REAPRECIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
INSTRUMENTALIDADE
CONTRATO DE ARRENDAMENTO PARA HABITAÇÃO
CADUCIDADE
TOLERÂNCIA DO SENHORIO
RECEBIMENTO DE RENDAS
Sumário

Sumário:[1]:
I – Cabe ao Tribunal da Relação apreciar a matéria de facto de cuja apreciação o/a Recorrente discorde e impugne (fazendo sobre ela uma nova apreciação, um novo julgamento, após verificar a fundamentação do Tribunal a quo, os elementos e argumentos apresentados no recurso e a sua própria percepção perante a totalidade da prova produzida), continuando a ter presentes os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova.
II – Respeitando o princípio da limitação dos actos, consagrado no artigo 130.º do Código de Processo Civil, o direito à impugnação da decisão sobre a matéria de facto assume um carácter instrumental face à decisão de mérito do pleito, pelo que, para não praticar actos inúteis e inconsequentes, por força dos princípios da utilidade, economia e celeridade processual, o Tribunal ad quem não deve reapreciar a matéria de facto quando a factualidade objeto da impugnação for insusceptível de, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, ter relevância jurídica.
III - O Tribunal da Relação só deve alterar a matéria de facto se concluir, com a necessária segurança, no sentido de que a prova aponta em direcção diversa e delimita uma conclusão diferente da que vingou na 1ª Instância (impunha-se uma distinta decisão), usando um critério de razoabilidade ou de aceitabilidade dessa decisão (que conduz a confirmar a decisão recorrida, não apenas quando for indiscutível que é correcta, mas também quando se reconheça situar-se numa margem de razoabilidade ou de aceitabilidade).
IV - O contrato de arrendamento para habitação caduca ope legis com a morte do arrendatário, nos precisos termos do artigo 1051.º, alínea d), do Código Civil (sem prejuízo do prazo previsto no artigo 1053.º), desde que inexistia qualquer das pessoas previstas no artigo 1106.º.
V – O artigo 1056.º do Código Civil não tem aplicação aos casos de caducidade por morte do arrendatário (artigo 1051.º. alínea d)), uma vez que não pode renovar-se com quem do contrato de arrendamento não seja parte, sendo um terceiro que se mantém no gozo da coisa.
VI -  A tolerância das senhorias por pouco mais de seis meses relativamente à manutenção no locado do irmão do falecido arrendatário para quem não se transmitiu o arrendamento, continuando a receber o valor das rendas e continuando a emitir os recibos nos mesmos termos que antes, não permite que se conclua pela existência de um qualquer acordo pela celebração de novo contrato.
VII - O recebimento do valor das rendas pelas senhorias após a caducidade do contrato de arrendamento por morte do arrendatário, é compatível a com a intenção de obter, pelo menos, parcial pagamento pela ocupação do imóvel pelo irmão que com ele coabitava, até à sua entrega.
VIII – Se passados pouco mais de seis meses da morte do arrendatário as senhorias pedem a devolução do locado e passam a recusar o recebimento das rendas, o irmão do falecido tem de o devolver às suas proprietárias.

[1] Da responsabilidade do Relator, em conformidade com o n.º 7 do artigo 663.º do Código de Processo Civil.

Texto Integral

Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa[1]
Relatório
MA e RA instauraram acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra M peticionando a condenação deste:
I - a restituir às Autoras a fracção autónoma correspondente à CV C, do imóvel sito na Rua X, nº 20, -----, livre de pessoas e bens;
II - a pagar às Autoras, a título de indemnização, a quantia de € 2.200, correspondente a quatro meses de ocupação ilegal até à data da propositura da acção, acrescida do correspondente a €550, por cada mês decorrido, desde a presente data até à entrega da fracção.
 Em suma, alegam as Autoras, que:
- são proprietárias da referida fracção autónoma, por o terem adquirido por doação;
- no ano de 1983[2], os anteriores proprietários do imóvel celebraram com AC, irmão do Réu, um acordo de arrendamento habitacional que, em 26 de Abril de 2022, se extinguiu por óbito daquele;
- não obstante ter cessado o contrato, o Réu está ali a viver, recusando-se a devolver a chave da fracção, apesar de interpelado para o efeito;
- negam os argumentos invocados pelo Réu de que vivia em economia comum com o irmão, mas, ainda que tal se viesse a apurar, tal não lhe conferiria o direito à transmissão do contrato de arrendamento;
   - quantificam o prejuízo em 550 euros mensais, valor de mercado de arrendamento de uma fracção com aquela natureza.
Citado o Réu veio  apresentar Contestação, na qual:
- excepcionou com a incompetência territorial:
-  reconheceu a titularidade do direito de propriedade das Autoras;
- alegou ter sido o irmão quem celebrou, em 1973, o contrato de arrendamento relativamente à fracção objeto dos autos, mas que, no ano de 2006, passou a aí residir com ele, na sequência de um acidente vascular cerebral que incapacitou o irmão, deixando-o acamado e dependente do si para todas as actividades de vida diária, incluindo higiene, alimentação e cuidados de saúde, pagamento da renda, despesas de água, eletricidade e gás e alimentação do agregado familiar, reparação e manutenção do imóvel (o que fazia a expensas suas por insuficiência dos rendimentos do irmão);
- afirmou que esta situação era do conhecimento de quem recebia as rendas em nome dos senhorios e que sempre se portou como arrendatário e os senhorios sempre o trataram como verdadeiro arrendatário do imóvel, entregando as actualizações de renda e tratando com ele todos os assuntos que diziam respeito à fracção;
- referiu que, quando comunicou a morte do irmão, o filho dos senhorios não questionou a permanência do Réu no imóvel, tendo solicitado elementos com vista a actualização da renda, tendo visitado o imóvel com vista realizar obras, tendo dito ao Réu que continuasse a pagar a renda como já vinha fazendo, o que fez até Novembro de 2022, por recusa dos senhorios em recebê-la.
- concluiu que sempre foi tratado como verdadeiro arrendatário pelos senhorios, existindo uma declaração negocial tácita visando a celebração de um contrato de arrendamento;
- defendeu que o valor de mercado de arrendamento da fracção não é superior a €250.

Decidida a excepção dilatória de incompetência territorial, foi julgado competente o Juízo Local Cível da Amadora, onde as Autoras foram convidadas a pronunciar-se sobre as restantes excepções invocadas pelo Réu, vindo estas a sustentar não terem celebrado qualquer acordo com o dito Réu, nem o terem reconhecido como inquilino, inexistindo qualquer transmissão da posição de inquilino, acrescendo que os recibos de renda sempre foram emitidos em nome do efectivo arrendatário, habitando o Réu com a sua mãe no 4.º andar.

Realizada Audiência Prévia, foi proferido Despacho Saneador, fixado o valor da causa (€ 39.200,96), identificado o objecto do litígio[3] e seleccionados os Temas da Prova[4].

Realizada a Audiência de Julgamento veio a ser proferida Sentença, dela constando a seguinte parte decisória:
“Pelo exposto, o Tribunal julga a presente ação parcialmente procedente, por provada, e em consequência:
A. Reconhece o direito de propriedade das autoras sobre a fração autónoma identificada pela letra “C” denominada Cave C, - habitação com estendal no logradouro da cave, do prédio urbano constituído em propriedade horizontal sito na Rua X, descrita na Conservatória do Registo Predial da ---- sob o n.º ------, inscrita na matriz sob o artigo ----;
B. Condena o réu a restituir a fração autónoma referida em A) livre e devoluta de pessoas e bens ao Autor;
C. Condena o réu a pagar às autoras o montante de €1.250,00 (mil, duzentos e cinquenta euros) a título de indemnização pela ocupação ilegal do imóvel até à data da propositura da ação (abril de 2023) e o montante de 250,00 euros por cada mês de ocupação do imóvel desde maio de 2023 até efetiva entrega do imóvel às autoras livre de pessoa e bens.

Custas a cargo das autoras e do réu, na proporção de 20% para o primeiro e 80% para o segundo (artigos 527.º do CPC e 6.º, n.º1 do RCP e tabela anexa àquele diploma).
Registe e notifique”.

