ESTABILIDADE DA INSTÂNCIA
ECONOMIA PROCESSUAL
CELERIDADE PROCESSUAL
PEDIDO
AMPLIAÇÃO
PEDIDO SUBSIDIÁRIO
Sumário

I. O princípio da estabilidade da instância, consagrado no art. 260.º do CPC, tem em vista evitar que os elementos subjectivos ou o objecto do processo possam ser livremente modificados pelas partes, com isso prejudicando o regular andamento da causa e impedindo ou dificultando a actividade do Tribunal a quem compete administrar a justiça..
II. Os princípios da economia processual e da celeridade processuais encontram-se já sopesados nas excepções previstas ao disposto no art. 260.º, do CPC, como é o caso do art. 265.º, pelo que – inexistindo acordo das partes quanto à ampliação/alteração do pedido – mais não resta do que aferir da verificação dos pressupostos de admissibilidade do art. 265.º do CPC.
III. Sendo o pedido formulado nos autos - em sede de petição inicial - de reconhecimento de um direito real, tendo como causa de pedir causas legalmente previstas como sendo de aquisição de direitos reais (negócio jurídico e sendo o pedido alterado/ampliado – formulado em sede de réplica – de constituição de uma servidão legal, teremos de necessariamente concluir que estamos perante a dedução de um novo pedido subsidiário com uma distinta causa de pedir.
IV. A ampliação do pedido, prevista no já referido art. 265º, n.º 2, do CPC, não serve para introduzir em juízo pedidos subsidiários que, desde logo poderiam ter sido deduzidos na petição inicial, como é o caso do presente, na medida em que o contrato promessa de constituição de servidão a que aludem os apelantes na réplica, foi junto pelo requerido, em sede de oposição ao procedimento cautelar então intentado pelos agora apelantes, em 22-06-2023 e que a presente acção principal foi intentada a 15-03-2024.
(Sumário elaborado pela Relatora)

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

I. RELATÓRIO
AA e mulher CC
DD e marido EE,
FF e mulher GG,
HH e marido II,
JJ e mulher KK,
intentaram acção Declarativa de Condenação com processo comum contra
BB pedindo:
a. se declare reconhecido o direito de superfície dos AA. sobre o imóvel do R., com a área total de 29m2, por via do contrato celebrado com os pais do R. em 1982,
caso assim não se entenda;
b) se declare reconhecido o direito de superfície dos AA. sobre o imóvel do R., com a área total de 29m2, por via da usucapião, por reunião dos pressupostos previstos nos artigos 1260.º, 1261.º, 1262.º e 1296.º do CC;
c) se declare a contitularidade dos AA. do direito de superfície, correspondente à área de 29m2, melhor identificada no documento 25, com as confrontações referidas no artigo 24º, seja por via da aquisição por compra ou por usucapião;
d) se condene o R. a reconhecer o direito dos AA. e, em consequência, impedi-lo de praticar atos de bloqueio à parcela do seu terreno onde está implantado o acesso de 29 m2 dos AA., por forma a que estes, por si próprios ou por quem necessitar de aceder ao seu imóvel adjacente, possam circular livremente fruindo do seu direito de superfície, sem qualquer impedimento físico pelo R.
e) se aplique a sanção pecuniária compulsória ao R., nos termos do artigo 365.º/2 do CPC, em montante diário não inferior a € 200,00 (duzentos euros), por cada dia de incumprimento da decisão que vier a ser decretada.
Devidamente citado veio o Réu, a 08-05-2024, contestar e deduzir pedido reconvencional no qual peticionou que:
i. sejam os AA. condenados a pagar ao R. uma quantia não inferior a € 50.000,00 (cinquenta mil euros), a título de danos patrimoniais;
ii. sejam os AA. condenados a pagar ao R. a quantia que vier a ser apurada nos presentes autos, ou a liquidar em execução de sentença, quanto ao valor diferencial de valor comercial do prédio por via da ocupação;
Ou, se assim não se entender,
iii. sejam os AA. condenados a pagar ao R. a quantia que vier a ser apurada nos presentes autos, ou a liquidar em execução de sentença, quanto ao incremento do custo de construção no seu prédio e perda de potencial comercial;
Ou, se assim não se entender quanto aos pedidos supra,
iv) Reconhecido o direito de acessão da “obra” implantada no prédio do R., declarando-o beneficiário da acessão e proprietário da mesma, mediante o pagamento a título de indemnização do valor que vier a ser apurado da mesma.
Na sequência da apresentação de contestação com dedução de pedido reconvencional, vieram os Autores apresentar articulado de réplica no qual formulam pedido de ampliação do pedido nos seguintes termos:
“DA AMPLIAÇÃO DO PEDIDO
51º
Nos termos do artigo 265º, n.º 2 do Código de Processo Civil, os AA. podem ampliar o pedido.
52º
Ao longo da sua contestação, o R. insistentemente refere-se a um acordo efectuado entre os seus pais de um lado, com o A. AA e o falecido LL.
53º
Esse acordo consubstanciou-se na constituição de uma servidão legal de passagem sobre o imóvel do R., composta sobre a parcela objecto dos presentes autos.
54º
Para o efeito, foi preparado um contrato promessa de constituição de servidão – doc. 1 apresentada na contestação.
55º
E outorgada uma procuração outorgada pelo pai do R. a favor da sua mãe, para formalização definitiva dessa servidão de passagem.
56º
Para o efeito de se concretizar essa escritura prometida, AA e o falecido LL pagaram em 1989 e 1990 o total de Esc. 1.500.000$00 (um milhão e quinhentos mil escudos), em três prestações de Esc.500.000$00 cada.
57º
Essa escritura nunca se realizou, contudo, também é verdade que essa promessa nunca foi desfeita ou resolvida, permanecendo por concretizar e em vigor.
58º
Ao que parece, depois de receber os Esc. 1.500.000$00, a mãe do R. entendeu ser pouco e pediu mais Esc. 1.000.000$00, conforme resulta do doc.2 da contestação.
59º
Ora, nos termos do artigo 1547º, n.º 2 do Código Civil, as servidões legais, na falta de constituição voluntária, podem ser constituídas por sentença judicial.
60º
De acordo com o contrato promessa apresentado como documento 1 da contestação, entre as partes foi acordado que o contrato prometido será exarado logo que uma das partes ora contratantes o exija, devendo fazê-lo com a antecedência prévia de oito dias (artigo terceiro).
61.º
Diz ainda o referido documento no seu artigo quinto, que a promessa é susceptível de ser especificamente executada de acordo com o disposto no artigo 830º do Código Civil.
62º
Ora, conforme se explanou supra, os AA. em 1985 pagaram Esc. 1.500.000$00 (um milhão e quinhentos mil escudos), aos Pais do R., para construírem o muro e terem o direito de superfície do acesso em causa.
63º
E o preço já se encontra pago, conforme se refere no artigo segundo.
64º
Ou no entender do R., faltaria pagar Esc. 1.000.000$00
65º
Por sua árvores”. (…)”
Termina assim requerendo:
“ Nestes termos, e nos melhores de direito, que V. Ex.ª doutamente suprirá, em função da contestação apresentada e em sede de ampliação/alteração de pedido deve igualmente a ação ser julgada procedente e provada e, por via disso, deve V. Ex.ª:
a. Declarar reconhecido a servidão de passagem sobre o imóvel do R., com a área total de 29m2, por via do contrato celebrado com os pais do R. em 1982, caso assim não se entenda;
b. Declarar reconhecido a servidão de passagem. sobre o imóvel do R., com a área total de 29m2, por via da usucapião, por reunião dos pressupostos previstos nos artigos 1260.º, 1261.º, 1262.º e 1287.º do CC;
c. Declarar a contitularidade dos AA. da servidão de passagem, correspondente à área de 29m2, melhor identificada no documento 25, com as confrontações referidas no artigo 24º, seja por via da aquisição por compra ou por usucapião;
d. Condenar o R. a reconhecer o direito dos AA. e, em consequência, impedi-lo de praticar atos de bloqueio à parcela do seu terreno onde está implantado o acesso de 29 m2 dos AA., por forma a que estes, por si próprios ou por quem necessitar de aceder ao seu imóvel adjacente, possam circular livremente fruindo do seu direito de superfície, sem qualquer impedimento físico pelo R.
e. Aplicar a sanção pecuniária compulsória ao R., nos termos do artigo 365.º/2 do CPC, em montante diário não inferior a € 200,00 (duzentos euros), por cada dia de incumprimento da decisão que vier a ser decretada.
f. No caso de se entender que a aquisição se deu por compra e falta pagar ainda o Esc. 1.000.000$00 quanto ao preço, que se confira aos AA. o prazo de cinco dias úteis, para se proceder ao respectivo pagamento, com a devida correcção monetária, desde 1990.”
Por despacho 04-07-2024 o Juízo Local Cível do Funchal fixou o valor da causa em € 55 000,01, declarou verificada a excepção dilatória de incompetência em razão do valor e, como tal, determinou a remessa dos autos para o juízo central cível do Funchal.
Por despacho de 10-12-2024 determinou-se a notificação do Réu para, querendo, se pronunciar relativamente à ampliação do pedido formulada pelos Autores em sede de réplica.
Por requerimento de 09-01-2025 veio o Réu pronunciar-se sobre o requerimento de ampliação do pedido, pugnando pela sua inadmissibilidade nos seguintes termos:
“ 4º
Na réplica, os AA. aludem às circunstâncias existentes à data da celebração do contrato de promessa de constituição de servidão, ou seja, alegam o circunstancialismo subjacente às negociações mantidas entre os pais do A. AA e o já falecido LL.

