CONTRATO DE CESSÃO DE EXPLORAÇÃO
DECLARAÇÃO NEGOCIAL
INTERPRETAÇÃO
VALIDADE
CADUCIDADE
IMPOSSIBILIDADE DA PRESTAÇÃO
Sumário

Sumário elaborado pela relatora e da sua inteira responsabilidade – cf. artigo 663º, n.º 7 do Código de Processo Civil.
I - De acordo com as regras da interpretação negocial previstas no artigo 236º do Código Civil, para efeitos de interpretação e fixação do sentido da declaração haverá que atender à letra do negócio, às circunstâncias de tempo, lugar e outras que precederam a sua celebração ou dela são contemporâneas, às negociações prévias, à finalidade prática visada pelas partes, ao próprio tipo negocial, à lei e aos usos e costumes por ela recebidos e ainda às precedentes relações negociais entre as partes, atendendo-se ainda à boa-fé, por referência à globalidade do contrato, à totalidade do comportamento das partes – anterior ou posterior ao contrato -, à particularização das expressões verbais, ao princípio da conservação dos actos – o favor negotii – e à primazia do fim do contrato.
II - O contrato de cessão de exploração distingue-se do contrato de arrendamento pelo facto de ser um contrato unitário, que tem por objecto a universalidade do estabelecimento, mediante o qual uma pessoa transfere, temporária e onerosamente, juntamente com o gozo do prédio, a exploração de um estabelecimento comercial, industrial ou de serviços nele instalado.
III - Declarando a primeira outorgante, a aqui autora, ser “proprietária do estabelecimento comercial de “Antiguidades, decoração e restauro”, instalado na loja com entrada pelos números 164 e 166, do prédio urbano sito na Rua de … …, números … a …, em Lisboa, propriedade da Câmara Municipal de Lisboa” e estipulando as partes na cláusula 1ª do contrato que a sociedade “cede a exploração do identificado estabelecimento, como um todo, isto é, abrangendo a fruição do local, móveis e utensílios, licenças e ainda todos os demais bens materiais e imateriais que o integram e destinados à continuação do exercício da respectiva actividade, e ainda para decoração, artesanato, importação e exportação, formação profissional e apoio a artesões, restauro e venda de móveis novos e usados”, não tendo sido dado como provado qualquer facto que revele ou indicie ter sido outra a intenção das partes sobre aquilo que pretenderam negociar, a única interpretação que se compagina com o seu conteúdo é a de que as partes pretenderam a cedência do estabelecimento comercial, qua tale, e não apenas a cedência do espaço.
IV - Na cessão de exploração do estabelecimento comercial ou locação de estabelecimento comercial releva a tipologia do estabelecimento, a aferir pelos elementos necessários ao tipo de comércio que ali é prosseguido, sendo que, por regra, e atenta a ligação estruturante com a actividade, tal transmissão inclui o imóvel onde o estabelecimento está instalado, o que implica que o imóvel esteja na disponibilidade do empresário, o que pode ocorrer a diversos títulos, não sendo necessariamente ao abrigo de um direito real de gozo. O que é essencial ao estabelecimento é o direito à disponibilidade do imóvel, a possibilidade jurídica de o utilizar e não o domínio sobre ele.
V - A caducidade constitui uma forma de extinção dos contratos em caso de impossibilidade não imputável a uma das partes de efectuar a sua prestação. Num contrato sinalagmático, se uma das partes não pode realizar a sua prestação, a contraparte fica desobrigada da contraprestação, nos termos do disposto no artigo 795º, n.º 1 do Código Civil.
VI - O cancelamento pela Câmara Municipal da cedência, a título precário, à sociedade autora do imóvel onde estava instalado o estabelecimento comercial determinou a cessação da fruição do espaço por parte desta e, por consequência, a impossibilidade de ceder a exploração do estabelecimento nele instalado.

Texto Integral

Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
*
I – RELATÓRIO
L …, LDA.[1] intentou contra CAVALO DE PAU – DECORAÇÃO E ARTESANATO, LDA.[2] a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário, formulando os seguintes pedidos:
a) A declaração de nulidade do contrato-promessa e da escritura pública de cessão de exploração do estabelecimento outorgada entre a autora e a ré, no 21º Cartório Notarial de Lisboa em 14-04-1999, com a consequente entrega do estabelecimento à primeira;
Subsidiariamente,
b) A declaração de anulação da referida escritura pública de cessão de exploração do estabelecimento, com entrega do estabelecimento à autora;
Ou
c) Julgar-se revogado o contrato de cessão de exploração do estabelecimento, firmado pela escritura pública, por incumprimento da ré por falta de pagamento;
d) Em qualquer caso, a condenação da ré pagar à autora a quantia de 36 614,51 € de rendas/compensações pela exploração, vencidas desde Outubro de 2010 até Janeiro de 2012 e as mensalidades vincendas de 2 351,39 €, cada uma, de Fevereiro de 2012 até à entrega do estabelecimento, tudo acrescido de juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal para as operações comerciais, desde as datas dos vencimentos até integral pagamento.
Alega para tanto, em síntese, o seguinte[3]:
Ø A autora é titular do estabelecimento comercial de compra e venda de antiguidades, decoração e restauro, instalado à Rua de … …, n° …, R/C, em Lisboa e o título da utilização comercial da loja é o contrato de arrendamento comercial celebrado entre a autora e a então proprietária do prédio, A …, em 1936;
Ø O estabelecimento foi explorado pela autora desde 1936 até à cessão de exploração temporária a favor da ré, por contrato-promessa de cessão de exploração de 7 de Julho de 1997, com início em 1 de Agosto de 1997, altura em que passou a ser explorado por esta e escritura pública de cessão de exploração celebrada entre autora e ré, em 14 de Abril de 1999;
Ø Por escritura de 14 de Novembro de 1953, a Câmara Municipal de Lisboa[4] tomou posse do prédio em causa, por via da expropriação efectuada à proprietária A …, com expropriação dos arrendamentos, tendo a autora, em 28 de Junho de 1955, requerido à CML que a loja pertencente ao edifício expropriado, sita no n.º …, R/C da Rua de … …, cujo arrendamento lhe tinha sido igualmente expropriado, lhe fosse cedida a título precário, o que foi deferido por despacho da CML de 7 de Julho de 1955, que lhe concedeu a ocupação a título precário da loja, mediante o pagamento de uma taxa mensal no valor de 900$00;
Ø Os actuais sócios da autora actuaram sempre na convicção de que vigorava o contrato de arrendamento comercial então celebrado com a proprietária da época, A …, que a CML assumira por transmissão aquando da respectiva aquisição da propriedade, desconhecendo a situação jurídica de cedência a título precário;
Ø A partir de Agosto de 2010 a prestação mensal passou para 2 239,42 € e em Agosto de 2011 passou para 2 351,39 €;
Ø Por não existir contrato de arrendamento ou título de utilização estável, não estão reunidos os elementos que compõem a cessão de exploração de estabelecimento, o que determina a nulidade do título de cessão de exploração e há erro sobre o objecto do negócio, o que sempre determinaria a anulação dos negócios, porquanto, caso a autora conhecesse a inexistência de contrato de arrendamento, nunca teria celebrado tal contrato de cessão de exploração do estabelecimento ou similar;
Ø A ré deixou de efectuar os pagamentos desde Outubro de 2010, referente a Novembro de 2010, tendo pago a última prestação em Setembro de 2010, no valor de 2 239,42 €, ascendendo os valores devidos e não pagos a 36 614,51 € (2 239,42 x 9 + 2 351,39 x 7), acrescidos de juros de mora;
Ø Essa situação de incumprimento contratual confere também o direito a revogar o contrato de cessão de exploração.
A ré contestou e reconveio, o que fez, muito em síntese, nos seguintes termos[5]:
² A autora não tem qualquer título para requerer a entrega do estabelecimento, pois a cedência a título precário atribuída pela CML foi cancelada em 1 de Setembro de 2009, o que constitui facto extintivo do direito, excepção peremptória que determina a absolvição a ré do pedido;
² Impugna, por desconhecer, se a autora procedeu ao pagamento de taxas à CML e refuta que a autora desconhecesse o carácter precário da utilização do prédio;
² No ano de 2010, a autora pagava à CML, pela cedência a título precário, o valor de 335,45 € e cobrava à ré 2 132,80 € mensais e nunca comunicou à edilidade a celebração do contrato de cessão de exploração, pelo que a ré nunca suspeitou da falta de habilitação da autora para ceder a utilização do espaço, tendo ocupado o imóvel durante mais de treze anos na convicção de que tinha legitimidade para tanto;
² Em Setembro de 2010 a ré foi abordada na sua loja por técnicos da CML, tendo sido informada de que estaria em curso um procedimento camarário relativo a esta situação, vindo a constituir-se como Interessada no referido procedimento administrativo, o que lhe permitiu apurar a natureza precária da ocupação do prédio por parte da autora e a falta de legitimidade desta para ceder a exploração, o que determinou o cancelamento da cedência a título precário;
² No âmbito do procedimento administrativo a ré propôs à CML a regularização da ocupação do espaço, quer mediante a celebração de contrato de arrendamento, quer a título de constituição de nova cedência a título precário, o que ainda se encontra pendente de decisão;
² Foi neste contexto que a ré optou por suspender o pagamento à autora das prestações, enquanto não houvesse decisão sobre a ocupação, assim como a CML deixou de receber o pagamento das quantias pagas pela autora;
² O contrato de cessão de exploração é legalmente impossível porque a autora não tem na sua esfera jurídica o direito de explorar o prédio, pelo que tal contrato é nulo, nos termos do art.º 280º, n.º 1 do Código Civil, por acto imputável à própria autora, que assim não pode invocar contra a ré tal nulidade, invocação que constitui um abuso de direito, nos termos do art.º 334º do Código Civil;
² A autora não podia ignorar a situação do prédio, tendo actuado de forma dolosa destinada a provocar o erro da ré sobre o objecto, nos termos do art.º 253º, n.º 1 do Código Civil, não podendo proceder o pedido de anulação do contrato, nos termos por aquela propugnados;
² A declaração de nulidade tem efeitos retroactivos e ainda que se concluísse pela validade do contrato, a ré não se encontra em incumprimento definitivo, pois que, até à apresentação da petição inicial, nunca foi interpelada para proceder a qualquer pagamento;
² O incumprimento não se pode colocar perante um contrato nulo, não havendo lugar ao pagamento das rendas.
Em sede de reconvenção alegou a ré que apenas ela pode, enquanto lesada, invocar a invalidade do contrato, por impossibilidade legal do seu objecto, face à falta de título da autora para ceder a exploração comercial do prédio ou a sua anulabilidade, por se verificar o erro sobre o objecto do negócio, por estar convencida que estava a ser transferida para a sua esfera jurídica o direito de explorar economicamente o prédio e não apenas um direito de o utilizar de forma precária, não podendo a autora ignorar a essencialidade do erro; com base na nulidade ou anulação do contrato, o resultado será a destruição retroactiva dos seus efeitos, havendo que restituir o que tiver sido prestado, nos termos do art.º 289º, n.º 1 do Código Civil, o que determina que a autora deva restituir todos os montantes que lhe foram pagos pela ré desde 1997; quanto à restituição do valor equivalente à utilização, deve ser considerado o valor da cedência a título precário, ou seja, os valores pagos pela autora à CML, cujos montantes esta deve informar nos autos.
Conclui pela procedência da excepção peremptória e a sua absolvição dos pedidos e, assim se não entendendo, pela improcedência da acção e pela procedência do pedido reconvencional, sendo a autora condenada a pagar o diferencial entre o valor pago pela ré e aquele pago pela autora à CML, acrescido de juros de mora vencidos e vincendos, até integral pagamento.
Por requerimento de 25 de Julho de 2012[6] a ré veio liquidar o valor do pedido reconvencional, face à junção de certidão emitida pela CML dando conta dos valores pagos pela autora e daqueles que a esta pagou, pelo que fixou o valor que lhe é devido pela reconvinda em 232 698,94 €, acrescida dos juros de mora desde a data da sentença.
A autora replicou, em 6 de Setembro de 2012[7], sustentando que, ainda que precário, tem título de ocupação e o estabelecimento pertence-lhe, confundindo a ré a cessão de exploração de estabelecimento, com arrendamento, subarrendamento, cessão da posição contratual e trespasse, não podendo os eventuais vícios do negócio ter como consequência a devolução dos montantes pagos, o não pagamento do que está em dívida e a apropriação ilegítima do estabelecimento, mas apenas a restituição do estabelecimento, com redução da retribuição proporcionalmente ao tempo da privação e sua extensão, não podendo deixar de pagar a retribuição durante o período em que a exploração pela ré se mantém, independentemente da relação da autora com a CML; não há qualquer impossibilidade de restituição do estabelecimento, ainda que não houvesse título, que há, sendo que a autora continua a enviar mensalmente para a CML o valor da renda e nunca foi notificada de qualquer decisão do procedimento administrativo; o valor pago pela ré é aquele que resultou da negociação entre as partes e que esta aceitou, sendo que a legal representante da ré estava à data inteirada da vida da sociedade autora, mais do que os actuais sócios desta. Pugna pela improcedência da excepção e da reconvenção.
Em 4 de Fevereiro de 2013[8] teve lugar a realização de audiência preliminar, nos termos do art. 508º-A do Código de Processo Civil de 1961, no âmbito da qual a senhora juíza a quo informou as partes que ponderava proferir decisão de mérito, concedendo a palavra aos respectivos ilustres mandatários para se pronunciarem, nos termos do art.º 508º-A, n.º 1, b) do referido diploma legal, tendo estes reiterado as posições já vertidas nos articulados.
Em 5 de Fevereiro de 2013[9], a autora juntou aos autos o documento comprovativo da notificação que lhe foi dirigida pela CML, de manutenção da decisão de cancelar a cedência a título precário relativa ao espaço sito na Rua de S. …, … R/Ch, informando ainda que iria impugnar tal decisão.
Em 8 de Fevereiro de 2013[10], a ré pronunciou-se sobre tal documento repetindo que dele decorre a extinção de qualquer direito da autora quanto à restituição do prédio, sendo o objecto do contrato impossível e reafirmou que deixou de pagar as prestações em Setembro de 2010 por ter conhecimento do cancelamento da cedência de utilização, deixando a autora de ter direito a cobrar-lhe qualquer valor pela utilização do estabelecimento.
Em 25 de Fevereiro de 2013, a ré apresentou requerimento em que solicitou a suspensão da instância por pendência de causa prejudicial, com fundamento no facto de estar pendente uma acção de impugnação judicial da decisão de cancelamento da cedência de utilização do espaço, ao que a autora se opôs.[11]
Em 29 de Janeiro de 2015 foi proferido despacho que determinou a suspensão da instância até que se mostre decidida pelo Tribunal Administrativo a questão relativa ao cancelamento da cedência precária.[12]
Em 27 de Maio de 2019 foi junto o acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul na acção administrativa especial n.º …/…-…BELSB, transitado em julgado em 26 de Junho de 2019, que manteve o despacho saneador recorrido, que absolvera o Município de Lisboa da instância, tendo as partes se pronunciado sobre os efeitos dessa decisão no desfecho da presente acção, conforme requerimentos de 9 e 11 de Junho de 2019.[13]
Prescindida a realização da audiência prévia[14], em 28 de Fevereiro de 2020 foi proferido despacho saneador-sentença com o seguinte segmento decisório[15]:
“[…] julgo a acção parcialmente procedente e, em consequência:
A) condeno a Ré a pagar à Autora a quantia mensal devida a título de renda, nos termos acordados para a cessão de exploração do estabelecimento comercial, até ao trânsito em julgado da decisão, do Tribunal Central Administrativo Sul, que confirmou o cancelamento da autorização precária de uso do imóvel atribuída à Autora;
B) julgo improcedente a reconvenção.”
Em 19 de Março de 2020 a ré deduziu requerimento de arguição de nulidade processual, nos termos do art. 195º do Código de Processo Civil e em 29 de Junho de 2020, a ré interpôs recurso da sentença.
Remetidos os autos a este Tribunal da Relação de Lisboa, em 2 de Fevereiro de 2021 foi proferido acórdão que determinou o seguinte[16]:
“[…] anular a decisão recorrida, nos termos do art. 662º, n.º 1, c) do CPC, para ampliação da matéria de facto nos termos expressamente mencionados no texto supra, devendo o Tribunal a quo agendar audiência prévia a fim de, com eventual prévio providenciar pelo aperfeiçoamento dos articulados (se assim o entender útil), ser delimitado o objecto do litígio e serem enunciados os temas da prova (ou, em caso de dispensa da audiência, ser proferido despacho com idêntica finalidade), procedendo-se às demais diligências a que alude o art. 591º do CPC, com vista à subsequente realização de audiência de julgamento, com produção de prova (para apuramento, designadamente, do alegado nos apontados artigos 14º a 18º, 28º e 31º da petição inicial; artigos 29º, 51º a 54º, 61º, 89º, 94º e 95º da contestação e artigos 35º, 47º e 58º a 64º da réplica, excluídas as referências jurídicas, juízos de valor ou conclusões e, eventualmente, de outros que a 1ª instância considere pertinentes).”
                Regressados os autos à 1ª instância, em 14 de Fevereiro de 2022, no decurso da audiência prévia, a ré apresentou um articulado superveniente[17] alegando que, em 1 de Julho de 2014, celebrou com a CML um contrato de arrendamento comercial, nos termos do qual tomou de arrendamento a loja localizada no n.° … da Rua de … …, pelo prazo de 5 anos, contados a partir da sua assinatura e com renovações automáticas por períodos iguais e sucessivos de 5 anos, mediante o pagamento da renda de 1 875,00 €, que se renovou no dia 1 de Julho de 2019, estando em vigor, com a renda actual de 1 930,50 €, loja que corresponde àquela cuja ocupação é discutida nos autos, pelo que a autora não lhe pode exigir o pagamento de qualquer renda desde então ou o valor peticionado nos autos.
A autora opôs-se à admissibilidade do articulado superveniente e impugnou a matéria de facto nele vertida.[18]
Em 21 de Fevereiro de 2022 foi proferida decisão que admitiu o mencionado articulado.[19]
Em 9 de Junho de 2022, a autora apresentou um requerimento com o seguinte teor[20]:
“Em face do trânsito em julgado em 26/06/2019 do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, Processo sob o nº …/…-…BELSB, que opunha a aqui Autora à Câmara Municipal de Lisboa e foi causa prejudicial nos presentes autos, actualmente perdeu utilidade o pedido da Autora de entrega do estabelecimento.
E, sendo o pedido de nulidade e anulabilidade do contrato-promessa de cessão de exploração e da escritura de cessão de exploração o fundamento para a entrega do estabelecimento, presentemente perdeu, igualmente, utilidade tal pedido, pelo que perderam utilidade os pedidos formulados sob as alíneas a) e b).
Quanto ao pedido da alínea c), atento o efeito suspensivo da sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa no sobredito processo nº …/…-…BELSB e ao trânsito em julgado do acórdão em 26/06/2019, deve ser declarada a revogação do contrato de cessão de exploração a esta data do trânsito em julgado.
Mantém-se o peticionado na alínea d) do pedido, de pagamento pela Ré de rendas/compensações pela exploração do estabelecimento, já não até à entrega do estabelecimento, mas até ao trânsito em julgado do sobredito acórdão, Junho de 2019.
Assim,
36.614,51 € de Outubro de 2010 a Janeiro de 2012 (já anteriormente liquidado) e 209.273,71 € de Fevereiro de 2012 a Junho de 2019 (89 meses x 2.351,39 €), o que totaliza o montante de 245.888,22 €.
Trata-se da desistência e redução de parte do pedido, bem como da sua liquidação, face aos desenvolvimentos entretanto ocorridos e à realidade fáctica actual.
Requer, assim:
1) seja considerada a desistência das alíneas a) e b) do pedido;
2) na alínea c) do pedido seja declarada a revogação do contrato de cessão de exploração do estabelecimento, à data do trânsito em julgado do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, em 26/06/2019;
3) seja admitida a liquidação do pedido sob a alínea d), com a substituição do momento da entrega do estabelecimento pela data do trânsito em julgado do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, em 26/06/2019, do seguinte modo:
deve a Ré ser condenada a pagar à Autora a quantia de 245.888,22 € de rendas/compensações pela exploração do estabelecimento, correspondente a 36.614,51 € de Outubro de 2010 até Janeiro de 2012, e a 209.273,71 € que agora se liquida de Fevereiro de 2012 até Junho de 2019 (89 meses x 2.351,39 €), tudo acrescido de juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal para as operações comerciais, desde as datas dos vencimentos até integral pagamento.”
Por requerimento de 24 de Junho de 2022[21], a ré pronunciou-se sobre este requerimento pugnando pela não admissão da alteração dos pedidos formulados sob as alíneas c) e d).
Por despacho de 19 de Setembro de 2022[22] foi entendido que, para além da desistência dos pedidos, a pretensão da autora relativamente aos pedidos formulados sob as alíneas c) e d) do petitório inicial configura uma redução do pedido, pelo que a admitiu como tal.
A audiência prévia prosseguiu no dia 8 de Novembro de 2022[23], tendo sido fixado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova.