É desta Sentença que vem pelo Réu interposto Recurso de Apelação, tendo apresentado Alegações, onde lavrou as seguintes Conclusões:
“1.Vem o presente recurso interposto da Sentença de fls…, que condenou o Réu a restituir a fração autónoma referida em A) livre e devoluta de pessoas e bens ao Autor e ainda pagar às autoras o montante de €1.250,00 (mil, duzentos e cinquenta euros) a título de indemnização pela ocupação ilegal do imóvel até à data da propositura da ação (abril de 2023) e o montante de 250,00 euros por cada mês de ocupação do imóvel desde maio de 2023 até efetiva entrega do imóvel às autoras livre de pessoa e bens.
2. O recorrente discorda da decisão proferida sobre a matéria de facto, recorrendo também da matéria de direito, designadamente por aplicar, in casu, normas não aplicáveis e não aplicar normas que deveriam ser aplicadas.
3. O objeto do presente recurso reporta-se à questão essencial de saber se o Réu deve, efetivamente, restituir a fração autónima referida nos autos ás Autoras, isto é, se ocupa ilegitimamente o imóvel e se deve ser condenado no pagamento do montante de €1.250,00 (mil, duzentos e cinquenta euros) a título de indemnização pela ocupação ilegal do imóvel até à data da propositura da ação (abril de 2023) e o montante de 250,00 euros por cada mês de ocupação do imóvel desde maio de 2023 até efetiva entrega do imóvel às autoras livre de pessoa e bens ou, ao invés, deve ser considerado arrendatário da referida fração.
4. No que respeita à impugnação da matéria de facto, refira-se que, atenta aprova documental, jamais o Tribunal poderia dar como provado o facto provado n.º 9, designadamente, que o Réu apenas tenha pago a renda até novembro de 2022, data em que as senhorias passaram a recusar.
5. Resulta dos autos, manifesta prova documental, designadamente os documentos n.º 1 a 6 juntos com a Petição Inicial, e que não foram impugnados pelas Autoras, da qual resulta que o Réu, continuou a pagar a renda do locado, após o mês de novembro de 2022, até maio de 2023, data da contestação e junção dos documentos, através de transferência bancária para a conta da Autora MA, sem que a mesma tenha devolvido tais valores.
6. De igual forma, também não devia o Tribunal a quo ter concluído que as senhorias tivessem recusado o pagamento da renda, desde novembro de 2022, aliás, nem tal facto resulta da prova produzida.
7. O que resulta dos autos e consta da Douta Sentença, na parte da Motivação, é que foram dadas instruções a MNM para parar de receber o montante correspondente às rendas pagas pelo Réu.
8. Verificando-se que a factualidade constante do ponto 9 dos factos provados está incorreta, impõe-se a sua correção face à prova documental produzida nos autos e não impugnada pela outra parte, devendo o ponto 9 dos factos provados deve ser alterado, no sentido de passar a ter a seguinte redação:
“O Réu continuou a pagar o montante equivalente à renda do imóvel, pelo menos, até maio de 2023, sendo que a partir de dezembro de 2022, uma vez que a Sra. MNM não recebia as rendas, efetuou o pagamento através de transferência bancária para a conta da Autora MA.”
9. Aliás, o Réu continua a proceder ao pagamento das rendas, até à presente data, conforme documentos que junta nos termos e para os efeitos do artigo 651.º do CPC.
10. Também não resulta dos factos provados a data em que foi comunicado aos senhorios o óbito de A, facto que tem manifesta relevância para a decisão dos autos.
11. Resulta do teor do Despacho Saneador o qual foi aceite pelas partes, designadamente nos Temas de Prova, alínea i , que a comunicação do óbito do irmão, foi efetuada em 29 de abril de 2022, e feita ao Senhor JA, filho dos senhorios, pelo que deveria ser aditado o facto provado n.º 12 , com o seguinte teor:
“O Réu comunicou aos senhorios o óbito do irmão, arrendatário, no dia 29 de abril de 2022.”
12. Uma vez que estas alterações da decisão sobre a matéria de facto têm relevância para a decisão dos autos, sendo suscetíveis de influírem e importarem uma decisão diferente por parte do Tribunal ad quem, deve proceder-se à correção da matéria de facto dada como provada nos termos requeridos, alterando- se o facto provado n.º 9 e aditando-se o facto provado n.º 12.
13. No que respeita à matéria de direito, o Tribunal a quo não procedeu a uma aplicação correta do direito, atenta a factualidade provada e não provada nos autos, com as correções acima peticionadas.
14. O tribunal a quo, incorre em erro na aplicação do direito, designadamente quando faz alusão à aplicação do artigo 1056.º do Código Civil, referindo que houve oposição do senhorio ao gozo do prédio no prazo de 1 ano apos o óbito do inquilino, porquanto o disposto no artigo 1056.º do Código Civil não tem aplicação aos casos de caducidade do arrendamento por morte do arrendatário, mas tão somente aos outros casos do artigo 1051º do mesmo Código, em que o inquilino se mantém na casa arrendada, mesmo depois da caducidade do arrendamento” . - Conforme Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 06-02-2007 - Processo 7797/2005-1, não sendo, assim, aplicável ao caso.
15. Por outro lado, da análise da factualidade provada e não provada resulta claro que, entre 29 de abril de 2022 (data em que as Autoras, senhorias, tiveram conhecimento do óbito do arrendatário) e 16 de novembro de 2022, as senhorias nunca manifestaram qualquer oposição em relação à permanência do Réu no locado, aceitando, inclusive, o pagamento das rendas que nunca restituíram.
16. Resultando ainda que Autoras, o pai destas, os primitivos arrendatários, avós das Autoras, e todas as testemunhas ouvidas nos presentes autos tinham conhecimento que o Réu residia no locado desde 2006/2007, sem qualquer oposição dos senhorios, antes pelo contrário, sabendo que era este quem pagava as rendas, as despesas do imóvel, cuidava do imóvel, atuando como um verdadeiro arrendatário, situação devidamente reconhecida pelo Tribunal quando afirma no facto provado n.º 9 que o Réu continuou a pagar o montante equivalente à renda (parte que não se impugnou).
17. Dizer que as Autoras se opuseram ao gozo do prédio por parte do Réu, após o terem permitido e aceite durante mais de 6 anos, até à morte de A, e mais de seis meses, após o conhecimento da morte deste, sempre mediante o pagamento da renda, não constitui qualquer oposição, antes pelo contrário, um verdadeiro reconhecimento do contrato de arrendamento.
18.O comportamento das Autoras em aceitarem a permanência do Réu no locado não se confunde com “tolerância”, conforme referido pelo Tribunal a quo, mas sim com aceitação de um contrato de arrendamento, com o reconhecimento do Réu como arrendatário que reside no imóvel e paga uma renda pelo uso.
19. O Tribunal a quo desconsiderou completamente o previsto no artigo 1069.º do Código Civil, designadamente no n.º 2 que estipula que “Na falta de redução a escrito do contrato de arrendamento que não seja imputável ao arrendatário, este pode provar a existência de título por qualquer forma admitida em direito, demonstrando a utilização do locado pelo arrendatário sem oposição do senhorio e o pagamento mensal da respetiva renda por um período de seis meses”.”
20. Atento o acima referido e o disposto no artigo 1069.º n.º 2 do Código Civil, dúvidas não restam que se pode concluir que existe um contrato de arrendamento entre as Autoras e o Réu.
21. Ora, a verdade é que o Tribunal a quo deveria ter concluído que, assim como não houve a aceitação expressa de qualquer acordo por parte das senhorias, também não houve qualquer oposição nos 6 meses subsequentes à comunicação da morte de A, comportando-se todos os intervenientes como partes numa relação locatária.
22.O que é apelidado de tolerância por parte do Tribunal quo deve ser considerado de presunção de contrato de arrendamento não reduzido a escrito.
23. Pelo que, deveria ter o Tribunal a quo aplicado a norma constante no artigo 1069.º do Código Civil, reconhecendo a existência de um contrato de arrendamento entre Autoras e Réu, proferindo Sentença em sentido manifestamente contrário, reconhecendo ao Réu o direito de residir no locado mediante o pagamento de uma renda, como sempre o fez, até hoje, julgando improcedente a presente ação por não provada.
Nestes termos e nos mais de Direito, deve ser dado provimento ao presente recurso interposto pelo Recorrente, com a consequente revogação da sentença recorrida, a qual deverá ser substituída por acórdão que:
1) Proceda à alteração da matéria de facto, por força do artigo 662º do CPC, nos termos supra peticionados, em consonância com a prova documental produzida e as incidências processuais dos autos.
2) Determine a aplicação da norma constante no artigo 1069.º do Código Civil, reconhecendo a existência de um contrato de arrendamento entre Autoras e Réu, reconhecendo ao Réu o direito de residir no locado mediante o pagamento de uma renda.
3) Julgue a ação improcedente por não provada e reconheça a existência de contrato de arrendamento celebrado entre Autoras e Réu, conferindo-lhe o direito de ocupar o imóvel como arrendatário.
Com o que se fará JUSTIÇA!”.

As Autoras apresentaram Contra-Alegações, culminadas com as seguintes Conclusões:
“I - No recurso interposto, o recorrente impugna a decisão sobre a matéria de facto, designadamente o ponto 9, “O réu continuou a pagar o montante equivalente à renda do imóvel até novembro de 2022, data em que as senhorias passaram a recusar”.
II - Pretende que a redação passe a ser a seguinte: “O Réu continuou a pagar o montante equivalente à renda do imóvel, pelo menos até maio de 2023, sendo que a partir de dezembro de 2022, uma vez que a Sra. MNM não recebia as rendas, efetuou o pagamento através de transferência bancária para a conta da Autora MA”-
III - Não lhe assiste razão. A prova produzida demonstrou que as Autoras recusaram expressamente o pagamento dos montantes que o Réu insistia em entregar após a morte do locatário. E o Réu não logrou demonstrar o contrário.
IV - O Réu decidiu, sem para tal estar autorizado pelas Autoras ou lhe terem, por estas, sido facultados os números de identificação bancária, proceder a transferências para a conta de uma delas.
V - O Recorrente, com a formulação pretendida, visa trazer à matéria de facto um juízo acerca da posição das recorridas quanto ao arrendamento, que não é compatível com a oposição destas à permanência do Réu no imóvel.
VI - Também não tem razão, o recorrente, quando considera dever constar da matéria de facto dada como provada o seguinte: “O Réu comunicou aos senhorios o óbito do irmão, A, no dia 29 de Abril de 2022”.
VII - Para tanto, alega que a circunstância de constar do douto despacho saneador, aceite pelas partes, o seguinte Tema da Prova: “aquando da comunicação do óbito do irmão, em 29 de abril de 2022, feita a JA, pai das senhorias, este não questionou a permanência do Réu no imóvel,...”, demonstra ser essa a data da comunicação do óbito às senhorias.
VIII - Só que, para além de ter sido julgado não provado – al. e). dos Factos não Provados, não existe qualquer referência à data de comunicação do óbito às senhorias, mas sim ao pai das senhorias, JA.
IX - Afigurando-se-nos, de qualquer forma, irrelevante a data de comunicação do óbito.
X - O que releva, e que o Tribunal a quo deu como provado é que, logo que o Réu manifestou a intenção de permanecer no imóvel assumindo a posição de arrendatário, as Autoras se opuseram.
XI - E que, em momento algum o reconheceram como arrendatário!
XII - Alega ainda, o Recorrente, que o Tribunal a quo errou na aplicação do Direito ao caso concreto.
XIII - Também não lhe assiste razão.
XIV - Na douta sentença recorrida foi feito o enquadramento jurídico correto em todas as questões em apreço nos autos.
XV - Designadamente no que respeita às questões controvertidas, alteração do contrato de arrendamento e caducidade do contrato de arrendamento (não transmissão do contrato).
XVI - Sendo estas as teses defendidas pelo Réu, isto é, sustentou ter existido uma alteração ao contrato de arrendamento celebrado com o arrendatário A ou, subsidiariamente, ter existido a transmissão do arrendamento para o Réu.
XVII - Não logrou demonstrar qualquer destes factos.
XVIII - Efetivamente, ficou provado que o arrendatário A foi o titular exclusivo da posição de locatário no contrato de arrendamento.
XIX - Até à sua morte e consequente caducidade do contrato.
XX - Aliás, é significativo que o Réu tenha mantido o seu domicílio fiscal na fração do mesmo prédio correspondente ao 4º andar A, que habitou desde 2006, conforme documentado nos autos.
XXI - E ficou também demonstrado que o contrato não se transmitiu pelo facto de ter sido celebrado no ano de 1973, e por isso subsumível às normas transitórias doas artigos 57º e ss. do NRAU.
XXII - Não merece qualquer reparo o enquadramento jurídico realizado pelo Meritíssimo Juiz.
XXIII - Não obstante o Tribunal a quo não se encontrar vinculado ao enquadramento jurídico alegado pelas partes, já assim não sucede no que concerne aos factos.
XXIV - E para que possa, na sentença, considerar factos não alegados pelas partes, estes terão que resultar da instrução da causa, não podendo ser meras conjeturas ou possibilidades abstratas. Não cabe ao Juiz supor ou conceber factos.
XXV - Não foram alegados quaisquer factos, e não foram produzidos quaisquer meios de prova que fizessem aflorar ao processo factos que se pudessem subsumir à agora ter sido desconsiderada, o art. 1069º, do Código Civil.
XXVI - As Autoras nunca permitiram ou aceitaram que o Réu fosse morar com o irmão.
XXVII - Primeiro porque desconheciam tal facto.
XXVIII - Depois porque, até à morte do arrendatário A, não competia às senhorias aceitar ou permitir. Na qualidade de arrendatário, este dispunha da fração e, portanto, era livre de permitir que a sua mãe ou irmão lá pernoitassem ou comessem.
XXIX - O que aqui releva e que ficou demonstrado é que a partir do momento em que tomaram conhecimento da intenção do Réu permanecer no imóvel e tomar a posição de arrendatário, logo se opuseram!
Termos em que, deverá o presente Recurso improceder, mantendo-se a douta sentença recorrida, fazendo assim, V.as Exas., a costumada Justiça!”.
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Questões a Decidir
São as Conclusões da Recorrente que, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, delimitam objectivamente a esfera de actuação do Tribunal ad quem (exercendo uma função semelhante à do pedido na Petição Inicial, como refere, Abrantes Geraldes[5]), sendo certo que, tal limitação, já não abarca o que concerne às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (artigo 5.º, n.º 3, do Código de Processo Civil), aqui se incluindo qualificação jurídica e/ou a apreciação de questões de conhecimento oficioso.
In casu, e na decorrência das Conclusões dos Recorrentes, importará verificar:
I – da necessidade de alterar a redacção do Facto 9, para “O Réu continuou a pagar o montante equivalente à renda do imóvel, pelo menos, até Maio de 2023, sendo que a partir de Dezembro de 2022, uma vez que a Sra. MNM não recebia as rendas, efectuou o pagamento através de transferência bancária para a conta da Autora MA”;
II – da necessidade de aditar à factualidade provada um Facto (12), referindo que “O Réu comunicou aos senhorios o óbito do irmão, arrendatário, no dia 29 de Abril de 2022”;
II – se a acção se mostra correctamente decidida em função da factualidade apurada, nomeadamente no que respeita à eventual celebração tácita de um contrato de arrendamento entre as partes.
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Corridos que se mostram os Vistos, cumpre decidir.
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Fundamentação de Facto
O Tribunal considerou provada a seguinte factualidade:
1. Encontra-se inscrita pela apresentação 733, de 2014/07/14, a aquisição, por doação, da fracção autónoma identificada pela letra “C”, denominada Cave C, - habitação com estendal no logradouro da cave, do prédio urbano constituído em propriedade horizontal, sito na Rua X, descrita na Conservatória do Registo Predial da ----sob o n.º -----, inscrita na matriz sob o artigo ----, sendo sujeitos activos MA e RA.
2. No ano de 1973, A e MC, na qualidade de proprietários, celebraram com AC um acordo verbal mediante o qual lhe cederam o gozo temporário da fracção referida em 1) para habitação daquele tendo como contrapartida o pagamento de um montante pecuniário não concretamente apurado.
3. AC faleceu no dia 26 de Abril de 2022.
4. Em data não concretamente apurada, no ano de 2006/2007, AC foi acometido de Acidente Vascular Cerebral, que afectou a sua capacidade de vida autónoma, entre as quais a fala e a mobilidade, acabando por ficar acamado, tendo-o deixado dependente de terceiro para a generalidade das actividades de vida diária.
5. Para cuidar de AC, a mãe, que vivia na fracção do 4.º andar, foi viver para a fracção identificada em 1).
6. Uma vez que a mãe não tinha força física para, sozinha, cuidar do filho AC, pediu ao réu M para fosse viver para a fracção da cave para a ajudar com o irmão, ao que este anuiu.
7. A partir desta data, o réu e a sua mãe cuidaram de AC, tratando da sua higiene, alimentação, mobilização, e dos cuidados de saúde básicos, assegurando também o pagamento da renda aos senhorios, o pagamento das despesas de água, luz e gás, assim como da alimentação do agregado.
8. Em data não concretamente apurada, a mãe ficou doente e deixou de poder cuidar do filho, tendo voltado para a fracção onde vivia no 4.º andar. Não obstante, o Réu permaneceu na fracção referida em 1) a cuidar do irmão.
9. O Réu continuou a pagar o montante equivalente à renda do imóvel até Novembro de 2022, data em que as senhorias a passaram a recusar.
10. As Autoras, representadas por advogada, remeteram ao Réu uma carta, recebida a 16/11/2022, com o assunto Cave C do imóvel sito na Rua X na qual declaram, além do mais, o seguinte: “(…) Como é do seu conhecimento, a fração acima identificada foi dada de arrendamento ao Sr. AC, que aí residiu  durante uns anos. Em virtude do falecimento do arrendatário, o contrato de arrendamento caducou, nos termos do artigo 1051.º, alínea d) do Código Civil, pelo que se impõe a restituição do locado às senhorias. Porém, constatou-se que V. Ex.a se encontra a ocupar a fração, desta forma interferindo e inviabilizando o exercício pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição reconhecidos às proprietárias do imóvel, por força do artigo 1305.º do Código Civil. Como é do seu conhecimento, não possui título que legitime a sua permanência no locado, nem há qualquer outra circunstância que lhe confira o direito de uso do mesmo, pelo que deverá, com a maior brevidade possível, entregar o locado às proprietárias, livre de pessoas e bens. (…”).
11. A renda de mercado para a fracção referida em 1) é de 250 euros mensais.
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O Tribunal considerou Não Provados os seguintes factos com relevância para a decisão proferida:
a) Quando passou a residir com o irmão, o Réu acordou com os senhorios que tomaria a posição de arrendatário juntamente com aquele;
b) O Réu suportava sozinho as despesas de cuidar o irmão;
c) Era o Réu quem reparava e zelava pela manutenção da fracção referida em 1);
d) Os senhorios entregavam ao Réu as actualizações de renda e tratavam com este todos os assuntos que diziam respeito à fracção;
e) Aquando da comunicação do óbito do irmão, em 29 de Abril de 2022, feita a JA, pai das senhorias, este não questionou a permanência do Réu no imóvel, tendo-lhe apenas solicitado a entrega do IRS e do recibo de vencimento deste para efeitos de actualização da renda;
f) Nessa data, o Réu solicitou a JA uma vistoria ao imóvel a fim de apurar a necessidade de efectuar algumas obras, tendo-se este deslocado ao locado para o efeito;
g) JA solicitou ao Réu que continuasse a pagar as rendas como fazia até então;
h) O senhorio ficou de avaliar os custos e informar o Réu da realização das mesmas.
i) A renda de mercado para a fracção referida em 1) é de 550 euros mensais .
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Apreciação da Matéria de Facto
O artigo 607.º, n.º 5, do Código de Processo Civil dispõe que o Tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em conformidade com a convicção que haja firmado acerca de cada facto controvertido, salvo se a lei exigir para a existência ou prova do facto jurídico qualquer formalidade especial, caso em que esta não pode ser dispensada.
Neste momento processual releva ainda o artigo 662.º do Código de Processo Civil, que começa por afirmar que a “Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”[6].
Como, aliás, assinala o Conselheiro Tomé Soares Gomes no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07 de Setembro de 2017 (Processo n.º 959/09.2TVLSB.L1.S1) é “hoje jurisprudência corrente, mormente do STJ, que a reapreciação, por parte do tribunal da 2.ª instância, da decisão de facto impugnada não se deve limitar à verificação da existência de erro notório, mas implica uma reapreciação do julgado sobre os pontos impugnados, em termos de formação, pelo tribunal de recurso, da sua própria convicção, em resultado do exame das provas produzidas e das que lhe for lícito ainda renovar ou produzir, para só, em face dessa convicção, decidir sobre a verificação ou não do erro invocado, mantendo ou alterando os juízos probatórios em causa”.