Invocando, ainda, as normas da execução específica do contrato promessa.

A invocação de tal factualidade consubstancia a alegação de factos novos, nunca invocados na petição inicial.

Em abono da verdade, os AA. não fundamentam no que se consubstancia esta ampliação do pedido, sendo que o que vêm alegar nos seus artigos, salvo melhor opinião, traduz-se na alegação de uma nova causa que se destina a fundamentar não já o aludido pedido condenatório, mas alegar novos factos para chegar a novas conclusões, como é o caso dos artigos 52º a 65º, de modo a assim fundamentar a ampliação do pedido.
Ora,

Quando a ampliação importa a alegação de factos novos, a mesma só é processualmente admissível se tais factos forem supervenientes à petição inicial já apresentada.

O que não é o caso dos presentes autos.
Para além disso,
10º
A ampliação do pedido da forma como é apresentada pelos AA. consubstancia, s.m.o., um verdadeiro pedido subsidiário que, conforme se exporá infra, não é admissível devido a uma incompatibilidade substancial entre os pedidos apresentados.
11º
Subsidiariedade essa que, pela sua génese, faz com que estes novos pedidos não se encontrem contidos no pedido apresentado anteriormente.
12º
O que, consequentemente, nos leva à conclusão inelutável de que a ampliação de pedidos apresentada pelos AA. não é desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo.
13º
Antes pelo contrário: consubstancia um verdadeiro volte face em função da factualidade inicialmente invocada.
14º
Para melhor concretizar a posição esgrimida veja-se, a título meramente, por exemplo, o sumário do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, no âmbito do processo n.º 7165/21.6T8LSB-A.L1-6, datado de 04/04/2024:
“-No âmbito do instituto processual da ampliação do pedido, e atento o preceituado no art. 265º nº 2 do CPC, a lei não define expressamente o que se entende por “desenvolvimento” ou por “consequência” do pedido primitivo, devendo entender-se que a ampliação do pedido será processualmente admissível, quando o novo pedido esteja virtualmente contido no âmbito do pedido inicialmente deduzido, por forma a que pudesse tê-lo sido também aquando da petição inicial, sem a dedução de novos factos;
- O pedido formulado na ampliação, não decorre dos pedidos anteriores se estivermos perante um pedido subsidiário porque, sendo um pedido subsidiário, logicamente não se encontra contido no pedido anterior, pois que o pedido subsidiário só se aprecia no caso de sucumbência dos pedidos principais.” - Acórdão disponível in https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/c4a23b9d9ee926c980258afc0045203d?OpenDocument
15º
E ainda, o sumário do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, no âmbito do processo n.º 14456/18.1T8PRT.P2, datado de 20/09/2021:
“I - No actual regime processual, na falta de acordo das partes, somente é admissível a ampliação do pedido quando esta constitua o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo.
II - Por desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo deve considerar-se um pedido que esteja contido no âmbito do pedido primeiramente deduzido, de molde a que pudesse tê-lo sido também aquando da petição inicial, sem a dedução de novos factos, quer dizer a ampliação há de estar contida virtualmente no pedido inicial, consubstanciando um acrescento/desenvolvimento do pedido inicial, mantendo com este total conexão.” - Acórdão disponível in https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/067ad06897189bb880258782005047bf?OpenDocument
Ou seja,
16º
Da jurisprudência supra citada resulta, salvo melhor opinião, que a ampliação do pedido só é admissível se corresponder a um desenvolvimento ou for consequência de um pedido primitivo.
Para mais,
17º
A requerida ampliação do pedido influi de forma direta com uma ampliação da causa de pedir.
18º
Porquanto, no que toca ao direito de superfície, há por um lado, uma convicção dos AA. de existência de um direito real de propriedade e, por outro lado, no que toca à servidão de passagem, essa convicção não existe, havendo uma mera titularidade, conforme se exporá melhor infra.
19º
A ampliação da causa de pedir apenas pode operar nos termos do artigo 265º, n.º 1 do Código de Processo Civil.
20º
Ou seja, em consequência de confissão feita pelo R. e aceite pelos AA., efetuada no prazo de 10 (dez) dias a contar da aceitação.
21º
O que não sucedeu.
Face ao exposto,
22º
E sem olvidar, e com arrimo no disposto no artigo 265º n.º 6 do Código de Processo Civil, a ampliação não pode implicar a convolação para uma relação jurídica diversa da controvertida.
23º
Em suma, os factos de que depende o pedido agora apresentado e apenas parcialmente alegados na petição inicial, já tinham ocorrido aquando da apresentação daquela peça, pelo que a ponderação desta nova causa de pedir não é mais possível nesta fase do processo, bem como o pedido em causa é diferente dos inicialmente apresentados e que os AA. já poderiam ter apresentado em sede de petição inicial, invocando aí todos os factos necessários ao seu conhecimento.
24º
Sendo certo que a dar provimento à pretensão dos AA. violar-se-á, igualmente, o princípio da estabilidade da instância.
25º
Razão pela qual, a ampliação do pedido - e consequentemente a ampliação da causa de pedir - pretendida pelos AA. deve ser indeferida por não estarem preenchidos os pressupostos necessários mormente a ocorrência de qualquer facto superveniente que sustente a sua dedução, o que se requer com todas as consequências legais. (…)”
A 10-02-2025 foi proferido o seguinte despacho (Despacho recorrido):
“Vêm os autores requerer a ampliação/alteração do pedido.
Notificado o réu para se pronunciar quanto à requerida ampliação/alteração, a mesma manifestou a sua não concordância e pugnou pela improcedência do requerido.
Dispõe o artigo 265º, do Código de Processo Civil, no seu n.º 1, que na falta de acordo, a causa de pedir só pode ser alterada ou ampliada na réplica em consequência de confissão feita pelo réu e aceita pelo autor, devendo a alteração ou ampliação ser feita no prazo de 10 dias a contar da aceitação.
Assim, a alteração ou ampliação da causa de pedir é apenas possível por via de confissão feita pelo réu (ou pelo autor reconvindo) e aceite pelo autor (ou réu reconvinte) – cfr. JOSÉ LEBRE DE FREITAS, Código de Processo Civil Anotado, 1999, vol. 1º, pág. 485.
Por seu turno, dispõe o n.º 2, do mesmo preceito que o autor pode, em qualquer altura, reduzir o pedido e pode ampliá-lo até ao encerramento da discussão em 1ª instância se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo.
O n.º 6 do normativo em apreço estabelece que é permitida a modificação simultânea do pedido e da causa de pedir, desde que tal não implique convolação para relação jurídica diversa da controvertida.
Do enunciado preceito resulta que, sem prejuízo do regime de alegação dos factos supervenientes (art. 588º do Código de Processo Civil), o n.º 1 circunscreve aos 10 dias a contar da aceitação da confissão do réu o momento processual em que é admissível ao autor alterar ou ampliar a causa de pedir individualizada na petição inicial (art. 552º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil), isto é, o acervo dos factos constitutivos da situação jurídica que através do pedido, quer fazer valer em juízo (artigo 481º, n.º 4 do diploma em referência). O n.º 2, do citado artigo 265º permite a alteração ou ampliação do pedido. O n.º 6 do normativo em apreço veio permitir a modificação simultânea do pedido e da causa de pedir quando alguns dos factos que integram a nova causa de pedir coincidem com factos que integram a causa de pedir originária ou a causa de pedir reconvencional ou fundam exceções deduzidas, mas também quando, pelo menos, o novo pedido se reporta a uma relação material dependente ou sucedânea da primeira (cfr. JOSÉ LEBRE DE FREITAS, Código de Processo Civil Anotado, 1999, 1º vol., pág. 486).
Até ao encerramento da discussão em primeira instância pode o autor ampliar o pedido se a ampliação for o desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo.
Refira-se que o Professor ALBERTO DOS REIS (Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 3º, pág. 93) a respeito da ampliação do pedido referida no atual artigo 265º, nº 2, do Código de Processo Civil, diz qual é, em tais casos, o limite de qualidade e nexo: a ampliação há-de ser o desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo; quer dizer, a ampliação há-de estar contida virtualmente no pedido inicial.
O pedido é o efeito jurídico que se pretende obter com a causa (cfr. artigo 498º, n.º3 do Código de Processo Civil).
Ora, e em face do que se deixou dito e do alegado, os pedidos formulados em sede de ampliação não podem considerar-se “virtualmente contidos no pedido inicial”, ou seja, a ampliação do pedido pretendida não pode considerar-se desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo.
De facto, pese embora os autores denominem a respetiva pretensão de “ampliação/alteração do pedido”, na realidade o que pretendem é uma alteração de pedidos (dedução de pedidos de reconhecimento de direito de servidão de passagem em vez do pedido inicial de reconhecimento de direito de superfície, suprimindo-se os primeiros quatro, mantendo-se o quinto e aditando-se um sexto, desde que se venha a demonstrar determinado circunstancialismo.