Realizada a audiência de julgamento, em 30 de Janeiro de 2025[24] foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e improcedente a reconvenção, com o seguinte dispositivo:
“-Julgo procedente por provada a acção e, mostrando-se extinto desde 26.6.2019 o contrato de cessão de exploração do estabelecimento comercial com loja sita na Rua de … …, nº …, R/C, em Lisboa, condeno a ré a pagar à autora a quantia total de €245.888,22 (duzentos e quarenta e cinco mil, oitocentos e oitenta e oito euros e vinte e dois cêntimos) correspondente prestações devidas pela exploração do estabelecimento, sendo €36.614,51 € relativo ao período de Outubro de 2010 até Janeiro de 2012 e €209.273,71 relativo ao período de Fevereiro de 2012 até Junho de 2019 (89 meses x 2.351,39 €), quantia total aquela acrescida de juros vencidos e vincendos até integral pagamento;
-Julgo improcedente por não provada a reconvenção.
Custas pela ré.”
Em 18 de Março de 2025, a ré, inconformada com a sentença proferida em 30 de Janeiro de 2025[25] veio dela interpor o presente recurso, concluindo a sua motivação do seguinte modo:
A. O presente recurso de apelação vem interposto da sentença que julgou a ação procedente e, em consequência, condenou a Recorrente a pagar à Recorrida a quantia total de €245.888,22 (correspondente às prestações devidas pela exploração do estabelecimento no período compreendido entre outubro de 2010 e janeiro de 2012 e fevereiro de 2012 e junho de 2019), acrescida de juros vencidos e vincendos até integral pagamento, julgando integralmente improcedente, por não provado, o pedido reconvencional.
B. Com o presente recurso, a Recorrente pretende:
− A declaração da nulidade da sentença, por se verificar uma oposição entre os fundamentos e a decisão, e que se arguiu, nos termos do disposto no art. 615.º, n.º 1, alínea c) do CPC, reapreciação da factualidade que foi dada como provada e não provada relativamente aos factos que integravam os Temas da Prova, que considera mal decidida, por não espelhar o que resultou da prova produzida nos autos, nomeadamente da prova documental e testemunhal;
− A reapreciação do Factos Provados 27. e 33, que a Recorrente considera terem sido mal decididos pelo Tribunal a quo;
− A reapreciação da prova produzida nos autos e, em consequência, a inclusão dos Factos 15.A, 15.B., 16.A, 21.A, 21.B (ou 21.C) no elenco de Factos Provados;
− A reapreciação da matéria de Direito, entendendo a Recorrente que o Tribunal a quo fez uma errada aplicação do Direito à matéria de facto em apreço nos autos, violando o disposto nos arts. 236.º, 237.º e 473.º do Código Civil, o disposto no art. 51.º, n.º 17 do Regulamento do Património da Câmara Municipal de Lisboa vigente à data da propositura dos presentes autos e o disposto nos arts. 40.º, n.º 1, alínea a), 41.º, 44.º, n.º 3, 48.º e 576.º, n.º 3 do CPC; e
− A reapreciação da matéria de Direito, por entender que o Tribunal a quo deveria ter aplicado nos presentes autos o disposto nos arts. 251.º, 280.º, 286.º, 287.º, 289.º do Código Civil, nos arts. 155.º, n.º 1 e 160.º e 50.º, n.º 2 do CPA, o disposto nos arts. 128.º, n.º 1 e 112.º, n.º 2, alínea a) do CPTA e o disposto nos arts. 40.º, n.º 1, alínea a), 41.º, 44.º, n.º 3, 48.º e 576.º, n.º 3 do CPC e, não o tendo feito, proferiu uma decisão em violação dos mesmos.
C. A Recorrente entende que a sentença é nula por oposição entre os fundamentos e a decisão, na medida em que o Tribunal a quo não julgou procedente o pedido reconvencional da Recorrente por entender que não a Recorrente deveria ter requerido a anulação do contrato, quando, na verdade, a anulação do contrato foi requerida em sede de contestação com reconvenção, e admitida pelo Tribunal a quo na sentença proferida a 28.02.2020, em que expressamente se refere que “[A]dmito o pedido reconvencional – artigo 266º, n.º 2, a) do C.P.C.”.
D. No ponto de vista da Recorrente, a sentença é igualmente nula por se verificar uma oposição entre a decisão de que “… o que a autora cedeu à ré e esta aceitou nas condições que resultam contratadas foi a exploração do estabelecimento no seu todo.” e as inúmeras referências no corpo sentença no sentido de não se ter verificado qualquer efectiva transmissão de estabelecimento entre as partes, porquanto, conforme resulta da sentença, (i) as partes pretendiam celebrar um contrato de subarrendamento, e não de cessão, (ii) a Recorrente não prosseguiu o negócio de restauro da Recorrida; (iii) a Recorrente instalou um negócio de venda de objetos de decoração na Loja até então utilizada pela Recorrida como oficina de restauro.
E. A Recorrente considera que a sentença padece ainda de uma terceira contradição e, por isso, é nula, uma vez que o Tribunal a quo na fundamentação refere que “[E] não resulta também dos autos que os legais representantes da autora tivessem tido conhecimento que a cedência precária tinha como pressuposto que seria sempre a autora a explorar o estabelecimento, argumento este que terá sido dado como fundamento para cessar a cedência.”, decidindo pelo desconhecimento da Recorrida quanto ao título de ocupação do imóvel, mas dá como Facto Provado que “31. Entre os anos de 1997 e 2010 a autora pagou à CML a título de “preço de ocupação a título precário da loja municipal sita na Rua de … … nº … em Lisboa” as quantias contantes no documento junto pela ré a 25.7.2012, cujo teor aqui se dá por reproduzido.” e que “Se é verdade que não há nos autos notícia de qualquer contrato de arrendamento celebrado pela autora com a CML (ou que esta tenha assumido), é também verdade que a CML emitia recibos de pagamento da “renda” correspondente à cedência a título precário.”.
F. Aliás, da certidão emitida pela Câmara Municipal de Lisboa, junta aos autos pela Recorrente em requerimento de 18.03.2022, que foi a própria Recorrida a requerer a concessão de um título precário por requerimento por esta apresentado em 28.06.1955, resultando inequívoco que a Recorrida conhecia, e não podia desconhecer o título a que ocupava o imóvel.
Subsidiariamente,
G. No que respeita à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, considera a Recorrente que a decisão em apreço resulta de uma apreciação enviesada da prova produzida, que partiu de um pré-juízo do Tribunal a quo, e conduziu à não apreciação (e não inclusão no elenco de factos provados ou não provados) de factos essenciais alegados pela Recorrente na sua contestação a respeito:
− da proibição da transmissão das ocupações sem autorização da Câmara Municipal de Lisboa;
− da forma como a Recorrente teve conhecimento da precariedade do título da Recorrida;
− da intervenção da Recorrente como interessada no procedimento administrativo que envolveu a Recorrida e a Câmara Municipal de Lisboa; e
− dos motivos que levaram a Recorrente a suspender o pagamento de qualquer montante à Recorrida.
H. Não constam igualmente do elenco de factos provados (ou não provados) factos essenciais sobre os quais foi feita prova em sede de audiência de julgamento, nomeadamente, os factos atinentes à vontade da Recorrente no momento da celebração do contrato com a Recorrida e à utilização efetivamente dada ao imóvel pela Recorrente, atribuindo o Tribunal a quo uma prevalência desmesurada aos depoimentos das testemunhas G … e H …, que confessaram nos autos ser sócios da Recorrida e filhos do gerente da Recorrida, em detrimento da demais prova testemunhal produzida nos autos.
I. Nestes termos, os factos dados como provados e não provados pelo Tribunal a quo não refletem “toda a história” dos presentes autos, mas somente a versão da Recorrida, o que comprometeu a prolação de uma decisão que contemplasse as diversas soluções plausíveis de direito.
J. A Recorrente entende que do depoimento das testemunhas C … (que prestou depoimento entre 0:02:28 a 0:04:15 e 0:28:29 a 0:29:40) e B … (que prestou depoimento entre 0:05:52 a 0:06:27) resultou provado que a Recorrente pretendia somente arrendar o espaço da Loja – espaço esse que, a 01.07.2014, arrendou diretamente à Câmara Municipal de Lisboa –, e não celebrar qualquer contrato que lhe permitisse beneficiar do negócio de restauro até então aí desenvolvido pela Recorrida, ou sequer desenvolver um negócio conjunto com a Recorrida.
K. Do depoimento das testemunhas C … (em depoimento entre 0:02:28 a 0:04:15, 0:28:29 a 0:29:40 e 1:19:49 a 1:20:25) e B … (em depoimento entre 0:05:52 a 0:06:27), D … (que prestou depoimento de 0:02:00 a 0:03:38), E … (em depoimento de 0:01:019 a 0:02:22 e 0:03:12 a 0:04:57) e F … (que em depoimento de 0:01:00 a 0:03:28) resultou ainda provado que a Recorrente prendia instalar – e instalou – no espaço até então ocupado pela Recorrida, e afeto à atividade de restauro, uma loja de objetos de decoração, não necessitando dos utensílios, do know-how ou da clientela da Recorrida (a qual sempre foi direcionada ao ramo de atividade de restauro).
L. Resultou ainda provado dos depoimentos das testemunhas C … (em depoimento entre 1:12:09 a 1:13:14), G … (em depoimento entre 0:02:54 a 0:04:06 e 0:25:12) e H … (em entre 0:06:33 a 0:08:09) que foi o então legal representante (e sócio da Recorrida) I … que gizou os termos do contrato assinado entre as Partes e que a Recorrente não foi assessorada por Advogado em momento prévio à sua celebração.
M. Do depoimento da testemunha C … resultou ainda provado que a Recorrente estava convicta de que a Recorrida beneficiava de um contrato de arrendamento que sustentasse a válida celebração de um contrato de subarrendamento entre a Recorrente e a Recorrida (em depoimento entre 0:50:23 a 0:52:24).
N. Por fim, cumpre ainda notar que do depoimento da testemunha C … (em depoimentos de 0:11:18 a 0:14:11, de 0:53:54 a 0:53:50, de 1:17:33 a 1:18:20, de 1:18:46 a 1:19:39 e de 1:23:34 a 1:23:44) resultou provado que a Recorrente só suspendeu o pagamento da renda à Recorrida após ter sido alertada pela Câmara Municipal de Lisboa da ilegalidade da utilização dada pela Recorrida ao espaço.
O. Atendendo a que consta expressamente do objeto do litígio a questão de “[A]preciar a validade ou invalidade da relação contratual estabelecida entre autora e ré nos termos da qual aquela proporcionou a esta a exploração do estabelecimento comercial existente no imóvel identificado nos autos.” e que foram incluídos nos temas da prova “[O]s factos constantes nos artigos 29º , 51º a 54º, 61º, 89º, 94º e 95º da contestação.”, a Recorrente requer que o Tribunal ad quem inclua na factualidade provada os seguintes factos (já alegados nos artigos 33.º a 68.º da contestação):
− “15. A – A Ré celebrou o contrato referido em 13. convicta de que estava a celebrar com a Autora um contrato para arrendamento do espaço e implementação de uma loja de venda de objetos de decoração, e não de restauro.
− 15.B – O contrato referido em 13. foi gizado pela Autora, não tendo a Ré sido assessorada por advogado no processo de negociação ou assinatura ou do mesmo.
− 16. A – No momento da celebração do contrato, a Ré estava convicta de que a Autora detinha um título válido para arrendar à Ré o espaço.
− 21.A – Na data em que foi informada pela CML da precariedade do título da Autora, a Ré deixou de pagar renda à Autora.”.
P. A inclusão desta factualidade é relevante para a decisão do mérito do recurso, uma vez que o Tribunal a quo descurou os termos contratuais invocados pela Recorrente e Recorrida, não cuidando de aprofundar – ou pelo menos de retirar as devidas consequências – qual a vontade das partes no momento da outorga da escritura pública de cessão de exploração em apreço nos autos.
Q. A Recorrente entende ainda que a formulação dada pelo Tribunal a quo aos Factos Provados 27 e 33 não reflete a realidade empiricamente provada nos autos, porquanto, não tendo nem o Tribunal Central Administrativo Sul, nem o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa emitido qualquer pronúncia a respeito do mérito da decisão da Câmara Municipal de Lisboa – mas tão só e apenas da caducidade do exercício do direito que a Recorrida pretendia fazer valer – não podia o Tribunal a quo ter concluído, como fez, que o Tribunal Central Administrativo Sul confirmou “…a decisão da CML de cancelar a cedência a título precário do espaço do estabelecimento comercial referido em 21.”.
R. Não pode igualmente a Recorrente aceitar as inferências enviesadas formuladas pelo Tribunal a quo de que nada teria a ver com a relação jurídica (precária) existente entre a Recorrida e a Câmara Municipal de Lisboa, porquanto a Recorrente tomou conhecimento da ordem de despejo da Loja e constitui-se como contra-interessada no procedimento administrativo n.º ENT/…/GPCML…GAP…GV…/….
S. A Recorrente requer, assim, que o Tribunal ad quem elimine o Facto Provado 27. do elenco de Factos Provados.
T. Por considerar que o conceito de “estabelecimento comercial” uma construção doutrinária e jurisprudencial, a Recorrente requer que o Tribunal ad quem altere a redação do Facto Provado 33., substituindo-a pela seguinte redação:
− “33. Até à data do encerramento da audiência final, a ré ocupou ininterruptamente a loja sita no r/c do nº … da Rua de … … em Lisboa.”
U. Por fim, no que diz respeito à matéria de facto dos autos, a Recorrente entende que, perante a prova produzida nos autos e o teor do Facto Provado 34., o Tribunal a quo não devia ter dado como não provado “[Q]ue à data de 14.4.1999 o sócio da autora I … tivesse ou não tivesse a convicção de que se encontrava em vigor com a CML um contrato de arrendamento ou uma cedência precária.”.
V. Ao invés de dar tal facto como não provado, para dar cumprimento aos Temas da Prova, incumbia ao Tribunal a quo apurar a convicção do sócio-gerente da Recorrida a respeito do título de ocupação da Loja na data da outorga da escritura pública (e não dos atuais sócios, que adquiriram as suas quotas em data posterior à celebração da escritura pública).
W. Da prova documental junta aos autos, nomeadamente, da certidão do requerimento de 28.06.1955 apresentado pela Recorrida junto do Diretor dos Serviços de Finanças da Câmara Municipal de Lisboa, e que foi deferido, (junto aos autos pela Recorrente a 18.03.2022) e do Doc. 1 junto com a contestação, corresponde a um ofício da Câmara Municipal de Lisboa de 07.09.2010, dirigido à Recorrida, resulta provado que foi a Recorrida que requereu a ocupação da Loja a título precário, e que recebeu mensalmente faturas que faziam expressa referência a “cedência não habitacional” – e não a título de arrendamento – e que, em consequência do exposto, a precariedade do título não lhe podia ser desconhecida.
X. A Recorrente requer assim ao Tribunal ad quem que retire o único facto não provado do elenco de Factos Não Provados, e que inclua no elenco de Factos Provados o seguinte facto:
− “21. B. O título precário de ocupação da aludida loja havia sido requerido pela Autora à Câmara Municipal de Lisboa a 28.06.1955, e concedido por esta última em despacho de 07/07/1955.”.
Ou, subsidiariamente,
− “21. C. À data de 14.4.1999 o sócio da autora I … tinha a convicção de que se encontrava em vigor com a CML uma cedência precária.”.
Y. Nestes termos, no que diz respeito à reapreciação da matéria de facto, a Recorrente requer que o Tribunal a quo:
i) adite os seguintes factos ao elenco de Factos Provados:
“15. A – A Ré celebrou o contrato referido em 13. convicta de que estava a celebrar com a Autora um contrato para arrendamento do espaço e implementação de uma loja de venda de objetos de decoração, e não de restauro.
15.B – O contrato referido em 13. foi gizado pela Autora, não tendo a Ré sido assessorada por advogado no processo de negociação ou assinatura ou do mesmo.
16. A – No momento da celebração do contrato, a Ré estava convicta de que a Autora detinha um título válido para arrendar à Ré o espaço.
21.A – Na data em que foi informada pela CML da precariedade do título da Autora, a Ré deixou de pagar renda à Autora.
21. B. O título precário de ocupação da aludida loja havia sido requerido pela Autora à Câmara Municipal de Lisboa a 28.06.1955, e concedido por esta última em despacho de 07/07/1955.”.
(ou, subsidiariamente, caso o Tribunal ad quem entenda que não resultou provado o Facto 21.B,)
21. C. À data de 14.4.1999 o sócio da autora I … tinha a convicção de que se encontrava em vigor com a CML uma cedência precária.”.
ii) elimine o Facto Provado 27. do elenco de Factos Provados; e
iii) altere o Facto Provado 33., conferindo-lhe a seguinte redação:
“33. Até à data do encerramento da audiência final, a ré ocupou ininterruptamente a loja sita no r/c do nº … da Rua de … … em Lisboa.”
Z. Revogando o Tribunal ad quem a decisão proferida nos presentes autos quanto à matéria de facto, e substituindo-a por outra que julgue provados (no todo ou em parte) os Factos 15.A, 15.B, 16.A, 21.A, 33. e 21B. (ou 21.C), na redação proposta pela Recorrente (ou noutra que o Tribunal ad quem julgue mais apropriada), deve o Tribunal ad quem revogar a sentença em apreço, proferindo acórdão em que aplique o disposto nos arts. 236.º e 237.º do Código Civil no sentido de que a vontade das partes prevalece sobre o nomen iuris atribuído ao contrato.
AA. Tal entendimento assenta na prova produzida nos autos de que a Recorrente nunca quis celebrar um contrato de cessão/exploração de estabelecimento comercial, mas sim um contrato para arrendamento da Loja (nos termos do qual a Recorrente utilizou o espaço para criar e desenvolver a sua atividade comercial de venda de objetos de decoração, e não para continuar a desenvolver a atividade de restauro que até então era aí desenvolvida pela Recorrida), e que a Recorrida sabia ser essa a vontade da Recorrente.
BB. Não obstante, se subsistirem dúvidas quanto à vontade negocial das partes, requer-se que, no acórdão que vier a ser proferido, o Tribunal ad quem aplique o disposto no art. 237.º do Código Civil, no sentido de que a interpretação que gera um maior equilíbrio nas prestações é a de que as partes pretenderam celebrar um contrato de arrendamento, e não um contrato de cessão de exploração.
CC. Concluindo-se pela celebração de um contrato de arrendamento entre a Recorrente e a Recorrida, e pela inexistência de título da Recorrida para subarrendar a Loja à Recorrente, requer-se que o Tribunal ad quem revogue a sentença em apreço e profira acórdão que aplique o disposto nos arts. 280.º, n.º 1 e 286.º do Código Civil, decidindo pela nulidade de tal contrato, com a consequente restituição do indevido e, em consequência, condene a Recorrida no pagamento de €232.698,94, acrescida de juros de mora até efetivo e integral pagamento.
Subsidiariamente,
DD. Caso se entenda que a inexistência de título da Recorrida não é fundamento da nulidade do contrato – o que não se concede, e por mero dever de patrocínio se equaciona –, requer-se que o Tribunal ad quem revogue a sentença recorrida e profira acórdão em que aplique o disposto no art. 51.º, n.º 17 do Regulamento do Património da Câmara Municipal de Lisboa, conjugado com o disposto nos arts. 280.º, n.º 1 e 286.º do Código Civil, decidindo pela nulidade do contrato celebrado entre a Recorrente e a Recorrida, porquanto o mesmo foi celebrado com o único intuito de “contornar” a impossibilidade legal de cessão da Loja, violando, assim, o Regulamento do Património da Câmara Municipal de Lisboa. Mais se requer que o Tribunal ad quem, por aplicação do regime legal de restituição de indevido, condene a Recorrida no pagamento de €232.698,94, acrescida de juros de mora até efetivo e integral pagamento.
Subsidiariamente,
EE. Caso o Tribunal ad quem não conclua pela nulidade do contrato – o que não se concede, e por mero dever de patrocínio se equaciona – cumpre notar que o contrato é anulável, uma vez que a Recorrente celebrou o contrato em apreço nos autos em erro sobre o objeto do negócio, por lhe ter sido criada a legítima convicção de que estaria a celebrar um contrato de subarrendamento da Loja como uma contraparte legalmente habilitada para lhe ceder a locação da mesma – o que, manifestamente, não correspondia à realidade.
FF. Perante o vício da vontade da Recorrente, deve o Tribunal ad quem revogar a sentença recorrida e proferir acórdão em que aplique o disposto no art. 251.º, 247.º e 289.º, n.º 1 do Código Civil, decidindo pela anulação do contrato, com a consequente restituição do indevido e, em consequência, condene a Recorrida no pagamento de €232.698,94, acrescida de juros de mora até efetivo e integral pagamento.
Subsidiariamente,
GG. Se o Tribunal ad quem decidir pela manutenção do elenco factual que consta da sentença – o que não se concede, e por mero dever de patrocínio se equaciona – cumpre notar que para fundamentar a decisão condenatória de que ora se recorre, o Tribunal a quo limitou-se a referir o regime previsto no art. 406.º, n.º 1 do Código Civil, mencionando apenas que “[N]os termos do artº 406 nº1 do C. Civil o contrato deve ser pontualmente cumprido, podendo modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei. Não tendo as partes dado conta de qualquer entendimento respeitante à modificação ou resolução do contrato, a ré manteve-se na situação de devedora da contrapartida contratada relativamente à exploração do estabelecimento comercial.”, enunciação essa que não só não é suficiente para que se possa concluir pelo cabal cumprimento do ónus de indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas que impendia sobre o Tribunal a quo, como também dificulta a impugnação da matéria de direito que a Recorrente pretende realizar.