Quando uma parte em sede de recurso pretenda impugnar a matéria de facto[7], nos termos do artigo 640.º, n.º 1, impõe-se-lhe o ónus de:
1) indicar (motivando) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (sintetizando ainda nas conclusões) – alínea a);
2) especificar os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada (indicando as concretas passagens relevantes – n.º 2, alíneas a) e b)), que impunham decisão diversa quanto a cada um daqueles factos, propondo a decisão alternativa quanto a cada um deles – n.º 1, alíneas b) e c).

Está aqui em causa, como sublinha com pertinência Abrantes Geraldes, o “princípio da autorresponsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo”[8], sempre temperado pela necessária proporcionalidade e razoabilidade[9], sendo que, basicamente, o essencial que tem de estar reunido é “a definição do objecto da impugnação (que se satisfaz seguramente com a clara enunciação dos pontos de facto em causa), com a seriedade da impugnação (sustentada em meios de prova indicados e explicitados e com a assunção clara do resultado pretendido)”[10].
Como pano de fundo da apreciação a fazer dos factos que estejam em causa, também a circunstância de não se proceder à reapreciação da matéria de facto quando os factos objecto de impugnação “não forem susceptíveis, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, de ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe ser inútil, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processuais (arts. 2º, nº 1, 137º e 138º, todos do C.P.C.)” (Acórdãos da Relação de Guimarães de 15 de Dezembro de 2016, Processo n.º 86/14.0T8AMR.G1-Maria João Matos[11] e da Relação de Lisboa de 26 de Setembro de 2019, Processo n.º 144/15.4T8MTJ.L1-2-Carlos Castelo Branco).

Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Fevereiro de 2015 (Processo n.º 299/05.6TBMGD.P2.S1-Tomé Gomes) “a exigência da especificação dos concretos pontos de facto que se pretendem questionar com as conclusões sobre a decisão a proferir nesse domínio tem por função delimitar o objecto do recurso sobre a impugnação da decisão de facto. Por sua vez, a especificação dos concretos meios probatórios convocados, bem como a indicação exacta das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, além de constituírem uma condição essencial para o exercício esclarecido do contraditório, serve sobretudo de parâmetro da amplitude com que o tribunal de recurso deve reapreciar a prova, sem prejuízo do seu poder inquisitório sobre toda a prova produzida que se afigure relevante para tal reapreciação, como decorre hoje, claramente, do preceituado no n.º 1 do artigo 662.º do CPC. É, pois, em vista dessa função, no tocante à decisão de facto, que a lei comina a inobservância daqueles requisitos de impugnação com a sanção da rejeição imediata do recurso, ou seja, sem possibilidade de suprimento, na parte afectada, nos termos do artigo 640.º, n.º 1, proémio, e n.º 2, alínea a), do CPC. Não sofre, pois, qualquer dúvida que a falta de especificação dos requisitos enunciados no n.º 1 do referido artigo 640.º implica a imediata rejeição do recurso na parte infirmada”.
Na mesma linha, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Outubro de 2015 (Processo n.º 233/09.4TBVNG.G1.S1-Lopes do Rego), escreve-se que “é possível distinguir um ónus primário ou fundamental de delimitação do objecto e de fundamentação concludente da impugnação; e um ónus secundário – tendente, não tanto a fundamentar e delimitar o recurso, mas a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado aos meios de prova gravados relevantes para a apreciação da impugnação deduzida – que tem oscilado, no seu conteúdo prático, ao longo dos anos e das várias reformas – indo desde a transcrição obrigatória dos depoimentos até uma mera indicação e localização das passagens da gravação relevantes.
Ora, se é certo que – relativamente ao cumprimento de tais ónus, primário e secundário – não se permite a formulação de um sistemático convite ao aperfeiçoamento de eventuais deficiências, não poderá deixar de ser avaliada diferentemente a falha da parte consoante ocorra num ou noutro âmbito: como é óbvio, a ausência de objecto delimitado e de fundamentação minimamente concludente da impugnação deduzida deverá ditar, de forma inevitável e em termos proporcionais, a liminar rejeição do recurso quanto à matéria de facto.
Pelo contrário, o incumprimento do referido ónus secundário, tendente apenas a facilitar a localização dos depoimentos relevantes no suporte técnico que contém a gravação da audiência, deverá ser avaliado com muito maior cautela […].
Para além disto, importa realçar a distinção que se impõe efectuar entre aquilo que constitui requisito formal do ónus de impugnação da decisão de facto, cuja inobservância impede que se entre no conhecimento do objecto do recurso e o que se encontra já abrangido pelo âmbito da reapreciação da decisão de facto, devidamente impugnada, mediante a reavaliação da prova convocada e tida por relevante”.

Neste contexto, verificadas as Alegações e Conclusões do Recorrente e cumpridos que se mostram os requisitos formais da impugnação, vejamos uma a uma as pretensões do Recorrente.
Assim e começando pela putativa necessidade de alterar a redacção do Facto 9 (“O Réu continuou a pagar o montante equivalente à renda do imóvel até Novembro de 2022, data em que as senhorias a passaram a recusar”), para “O Réu continuou a pagar o montante equivalente à renda do imóvel, pelo menos, até Maio de 2023, sendo que a partir de dezembro de 2022, uma vez que a Sra. MNM não recebia as rendas, efetuou o pagamento através de transferência bancária para a conta da Autora MA”.
Entende o Recorrente que tal resulta dos documentos 1 a 6 juntos com a Petição Inicial (comprovativos de transferências respeitantes aos meses de Dezembro de 2022 a Maio de 2023), sendo certo que não “resulta da prova produzida” que “as senhorias tivessem recusado o pagamento da renda, desde Novembro de 2022”, mas apenas que “foram dadas instruções a MNM para parar de receber o montante correspondente às rendas pagas pelo Réu e não para o Réu deixar de pagar as rendas”.
Sobre a matéria, as Autoras vieram referir que “ficou demonstrado que as Autoras recusaram expressamente o pagamento dos montantes que o Réu insistia em entregar após a morte do locatário e que aquele decidiu, sem para tal estar autorizado ou lhe terem sido facultados os números de identificação bancária, proceder a transferências para a conta de uma das Autoras”, acrescendo que a prova invocada aponta no sentido da “posição das Autoras de não aceitação do pagamento das quantias mensais e que o Réu fazia o depósito na mesma, à revelia daquelas”.
Por seu turno, especificamente sobre o Facto 9, o Tribunal a quo escreveu o seguinte na Motivação da factualidade apurada:
“Sobre o facto provado 9), o tribunal teve em consideração a data do óbito de AC (abril de 2022) e a data da carta de interpelação dos senhorios (16 de novembro de 2022). JA referiu que foi contatado telefonicamente pelo réu, que o informou do óbito do irmão e verbalizando a intenção de fazer obras. O réu situa este contato três dias após o óbito do irmão e que manifestou a intenção de que o contrato passasse para si. Existem contradições no teor da conversa que o pai das autoras e o réu tiveram um com o outro. Não obstante, o primeiro admite que, embora tendo dito ao réu que as filhas pretendiam a entrega do locado, as mesmas aceitaram conceder um tempo ao réu para sair. O tempo parece ter esgotado com a carta de novembro de 2022 e as instruções dadas a MNM para parar de receber o montante correspondente às rendas, o que a testemunha confirmou”.

