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CONTRATO DE ARRENDAMENTO PARA HABITAÇÃO
RENOVAÇÃO
PRAZO
NATUREZA SUPLETIVA
Sumário
Sumário: (elaborado ao abrigo do disposto no art. 663º, nº 7 do CPC) 1. O art. 1096º, nº 1 do CC, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 13/2019, de 12 de Fevereiro, respeitante à renovação automática dos contratos de arrendamento para habitação com prazo certo, é de natureza supletiva; 2. A expressão “salvo estipulação em contrário” dele constante significa que o legislador concedeu às partes a possibilidade de convencionarem prazos de renovação distintos dos nele previstos, designadamente de duração inferior a três anos; 3. Findo o prazo estipulado pelas partes no contrato de arrendamento, e manifestada a oposição à renovação do mesmo, a obrigação de restituição do locado está dependente da efectiva interpelação para cumprimento.
Texto Integral
Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
I. RELATÓRIO
1. A … intentou o presente procedimento especial de despejo contra B … indicando como fundamento do despejo a cessação por oposição à renovação pelo senhorio.
2. Citada, a R. deduziu oposição alegando que se aplica à situação dos autos a Lei 20/2018, de 16 de Julho.
3. Após ter sido realizada audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, cuja parte decisória é a seguinte:
“Pelo exposto, julga-se a presente ação parcialmente procedente e, em consequência:
- declara-se a caducidade do contrato de arrendamento celebrado entre o Autor e a Ré, relativo ao prédio urbano, sito na Rua das …, n.º … e …-A, da União das Freguesias de São das Lampas e Terrugem, Sintra;
- condena-se a Ré a restituir de imediato ao Autor, livre e desocupado, o imóvel acima referido;
- condena-se a Ré a pagar ao Autor, a título indemnizatório, a quantia de €5.872,00 acrescida de €800,00 mensais desde janeiro de 2025, inclusive, até que proceda à restituição do imóvel em causa ao Autor; - absolve-se a Ré do demais peticionado;”.
4. A R. recorre desta sentença, formulando as seguintes conclusões:
“a) A ora recorrente é arrendatária do prédio sito à Rua das …, n.º … e … A, em S. J. das Lampas, União das Freguesias de S. J das Lampas e Terrugem.
b) Vigorou um arrendamento estipulado inicialmente por 1 ano (em 2006), mas que por via da aplicação da Lei 13/2019, de 12/02 passou na renovação de 2019 a ser de 3 anos, isto é, em 2019 a renovação dos arrendamentos habitacionais passou a ser de 3 anos (por via da duração mínima ali estipulada nesse diploma) o que equivale a dizer que em 2019 o arrendamento se renovou até 01 de julho de 2022 e que em 01.07.2022 se renovou por mais 3 anos até julho de 2025, na medida em que o recorrido não poderia em fevereiro de 2023 ter oposto à renovação com efeitos para julho de 2023.
c) A recorrente entende que o Tribunal a quo violou o previsto o disposto no artigo 1096.º do Código Civil e deveria ser outra a interpretação dada a este dispositivo na medido em que o contrato de arrendamento foi celebrado no âmbito de vigência do Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, tendo sido, por isso, celebrado ainda antes da entrada em vigor da Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto e que o regime introduzido pela Lei n.º 13/2019, de 12/02, tem aplicação ao contrato celebrado entre as partes, não obstante o mesmo ter sido celebrado em data anterior à sua entrada em vigor, pois, no que respeita à aplicação da lei no tempo, estas alterações aplicam-se não só aos contratos futuros, mas também aos contratos em curso, em conformidade com a regra geral do artigo 12.º, n.º 2, do Código Civil..
d) Assim, o prazo mínimo de três anos para a renovação do contrato de arrendamento previsto no n.º 1 do artigo 1096.º do CC, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 13/2019, que entrou em vigor em 13 de Fevereiro de 2019, aplica-se ao contrato de arrendamento celebrado pelas partes e que se renovou em 01-07-2019 pelo período de três anos, pelo que o novo termo ocorrerria apenas findo o decurso desse prazo de três anos, ou seja, em 01-07- 2022, e assim sucessivamente, tendo-se renovado por mais três anos em 01.07.2022 até 01.07.2025, na medida em que a pretensa oposição à renovação ocorrida em 16.02.2023 não operou efeitos para a data de 30.06.2023.
e) Assim, tendo as partes acordado na renovação do contrato de arrendamento, a renovação do contrato ocorre automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior; no caso em apreço nos autos, tendo o contrato de arrendamento sido celebrado com um prazo de um ano, tendo-se renovado sucessiva e automaticamente por igual período, após a entrada em vigor da Lei n.º 13/2019, de 12-02, passou a renovar-se sucessiva e automaticamente por períodos de três anos.
f) É esta a interpretação que deveria ter sido acolhida pelo Tribunal a quo, porquanto a mesma respeita a ratio legis da Lei n.º 13/2019, de 12-02, ou seja, que o legislador, ao definir um período mínimo de renovação, pretendeu conferir uma maior protecção ao arrendatário, dotando o seu contrato de arrendamento de uma maior estabilidade e limitando a liberdade de estipulação das partes quanto a esta matéria.
Pelo exposto deve ser julgado como provido o presente recurso e ser revogada a douta Sentença recorrida, sendo substituída por outra que não determine a validade da oposição à renovação do arrendamento do prédio da Rua das …, n.º … e …- A, S. J. das Lampas, União das Freguesias de S. J das Lampas e Terrugem.”.
6. Em sede de contra-alegações, o A. pugnou pela improcedência do recurso defendendo que deve ser confirmada a sentença proferida, no segmento em que determina a validade da oposição à renovação do contrato de arrendamento exercida pelo apelado.