HH. A Recorrente entende que a sentença viola o regime previsto no art. 406.º do Código Civil, porquanto a aplicação deste regime pressupõe que o contrato cujo cumprimento se requer tenha sido validamente celebrado e se encontre a produzir efeitos no ordenamento jurídico – o que não é o caso.
II. O Tribunal a quo entende que a sentença viola os critérios de interpretação da vontade negocial previstos nos arts. 236.º e 237.º do Código Civil na determinação da vontade das partes no momento da celebração do contrato.
JJ. Se o Tribunal a quo tivesse aplicado os critérios de interpretação previstos nos arts. 236.º e 237.º do Código Civil, não poderia ter concluído pela celebração de um contrato de “cessão de exploração”, mas sim pela celebração de um contrato de subarrendamento, uma vez que:
− a Recorrida não cedeu à Recorrente qualquer “organização de elementos”;
− a Recorrente afetou o espaço que lhe fora cedido pela Recorrida a uma utilização comercial completamente distinta, sem beneficiar quer da estrutura do espaço (que foi objeto de obras a expensas da Recorrente), quer dos materiais aí existentes, ou até mesmo da clientela da Recorrida;
− o Tribunal a quo retirou do depoimento da testemunha C …, gerente e sócia da Recorrente à data da celebração do contrato, que “[O] I … disse-lhe que era arrendatário da Câmara.” (pág. 12 da sentença) e que “I … ter-lhe-á dito que tinha contrato de arrendamento e confiou que o notário tinha visto contrato.” (pág. 13 da sentença) e que “[A] vontade subjacente ao contrato era de subarrendamento e não cessão.” (pág. 14 da sentença);
− os sinais de existência de um contrato de arrendamento eram tais que os próprios sócios da Recorrente (que adquiriram as quotas após a celebração do contrato de exploração) estavam convencidos de que a Recorrente beneficiava de um contrato de subarrendamento, por existir entre a Recorrida e a Câmara Municipal de Lisboa um contrato de arrendamento, conforme resulta do Facto Provado 32.;
− a renda paga pela Recorrente à Recorrida era praticamente idêntica à renda que a Recorrente passou a pagar à Câmara Municipal de Lisboa pelo arrendamento da Loja, o que evidencia, uma vez mais, que o preço pago pela Recorrente se destinava a remunerar a utilização do espaço, e não a remunerar a existência de clientela, know-how prévio, ou utilização de materiais – a qual seria certamente mais elevada, por corresponder à típica remuneração pela cessão de um estabelecimento comercial em sentido próprio;
− a Recorrente não se encontrava assessorada por Advogado quer no momento da negociação, quer no momento da celebração do “contrato de exploração”, tendo-se limitado a aceitar os termos contratuais gizados pela Recorrida.
KK. Se o Tribunal a quo tivesse dúvidas sobre a interpretação da vontade negocial da Recorrente e da Recorrida – o que não se concede, e por mero dever de patrocínio se equaciona – sempre teria de se socorrer da regra prevista no art. 237.º do Código Civil para a interpretação de casos duvidosos.
LL. Considerando que a interpretação do contrato como “contrato de cessão de exploração” é mais onerosa (implicando para a Recorrente o pagamento do preço devido pela utilização da Loja à Câmara Municipal de Lisboa e à Recorrida), a Recorrente entende que a interpretação de que o contrato celebrado pelas Partes é um contrato de arrendamento é aquela que conduz a um maior equilíbrio das prestações (e a única que evita o enriquecimento sem causa criado pela sentença recorrida), em cumprimento ao disposto no art. 237.º do Código Civil.
MM. A Recorrente requer, assim, a se a revogação da sentença e o proferimento de acórdão pelo Tribunal ad quem que aplique os critérios interpretativos do negócio jurídico previstos nos arts. 236.º e 237.º do Código Civil, e, em consequência, conclua pela celebração de um contrato de arrendamento entre a Recorrente e a Recorrida.
NN. Decidindo o Tribunal ad quem que as Partes celebraram um contrato de arrendamento, e que a Recorrida carecia de título para a sua celebração, o contrato de “cessão de exploração” é nulo, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 280.º, n.º 1 do Código Civil.
OO. Concluindo-se pela nulidade do contrato em apreço nos autos, requer-se que o Tribunal ad quem afaste a aplicação efetuada pelo Tribunal a quo do disposto no art. 406.º do Código Civil, e revogue a decisão do Tribunal a quo de condenar a Recorrente do cumprimento de um contrato que é nulo, proferindo acórdão que, em cumprimento do disposto nos arts. 280.º, 286.º e 289.º do Código Civil, condene a Recorrida no pagamento de €232.698,94 à Recorrente, acrescido de juros legais até integral pagamento.
Subsidiariamente,
PP. Caso o Tribunal ad quem entenda que a sentença não viola o disposto nos arts. 280.º, 286.º e 289.º do Código Civil – o que não se concede, e por mero dever de patrocínio se equaciona – cumpre notar que a mesma viola o disposto no art. 287.º do Código Civil.
QQ. Com efeito, perante o reconhecimento do Tribunal a quo de que a Recorrida e a Recorrente pretendiam ter celebrado um contrato de arrendamento, não poderia o Tribunal a quo ter decidido pela condenação da Recorrente ao cumprimento de um contrato de “cessão de exploração”, mas sim pela celebração de um contrato de arrendamento, em cumprimento do disposto no art. 251.º do Código Civil.
RR. Requer-se ao Tribunal ad quem que reaprecie o direito aplicado ao mérito da causa, concluindo pelo afastamento da aplicação do disposto no art. 406.º do Código Civil, e pela aplicação aos autos do regime previsto no art. 251.º do Código Civil, revogando a sentença recorrida e proferindo acórdão que declare a anulação do contrato celebrado entre a Recorrente e a Recorrida.
SS. Concluindo-se pela anulação do contrato, requer-se que o Tribunal ad quem aplique aos presentes autos o regime da restituição do indevido previsto no art. 289.º do Código Civil, com a consequente condenação da Recorrida no pagamento de €232.698,94 à Recorrente, acrescido de juros legais até integral pagamento.
Subsidiariamente,
TT. Se o Tribunal ad quem julgar que o contrato celebrado entre a Recorrente e a Recorrida não é nulo, ou anulável – o que não se concede, e por mero dever de patrocínio se equaciona – cumpre notar que a sentença recorrida viola o disposto nos arts. 155.º, n.º 1 e 160.º e 50.º, n.º 2 do CPA e o disposto nos arts. 128.º, n.º 1 e 112.º, n.º 2, alínea a) do CPTA.
UU. A Recorrente requer que o Tribunal ad quem aplique corretamente o disposto nos arts. 50.º, n.º 2, 155.º, n.º 1 e 160.º do CPA e o disposto nos arts. 128.º, n.º 1 e 112.º, n.º 2, alínea a) do CPTA, decidindo que, não tendo a Recorrida logrado obter a suspensão de efeitos do ato administrativo por via de tutela cautelar, o ato definitivo de cancelamento do título precário de exploração do estabelecimento praticado pela Câmara Municipal de Lisboa a 31.05.2010 produziu – e continua a produzir – todos os seus efeitos desde a data em que foi praticado.
VV. Subsidiariamente, requer-se que o Tribunal ad quem aplique corretamente o disposto nos arts. 50.º, n.º 2, 155.º, n.º 1 e 160.º do CPA e o disposto nos arts. 128.º, n.º 1 e 112.º, n.º 2, alínea a) do CPTA, decidindo que o ato definitivo de cancelamento do título precário de exploração do estabelecimento praticado pela Câmara Municipal de Lisboa produz efeitos desde 26.11.2012 (data em que a Recorrida foi notificada da decisão).
WW. Resultando da própria Lei que a decisão da Câmara Municipal de Lisboa de cancelamento do título precário produz efeitos ininterruptamente desde 31.05.2010 (ou, no limite, 26.11.2012) – e não desde a data do trânsito em julgado do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, requer-se que o Tribunal ad quem revogue a sentença recorrida e profira acórdão, substituindo-a por acórdão que, aplicando o disposto nos arts. 55.º, n.º 2, 155.º, n.º 1 e 160.º do CPA e o disposto nos arts. 128.º, n.º 1 e 112.º, n.º 2, alínea a) do CPTA, absolva a Recorrente dos pedidos de pagamento de renda contra si formulados pela Recorrida após 31.05.2010 (ou, se se entender que a decisão da Câmara Municipal de Lisboa só produz efeitos na data da sua notificação à Recorrida, após 26.11.2012).
Subsidiariamente,
XX. Se por absurdo se entender que, não obstante os argumentos alegados supra, a decisão do Tribunal a quo deverá ser mantida – o que não se concede, e por mero dever de patrocínio se equaciona – cumpre notar que a sentença viola ainda o disposto nos arts. 473.º e seguintes do Código Civil.
YY. A sentença, nos exatos termos em que foi proferida, cria uma situação de enriquecimento sem causa, premiando a atuação ilícita da Recorrida (sancionada pela Câmara Municipal de Lisboa com o cancelamento do título precário) e condenando a Recorrente a pagar-lhe um montante relativo a um período em que a própria Recorrida não pagou qualquer quantia à Câmara Municipal de Lisboa, em violação do disposto no art. 473.º do Código Civil.
ZZ. Com efeito, a sua manutenção, levará a que a Recorrida não só se locuplete à custa da Recorrente (a quem cobrava um montante muitíssimo superior pelo arrendamento da Loja), como também à custa da Câmara Municipal de Lisboa (a quem pagava um montante insignificante pela detenção de um título precário).
AAA. Ao invés, a Recorrente seria colocada numa situação de duplo empobrecimento decorrente do pagamento de renda à Câmara Municipal de Lisboa e à Recorrida pela mesmíssima utilização da Loja no período compreendido entre julho de 2014 e junho de 2019.
BBB. Mais, o Tribunal a quo andou mal ao não aplicar corretamente o Direito aos Factos Provados 24., 25. e 26., nomeadamente, o disposto no art. 576.º, n.º 3 do CPC, concluindo que a celebração do contrato de arrendamento da Loja entre a Recorrente e a Câmara Municipal de Lisboa é um facto extintivo do direito de crédito da Recorrida, e que, em consequência, a mesma não tem direito a receber qualquer renda da Recorrente desde 01.07.2014.
CCC. Requer-se, assim, que o Tribunal ad quem revogue a sentença recorrida e profira acórdão que absolva a Recorrente do pagamento de qualquer montante à Recorrida após 01.07.2014 (data em que celebrou o contrato de arrendamento com a Câmara Municipal de Lisboa), só assim se evitando a prolação de uma decisão ilegal que fomente uma situação de enriquecimento sem causa, em inequívoca violação do disposto no art. 473.º do Código Civil e no art. 576.º, n.º 3 do CPC.
Por último, subsidiariamente, e sem conceder quanto ao supra exposto,
DDD. A sentença recorrida viola o disposto nos arts. 44.º, n.º 1 e 3 e 48.º do CPC, permitindo uma representação sem poderes nos presentes autos, decidindo que “… face ao substabelecimento junto pela autora a 16.1.2025, mostra-se o lustre mandatário que teve intervenção na audiência final, investido dos poderes necessários para representar a autora nestes autos desde 24.4.2024.”.
EEE. Da aplicação conjugada do disposto nos arts. 44.º, n.º 1 e 3 e 48.º do CPC resulta que os poderes que haviam sido conferidos pela Recorrida por procuração forense de 25.06.2010, junta aos autos com a petição inicial, e sucessivamente substabelecidos entre os seus Mandatários, extinguiram-se, pelo que o Tribunal a quo deveria ter notificado a Recorrida para juntar aos autos procuração forense com constituição de mandatário, e ratificação do processado.
FFF. Não o tendo feito, o Tribunal a quo permitiu a manutenção de uma situação de ausência de poderes do Mandatário para representar a Recorrida (e, consequentemente, para ter representado a Recorrida na audiência de julgamento, e para a vir a representar em sede de resposta às alegações de recurso que ora se apresentam).
GGG. Nestes termos, requer-se que o Tribunal ad quem revogue a sentença recorrida e profira acórdão que, em cumprimento do disposto nos arts. 44.º, n.º 1 e 3 e 48.º do CPC, notifique a Recorrida para juntar aos autos procuração forense com constituição de mandatário, e ratificação do processado, em prazo que o Tribunal ad quem julgue conveniente, advertindo a Recorrida da cominação prevista no art. 40.º, n.º 1, alínea a) e no art. 41.º do CPC de que “[S]e a parte não constituir advogado, sendo obrigatória a constituição, o juiz, oficiosamente ou a requerimento da parte contrária, determina a sua notificação para o constituir dentro de prazo certo, sob pena de o réu ser absolvido da instância, de não ter seguimento o recurso ou de ficar sem efeito a defesa.”.
Termina pedindo a procedência do recurso e consequente revogação da sentença recorrida.
A autora/recorrida contra-alegou pugnando pela improcedência do recurso e manutenção da decisão recorrida[26].
*
II – OBJECTO DO RECURSO
Nos termos dos art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil[27] é pelas conclusões do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do presente recurso, sem prejuízo das questões que este tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. De notar, também, que o tribunal de recurso deve desatender as conclusões que não encontrem correspondência com a motivação.[28]
Assim, perante as conclusões das alegações da ré/apelante há que apreciar as seguintes questões:
a) A nulidade da sentença por contradição entre os fundamentos e a decisão;
b) A impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
c) A qualificação jurídica do contrato celebrado entre as partes;
d) A nulidade do contrato;
e) A anulabilidade do contrato;
f) A vigência/cessação do contrato de cessão de exploração e obrigação da recorrida proceder ao pagamento das prestações mensais acordadas;
g) O enriquecimento sem causa;
h) A ausência de poderes de representação do mandatário da recorrida.
Colhidos que se mostram os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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III - FUNDAMENTAÇÃO
3.1. – FUNDAMENTOS DE FACTO
A sentença sob recurso considerou como provados os seguintes factos:
1. A 8 de Outubro de 1936 foi registada sociedade comercial por quotas de responsabilidade limitada entre J … e L …, com a firma L …, Lda., com o objecto de exercício de comércio de móveis usados e qualquer outro que deliberem explorar, sendo a gerência a administração exercida por L ….
2. Pela apresentação 8 de 18 de Junho de 1997 foi inscrita na Conservatória do Registo Predial a propriedade do prédio sito na Rua de … … nºs. …-…-…, bem como o rés-do-chão destinado a comércio, com acesso através do n.º …, a favor da Câmara Municipal de Lisboa.
3. A 7 de Julho de 1997, entre I …, M … e C … foi lavrado um “acordo de rescisão de contrato-promessa de cessão de quotas”, ali se declarando serem os outorgantes os que outorgaram o contrato-promessa de cessão de quotas, a 3 de Novembro de 1994, relativamente à sociedade L … Lda., decidindo considerar rescindido e de nenhum efeito o referido contrato-promessa.
4. A 7 de Julho de 1997 foi celebrado entre L …
5. , Lda. (1ª outorgante), representada por I … e Cavalo de Pau, Decorações e Artesanato Lda. (2ª outorgante), representada por C … um contrato-promessa de cessão de exploração.
6. No contrato fez-se constar que a 1ª outorgante era dona de um estabelecimento comercial de antiguidades, decoração e restauro, sito na Rua de S. …, n.ºs … e …, em Lisboa, sendo proprietária da loja a Câmara Municipal de Lisboa e que existiam negociações avançadas para a sua aquisição pela L …, Lda.
7. A L … prometeu ceder e a Cavalo de Pau prometeu tomar àquela a exploração do referido estabelecimento no seu todo, nela se abrangendo a exploração do local, móveis e utensílios com a utilização de licenças, alvarás e todos os demais bens materiais e imateriais que o integram, e destinados à continuação do exercício da respectiva actividade, e ainda para decoração, artesanato, importação e exportação, formação profissional e apoio a artesãos, restauro e venda de móveis novos e usados.
8. Em consequência da promessa, a Cavalo de Pau obrigou-se a assumir todas as responsabilidades inerentes ao funcionamento do estabelecimento, exercendo a sua exploração por conta e risco e sem responsabilidade para a outra outorgante.
9. A segunda outorgante obrigou-se a pagar à primeira a quantia mensal de 200.000$00 durante o 1º ano, 250.000$00 no 2º ano e a partir do 3º ano com o acréscimo do valor de 5% da renda anterior.
10. O prazo da exploração foi estabelecido em 5 anos, considerando-se sucessivamente renovado.
11. A segunda outorgante a obrigou-se a constituir-se fiel depositária dos móveis e utensílios “que constem da relação anexa” ao contrato.
12. Constando ainda que a primeira outorgante continuaria a utilizar, sem qualquer contrapartida, a zona oficinal do estabelecimento, com a área de cerca de 20 metros quadrados, apenas para a actividade de limpeza e restauro, que exerceria separadamente da segunda outorgante e pelo prazo de um ano.
13. As assinaturas do referido contrato não se mostram notarialmente reconhecidas.
14. Por escritura datada de 14 de Abril de 1999 foi celebrado entre a L …, Lda. (como 1ª outorgante), representada por I … e “Cavalo de Pau – Decorações e Artesanato, Lda.” (como 2ª outorgante), representada por C …, um contrato de “Cessão de exploração”.
15. No contrato fez-se constar que a 1ª outorgante era dona de um estabelecimento comercial de antiguidades, decoração e restauro, sito na Rua de S. …, com entrada pelos n.ºs … e …, em Lisboa.
16. Aquele contrato refere-se ao estabelecimento indicado em 14. e nele se cede a sua exploração como um “todo, isto é, abrangendo-se a fruição do local, móveis e utensílios, licenças e ainda todos os demais bens materiais e imateriais que o integram e destinados à continuação do exercício da respectiva actividade, e ainda para decoração, artesanato, importação e exportação, formação profissional e apoio a artesãos, restauro e venda de móveis novos e usados”.
17. Fixou-se como prazo de cessão 5 anos, considerando-se renovado por iguais períodos, caso não seja revogado pela 2ª outorgante, obrigando-se esta à retribuição referida em 8..
18. Estabeleceu-se que, no caso de a 1ª outorgante adquirir, na vigência do contrato, o prédio onde se encontra instalado o estabelecimento, se comprometia a dar à 2ª outorgante preferência no eventual arrendamento da respectiva loja.
19. Em escritura de cessão de quotas lavrada a 17 de Agosto de 1999 intervieram N …, por si e em representação de I … e de O …, como primeiro outorgante, G …, como segundo outorgante e H …, como terceira outorgante.[29]
20. Em representação de I …, N … declarou que I … e P … eram os únicos Sócios da “L …, Lda.” Sociedade por quotas com o capital social de 400.000$00, sendo uma quota no valor de 115.000$00 de I …, bem comum do casal; uma de 115.000$00 e outra de 145.000$00 de I …, seus bens próprios e uma de 25.000$00, de P ….
21. O outorgante N …, em nome de I … e seu próprio, declarou:
Que, pela presente escritura, e no uso dos poderes que lhe foram conferidos nas ditas procurações de fazer negócio consigo mesmo, cede em nome dos seus constituintes a si próprio, a quota do valor nominal de cento e quinze contos, titulada pelo seu constituinte varão e atrás referida como bem comum do casal.
Que em nome do seu constituinte da alínea a):
a) divide a quota do valor nominal de cento e quinze contos que ele possui no mesmo capital em duas novas quotas de: uma quota de trinta e dois contos que cede ao segundo outorgante e um quota de oitenta e três contos que cede à terceira outorgante; e
b) divide a quota do valor nominal de cento e quarenta e cinco contos que ele possui no referido capital em duas novas quotas: uma quota de noventa e quatro contos, que cede a si próprio e uma quota de cinquenta e um contos, que cede ao já mencionado segundo outorgante.[30]
22. A 31 de Maio de 2010 foi cancelado pela CML o registo de ocupação a título precário, em nome de L …, Lda., da loja sita no r/c do n.º … da Rua de … …, em Lisboa.
23. A autora pagou «rendas» à CML até 31 de Maio de 2010, data em que o Município de Lisboa deixou de emitir as facturas referentes ao preço de ocupação da loja.
24. Por despacho datado de 1 de Setembro de 2010, a Câmara Municipal de Lisboa manteve a decisão de cancelar a cedência a título precário do espaço sito na Rua de S. … …, r/c, em Lisboa.
25. A 1 de Julho de 2014 a ré celebrou com a Câmara Municipal de Lisboa um contrato de arrendamento da loja do prédio urbano sito na Rua de … … n.º …, em Lisboa.
26. Contrato que se renovou no dia 1 de Julho de 2019.
27. A renda em vigor a 14 de Fevereiro de 2022 era de 1 930,50 €.
28. A 23 de Maio de 2019, o Tribunal Central Administrativo do Sul proferiu acórdão que confirmou a decisão da CML de cancelar a cedência a título precário do espaço do estabelecimento comercial referido em 21..
29. Acórdão que transitou em julgado a 26 de Junho de 2019.
30. A ré deixou de efectuar os pagamentos contratados com a autora desde Outubro de 2010, referente a Novembro de 2010, tendo pago a última prestação em Setembro de 2010, no valor de 2 239,42 €.
31. Não tendo efectuado qualquer outro pagamento até à data em que foi encerrado o julgamento.
32. A contrapartida que a A. pagava à CML pela cedência a título precário era, no ano de 2010, de 335,45 €.
33. Os sócios da autora (tendo em consideração a data da propositura da acção) na data referida em 18. actuaram na convicção que vigorava um contrato de arrendamento comercial que a CML assumira.
34. Até à data do encerramento da audiência final, a ré manteve-se ininterruptamente na exploração do estabelecimento comercial referido em 21..