Não assiste razão ao Recorrente.
De facto, o relevante para a decisão dos presentes autos é que as Autoras tenham passado a recusar as rendas a partir de Novembro de 2022 e sobre isso não há quaisquer dúvidas.
Os documentos a que o Recorrente faz referência em nada alteram esta matéria, pois que correspondem a transferências feitas de forma unilateral para a conta de uma das Autoras, a partir – precisamente – do momento da recusa de recebimento das rendas (sendo certo que, para tirar efeitos jurídicos da posição que assume, o Réu sempre poderia ter feito um depósito nos termos previstos nos artigos 17.º a 23.º do NRAU). Por outro lado, os documentos a que se refere só comprovam as transferências em causa e não o resto do pretendido acrescentar (que sempre necessitaria de outro tipo de impugnação motivada - desmontando a construção da fundamentação produzida - com indicação dos elementos de prova constantes dos autos em que se baseasse e de uma análise crítica sustentada que permitisse concluir pela existência de um erro de apreciação da prova[12], desde logo porque sempre haveria de resultar claro o porquê do entendimento de que tais meios de impunham decisão diferente da adoptada - alínea b) do n.º 1 do artigo 640.º).
As transferências em causa são absolutamente irrelevantes para decisão dos autos perante a prova inequívoca da recusa das senhorias em receber a renda a partir de Novembro de 2022, sendo certo que a alteração pretendida, para além de uma redacção confusa e conclusiva, seria inútil e irrelevante (porque nada traria de relevante ao processo pois vir dizer que foram feitas tais transferências, não alteraria nem a existência da recusa por parte das senhorias, nem a sua arbitrariedade, nada alterando a sua situação jurídica).

Por isso, convocando os princípios da utilidade, da economia e da celeridade processuais, tudo nos leva a descartar a reapreciação de factos que sejam insusceptíveis de assumir relevância jurídica, em face do Direito aplicável (ou passível de ser aplicado).
Fazê-lo seria levar a cabo uma actividade processual à partida irrelevante, inconsequente e inútil[13].
Trata-se da aplicação directa do princípio da limitação dos actos, que ressalta do artigo 130.º do Código de Processo Civil[14].
É isto que temos tido oportunidade de referir em vários Acórdãos (por exemplo, de 04 de Julho de 2023 - Processo n.º 20210/20.3T8LSB.L1-7 e de 19 de Março de 2024 - Processo n.º 27889/21.7T8LSB.L1-7), no sentido de sublinhar que convém ter presente que, respeitando tal princípio, o direito à impugnação da decisão sobre a matéria de facto assume um carácter instrumental face à decisão de mérito do pleito, pelo que (Acórdão de 20 de Junho de 2023, desta mesma Secção – Processo n.º 11680/21.3T8LSB.L1), para “não praticar actos inúteis e inconsequentes, por força dos princípios da utilidade, economia e celeridade processual, o Tribunal ad quem não deve reapreciar a matéria de facto quando a factualidade objeto da impugnação for insusceptível de, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, ter relevância jurídica”[15].
É isto também que escreve Carlota Spínola, quando conclui que o Tribunal da Relação “está eximido do exercício do dever de modificabilidade da decisão de facto nas situações de irrelevância processual que ficam, por conseguinte, excluídas do campo de aplicação do art. 662.º. Esta constatação lapalissiana baseia-se no princípio da limitação dos atos expressamente previsto no art. 130.º, enquanto manifestação do princípio da celeridade e da economia processual, acolhidos nos arts. 2.º/1 e 6.º/1.
Como é aludido nos acs. do TR de Guimarães (TRG) de 20/10/2016 (proc. n.º 2967/2012, ID 369508) e de 26/11/2018 (proc. n.º 272/2017, ID 400002), a Relação não deve reapreciar a matéria factual quando os concretos factos objecto da impugnação forem insuscetíveis, “face às circunstância(s) próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito”, de ter “relevância jurídica”, sob pena de executar uma atividade processual que já previamente sabia ser “inútil” ou “inconsequente”. Por outras palavras, o exercício dos poderes-deveres de investigação pela Relação só é admissível se recair sobre factos com interesse para o recurso, i. e., factos que a serem demonstrados, modificados ou dados como provados alteram a solução ou o enquadramento jurídico do objeto recursório”[16].
Ora, o que sucede quanto a esta pretensão do Réu-Recorrente é que, considerando o objecto do processo, considerando o pedido e a causa de pedir formulados, o facto que se pretende alterar está bem decidido (para a utilidade que dele se pode retirar), pelo que, a pretensão impugnatória nada traria de relevante ao processo e não seria susceptível de alterar o rumo da acção, do que decorre o seu indeferimento.
**
II – Quanto à necessidade de aditar à factualidade provada um Facto (12), referindo que “O Réu comunicou aos senhorios o óbito do irmão, arrendatário, no dia 29 de abril de 2022”:
O Recorrente entende que se trata de facto relevante, que não é referido nos factos provados e que foi aceite pelas partes “nos Temas de Prova, alínea i , “Se, aquando da comunicação do óbito do irmão, em 29 de abril de 2022, feita ao Senhor JA, filho dos senhorios, este não questionou a permanência do Reu no imóvel, tendo-lhe apenas solicitado a entrega do IRS e do recibo de vencimento deste para efeitos de atualização da renda”.
Sobre a matéria, vieram as Recorridas referir que  matéria em causa foi julgada não provada na alínea e) dos Factos não provados, sendo certo que se reporta a uma comunicação feita ao pai das Autoras e não a estas, e que, não tendo suporte na prova produzida, corresponde também a matéria inútil, pois a data da comunicação do óbito nunca foi um facto controvertido (relevando apenas que as Autoras, assim que tiveram conhecimento da intenção do Réu permanecer no seu imóvel,  ela se oporem, não lhe reconhecendo direito à transmissão do arrendamento).

Esta pretensão do Recorrente está eivada de equívocos.
De facto, por um lado, o Recorrente parece não atentar em que na Audiência Prévia realizada a 27 de Junho de 2024, não se acordou em que se considerassem provados ou assentes  quaisquer factos, tendo-se – simplesmente – seleccionado os “Temas da Prova” (acima transcritos). Ora estes representam apenas a delimitação do âmbito da matéria sobre a qual importará fazer prova e não os factos que se consideram provados[17]
Por outro lado, faz por esquecer que do Facto não provado e) consta que “Aquando da comunicação do óbito do irmão, em 29 de Abril de 2022, feita a JA, pai das senhorias, este não questionou a permanência do Réu no imóvel, tendo-lhe apenas solicitado a entrega do IRS e do recibo de vencimento deste para efeitos de actualização da renda”. E que não fez qualquer esforço impugnatório para contrariar este entendimento, sendo certo que, sobre ele, o Tribunal a quo havia escrito o seguinte:
“Os factos não provados e) a h) dizem respeito ao teor da interação direta entre o réu e o pai das autoras, que atuava em seu nome. Não há dúvida que a interação ocorreu quer telefonicamente, quer pessoalmente, o que ambos confirmam, ainda que não coincidindo na data. Admite-se que, no encontro, o réu tivesse a expetativa de continuar o arrendamento. Relativamente ao teor da conversa, existem divergências significativas nas declarações de ambos, designadamente quanto à eventual declaração imediata do pai das autoras de rejeição da proposta e de vontade de entrega do lacado, ou da versão do réu de lhe terem sido pedidos elementos com vista essa concretização.
O tribunal não dá credibilidade à versão dada pela testemunha C de que assistiu à conversa do réu com o senhorio, que acabou por negar esse facto. Não existem outros elementos concludentes que permitam reconstituir as conversas e reconstituir o que ali foi dito.
Não obstante, nas declarações de parte, o réu admite que o pai das senhorias nunca lhe disse que poderia ficar como inquilino nem lhe transmitiu uma vontade inequívoca das senhorias nesse sentido. O disse-lhe que iria falar com o advogado sobre as questões, admitindo que isso o deixou logo preocupado, tendo sido interpelado para entregar o locado.
A análise dos elementos probatórios leva à conclusão de que, não obstante terem ou não sido pedidos elementos pessoais do réu e do estado do locado e não obstante as expetativas que o réu tinha, não chegou a haver qualquer compromisso das autoras ou do gestor dos seus interesses para que fosse celebrado qualquer acordo ou o reconhecimento da posição de inquilino por parte do réu.
Houve oposição do senhorio ao gozo do prédio pelo réu no prazo de 1 ano após o óbito do inquilino – artigo 1056.º do Código Civil.
Deste modo, o tribunal dá os factos alegados pelo réu como não provados”.

E esta fundamentação é clara, objectiva e assente numa análise crítica exemplar na apreciação da prova que deve ser feita num Tribunal.
Ora, mesmo que se pretendesse considerar que a pretensão de acrescentar o facto em causa aos Factos Assentes, como uma impugnação do Facto não provado e), faltaria sempre saber o porquê… uma vez que o Recorrente não faz nenhuma tentativa de fundamentar a sua pretensão na prova efectivamente produzida nos autos, sendo certo que lhe cabia convencer o Tribunal de recurso da sua putativa razão e inexiste qualquer segurança na conclusão pela existência de um qualquer erro de apreciação da prova (existindo, pelo contrário, uma total concordância com a apreciação feita pelo Tribunal a quo, de forma alguma se podendo concluir que se impunha decisão diferente da adoptada na Sentença recorrida[18] - alínea b) do n.º 1 do artigo 640.º).

Deste modo se conclui - sem esforço - que nada há a acrescentar à factualidade apurada, nem a alterar à não provada.
*º*