7. O A. apresentou recurso subordinado, que termina com as seguintes conclusões:
“A. O apelante e a apelada celebraram, em 01.07.2006, um contrato de arrendamento para habitação, com prazo certo, mediante o qual o apelante se obrigou a dar de arrendamento à apelada, pelo valor mensal de € 400,00, o prédio urbano sito na Rua das …, n.os … e …-A, da união de freguesias de São João das Lampas e Terrugem, em Sintra;
B. O mesmo foi celebrado ao abrigo do artigo 1095.º do CC, pelo prazo de um ano (cfr. cláusula 3.ª), automaticamente renovável, por sucessivos e iguais períodos, salvo denúncia por qualquer das partes, com uma antecedência não inferior a 60 dias em relação ao termo do prazo pretendido;
C. Não mantendo interesse na renovação do contrato celebrado com a apelada, o apelante deduziu oposição à sua renovação, com efeitos reportados ao dia 30.06.2023,
D. Através de comunicação expedida em 16.02.2023, e recebida pela apelada a 17.02.2023, ou seja, com uma antecedência de 133 dias em relação à data da sua produção de efeitos;
E. Para além de comunicar a intenção de não renovação do contrato, através da referida carta o apelante interpelou, ainda, a apelada a entregar-lhe o locado, livre e devoluto de pessoas e bens, até à data prevista para a cessação do contrato;
F. Não obstante, nem na data da cessação do contrato de arrendamento (30.06.2023), nem posteriormente, a apelada procedeu à entrega do locado livre de pessoas e bens, conforme obrigação que sobre si impendia – situação que se mantém até hoje;
G. Entendeu o tribunal a quo que, pese embora a apelada não tenha restituído o locado naquela data, apenas se constituiu em mora quando interpelada judicialmente para a respetiva entrega, ou seja, em 18.07.2024 (data da sua citação para a presente ação),
H. Condenando a apelada a pagar ao apelante, a título de indemnização, o valor da renda em singelo, no período compreendido entre julho de 2023 e julho de 2024, com fundamento no n.º 1 do artigo 1045.º do CC,
I. Ou seja, € 5.200,00, por contraposição aos € 10.400,00 que haviam sido peticionados;
J. Do artigo 1045.º do CC, resulta que:
(i) não existindo mora na entrega do locado, o senhorio tem o direito a receber do arrendatário uma indemnização correspondente ao valor da renda, em singelo, até ao momento da entrega da coisa;
(ii) existindo mora na entrega do locado, o senhorio tem direito a receber do arrendatário o dobro do valor das rendas convencionadas, em relação ao período entre a constituição em mora e a efetiva entrega do locado;
K. Tendo o contrato cessado a 30.06.2023, incumbia à apelada restituir o locado ao apelante, nos termos dos artigos 1038.º, alínea i), e 1043.°, n.º 1, ambos do CC,
L. Restituição que, atento o artigo 1053.º do mesmo diploma, deveria ocorrer aquando da cessação do contrato, pois somente nos casos de caducidade previstos nas alíneas b) e seguintes daquele dispositivo legal é que a restituição do locado é exigível após o decurso do período de seis meses sobre o facto que a determina;
M. Tratando-se de caducidade pelo decurso do prazo, urge concluir que a apelada se constituiu em mora no dia imediatamente seguinte ao da cessação do aludido contrato;
N. Este regime do contrato de arrendamento, em matéria de caducidade do contrato e da obrigação de restituição por parte do arrendatário, surge em consonância com o regime geral do Direito das Obrigações, segundo o qual a exigibilidade das obrigações com prazo certo não carece de prévia interpelação para o efeito por parte do credor (artigo 805.º, n.º 2, alínea a), do CC);
O. Não tendo a apelada procedido à entrega do imóvel naquela data, entrou em mora quanto a esta obrigação, independentemente de prévia interpelação para o efeito;
P. E nem se diga que, entendendo-se que o arrendatário se constitui em mora com a cessação do contrato, o n.º 1 do artigo 1045.º do CC perderia utilidade,
Q. Pois o referido dispositivo será sempre aplicável aos casos de caducidade previstos nas alíneas b) e seguintes do artigo 1051.º do CC (o arrendatário ilide a presunção de culpa; há tolerância do locador na continuidade dessa situação),
R. Sendo certo que, resulta manifesto do facto provado n.º 3, que o apelante interpelou a apelada para a restituição do imóvel até à data da cessação do contrato;
S. Caso se considerasse que a constituição em mora no cumprimento da obrigação de restituição do locado carece de interpelação, seria desprovido de sentido fazer depender a constituição em mora de uma nova interpelação para o cumprimento, findo o contrato, quando essa interpelação foi feita na própria comunicação de oposição à renovação deste;
T. Tendo o contrato de arrendamento cessado em 30.06.2023, a apelada entrou em mora quanto à obrigação de restituição, constituiu-se no dever de indemnizar o apelante pelo valor da renda em dobro, desde aquela data até ao momento da restituição;
U. Impõe-se a revogação da decisão recorrida - por violação dos artigos 805.º, n.º 2, alínea a), 1038.º, alínea i), e 1045.º, todos do CC -, e a sua substituição por outra que condene igualmente a apelada no pagamento do valor da renda em dobro, no período compreendido entre julho de 2023 e julho de 2024.
Termos em que, deverá ser concedido provimento ao presente recurso subordinado, revogando-se a sentença proferida, nos termos supra expostos”.
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II. QUESTÕES A DECIDIR
Considerando o disposto nos arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do CPC, nos termos dos quais as questões submetidas a recurso são delimitadas pelas conclusões de recurso, impõe-se concluir que as questões submetidas a recurso são:
- da validade da oposição à renovação do contrato dos autos;
- da indemnização devida pelo atraso na restituição do locado.
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III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A decisão recorrida considerou os seguintes factos:
“A - Factos Provados
Julgam-se provados, com relevância para a boa decisão da causa, os seguintes factos:
1. Foi celebrado, em 01.07.2006, entre o Autor e a Ré um acordo escrito, denominado “Contrato de Arrendamento”, em que o Autor, na qualidade de senhorio, obrigou-se a dar de arrendamento, à Ré, na qualidade de arrendatária, o prédio urbano, sito na Rua das …, n.º … e …-A, da União das Freguesias de São das Lampas e Terrugem, Sintra.
2. Como contrapartida, a Ré obrigou-se ao pagamento de uma renda mensal de €400,00, a pagar no primeiro dia útil do mês a que dissesse respeito.
3. Entre outras, no âmbito do referido contrato, foi acordada a seguinte cláusula: O presente arrendamento tem início em 01 de julho de 2006, é feito pelo prazo de um ano, sucessivamente renovável por iguais períodos; podendo ser denunciado mediante comunicação por escrito, através de carta registada com uma antecedência não inferior a 60 dias do termo do prazo pretendido, pelo primeiro e segundo contratantes.
4. A 16.02.2023 o Autor enviou uma carta à Ré, recebida em 17.02.2023 da qual consta o seguinte: (…) Nos termos do artigo 1097.º do Código Civil, vimos pela presente exercer o direito de oposição à renovação do contrato de arrendamento, o qual deixará de vigorar em 30.06.2023. Nessa medida, até aquela data o locado deve ser restituído livre e devoluto de pessoas e bens e em boas condições de conservação e limpeza
5. Desde o dia 30.06.2023, até à presente data, a Ré não entregou o imóvel ao Autor.
6. A Ré, desde julho de 2023, tem pago até Dezembro de 2024, inclusive, todos os meses ao Autor o valor de €400,00.
7. Relativamente às quantias referidas em 6., o Autor imputou os montantes pagos pela Ré desde julho de 2023 até fevereiro de 2024, ao pagamento das seguintes rendas: agosto de 2013 (€ 250,00), janeiro de 2014 (€100,00), abril de 2014 (€ 400,00), janeiro de 2015 (€ 400,00), julho de 2020 (€ 270,00), agosto de 2020 (€ 400,00), setembro de 2020 (€ 400,00) e outubro de 2020 (€400,00); e, ainda €452,00, a título de indemnização pela mora no pagamento destas rendas.