Objetivamente, não se nos afigura que se possa considerar que os pedidos formulados o “requerimento de ampliação” seja uma ampliação do pedido, seja ela quantitativa ou uma ampliação por cumulação de um novo pedido.
O que agora os autores pretendem fazer é, em vez do pedido inicial –essencialmente de reconhecimento do direito de superfície (alíneas a) a d) -, deduzir outros, suprimindo os primeiros, mantendo o pedido de condenação em sanção pecuniária compulsória (alínea e) e aditando a possibilidade de pagamento pelos próprios autores de determinada quantia, caso se venha a demonstrar determinado circunstancialismo.
Ora, da conjugação do disposto nos artigos 264º e 265º, n.º 2 do Código de Processo Civil, conclui-se que a alteração do pedido que não consubstancia uma redução ou ampliação do mesmo (sejam elas quantitativas ou qualitativas), apenas é admissível havendo acordo das partes. Na falta de acordo, uma alteração do pedido que não se traduza numa redução ou ampliação, não se mostra admissível.
Como se disse, no presente caso em causa está essencialmente uma alteração do pedido, traduzida na substituição de uns pedidos por outros, eliminando os primeiros, sendo que o aditamento, mais do um verdadeiro e próprio pedido, se traduz, na pretensão de exercício de faculdade que permita aos autores aceder aos pedidos ora formulados.
Pelo exposto, decide-se não admitir a alteração/ampliação do pedido pretendida pelos autores.”
Inconformados com tal despacho de não admissão da alteração/ampliação do pedido vieram os Autores recorrer apresentando as suas alegações, nas quais formulam as seguintes CONCLUSÕES:
i. O presente recurso tem por objeto o pedido de reapreciação do despacho proferido pelo Tribunal a quo, que indeferiu a ampliação do pedido formulado pelos AA., ora Recorrentes, em sede de Réplica.
ii. O que se pretende é que seja proferida nova decisão que revogue o despacho recorrido e o substitua por outro que admita a ampliação do pedido inicial, permitindo a final o Tribunal decidir da existência de um direito de superfície, bem como do direito de servidão de passagem, ou mesmo de ambos, nos termos do n.º 2 do artigo 265.º do Código de Processo Civil.
iii. O Tribunal a quo desconsiderou que os pedidos formulados em sede de Réplica tiveram origem comum e derivam do mesmo complexo de factos, pelo que entendeu aquele douto tribunal que a ampliação do pedido requerida pelos AA. implica a “substituição” de um direito de superfície por uma servidão de passagem, concluindo que tal não configura um desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo, o que não é nem nunca foi a pretensão manifestada pelos Recorrentes.
iv. Na ótica dos Recorrentes, a ampliação apresentada na Réplica, fundamenta-se nos mesmos factos que sempre estiveram presentes no litígio, sendo, a introdução desta figura jurídica da servidão, uma mera qualificação jurídica para os mesmos factos, que resulta do desenvolvimento da pretensão inicial, na medida em que, quer por via da aquisição, quer por via da usucapião, os AA. sempre detiveram um direito sobre a parcela em causa, razão pela qual, a ampliação do pedido não modifica a relação jurídica controvertida, como, salvo o devido respeito, erradamente concluiu o Tribunal a quo.
v. A posição sufragada pelo Tribunal a quo vertida no despacho ora em crise, de que o que os Recorrentes pretendem com a ampliação do pedido seria, na verdade, a “alteração do pedido, traduzida na substituição de uns pedidos pelos outros”, está afastada daquilo que de facto pretendiam os AA., ora Recorrentes: a procedência de um dos pedidos, ou mesmo, se o Tribunal assim entender, de ambos os pedidos, i.e., os invocados em sede de Petição Inicial e em sede de Réplica, não sendo a procedência do direito real de superfície substancialmente incompatível com a procedência do direito real de servidão de passagem.
vi. Pelo que, e salvo o devido respeito por outro entendimento, andou mal o Tribunal a quo quando proferiu decisão de não admissão da ampliação do pedido dos Recorrentes, consubstanciado, essa rejeição, numa restrição indevida ao contraditório, impedindo os AA., ora Recorrentes, de formular todos os argumentos juridicamente relevantes para a defesa dos seus direitos
vii. Ao abrigo do artigo 7.º do Código de Processo Civil, cabe ao juiz assegurar a justa composição do litígio e garantir que todas as questões fundamentais sejam apreciadas e, com o indeferimento da ampliação do pedido, verificou-se um formalismo excessivo, prejudicando a possibilidade de uma decisão de mérito efetiva.
viii. Assim, entendem os ora Recorrentes, que a decisão recorrida impõe uma fragmentação desnecessária do litígio, obrigando-os a intentar nova acção judicial com vista à obtenção de um direito interdependente do já invocado, motivo pelo qual, tal decisão viola os Princípios da Economia e da Celeridade Processuais, previstos ao abrigo do artigo 6.º do Código de Processo Civil, obrigando as partes e o sistema judicial a despender esforços desnecessários, em claro prejuízo da gestão processual eficaz que deve pautar a atividade dos tribunais.
ix. Por todo o exposto, e com o douto suprimento de V/ Exas., deverá decidir- se conforme supra se enuncia, com a respetiva alteração do despacho que deverá ser revogado e substituído por outro que, à luz dos princípios suprarreferidos, admita a ampliação do pedido inicial dos Recorrentes, admitindo-se que a causa prossiga para apreciação e demonstração também dos pedidos formulados em sede de Réplica, nomeadamente, no que ao pedido de reconhecimento do direito de servidão legal de passagem diz respeito.
x. E sem esquecer o aforismo – O Tribunal sabe o Direito –, sendo os factos os mesmos, porque razão cortar, desde já, a possibilidade de uma sentença decidir sobre a existência de um direito de superfície ou de uma servidão legal de passagem?
Termos em que, invocando-se o Douto suprimento do Venerando Tribunal, deverá ser dado provimento ao presente RECURSO e, em consequência, revogar-se o despacho proferido pelo Tribunal a quo, substituindo-se por outro que admita a ampliação do pedido dos AA., ora Recorrentes.”
O Réu veio responder ao recurso, contra-alegando em suma que:
- ao contrário do alegado pelos apelantes nos pontos 4 e 5 das suas alegações, o contrato de promessa de constituição de servidão de passagem não foi apenas junto com a contestação do Ré: o mesmo já havia sido junto aquando da oposição apresentada no âmbito do procedimento cautelar, sendo que os Autores optaram por intentar a presente acção desconsiderando o seu conteúdo;
- não é tolerável nem aceitável, de acordo com as regras da boa fé processual, que num articulado se aleguem factos que integram uma determinada causa de pedir e noutro factualidade necessariamente distinta, conforme melhor lhe convém na sequência do exercício do contraditório;
- tal como entendeu o Tribunal recorrido, a apmpliação do pedido apenas será processualmente admissível quando o novo pedido esteja virtualmente contido no âmbito do pedido inicial, isto é, quando pudesse ter sido deduzido na petição inicial sem a adução de novos factos;
- só que a alusão na réplica às circunstâncias existentes à data das celebração do contrato promessa de constituição de servidão, se traduz na alegação de factos novos : na petição inicial alegam factos tendentes à aquisição do direito de propriedade/superfície sobre o imóvel, quer por via de contrato celebrado com o pai do Réu, quer por via da usucapião; na réplica alegam um acordo entre os pais do Réu e o apelante AA e o falecido LL, acordo esse que se consubstanciava na constituição de uma servidão legal de passagem.
- os contratos alegados num e noutro articulado são substancialmente diversos: num supostamente adquiriu-se o direito de propriedade; no outro constitui-se uma servidão;
- a alteração do pedido é estrategicamente compreensível tendo em atenção que o apelado em sede de pedido reconvencional, e à cautela, ter peticionado a acessão industrial imobiliária das benfeitorias alegadamente executadas pelos apelantes, sendo a servidão a única forma de obviar a esse mecanismo;
- ao alterarem/ampliarem o pedido os Autores estão a invocar uma nova causa de pedir, distinta da inicial;
- os apelantes não se podem arrogar simultaneamente donos de um acesso – que dizem ter adquirido por compra – e ao mesmo tempo dizer que o utilizam enquanto servidão – nos termos de um outro acordo, que não tem subjacente qualquer animus de proprietários.
Termina assim, pugnando pela manutenção do despacho recorrido.
Admitido o recurso neste tribunal e colhidos os vistos, cumpre decidir.
*
Questão a decidir:
O objecto do recurso é definido pelas conclusões dos recorrentes (arts. 5.º, 635.º n.º3 e 639.º n.ºs 1 e 3, do CPC), para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, ele é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida.
Importa assim, saber, no caso concreto:
- é processualmente admissível a alteração/ampliação do pedido formulada pelos Autores em sede de réplica.
II . FUNDAMENTAÇÃO
A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Com relevância para a decisão a proferir, importa ter em consideração a alegação factual referida no relatório deste acórdão, cujo teor aqui se dá por reproduzido, aos quais se acrescentam os seguintes:
1. A presente acção foi intentada em 15-03-2024.
2. É o seguinte o teor da alegação constante da petição inicial:
“ (…)
II- DOS FACTOS