Fundamentação de Direito
A Sentença sob recurso, que se apresenta particularmente bem estruturada, assenta no seguinte processo argumentativo:
A. Do direito real de propriedade
B. Do contrato de locação (arrendamento)
C. Da alteração do contrato de arrendamento
D. Da caducidade do contrato de arrendamento
E. Do abuso de direito
F. Da ocupação da fracção pelo réu – direito de indemnização
A. Do direito real de propriedade
A - O direito de propriedade constitui o direito real máximo, mediante o qual é assegurada a certa pessoa, com exclusividade, a generalidade dos poderes de aproveitamento global das utilidades de uma coisa. Efetivamente, o proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas (artigo 1305.º do Código Civil).
B – As Autoras gozam da presunção de titularidade do direito de propriedade decorrente do registo e, como tal,  têm o direito de usar  facticamente a coisa para satisfazer as suas necessidades, e dela retirar as utilidades que desprendam, bem como transformá-la ou aliená-la.
C - O artigo 1306.º do Código Civil estipula que o próprio proprietário pode limitar ou restringir o seu direito, constituindo direitos reais menores [como o direito de  usufruto (artigo 1439.º do Código Civil), de uso e habitação (artigo 1484.º do Código Civil), de superfície (artigo 1524.º) ou por servidões prediais (artigo 1543.º do Código Civil)] ou por direitos pessoais de gozo, através de negócios jurídicos.
D - Para defesa do seu direito, o artigo 1311.º do Código Civil reconhece ao proprietário o direito de exigir judicialmente de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence. Mas, se outra pessoa for titular de um direito real ou pessoal de gozo sobre o bem, não pode o proprietário exigir deste a sua entrega, por o seu direito estar restringido.
B. Do contrato de locação (arrendamento)
E - No caso sub iudice, provou-se que, em 1973, A e MC (proprietários) e AC (inquilino), declararam ajustar o arrendamento, para habitação deste último, da fracção autónoma identificada pela letra “C” denominada Cave C, - habitação com estendal no logradouro da cave, do prédio urbano constituído em propriedade horizontal sito na Rua X, descrita na Conservatória do Registo Predial da --- sob o n.º -----, tendo como contrapartida o pagamento de um montante pecuniário mensal.
F - Este acordo de vontades é de qualificar como um contrato de locação (arrendamento para fins habitacioanais) à luz do artigo 1022.º do Código Civil (Locação é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição), estando presentes os seus três elementos constitutivos: proporcionar o gozo de uma coisa; de forma temporária; a troco de retribuição.
G – O contrato é formalmente válido, vigorando o principio da consensualidade (artigos 219.º e 1029.º do Código Civil), sendo certo que  ausência de recibos, nos termos do artigo 1088.º do mesmo Código sempre seria substituível por confissão (artigo 364.º, n.º 2).
C. Da alteração do contrato de arrendamento
H - O Réu alegou que, quando passou a residir com o irmão, AC (primitivo arrendatário), acordou com os senhorios que tomaria a posição de arrendatário juntamente com aquele.
I - O artigo 406.º do Código Civil estabelece que o contrato deve ser pontualmente cumprido, e que apenas se pode modificar ou extinguir por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos por lei.
J – Não se provou que os senhorios e o inquilino A tenham feito qualquer acordo no sentido de extinguir ou modificar o contrato de arrendamento celebrado no ano de 1973.
K – Não se provou que o Réu tenha celebrado com os senhorios qualquer acordo no sentido de lhe ser facultado o gozo da fracção autónoma do imóvel objecto dos autos.
L – O contrato manteve-se sem qualquer alteração até à morte do inquilino.
M - Coloca-se a questão de o Réu e familiares pagarem a renda aos senhorios, cumprindo a prestação que cabia ao inquilino, que estava impossibilitado de o fazer, sendo que, os factos provados fazem acreditar que o pagamento da renda era feito no nome e no interesse do inquilino AC (como também decorre do artigo 767.º do Código Civil, onde se estabelece que a prestação pode ser feita por devedor como por terceiro, interessado ou não no cumprimento da obrigação, desde que tenha havido acordo expresso em contrário ou quando a substituição prejudique o credor, o que não é o caso).
N - Ou seja, um familiar cumpriu uma obrigação do inquilino, que o senhorio não podia recusar.
D. Da caducidade do contrato de arrendamento
O – Com o falecimento do inquilino a 26 de Abril de 2022 fica em questão a caducidade ou a transmissão do contrato de arrendamento.
P -  A matéria implica o recurso à lei em vigor à data do facto que a lei se destina a regular (o óbito do inquilino).
Q - A 28 de Junho de 2006, entrou em vigor a Nova Lei do Arrendamento Urbano (Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, designada por NLAU), que aprovou o Novo Regime do Arrendamento Urbano (designada por NRAU) e introduziu modificações em outros diplomas, nomeadamente o Código Civil, que recebeu o núcleo do Regime do Arrendamento Urbano, ali revogado (artigo 60.º NLAU).
R - Nos termos do artigo 59.º da NLAU e 12.º do Código Civil, aquela lei aplica-se imediatamente a todos os contratos, nomeadamente às relações contratuais constituídas que subsistam nessa data, abstraindo dos factos que lhes deram origem sem prejuízo do previsto nas normas transitórias.
S - O artigo 1051.º, alínea d), do Código Civil dispõe que “O contrato de locação caduca: (…) d) Por morte do locatário ou, tratando-se de pessoa colectiva, pela extinção desta, salvo convenção escrita em contrário”.
T - Apesar desta regra geral, nos contratos de arrendamento para habitação, a nova lei, na redacção dada pela Lei n.º 13/2019, de 12 de Fevereiro, admitiu a transmissão por morte do arrendamento (artigo 1106.º e seguintes do Código Civil), nos seguintes termos:
1 - O arrendamento para habitação não caduca por morte do arrendatário quando lhe sobreviva:
a) Cônjuge com residência no locado;
b) Pessoa que com ele vivesse em união de facto há mais de um ano;
c) Pessoa que com ele vivesse em economia comum há mais de um ano.
2 – (Revogado.)
3 - Havendo várias pessoas com direito à transmissão, a posição do arrendatário transmite-se, em igualdade de circunstâncias, sucessivamente para o cônjuge sobrevivo ou pessoa que com o falecido vivesse em união de facto, para o parente ou afim mais próximo ou, de entre estes, para o mais velho ou para a mais velha de entre as restantes pessoas que com ele residissem em economia comum.
4 - O direito à transmissão previsto nos números anteriores não se verifica se, à data da morte do arrendatário, o titular desse direito tiver outra casa, própria ou arrendada, na área dos concelhos de Lisboa ou do Porto e seus limítrofes ou no respetivo concelho quanto ao resto do País.
5 - A morte do arrendatário nos seis meses anteriores à data da cessação do contrato dá ao transmissário o direito de permanecer no local por período não inferior a seis meses a contar do decesso”.
U - Contudo, o legislador veio criar normas transitórias para os Contratos habitacionais celebrados antes da vigência do RAU e contratos não habitacionais celebrados antes do Decreto-Lei n.º 257/95, de 30 de Setembro, dedicando-lhe os artigos 27.º e seguintes do NRAU.
V - Por remissão dos artigos 28.º, n.º 1 e 26.º, n.º 2, do NRAU, os artigos 57.º e 58.º  regem as regras relativas à transmissão do contrato.
W - A situação dos autos, em que o contrato de arrendamento foi celebrado em 1973, muito antes da entrada em vigor do RAU (1990), fica subsumida às normas transitórias dos artigos 57.º e seguintes do NRAU.
X - À data do óbito do arrendatário AC (26 de Abril de 2022) estava em vigor, o artigo 57.º do NRAU na versão dada pela Lei n.º 13/2019, de 12 de Fevereiro:
1 - O arrendamento para habitação não caduca por morte do primitivo arrendatário quando lhe sobreviva:
a) Cônjuge com residência no locado;
b) Pessoa que com ele vivesse em união de facto há mais de dois anos, com residência no locado há mais de um ano;
c) Ascendente em 1.º grau que com ele convivesse há mais de um ano;
d) Filho ou enteado com menos de 1 ano de idade ou que com ele convivesse há mais de um ano e seja menor de idade ou, tendo idade inferior a 26 anos, frequente o 11.º ou 12.º ano de escolaridade ou  estabelecimento de ensino médio ou superior;
e) Filho ou enteado, que com ele convivesse há mais de um ano, portador de deficiência com grau comprovado de incapacidade superior a 60 %.
f) Filho ou enteado que com ele convivesse há mais de cinco anos, com idade igual ou superior a 65 anos, desde que o RABC do agregado seja inferior a 5 RMNA.
2 - Nos casos do número anterior, a posição do arrendatário transmite-se, pela ordem das respectivas alíneas, às pessoas nele referidas, preferindo, em igualdade de condições, sucessivamente, o ascendente, filho ou enteado mais velho.
3 - O direito à transmissão previsto nos números anteriores não se verifica se, à data da morte do arrendatário, o titular desse direito tiver outra casa, própria ou arrendada, na área dos concelhos de Lisboa ou do Porto e seus limítrofes ou no respetivo concelho quanto ao resto do País.
4 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, quando ao arrendatário sobreviva mais de um ascendente, há transmissão por morte entre eles.
5 - Quando a posição do arrendatário se transmita para ascendente com idade inferior a 65 anos à data da morte do arrendatário, o contrato fica submetido ao NRAU, aplicando-se, na falta de acordo entre as partes, o disposto para os contratos com prazo certo, pelo período de 2 anos.
6 - Salvo no caso previsto na alínea e) do n.º 1, quando a posição do arrendatário se transmita para filho ou enteado nos termos da alínea d) do mesmo número, o contrato fica submetido ao NRAU na data em que aquele adquirir a maioridade ou, caso frequente o 11.º ou o 12.º ano de escolaridade ou de cursos de ensino pós-secundário não superior ou de ensino superior, na data em que perfizer 26 anos, aplicando-se, na falta de acordo entre as partes, o disposto para os contratos com prazo certo, pelo período de 2 anos.

