comunicação escrita dirigida ao Exmo Sr. Agente de Execução, da qual resulta que a mesma tinha, já naquela data, conhecimento de que contra si tinha sido instaurado processo relativamente ao não pagamento do financiamento que tinha contraído com D … para aquisição do imóvel em nome dos dois; que tal imóvel tinha sido penhorado; e que o valor em dívida ascendia, na data, a € 89.099,67 [sendo certo que este foi o montante indicado na carta expedida em 10/04/2024 à entidade patronal da executada para penhora do respectivo vencimento: cfr. Referência Citius nº … 68]; mais declarando, naquela comunicação, que era “do seu interesse liquidar o valor da dívida a que me diz respeito”, solicitando “que entremos em acordo com a finalidade de reduzir o total mensal a pagar”.
Donde, a executada, que, pelo menos, já em 15/04/2024, estava ciente de que contra ela decorria um processo judicial, em 11/06/2024, revelava ter conhecimento da existência do processo e do respectivo objecto. Note-se, especialmente que, no e-mail enviado em 11/06/2024, a executada revela conhecimento concreto sobre o objecto da execução (não pagamento do financiamento que tinha contraído com D … para aquisição do imóvel em nome dos dois) e diligências feitas no âmbito da mesma (que o aludido imóvel tinha sido penhorado na execução, questionando, ainda, se já tinha sido vendido e qual o valor da venda), que não resultam da notificação que foi enviada à respectiva entidade patronal em 10/04/2024 para penhora do vencimento [factos provados sob o nº 8.], sendo certo que, no requerimento de arguição da falta de citação, a executada alega que apenas teve conhecimento deste processo com aquela notificação [cfr. arts. 1º a 3º daquele requerimento]. Ou seja, da mera notificação à entidade patronal a que alude a executada [factos provados sob o nº 8.] não resultam aqueles elementos sobre o processo, pelo que o conhecimento dos mesmos que a executada revela no e-mail de 11/06/2024 não lhe poderia advir daquela notificação, mas de outra fonte.
A conduta da executada, ao enviar os aludidos e-mails ao Exmo Sr. Agente de Execução [de cujo teor resulta, repete-se e salienta-se, que a executada já tinha conhecimento da pendência, objecto e desenrolar da execução] não pode deixar de ter-se como intervenção idónea e relevante para efeitos do mencionado art. 189º do Cód. Proc. Civil à luz das considerações doutrinais e jurisprudenciais que acima deixámos ditas. Com efeito, a descrita factualidade revela que a executada, tendo conhecimento da pendência, objecto e desenrolar da execução, interveio no processo – por via dos e-mails que dirigiu ao Exmo Sr. Agente de Execução – não arguindo, desde logo, a falta da sua citação para os termos da execução [o que é demonstrativo de não ter interesse em dela prevalecer-se], limitando-se a questionar o Exmo Sr. Agente de Execução sobre o andamento do processo e a solicitar negociações com vista ao pagamento da quantia exequenda.
E, não se pode deixar de entender que, o envio daqueles e-mails ao Exmo Sr. Agente de Execução – face ao respectivo teor – consubstancia uma intervenção relevante no processo nos termos e para os efeitos do art. 189º do Cód. Proc. Civil, atendendo a que, no actual modelo desjudicializado de acção executiva, o agente de execução assume a veste de “um órgão da execução, a par do juiz de execução, exercendo o poder executivo do Estado – no desempenho da sua função para-jurisdicional, exerce prorrogativas de poder público –, isto sem prejuízo de os seus atos e decisões poderem ser impugnados pelo juiz de execução.” [Miguel Teixeira de Sousa, “Novas tendências de desjudicialização na Acção Executiva: o Agente de Execução como órgão da Execução”, in “Cadernos de Direito Privado – I Seminário dos Cadernos de Direito Privado – O Processo Civil entre a Justiça e a Celeridade”, Número Especial 01/Dezembro de 2010, p. 4 a 8, apud Maria João Areias, “A livre substituição do agente de execução por parte do exequente e o direito constitucionalmente consagrado a um processo equitativo - o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 199/2012 de 24 de abril de 2012”, in Revista Julgar on line, Outubro de 2012, p. 13-14].