35. Entre os anos de 1997 e 2010 a autora pagou à CML a título de “preço de ocupação a título precário da loja municipal sita na Rua de … … nº … em Lisboa” as quantias contantes no documento junto pela ré a 25 de Julho de 2012, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
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O Tribunal recorrido deu como não provado o seguinte:
a. Que à data de 14 de Abril de 1999 o sócio da autora I … tivesse ou não tivesse a convicção de que se encontrava em vigor com a CML um contrato de arrendamento ou uma cedência precária.
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3.2. – APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO
3.2.1. Da nulidade da sentença por oposição entre os fundamentos e a decisão
Argumenta, nesta sede, a apelante, como primeira contradição, que o Tribunal recorrido fundamentou a improcedência do pedido reconvencional referindo: “[A]figura-se-nos que assistia à ré o direito a ver resolvido o contrato de cessão de exploração, por sua própria vontade como no contrato foi previsto, ou invocar fundamento para pugnar pela sua anulabilidade por erro sobre o objecto do negócio, o que a ré nunca fez, omitindo que nos artigos 85º e 87º da contestação a ré requereu a anulação de todos os contratos celebrados com a recorrida, na sequência do que formulou o pedido de condenação da autora/recorrida no pagamento do diferencial entre o valor pago pela ré e o pago pela autora à CML, que foi admitido, daí que exista oposição entre aquele fundamento e a improcedência do pedido reconvencional, pois que a anulação do negócio foi peticionada.
A apelada argumenta, por sua vez, que a recorrente limitou o pedido reconvencional à respectiva condenação no pagamento do diferencial mencionado, que posteriormente liquidou, não tendo sido formulado qualquer pedido de anulação dos contratos.
Aquando da admissão do recurso, em 23 de Maio de 2025[31], o Tribunal recorrido pronunciou-se sobre as nulidades suscitadas, nos seguintes termos:
“Argui a apelante a nulidade da sentença apelada por oposição entre os fundamentos e a decisão, prevenida na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil.
A oposição entre os fundamentos e a decisão que determina a nulidade da decisão consubstancia um vício real de raciocínio do julgador que se traduz no facto de a fundamentação (i.e. as premissas do silogismo judiciário) se mostrar incongruente com a decisão (conclusão) que dela deve logicamente decorrer.
Assim, deparamo-nos com este vício sempre que as premissas apontem inexoravelmente para um determinado sentido decisório, vindo, porém, a decisão a revelar-se em antinomia ou, pelo menos, em dissonância com esse sentido.
No caso vertente, lida a sentença apelada, não se descortina a incursão no referido vício. A razão pela qual se concluiu pela absolvição do pedido reconvencional está em harmonia com a fundamentação fáctica e jurídica vertida na sentença.
E, percorridas as alegações recursórias, nada ali se alega que permita concluir em sentido inverso. A invocação em tela alicerça-se na suscitação de erros de julgamento, o que, como será consabido, não é confundível com o vício sentencial em apreço ou com qualquer outro.
Pelo exposto, indefiro a arguição em apreço.”
A nulidade da sentença prevista no art.º 615º, n.º 1, c), primeira parte do CPC, consistente na oposição entre os fundamentos e a decisão, corresponde a “uma «construção viciosa», ou seja, […] um vício lógico da sentença: o juiz elegeu deliberadamente determinada fundamentação e seguiu um determinado raciocínio para extrair uma dada conclusão; só que esses fundamentos conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a um resultado oposto a esse, isto é, existe contradição entre os fundamentos e a decisão (por ex., toda a lógica fundamentadora da sentença apontaria para a condenação do réu no pagamento da dívida reclamada pelo autor, mas o juiz, na sentença, decreta, de modo contraditório, a absolvição do réu do pedido). Não se trata de um qualquer simples erro material (em que o juiz escreveu coisa diversa da pretendia – contradição ou oposição aparente) mas de um erro lógico-discursivo em termos da obtenção de um determinado resultado – contradição ou oposição real. O que não se confunde, também, com o chamado erro de julgamento, isto é, com a errada subsunção da hipótese concreta na correspondente fattispecie ou previsão normativa abstracta, vício este só sindicável em sede de recurso jurisdicional.”[32]
Com efeito, a nulidade por oposição entre os fundamentos e a decisão não pode ser confundida com um erro de julgamento, que ocorrerá quando o juiz decide contrariamente aos factos apurados ou contra norma jurídica que impunha uma solução jurídica diferente.[33]
Sendo este o enquadramento jurídico que deve merecer a questão da nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão, basta atentar no modo como a apelante a enquadrou para concluir que não se está perante uma qualquer contradição susceptível de inquinar a decisão recorrida com o vício de nulidade.
Com efeito, aquilo que a ré vem invocar é, em última instância, que, contrariamente ao afirmado na decisão, suscitou a anulabilidade do negócio, por erro sobre o objecto e que com base nisso pediu o pagamento da diferença entre o valor que pagou à autora e aquele que esta pagou à CML, pelo que o pedido reconvencional nunca poderia ter improcedido.
Em momento algum da decisão o Tribunal recorrido mencionou a anulabilidade do negócio em discussão nos autos, para, a final, em contrário do assim entendido, condenar a ré no pagamento da retribuição mensal pela cessão da exploração do estabelecimento e julgar improcedente o pedido reconvencional. Esta improcedência está, pelo contrário, em consonância com o expendido na decisão, ou seja, que a ré beneficiou do estabelecimento comercial, em cuja exploração se manteve ininterruptamente, nada tendo que ver com a relação entre a autora e a CML.
Se o Tribunal recorrido entendeu, erroneamente, que o contrato não padecia de nenhum vício – e, note-se, que o diz a dado passo referindo: “Afirma a ré que, não dispondo a autora de qualquer título que legitimasse a detenção do estabelecimento, o contrato de cessão de exploração está ferido de invalidade. Não lhe assiste razão” -, trata-se, como é evidente, de um erro de julgamento, que não de contradição, pelo que não se verifica a nulidade suscitada.
A recorrente sustenta ainda que se verifica uma outra contradição que emerge do facto de se referir na decisão que dos depoimentos das testemunhas resultou que a vontade subjacente ao contrato era de subarrendamento e não de cessão de exploração, e que ali não foram feitos trabalhos de restauro pela ré, para depois concluir que foi celebrado um contrato de cessão de exploração e não de arrendamento, não estando verificados os pressupostos fácticos para a qualificação jurídica do contrato como cessão de exploração.
A recorrida aduziu, por sua vez, que das frases proferidas pelas testemunhas não resulta que o Tribunal tivesse considerado que a recorrente pretendia celebrar um contrato de arrendamento, confundindo a apelante os depoimentos com a fundamentação da sentença.
Tem razão a apelada.
A apelante convoca as súmulas dos depoimentos das testemunhas inquiridas, que o tribunal recorrido entendeu integrar na fundamentação da decisão da matéria de facto, para, com base nisso, sustentar que não podia o tribunal concluir pela qualificação do contrato como cessão de exploração e não arrendamento, o que, naturalmente, não constitui qualquer contradição. Aliás, a matéria de facto apurada não contém qualquer dado atinente àquela que teria sido a vontade das partes e em parte alguma da apreciação jurídica se menciona a vontade de celebração de um contrato de arrendamento por parte da ré, que, a existir, evidenciaria uma contradição com a conclusão de que foi celebrado um contrato de cessão de exploração.
Ademais, ainda que tal sucedesse e, a final, se qualificasse o contrato como cessão de exploração de estabelecimento comercial, sempre estaria em causa uma eventual incorrecção da subsunção dos factos ao Direito aplicável, o que, como se viu, constitui erro de julgamento e não nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão.
Improcede, também nesta parte, a arguição de nulidade da sentença recorrida.
A apelante invoca ainda, nesta sede, uma oposição entre os fundamentos da sentença, porque o Tribunal não podia concluir que a recorrida não tinha conhecimento do título precário, com base no qual detinha o prédio onde estava instalado o estabelecimento comercial, depois de reconhecer que não existiu qualquer arrendamento entre a recorrida e a CML e que aquela pagou a esta montantes pela ocupação a título precário, recebendo os correspondentes recibos, pelo que a autora tinha de saber que não havia contrato de arrendamento, facto que omitiu dolosamente à recorrente e daí ter, unilateralmente, atribuído ao contrato a denominação de “cessão de exploração”, quando a ré acreditava ser um arrendamento, cujo objecto era legalmente impossível, vício que deveria ter sido conhecido pelo tribunal a quo.
Mais uma vez, aquilo que a recorrente pretende é que se reconheça um erro na decisão proferida que, ao contrário do que propugna, entendeu ser válido o contrato celebrado entre as partes, visando alcançar uma pronúncia positiva sobre o alegado erro em que incorreu, que, segundo sustenta, teria sido causado pela autora, ao omitir que não dispunha de contrato de arrendamento incidente sobre o local onde está instalado o estabelecimento comercial, valendo-se da inexperiência da ré.
Ora, a circunstância de estar demonstrado (ponto 34.) que a autora pagou à CML um valor mensal a título de preço pela ocupação a título precário da loja, em nada conflitua com a afirmação de que os legais representantes da autora não sabiam que esse título precário implicava que fosse sempre esta a explorar o estabelecimento, independentemente de esta ser ou não uma consequência legalmente prevista.
Acresce que o enquadramento jurídico a efectuar dos factos provados e não provados contende com a apreciação do mérito da causa e não com a estrutura da sentença, pelo que também aqui não se trata de qualquer contradição que integre o vício de nulidade, cuja arguição assim se julga totalmente improcedente.
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3.2.2. Da Impugnação da Decisão sobre a Matéria de Facto
Dispõe o art.º 640º, n.º 1 do CPC:
“Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”
Decorre do normativo legal transcrito que, em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões.
Fundando-se a impugnação em meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados (existem três tipos de meios de prova: os que constam do próprio processo – documentos ou confissões reduzidas a escrito -; os que nele ficaram registados por escrito – depoimentos antecipadamente prestados ou prestados por carta, mas que não foi possível gravar -; os que foram oralmente produzidos perante o tribunal ou por carta e que ficaram gravados em sistema áudio ou vídeo), o recorrente deve especificar, na motivação, aqueles que, em seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos.
O recorrente deve consignar, na motivação do recurso, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, o que se exige no contexto do ónus de alegação, de modo a evitar a interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente.
De notar que a exigência de síntese final exerce a função de confrontar o recorrido com o ónus de contra-alegação, no exercício do contraditório, evitando a formação de dúvidas sobre o que realmente pretende o recorrente[34].
No acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24-05-2016, 1393/08.7YXLSB.L1-7[35] refere-se:
“É ao impugnante que cumpre convencer o Tribunal de recurso que a primeira instância violou as regras de direito probatório aquando da apreciação dos meios de prova. Não basta uma mera contraposição de meios de prova (ainda que não constantes dos indicados na fundamentação do tribunal): é necessário que a parte que recorre proceda, ela própria, a uma análise crítica da apreciação do tribunal a quo, demonstrando em que pontos o Tribunal se afastou do juízo imposto pelas regras legais, dos princípios, das regras da racionalidade e da lógica ou da experiência comum.”
Para além do ónus impugnatório que recai sobre o recorrente, importa ter presente que o direito à impugnação da decisão de facto não subsiste por si, mas assume um carácter instrumental face à decisão de mérito do pleito.
Deste modo, por força dos princípios da utilidade, economia e celeridade processual, o Tribunal ad quem não deve reapreciar a matéria de facto quando o(s) facto(s) concreto(s) objecto da impugnação for(em) insusceptível(veis) de, face às circunstância próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente – cf. neste sentido, acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 27-05-2014, 1024/12.0T2AVR.C1 – “Se, por qualquer motivo, o facto a que se dirige aquela impugnação for irrelevante para a solução da questão de direito e para a decisão a proferir, então torna-se inútil a actividade de reapreciar o julgamento da matéria de facto, pois, nesse caso, mesmo que, em conformidade com a pretensão do recorrente, se modifique o juízo anteriormente formulado, sempre o facto que agora se considerou provado ou não provado continua a ser juridicamente destituído de qualquer eficácia, por não interferir com a solução de direito encontrada e com a decisão tomada”.
A recorrente começa por se insurgir contra a circunstância de no elenco dos factos provados e não provados não constarem factos essenciais sobre os quais foi feita prova na audiência de julgamento e que dizem respeito à sua vontade no momento da celebração do contrato com a recorrida e à utilização que por ela foi dada, efectivamente, ao imóvel, sendo que o objecto do litígio, tal como definido, consistia em apreciar a validade ou invalidade da relação contratual, figurando nos temas da prova o alegado nos artigos 29º, 51º a 54º, 61º, 89º, 94º e 95º da contestação; mais refere que a ausência de apreciação da vontade negocial da recorrente viola o propósito da baixa dos autos à 1ª instância determinada pelo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 2 de Fevereiro de 2021, onde se mencionou que, afirmando a ré que quis contratar no pressuposto de que existia um contrato de arrendamento, tal exigia que se apurasse se o valor fixado contratualmente estava indexado a esse pressuposto.
É neste contexto que, afirmando terem os factos sido alegados nos artigos 33º a 37º e 51º a 53º da contestação e convocando o depoimento das testemunhas C …, B …, D …, F …, G … e H …, de onde extrai prova que sustenta a afirmação de que a convicção da recorrente e da recorrida era a de que entre ambas havia sido celebrado um contrato de arrendamento e que aquela sempre pretendeu utilizar o espaço para instalação de uma loja de venda de artigos de decoração e não para dar continuidade à actividade ali desenvolvida pela recorrida, pretende que se dêem como provados os seguintes factos:
“15. A – A Ré celebrou o contrato referido em 13. convicta de que estava a celebrar com a Autora um contrato para arrendamento do espaço e implementação de uma loja de venda de objetos de decoração, e não de restauro.
15.B – O contrato referido em 13. foi gizado pela Autora, não tendo a Ré sido assessorada por advogado no processo de negociação ou assinatura ou do mesmo.
16. A – No momento da celebração do contrato, a Ré estava convicta de que a Autora detinha um título válido para arrendar à Ré o espaço.”
Com base nisto, pretende a recorrente que o Tribunal qualifique o contrato celebrado entre as partes como contrato de arrendamento, fazendo apelo às regras da interpretação previstas nos art.ºs 236º e 237º do Código Civil, concluindo depois que esse contrato é nulo por o objecto ser física ou legalmente impossível, porque, beneficiando a autora apenas de uma cedência precária, convenceu a recorrente a celebrar um contrato de subarrendamento quando não tinha título para tanto e pretende, de igual modo, subsidiariamente, que seja reconhecida a anulabilidade do contrato por o ter celebrado convicta de que estava a celebrar um contrato de arrendamento da loja, convicção que lhe foi criada pela recorrida.
É sabido que a identificação da acção ou a determinação do objecto do pedido afere-se em função da identidade dos sujeitos, do pedido e da causa de pedir (cf. art. 581º, n.º 1 do CPC).
O art.º 552º do CPC, nas alíneas d) e e) do respectivo n.º 2, impõe ao autor o ónus de expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à acção e o de formular o pedido.
Ora, “[] o processo civil é há muito regido pelo princípio dispositivo (sendo manifesto e incontroverso que, apesar de o novo CPC o não enunciar explicitamente nas disposições introdutórias, ele continua a estar subjacente aos regimes estabelecidos em sede de iniciativa e de delimitação do objecto do processo pelas partes, não sendo postergado pelos regimes de maior flexibilidade e de reforço de determinadas vertentes do inquisitório, estabelecidos quanto ao ónus de alegação de factos substantivamente relevantes): é que a iniciativa do processo e a conformação essencial do respectivo objecto incumbem – e continuam inquestionavelmente a incumbir - às partes; pelo que – para além de o processo só se iniciar sob o impulso do autor ou requerente – tem este o ónus de delimitar adequadamente o thema decidendum, formulando o respectivo pedido, ou seja, indicando qual o efeito jurídico, emergente da causa de pedir invocada, que pretende obter e especificando ainda qual o tipo de providência jurisdicional requerida, em função da qual se identifica, desde logo, o tipo de acção proposta ou de incidente ou providência cautelar requerida - definindo ainda o núcleo essencial da causa de pedir em que assenta a pretensão deduzida.” – cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7-04-2016, 842/10.9TBPNF.P2.S1.
O pedido corresponde ao efeito jurídico que se pretende obter com a acção e, como tal, circunscreve o âmbito da decisão final pois que desenha “o círculo dentro do qual o tribunal se tem de mover para dar solução ao conflito de interesses que é chamado a decidir” (cf. art. 609º, n.º 1 do CPC).[36]
O pedido abrange dois elementos: uma pretensão material (afirmação de um interesse juridicamente tutelado, ou seja, de um direito subjectivo) e uma pretensão processual (solicitação de uma actuação judicial determinada).[37]
Mas aquele que dirige uma pretensão ao Tribunal terá ainda de expor a situação de facto com base na qual se afirma a titularidade do direito que pretende ver tutelado. É a causa de pedir, entendida como “o facto jurídico de que procede a pretensão deduzida”, que assume uma função individualizadora do pedido e, como tal, do objecto do processo – cf. artº. 581º, n.º 4 do CPC.
A causa de pedir, independentemente do entendimento que se perfilhe acerca dos factos que a integram (nomeadamente se abrange todos os necessários à procedência da acção ou apenas aqueles que se reconduzam aos elementos essenciais de um determinado tipo legal), cumpre sempre uma função individualizadora do pedido e, portanto, do objecto do processo. Por isso, há-de conter, pelo menos, os factos pertinentes à causa e que sejam indispensáveis para a solução que o autor quer obter: os factos necessários e suficientes para justificar o pedido.[38]
In casu, o objecto do processo – melhor dizendo, da acção reconvencional, pois que é da procedência desta que, nesta parte, o recurso cuida -, tal como a ré o configurou na contestação/reconvenção, radica, como se afigura cristalino da sua leitura, num contrato de cessão de exploração de estabelecimento comercial celebrado entre as partes, relativamente ao qual a sua validade vem colocada em crise, seja por a alegada falta de título por parte da autora para ocupar o espaço impossibilitar a sua celebração, seja por a ré ter sido induzida em erro sobre a existência de um pretérito contrato de arrendamento celebrado entre a autora e a CML que lhe teria sido transferido juntamente com essa cessão de exploração, o que, afinal, não se verificava.
E que assim é retira-se do texto da contestação, sendo evidente que os factos que a ré pretende introduzir nos autos sob os pontos 15.-A, 15.-B e 16.-B não encontram respaldo na matéria factual alegada pela recorrente, designadamente nos artigos 33º a 37º e 51º a 53º da contestação, onde alegou o seguinte:
“33.°
Por oposição, a R. nunca suspeitou da falta de habilitação da A, para lhe ceder a utilização daquele espaço, já que o contrato de cessão de exploração foi inclusivamente celebrado por escritura pública, o que desde logo gerou na R. a convicção acrescida de ocupava o Prédio e explorava a loja nele situada de fomaa-absolutamente legítima.
34º
Além de o próprio ato de ter sido reconhecido notarialmente, outros termos do contrato em questão reforçavam ainda mais a confiança gerada na R. do título legítimo com que ocupava o Prédio, como por exemplo o facto de na cláusula 7.ª do mesmo se admitir que a R.. fizesse obras na loja "desde que devidamente aprovadas e licenciadas pela Câmara Municipal de Lisboa".
35.º
Ora, uma cláusula como esta reforça ainda mais a convicção por parte da. R., incutida pela A., de que o contrato estava conforme com a lei e de que a R. estava legitimada mesmo perante a C.M.L. para ocupar o espaço, prevendo-se, aliás, o envolvimento da C.M.L. no caso de se pretenderem realizar obras no Prédio.
36.°
O que conduziu a R, de inteira e justificada boa-fé e através de uma posse absolutamente pública e pacífica, a ocupar o imóvel durante mais de 13 anos.
37.º
Sucede, contudo, que em setembro de 2010 a R. foi abordada na sua loja por técnicos da C.M.L., tendo sido informada de que estaria em curso um procedimento camarário que tinha como objeto o suposto contrato de arrendamento celebrado entre a A. e a C.M.L. […]
51º
Com efeito, foi esta que criou a situação de nulidade do contrato celebrado com a R., ao ceder-lhe sem que esta tivesse consciência de tal vício — a exploração do Prédio que ela própria não tinha na sua esfera jurídica.
52.º
E investindo na confiança da R., como já se expôs acima, desde logo quando submeteu a celebração do contrato definitivo de cessão de exploração através de escritura pública.
53.°
Sendo que a A. não podia desconhecer que não dispunha de qualquer arrendamento comercial que pudesse ceder à R.”
Estes são os factos jurídicos alegados que suportaram o pedido deduzido pela ré de reconhecimento da nulidade do contrato por impossibilidade do objecto e da anulabilidade por erro sobre o objecto do negócio, com consequente pedido de pagamento ou restituição dos valores pagos pela ré à autora.
Ao contrário do que a recorrente pretende inculcar, seja na sua contestação por excepção e impugnação, seja na reconvenção, jamais pretendeu colocar em crise a vontade negocial subjacente ao negócio gizado entre as partes, sob a perspectiva de não se tratar de uma cessão de exploração de estabelecimento comercial, mas sim de um arrendamento.