No dia 21/12/1982, por escritura de compra e venda exarada a fls. 86 a 87v, do Lv. 202-A, do Primeiro Cartório Notarial do Funchal, AA, casado no regime da comunhão de adquiridos com CC e LL, casado no regime da comunhão geral com MM, compraram em comum a NN, o imóvel localizado no Sítio..., freguesia do Monte, Funchal, com a área de cerca de 6.100m2, descrito na Conservatória do Registo Predial do Funchal sob o número 42.917, a fls. 81, do Lv. B-124, que à data confrontava a Norte com o caminho da ... com herdeiros do Dr. OO, Leste com herdeiros de PP e Oeste com QQ, Pai do R., conforme documento junto com a petição inicial da providência cautelar decretada sob o n.º 1 para o qual se remete (doc. 1).

No dia 13/04/2017 LL faleceu, conforme documento junto com a petição inicial da providência cautelar decretada sob o n.º 2 para o qual se remete (doc. 2).

No dia 25/05/2021 MM faleceu, conforme documento junto com a petição inicial da providência cautelar decretada sob o n.º 3 para o qual se remete (doc. 3).

Atualmente, conforme se pode verificar pelos documentos 1, 2 e 3, os herdeiros de LL e de MM são os AA.:
- DD,
- FF,
- HH e
- JJ

E é em nome destes quatro AA. e de AA, NIF ... e mulher CC, que o prédio referido no artigo 1º se encontra actualmente registado, conforme documento junto com a petição inicial da providência cautelar decretada sob o n.º 4 para o qual se remete (doc. 4).