É que não podemos perder de vista que, na actualidade, o regular andamento do processo executivo, o seu impulso e gestão corrente, é da responsabilidade do agente de execução, que, em geral, fica incumbido de todas as diligências de pendor propriamente executivo [actos materiais de execução, de natureza não jurisdicional: cfr. art. 719º, nº 1 do Cód. Proc. Civil], sem necessidade da intervenção do juiz, pese embora o poder de controlo que a este continua reservado e da existência de competências próprias para a prática de alguns actos decisórios. Ou seja, ao agente de execução é cometido um poder geral de direcção do processo de execução, com uma competência ampla e não tipificada, incumbindo-lhe a prática da quase totalidade dos actos de execução, com excepção dos materialmente jurisdicionais e especificamente daqueles cuja competência é legalmente deferida ao juiz. Na sua linha de actuação, o agente de execução não só pratica actos executivos, mas profere decisões sobre a relação processual (v.g., art. 855º, nº 2, al. a) do Cód. Proc. Civil) e sobre a realização coactiva da prestação (v.g., arts. 763º, nº 1, 803, nº 1 e 849º, do mesmo diploma) – cfr. António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in “Código de Processo Civil Anotado Processo de Execução, Processos Especiais e Processo de Inventário Judicial”, Vol. II, Almedina, 2020, p. 53 e 61. Sublinhe-se, ainda, que um processo executivo pode decorrer na íntegra (com penhora de bens/direitos, citação do executado e pagamento ao exequente), sem carecer de qualquer intervenção do juiz. Em suma, e nesta perspectiva, “o principal órgão da execução é o agente de execução, tendo os outros intervenientes apenas as competências expressamente previstas por lei.” – Acórdão do TRE, de 18/12/2023, relator Tomé de Carvalho, proc. nº 641/21.2T8MMN-A.E1, acessível em www.dgsi.pt.
Consequentemente, só pode considerar-se preenchida a previsão do art. 189º do Cód. Proc. Civil, tendo-se por sanada a nulidade de falta de citação da executada para os termos da execução e, por consequência, válidos os actos praticados na mesma.
Pelo exposto, resta concluir pela procedência da apelação e pela revogação da decisão recorrida, que será substituída por outra que julga sanada a nulidade de falta de citação da executada para os termos da execução e, por consequência, válidos os actos praticados na mesma - encontrando-se prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas pela apelante em sede deste recurso, nos termos do art. 608º, nº 2, 2ª parte, aplicável ex vi do art. 663º, nº 2, ambos do Cód. Proc. Civil.
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Da verificação dos pressupostos da condenação da executada/apelada no pagamento de multa e de indemnização como litigante de má-fé
Neste recurso, a apelante requer a condenação da executada/apelada no pagamento de multa e de indemnização como litigante de má-fé.
Preceitua o art. 542º do Cód. Proc. Civil, no nº 1, que, tendo litigado de má-fé, a parte será condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir.
Os comportamentos que a lei tipifica como integrando má fé são: a) dedução de pretensão ou oposição cuja falta de fundamento, de facto ou de direito, a parte não devia ignorar, ou seja, a parte deve ponderar a razoabilidade da pretensão, evitando-a se não houver fundamento sério para a mesma; b) alteração da verdade dos factos ou omissão de factos relevantes para a decisão da causa; c) omissão grave do dever de cooperação; d) instrumentalização manifestamente reprovável do processo ou dos meios processuais com vista a impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão – nº 2 do art. 542º do Cód. Proc. Civil.
Como tem vindo a ser entendido, resulta do art. 542º, nº 2 do Cód. Proc. Civil, que a má fé pode revestir: (i) um carácter substancial/material, que se relaciona com o próprio mérito da causa, e é inerente a uma actuação que se revele pelas condutas descritas nas alíneas a) e b) do preceito; (ii) um carácter instrumental, que se abstrai do mérito da causa, e é inerente a uma actuação subsumível às alíneas c) e d) do mesmo preceito. Assim, só a parte vencida pode incorrer em má fé substancial, mas ambas as partes podem actuar com má fé instrumental, podendo, portanto, o vencedor da acção ser condenado como litigante de má fé – cfr. José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado e Rui Pinto, in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 2º, Coimbra Editora, 2001, p. 196.
A litigância de má fé (nas suas vertentes material e instrumental) pressupõe uma actuação, em termos da intervenção na lide, dolosa ou com negligência grave (de tal modo grave que, sendo próxima de uma actuação dolosa, justifica um elevado grau de reprovação e idêntica reacção punitiva), consubstanciada, objectivamente, através da ocorrência de alguma das situações previstas numa das alíneas do art. 542º, nº 2 do Código de Processo Civil.