Y - Resultou provado que o Réu é irmão do locatário e que passou a viver no locado desde data posterior a 2006 / 2007, quando este foi acometido de AVC e ficou diminuído nas suas capacidades físicas e psicológicas.
Z - Desde então e até ao óbito do inquilino, o Réu passou a cuidar do irmão, a princípio com a mãe, e após doença desta, sozinho.
AA - Concatenando o caso concreto com as situações previstas no artigo 57.º do NRAU, conclui-se que nenhuma delas é aplicável ao caso do Réu (não é nem cônjuge, nem ascendente, filho ou enteado - alíneas a), c), d) a f))
AB – Mesmo admitindo que Réu e irmão vivessem em economia comum na acepção do artigo 2.º do DL n.º 6/2001, de 11 de Maio, o certo é que a alínea b) do artigo 57.º do NRAU apenas protege pessoa que vivia com o locatário em união de facto, figura jurídica criada pela Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio, dirigida a quem vive em condições análogas às dos cônjuges, o que não é o caso, uma vez que não foi alegada essa condição, que estava vedada aos irmãos (artigo 2.º, alínea d), da Lei n.º 7/2001).
AC - O óbito de AC, no dia 26 de Abril de 2022, teve como consequência a caducidade do contrato, não se transmitindo para o réu, sendo esse facto causa legal de extinção imediata do contrato de arrendamento.
AD - A cessação do contrato torna imediatamente exigível a desocupação do local e a sua entrega – artigo 1081.º do Código Civil – o que faz com que seja procedente o pedido de condenação do Réu na entrega do locado às Autoras, por serem as Proprietárias-senhorias (artigo 1305.º do Código Civil), estando implícito o pedido de reconhecimento da extinção do contrato de arrendamento por caducidade.
E. Do abuso de direito
AE - O réu alega na sua contestação factos relativos à conduta dos senhorios após conhecimento da morte do inquilino, seu irmão, que implicam a análise do regime do abuso de direito (artigo 334.º do Código Civil).
AF - No contacto social envolvido no exercício de direitos subjectivos, o titular do direito deve agir com boa-fé, o que está previsto no artigo 762.º, n.º 2 do Código Civil, o que tem tradução nas referências éticas do honeste agere (o direito deve ser exercido honestamente como deveria ser exercido por uma pessoa de bem) e alterum non laedere (o direito deve ser exercido de modo não danoso para terceiros ou de modo menos danoso possível) e da proscrição do venire contra factum proprium (o direito deve ser exercido sem frustrar expectativas criadas pelo seu titular) - assim, Pedro Pais de Vasconcelos, in Teoria Geral do Direito Civil, Almedina, 8.ª edição, página 241;
AG - A contrariedade aos bons costumes implica uma referência para critérios éticos supra-legais, para coordenadas éticas regentes na sociedade e na Ordem Social, uma referência que é extra-sistemática através da qual o Direito procura encontrar, fora dos seus quadros reguladores formais, critérios de decisão e de valor que o transcendem e que, nessa medida, o dominam – ob. cit. página 243.
AH - Por fim, entende-se que o direito subjectivo é, por vezes, funcionalmente dirigido à realização de fins do seu titular além dos fins pessoais do seu titular, pelo que o exercício do direito é abusivo quando seja contrário a uma função económica e social objectiva.
AI - Transpondo este instituto para o caso concreto, não se vislumbra qualquer  comportamento dos senhorios ou do seu representante, seu pai, que assinale o exercício abusivo de qualquer direito, designadamente o direito de reivindicar um imóvel que lhes pertence.
AJ - O representante das senhorias falou com o Réu e colocou a questão de se manter, por direito próprio, como inquilino e de serem feitas obras.
AK - Independentemente de não ter sido feita prova segura do teor das conversas, o próprio Réu aceita que não foi transmitida pelas senhorias a aceitação de qualquer acordo, tendo sido tolerada a sua permanência no locado até que lhe foram inequivocamente pedidas as chaves do locado.
AL - Tendo o Réu vivido licitamente com o seu irmão (o artigo 1093.º do Código Civil permite-o), não há expectativa que, após o óbito do inquilino, aquele que ali viva venha a beneficiar da mesma posição contratual do locatário, uma vez que não é uma posição tutelada por lei ou por contrato.
AM - Não vislumbra o tribunal qualquer situação de abuso de direito.
F. Da ocupação da fracção pelo réu – direito de indemnização
AN - Resulta dos autos que o Réu passou a ocupar a fracção desde a data de cessação – por caducidade – do contrato de arrendamento a 26 de Abril de 2022.
AO – Essa ocupação do locado pelo Réu constitui uma violação ilícita e culposa do direito de propriedade das Autoras, uma vez que aquele não tem qualquer direito real ou pessoal de gozo sobre a fracção, não incidindo sobre as Autoras qualquer direito real ou obrigacional que limite ou restrinja o seu direito de propriedade e que possa impedir a sua pretensão de verem o imóvel desocupado, como exclusivas e plenas beneficiárias do seu gozo, fruição e disposição.
AP - O artigo 483.º do Código Civil estabelece que aquele “que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.
AQ - A ocupação da fracção pelo Réu constitui um comportamento ilícito, porque violador do direito de exclusivo concedido às Autoras pelo direito de propriedade, e é culposo, porquanto censurável, uma vez que podia e devia ter atuado de outra forma.
AR - Este comportamento provocou danos que consistem no facto de as Autoras estarem impedidas pela conduta ilícita do réu de usar e fruir do imóvel de que é sua propriedade.
AS - As Autoras podem pedir a indemnização de 550 euros mensais, que visa reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação – artigo 562.º do Código Civil – e que deve ponderar os prejuízos causados e os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão.
AT - Provando-se que o montante de 250 euros é o valor de mercado correspondente à locação de um imóvel com aquelas caraterísticas, consideramos que a condenação naquele montante repõe o prejuízo económico na esfera das Autoras.
AU - Deve assim o Réu ser condenado no pagamento da contrapartida pela utilização da fracção, no valor mensal de 250 euros até à sua entrega livre e devoluta.
AV - Contudo, o Réu não deve ser condenado no pagamento das rendas a contar da data do óbito do locatário, uma vez que as senhorias, tendo conhecimento desse óbito, toleraram que aquele (que esteve a cuidar do irmão), ali permanecesse naquele período, aceitando o pagamento do montante equivalente ao valor da renda, só tendo repudiado a sua presença em Novembro de 2022 (menos de 1 ano após a  caducidade do contrato), interpelando-o para entregar o locado.
AW - Face à tolerância inicialmente manifestada e com a aceitação do valor equivalente à renda, a mora na entrega da fracção só ocorre com a recusa em receber o valor equivalente e com o pedido expresso de entrega do imóvel, em Novembro, pelo que a indemnização de 250 euros mensais deve ser contabilizada a partir do mês de Dezembro de 2022.
AX - Tendo a acção sido interposta em Abril de 2023, está vencida a indemnização  correspondente a cinco meses de ocupação, o que perfaz 1.250 euros.
AY - Por cada mês de ocupação posterior a esta data, vence-se uma indemnização correspondente a 250 euros, até à data da efectiva entrega da fracção às Autoras.
nn
Raciocínio claro, escorreito, pragmático e sem “ruído”, estando juridicamente bem fundamentado.
Resta saber se também com razão:
- o Recorrente entende que não, considerando que:
- é errada a alusão à aplicação do artigo 1056.º do Código Civil (referindo que houve oposição do senhorio ao gozo do prédio no prazo de 1 ano apos o óbito do inquilino), uma vez que este normativo não tem aplicação aos casos de caducidade do arrendamento por morte do arrendatário, mas tão somente aos outros casos do artigo 1051º do mesmo Código, em que o inquilino se mantém na casa arrendada, mesmo depois da caducidade do arrendamento (pelo que, em caso de morte do arrendatário habitacional o contrato caduca mesmo que um terceiro entre no gozo da coisa, só funcionando o artigo 1056.º se for o próprio locatário se mantiver nesse gozo pelo lapso de um ano);
- entre 29/04/2022 e 16/11/2022, as senhorias nunca manifestaram qualquer oposição em relação à permanência do Réu no locado, aceitando, o pagamento das rendas que nunca restituíram;
- é abusiva a oposição pelas senhorias ao gozo do prédio por parte do Réu, após o terem permitido e aceite durante mais de 6 anos, até à morte do inquilino;
- o comportamento das Autoras não foi de tolerância mas de aceitação de contrato de arrendamento;
- o Tribunal desconsiderou completamente o previsto no artigo 1069.º do Código Civil, no que respeita à possibilidade de o arrendatário provar a existência do arrendamento por qualquer forma admitida em direito, demonstrando a utilização do locado pelo arrendatário sem oposição do senhorio e o pagamento mensal da respectiva renda por um período de seis meses;
- sabendo que residia no local, sabendo da morte do inquilino, nada fazendo e continuando a tratar este como um verdadeiro arrendatário,tem de se concluir pela existência de um contrato de arrendamento;
- o que é apelidado de tolerância por parte do Tribunal a quo deve ser considerado de presunção de contrato de arrendamento não reduzido a escrito.
- as Recorridas entendem que sim, que nada há a apontar à apreciação de Direito feita em 1.ª Instância:
- e que o Recorrente convoca questões e quadros normativos distintos dos que estão em discussão no processo, uma vez que foi invocado o seu direito à transmissão do arrendamento por morte do irmão (locatário), em momento o tendo sido o artigo 1069º, nº 2, do Código Civil;
- e que não tendo sido provado que tivesse sido celebrado qualquer acordo no sentido de modificar ou extinguir o contrato existente com o inquilino falecido, nem tampouco que o Réu tivesse celebrado qualquer acordo com os senhorios no sentido de lhe ser facultado o gozo do imóvel, impunha-se concluir que o contrato inicial se mantivera inalterado no que ao arrendatário respeitava;
- e que a matéria da caducidade do contrato de arrendamento e a da transmissão do arrendamento por morte do locatário, não oferece qualquer reparo .

Entrando a decidir.
Começa por se reforçar a excelente estruturação e fundamentação jurídica da Sentença proferida pelo Tribunal a quo, que nos dispensa, desde logo, de abordar as questões relativas ao direito real de propriedade das Recorridas (i)), ao contrato de locação (arrendamento) celebrado entre o locatário AC e os anteriores proprietários (ii)), à alteração do contrato de arrendamento (iii)), e à ocupação da fracção pelo Réu – indemnização (vi)).
Assim, é a propósito da caducidade do contrato de arrendamento (iv)) e do abuso do direito (v)), que vale a pena ainda tecer algumas considerações.

No que concerne à referência feita na Sentença ao artigo 1056.º do Código Civil (referindo que houve oposição do senhorio ao gozo do prédio no prazo de 1 ano apos o óbito do inquilino), vale a pena começar por sublinhar o essencial: o contrato de arrendamento celebrado com o primitivo arrendatário A caducou no dia da sua morte[19], nos precisos termos do artigo 1051.º, alínea d), do Código Civil, uma vez que inexistia qualquer uma das pessoas previstas no artigo 57.º do NRAU, para efeitos de transmissão.
Quanto a este ponto, não há que suscitar quaisquer dúvidas.

Verificando a argumentação constante da Sentença, temos também por certo que a referência ao artigo 1056.º é desnecessária e cria mesmo algum ruído (aproveitado pelo Réu nas suas Alegações), uma vez que este normativo - directamente - é inaplicável à situação dos autos (dado que só se reporta às situações em que é o próprio locatário a manter o gozo pelo menos um ano).
Como referem Laurinda Gemas-Albertina Pedroso-João Caldeira Jorge, a “renovação do contrato prevista no art.º 1056.º do CC não pode verificar-se em determinadas situações de caducidade. Assim, nos casos previstos nas alíneas c) e d) do art.º 1051, a renovação está, à partida, excluída, sem prejuízo da possibilidade de manutenção do contrato por ter havido transmissão da posição contratual”[20].
É o que também afirma Elsa Sequeira Santos, considerando ser “manifesto que algumas causas de caducidade não poderão permitir a aplicação do artigo(…), nomeadamente a caducidade determinada por morte do arrendatário (não podendo considerar-se renovado um contrato com quem dele não seja parte), ou pela perda da coisa”[21].
Na mesma linha, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Novembro de 2007 (Processo n.º 07A3060-Nuno Cameira) afirma, clarificando, que a “norma do artigo 1056º do Código Civil, relativa à renovação do arrendamento caducado, é inaplicável se a caducidade radicar na morte do arrendatário uma vez que nessa hipótese não é este último, mas um terceiro, quem se mantém no gozo da coisa.
Com clareza, explicava João de Matos, que “Aludindo ao locatário o artigo 1056.º claramente exige também que a renovação do contrato caduco só é possível quando a coisa locada se mantenha no gozo de quem tivera a anterior qualidade de locatário. Por isso, se, verificada a caducidade do arrendamento, a coisa anteriormente locada passar a ser gozada por quem não era locatário, mas sim por outra pessoa, a renovação não pode dar-se”[22].
Também o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de Junho de 2007 (Revista n.º 1838/07 -2.ª Secção-Oliveira Vasconcelos) conclui que o “disposto no art. 1056.º do CC (renovação do contrato) não se aplica aos casos em que a caducidade opera ope legis, como é o caso do n.º 2 do art. 824.º do CC” e, acrescentamos nós, a caducidade por morte do arrendatário[23] (já o Acórdão da Relação de Lisboa de 31 de Março de 1976 - BMJ n.º 257, página 187 - o afirmava: “A caducidade por «por si» e «imediatamente» a «extinção» do contrato de arrendamento. Assim, o contrato resolve-se ipso iure, sem necessidade de qualquer vontade «jurisdicional» ou «privada»”).

Ainda no Acórdão da Relação de Lisboa de 06 de Fevereiro de 2007 (Processo n.º 7797/2005-1 -Rui Vouga) afirma-se com clareza que o “disposto no artigo 1056º do Código Civil não tem aplicação aos casos de caducidade do arrendamento por morte do arrendatário, mas tão somente aos outros casos do artigo 1051º do mesmo Código, em que o inquilino se mantém na casa arrendada, mesmo depois da caducidade do arrendamento”, pelo que “em caso de morte do arrendatário habitacional, o facto de, falecido o arrendatário, um terceiro ter entrado no gozo da coisa não obsta pois à caducidade do contrato; para que se dê a renovação do contrato caducado, nos termos do cit. artigo 1056º, tem de ser o próprio locatário a manter-se nesse gozo pelo lapso de um ano”.
O Supremo Tribunal de Justiça, no já longínquo (mas actual e pertinente) Acórdão de 24 de Abril de 1945 (Boletim Oficial 4.º, n.º 28-136; Revista dos Tribunais, 63.º-259) decidiu também que a “caducidade do arrendamento por falecimento do inquilino, estabelecia na lei, é inoperante, se os factos mostram que por mútuo acordo, ainda que tácito , se quis manter o contrato, continuando como inquilinos as pessoas de família que no prédio viviam , embora aquele primitivo inquilino tivesse deixado de ter ali a sua residência permanente”[24].

Mas se constitui ruído como assinalámos, não deixa de se compreender o argumento que o Tribunal a quo deixa induzido: estando o contrato caducado (como é profusamente afirmado), não se chegou a formar nenhum novo com o ora Réu, apesar da tolerância (e a palavra é mesmo esta!) com que a sua presença foi inicialmente encarada, isto em face da inexistência de acordo nesse sentido e da recusa das rendas ao fim de pouco mais de seis meses (não atingindo sequer o ano referido no artigo…).

A tese defendida pelo Recorrente vai contra não só a factualidade apurada, como contra a “normalidade das coisas”.
De facto, o que se apurou foi que morreu o inquilino, as senhorias tomaram conhecimento e ao fim de seis meses passaram a recusar as rendas.