O R. é o proprietário do prédio situado a Oeste do imóvel referido no artigo 1º, conforme documento junto com a petição inicial da providência cautelar decretada sob o n.º 5 para o qual se remete (doc. 5).

O que resulta da leitura conjunta do documento 1 e do documento 4.
10º
No dia 4 de Julho de 1975, AA e LL, constituíram uma sociedade comercial que tinha à data:
- a denominação de “Indutora – Instaladora Eléctrica Madeirense, Limitada”,
- sede na ...,
- objecto social Indústria e comércio de artigos eléctricos, de instalações eléctricas e de todos os ramos de actividade ligados à electrotecnia;
- capital social de Esc.50.000$00, correspondendo à quota do valor nominal de € Esc. 25.000$00, pertencente a AA e à quota do valor nominal de Esc. 25.000$00, pertencente a LL, o que resulta da Inscrição 7587, apresentação 3 de 4 de Julho de 1975, conforme documento junto com a petição inicial da providência cautelar decretada sob o n.º 6 para o qual se remete (doc. 6) – cfr fls 23.
11º
O imóvel adquirido em 21/12/1982, por AA e LL, destinava-se a ser usado pela sociedade “Indutora”, como armazém, oficina de electrodomésticos e fábrica, na prossecução do objecto social da sita sociedade.
12º
Considerando que o que tinham comprado era um prédio rústico com benfeitorias, em 09/08/1985, obtiveram a licença de obras para construção de um armazém (edifício A), conforme documento junto com a petição inicial da providência cautelar decretada sob o n.º 7 para o qual se remete (doc. 7).
13º
Em 23/10/1988, obtiveram a licença de obras para ampliação e construção de outro armazém (edifício B), conforme documento junto com a petição inicial da providência cautelar decretada sob o n.º 8 para o qual se remete (doc. 8).
14º
Em 09/08/1985 era emitida pela “Fidelidade” a declaração a confirmar a existência de seguro para acidentes de trabalho, relativamente às obras a realizar no Imóvel em causa, conforme documento junto com a petição inicial da providência cautelar decretada sob o n.º 9 para o qual se remete (doc. 9).
15º
Em função das construções realizadas, foi feita a declaração para inscrição na matriz de prédios urbanos às Finanças em 04/02/1988, com efeitos reportados a 01/01/1987, conforme documentos juntos com a petição inicial da providência cautelar decretada sob os n.ºs 10 e 11 para os quais se remete (docs. 10 e 11).
16º
No dia 07/06/1988 foram emitidas em nome dos proprietários AA e LL, as cadernetas prediais dos dois armazéns construídos, correspondendo o artigo 2683 ao edifício B e o 2684 ao edifício A, conforme documentos juntos com a petição inicial da providência cautelar decretada sob os n.ºs 12 e 13 para os quais se remete (docs. 12 e 13).
17º
Actualmente, os referidos artigos correspondem às cadernetas prediais urbanas que se juntam, demonstrando as mesmas o ano de inscrição como sendo 1988, conforme documentos juntos com a petição inicial da providência cautelar decretada sob os n.ºs 14 e 15 para os quais se remete (docs. 14 e 15).
18º
Recorde-se que a compra do imóvel referido no artigo 1º destinava-se à prossecução da actividade da citada “Indutora”, pelo que, depois de construídos, os dois armazéns foram dados de arrendamento à dita sociedade comercial.
19º
Assim, foram feitos dois contratos de arrendamentos entre as citadas partes, para os dois armazéns, edifício A e B, com início em 01/01/1987, arrendamentos esses declarados às Finanças em 10/01/1987, tudo como melhor se verifica pelos documentos juntos com a petição inicial da providência cautelar decretada sob os n.ºs 16 e 17 para os quais se remete (docs. 16 e 17).
20º
Facto curioso, mas que não deixa de ser relevante para o que se irá mais abaixo alegar, a verdade é que AA e LL, apesar de terem declarado a existência dos arrendamentos às Finanças, por motivo que se desconhece, reportaram tardiamente o recebimento das rendas, relativamente ao ano de 1987, mais concretamente, apenas o fizeram em sede de “Contribuição Predial”, em 10/05/1988, conforme documentos juntos com a petição inicial da providência cautelar decretada sob os n.ºs 18 e 19 para os quais se remete (docs. 18 e 19).
21º
O que os obrigou a comprar os devidos impressos na “Papelaria Condessa”, em 10/05/1988, e a pagar multas e imposto de selo em 12/05/1988, conforme documentos juntos com a petição inicial da providência cautelar decretada sob os n.ºs 20 a 24 para os quais se remete (docs. 20 a 24).
22º
Considerando a implantação e construção dos armazéns no terreno, sendo ambos de dois pisos, com a área total e coberta de 1.560m2 para o artigo matricial 2683 e a área total de 1.300m2, sendo a coberta 300m2 para o artigo matricial 2684 (cfr. docs 14 e 15), AA e LL construíram um acesso a Norte do imóvel, por forma a que o caminho da ... ficasse ligado aos armazéns, com acesso automóvel e pedonal.
23º
Observando o desnível do terreno, que é acentuado, a melhor solução técnica passou pela construção desse acesso à cota da estrada (actual Rua...) por cima de uma faixa de terreno pertencente ao QQ, Pai do R., cujo terreno também confrontava a Norte com o Caminho (actual Rua...) e ficava a Oeste do imóvel arrendado à Indutora.
24º
Como esse acesso ficava na propriedade dos Pais do R., AA e LL decidiram negociar os mesmos e para o efeito em 1985 pagaram à Mãe do R. a quantia de Esc. 1.500.000§00, em três prestações de Esc. 500.000$00 cada, sendo uma em 1898 e as outras duas em 1990, para terem o uso perpétuo do acesso.
25º
O acesso em causa tem a área de 29m2, correspondendo à planta gráfica que se anexa e se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais, conforme documento junto com a petição inicial da providência cautelar decretada sob o n.º 25 para o qual se remete (doc. 25).
26º
Tem as seguintes confrontações (cfr. doc. 25):
- Norte com a Rua..., numa faixa de 7,90m;
- Sul com o imóvel do R.;
- Este com o Imóvel dos AA., numa faixa de 6,00m
- Oeste com o imóvel do R..
27º
Rigorosamente, AA e LL, em 1985 compraram por €sc.1.500.000$00 (um milhão e quinhentos mil escudos) a QQ e mulher, RR, o direito de superfície com a área de 29m2, tal como acima descrito.
28º
E nessa área foi construído em 1985, em cima do imóvel dos Pais do R., o muro de suporte e acesso à propriedade dos AA.
29º
E desde essa data que automóveis e pessoas entram no imóvel dos AA., por via desse acesso.
30º
Os AA. não têm plantas da zona datadas de 1985, mas através da planta de localização de 1997 (ortofotomapa) da Câmara Municipal do Funchal, era visível o dito acesso, conforme documento junto com a petição inicial da providência cautelar decretada sob o n.º 26 para o qual se remete (doc. 26).
31º
Pela Planta de ordenamento do PDM do Funchal, datada de 12/12/2008, é igualmente visível o acesso em causa, conforme documento junto com a petição inicial da providência cautelar decretada sob o n.º 27 para o qual se remete (doc. 27).
32º
Igualmente pela Planta de Arruamentos do Concelho do Funchal, datada de 11/11/2010, continua a ser visível o acesso, conforme documento junto com a petição inicial da providência cautelar decretada sob o n.º 28 para o qual se remete (doc. 28).