8. A imputação referida em 7., foi comunicada pelo Autor à Ré através de carta datada de 24 de janeiro de 2024, recebida pela Ré a 26.01.2024.
9. A Ré nasceu em 02.03.1951.
B - Factos não provados
Julgam-se não provados, com relevância para a boa decisão da causa, os seguintes factos:
a. Os pagamentos referidos em 6. compensaram o gozo do imóvel do Autor pela Ré após 30.06.2023. Processo
b. O pagamento pela Ré, antes de julho de 2023, das rendas e valores mencionados em 7. dos factos provados.”
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IV. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
1. Do recurso principal:
Defende a apelante que a oposição à renovação efectuada pelo senhorio não produziu os seus efeitos, considerando a nova redacção do art. 1096º do CC.
Entendeu o tribunal recorrido válida e eficaz a oposição à renovação do contrato deduzida pelo senhorio, com efeitos a 30 de Junho de 2023, data em que o contrato de arrendamento dos autos cessou por caducidade, justificando essa decisão da seguinte forma:
“Atenta a factualidade provada, as partes, por acordo, celebraram o referido contrato de arrendamento com início em 01.07.2006, pelo prazo de um ano, sucessivamente renovável por iguais períodos.
Acordaram ainda as partes que o contrato podia ser denunciado mediante comunicação por escrito, através de carta registada, com uma antecedência não inferior a 60 dias do termo do prazo pretendido, por qualquer dos contraentes.
Resulta ainda da factualidade provada que, em 16.02.2023, o Autor enviou uma carta à Ré, recebida em 17.02.2023, da qual consta o seguinte: (…) Nos termos do artigo 1097.º do Código Civil, vimos pela presente exercer o direito de oposição à renovação do contrato de arrendamento, o qual deixará de vigorar em 30.06.2023.
Uma vez que o prazo inicial do contrato e das sucessivas renovações era de 1 ano, prevê o artigo 1097.º n.º 1 b) do Código Civil que a comunicação ao arrendatário tem de ser efetuada com pelo menos 120 dias de antecedência, o que se verificou no caso em apreço.”.
Na tese da apelante, em virtude da Lei 13/2019, de 12 de Fevereiro, o contrato dos autos renovou-se por mais três anos ate 1 de Julho de 2022 e em 1 de Julho de 2022 por mais três anos até 2025, pelo que a oposição à renovação efectuada em 2023 não é válida.
Vejamos.
Nos termos do art. 1079º do CC, o arrendamento urbano cessa por acordo das partes, resolução, caducidade, denúncia ou outras causas previstas na lei.
Por seu turno, dispõe o art. 1094º, nº 1 do CC que o contrato de arrendamento urbano para habitação pode celebrar-se com prazo certo ou por duração indeterminada.
No que se refere aos contratos de duração indeterminada vigora o instituto da denúncia, previsto no art. 1101º do CC, enquanto que, quanto aos arrendamentos habitacionais com prazo certo, vigora o instituto da oposição à renovação deduzida pelo senhorio, previsto no art. 1097º do CC, ou o da oposição à renovação ou denúncia pelo arrendatário, nos termos do art. 1098º do CC.
Como se explica no Ac. TRP de 12-07-2023, proc. 19506/21.1T8PRT-A.P1, relator Ana Paula Amorim, “A oposição à renovação consiste na declaração de um dos contraentes perante outro, comunicada com determinada antecedência, segundo os casos, de recursa de prorrogação do contrato com prazo certo, fazendo-o assim cessar no último dia da sua duração.
A oposição à renovação é, por natureza, um instituto específico dos contratos dotados de prorrogação automática; logo, quanto ao arrendamento de prédios urbanos, é privativo dos contratos com prazo certo”.
No caso dos autos, estamos perante um contrato de arrendamento para fins habitacionais com prazo certo celebrado em 01 de Julho de 2006, pelo prazo de um ano, sucessivamente renovável por iguais períodos, cfr. factos provados nºs 1 e 3.
Mostra-se provado que, a 16 de Fevereiro de 2023, o A. enviou uma carta à R., recebida em 17 de Fevereiro de 2023 da qual aquele manifestou a sua oposição à renovação do contrato de arrendamento, com efeitos a 30 de Junho de 2023, cfr. facto provado nº 4.
Com interesse para esta questão, dispõe o art. 1097º do CC o seguinte:
“1 - O senhorio pode impedir a renovação automática do contrato mediante comunicação ao arrendatário com a antecedência mínima seguinte:
a) 240 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a seis anos;
b) 120 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a um ano e inferior a seis anos;
c) 60 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a seis meses e inferior a um ano;
d) Um terço do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação, tratando-se de prazo inferior a seis meses.
2 - A antecedência a que se refere o número anterior reporta-se ao termo do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação.
3 - A oposição à primeira renovação do contrato, por parte do senhorio, apenas produz efeitos decorridos três anos da celebração do mesmo, mantendo-se o contrato em vigor até essa data, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
4 - Excetua-se do número anterior a necessidade de habitação pelo próprio ou pelos seus descendentes em 1.º grau, aplicando-se, com as devidas adaptações, o disposto no artigo 1102.º e nos n.os 1, 5 e 9 do artigo 1103.º”.
No caso vertente, estando em causa um prazo de vigência de um ano, renovável automaticamente por igual prazo, é aplicável o disposto na al. b) do nº 1 do art. 1097º do CC, como decidido em primeira instância.
Por seu turno, dispõe o art. 1096º, nº 1 do CC, na redacção que lhe foi dada pela Lei 13/2019, de 12 de Fevereiro, sob a epígrafe “Renovação automática”, que “Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior, sem prejuízo do disposto no número seguinte”.
Antes de mais, cumpre salientar que, apesar de o contrato dos autos ter sido celebrado ao abrigo do regime jurídico anterior, tem imediata aplicação a lei nova, a Lei 13/2019 de 12 de Fevereiro, nos termos do art. 12º, nº 2, 2.ª parte do CC, por se tratar de questão que regula sobre o conteúdo da relação jurídica do arrendamento, aplicando-se, assim, às relações de arrendamento já constituídas e que se mantém, por se tratar de contratos de execução duradoura. Neste sentido, e para ulteriores esclarecimentos, veja-se Maria Olinda Garcia, in Alterações em matéria de Arrendamento Urbano introduzidas pela Lei n.º 12/2019 e pela Lei n.º 13/2019, in Julgar Online, Março de 2019, pág. 8 e o Ac. TRL de 24-05-2022, proc. 7855/20.0T8LRS.L1, relator Micaela Sousa.