Transcorrida a sua contestação aquilo que ressalta, designadamente em sede dos factos alegados para sustentar a nulidade do negócio por impossibilidade do objecto ou a sua anulabilidade por erro sobre o objecto, é que a posição da ré foi sempre no sentido de ter sido surpreendida pela circunstância de a autora não ser titular de um contrato de arrendamento incidente sobre o prédio onde estava instalado o estabelecimento comercial, mas apenas de uma cedência precária permitida pela CML, tendo, contudo, confiado na existência desse contrato de arrendamento entre a autora e CML.
Aliás, é precisamente com base nessa ausência de contrato de arrendamento entre a autora e a CML que a ré sustenta a nulidade do contrato de cessão de exploração – que ao longo dos seus articulados nunca qualificou de outro modo ou sustentou não corresponder à vontade dos outorgantes -, por entender que na falta de contrato de arrendamento a autora não tinha o direito de utilização ou exploração do prédio e não o poderia transmitir à cessionária.
Por outro lado, o engano de que a recorrente alegou ser vítima foi o de a autora tê-la feito crer que existia um contrato de arrendamento incidente sobre o prédio e que com base nisso foi fixado um valor para a retribuição pela cessão de exploração, levando a que a autora se locupletasse por um valor excessivo.
Portanto, em nenhum momento a ré alegou que a sua intenção nunca foi a de receber a cedência de exploração do estabelecimento comercial instalado no prédio, mas sim a de celebrar um arrendamento ou um subarrendamento, questão que apenas agora surge em sede de recurso.
Certo é que o juiz pode proceder livremente à qualificação jurídica da factualidade invocada pelas partes como fundamento das suas pretensões, uma vez que não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (cf. art.º 5º, n.º 3 do CPC).
No entanto, uma coisa são as várias possíveis configurações ou qualificações, situadas num plano puramente normativo, dos factos concretos alegados e outra é a configuração distinta dos próprios factos que fundamentam o pedido.
De igual modo, a identidade e individualidade da causa de pedir não será atingida por qualquer alteração ou ampliação factual que não afecte o núcleo essencial da causa de pedir.[39]
Apenas será viável apreciar a pretensão da recorrente sob a perspectiva da diversa qualificação jurídica do contrato celebrado entre as partes em função da demonstração daquela que foi a vontade real destas se se puder entender que os factos que subjazem a tal pretensão são ainda aqueles que foram alegados na contestação, ainda que aditados por outros que deles sejam meramente complementares ou secundários, circunstanciais ou acessórios, não contribuindo para transformar a causa de pedir invocada numa outra causa de pedir – cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14-12-2016, 219/14.7TVPRT-C.P1.S1.
A pretensão que a ré/reconvinte introduz em sede de recurso representa uma via jurídica estruturalmente diferenciada para alcançar a tutela jurídica dos seus interesses patrimoniais e assenta num pressuposto perfeitamente autónomo face àquele que foi invocado na contestação/reconvenção, qual seja, uma diversa qualificação jurídica do negócio assente na vontade real das partes, que, por sua vez, implica a formulação também de um pedido estruturalmente diferente, ou seja, não a nulidade ou anulação do negócio de cessão de exploração, mas antes a nulidade ou anulabilidade de um contrato de arrendamento.
Na verdade, a qualificação jurídica dos factos, sendo de conhecimento oficioso, como se disse, não pode deixar, contudo, de ser conjugada com outras limitações, “designadamente daquelas que obstam a que seja modificado o objecto do processo (integrado tanto pelo pedido como pela causa de pedir) ou daquelas que fazem depender um determinado efeito como o da anulabilidade […], da prescrição ou da caducidade da sua invocação pelo interessado.”[40]
Tendo presente que os limites objectivos da sentença estão condicionados pelo objecto da acção, integrado não só pelo pedido formulado mas também pela causa de pedir, o preenchimento da causa de pedir, independentemente da qualificação jurídica apresentada, supõe a alegação de factos essenciais que se inserem na previsão abstracta da norma ou normas jurídicas definidoras do direito cuja tutela jurisdicional se procura através do processo civil, sendo que a invocação de tais factos se impõe também atenta a necessidade do respeito pelo princípio do contraditório – cf. acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 15-09-2010, 327/06.8TBLGS.E1.
Logo, se a causa de pedir é integrada pelos factos que produzem o efeito jurídico pretendido, o que não corresponde à valoração jurídica atribuída pela ré, não se pode deixar de reconhecer que a materialidade fáctica por esta invocada na sua contestação é integrada pela alegação de um contrato de cessão de exploração de estabelecimento comercial e pelos factos integradores da sua nulidade ou anulabilidade, que é coisa distinta da alegação de factos reveladores da intenção real das partes sobre o negócio celebrado como sendo de arrendamento e dos fundamentos de nulidade ou anulabilidade dirigidos em relação a este.
Assim, por não corresponderem a factos alegados pela recorrente, nem, por outra via, ainda que encontrassem respaldo na prova produzida, poderem ser tidos como meros factos instrumentais ou complementares dos anteriormente alegados, não podem ser atendidos para apreciação do mérito da causa, pelo que nenhuma utilidade tem a apreciação da impugnação da matéria de facto no que àqueles pontos pretendidos aditar diz respeito.
Acresce que, ao contrário do que pretende sustentar a recorrente, o acórdão proferido em 2 de Fevereiro de 2021, que determinou a baixa dos autos para ampliação da matéria de facto, não se baseou numa necessidade de apurar a vontade negocial da recorrida, mas sim de emitir pronúncia, em sede dos fundamentos invocados para a anulação do contrato de cessão de exploração do estabelecimento comercial, sobre os concretos factos alegados pelas partes nesse âmbito (considerando que, então, a autora ainda não havia desistido dos pedidos formulados sob as alíneas a) e b) do seu petitório) e, bem assim, em caso de eventual improcedência do pedido de anulação, quanto aos factos atinentes ao incumprimento, como se pode aferir da seguinte passagem do acórdão:
“Ora, na improcedência da nulidade invocada, haverá que analisar a anulabilidade do contrato com base na verificação de erro sobre o objecto do negócio, para o que releva o apuramento da matéria de facto alegada pelas partes nesse âmbito, quer na petição inicial, quer na contestação/reconvenção.
Isto é, a autora alegou no artigo 25º da petição inicial que as partes firmaram o contrato no pressuposto de que se estaria a transmitir o estabelecimento comercial conjuntamente com o “locado” e não um espaço cedido a título precário, para além de ter alegado que os sócios à data da celebração do negócio actuaram na convicção de estava em vigor um contrato de arrendamento (cf. artigos 14º a 18º da petição inicial), matéria que foi impugnada pela ré (cf. artigo 19º e seguintes da contestação), pelo que, tratando-se de matéria controvertida, a apreciação do pedido de declaração de anulação do contrato depende do apuramento de tais factos.
Além disso, a ré sustenta na contestação/reconvenção que a autora tinha consciência da inexistência de arrendamento, mas fê-la acreditar que este existia, enganando-a, para assim lograr obter o pagamento da quantia mensal que foi fixada no contrato, pelo que invoca ainda como fundamento da anulação o erro provocado por dolo, cujo conhecimento depende da demonstração dos factos por ela aduzidos nessa sede (artigos 51º a 54º e 61º da contestação).
Por outro lado, na réplica, a autora afasta esse desconhecimento por parte da ré alegando que a legal representante desta estava ciente desde Novembro de 1994 da realidade societária da autora, o que releva para eventualmente se aferir do erro invocado pela ré (cf. artigos 58º a 64º da réplica).
Por sua vez, improcedendo o pedido de anulação do contrato haverá que aferir da verificação dos pressupostos para a sua resolução por incumprimento, o que depende do apuramento dos factos atinentes à conversão da mora em incumprimento definitivo, ou seja, os relativos à interpelação da autora à ré para pagar e a persistência do não cumprimento, alegados nos artigos 28º e 31º da petição inicial e impugnados pela ré no artigo 66º da contestação.
Note-se ainda que, quanto ao pedido de condenação no pagamento das prestações vencidas importa que o tribunal de 1ª instância se pronuncie, em concreto, sobre o último valor actualizado da contrapartida paga pela ré e, bem assim, sobre o montante da taxa de ocupação paga pela autora à CML (artigo 29º, da contestação; pagamento que no artigo 35º da réplica esta alega continuar a pagar) e ainda sobre a manutenção da ré no gozo do prédio e exploração do estabelecimento ou até que momento isso se verificou (cf. artigo 47º da réplica).
Com efeito, a concluir-se pela nulidade/anulabilidade do contrato o valor da retribuição a pagar pela ré pela utilização e gozo do estabelecimento comercial, poderá ou não equivaler ao montante fixado pelas partes, pois que a ré alegou que esse valor teria de ser aferido em função da cedência precária e não de um arrendamento comercial, que não existia (cf. artigos 89º e seguintes da contestação).
[…] a concluir-se pela validade do contrato de locação de estabelecimento e pela sua cessação por revogação da cedência precária de utilização do prédio onde está instalado, importará reconhecer a obrigação da ré de proceder ao pagamento das retribuições fixadas durante todo o tempo que se manteve no gozo e fruição do estabelecimento.
No entanto, na procedência da nulidade/anulabilidade do contrato celebrado, que por ora cumpre ponderar como solução plausível do litígio, afirmando a ré que apenas quis contratar no pressuposto de que existia um contrato de arrendamento, a fixação contratual do valor locativo do estabelecimento terá estado também indexada a esse pressuposto (o que cumpre apurar, se necessário, com convite ao aperfeiçoamento do alegado), daí que ainda que tal argumento se mostre insuficientemente expressado nos artigos 90º e seguintes da contestação, poderá vir a revelar-se necessário apurar os valores actuais da retribuição e ainda aqueles outros pagos pela autora à CML, para com base neles ser possível efectuar, se assim se entender adequado, o valor correspondente à utilização que a ré fez do imóvel e durante o período em que esse gozo se manteve, enquanto modo de restituição das prestações que cada uma das partes prestou (cf. art. 289º, n.º 1 do CPC).”
Em face do expendido, não há que conhecer do aditamento à matéria de facto dos pontos acima indicados, por não assumirem utilidade para o desfecho do litígio.
À mesma conclusão se deve chegar relativamente ao facto que a recorrente pretende aditar e que diz respeito ao motivo pelo qual deixou de proceder ao pagamento das rendas à autora, entendendo resultar da prova produzida e cuja redacção propõe que seja a seguinte: “21.-A – Na data em que foi informada pela CML da precariedade do título da autora, a ré deixou de pagar renda à autora.”.
Sobre este ponto, a recorrida refere que a motivação para não pagar a contraprestação mensal só diz respeito à ré, não eliminando a obrigação de pagamento.
Na verdade, no ponto 29. dos factos provados consta que a ré deixou de efectuar os pagamentos à autora desde Outubro de 2010, o que, conciliado com os factos vertidos nos pontos 23., 24., 27. e 28., permite aferir a data em que a CML manteve a decisão de cancelar a cedência a título precário, a data da celebração do contrato de arrendamento entre a ré e a CML e a data do trânsito em julgado do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul.[41]
Tendo presente os pedidos reformulados pela autora na sequência do requerimento de 9 de Junho de 2022 – que se traduzem na declaração de revogação do contrato de cessão de exploração do estabelecimento à data do trânsito em julgado do acórdão do TCAS e pagamento das prestações mensais até essa data – e considerando que, por sua vez, a ré/reconvinte não suscitou qualquer excepção de não cumprimento (cf. art.º 428º do Código Civil), tendo antes invocado a invalidade do contrato, pretendendo a liquidação da relação contratual, afigura-se inútil determinar se deixou de pagar a prestação no momento em que soube da precariedade do título da autora, porquanto estão já demonstradas quer a data da cessação do título, quer a data da cessação dos pagamentos, o que permite decidir as diversas questões suscitadas nos autos.
Atendendo a que, como resulta já do acima referido, a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto visa, em primeira linha, modificar o julgamento feito sobre os factos que se consideram incorrectamente julgados e, assim, perante uma nova realidade fáctica, concluir que existe o direito invocado ou que não se verifica um outro cuja existência se reconheceu, isto é, que o enquadramento jurídico dos factos agora tidos por provados conduz a decisão diferente da anteriormente alcançada, importa que tal modificação possa conduzir a um efeito juridicamente útil ou relevante.
Não é o que sucede no caso. Tendo a ré reconhecido a cessação dos pagamentos, estando assentes os factos que relevam para aferir da validade do contrato e/ou dos efeitos da respectiva cessação (esta, aliás, de um modo ou de outro, admitida por ambas as partes), o facto pretendido aditar afigura-se irrelevante para a decisão a proferir, sendo inútil a actividade de o apreciar – cf. neste sentido, acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 11-07-2017, 5527/16.0T8GMR.G1.
A recorrente pretende que seja eliminado o ponto 27. dos factos provados e alterada a redacção do ponto 33. da matéria fáctica provada, tendo em conta o que resulta dos ofícios juntos aos autos em 27 de Maio de 2019 e 17 de Dezembro de 2019 sobre a decisão do TCAS, pelo que se passa à sua apreciação.
Pontos 27. dos Factos Provados
O Tribunal recorrido deu como provado o seguinte:
27. A 23.5.2019, o Tribunal Central Administrativo do Sul proferiu acórdão que confirmou a decisão da CML de cancelar a cedência a título precário do espaço do estabelecimento comercial referido em 21..
Sustenta a recorrente que aquilo que resulta dos ofícios juntos aos autos em 27 de Maio de 2019 e 17 de Dezembro de 2019 é que o TCAS negou provimento ao recurso e manteve o despacho saneador que julgou procedente a excepção de caducidade do direito de acção, não se tendo pronunciado sobre o mérito da decisão de cancelamento da CML, pelo que dali não resulta que aquele Tribunal tenha confirmado a decisão da CML.
A recorrida argumenta que tendo o TCAS concluído pela verificação da caducidade, tal determina a confirmação do acto.
Tendo em conta a questão suscitada sobre o momento da eficácia da decisão da CML de cancelamento da cedência precária e sua repercussão na relação contratual em discussão nos autos, não se justifica, como é evidente, a eliminação do ponto 27., mas sim, a correcção da sua redacção, de modo a que resulte claro o teor do acórdão proferido pelo TCAS, com base na certidão junta aos autos em 27 de Maio de 2019.[42]
Assim, o ponto 27. passa a ter a seguinte redacção:
27. No âmbito da acção administrativa especial n.º …/…-…BELSB que L …, Lda. intentou contra o Município de Lisboa, junto do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, pedindo a declaração de nulidade ou anulação do acto impugnado – despacho de 1 de Setembro de 2010 que manteve a decisão de cancelar a cedência a título precário da loja sita na Rua De S. …, n.º …, r/c - foi proferido despacho-saneador, em 31 de Janeiro de 2017, que julgou procedente a excepção de caducidade do direito de acção, de que a sociedade autora interpôs recurso jurisdicional, tendo o Tribunal Central Administrativo Sul proferido acórdão, em 23 de Maio de 2019, que negou provimento ao recurso e manteve o despacho saneador recorrido.
Ponto 33. dos Factos Provados
O Tribunal recorrido deu como provado o seguinte:
33. Até à data do encerramento da audiência final, a ré manteve-se ininterruptamente na exploração do estabelecimento comercial referido em 21..
Sustenta a apelante que o tribunal recorrido qualifica a actuação da recorrente como uma exploração do estabelecimento comercial, mas o facto não deve conter qualificações jurídicas porque se discute nos autos se se está perante um contrato de arrendamento ou um contrato de exploração de estabelecimento comercial, para além de se ter mantido no local, numa primeira fase, ao abrigo do contrato celebrado com a recorrida e, numa segunda fase, com base no contrato de arrendamento celebrado com a CML, não colocando em causa a existência do estabelecimento comercial, pelo que propõe que a sua redacção seja a seguinte: “Até à data do encerramento da audiência final, a ré ocupou ininterruptamente a loja sita no rés-do-chão do n.º … da Rua de … …, em Lisboa.”
A recorrida opõe-se à modificação pretendida convocando o depoimento da testemunha C …, que confessou nunca ter suspendido a laboração normal da actividade no estabelecimento e, admitindo que assim se não entenda, então deve constar que a recorrente se manteve ininterruptamente na exploração do estabelecimento comercial até à data do trânsito em julgado da decisão do TCAS.
Há que apurar não se ocorreu ou não um concreto facto, ou seja, sindicar a convicção formada pelo tribunal com base nas provas produzidas e de livre apreciação, mas se a matéria considerada como um facto provado reflecte, indevidamente, uma apreciação de direito por envolver uma “qualquer valoração segundo a interpretação ou aplicação da lei, ou qualquer juízo, indução ou conclusão jurídica”.[43]
Neste ponto, a jurisprudência tem entendido dever actuar o mecanismo anteriormente previsto no artigo 646º, n.º 4 do Código de Processo Civil revisto, que se mantém na nossa ordem jurídica, apesar de não figurar expressamente na lei processual vigente, posto que o art. 607º, n.º 4 do actual CPC determina que devem constar da fundamentação da sentença os factos – e apenas os factos – julgados provados e não provados, o que significa que deve ser suprimida toda a matéria deles constante susceptível de ser qualificada como questão de direito, conceito que, conforme vem sendo aceite, engloba, por analogia, juízos de valor ou conclusivos – cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23-05-2012, 240/10.4TTLMG.P1.S1[44]; no mesmo sentido, acórdãos do mesmo Tribunal de 23-09-2009, 238/06.7TTBGR.S1 e de 7-05-2009, 08S3441.
Como é sabido, nem sempre é fácil distinguir entre o que é matéria de facto e matéria de direito, sendo, contudo, consensual, na doutrina e na jurisprudência, que, para efeitos processuais, tudo o que respeita ao apuramento de ocorrências da vida real é questão de facto e é questão de direito tudo o que diz respeito à interpretação e aplicação da lei.
Assim, como se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7-05-2009, 08S3441:
“No âmbito da matéria de facto, processualmente relevante, inserem-se todos os acontecimentos concretos da vida, reais ou hipotéticos, que sirvam de pressuposto às normas legais aplicáveis: os acontecimentos externos (realidades do mundo exterior) e os acontecimentos internos (realidades psíquicas ou emocionais do indivíduo), sendo indiferente que o respectivo conhecimento se atinja directamente pelos sentidos ou se alcance através das regras da experiência (juízos empíricos) […]
No mesmo âmbito da matéria de facto, como realidades susceptíveis de averiguação e demonstração, se incluem os juízos qualificativos de fenómenos naturais ou provocados por pessoas, desde que, envolvendo embora uma apreciação segundo as regras da experiência, não decorram da interpretação e aplicação de regras de direito e não contenham, em si, uma valoração jurídica que, de algum modo, represente o sentido da solução final do litígio.”[45]
Independentemente da qualificação jurídica que deva ser efectuada do negócio celebrado entre as partes, não sobram dúvidas – aliás, como resulta de modo claro do depoimento da testemunha C …, que foi sócia fundadora da sociedade ré, tendo participado nas negociações com a autora para a celebração dos contratos referidos nos pontos 4. e 13., e que foi sempre aludindo ao contrato como cessão de exploração[46], que se instalou no estabelecimento, que pagava uma prestação pela «cessão de exploração», que foi sendo actualizada (cf. minutos 40.15 e seguintes; 44.35 e seguintes do depoimento prestado na sessão da audiência de julgamento do dia 22 de Maio de 2023) – que a ré se instalou naquele local, à Rua de … …, n.º …, rés-do-chão, onde passou a explorar o estabelecimento, desenvolvendo a sua actividade (que, é certo, afirmou se cingir a venda de móveis e objectos decorativos – cf. minuto 1 h. 10 min. 27 e seguintes) e que ali permaneceu, pagando as retribuições à autora, até 2010, que suspendeu quando tomou conhecimento da licença precária, mas cuja actividade prosseguiu ininterruptamente, nesse mesmo local, mantendo o estabelecimento a funcionar continuamente (cf. minuto 45.45 e seguintes do seu depoimento).
A menção “exploração do estabelecimento comercial” constante do ponto 33. não contém, por si só, a atribuição de qualquer qualificação jurídica ao negócio celebrado entre as partes, tendo um significado comum e perceptível para qualquer cidadão de conhecimento médio, tanto mais que se reporta concretamente ao estabelecimento referido em 21., ou seja, à loja situada naquele local. Assim, o que se retira do ponto 33. é que a ré se manteve a explorar o estabelecimento comercial instalado na loja sita no rés-do-chão do n.º … da Rua de … …, o que corresponde precisamente àquilo que C … declarou, seja ao abrigo do contrato celebrado com a autora, seja na sequência do arrendamento celebrado com a CML e dessa afirmação nenhum efeito jurídico se retira quanto ao que se discute no litígio.
Assim, deve manter-se inalterada a redacção do ponto 33., improcedendo, nesta parte, a impugnação deduzida.
Alínea a. dos Factos Não Provados
O Tribunal recorrido deu como não provado o seguinte:
a. Que à data de 14 de Abril de 1999 o sócio da autora I … tivesse ou não tivesse a convicção de que se encontrava em vigor com a CML um contrato de arrendamento ou uma cedência precária.
A recorrente entende que a não prova deste facto não se compatibiliza com a afirmação constante da sentença, quanto ao conhecimento de I … sobre a precariedade da cedência, quando refere: “se admita como provável que dele tivesse conhecimento” e com o ponto 34. dos factos provados, que menciona o pagamento pela «ocupação a título precário», para além de a convicção dos sócios da recorrida ser irrelevante. Assim, considera que o Tribunal deveria ter apurado a convicção do sócio-gerente da recorrida sobre o título de ocupação da loja na data da escritura pública, porque só assim se aferiria se esta enganou ou não a recorrente, sendo que o requerimento da autora dirigido à CML, em 28 de Junho de 1955 (junto aos autos em 18 de Março de 2022), revela que foi pedida a continuação no local a título precário, o que também resulta do documento n.º 1 junto com a contestação (ofício da CML de 7 de Setembro de 2010 dirigido à autora).