33º
E também pela Planta da zona emitida pela Câmara Municipal do Funchal, datada de 30/10/2015, é visível o acesso, conforme documento junto com a petição inicial da providência cautelar decretada sob o n.º 29 para o qual se remete (doc. 29).
34º
Tal como hoje, Março de 2024, lá permanece o acesso, conforme documentos juntos com a petição inicial da providência cautelar decretada sob os n.ºs 30 e 31 para os quais se remete (docs. 30 e 31).
35º
Desde 1985 e seguramente há mais de 20 anos que o acesso representado no documento 20 lá existe, pelo que se não fosse pela compra do direito de superfície, pelo menos por usucapião, já teriam os AA. adquirido o referido direito real, quanto aquele acesso – artigo 1528º do Código Civil.
36º
Desde 1985, ou pelo menos há 20 anos, quanto ao referido acesso, que os AA. por si ou pelos seus Pais, se mantém na posse pública, de boa-fé, pacífica e continuada, exercendo os direitos e a posse correspondente ao direito de superfície, como se deles fosse - artigo 1287º do Código Civil.
37º
Como se não bastasse, a própria CMF, quando necessitou de construir uma das torres do “Teleférico da Cidade do Funchal”, que faz o trajecto Almirante Reis – Monte – Almirante Reis, colocou uma dentro do imóvel dos AA. e à data comunicou em 29/10/1999, ao LL a ocupação temporária, conforme documento junto com a petição inicial da providência cautelar decretada sob os n.º 32 para o qual se remete (doc. 32).
38º
O acesso que usaram para montar a torre (visível no doc. 25 e 30), foi precisamente o acesso de 29m2…
39º
Aliás, sempre foram os AA. e os seus Pais, que realizaram todas as obras de manutenção e conservação de acesso e respectivo muro de suporte.
40º
E é precisamente por causa dessas obras de conservação que surge, também, o motivo da presente ação.
41º
Desde 1998 que a “Indutora”, actualmente com a denominação social de “Rodrigues & Paixão, S.A.” (cfr. doc. 6), mudou as suas instalações para o PEZO – Parque Empresarial da Zona Oeste, Lote 15, São Martinho, Funchal.
42º
Libertando os armazéns localizados na Rua....
43º
Para os quais foram celebrados novos contratos de arrendamento, a saber, com SS, Unipessoal, Lda., TT, Ecoatlântico – Engenharia Ecológica, Lda., Atmosfera Segura Climatização, Lda. e UU, conforme documentos juntos com a petição inicial da providência cautelar decretada sob os n.ºs 33 a 37 para os quais se remete (docs. 33 a 37).
44º
Todos estes arrendatários usam o referido acesso, seja para entrarem nos armazéns, seja para prosseguirem a sua actividade comercial, seja para estacionarem as suas viaturas, como previsto nos arrendamentos.
45º
O que provoca o uso constante do acesso e a manutenção do mesmo.
46º
Recentemente, os AA. viram-se na necessidade de recuperar o muro de suporte do acesso, muro esse que edificaram, recorde-se.
47º
E interpelaram o R. para explicar que tinham de montar andaimes e material para fazer obras de contenção e reparação do muro.
48º
O R. recusa-se terminantemente a ceder acesso a qualquer pessoa ao seu imóvel e a intervir no muro e acesso, sejam os AA. ou terceiros, não permitindo que se façam as ditas obras.
49º
Não satisfeito com essa recusa, o R. apresentou exposição na Câmara Municipal do Funchal, alegando que todo o imóvel e acesso ao terreno dos AA. lhe pertence e que os AA. não têm qualquer direito sobre o referido acesso.
50º
O que motivou uma notificação da CMF com data de 04/01/2023, ao proprietário AA, conforme documento junto com a petição inicial da providência cautelar decretada sob o n.º 38 (doc. 38).
51º
Nessa comunicação a CMF informa que o R. não consente a utilização do acesso e que o mesmo não oferece actualmente garantias de segurança devido ao estado de degradação do pavimento e ao perigo de desabamento do talude – cfr. doc 38.
52º
AA. e R. tentaram encontrar uma solução para o problema, mas não chegaram a nenhum acordo.
53º
No dia 12/05/2023, a CMF disse que em virtude do problema persistir, em 30 dias o armazém teria deixar de ser usado, conforme documento junto com a petição inicial da providência cautelar decretada sob o n.º 39 (doc. 39).
54º
Entretanto, por ordem da providência cautelar, as obras no muro que suporta o acesso ao imóvel dos AA., que o R. impedia de ser realizadas, já foram realizadas, mas permanece a questão da existência de um direito de superfície pertencente aos AA., relativamente ao acesso.
55º
Assim, considerando que o R. não reconhece o direito de superfície, torna-se necessário recorrer ao Tribunal de modo a obter uma condenação do R. em impedir o bloqueio e permitir o acesso construído pelos AA. em parte do seu imóvel, delineado por um muro e com a área de 29m2.
56º
Acesso esse que permite a continuação dos arrendamentos existentes no imóvel dos AA.
57º
Sendo pois necessário o reconhecimento da contitularidade do direito de superfície dos AA. sobre o acesso de 29m2.
III- DO DIREITO
58º
Determina o artigo 1528º do Código Civil (doravante apenas designado por “CC”) que:
Artigo 1528.º
(Princípio geral)
O direito de superfície pode ser constituído por contrato, testamento ou usucapião, e pode resultar da alienação de obra ou árvores já existentes, separadamente da propriedade do solo.
59º
Ora, conforme se explanou supra, os AA. em 1985 pagaram Esc. 1.500.000$00 (um milhão e quinhentos mil escudos), aos Pais do R., para construírem o muro e terem o direito de superfície do acesso em causa.
60º
Nesse sentido, veja-se a definição de direito de superfície consagrada no art. 1524.º do CC, segundo o qual “O direito de superfície consiste na faculdade de construir ou manter, perpétua ou temporariamente, uma obra em terreno alheio, ou de nele fazer ou manter plantações”. (destaques nossos)
61º
Por sua vez, o artigo 1538.º, n.º 1 do CC, consigna que “sendo o direito de superfície estabelecido por certo tempo, logo que expire o prazo o proprietário do solo adquire a propriedade da obra ou das árvores”.
62º
Por via desta disposição, é seguro concluir que o direito de superfície constituído por contrato tem o prazo que nele for estipulado e, no caso sub judice, não tendo sido fixado qualquer prazo, só se pode considerar que o direito de superfície dos AA. foi constituído perpetuamente.
63º
Mas, caso não se entenda que os AA. adquiriram o seu direito por via da compra, o que por mera cautela de patrocínio se equaciona, embora não se aceite, sempre se dirá que os aqui AA. adquiriram o seu direito de superfície por usucapião.
Senão vejamos,
64º
Os AA., por si e antepossuidores, desde 1985 – i.e., há pelo menos 39 anos – que vêm exercendo atos de posse pública, pacífica e continuada e de boa fé, sobre a parcela de terreno do R. onde implantaram o acesso de 29m2 e este tem sido, desde sempre, utilizado com frequência por pessoas, carros, camiões e como forma exclusiva de acesso aos armazéns para depósito de mercadorias e bens, de acordo com a conjugação dos arts. 1260.º, 1261.º, 1262.º e 1296.º, todos do Código Civil.
65º