A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a densificar a litigância de má fé, apontando-se, de forma exemplificativa e para o que aqui releva, os seguintes Acórdãos (todos, acessíveis em www.dgsi.pt):
- “(… ) a ousadia de uma construção jurídica julgada manifestamente errada não revela, por si só, que o seu autor a apresentou como simples cortina de fumo da inanidade da sua posição processual, de autor ou réu.” - Acórdão de 11/12/2003, relator Quirino Soares (proc. nº 03B3893);
- a defesa intransigente e reiterada pelo recorrentede uma construção jurídica julgada manifestamente errada não revela, por si só, que o seu autor a apresentou como simples expediente para protelar a decisão denegadora da razoabilidade da sua posição, pois, de contrário, todo aquele que perde pode, só por isso, incorrer em condenação como litigante de má fé - Acórdão de 02/02/2006, relator Araújo Barros (proc. nº 05B3425);
- a sustentação de posições jurídicas porventura desconformescom a correcta interpretação da lei não implica por si só, em regra,a qualificação de litigância de má fé na espécie de lide dolosa ou temerária, porque não há um claro limite, no que concerne à interpretação da lei e à sua aplicação aos factos, entre o que é razoável e o que é absolutamente inverosímil ou desrazoável, inter alia porque, pela própria natureza das coisas, a certeza jurídica é meramente tendencial - Acórdão de 04/12/2003, relator Salvador da Costa (proc. nº 03B3909);
- a defesa convicta de uma perspectiva jurídica dos factos, diversa daquela que a decisão judicial acolhe, não implica, por si só,litigância censurável a despoletar a aplicação do art. 542º, nºs 1 e 2 do CPC. Todavia, se não forem observados, por negligência ou culpa grave, os deveres de probidade, de cooperação e de boa-fé, patenteia-se litigância de má fé - Acórdão de 13/01/2015, relator Fonseca Ramos (proc. nº 36/12.9TVLSB.L1.S1);
- a litigância de má fé não se basta com a dedução de pretensão ou oposição sem fundamento, ou a afirmação de factos não verificados ou verificados de forma distinta. Exige-se, ainda, que a parte tenha actuado com dolo ou com negligência grave, ou seja, sabendo da falta de fundamento da sua pretensão ou oposição, encontrando-se numa situação em que se lhe impunha que tivesse esse conhecimento e um dever de agir em conformidade com ele - Acórdão de 18/02/2015, relator Silva Salazar (proc. nº 1120/11.1TBPFR.P1.S1);
- a condenação como litigante de má fé exige o dolo ou uma negligência grave, o que não se verifica quando estejamos perante a construção de uma tese errada - Acórdão de 11/12/2014, relator Távora Victor (proc. nº 728/09).
Perante o circunstancialismo fáctico apurado, afigura-se-nos que a conduta processual da executada não consubstancia uma conduta integradora do conceito legal de má fé, definida no art. 542º, nº 2 do Cód. Proc. Civil e com o sentido legal e jurisprudencial acima delineado.
Na verdade, o que temos evidenciado nos autos é que a executada, no requerimento em que arguiu a sua falta de citação, alegou os exactos factos [e juntou os documentos comprovativos dos mesmos] que este Tribunal considerou provados para julgar sanada aquela falta de citação, dando-lhe entendimento jurídico diverso do propugnado pela executada, o que, por si só, não implica a qualificação da respectiva conduta como litigância de má-fé, na esteira da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça que acima citámos.
Assim, e sem necessidade de maiores considerações, improcede a pretensão da apelante a este propósito.
As custas do incidente de litigância de má-fé são da responsabilidade da apelante, fixando-se as mesmas em uma UC – cfr. art. 527º, nºs 1 e 2 do Cód. Proc. Civil e art. 7º, nºs 4 e 8 do Regulamento das Custas Processuais e tabela ii anexa ao mesmo.
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As custas devidas pela presente apelação são da responsabilidade da apelada – cfr. art. 527º, nºs 1 e 2 do Cód. Proc. Civil e art. 1º, nºs 1 e 2 do Regulamento das Custas Processuais.
V. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desta 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa em:
a) não admitir a junção a este recurso do documento apresentado pela apelante;
b) julgar a presente apelação procedente, e, em consequência, revogar a decisão recorrida, que será substituída por outra que julga sanada a nulidade de falta de citação da executada para os termos da execução e, por consequência, válidos os actos praticados na mesma;
c) julgar improcedente o pedido de condenação da apelada como litigante de má-fé.
Custas do incidente de não admissão do documento pela apelante, fixando-se as mesmas em uma UC.
Custas do incidente de litigância de má-fé pela apelante, fixando-se as mesmas em uma UC.
Custas do recurso pela apelada.
Notifique os diversos intervenientes processuais (exequente; executados; Exmo Sr. Agente de Execução; o comprador do bem).
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Lisboa, 17 de Junho de 2025
Cristina Silva Maximiano
Diogo Ravara
João Novais