Pretende, assim, que seja eliminado o facto não provado e que seja aditado um novo facto com a seguinte redacção: “O título precário de ocupação da aludida loja havia sido requerido pela autora à Câmara Municipal de Lisboa a 28 de Junho de 1955, e concedido por esta última em despacho de 07/07/1955” ou, subsidiariamente, com a seguinte redacção: “À data de 14.4.1999 o sócio da autora I … tinha a convicção de que se encontrava em vigor com a CML uma cedência precária.”
A recorrida entende que não foi feita prova de que I … conhecia a natureza de cedência precária da ocupação da loja, para além do que a autora nunca foi notificada do ofício da CML de 7 de Setembro de 2010.
O facto dado como não provado sob a alínea a. aqui em análise consiste em se determinar se está ou não demonstrado que, em 14 de Abril de 1999 (data em que foi celebrada a escritura do contrato designado “cessão de Exploração” entre a autora e a ré – cf. ponto 13.), quando seria ainda gerente da autora I …[47], este tinha a convicção de que estava em vigor um contrato de arrendamento com a CML ou se sabia que ocupava a loja ao abrigo de uma cedência precária.
A apelante louva-se nos documentos mencionados para retirar a conclusão que I … sabia que ocupava o espaço ao abrigo de uma licença camarária.
Do depoimento da testemunha C … nada se retira que confirme essa convicção, tanto mais que a própria afirmou que quando entrou em negociações com ele, este lhe disse que tinha um arrendamento com a CML, o que, a ser verdade, tanto pode significar que sabia não ter um arrendamento e faltou à verdade, como que não conhecia exactamente a natureza do título com que ocupava o local – cf. minuto 7.37 e seguintes do depoimento de C ….
Por outro lado, não foi possível ouvir I … como testemunha, pelo que não se pode saber o que revelaria sobre o seu conhecimento ou entendimento sobre a natureza do título.
Certo é que se provou que entre 1997 e 2010 a autora pagou um preço por “ocupação a título precário”, tal como consta da certidão emitida pela CML, com data de 19 de Junho de 2012, junta aos autos com o requerimento de 25 de Julho de 2012[48] (cf. ponto 34. dos factos provados), o que, porém, se resume apenas à informação transmitida pela CML, de onde não decorre qual era a percepção de I … sobre o título de que dispunha para ocupar o espaço.
Também a circunstância de o Tribunal admitir, na sua fundamentação, ser possível que I … conhecesse a precariedade do título não significa, como é evidente, que exista prova nesse sentido ou que o Tribunal disso tivesse ficado convencido, tanto mais que afirmou precisamente o contrário, ou seja, ser desconhecido se I … tinha ou não noção da precariedade da licença.
Não foi convocada outra prova para a demonstração desse facto, nem tal se retira do conteúdo dos documentos mencionados pela recorrente, tanto mais que à data do ofício da CML de 7 de Setembro de 2010, já I … não era titular de quotas na sociedade autora (cf. ponto 19.).
Quanto ao requerimento dirigido à CML em 28 de Junho de 1955, mostra-se assinado pelo sócio-gerente, à data, da sociedade autora, cuja assinatura nele aposta (cf. documento que integra o procedimento administrativo e constitui fls. 43 do documento n.º 3 junto com a petição inicial[49]) diverge claramente da que é imputada a I … (veja-se o contrato de cessão de exploração, documento n.º 4 junto com a petição inicial), pelo que também não tem valia para demonstrar o seu conhecimento quanto à natureza do título de ocupação.
Assim, ao contrário do propugnado pela recorrente, a prova produzida e por ela convocada não é susceptível de infirmar aquela que foi a convicção do Tribunal recorrido, devendo manter-se inalterada a alínea a. dos factos não provados.
*
Nos termos do art.º 662º, n.º 1 do CPC, a Relação pode/deve corrigir, mesmo a título oficioso, patologias que afectem a decisão da matéria de facto, sem prejuízo, como é evidente, do ónus de impugnação que recai sobre o recorrente (cf. art.º 640º do CPC), o que sucederá, sobremaneira, quando se limite a aplicar regras vinculativas extraídas do direito probatório material, caso em que a alteração não depende da iniciativa da parte.[50]
Como excepções ao princípio do dispositivo, em sede de alteração da matéria de facto, detecta-se a previsão do art.º 662º, n.º 2, c) do CPC, que a permite quando a Relação repute a decisão da matéria de facto como deficiente, obscura ou contraditória, ou quando considere indispensável a sua ampliação.
Assim, nada impede que a Relação, oficiosamente, altere a redacção de determinado ponto da matéria de facto quando repute necessária essa alteração com vista à sua rectificação ou a um melhor esclarecimento ou explicitação da decisão, designadamente em face ou em consonância com a restante factualidade e/ou com a alegação da parte, sem, contudo, lhe alterar o seu sentido essencial (não poderá, por exemplo e fora das situações em que tal lhe seja permitido, dar como não provado um facto que foi dado como provado ou o inverso) – cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4-07-2024, 189/22.8TSVLC.P1.S1.[51]
Assim, para melhor enquadramento da ocupação da loja efectuada pela autora, aditam-se os seguintes factos ao elenco factual provado, com base no documento junto com o requerimento de 18 de Março de 2022[52] (que integra o processo camarário, conforme documento n.º 3 junto com a petição inicial) e no teor da acta de audiência preliminar de 4 de Fevereiro de 2013 e documento junto pela autora em 5 de Fevereiro de 2013, que atesta a sua notificação da decisão da CML de cancelamento da cedência precária[53]:
20.-A – Em 28 de Junho de 1955, L …, Lda., com sede à Rua de … …, n.º … dirigiu à Câmara Municipal de Lisboa um requerimento com o seguinte teor:
“Por virtude do plano de urbanização a realizar na zona onde tem a sua sede, foi-lhe expropriado o direito ao arrendamento que possue.
Porém, e dado que o prédio não seja para demolir imediatamente, a requerente vem solicitar que a Ex.ma Câmara consinta que ela continue a título precário, na loja cujo direito ao arrendamento foi expropriado, até que seja determinada a demolição do imóvel, comprometendo-se a entregar mensalmente à Câmara, quantia idêntica àquela que pagavam como renda […]”.
20.-B – No requerimento referido em 20.-A encontra-se aposto carimbo com a menção “Deferido”, com data de 7-07-1955.
23.-A – Com data de 15 de Novembro de 2012, foi elaborada pela CML notificação da decisão de desocupação da loja municipal sita na Rua de S. …, …, R/c, dirigida a L …, Lda., que a recebeu em 26 de Novembro de 2012, com o seguinte teor:
“Por despacho de 1.9.2010 da Sra vereadora Q … […] foi mantida a decisão de cancelar a cedência a título precário do espaço mencionado em título.
Após audiência prévia […] foi considerado que a argumentação apresentada por V. Exas não punha em causa o prosseguimento do cancelamento da cedência a título precário […]
No entanto, esta decisão da Sra vereadora do Património não chegou a ser notificada, o que agora se faz nos termos do art.º 66º e sgs o CPA. […]”.
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3.2.3. Da qualificação jurídica do contrato celebrado entre as partes
A decisão recorrida enquadrou a apreciação jurídica da causa sob a perspectiva de ter sido celebrado entre a autora e a ré, em 14 de Abril de 1999, um contrato de cessão de exploração de estabelecimento comercial.
A apelante discorda dessa qualificação jurídica por entender que o Tribunal recorrido não observou os critérios de interpretação previstos nos art.ºs 236º e 237º do Código Civil, pois reconheceu ter sido referido por diversas testemunhas que a ré explorava uma loja de decoração, não tendo desenvolvido no local uma actividade de restauro, pelo que nunca poderia ter concluído ter sido celebrado um contrato de cessão de exploração, dado que a recorrida não lhe cedeu qualquer “organização de elementos”, mas sim a utilização de um espaço, no qual fez obras e que afectou à sua actividade de comercialização de objectos de decoração, que é diferente da actividade de restauro que ali tinha lugar, pelo que apenas quis e foi celebrado um contrato de arrendamento. Convoca ainda o facto provado sob o ponto 32. e a circunstância de a renda que passou a pagar à CML ser similar à que pagava à autora, para sustentar que o valor pago se destinava a remunerar apenas a utilização do espaço e não o estabelecimento, única interpretação que, sendo o contrato oneroso, conduz a um equilíbrio das prestações.
A autora/recorrida entende que a factualidade apurada não autoriza a qualificação do contrato como de arrendamento, desde logo pelo conteúdo do contrato, onde ficou consignado que, caso a autora viesse a adquirir o prédio onde estava instalado o estabelecimento, se comprometia a dá-lo de arrendamento à recorrente, o que denota que as partes sabiam qual o negócio que estavam a celebrar.
A liberdade de contratar tem três vertentes: a liberdade de celebração (a decisão de realizar ou não o contrato); a liberdade de selecção do tipo contratual (a escolha do contrato a celebrar, tipificado na lei ou qualquer outro) e a liberdade de estipulação (a faculdade de os contraentes modelarem, de acordo com os seus interesses, o conteúdo concreto da espécie negocial feita).[54]
O último destes aspectos reporta-se à liberdade de configuração interna. Assim, “[] para além dos contratos regulados por este Código [], pelo Código Comercial e por leis especiais, têm os particulares possibilidade de criarem, mediante o simples acordo de vontades, vínculos jurídicos que, apesar de não serem directamente disciplinados pela lei, não deixam de constituir causa válida do nascimento de uma ou mais obrigações entre as partes (contratos inominados).”[55]
Nos termos do art.º 236º, n.º 2 do Código Civil a declaração negocial valerá de acordo com a vontade real do declarante, se esta for conhecida do declaratário; assim não sucedendo, a declaração valerá com o sentido que possa ser deduzido por um declaratário normal, colocado na posição do declaratário real, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele – cf. art.º 236º, n.º 1 do Código Civil.
Nos negócios formais, a declaração não pode valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto – cf. art.º 238º, n.º 1 do Código Civil. Porém, esse sentido pode, todavia, valer, se corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem e essa validade – cf. n.º 2 do referido art.º 238º.
“A interpretação nos negócios jurídicos é a actividade dirigida a fixar o sentido e alcance decisivo dos negócios, segundo as respectivas declarações integradoras. Trata-se de determinar o conteúdo das declarações de vontade e, consequentemente, os efeitos que o negócio visa produzir, em conformidade com tais declarações []”.[56]
Deste modo e em face dos normativos acima referidos, o sentido das declarações negociais das partes será aquele que possa ser deduzido por um declaratário normal colocado na posição do declaratário real[57], salvo se este não puder razoavelmente contar com ele, sem prejuízo de, conhecendo o declaratário a vontade real do declarante, ser de acordo com ela que vale a declaração emitida (trata-se da teoria da impressão do destinatário).
Para efeitos de interpretação e fixação do sentido da declaração haverá que atender à letra do negócio, às circunstâncias de tempo, lugar e outras que precederam a sua celebração ou dela são contemporâneas, às negociações prévias, à finalidade prática visada pelas partes, ao próprio tipo negocial, à lei e aos usos e costumes por ela recebidos e ainda às precedentes relações negociais entre as partes.
Quando a interpretação conduza a um resultado duvidoso há que lançar mão do estatuído no art.º 237º do Código Civil, de modo que nos negócios gratuitos prevalece o sentido menos gravoso para o disponente e, nos negócios onerosos, o que conduzir ao maior equilíbrio das prestações.
A interpretação do negócio visa determinar o seu sentido juridicamente relevante, de modo a que, salvaguardando-se a autonomia privada – o sentido da declaração deve corresponder à vontade do próprio declarante sob pena de nada restar da sua autodeterminação –, se atenda também ao princípio da tutela da confiança.
De relevar que a interpretação não pode, também, deixar de atender à boa-fé e, neste contexto, existe a necessidade de “atender à globalidade do contrato, à totalidade do comportamento das partes – anterior ou posterior ao contrato -, à particularização das expressões verbais, ao princípio da conservação dos actos – o favor negotii – e à primazia do fim do contrato. O declaratário normal, figura normativamente fixada, atenderá a todos estes vectores.”[58]
Atente-se que, em matéria de interpretação da declaração negocial existem aspectos de facto e aspectos de Direito, sendo exemplo dos primeiros, saber quem foi o declarante ou o declaratário, o que foi dito pelo declarante, em que língua se estabeleceu a comunicação, a naturalidade e nível de instrução de cada um.
Concluir acerca do sentido que um declaratário normal atribuiria ao comportamento do declarante, sobre o maior equilíbrio das prestações, da existência de mínimo de correspondência com o texto do documento, da densificação da boa-fé, é matéria de Direito.[59]
Tenha-se em conta também que, em matéria de ónus das partes, “o declarante tem o ónus de formular adequadamente os seus desejos, sob pena de não os ver vertidos para o sentido da declaração negocial e o declaratário real tem o ónus do adequado entendimento, sob pena de aquilo que compreendeu não corresponder ao sentido jurídico da declaração negocial”.[60]
Aquilo que distingue um contrato de cessão de exploração de um contrato de arrendamento é o facto de o primeiro ser um contrato unitário, que tem por objecto a universalidade do estabelecimento, assemelhando-se ao trespasse do estabelecimento, com a diferença de, no primeiro caso, estarmos perante uma transmissão temporária e, no segundo caso, de uma transmissão definitiva. O seu elemento temporal distintivo é, portanto, o facto de ser uma cedência temporária.
Efectivamente, “o contrato de cessão de exploração ou de locação de estabelecimento é aquele pelo qual uma pessoa transfere, temporária e onerosamente, juntamente com o gozo do prédio, a exploração de um estabelecimento comercial, industrial ou de serviços nele instalado. O estabelecimento configura-se como uma estrutura material e jurídica em regra integrante de pluralidade de coisas corpóreas e incorpóreas - móveis e ou imóveis, incluindo as próprias instalações, direitos de crédito, direitos reais e a própria clientela ou aviamento - organizados com vista à realização do respectivo fim. O seu âmbito material e jurídico é susceptível de variar consoante a natureza do ramo de actividade desenvolvida, com reflexo na maior ou menor amplitude dos respectivos elementos” – cf. acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13-12-2012, 1942/07.8TBBNV.L1-1.
O texto do contrato celebrado entre as partes é, por si, bastante revelador daquela que foi a sua intenção, sendo que em momento algum foi feita qualquer menção a uma cedência do gozo temporário da loja em si, mediante retribuição.
Basta atentar, desde logo, no preâmbulo que antecede as cláusulas estipuladas pelas partes, transposto para o ponto 14. dos factos provados, onde se refere ter o primeiro outorgante, o representante da autora, declarado que a sociedade sua representada “é proprietária do estabelecimento comercial de “Antiguidades, decoração e restauro”, instalado na loja com entrada pelos números 164 e 166, do prédio urbano sito na Rua de ……, números … a …, em Lisboa, propriedade da Câmara Municipal de Lisboa”, sendo que na cláusula 1ª foi vertido que a sociedade “cede a exploração do identificado estabelecimento, como um todo, isto é, abrangendo a fruição do local, móveis e utensílios, licenças e ainda todos os demais bens materiais e imateriais que o integram e destinados à continuação do exercício da respectiva actividade, e ainda para decoração, artesanato, importação e exportação, formação profissional e apoio a artesões, restauro e venda de móveis novos e usados” (cf. ponto 15.).
Em face do que consta do texto do contrato e não tendo sido dado como provado qualquer facto que revele ou indicie ter sido outra a intenção das partes sobre aquilo que pretenderam negociar, a única interpretação que se compagina com o seu conteúdo é a de que as partes pretenderam a cedência do estabelecimento comercial, qua tale, e não apenas a cedência do espaço, ao contrário do que a recorrente vem sustentar.
E que de cessão de exploração do estabelecimento se trata é ainda reforçado pelo teor da cláusula 2ª, onde a sociedade segunda outorgante se responsabiliza por todas as responsabilidades inerentes ao funcionamento do estabelecimento, “exercendo a exploração por sua conta e risco”.
Aliás, se se atender, como se impõe, às circunstâncias que rodearam a celebração do contrato, a respectiva data da celebração do negócio, a celebração, dois anos antes (em 7 de Julho de 1997), de um contrato-promessa, igualmente qualificado de cessão de exploração, cujas cláusulas foram transpostas, quase integralmente, para o contrato de 14 de Abril de 1999, a que acresce o facto de ter existido um anterior negócio que se destinaria à cedência das quotas da sociedade autora à representante da ré, C … – rescindido precisamente em Julho de 1997 (cf. ponto 3.) –, afere-se um conjunto de circunstâncias anteriores ao negócio que corroboram a interpretação a efectuar das declarações das partes, pois que se existiu uma prévia relação contratual que visaria a transmissão das quotas da sociedade autora para a legal representante da ré, tal autoriza a que se admita que a ré pretenderia continuar a actividade por aquela desenvolvida, o que, a final, veio a fazer, no mesmo local, por intermédio da cessão de exploração do estabelecimento.
Note-se que a discordância da apelante quanto à qualificação jurídica do contrato assenta, parcialmente, em trechos da decisão recorrida que correspondem a meras transcrições dos depoimentos das testemunhas, que, porém, não receberam acolhimento na factualidade apurada, não podendo de modo algum concluir-se, perante esta, que a actividade que a ré prosseguiu no local era distinta da que ali era praticada pela autora, sendo que nenhum facto infirma o que resulta dos pontos 14. e 15., ou seja, que naquele estabelecimento era desenvolvida uma actividade comercial de antiguidades, decoração e restauro e que seria essa a actividade a continuar a ser exercida (aliás, note-se que o objecto social da autora que consta da certidão comercial junta com a petição inicial é o de comércio de móveis usados, actividade que a própria ré refere ter desenvolvido no local).
Por outro lado, aquando da celebração do contrato de arrendamento entre a ré e a CML, em 1 de Julho de 2014, referido em 24. dos factos provados, aquela passou a pagar uma renda mensal no valor de 1 875,00 €, que em Fevereiro de 2022 se cifrava em 1 930,00 €, ou seja, não assim tão próxima do valor pago à autora, que em Setembro de 2010 era de 2 239,42 €, facto que, de todo o modo, sempre seria inviável para suportar a tese de que a remuneração fixada respeitava apenas e tão-só ao espaço, para além do que tal entendimento nenhuma correspondência teria no texto do documento.
Corrobora ainda o sentido juridicamente relevante que se propugna para as declarações das partes neste caso, quer o vertido na cláusula 9ª do contrato, em que a sociedade cedente declarou não existir, à data, qualquer passivo do estabelecimento e se responsabilizou por quaisquer dívidas anteriores à cessão de exploração e, mais do que isso, o estabelecido na cláusula 10ª, de acordo com a qual as partes consignaram que, caso a primeira outorgante viesse a adquirir, na vigência do contrato, o prédio onde está instalado o estabelecimento, se comprometia a dar preferência à segunda outorgante na celebração de eventual arrendamento da loja (cf. ponto 17.), o que mostra à evidência que as partes não estavam a celebrar entre si um qualquer arrendamento (cf. art.º 1057º do Código Civil).
Assim, ao contrário daquilo que a apelante veio sustentar nas suas alegações de recurso, a aplicação das regras da interpretação previstas no art.º 236º do Código Civil, conduzem à conclusão de que as partes quiseram e celebraram um contrato de cessão da exploração do estabelecimento comercial instalado na loja referida em 14..
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3.2.4. Da nulidade do contrato
Defende a apelante que o contrato celebrado com a autora é nulo porque a recorrida não possuía qualquer título para o celebrar, já que apenas detinha a loja a título precário, tratando-se de objecto legalmente impossível, para além de ser nulo o arrendamento de bens alheios.
A recorrida sustenta que o título de que dispunha lhe permitia celebrar, como celebrou, o contrato de cessão de exploração de forma válida e eficaz, porque nunca esteve em causa uma negociação definitiva do estabelecimento, nem apenas o imóvel, tanto mais que a recorrente se manteve no local durante anos a usar e fruir o estabelecimento, explorando-o e fazendo seus os respectivos lucros.
Sobre esta questão, reproduz-se aqui o que já se afirmou no acórdão proferido nestes autos em 2 de Fevereiro de 2021, relativamente ao que não se descortinam motivos para modificar o entendimento então expresso:
“A natureza jurídica do estabelecimento comercial tem evoluído na doutrina e na jurisprudência, passando do entendimento de que o estabelecimento seria a pluralidade de bens funcionalmente ligados entre si, para uma perspectiva unitária, em que o conjunto seria mais do que a soma das partes, tendo na sua base elementos que são objecto da organização e que a corporizam (factores produtivos, materiais e imateriais, articulados pela organização interna da empresa, que se traduzem em valores de organização), mas que tem sido compreendida, por uns, enquanto universalidade de direito (conjunto de situações patrimoniais activas e passivas, tratadas unitariamente pela ordem jurídica) e por outros, enquanto coisa a se (coisa composta).
“Do que não existe dúvida hoje é sobre o tratamento jurídico unitário do estabelecimento comercial para efeitos do enquadramento a conferir aos negócios jurídicos que o tenham por objecto ou às suas formas de aquisição – cf. Paulo Mota Pinto e Sandra Passinha, Posse e usucapião de estabelecimento comercial de farmácia, pág. 223, in Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 146º, 2017.