A posse tem sido exercida de modo público, de acordo com o disposto no art. 1262.º do CC, com o conhecimento de toda a gente, inclusive dos pais do R. e deste, sempre sabendo e tolerando a construção e manutenção do implante no seu terreno e a sua utilização constante pelos AA. para prosseguirem a atividade comercial da “Indutora”.
66º
Nomeadamente utilizavam-no para aceder aos seus dois armazéns de comércio e serviços que deram de arrendamento à sua sociedade Indutora, conforme documentos já juntos.
67º
Por aquele acesso passavam várias vezes ao dia para depositar e guardar ferramentas, utensílios e demais instrumentos e bens necessários ao funcionamento da empresa.
68º
E, mais tarde, desde 1998, que continuaram esses mesmos armazéns a ser utilizados por outras cinco empresas, com as quais os AA. celebraram contratos de arrendamento para fins não habitacionais, fazendo uso do acesso construído pelos AA. para acederem aos armazéns.
69º
Estão em crer os AA. que a sua posse é titulada, ao abrigo do disposto no n.º 1 do art. 1259.º do CC, em virtude do contrato celebrado em 1982 com os pais do R., enquanto modo legítimo de adquirir o direito de superfície.
70º
Ainda que se entenda que os aqui AA. não têm título de aquisição do direito de superfície, certamente que por tudo o que foi supra alegado e através da prova documental junta, deverá o Tribunal decidir no sentido de que os AA. têm vindo a exercitar, de boa fé, o seu direito de superfície sobre a parcela de terreno do imóvel do R.
71º
Mediante atos praticados de forma pública, ou seja, com o conhecimento do R. desde há 39 anos, sem que este alguma vez tenha impedido ou bloqueado o acesso aos AA., por si ou através do recurso à via judicial para determinação do seu direito de propriedade sobre a totalidade do imóvel em causa e não apenas do solo.
72º
Na hipótese de estar em causa uma posse não titulada – no que não se concede e que por mera cautela da patrocínio se conjetura – veja-se o que melhor ficou descrito no Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, Proc. n.º 247/13.0TBCCH.E1.S1, de 15/11/2018, à luz do qual “Não estando provado como ou a que título se iniciou a detenção de um prédio pelos recorridos, a posse, por estes invocada só se poderia ter constituído na sua esfera jurídica através do apossamento, ou seja da prática reiterada e efectiva de actos materiais “capazes de exprimirem o exercício do direito correspondente.” (destaques nossos)
73º
Acresce, conforme resultou da decisão judicial que decretou a providência cautelar não especificada e que antecedeu a presente ação, proferida a 17/11/2023, pelo Tribunal Judicial da Comarca da Madeira, Juízo Local Cível do Funchal, Juiz 2, no âmbito do processo n.º 3073/23.4T8FNC o seguinte: “A constituição do direito de superfície por meio de usucapião pode ocorrer quer na fase em que o implante se encontra já construído quer na fase em que apenas existe um direito a construir ou plantar. A posse nos termos do direito de superfície adquire-se por qualquer dos meios de aquisição da posse, nomeadamente os previstos no artigo 1263.º. Contudo, porquanto à luz do artigo 1297.º, apenas a posse pública é boa para a usucapião, sendo necessário que o superficiário exerça sobre o solo, subsolo ou edifício atos que materializem a sua posse, tornando-a cognoscível para os interessados. Não há dúvida de que, no momento em que o superficiário inicia a construção ou plantação, realiza um tipo de atuação que materializa a sua posse, nos termos do direito de superfície”. (destaques nossos)
74º
Não obstante, a distinção entre a posse titulada ou não apenas releva para efeitos do prazo da usucapião que, de acordo com o estatuído no art. 1296.º do CC, só ocorre após 15 (quinze) anos, se a posse for de boa fé e de 20 (vinte) anos, se for de má fé.
75º
No caso em apreço, os AA. por si e pelos seus Pais, mantêm a posse do imóvel em prazo largamente superior ao exigido por lei para adquirir o seu direito de superfície por usucapião, isto é, há cerca de 39 anos, se quisermos ser mais rigorosos...
76º
Ora, por tudo quanto foi exposto, pelos documentos juntos aos autos e pela prova testemunhal a produzir, dúvidas não restam de que os AA. adquiriram a posse do acesso de 29m2 sem lesar qualquer direito do R. ou dos seus pais.
77º
Que, inclusive, negociaram consigo a constituição do direito de superfície a favor dos AA. e estes, por seu turno, pagaram o preço por esse direito, pelo que se entende por ilidida a presunção de má fé.
78º
Estranhamente e apesar do exposto, quer agora o R. arrogar-se do direito de propriedade dos AA., na qualidade de superficiários, entendendo que não só é proprietário do solo como de todo o imóvel, incluindo o acesso de 29m2, impedindo que os AA. iniciem as obras de reparação necessárias do muro e acesso que se mostram urgentes sob pena de queda daquele.
79º
As partes são legítimas, sendo o Tribunal competente.”
3. O documento n.º 1 junto pelo Réu com a sua contestação – contrato promessa de constituição de servidão – já havia sido junto pelo mesmo com a sua oposição ao procedimento cautelar em 22-06-2023, como doc, 12 (apenso A).
*
B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Defendem os apelantes a revogação do despacho recorrido que não admitiu a alteração / ampliação do pedido, porquanto o mesmo viola o art.º 265º do CPC.
Vejamos.
Dispõe o art. 260.º do CPC, sob a epígrafe “Princípio da Estabilidade da Instância” que “Citado o réu, a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, salvas as possibilidades de modificação consignadas na lei.”
Este princípio expressamente consagrado tem em vista evitar que os elementos subjectivos ou o objecto do processo possam ser livremente modificados pelas partes, com isso prejudicando o regular andamento da causa e impedindo ou dificultando a actividade do Tribunal a quem compete administrar a justiça.
Segunda a supra citada norma, com a citação do Réu estabiliza-se a instância quanto às pessoas e quanto ao objecto (pedido e causa de pedir) apenas se admitindo as alterações que a própria lei preveja.
Atentemos agora no que nos diz o CPC relativamente às modificações objectivas que são aquelas que relevam para a decisão do presente recurso.
Nos termos do art.º 264º do CPC, “Havendo acordo das partes, o pedido e a causa de pedir podem ser alterados ou ampliados em qualquer altura, em 1.ª ou 2.ª instância, salvo se a alteração ou ampliação perturbar inconvenientemente a instrução, discussão e julgamento do pleito”.
Nos presentes autos não houve acordo do Réu quanto ao requerimento de alteração/ampliação do pedido, o que nos remete para o art. 265.º do CPC.
Inexistindo esse acordo, estipula o art.º 265º, nº 1 do CPC que “Na falta de acordo, a causa de pedir só pode ser alterada ou ampliada em consequência de confissão feita pelo réu e aceita pelo autor, devendo a alteração ou ampliação ser feita no prazo de 10 dias a contar da aceitação”, mais referindo o nº 2 que “O autor pode, em qualquer altura, reduzir o pedido e pode ampliá-lo até ao encerramento da discussão em 1.ª instância se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo” e o nº 6 que “É permitida a modificação simultânea do pedido e da causa de pedir desde que tal não implique convolação para relação jurídica diversa da controvertida”.