O Réu é irmão do falecido e o facto de à data do óbito residir com ele na casa arrendada, não o coloca dentro da previsão do artigo 57.º do NRAU, pelo que nada obstou à caducidade do arrendamento (o que apenas não sucederia se fosse cônjuge, ascendente, filho ou enteado daquele, acrescendo que a alínea b) deste normativo apenas protege a pessoa que vivia com o locatário em união de facto).

O ora Réu simplesmente não quer aceitar a realidade[25]. Nem a jurídica da caducidade do contrato, nem a factual que decorre do que se logrou provar (e neste ponto, claramente não provou a existência de qualquer novo contrato).

É certo é que desde a morte do arrendatário (a 26 de Abril de 2022 – Facto 8), as senhorias receberam o montante correspondente às rendas até Novembro de 2022, data em que o passaram a recusar (Facto 9), mas esta circunstância não permite as conclusões do Réu, revelando apenas uma legal (cfr. artigo 1053.º do Código Civil), aceitável e humanizada tolerância daquelas, que – razoavelmente – permitiram que a situação do Réu se mantivesse por esses pouco mais de seis meses.

Em situações semelhantes, aliás, é  assim que o Supremo Tribunal de Justiça tem decidido, como se pode constatar com o Acórdão de 31 de Outubro de 2006 (Processo n.º 06A2231-Paulo Sá), onde se escreveu que o “recebimento de “rendas” pela Autora, proprietária da fracção autónoma, após a caducidade do contrato de arrendamento, por morte do arrendatário, é compatível a com a intenção de obter, pelo menos, parcial pagamento pela ocupação abusiva que o Réu vem fazendo daquela fracção, não podendo inferir-se desse recebimento um comportamento de tolerância ou de aceitação do ocupante como arrendatário (e se acrescenta que o “recebimento de “rendas” pela Autora, proprietária da fracção autónoma, após a caducidade do contrato de arrendamento, por morte do arrendatário, é compatível a com a intenção de obter, pelo menos, parcial pagamento pela ocupação abusiva que o Réu vem fazendo daquela fracção, não podendo inferir-se desse recebimento um comportamento de tolerância ou de aceitação do ocupante como arrendatário”).
Este Acórdão parece ter sido feito decidindo uma situação idêntica à dos presentes autos, quando se afirma o seguinte:
“Não há qualquer dúvida de que o arrendamento inicial caducou por morte do arrendatário.
Também não há qualquer dúvida de que desde que os AA. tiveram conhecimento da morte do arrendatário vieram a exigir do R. a entrega do prédio que havia sido locado, ao que este sempre se opôs.
Também resultou provado que é o R. que ultimamente vem pagando as rendas.
Daqui não se pode inferir qualquer comportamento de tolerância ou de aceitação dos AA. para com o R. (…)
Temos, por um lado, elementos claros de que os AA. pretendem obter a restituição do prédio ocupado pelo R.
Por outro, temos que reconhecer (…) que os AA. sabem que é o R. que ocupa o prédio em questão, (…) quem paga as rendas, com as respectivas actualizações.(…)
Mesmo que não exista qualquer contrato, a ocupação de um prédio ou fracção, com oposição do proprietário, pode implicar a indemnização deste pela ocupação e pelos danos que o prédio ou fracção tenha sofrido.
No caso em apreço foi peticionada uma indemnização pela ocupação.
O recebimento das “rendas” é assim compatível com a intenção dos AA. de obter, pelo menos, parcial pagamento pela ocupação abusiva.
O artigo 1056.º do Código Civil não (…)  se aplica em relação ao arrendatário, qualidade que o R. não possui”.
Tivessem as senhorias continuado a receber as rendas por mais de um ano (por exemplo) sabendo do falecimento, tivessem emitido recibos noutro nome, tivessem tido um qualquer outro comportamento que demonstrasse que queriam que o ora Réu continuasse no imóvel em causa a pagar uma renda e a resposta até poderia ser distinta.
Só que não foi nada disso que se provou e as senhorias, ultrapassado o prazo que consideraram razoável[26] (e sem nunca terem alterado nos recibos o nome do falecido locatário), passaram a recusar as rendas. Situação linear e objectiva, que – de forma alguma permitiria ao ora Réu assentar uma qualquer ideia de que se teria para si transmitido o arrendamento ou que consigo se teria formado um novo arrendamento[27] (matéria que entronca com o artigo 1069.º, n.º 2, do Código Civil e que, de facto, não foi invocada na Contestação, mas que também nenhum facto permite ir buscar para sustentar a continuação da presença do Réu no locado).

Repare-se, o Réu não era arrendatário (como defendeu na Contestação), não tinha direito à transmissão do arrendamento (como também defendeu) e não se constituiu nenhum contrato de arrendamento posteriormente à morte do seu irmão (como parece defender nas Alegações, entroncando aqui com o artigo 1069.º, n.º 2, do Código Civil, que, de facto, corresponde a uma matéria não expressamente, nem tacitamente alegada na Contestação, mas que – em qualquer caso não teria apoio factual mínimo que permitisse o sei acolhimento).

O Réu cria mesmo uma realidade virtual, quer dando como assentes factos que não o estão, quer afirmando que as Autoras o tratavam como arrendatário “inclusive, dizendo que não iriam fazer obras a realização de obras no locado”, quer pretendendo que já antes do falecimento do locatário seu irmão era já ele arrendatário (como se as senhorias tivessem alguma coisa a ver com quem vivia o seu inquilino, ou como se se tivesse celebrado um qualquer novo contrato consigo, alterando ou extinguindo o existente).