“Assim, o regime jurídico dos negócios que versam sobre a empresa enquanto unidade jurídica não pode ser idêntico ao daquele que incide sobre os negócios de que os seus elementos possam ser objecto.
“A locação do estabelecimento mercantil – também usualmente designada por cessão de exploração – consiste na “disposição temporária e remunerada do mero gozo da empresa ou do estabelecimento”, embora por vezes, seja confundida com o arrendamento comercial do prédio onde funciona o estabelecimento – cf. Mendes de Almeida e Amândio Canha, Negociação e Reivindicação do Estabelecimento Comercial, Coimbra 1993, pp. 26-27; cf. acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 4-03-2010, relatora Fátima Galante, processo n.º 384/08.2TBPDL.L1-6 – “[…] o contrato de locação de estabelecimento é aquele pelo qual uma pessoa convenciona com outra a transferência temporária e onerosa, com ou sem o gozo do prédio, a exploração da universalidade que constitui o estabelecimento. É essencialmente um contrato de locação de estabelecimento porque o respectivo titular cede a outrem, temporária e onerosamente, a fruição da universalidade dos elementos materiais e dos direitos que o integram (artigo 1022º do Código Civil). É regido pelas cláusulas postas pelas partes, de harmonia com a liberdade contratual, prevista no artigo 406º, n.º 1, do Código Civil, e, subsidiariamente, pelas pertinentes normas de aplicação não excluída do contrato típico de estrutura mais próxima - o arrendamento comercial - e, na sua falta, pelas regras comuns dos contratos (artigos 1022º, 1023º e 1086º, n.º 1, do Código Civil, 1º e 110º do RAU)”.
“A tipologia do estabelecimento há-de ser aferida pelos elementos necessários ao tipo de comércio que possa ser prosseguido, tendo em consideração se se trata de produção de bens ou de serviços, que tipo de bens se produzem, se se localiza num único lugar ou em vários lugares, se tem ou não uma ligação muito particular com um factor produtivo[61], existindo um elemento, que, pela verificação persistente nas transmissões, se pode ter como sempre transmitido, que é o imóvel onde o estabelecimento está instalado, pois que enquanto valor externo da empresa é “o elemento com maior capacidade para, na generalidade dos casos, sensibilizar, exprimir e transportar o valor de posição da empresa”.
“Todavia, isto não significa que o imóvel seja indispensável enquanto âmbito mínimo da entrega do estabelecimento no contexto da sua negociação (não o é, por exemplo, no âmbito mínimo ou necessário da transmissão de estabelecimentos ambulantes), mas ainda que o seja, isso não implica “que a sua disposição no estabelecimento tenha de ser a título de um direito real de gozo, quer um direito de propriedade, quer um direito de usufruto, uma vez que o que é exigido por esse “âmbito” é apenas que o adquirente tenha a disposição do imóvel, seja ela a que título for” – cf. Mendes de Almeida e Amândio Canha, op. cit., pág. 39.
“Significa isto que o imóvel pode estar na disponibilidade do empresário a diversos títulos: ele pode ser o proprietário do prédio, por ser usufrutuário, assim como pode estar na sua disposição a título de mera tolerância (relação meramente de facto) ou de comodato, não tendo o direito ao imóvel de ser um direito real.
“Assim, o que é essencial ao estabelecimento (quando se entenda que este não prescinde do local) é o direito à disponibilidade do imóvel – a possibilidade jurídica de o utilizar – e não o domínio sobre ele.
“Serve isto para dizer que tendo a fruição do imóvel sido transmitida enquanto elemento integrante do estabelecimento comercial – cf. cláusula 1ª do contrato celebrado entre as partes e que constitui o documento n.º 1 junto com a contestação[62] -, o direito da recorrente quanto ao imóvel era o direito à sua disponibilidade e não o direito a que sobre esse prédio incidisse um qualquer contrato de arrendamento.”
Assim, o facto de a recorrida dispor apenas de uma licença precária de utilização do imóvel concedida pela CML em 7 de Julho de 1955 (cf. pontos 20.-A e 20.-B dos factos provados) não impede a cessão da exploração do estabelecimento comercial por impossibilidade do objecto, desde logo porque a existência desse estabelecimento, nele se incluindo o direito a utilizar o imóvel onde estava instalado, está comprovada nos autos, pelo que se tem de concluir pela validade do negócio, tal como foi celebrado pelas partes, porquanto a autora detinha a disponibilidade do imóvel por força da cedência precária de utilização concedida pela CML, que à data da sua celebração estava em vigor - cf. o parecer jurídico emitido pelo Gabinete de Ouvidoria da CML constante do procedimento administrativo junto como documento n.º 3 (fls. 31 e 32), onde, citando Marcello Caetano, se refere que a cedência precária de utilização, enquanto acto administrativo precário, proferido no âmbito do exercício de um poder discricionário, cria situações jurídicas a todo o tempo modificáveis pela vontade da Administração, mas, enquanto o acto subsiste, o destinatário tem poderes jurídicos, embora estes existam unicamente por tolerância do órgão administrativo competente.
Improcede, pois, a pretensão da recorrente de ver declarada a nulidade do contrato de cessão de exploração do estabelecimento comercial.
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3.2.5. Da anulabilidade do contrato
Alega ainda a recorrente que a autora admitiu na petição inicial que as partes celebraram o contrato no pressuposto de que se estaria a transmitir o estabelecimento comercial conjuntamente com o “locado” e não um espaço cedido a título precário, de onde extrai que o tribunal a quo, reconhecendo que as partes pretendiam celebrar um contrato de arrendamento, não podia condená-la no cumprimento de um contrato de cessão de exploração, devendo ser reconhecido um erro sobre os motivos determinantes da vontade relativo ao objecto do negócio, nos termos do art.º 251º do Código Civil, que o torna anulável.
A recorrida refere que não está provado o erro da recorrente quanto ao objecto do negócio, no sentido de lhe ter sido criada a convicção de que estava a celebrar um contrato de subarrendamento.
O art.º 251º do Código Civil prevê que «o erro que atinja os motivos determinantes da vontade, quando se refira à pessoa do declaratário ou ao objecto do negócio, torna este anulável nos termos do artigo 247º».
De acordo o art.º 247º do referido diploma legal, quando, em virtude de erro, a vontade declarada não corresponda à vontade real do autor, a declaração negocial é anulável, desde que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade, para o declarante, do elemento sobre que incidiu o erro.
No referido art.º 251º prevê-se o chamado erro-vício, que consiste num «vício na formação da vontade, contemporâneo da celebração do negócio», que se traduz «no desconhecimento ou falsa representação de uma circunstância, de facto ou de direito, passada ou presente relativamente ao momento da emissão da declaração negocial e que determinou a celebração do negócio ou, pelo menos, a celebração naqueles termos. A vontade real e a declarada são coincidentes, mas a vontade é mal formada atendendo ao erro. Numa palavra, a vontade não se formou em termos esclarecidos. Há uma divergência entre a vontade real (o que se quis, a vontade efectivamente formada e exteriorizada pelo declarante) e a vontade conjectural ou hipotética (aquela que teria sido manifestada se não fosse a interferência do erro no processo de formação da vontade) […]. O erro-vício pode respeitar a circunstâncias de facto, assim como a circunstâncias de direito, e ser parcial ou total, em função da respectiva extensão (…). Por outro lado, o erro-vício atinge a vontade negocial, não se confundindo com o erro na declaração (ou erro-obstáculo), regulado nos artigos 247º a 250º do CC, que se evidencia por uma patologia que atinge a declaração negocial e já não a formação da vontade: neste caso, ocorre uma divergência não intencional entre a vontade e a declaração (…). O erro-vício pode ser classificado em duas categorias, em função do critério da autoria do erro: o erro simples (no sentido de espontâneo e que se funda na conduta do próprio declarante) e o erro qualificado por dolo (enquanto provocado ou dissimulado pelo declaratário ou por terceiro). O erro simples está regulado nos artigos 251º a 252º. Aqui se compreendem quatro modalidades, de acordo com o critério do elemento do negócio afectado pelo erro: i) o erro sobre a pessoa do declaratário (cf. artigo 251º); ii) o erro sobre o objecto negocial (cf. artigo 251º); iii) o erro sobre os motivos (cf. artigo 252º, nº 1); iv) o erro sobre a base do negócio (cf. artigo 252º, nº 2) […]. O erro qualificado por dolo tem consagração nas normas subsequentes, a saber, nos artigos 253º e 254º (…).”[63]
O erro-vício é juridicamente relevante posto que seja causal ou essencial à celebração do negócio, isto é, determinante para a decisão de negociar, de tal modo que se não tivesse havido uma deficiente ou falsa representação da realidade, passada ou presente, o negócio não teria sido celebrado (essencialidade absoluta) ou, a sê-lo, teria sido celebrado em termos diversos – v.g., com objecto e conteúdo distintos, com outra natureza, com outro sujeito (essencialidade relativa).
Para que o negócio possa ser invalidado, exige-se a demonstração, pela parte que negociou em erro, da essencialidade do elemento sobre que recaiu o seu erro. Ao sujeito que negociou em erro incumbe, pois, a prova de que, a não haver ignorância ou falsa representação da realidade, não celebraria qualquer negócio ou, pelo menos, não celebraria o negócio com aquele conteúdo ou forma.
Como é bom de ver, o elenco de factos provados não autoriza, de modo algum, a afirmar que a recorrente, quando celebrou o contrato referido em 13., fê-lo em erro sobre o respectivo objecto ou sobre as suas qualidades ou ainda sobre a natureza do negócio, isto é, no pressuposto, não demonstrado, que o estabelecimento comercial cuja exploração lhe foi cedida estava instalado num local sobre o qual a cedente detinha um contrato de arrendamento.
Independentemente daquilo que a autora afirmou nos artigos 25º e 26º da petição inicial[64], certo é que, posteriormente, veio a desistir do pedido relativamente ao qual tais alegações constituíam causa de pedir e aquilo que ali alegou visava alcançar um efeito jurídico que a própria solicitou e, como tal, lhe era favorável.
Ora, a confissão corresponde ao “reconhecimento da realidade dum facto (passado, ou presente duradoiro) desfavorável ao declarante, isto é, dum facto constitutivo dum seu dever ou sujeição, extintivo ou impeditivo dum seu direito ou modificativo duma situação jurídica em sentido contrário ao seu interesse, ou, ao invés, a negação da realidade dum facto favorável ao declarante, isto é, dum facto constitutivo dum seu direito, extintivo ou impeditivo dum seu dever ou sujeição ou modificativo duma situação jurídica no sentido do seu interesse”.[65]
Assim, o ali afirmado pela autora, porque lhe era favorável em face da pretensão então deduzida, não pode assumir o valor de confissão judicial.
Acresce que não logrou a ré demonstrar que celebrou o contrato de cessão de exploração no pressuposto de que existiria um contrato de arrendamento celebrado entre a autora e a CML e menos ainda que, a ter tido conhecimento de que tal arrendamento não existia não teria celebrado o negócio ou não o celebraria nos termos em que o fez.
Por fim, o facto provado sob o ponto 32. apenas dá conta da convicção daqueles que eram os sócios da autora ao momento da interposição desta acção (N …, G …, H … e P …) sobre a existência de um contrato de arrendamento comercial com a CML, aquando da celebração, em 17 de Agosto de 1999, da escritura de cessão de quotas do capital da autora, em que intervieram (cf. ponto 18.), o que nada tem que ver com a convicção dos representantes da autora e da ré, à data da celebração do contrato de cessão de exploração do estabelecimento comercial referido em 13., celebrado, aliás, em data anterior àquela cessão de quotas e com intervenção do então gerente, I …, em relação a quem não se apurou qual seria a sua convicção sobre o título existente relativamente à loja (cf. alínea a. dos factos não provados).
Não logrou, pois, a recorrente demonstrar os pressupostos da anulação com fundamento em erro sobre o objecto do negócio, nos termos do art.º 251º, com referência ao art.º 247º, ambos do Código Civil, qual sejam: a vontade declarada viciada por um erro sobre o objecto do negócio e divergente da vontade hipotética; a essencialidade, do ponto de vista do declarante, do elemento sobre o qual incidiu o erro e o conhecimento pelo declaratário sobre essa essencialidade.
Improcede, também, aqui a pretensão recursória.
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3.2.6. Da vigência/cessação do contrato de cessão de exploração e obrigação da recorrida proceder ao pagamento das prestações mensais acordadas
Na decisão recorrida, depois de se entender que o contrato de cessão de exploração era válido, considerou-se que a ré deixou de proceder ao pagamento das rendas à autora, o que fez sem ter posto termo ao contrato, pelo que se manteve numa situação de devedora, por ser pessoa estranha às relações estabelecidas entre a autora e a CML quanto à utilização do espaço e se ter mantido ininterruptamente na exploração do estabelecimento; mais se refere que o contrato de arrendamento que a ré celebrou com a CML, em 2014, não produz efeitos na esfera jurídica da autora nem tem reflexos naquilo que foi contratado entre as partes, sendo que apenas com o trânsito em julgado do acórdão proferido pelo TCAS se tornou definitivo o cancelamento da cedência precária pela CML, cessando então o contrato, pelo que a ré é devedora das prestações acordadas até 26 de Junho de 2019.
A apelante alega que a decisão de cancelamento da cedência precária foi notificada à recorrida em 26 de Novembro de 2012; que a providência cautelar para suspensão dos respectivos efeitos foi julgada improcedente e na acção administrativa de impugnação do acto foi julgada procedente a excepção de caducidade do direito de impugnação, sem apreciação do mérito da causa; mais alega que o acto administrativo produz efeitos desde a sua prática, nos termos do art.º 155º do Código de Procedimento Administrativo[66], pelo que tais efeitos apenas se suspendem se for julgada procedente uma providência cautelar e a interposição da acção administrativa não suspende os efeitos do acto, pelo que o cancelamento da cedência produziu os seus efeitos a 31 de Maio de 2010 ou em 26 de Novembro de 2012, data da sua notificação à recorrida, pelo que não são devidas as rendas desde então.
A recorrida entende que a recorrente está obrigada a pagar a compensação mensal pela exploração que efectivamente fez, até à cessação do contrato, verificada apenas com o trânsito em julgado do acórdão do TCAS.
Aferida a validade do contrato celebrado entre as partes, importa determinar se ocorreu a sua cessação com o cancelamento da cedência a título precário por parte da CML ou com o trânsito em julgado do acórdão proferido pelo TCAS e, em qualquer caso, se é devida pela recorrente a contraprestação acordada pelas partes.
Para o efeito, importa ter presentes os seguintes factos:
ü Por escritura datada de 14 de Abril de 1999 foi celebrado entre a L …, Lda. (como 1ª outorgante), representada por I … e “Cavalo de Pau – Decorações e Artesanato, Lda. (como 2ª outorgante), representada por C …, um contrato de “Cessão de exploração” relativo ao estabelecimento comercial de antiguidades, decoração e restauro, sito na Rua de S. …, com entrada pelos n.ºs … e …, em Lisboa, pelo prazo de cinco anos, renovável por iguais períodos, caso não fosse revogado pela segunda outorgante;
ü Em 28 de Junho de 1955, L …, Lda., com sede à Rua de … …, n.º … dirigiu à Câmara Municipal de Lisboa um requerimento com o seguinte teor: “Por virtude do plano de urbanização a realizar na zona onde tem a sua sede, foi-lhe expropriado o direito ao arrendamento que possue. Porém, e dado que o prédio não seja para demolir imediatamente, a requerente vem solicitar que a Ex.ma Câmara consinta que ela continue a título precário, na loja cujo direito ao arrendamento foi expropriado, até que seja determinada a demolição do imóvel, comprometendo-se a entregar mensalmente à Câmara, quantia idêntica àquela que pagavam como renda […]”, o que foi deferido em 7 de Julho de 1955;
ü A 31 de Maio de 2010 foi cancelado pela CML o registo de ocupação a título precário, em nome de L …, Lda., da loja sita no r/c do n.º … da Rua de … …, em Lisboa;
ü Por despacho datado de 1 de Setembro de 2010, a Câmara Municipal de Lisboa manteve a decisão de cancelar a cedência a título precário do espaço sito na Rua de S. … …, r/c, em Lisboa;
ü Com data de 15 de Novembro de 2012, foi elaborada pela CML notificação da decisão de desocupação da loja municipal sita na Rua de S. …, …, R/c, dirigida a L …, Lda., que a recebeu em 26 de Novembro de 2012, com o seguinte teor: “Por despacho de 1.9.2010 da Sra vereadora Q … […] foi mantida a decisão de cancelar a cedência a título precário do espaço mencionado em título. Após audiência prévia […] foi considerado que a argumentação apresentada por V. Exas não punha em causa o prosseguimento do cancelamento da cedência a título precário […] No entanto, esta decisão da Sra vereadora do Património não chegou a ser notificada, o que agora se faz nos termos do art.º 66º e sgs o CPA. […]”;
ü A autora pagou contrapartidas monetárias à CML até 31 de Maio de 2010, data em que o Município de Lisboa deixou de emitir as facturas referentes ao preço de ocupação da loja, sendo que nesse ano a contrapartida era no valor de 335,45 €;
ü A ré deixou de efectuar os pagamentos contratados com a autora desde Outubro de 2010, referente a Novembro de 2010, tendo pago a última prestação em Setembro de 2010, no valor de 2 239,42 €, não tendo efectuado qualquer outro pagamento até à data em que foi encerrado o julgamento;
ü A 1 de Julho de 2014 a ré celebrou com a Câmara Municipal de Lisboa um contrato de arrendamento da loja do prédio urbano sito na Rua de … … n.º …, em Lisboa, que se renovou no dia 1 de Julho de 2019, sendo a renda em vigor a 14 de Fevereiro de 2022 de 1 930,50 €;
ü A 23 de Maio de 2019, o TCAS proferiu acórdão, transitado em julgado em 26 de Junho de 2019, no âmbito da acção administrativa especial n.º …/…-…BELSB que L …, Lda. intentou contra o Município de Lisboa, junto do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, pedindo a declaração de nulidade ou anulação do acto impugnado – despacho de 1 de Setembro de 2010 que manteve a decisão de cancelar a cedência a título precário da loja sita na Rua De S. …, n.º …, r/c –, que negou provimento ao recurso (incidente sobre o despacho-saneador que julgou procedente a excepção de caducidade do direito de acção);
ü Até à data do encerramento da audiência final, a ré manteve-se ininterruptamente na exploração do estabelecimento comercial.
Na sequência das alterações introduzidas nos pedidos deduzidos, a autora reformulou o pedido indicado sob a alínea c) do petitório no sentido da declaração da revogação do contrato de cessão de exploração do estabelecimento, à data do trânsito em julgado do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, ocorrido em 26 de Junho de 2019, com a condenação da ré no pagamento da quantia de 245 888,22 € de rendas/compensações pela exploração do estabelecimento, correspondente a 36 614,51 € de Outubro de 2010 até Janeiro de 2012 e 209 273,71 €, de Fevereiro de 2012 até Junho de 2019, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal para as operações comerciais.
A decisão recorrida julgou este pedido procedente e condenou a ré no pagamento de tais quantias.
Tendo-se concluído pela validade e eficácia do contrato de cessão de exploração, a ré estava obrigada ao respectivo cumprimento, ou seja, no que diz respeito à sua contraprestação, a proceder ao pagamento à autora das quantias devidas a título de retribuição mensal até que se verificasse a sua cessação, seja por revogação pela própria, (tal como previa a cláusula 5ª), seja por resolução promovida por uma das partes, em caso de impossibilidade culposa ou incumprimento definitivo – cf. art.ºs 432º, 801º e 808º do Código Civil.
Não resultou demonstrado que alguma das partes tenha comunicado à outra uma intenção de pôr termo à relação contratual aqui em apreço, embora a pretensão que a autora veio formular com a presente acção, onde invocou o incumprimento pela ré do pagamento das prestações, pudesse configurar uma interpelação judicial nesse sentido.
É sabido que, tendencialmente, o vínculo obrigacional tem uma duração limitada e, por regra, extingue-se com o seu cumprimento, ou seja, por via da extinção das prestações das partes – cf. art.ºs 762º, n.º 1, 837º, 841º e 847º do Código Civil
Independentemente do cumprimento das prestações, as relações obrigacionais extinguem-se por via da resolução, da revogação e da denúncia.
Acresce a caducidade que determina em extinção do vínculo em virtude de facto superveniente.
A caducidade é um instituto que determina a extinção de direitos que não sejam exercidos durante certo prazo – cf. art.º 296º e seguintes do Código Civil.
Em sentido amplo, a caducidade ocorre também quando se dá a extinção do objecto ou pela verificação de qualquer facto ou evento superveniente a que se atribua efeito extintivo da relação contratual, como, por exemplo, a morte de uma das partes. Portanto, em sentido amplo, a caducidade constitui uma forma de extinção dos contratos em caso de impossibilidade não imputável a uma das partes de efectuar a sua prestação. Assim, num contrato sinalagmático, se uma das partes não pode realizar a sua prestação, a contraparte fica desobrigada da contraprestação – cf. art.º 795º, n.º 1 do Código Civil.
O vínculo cessa ipso iure em consequência de um evento a que se atribui o efeito extintivo, não sendo necessária a declaração de vontade emitida com essa finalidade.[67]
Como resulta do atrás expendido, o contrato celebrado entre as partes configura uma cessão de exploração de estabelecimento comercial, ou seja, foi cedida a exploração do estabelecimento como uma unidade jurídica, na qual se integrava o imóvel onde estava instalado o estabelecimento.