No mais, e no que se refere ao carácter imperativo da norma em apreço, verifica-se que não existe uniformidade na doutrina e na jurisprudência quanto a essa questão.
Assim, defendendo que o art. 1096º, nº 1 do CC, na redacção dada pela Lei 13/2019, de 12 de Fevereiro, se aplica aos contratos de arrendamento para habitação sucessivamente renováveis, vigentes à data da sua entrada em vigor (13-02-2019), fixando um prazo imperativo mínimo de três anos para a renovação do contrato de arrendamento, veja-se, na doutrina, Maria Olinda Garcia, loc. cit., e, na jurisprudência, a título exemplificativo, os seguintes arestos:
- Acs. TRE de 10-11-2022, proc. 126/21.7T8ABF.E1, relator Adelaide Domingos; de 10-11-2022, proc. 983/22.0YLPRT.E1, relator Maria João Sousa e Faro; de 25-01-2023, proc. 3934/21.5T8STB.E1, relator Maria Adelaide Domingos;
- Acs. TRG de 11-02-2021, proc. 1423/20.4T8GMR.G1, relator Raquel Guimarães; de 08-04-2021, proc. 795/20.5T8VNF.G1, relator Rosália Cunha; de 23-03-2023, proc. 1824/22.3T8VCT.G1, relator Raquel Batista Tavares; e de 26-10-2023, proc. 1231/23.0YLPRT.G1, Anizabel Sousa Pereira;
- Acs. TRP de 21-11-2024, proc. 5650/24.7T8PRT.P1, relator Ana Vieira; e de 25-01-2024, proc. 8357/23.9T8PRT.P1, relator Paulo Dias da Silva;
- Acs. TRL de 16-05-2024, proc. 1282/23.5YLPRT.L1, relator Maria Carlos Duarte do Vale Calheiros; e de 26-09-2024, proc. 907/24.0YLPRT.L1, relator Maria Teresa Lopes Catrola;
- Acs. STJ de 12-12-2024, proc. 138/20.8T8MDL.G1.S1, relator Isabel Salgado; e de 13-02-2025, proc. 907/24.0YLPRT.L1.S1, relator Nuno Pinto Oliveira.
Comum a esta defesa da imperatividade desta norma é o recurso ao seu elemento teleológico, defendendo que o legislador, ao definir um período mínimo de renovação de três anos, pretendeu conferir uma maior protecção ao arrendatário, atribuindo uma maior estabilidade ao contrato de arrendamento e limitando a liberdade de estipulação das partes quanto a esta matéria.
Para esta solução, a liberdade de estipulação das partes fica limitada à possibilidade de ser ou não convencionado a renovação automática do contrato, já que é esse o significado a atribuir à expressão “salvo estipulação em contrário”. Ou seja, pode ser convencionado prazo de renovação, desde que respeite o referido mínimo legal de três anos.
Por seu turno, defendendo que a limitação temporal mínima de três anos, do período de duração do contrato de arrendamento, após a sua renovação, prevista no art. 1096º, nº 1 do CC, na sua actual redacção, não assume natureza imperativa, mas sim supletiva, veja-se, na doutrina, Jorge Pinto Furtado in Comentário ao Regime do Arrendamento Urbano, Almedina, 4ª edição, págs. 655-656, Edgar Alexandre Martins Valente in Arrendamento Urbano - Comentários às Alterações Legislativas introduzidas ao regime vigente, 2019, pág. 31 e Jéssica Rodrigues Ferreira, in Análise das principais alterações introduzidas pela Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro, aos regimes da denúncia e oposição à renovação dos contratos de arrendamento urbano para fins não habitacionais, Revista Eletrónica de Direito, fevereiro 2020, pág. 82, e vários arestos, entre os quais, os seguintes:
- Acs. TRP de 23-03-2023, proc. 3966/21.3T8GDM.P1, relator Isabel Ferreira; e de 12-07-2023, proc. 19506/21.1T8PRT-A.P1, relator Ana Paula Amorim; de 09-10-2023, proc. 1467/22.1YLPRT.P1, relator Miguel Baldaia de Morais; de 14-01-2025, proc. 6409/23.4T8PRT.P1, relator Maria da Luz Seabra
- Ac. TRC de 08-10-2024, proc. 77/24.3YLPRT.C1, relator Carlos Moreira; e de 11-03-2025, proc. 318/24.7T8PMG.C1, relator José Avelino Gonçalves;
- Acs. TRL de 17-03-2022, proc. 8851/21.6T8LRS.L1, relator Nuno Lopes Ribeiro; de 24-05-2022, proc. 7855/20.0T8LRS.L1, relator Micaela Sousa; de 24-11-2022, proc. 913/22.9YLPRT.L1, relator Pedro Martins; de 10-01-2023, proc. 1278/22.4YLPRT.L1, relator Luís Filipe Pires de Sousa; de 06-07-2023, proc. 2959/22.8T8SXL.L1, relator Pedro Martins; de 21-12-2023, proc. 5933/20.5T8LSB.L1, relator Nuno Lopes Ribeiro; de 22-06-2023, proc. 50/23.9T8SXL.L1, relator Higina Castelo; de 18-04-2024, proc. 2197/23.2YLPRT.L1; de 10-09-2024, proc. 814/24.6YLPRT.L1, relator Micaela Sousa; e de 25/3/2025, proc. n.º 18108/21/21.7T8LSB.L1, relator Carlos Oliveira.
Para sustentar esta posição, é defendido que o legislador pretendeu que as partes fossem livres para afastar a renovação automática do contrato, mas também para, quando esta exista, regular os termos em que essa mesma renovação ocorrerá, podendo estipular prazos diferentes dos supletivamente fixados pela lei.
Veja-se ainda, seguindo este entendimento, o Ac. TRL de 29-04-2025, proc. 2165/24.7YLPRT.L1, relator Paulo Ramos de Faria, onde se faz extensa análise da questão, indicando-se doutrina e jurisprudência em ambos os sentidos.
Por se mostrar particularmente relevante, transcreve-se aqui o que se explanou no Ac. TRL de 10-01-2023, proc. 1278/22.4YLPRT.L1, relator Luís Filipe Pires de Sousa: “Em primeiro lugar, é patente que as partes são livres de estabelecer o prazo do arrendamento entre os prazos mínimos de um ano e máximo de trinta anos, conforme deflui do Artigo 1095º, nº2, do Código, na redação da Lei nº 13/2019, de 12.2.
Em segundo lugar, da ressalva inicial do nº 2 do Artigo 1096º (“Salvo estipulação em contrário”) decorre que as partes podem, ab initio, convencionar que o contrato de arrendamento não será renovado.