Nada há, portanto, a apontar à bem elaborada Sentença prolatada pelo Tribunal a quo, a qual, assim, haverá de ser confirmada, improcedendo o recurso.
**
Nas palavras de Eric Voegelin as “sociedades dependem para a sua génese, a sua existência harmoniosa continuada e a sobrevivência, das acções dos seres humanos componentes. A natureza do homem e a liberdade da sua acção para o bem e para o mal, são factores essenciais na estrutura da sociedade"[28].
Recorrente e Recorridas escolheram o seu caminho de actuação.
Ao Tribunal resta, no "acto de julgar", não dar razão ao Recorrente considerando improcedente o seu recurso (tendo, na linha de Paul Ricoeur, como "horizonte um equilíbrio frágil entre os dois componentes da partilha" - "demasiado próximos no conflito e demasiado afastados um do outro na ignorância, no ódio, ou no desprezo" - mas impondo-se, "por um lado, pôr fim à incerteza, separar as partes; por outro, fazer reconhecer a cada um a parte que o outro ocupa na mesma sociedade, em virtude do que o ganhador e o perdedor do processo seriam reputados ter cada qual a justa parte no esquema de cooperação que é a sociedade"[29]).
*
DECISÃO
Com o poder fundado no artigo 202.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa, e nos termos do artigo 663.º do Código de Processo Civil, acorda-se, nesta 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, face à argumentação expendida e tendo em conta as disposições legais citadas, em julgar improcedente a Apelação e, consequentemente, confirmar a Sentença recorrida.
Custas a cargo do Recorrente (sem prejuízo do benefício de apoio judiciário que lhe foi concedido).
*
Notifique e, oportunamente, remeta à 1.ª Instância (artigo 669.º do Código de Processo Civil).
***
Lisboa, 17 de Junho de 2025
Edgar Taborda Lopes
Cristina Maximiano
Alexandra Castro Rocha[30]
_______________________________________________________
[1] Por opção do Relator, o Acórdão utilizará a grafia decorrente do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1945 (respeitando nas citações a grafia utilizada pelos/as citados/as).
A jurisprudência citada no presente Acórdão, salvo indicação expressa noutro sentido, está acessível em http://www.dgsi.pt/ e/ou em https://jurisprudencia.csm.org.pt/.
[2] Em sede de Audiência Prévia, a 27 de Junho de 2024, vieram, todavia, declarar aceitar que o contrato foi celebrado no ano de 1973.
[3]“Ação de Reivindicação
Caducidade do contrato de arrendamento por óbito do arrendatário;
Transmissão do contrato de arrendamento por morte.
Contrato de arredamento não escrito.
Abuso de direito”.
[4]“a) Se, em meados de 2006 o Réu passou a residir na fração autónoma designada pela letra C, correspondente à CV C, do imóvel sito na Rua X com o seu irmão AC, ali fazendo as suas refeições, a sua higiene pessoal, ali pernoitando, recebendo correspondência e amigos;
b) O que se deveu ao facto de o irmão ter sofrido um acidente vascular cerebral que o deixou acamado, sem falar, dependente de 3.ª pessoa para todos os atos da vida diária;
c) Se à data em que o Réu passou a residir com o seu irmão, este acordou com os senhorios que o Réu tomaria a posição de arrendatário juntamente consigo;
d) Se era o Réu quem cuidava do seu irmão, da sua higiene, da sua alimentação, quem lhe prestava cuidados de saúde, quem o transportava ao hospital, quem procedia ao pagamento da renda, das despesas de água, luz, gás, do imóvel locado, e da alimentação;
e) Se o réu suportava sozinho estas despesas por carência financeira do irmão, cuja pensão se destinava exclusivamente a medicamentos, fraldas e cuidados de saúde;
f) Se era o Réu quem reparava e zelava pela manutenção do imóvel;
g) Se estes factos eram conhecimento dos vizinhos e dos senhorios;
h) Se os senhorios entregavam ao réu as atualizações de renda e tratavam com este todos os assuntos que diziam respeito à fração;
i) Se, aquando da comunicação do óbito do irmão, em 29 de abril de 2022, feita ao senhor J, filho dos senhorios, este não questionou a permanência do Réu no imóvel, tendo-lhe apenas solicitado a entrega do IRS e do recibo de vencimento deste para efeitos de atualização da renda.
j) Se, nessa data, o Réu solicitou ao Sr. JA uma vistoria ao imóvel a fim de apurar a necessidade de efetuar algumas obras, tendo este se deslocado ao locado para o efeito;
k) Se o Sr. JA solicitou ao Réu que continuasse a pagar as rendas como fazia até então;
l) Se o senhorio ficou de avaliar os custos e informar o Réu da realização das mesmas;
m) Se o réu desconhecia que as autoras eram as proprietárias do imóvel locado, uma vez que sempre se relacionou com o Sr. JA, que era reputado pelos ocupantes do prédio como senhorio;
n) Se o réu continuou a pagar a renda do imóvel até novembro de 2022, data em que as senhorias passaram a recusar;
o) Se a renda de mercado para a fração referida em A) é de 550 euros mensais”.
[5] António Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 6.ª edição Atualizada, Almedina, 2020, página 183.
[6] “O atual art. 662º representa uma clara evolução no sentido que já antes se anunciava. Como se disse, através dos n.ºs 1 e 2, als. a) e b), fica claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia” - Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 6.ª edição Atualizada, Almedina, 2020, página 332.
[7] Por todos, vd. António Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 6.ª edição Atualizada, Almedina, 2020, páginas 193 a 210.
[8] António Abrantes Geraldes, Recursos…, cit., página 200.
[9] António Abrantes Geraldes, Recursos…, cit., páginas 201-205.
[10] António Abrantes Geraldes, Recursos…, cit., páginas 206-207.
[11] Que acrescenta, relevantemente, que “este instrumento processual tem por fim último possibilitar alterar a matéria de facto que o tribunal a quo considerou provada, para, face à nova realidade a que por esse caminho se chegou, se possa concluir que afinal existe o direito que foi invocado, ou que não se verifica um outro cuja existência se reconheceu; ou seja, que o enquadramento jurídico dos factos agora tidos por provados conduz a decisão diferente da anteriormente alcançada. O seu efetivo objetivo é conceder à parte uma ferramenta processual que lhe permita modificar a matéria de facto considerada provada ou não provada, de modo a que, por essa via, obtenha um efeito juridicamente útil ou relevante» (Ac. da RC, de 24.04.2012, Beça Pereira, Processo nº 219/10, (…)).
Logo, «por força dos princípios da utilidade, economia e celeridade processual, o Tribunal ad quem não deve reapreciar a matéria de facto quando o(s) facto(s) concreto(s) objeto da impugnação for insuscetível de, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente» (Ac. da RC, de 27.05.2014, Moreira do Carmo, Processo nº 1024/12, (…)).
Por outras palavras, se, «por qualquer motivo, o facto a que se dirige aquela impugnação for, "segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito", irrelevante para a decisão a proferir, então torna-se inútil a atividade de reapreciar o julgamento da matéria de facto, pois, nesse caso, mesmo que, em conformidade com a pretensão do recorrente, se modifique o juízo anteriormente formulado, sempre o facto que agora se considerou provado ou não provado continua a ser juridicamente inócuo ou insuficiente.
Quer isto dizer que não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objeto da impugnação não for suscetível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, antemão, ser inconsequente, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processual consagrados nos artigos 2.º n.º 1, 137.º e 138.º.» (Ac. da RC, de 24.04.2012, Beça Pereira, Processo nº 219/10, (…). No mesmo sentido, Ac. da RC, de 14.01.2014, Henrique Antunes, Processo nº 6628/10)”.
[12] Convém ter presente que, como assinala o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24 de Maio de 2016 (Processo n.º 1393/08.7YXLSB.L1-7-Maria Amélia Ribeiro) é “ao impugnante que cumpre convencer o Tribunal de recurso que a primeira instância violou as regras de direito probatório aquando da apreciação dos meios de prova. Não basta uma mera contraposição de meios de prova (ainda que não constantes dos indicados na fundamentação do tribunal): é necessário que a parte que recorre proceda, ela própria, a uma análise crítica da apreciação do tribunal a quo, demonstrando em que pontos o Tribunal se afastou do juízo imposto pelas regras legais, dos princípios, das regras da racionalidade e da lógica ou da experiência comum”.
[13] Assim, por exemplo, o Acórdão da Relação de Lisboa de 26 de Setembro de 2019 (Processo n.º 144/15.4T8MTJ.L1-2-Carlos Castelo Branco): “Não se deverá proceder à reapreciação da matéria de facto quando os factos objecto de impugnação não forem susceptíveis, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, de ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe ser inútil, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processuais (arts. 2º, nº 1, 137º e 138º, todos do C.P.C.)”.
[14] “Não é lícito realizar no processo actos inúteis”.
[15] Nesta mesma linha:
- o Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte de 30 de Abril de 2020 (Processo n.º 01058/10.0BEPRT-Helena Ribeiro), assinala que o “tribunal ad quem deve abster-se de reapreciar o julgamento de facto realizado pelo tribunal a quo que vem impugnado pelo recorrente, julgando inútil essa apreciação, quando a matéria de facto impugnada, independentemente do resultado dessa impugnação, ponderadas as várias soluções de direito plausíveis suscetíveis de serem aplicadas ao caso concreto, é insuscetível de se projetar na decisão de mérito proferida, não implicando qualquer alteração dessa decisão de mérito, sob pena de estar a levar uma atividade processual que sabe, de antemão, ser inconsequente e inútil e, por isso, proibida por lei (art. 130º do CPC)”;
- o Acórdão da Relação de Coimbra de 14 de Janeiro de 2014 (Processo n.º 6628/10.3TBLRA.C1-Henrique Antunes), assenta em que, de “harmonia com o princípio da utilidade a que estão submetidos todos os actos processuais, o exercício dos poderes de controlo da Relação sobre a decisão da matéria de facto da 1ª instância só se justifica se recair sobre factos com interesse para a decisão da causa (artº 137 do CPC de 1961, e 130 do NCPC).
Se o facto ou factos cujo julgamento é impugnado não forem relevantes para nenhuma das soluções plausíveis de direito da causa é de todo inútil a reponderação da decisão correspondente da 1ª instância. Isso sucederá sempre que, mesmo com a substituição, a solução o enquadramento jurídico do objecto da causa permanecer inalterado, porque, por exemplo, mesmo com a modificação, a factualidade assente continua a ser insuficiente ou é inidónea para produzir o efeito jurídico visado pelo autor, com a acção, ou pelo Réu, com a contestação.
Portanto, a reponderação apenas deve incidir sobre os factos que sejam relevantes para a decisão da causa, segundo qualquer das soluções plausíveis da questão de direito, i.e., segundo todos os enquadramentos jurídicos possíveis do objecto da ação”;                       
- o Acórdão da Relação de Coimbra de 24 de Abril de 2012 (Processo n.º 219/10.6T2VGS.C1-Beça Pereira), conclui que a “impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, consagrada no artigo 685.º-B, visa, em primeira linha, modificar o julgamento feito sobre os factos que se consideram incorretamente julgados. Mas, este instrumento processual tem por fim último possibilitar alterar a matéria de facto que o tribunal a quo considerou provada, para, face à nova realidade a que por esse caminho se chegou, se possa concluir que afinal existe o direito que foi invocado, ou que não se verifica um outro cuja existência se reconheceu; ou seja, que o enquadramento jurídico dos factos agora tidos por provados conduz a decisão diferente da anteriormente alcançada. O seu efectivo objectivo é conceder à parte uma ferramenta processual que lhe permita modificar a matéria de facto considerada provada ou não provada, de modo a que, por essa via, obtenha um efeito juridicamente útil ou relevante.
Se, por qualquer motivo, o facto a que se dirige aquela impugnação for, "segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito", irrelevante para a decisão a proferir, então torna-se inútil a atividade de reapreciar o julgamento da matéria de facto, pois, nesse caso, mesmo que, em conformidade com a pretensão do recorrente, se modifique o juízo anteriormente formulado, sempre o facto que agora se considerou provado ou não provado continua a ser juridicamente inócuo ou insuficiente.
Quer isto dizer que não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objecto da impugnação não for suscetível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, antemão, ser inconsequente, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processual consagrados nos artigos 2.º n.º 1, 137.º e 138.º”.
[16] Carlota Spínola, O segundo grau de jurisdição em matéria de facto no processo civil português, AAFDL Editora, 2022, páginas 44-45.
[17] Como refere o Acórdão de 29 de Maio de 2014 da Relação de Lisboa (Processo n.º 444/12.5TVLSB.L1-6-António Martins)“Enunciar os temas de prova é atividade processual que se dirige primacialmente à fase da produção da prova, enquanto na sentença, ultrapassada que se encontra aquela fase, cabe ao juiz declarar quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados”.
Do mesmo modo, e da mesma Relação, vale a pena sublinhar, com o Acórdão de 07 de Março de 2024 (Processo n.º 3375/21.4T8LSB.L2-6-Gabriela Marques), que:
- os “temas de prova constituem linhas orientadoras gerais sobre a prova a produzir e servem para delimitar o âmbito da prova a produzir, sem a rigidez que decorria da anterior base instrutória e, previamente, dos quesitos, permitindo, uma maior flexibilidade do âmbito da instrução e da delimitação da matéria de facto apurada, que decorrerá da prova, ou não prova, dos factos concretos relevantes”;
- “não são os temas de prova que serão objecto da instrução, mas sim os factos controvertidos ou necessitados de prova, pelo que a actividade instrutória poderá orientar-se pelos temas de prova, mas não os tem por objecto nem aqueles a limitam”.
[18] Como tivemos oportunidade de escrever no Acórdão da Relação de Lisboa de 11 de Março de 2025 (Processo n.º 541/21.6T8MGR.L1-7), cabe “ao Tribunal da Relação apreciar a matéria de facto de cuja apreciação o/a Recorrente discorde e impugne (fazendo sobre ela uma nova apreciação, um novo julgamento, após verificar a fundamentação do Tribunal a quo, os elementos e argumentos apresentados no recurso e a sua própria percepção perante a totalidade da prova produzida), continuando a ter presentes os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova”, acrescendo que só deve alterar-se “a matéria de facto se - após audição da prova gravada compulsada com a restante prova produzida - concluir, com a necessária segurança, no sentido de que esta aponta em direcção diversa e delimita uma conclusão diferente da que vingou na 1ª Instância, usando um critério de razoabilidade ou de aceitabilidade dessa decisão (que conduz a confirmar a decisão recorrida, não apenas quando for indiscutível que é correcta, mas também quando se reconheça situar-se numa margem de razoabilidade ou de aceitabilidade)”.
[19] Sem prejuízo do referido no artigo 1053.º do Código Civil
[20] Laurinda Gemas-Albertina Pedroso-João Caldeira Jorge, Arrendamento Urbano-Novo Regime Anotado e Legislação Complementar, 3.ª edição revista, actualizada e aumentada, Quid Juris, 2009, página 263.
[21] Elsa Sequeira Santos, anotação ao artigo 1056.º, in Ana Prata, Código Civil Anotado - Volume I, 2.ª Edição, Almedina, 2019, página 1322.
[22] João de Matos, Manual do Arrendamento e do Aluguer, Volume II, Livraria Fernando Machado, 1968, página 181.
[23] Como refere Aragão Seia, a alínea d) do artigo 1051.º “refere-se à caducidade do contrato de locação por morte do arrendatário(…), caducidade que opera ope legis, a menos que o contrário tenha sido clausulado por escrito” (Arrendamento Urbano, 7.ª edição, Revista e Actualizada, Almedina, 2008, páginas 484-485).
Também considerando que a caducidade por morte do arrendatário opera ipso iure, Mário Frota (Arrendamento Urbano-Comentado e Anotado, Coimbra Editora, 1987, página 147), Pinto Furtado (Manual de Arrendamento Urbano, Volume II, 4.ª Edição Actualizada, Almedina 2008, páginas 831, e 866 a 874) e Luís Menezes Leitão (Arrendamento Urbano, 3.ª edição, Almedina, 2007, pagina 116)
[24] Citado por João de Matos, Manual do Arrendamento e do Aluguer, Volume II, Livraria Fernando Machado, 1968, página 182.
Vd., também, Abílio Neto, Leis do Inquilinato-Notas e Comentários, 6.ª edição, Livraria Petrony, 1988, páginas 80-81 (
[25] A desesperada tentativa de fazer pagamentos da renda para uma qualquer conta de uma das senhorias é absolutamente inócua e irrelevante, sem acordo desta(s) (acrescendo, como também referimos, que nem sequer usou mecanismos legais de depósito de rendas).
[26] E é-o de facto, desde logo porque o próprio artigo 1053.º do Código Civil dispõe que em “qualquer dos casos de caducidade previstos nas alíneas b) e seguintes do artigo 1051.º, a restituição do prédio, tratando-se de arrendamento, só pode ser exigida passados seis meses sobre a verificação do facto que determina a caducidade”(…).
[27] O Acórdão de 28 de Junho de 2007 (Revista n.º 1838/07 -2.ª Secção-Oliveira Vasconcelos), refere que o “silêncio do adquirente, em face da comunicação pelo arrendatário da existência de um contrato de arrendamento, conjugado com o pedido de envio de fotocópia do contrato para análise e o entendimento transmitido ao arrendatário de que, com a aquisição do prédio locado através da venda executiva, caducavam todos os “ónus e encargos”, não são susceptíveis de criar a convicção de que o adquirente aceitava a existência do contrato de arrendamento”.
[28] Eric Voegelin, A Natureza do Direito e outros textos jurídicos, Vega, 1998, página 95.
[29] Paul Ricoeur, O Justo ou a Essência da Justiça, Instituto Piaget, 1997, páginas 168-169; cfr., também, com interesse, François Ost, A Natureza à Margem da Lei - A Ecologia à Prova do Direito, Instituto Piaget, 1997, páginas 19 a 24.
[30] Assinaturas digitais, cujos certificados estão visíveis no canto superior esquerdo da primeira página (artigos 132.º, n.º 2 e 153.º, n.º 1, do Código de Processo C2ivil e 19.º, n.ºs 1 e 2, e 20.º, alínea b), da Portaria n.º 280/2013, de 26 de Agosto)