A obrigação a que a autora se obrigou foi a de ceder a exploração do seu estabelecimento comercial “como um todo”, como expressamente foi consignado pelas partes na cláusula 1ª do contrato, o que abrangia necessariamente a fruição do local.
Assente está também que a autora dispunha da fruição do local ao abrigo da concessão pela CML de uma cedência a título precário.
Em 31 de Maio de 2010 a CML cancelou o registo de ocupação a título precário em nome da autora, decisão que foi mantida por despacho de 1 de Setembro de 2010.
O cancelamento da cedência do espaço à autora a título precário determinou, necessariamente, a cessação por parte desta da fruição do espaço e, por consequência, a impossibilidade de ceder a exploração do estabelecimento nele instalado – cf. o art.º 1051º, e) do Código Civil.[68]
Com efeito, conforme decorre do atrás expendido, seguro é que, neste caso, atenta a natureza do estabelecimento comercial em causa e os elementos necessários ao tipo de comércio prosseguido, o local onde aquele está instalado é essencial à conformação da actividade e, por via disso, é um elemento estruturante da realidade, daquele todo, que foi objecto da cessão de exploração, que não pode subsistir, qua tale, sem a fruição do espaço.
O cancelamento da cedência a título precário do espaço onde estava instalado o estabelecimento comercial cuja exploração foi cedida à ré tornou impossível a prestação a que a autora se obrigou por força do contrato referido em 13., por causa que não lhe é imputável, o que significa que a credora (a credora da prestação de cedência do estabelecimento é a ré) ficou desobrigada da contraprestação, ou seja, a partir do momento em que a autora está impossibilitada de ceder a fruição do espaço, enquanto elemento integrante e estruturante do estabelecimento comercial, a ré ficou desobrigada de pagar a contrapartida acordada a título de remuneração.
Na verdade, por força do disposto no art.º 795º, n.º 1 do Código Civil, na eventualidade de uma impossibilidade não-imputável da prestação, o credor não vai receber a prestação a que tem direito e, consequentemente, fica exonerado, ele próprio, de efectuar a contraprestação.
Como refere António Menezes Cordeiro[69], “a eficácia exoneratória da impossibilidade da prestação, perante o devedor da contraprestação, corresponde a uma exigência sócio-cultural imediata: a relação da sinalagmaticidade funcional tem um nível ontológico […]. A falha de uma delas, tal como justifica a exceptio non adimpleti contractus e o direito de retenção, explica, sendo definitiva, a exoneração da contraparte. A assim não ser, a justiça comutativa seria posta em causa.”
A extinção da obrigação por impossibilidade superveniente, definitiva e total é automática, operando a figura da caducidade. De igual modo, a liberação do credor, perante a contraprestação que lhe cabe, actua ipso iure e por si. Não há necessidade de uma declaração nesse sentido por parte do credor.
Consequentemente, verificada a impossibilidade definitiva de a autora ceder a fruição do espaço, resulta para a ré a liberação do cumprimento da contraprestação.
Resta, pois, aferir em que momento ocorreu essa impossibilidade.
Sustenta a autora que tal só se verificou com o trânsito em julgado do acórdão proferido pelo TCAS, ou seja, em 26 de Junho de 2019, momento em que se teria consolidado na ordem jurídica o acto administrativo de cancelamento da cedência precária.
Diversamente, a recorrente entende que a acção administrativa de impugnação não tem efeito suspensivo do acto administrativo, pelo que os seus efeitos se produziram na data da sua prática ou, quando muito, na data da sua notificação à autora.
Parece seguro que, independentemente dos efeitos da interposição da acção administrativa especial de impugnação do acto administrativo, este nunca poderia produzir os seus efeitos em relação ao destinatário – a aqui autora – antes da efectivação da sua notificação.
Com efeito, nos termos do disposto no art.º 148º do CPA, constituem acto administrativo “as decisões que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta” (correspondente, com redacção não inteiramente coincidente, ao art.º 120º do Código de Procedimento Administrativo, aprovado pelo DL 44/91, de 15 de Novembro[70], vigente à data da prática do acto aqui em causa).
Devem ser notificados aos destinatários os actos administrativos que decidam sobre quaisquer pretensões por eles formuladas e os que criem, extingam, aumentem ou diminuam direitos ou interesses legalmente protegidos, ou afectem as condições do seu exercício – cf. art.º 114º, n.º 1, a) e c) do CPA, que corresponde ao texto do art.º 66º do CPA de 1991.
Os actos administrativos que imponham deveres, encargos, ónus ou sujeições, que causem prejuízos ou restrinjam direitos ou interesses legalmente protegidos, ou afectem as condições do seu exercício serão oponíveis aos destinatários a partir da respectiva notificação – cf. art.º 160º do CPA e art.º 132º do CPA de 1991; cf. ainda o disposto no art.º 159º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos[71], quanto ao início do prazo de impugnação do acto administrativo.
Tendo em conta os normativos mencionados, o acto administrativo que constitui a decisão da CML de cancelamento do título de cedência precária concedido à autora relativamente à loja em discussão nos presentes autos apenas se deve ter por oponível à recorrida a partir da data da sua notificação, ou seja, a partir de 26 de Novembro de 2012 – cf. acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 17-11-2022, 1911/20.2BELSB – “[…] o acto não notificado não produz efeitos na esfera jurídica do respectivo destinatário”.
De acordo com o disposto no art.º 155º, n.º 1 do CPA (art.º 127º do CPA de 1991), “o ato administrativo produz os seus efeitos desde a data em que é praticado, salvo nos casos em que a lei ou o próprio ato lhe atribuam eficácia retroativa, diferida ou condicionada.”
A suspensão da eficácia do acto administrativo pode ser alcançada pela adopção de providência cautelar com essa finalidade, nos termos do art.º 112º, n.º 2, a) do CPTA, sendo que, neste caso, a autora, embora tenha intentado processo cautelar comum visando obter essa suspensão, não logrou alcançar provimento na sua pretensão, conforme se retira da decisão proferida no processo n.º 691/13.2BELSB, em 21 de Novembro de 2013.[72]
Conforme decorre do art.º 50º, n.º 1 do CPTA, “a impugnação de um ato administrativo tem por objeto a anulação ou a declaração de nulidade desse ato”, como sucedeu neste caso, em que a autora intentou a acção administrativa especial referida em 27. com vista a obter o reconhecimento da nulidade ou a anulação do acto consistente no cancelamento da cedência precária do espaço que ocupava na Rua de … ….
A impugnação do acto suspenderá a sua eficácia nas situações previstas na lei e quando esteja apenas em causa o pagamento de uma quantia certa, sem natureza sancionatória e tenha sido prestada garantia – cf. n.º 2 do referido art.º 50º.
Daqui decorre que a impugnação judicial de um acto administrativo não suspende, por regra, a sua eficácia, sendo inclusivamente, se for caso disso, susceptível de execução coactiva pela Administração, excepto quando a suspensão decorra de outro regime legal que não o CPTA ou se trate da impugnação de um acto que imponha ao interessado o pagamento de uma quantia certa, sem carácter sancionatório, e desde que o autor/impugnante tenha prestado garantia por qualquer das formas previstas na lei tributária.
Uma vez que a impugnação do acto administrativo em análise – tendo em conta que não foi reconhecido sequer estar em causa um vício de nulidade, mas eventualmente uma acção para a respectiva anulação, conforme se retira do teor do acórdão proferido pelo TCAS referido em 27. - não suspende automaticamente a sua eficácia, que, não sendo nulo, continua a produzir os seus efeitos e a obrigar os respectivos destinatários, podendo ser susceptível de execução coactiva pela Administração, tem de se aceitar, como sustenta a apelante, que o cancelamento da cedência a título precário que retirou à autora/recorrida a fruição do espaço onde estava instalado o estabelecimento comercial produziu os seus efeitos à data da respectiva notificação à destinatária, ou seja, em 26 de Novembro de 2012 e não apenas com o trânsito em julgado do acórdão proferido pelo TCAS.
Tanto assim é que, a CML, reconhecendo a cessação dos efeitos dessa cedência precária, em 1 de Julho de 2014 celebrou com a ré um contrato de arrendamento que teve por objecto o mesmo espaço aqui em discussão, passando esta a pagar-lhe uma renda mensal, contrato que se renovou em 1 de Julho de 2019 – cf. pontos 24. a 26. dos factos provados.
Não obstante estar demonstrado que a ré se manteve ininterruptamente a explorar o estabelecimento comercial instalado naquela loja (cf. ponto 33.), certo é que a partir de Julho de 2014 fê-lo ao abrigo de um contrato de arrendamento celebrado com a CML.
Por outro lado, a partir de 26 de Novembro de 2012 cessou, ipso facto, ou seja, por força da produção de efeitos do acto de cancelamento da cedência precária, o contrato de cessão de exploração celebrado entre a autora e a ré, por via da impossibilidade superveniente da prestação a cargo da primeira, pelo que a partir dessa data a ré estava necessariamente desobrigada do pagamento da contraprestação.
Sendo assim, a ré apenas deve proceder à autora o pagamento das remunerações devidas desde Novembro de 2010 até Novembro de 2012, ou seja, a quantia global de 58 560,81 € (2 meses x 2 239,42 € + 23 meses x 2 351,39 €[73]), nada mais lhe sendo devido a esse título.
Procede, assim, nesta parte a presente apelação, com a consequente revogação da decisão recorrida no segmento em que condenou a ré no pagamento à autora de retribuições atinentes aos meses de Dezembro de 2012 a Junho de 2019, de que deve ser absolvida.
Em face do ora decidido, resulta prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas, que o foram a título subsidiário, nos termos do art.º 608º, n.º 2 ex vi art.º 663º, n.º 2 do CPC.
*
Das Custas
De acordo com o disposto no art. 527º, n.º 1 do CPC, a decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito. O n.º 2 acrescenta que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
Nos termos do art. 1º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais, considera-se processo autónomo para efeitos de custas cada recurso, desde que origine tributação própria.
Uma vez que a pretensão recursória da recorrente merece parcial provimento, as custas (na vertente de custas de parte) ficam a cargo de ambas as partes, autora/recorrente e ré/recorrida, na proporção do respectivo decaimento.
Em face do ora decidido impõe-se alterar a condenação em custas em 1ª instância, cuja responsabilidade deverá ser atribuída, quanto à acção, a ambas as partes, na proporção do respectivo decaimento e, quanto à reconvenção, à ré.[74]
*
IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desta 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa em julgar parcialmente procedente a apelação, e, em consequência:
a. Alterar a decisão recorrida julgando parcialmente procedente a acção e condenar a ré no pagamento à autora da quantia total de 58 560,81 € (cinquenta e oito mil quinhentos e sessenta euros e oitenta e um cêntimos), correspondente às prestações devidas pela cedência da exploração do estabelecimento no período compreendido entre Novembro de 2010 e Novembro de 2012, acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos até integral pagamento, absolvendo-a do demais peticionado a esse título.
b. Manter no restante a decisão recorrida.
Custas a cargo da apelante e da apelada, na proporção do respectivo decaimento.
*
Lisboa, 17 de Junho de 2025[75]
Micaela Sousa
Cristina Silva Maximiano
Paulo Ramos de Faria
_______________________________________________________
[1] NIF 500 960 062.
[2] NIF 504 035 185.
[3] Ref. Elect. … 72.
[4] Adiante designada pela sigla CML.
[5] Ref. Elect. … 08.
[6] Ref. Elect. … 11.
[7] Ref. Elect. … 03.
[8] Ref. Elect. … 80.
[9] Ref. Elect. … 13.
[10] Ref. Elect. … 66.
[11] Ref. Elect. … 09 e … 64.
[12] Ref. Elect. … 64.
[13] Ref. Elect. … 36,… 04, … 80 e … 77.
[14] Ref. Elect. … 82, … 71 e … 18.
[15] Ref. Elect. … 55.
[16] Ref. Elect. … 31.
[17] Ref. Elect. … 60.
[18] Ref. Elect. … 77.
[19] Ref. Elect. … 75.
[20] Ref. Elect. … 32.
[21] Ref. Elect. … 15.
[22] Ref. Elect. … 00.
[23] Ref. Elect. … 64.
[24] Ref. Elect. … 44.
[25] Ref. Elect. … 90.
[26] Ref. Elect. … 57.
[27] Adiante designado pela sigla CPC.
[28] cf. António Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7ª Edição Atualizada, pág. 135.
[29] Acrescentou-se a qualidade de procurador de N … relativamente a O … e a qualidade de outorgante de cada um dos intervenientes, em conformidade com a escritura de cessão de quotas que constitui o documento n.º 6 junto com a petição inicial, apresentado por requerimento de 25 de Janeiro de 2012, com a Ref. Elect. … 54.
[30] Transcreveu-se parcialmente o texto da escritura para melhor compreensão.
[31] Ref. Elect. 445686698.
[32] Cf. Francisco Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Volume II, 2015, pp. 370-371.
[33] cf. António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I – Parte Geral e Processo de Declaração, 2018, pág. 738; José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, 3ª Edição, p.p. 736-737 – “[…] quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade; mas já quando o raciocínio expresso na fundamentação aponta para determinada consequência jurídica e na conclusão é tirada outra consequência, ainda que esta seja a juridicamente correta, a nulidade verifica-se.”
[34] Cf. António Abrantes Geraldes, op. cit., pág. 201, nota 345.
[35] Acessível na Base de Dados Jurídico-documentais do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, IP em www.dgsi.pt, onde se encontram disponíveis todos os arestos adiante mencionados sem indicação de origem.
[36] Cf. Artur Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, vol. I, pág. 201.
[37] Cf. João de Castro Mendes, Direito Processual Civil, IIº vol., 1987, pág. 358.
[38] Cf. José Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume II, 3ª edição, 1981, pág. 351.
[39] O Professor Miguel Teixeira de Sousa, in Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2ª edição, 1997, pág. 71 alude aos factos necessários à procedência da acção, que qualifica de factos principais e que abrangem os factos essenciais e os factos complementares, sendo que os primeiros permitem individualizar a situação jurídica alegada na acção ou na excepção e os segundos são indispensáveis à procedência dessa acção ou excepção, mas não integram o núcleo essencial da situação jurídica alegada pela parte.
[40] Cf. António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, op. cit., pág. 727.
[41] Adiante designado pela sigla TCAS.
[42] Ref. Elect. … 36.
[43] Cf. Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Código de Processo Civil, Lex, 1997, pág. 312.
[44] “[…] «[n]ão porque tal preceito, expressamente, contemple a situação de sancionar como não escrito um facto conclusivo, mas, como tem sido sustentado pela jurisprudência, porque, analogicamente, aquela disposição é de aplicar a situações em que em causa esteja um facto conclusivo, as quais, em rectas contas, se reconduzem à formulação de um juízo de valor que se deve extrair de factos concretos objecto de alegação e prova, e desde que a matéria se integre no thema decidendum»”.
[45] Não se desconhecendo, contudo, a possibilidade de se afirmarem juízos que densifiquem e concretizem uma realidade de facto, conforme se retira do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28-09-2017, 659/12.6TVLSB.L1-S1; no mesmo sentido, o Prof. Miguel Teixeira de Sousa, sustenta que a “chamada «proibição dos factos conclusivos» não tem hoje nenhuma justificação no plano da legislação processual civil; – cf. Matéria de facto; julgamento; “factos conclusivos”, Jurisprudência (785) 6-02-2018, acessível em Blog do IPPC https://blogippc.blogspot.com/search?q=jurisprud%C3%AAncia+%28785%29. No entanto, fá-lo referindo que tal como os temas de prova “não têm de (e, aliás, nem podem, nem devem) ser enunciados fora de qualquer enquadramento jurídico, também a resposta do tribunal à prova realizada pela parte não tem de ser juridicamente asséptica ou neutra” dando como exemplo que “sob pena de se cair num inaceitável formalismo, não pode constituir motivo de censura que o tribunal, depois de considerar provados determinados factos que consubstanciam a violação de deveres de cuidado, conclua que está demonstrada a negligência da parte”, o que revela que a afirmação de factos já com certa conotação jurídico-valorativa dependerá, contudo, da prova de factos que a suportem – cf. Jurisprudência (784) 5-02-2018, no referido Blog.
[46] O que, naturalmente, vale o que vale.
[47] Note-se que na certidão comercial da autora junta com a petição inicial (válida, porém, apenas até 19-01-2013), N … foi designado gerente em 20-05-1999.
[48] Ref. Elect. … 11.
[49] Ref. Elect. … 81.
[50] Cf. António Abrantes Geraldes, op. cit., pp. 333-336; Francisco Ferreira de Almeida, op. cit., pág. 468.
[51] Acessível em https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2024:189.22.8TSVLC.P1.S1.09/.
[52] Ref. Elect. … 32.
[53] Ref. Elect. … 80 e … 13.
[54] Cf. M. Almeida Costa, Direito das Obrigações, 6ª edição, págs. 196 e 197.
[55]  Cf. Jacinto Rodrigues Bastos, Notas ao Código Civil, volume II, 1988, pág. 193.
[56] Cf. C. Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3ª edição actualizada, pág. 444 e 445.
[57] Atende-se “ao real declaratário nas condições concretas em que se encontra e tomam-se em conta os elementos que ele conheceu efectivamente mais os que uma pessoa razoável, quer dizer, normalmente esclarecida, zelosa e sagaz, teria conhecido e figura-se que ele raciocinou sobre essas circunstâncias como o teria feito um declaratário razoável” – cf. Mota Pinto, op. cit., pág. 447.
[58] Cf. António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I Parte Geral, Tomo I, 2ª edição, 2000, pág. 553.
[59] Cf. Maria Raquel Rei, Código Civil Comentado I – Parte Geral, Coordenação António Menezes Cordeiro, Almedina 2020, pág. 692.
[60] Cf. Maria Raquel Rei, op. cit., pág. 695.
[61] Cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 3-03-2011, relator José Eduardo Sapateiro, processo n.º 5391/09.5TVLSB.L1-6 – “Fernando Gravato Morais […] caracteriza o estabelecimento comercial da seguinte forma: […] Nele se destaca a organização, mais ou menos complexa, que tem em vista o exercício de uma actividade de natureza mercantil (perfil organizativo). Contudo, esta componente encarada isoladamente manifesta uma incompletude em relação à compreensão global do quid que lhe subjaz. O "estabelecimento - organização" não pode ser dissociado de um conjunto amplo de valores, v.g., os "factores produtivos", que o projectem na realidade (perfil objectivista). É a conjugação desta dupla vertente que permite caracterizar o estabelecimento mercantil. Tal organização, corporizada num complexo de valores diferenciados, existe como unidade económica, sendo reconhecida pelo direito como unidade jurídica. De tal reconhecimento emerge a ideia de que o estabelecimento comercial é um todo organizado (e só assim pode ser concebido), quer para efeito da sua protecção, quer ao nível da sua negociação, apesar da pluralidade e da heterogeneidade dos elementos que o constituem e que o integram.”
[62] Com a seguinte redacção: “Que, pela presente escritura, em nome da sociedade sua representada, cede a exploração do identificado estabelecimento, como um todo, isto é, abrangendo a fruição do local, móveis e utensílios, licenças e ainda todos os demais bens materiais e imateriais que o integram e destinados à continuação do exercício da respectiva actividade, e ainda para decoração, artesanato, importação e exportação, formação profissional e apoio a artesões, restauro e venda de móveis novos e usados.”
[63] Cf. Ana Filipa Morais Antunes, Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Universidade Católica Editora, págs. 592 e ss. apud acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26-02-2023, 13747/21.9T8SNT.L1.
[64] Que as partes teriam celebrado o negócio no pressuposto de se estar a transmitir um estabelecimento comercial com o «locado».
[65] Cf. José Lebre de Freitas, Código Civil Anotado, Volume I, 2ª Edição Revista e Actualizada, Ana Prata (Coord.), pág. 471.
[66] Aprovado pelo DL n.º 4/2015, de 7 de Janeiro; adiante designado pela sigla CPA.
[67] Cf. Pedro Romano Martinez, Da Cessação do Contrato, 2017 – 3ª Edição, pág. 47.
[68] Enquanto regime jurídico aplicável atenta a proximidade da natureza do tipo negocial em causa. Note-se que, em termos similares, em situação de expropriação por utilidade pública se extinguem os diversos direitos reais relativos à coisa, o que determina a caducidade da locação – cf. António Menezes Cordeiro, Código Civil Comentado – III – Dos Contratos em Especial, pág. 391. Para Jorge Pinto Furtado há perda da coisa determinante de caducidade do arrendamento quando esta perece por uma causa natural ou jurídica (já não quando resulta de uma acção humana) – cf. Comentário ao Regime do Arrendamento Urbano, 4ª edição, revista e actualizada, pág. 186.
[69] Cf. Código Civil Comentado, II – Das Obrigações em Geral, CIDP, 2021, pág. 1011.
[70] Adiante designado por CPA de 1991.
[71] Aprovado pela Lei n.º 15/2002, de 22 de Fevereiro; adiante designado pela sigla CPTA.
[72] Cf. Certidão junta aos autos em 28 de Novembro de 2014, Ref. Elect. … 26.
[73] Tendo em conta que, conforme consta do pontos 16. e 8. dos factos provados, a remuneração era actualizada em 5% anualmente.
[74] Cf. António Abrantes Geraldes, op. cit., pág. 282 – “O resultado obtido no recurso de apelação pode determinar ainda uma modificação da decisão sobre custas que tenha sido proferida no tribunal a quo.”
[75] Acórdão assinado digitalmente – cf. certificados apostos no canto superior esquerdo da primeira página.