Em terceiro lugar, estipulando as partes que o contrato será renovável, são livres de estabelecer prazos diferenciados de renovação, sendo o prazo de três anos (introduzido pela Lei nº 13/2019) um prazo supletivo a aplicar nos casos em que as partes não concretizem o prazo da renovação (silêncio do contrato), apesar de preverem a renovação do contrato. De facto, se a lei permite que as partes afastem, de todo, a renovação, então também permite que esta tenha uma vigência diferenciada em caso de renovação (argumento a maiori ad minus; cf. Teixeira de Sousa, Introdução ao Direito, Almedina, p. 443).
A tutela da posição do inquilino e da estabilidade do arrendamento, erigida como um dos propósitos da Lei nº 13/2019 não decorre neste circunspecto, em primeira linha, da nova redação do nº1 do artigo 1096º, mas sim do aditado nº 3 ao Artigo 1097º, nos termos do qual:
«3- A oposição à primeira renovação do contrato, por parte do senhorio, apenas produz efeitos decorridos três anos da celebração do mesmo, mantendo-se o contrato em vigor até essa data, sem prejuízo do disposto no número seguinte.»
Ou seja, a tutela do inquilino e da estabilidade do arrendamento decorre diretamente desta norma e não propriamente do nº1 do Artigo 1096º do Código Civil.
De facto, a tese acima explicitada (maioritária na jurisprudência) segundo a qual, a prever-se a renovação do contrato, esta ocorre imperativamente por um prazo mínimo de três anos sucumbe quando confrontada com o disposto no nº 3 do Artigo 1097º do Código Civil.
Na verdade, na lógica dessa tese, desde que as partes prevejam a renovação do contrato de arrendamento, este terá, inapelavelmente, uma duração sempre de quatro anos (mínimo imperativo de um ano, acrescendo renovação imperativa por mais três anos). Ora, se assim fosse, o disposto no nº 3 do Artigo 1097º não faria qualquer sentido, tratando-se de uma norma inútil e espúria porquanto os contratos de arrendamento, desde que as partes não afastassem expressamente a sua renovabilidade, teriam sempre uma duração mínima de quatro anos. Porém, o que decorre do nº3 do Artigo 1097º é que, prevendo-se a renovação do contrato, o prazo mínimo garantido da vigência do contrato é de três anos a contar da data da celebração do mesmo! Ou seja, o direito de o senhorio opor-se à renovação do contrato, quando seja prevista a renovação do contrato, está apenas condicionado à vigência ininterrupta do contrato por um período de três anos, contado da data de celebração do contrato. A tutela da estabilidade do arrendamento está aqui e não propriamente no nº1 do Artigo 1096º.
Assim, na discussão da questão em apreço, o elemento interpretativo da lei que mais releva não é propriamente o teleológico, mas sim o sistemático.
Conforme explica Teixeira de Sousa, Introdução ao Direito, Almedina, 2013, p. 360: «O elemento sistemático impõe que a lei seja interpretada no respetivo ambiente sistemático, ou seja, impõe que se passe do preceito para o texto legal que o contém, deste para o respetivo subsistema e, finalmente, deste para o sistema jurídico. Desta afirmação é possível extrair que nenhuma lei deve ser interpretada isolada de outras leis com as quais ela apresenta uma conexão sistemática e que, de entre os vários significados literais possíveis, há que preferir aquele que for compatível com o significado de outras leis. Só assim se dá expressão à unidade do sistema jurídico.» E, mais adiante: «Em matéria de interpretação, a construção dessa unidade implica que deve ser dada preferência a uma interpretação que seja compatível com o maior número possível de regras do mesmo sistema jurídico. A lei interpretada é consistente com as demais do sistema jurídico quando elas se conjugarem harmonicamente entre si» (p. 366). «O contexto horizontal é particularmente importante quando se trata de interpretar uma lei especial ou excecional. A interpretação de uma lei especial deve tomar em consideração a respetiva lei geral (p. 365).
Conjugando o disposto no nº1 do Artigo 1096º com o disposto no nº3 do Artigo 1097º do Código Civil, e acompanhando aqui Jorge Pinto Furtado, Comentário ao Regime do Arrendamento Urbano, 2ª ed., Almedina, 2020, p. 661, temos que:
«Ora, já se viu que o nº1 do presente artigo só dispõe para o silêncio contratual e, como no art.º 1097-3 também não se estabelece qualquer dimensão para o ulterior período de renovação, em si, daí se seguirá, se bem nos parece, que quando pretenda estabelecer-se renovação para um arrendamento habitacional de prazo certo terá de atribuir-se à própria duração desse contrato, pela aplicação conjugada dos dois preceitos, uma duração mínima de três anos.»
Em síntese, e mais uma vez, a tutela da estabilidade do contrato está, interpretando-se conjugadamente os preceitos, no estabelecimento de uma duração mínima do contrato de três anos, desde que as partes prevejam a renovabilidade do contrato de arrendamento sem que, nesta eventualidade, haja que fazer aceção do período de renovação expressamente convencionado”.
Também no Ac. TRL de 17-03-2022, proc. 8851/21.6T8LRS.L1, relator Nuno Lopes Ribeiro, quando são analisadas as duas teses em confronto se explica que “quer numa quer noutra das versões, se admite que as partes afastem a renovação automática do contrato celebrado ou prevejam período distinto (superior ou inferior) do inicial, após essa renovação.
A diferença encontra-se apenas no aditamento de uma limitação temporal à duração desse período de duração do contrato, após a renovação: não pode ser inferior a três anos, caso o período inicial de duração do contrato seja inferior a três anos.
Da letra da alteração legislativa de 2019 apenas se retira um efeito: nos contratos de arrendamento de duração inicial inferior a 3 anos, a renovação automática dos mesmos (quando opera), verifica-se por um período sucessivo de três anos (necessariamente maior do que o período inicial).
Trata-se de uma solução que «foge» à lógica da regra da renovação automática, fixando-se um período sucessivo extraordinário de três anos para um contrato de duração inicial inferior.
Mas foi a opção do legislador.
O passo seguinte constitui em apurar se a fixação por força de lei desse período sucessivo extraordinário de três anos constitui norma imperativa ou supletiva, ou seja, se as partes podem afastar tal regra, ao abrigo do princípio da liberdade de estipulação contratual.
Debalde encontramos resposta no seio da Lei 13/2019, pois da mesma apenas se retira que o seu objecto é o seguinte: A presente lei estabelece medidas destinadas a corrigir situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios, a reforçar a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano e a proteger arrendatários em situação de especial fragilidade.
A solução, na ausência de letra expressa, encontra-se na ponderação dos fins pretendidos com a alteração legislativa: a limitação imperativa à estipulação de períodos de renovação sucessiva inferiores a três anos corrige situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios, reforça a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano e protege arrendatários em situação de especial fragilidade?
Ora, parece-nos que a resposta há-de ser negativa, pois nesse caso, o legislador «esqueceu-se» de proteger ou prosseguir tais fins com igual intensidade no período de duração inicial do contrato.
Efectivamente, a mesma Lei 13/2019 estabeleceu, como limite mínimo dessa duração o período de um ano, na redação dada ao nº 2 do art. 1095º do mesmo Código, sob a epígrafe Estipulação de prazo certo: 1 - O prazo deve constar de cláusula inserida no contrato. 2 - O prazo referido no número anterior não pode, contudo, ser inferior a um nem superior a 30 anos, considerando-se automaticamente ampliado ou reduzido aos referidos limites mínimo e máximo quando, respetivamente, fique aquém do primeiro ou ultrapasse o segundo.
E tal norma, pela sua própria natureza, assume força imperativa: a ampliação ou redução automática dos prazos mínimo e máximo de duração inicial para um e trinta anos, significa que esses limites mínimos e máximos não podem ser derrogados por estipulação das partes no contrato celebrado.
Ou seja e para o que agora releva, imperativo é que o contrato de arrendamento tenha a duração mínima de um ano.
Duração inicial ou sucessiva de um ano.
Não se antevendo da Lei 13/2019 qualquer intenção de conferir maior protecção ao arrendatário no período sucessivo daquela concedida no período inicial.
Desde logo, por não se demonstrar constituir o período sucessivo à renovação uma situação de maior desequilíbrio entre arrendatário e senhorio, de maior necessidade de segurança e estabilidade do arrendamento urbano e de maior fragilidade do arrendatário relativamente ao período inicial de duração do mesmo contrato de arrendamento.
Por fim, refira-se que o processo legislativo (disponível em https://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=42542) pouco esclarece a intenção do legislador, pois a alteração do art. 1096º tem origem em proposta de alteração do Grupo Parlamentar do Partido Socialista à Proposta de Lei nº 129/XIII/3, no seio da discussão na Comissão de Ambiente, Ordenamento do Território, Descentralização, Poder Local e Habitação – sendo que a Proposta inicial do Governo em nada se referia a este preceito em concreto.
Ou seja, a alteração ao preceito surge no decurso da discussão parlamentar da Proposta de Lei, sem lograrmos apurar o fio condutor ou a intenção do legislador, no caso.
(…)
Concluir que a lei pretendeu garantir uma duração sucessiva à renovação de três anos, porque estabeleceu como imperativo esse limite mínimo terá tanto valor argumentativo como concluir que a lei estabeleceu como imperativo esse limite mínimo porque pretendeu garantir uma duração sucessiva à renovação de três anos.
Uma e outra acepção, encontrando-se por demonstrar.
(…)
… apenas se constata a imperatividade da duração do período inicial de um ano.
Não se demonstrando essa imperatividade, quer pela letra quer pelo espírito da Lei, vigora o princípio da liberdade contratual, estabelecido no art. 405º do Código Civil, no sentido de que as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos ou incluir neles as cláusulas que lhes aprouver, podendo inclusivamente reunir no mesmo contrato regras de dois ou mais negócios, total ou parcialmente regulados na lei.
(…)
No caso da norma em análise, a sua letra permite – mais, apoia - a interpretação do seu carácter supletivo e o caracter imperativo não resulta dos interesses tutelados pela alteração legislativa”.
Parece-nos ser esta a solução a adoptar, por ser a que resulta do espírito do legislador e encontra eco quer no elemento literal, quer no elemento sistemático da interpretação deste artigo.
Donde, e para o que ora interessa, entende-se que o prazo previsto no nº 1 do art. 1096º tem natureza supletiva, permitindo a lei prazos de renovação inferiores a três anos.
No caso dos autos, o contrato de arrendamento foi celebrado em 01 de Julho de 2006, pelo prazo de um ano, sucessivamente renovável por iguais períodos, cfr. factos provados nºs 1 e 3.
Face à a entrada em vigor do nº 3 do art. 1097º do CC através da Lei 13/2019, de 12 de Fevereiro, o contrato dos autos passou a ter um período de vigência mínimo de três anos a contar da sua celebração, já que a oposição à primeira renovação do contrato, por parte do senhorio, apenas produz efeitos decorridos três anos da celebração do mesmo, mantendo-se o contrato em vigor até essa data, período temporal que, no caso, se mostrava já decorrido.
Assim, uma vez que as partes estabeleceram que o contrato se renovava por iguais períodos de um ano, o mesmo renovou-se, sucessivamente, até 1 de Julho de 2022, renovando-se depois por prazos de um ano como acordado entre as partes.
Resulta dos factos assentes que o A. enviou carta de oposição à renovação Fevereiro de 2023, indicando que a mesma produziria efeitos em 30 de Junho de 2023 (facto nº 4)
Do confronto destas datas com o que se expôs, conclui-se que a oposição à renovação do contrato foi válida e tempestivamente efectuada, sendo eficaz para fazer cessar o contrato dos autos em 30 de Junho de 2023, como bem decidido em primeira instância.
Consequentemente, nada havendo a censurar à decisão recorrida, conclui-se pela improcedência da apelação, sendo a apelante responsável pelas custas respectivas, cfr. art. 527º do CPC.
* 2. Do recurso subordinado:
Interpôs o A. recurso subordinado, defendendo que, tendo o contrato de arrendamento cessado em 30 de Junho de 2023, a R. entrou em mora quanto à obrigação de restituição, constituindo-se no dever de indemnizar o apelante pelo valor da renda em dobro, desde aquela data até ao momento da restituição, nos termos do art. 1045º do CC.
Sustenta o apelante que a obrigação de entrega do locado se constituiu com a cessação do contrato, não sendo necessária a interpelação da arrendatária para a entrega do locado.
Mais alega que, mesmo que assim não se entenda, resulta do facto provado nº 3 que a R. foi interpelada para efectuar a restituição do imóvel.
No que diz respeito a esta questão, entendeu o tribunal recorrido que “Relativamente ao momento da mora por parte da Ré na restituição do imóvel, nos termos e para os efeitos do cálculo da indemnização prevista no n.º 2 do referido preceito legal, somos de opinião que apenas se verifica uma situação de mora quando o ex-arrendatário, após a cessação do contrato de arrendamento, é interpelado para abandonar o arrendado. (MENEZES LEITÃO, Arrendamento Urbano, Almedina, 2022, p. 112-113, e ELSA SEQUEIRA SANTOS, Código Civil Anotado, vol. I, Almedina, 2017, p. 1272.).
Caso se entendesse que a mora se iniciava logo com a cessação do contrato de arrendamento, como pretende o Autor, o n.º 1, do artigo 1045.º do Código Civil, ficaria sem qualquer aplicação, carecendo de sentido a respetiva norma.
Assim, atenta a factualidade provada, só podemos concluir, com segurança, que a data da interpelação ocorreu com a citação da Ré na presente ação, em 18.07.2024, uma vez que não foi alegada, pelo Autor, qualquer interpelação nesse sentido após a cessação do contrato e antes da data da citação.
Encontrando-se a Ré em mora desde esse momento, deve ser condenada no pagamento da indemnização suprarreferida, elevada ao dobro, apenas desde 18.07.2024, até efetiva restituição do imóvel ao Autor”.
Dispõe o art. 1045º do CC que:
“1. Se a coisa locada não for restituída, por qualquer causa, logo que finde o contrato, o locatário é obrigado, a título de indemnização, a pagar até ao momento da restituição a renda ou aluguer que as partes tenham estipulado, excepto se houver fundamento para consignar em depósito a coisa devida.
2. Logo, porém, que o locatário se constitua em mora, a indemnização é elevada ao dobro.”.
Como bem se explica, de forma sustentada e pormenorizada, no Ac. TRL de 06-02-2024, proc. 18216/21.4T8SNT.L1, relator Carlos Oliveira, ora 1º Adjunto, “Quanto à questão da mora, o Art. 1045.º tem efetivamente duas disposições legais distintas. No n.º 1 é estabelecido que se a coisa locada não for restituída, por qualquer causa, logo que finde o contrato, o locatário é obrigado, a título de indemnização, a pagar até ao momento da restituição a renda estipulada. Já no n.º 2 estabelece que, logo que o locatário se constitua em mora, a indemnização é elevada ao dobro.
Escreviam, a este propósito, Pires de Lima e Antunes Varela (in “Código Civil Anotado”, Vol. II, 3.ª Ed., pág. 406) que: «se findo o contrato, não houver mora do locatário quanto à obrigação de restituição da coisa locada (…), o contrato prolonga-se até à entrega da coisa, devendo o locatário continuar a pagar, agora a título de indemnização, a renda ou aluguer convencionado. Indemnização justa, visto que ele continua a usar a coisa em prejuízo do locador - mas indemnização de natureza claramente contratual.”. Havendo mora do locatário, continuam os mesmos Autores: «a sua responsabilidade aumenta, fixando a lei como indemnização o dobro da que resultaria no caso previsto no número anterior».
Pedro Romano Martinez (in “Direito das Obrigações (Parte Especial) Contratos”, 2ª Ed., pág.s 202 a 203) veio precisar que: «O vencimento da obrigação de entrega da coisa não se dá, de imediato, no momento em que termina o contrato. / Extinto o contrato de locação, se o locatário não restituir imediatamente a coisa locada, nos termos do art. 1045º, n.º 1 CC, deve continuar a pagar a renda ou aluguer ajustadas. Por conseguinte, prevê-se que, extinta a relação contratual, se o locatário não restituir a coisa locada, subsiste uma relação contratual de facto que lhe impõe o dever de continuar a pagar a renda ou aluguer ajustado, como se o contrato continuasse em vigor. / Contudo, se o locador interpelar o locatário para este proceder à entrega da coisa, não a restituindo, entra em mora. Assim, o locatário, extinto o contrato de locação, só entra em mora, relativamente à obrigação de restituir a coisa, depois de ter sido interpelado para a entregar. Extinto o contrato, torna-se necessário que o locador interpele o locatário, após o que, se este não restituir a coisa, entra em mora e tem de pagar o dobro da renda ou aluguer devido contratualmente (art. 1045º, n.º 2 CC)».
Menezes Leitão (in “Arrendamento Urbano”, 6.ª Ed., pág. 111), debruçando-se também sobre este tema, escreve: «Da formulação destas disposições legais resulta que a obrigação de restituição não se vence automaticamente no fim do contrato de arrendamento urbano (…), dado que o decurso desses prazos apenas torna exigível essa restituição, cujo vencimento depende, nos termos gerais, de interpelação à outra parte (art. 777.º n.º 1). Consequentemente, é apenas a partir dessa interpelação que o arrendatário entra em mora quanto à restituição (art. 805.º, n.º 1), com as respetivas consequências legais em termos de indemnização (art. 804.º, n.º 1) e inversão do risco pela perda ou deterioração da coisa (art. 807.º)».
Olinda Garcia (in “Arrendamentos para Comércio”, pág. 59) defende igualmente que o n.º 1 do Art. 1045.º do C.C. não prevê uma sanção para o não cumprimento, dado o arrendatário não estar em mora, mas antes uma compensação pecuniária que afasta a disciplina geral do enriquecimento sem causa, sendo a previsão do n.º 2 do mesmo preceito uma sanção, aplicável em caso de mora, pelo atraso na restituição do locado.
Já Menezes Cordeiro (in “Tratado do Direito Civil”, Vol. XI, pág.s 788 a 789) admite que a não-restituição será lícita quando, por causa não imputável ao locatário, ela não corre no momento em que cesse o contrato, o que pode suceder: «(a) quando o locatário ilida a presunção de culpa pela não-restituição; (b) caso o locador, a título de mera tolerância, admita a manutenção do gozo, na esfera do locatário; (c) quando exista uma situação controvertida (ação de nulidade ou de anulação, ação de resolução ou situação de caducidade), não provocada pelo locatário e enquanto ela não se solucionar, desde que continue a pagar a renda ou aluguer; (d) quando a restituição não possa ter lugar por causa imputável ao locador e, não obstante, o locatário continue no gozo da coisa, sem recorrer à consignação em depósito». Acrescentando, mais à frente que: «fora dos casos apontados e não havendo restituição por culpa do próprio locador (…) a presunção de culpa do locatário implica a da mora, por via do artigo 805.º/2, a). Não é necessário nenhuma interpelação (805.º/2), uma vez que há prazo certo. Apenas quando o termo dependa duma iniciativa do locador (denúncia, resolução ou declaração de anulação) se poderia situar o início da mora no da eficácia da competente declaração. Logo que haja mora, a “indemnização” é elevada ao dobro (1045.º/2)».
Pereira Coelho (in “Arrendamento – Lições ao Curso do 5º ano de ciências jurídicas de 1986/87”, pág. 192) considerava que existem três hipóteses a considerar, conforme a causa da não restituição pontual do locado: (i) tratando-se de causa imputável ao inquilino, este constitui-se em mora, nos termos do art. 804º, nº 2, e fica obrigado a pagar o dobro da renda até ao momento da restituição: é a hipótese do Art. 1045.º nº 2 do C.C.; (ii) tratando-se de causa imputável ao senhorio, há fundamento para a consignação em depósito do prédio, conforme o art. 841º, nº 1: é a hipótese prevista na parte final do n.º 1 do Artº 1045º, caso em que o inquilino nada deve ao senhorio a título de indemnização pelo atraso na restituição do arrendado; (iii) devendo-se a não restituição do imóvel a qualquer outra causa, aplica-se a solução da 1ª parte do nº 1 do art. 1045º: o locatário é obrigado a continuar a pagar a renda acordada, “a título de indemnização”, até ao momento da restituição do prédio.
Na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, podemos destacar o acórdão de 20/11/2012 (Proc. n.º 1587/11.8TBCSC.L1.S1 – Relator: Garcia Calejo, disponível em www.dgsi.pt), de cujo sumário resulta o seguinte entendimento: «III - Tendo o negócio prazo fixo e porque à arrendatária incumbia a restituição do locado findo o contrato (art. 1038.º, al. i)), a mora ocorreu no dia 01-01-2010, de harmonia com o disposto no art. 805.º, n.º 2, al. a), do CC. IV - Não seria necessária a interpelação da arrendatária para a entrega da coisa locada, dado que este art. 805.º, n.º 2, al. a), exclui a necessidade de interpelação a que alude o n.º 1 deste artigo (todos os arts. do CC)».
Mas num acórdão de 12 de dezembro de 2023 (Proc. n.º 7895/20.0T8LSB.L1.S1 – Relator: Ricardo Costa, disponível no mesmo sítio) admitiu-se posição diversa, conforme sumário que aqui se reproduz: «I- Surgindo para o locatário a obrigação de restituição do locado por oposição lícita à renovação do contrato de arrendamento, o atraso relativamente ao dever de entrega que configure uma situação de mora por causa que não lhe seja imputável a título de culpa (mora consentida por causa justificativa legítima: «por qualquer causa») faz aplicar o n.º 1 do art. 1045º do CCiv. e a correspondente indemnização por ato lícito; ao invés, a “mora” pressuposta no n.º 2 do art. 1045º implica omissão de entrega voluntária e culposa, conduzindo a uma indemnização por ato ilícito (em conjugação com os arts. 804º, 2, e 805º, 2, a), do CCiv.). II- O adiamento da restituição da coisa locada prevista no n.º 1 do art. 1045º do CCiv. afigura-se como ato lícito em referência a essa mora consentida, numa espécie de prolongamento da relação locatícia por causa sem culpa do locatário (uma vez autorizado, tolerado ou admitido pelo ordenamento jurídico, por ocorrência de litígio judicial relevante ou decisão de tribunal ou pelas partes), que funda o pagamento das rendas vencidas até à restituição em singelo».
No acórdão do STJ de 5/6/2007 (Proc. n.º 07A1186III – Relator: Nuno Cameira), defendeu-se mesmo que a obrigação de indemnização estabelecida no n.º 2 do Art. 1045.º do C.C. para compensar os senhorios pelo atraso na entrega do imóvel só seria de aplicar «depois de transitada a sentença que decretou o despejo».
Discorrendo sobre esta matéria, diremos que resulta do Art. 1038.º al. i) do C.C. que é obrigação do locatário restituir a coisa locada depois de findo o contrato. Por outro lado, o Art. 1081.º n.º 1 do C.C. estabelece que a cessação do contrato «torna imediatamente exigível» a desocupação do locado e a sua entrega. Mas uma coisa é a “exigibilidade”, traduzida no nascimento imediato do poder conferido ao senhorio de obrigar o inquilino a cumprir uma obrigação legal, outra é o “vencimento” ou constituição em “mora” do devedor.
Veja-se que, nos termos do Art. 1056.º do C.C., se o locatário se mantiver no gozo da coisa locada por mais de um ano, sem haver oposição do locador, apesar da caducidade do arrendamento, o contrato considera-se renovado.
Portanto, a obrigação de restituição da coisa locada, findo o prazo estipulado pelas partes e manifestada a oposição à renovação, não tem como consequência necessária a constituição em mora por parte do inquilino, pois pode até vir a acontecer uma renovação legal do contrato de arrendamento, ainda que no pressuposto (não verificado no caso) de não haver oposição do senhorio e a situação se protelar por mais de um ano.
É legítimo, por isso, concluir que, com a cessação do contrato nasce apenas a obrigação de restituição da coisa locada (cfr. Art. 1038.º al. i) do C.C.), a qual pode ser cumprida pelo inquilino a qualquer momento e exigida pelo senhorio assim que o bem entenda (cfr. Art. 777.º n.º 1 do C.C.).
Estamos assim perante uma obrigação pura e não de prazo certo (cfr. Art. 805.º n.º 2 al. a) do C.C.), em que o vencimento da mesma fica dependente da efetiva interpelação para cumprimento, seja por via judicial, seja extrajudicial (cfr. Art. 805.º n.º 1 do C.C.).
Em conclusão, a mora constituir-se-á pela mera comunicação ao devedor da exigência efetiva do cumprimento da obrigação de entrega da coisa.”.
Em igual sentido, veja-se ainda o Ac. TRP de 21-11-2024, proc. 5650/24.7T8PRT.P1, relator Ana Vieira.
Nada há a acrescentar quanto a esta questão, entendendo-se a obrigação de restituição do locado está dependente da efectiva interpelação para cumprimento.
Revertendo estas considerações ao caso dos autos, tem de se concordar com o tribunal recorrido quando defende que apenas se verifica uma situação de mora quando, após a cessação do contrato de arrendamento, exista uma interpelação do ex-arrendatário para abandonar o locado, ao contrário do sustentado pelo A., apenas se impondo apreciar se essa interpelação ocorreu com a carta mencionada em 4 dos factos provados (e não 3 como referido em sede de alegações).
Ora, se é certo que o A. enviou a missiva em causa, referindo que pretende exercer o direito de oposição à renovação do contrato de arrendamento, solicitando a sua restituição nessa data, nada mais se provou quanto a posteriores comunicações quanto a essa restituição.
Por outro lado, essa carta, comunicando a oposição à renovação do contrato com efeitos a partir de 30 de Junho de 2023, não consubstancia qualquer interpelação para cumprimento da obrigação de entrega da coisa. Ou seja, a comunicação em causa poderia ser sempre contestada, não podendo valer como interpelação que ainda não estaria certa.
Temos, pois, de concluir que a carta enviada pelo A. e descrita em 4. dos factos provados, não pode ser considerada como uma interpelação para cumprimento da obrigação de entrega da coisa, como bem decidido pelo tribunal a quo, apenas existindo mora desde a citação para os presentes autos.
Assim, conclui-se pela improcedência do recurso subordinado, sendo o A. responsável pelas custas respectivas, cfr. art. 527º do CPC.
*
V. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desta 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar a apelação nos seguintes termos:
a) julgar improcedente o recurso principal;
b) julgar improcedente o recurso subordinado.
Custas do recurso principal pela R..
Custas do recurso subordinado pelo A..
*
Lisboa, 17 de Junho de 2024
Ana Rodrigues da Silva
Carlos Oliveira
João Novais