Pode ler-se no Ac. TRL de 24-11-2022, proc. 2028/19.8T8CSC-A.L1 (Relator Adeodato Brotas), desta secção: “Em termos simples, a alteração do objecto do processo pode consistir na ampliação ou na redução.
A ampliação do objecto do processo pode ocorrer em duas situações distintas, a sequencial e a cumulativa.
A cumulação sequencial verifica-se dentro do mesmo objecto: o autor pediu 100 e passa a pedir 150.
A cumulação cumulativa verifica-se quando ao objecto inicial se cumula um novo objecto; por exemplo, inicialmente o autor deduziu reivindicação de imóvel, posteriormente cumula pedido de indemnização pela ocupação do imóvel.
A alteração do pedido verifica-se quando o pedido passa a ser outro, por exemplo, o autor pediu inicialmente anulação do contrato de compra e venda de bem onerado e pede depois redução do preço.
A alteração da causa de pedir ocorre quando a causa de pedir passa a ser outra.
Na ampliação o pedido passa a ter outra dimensão seja quantitativa seja qualitativa.
(…)
De acordo com o nº 1 do art.º 265º do CPC, a causa de pedir pode ser alterada ou ampliada na sequência de confissão feita pelo Réu e aceite pelo Autor, devendo a alteração ter lugar no prazo de 10 dias a contar dessa aceitação.
O pedido pode ser ampliado como desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo.
A ampliação pode ser quantitativa ou qualitativa.
A ampliação cumulativa é válida quando o pedido é desenvolvimento do pedido inicial. A ampliação cumulativa também é válida quando é uma consequência do pedido inicial.
Finalmente, a modificação simultânea do pedido e da causa de pedir está submetida a um critério de conexão: a modificação é admitida se o novo objecto for conexo com o anterior. (para outros desenvolvimentos, veja-se Miguel Teixeira de Sousa, CPC online, Livro II, blog do IPPC, págs. 6 e segs, que aqui seguimos de perto).”.
Sobre o art. 265.º nº 2 do CPC: A lei não define expressamente o que se entende por “desenvolvimento” ou por “consequência” do pedido primitivo, sendo entendido pela jurisprudência e pela doutrina que tal sucede quando a ampliação se funde numa origem comum, isto é, na mesma causa de pedir. Donde, a ampliação do pedido será processualmente admissível, por constituir desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo, quando o novo pedido esteja virtualmente contido no âmbito do pedido inicialmente deduzido, por forma a que pudesse tê-lo sido também aquando da petição inicial, sem a dedução de novos factos.
Sobre o tema, vide:
Ac. TRP de 20-09-2021 (proc. 14456/18.1T8PRT.P2.): “Dito de outro modo, a ampliação do pedido constitui o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo, quando o pedido formulado esteja virtualmente contido no pedido inicial e na causa de pedir da ação, isto é, que dentro da mesma causa de pedir o pedido primitivo se modifique para mais”.
Ac. TRP de 19-05-2022 (proc. 22906/19.3T8PRT-C.P1) em cujo sumário se pode ler: “A ampliação do pedido constitui o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo quando o pedido formulado esteja virtualmente contido no pedido inicial e na causa de pedir da acção, pressupondo-se, para tanto, que dentro da mesma causa de pedir o pedido primitivo se modifique para mais”.
No caso dos autos conclui o Tribunal recorrido que:
“ (…) os pedidos formulados em sede de ampliação não podem considerar-se “virtualmente contidos no pedido inicial”, “ a ampliação do pedido pretendida não pode considerar-se desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo”, “na realidade o que pretendem é uma alteração de pedidos (dedução de pedidos de reconhecimento de direito de servidão de passagem em vez do pedido inicial de reconhecimento de direito de superfície, suprimindo-se os primeiros quatro, mantendo-se o quinto e aditando-se um sexto, desde que se venha a demonstrar determinado circunstancialismo”. E, em conformidade, não admitiu a alteração/ampliação pretendida pelos Autores.
Adiantamos desde já que somos do entendimento que é acertada a decisão de 1.ª instância.
E que nem os invocados princípios da economia processual e celeridade processuais podem justificar uma solução diversa da adoptada.
É que esses princípios da economia processual e da celeridade processuais encontram-se já sopesados nas excepções previstas ao disposto no art. 260,.º, do CPC, como é o caso do art. 265.º.
Pelo que, sem necessidades de outros considerandos de oportunidade e celeridade, não havendo acordo das partes, ao julgador mais não resta do que aferir da verificação dos requisitos /pressupostos exigíveis para que se amita a alteração/ampliação, dispensando o acordo da parte contrária.
Os presentes autos iniciaram-se com uma petição em que se peticionava o reconhecimento do direito de superfície dos Autores sobre o imóvel do R., com a área total de 29m2.
Esse reconhecimento tinha duas causas de pedir subsidiárias:
- aquisição derivada (por compra ao proprietário);
Ou caso assim não se entendesse,
- aquisição originária por usucapião, posto que, desde 1985, que nesse terreno foi construído o muro de suporte e acesso à propriedade dos Autores e que desde essa mesma data automóveis e pessoas entram no imóvel dos Autores por esse acesso.
O pedido é assim o de reconhecimento de um direito real, tendo como causa de pedir causas legalmente previstas como sendo de aquisição de direitos reais.
Na réplica o que pedem os autores em sede de ampliação /alteração do pedido?
Na realidade a alegação é susceptível de gerar equívocos. Não se percebe bem se os Autores pretendem que o Tribunal constitua, por sentença, uma servidão legal (cf. art. 59.º da réplica) ou se pretende a a execução especifica de um contrato promessa constituição de servidão (cf. art. 61.º a 63.º da réplica).
Atente-se no alegado pelos Autores na réplica:
“52º
Ao longo da sua contestação, o R. insistentemente refere-se a um acordo efectuado entre os seus pais de um lado, com o A. AA e o falecido LL.
53º
Esse acordo consubstanciou-se na constituição de uma servidão legal de passagem sobre o imóvel do R., composta sobre a parcela objecto dos presentes autos.
54º
Para o efeito, foi preparado um contrato promessa de constituição de servidão – doc. 1 apresentada na contestação.
55º
E outorgada uma procuração outorgada pelo pai do R. a favor da sua mãe, para formalização definitiva dessa servidão de passagem.
56º
Para o efeito de se concretizar essa escritura prometida, AA e o falecido LL pagaram em 1989 e 1990 o total de Esc. 1.500.000$00 (um milhão e quinhentos mil escudos), em três prestações de Esc.500.000$00 cada.
57º
Essa escritura nunca se realizou, contudo, também é verdade que essa promessa nunca foi desfeita ou resolvida, permanecendo por concretizar e em vigor.
58º
Ao que parece, depois de receber os Esc. 1.500.000$00, a mãe do R. entendeu ser pouco e pediu mais Esc. 1.000.000$00, conforme resulta do doc.2 da contestação.
59º
Ora, nos termos do artigo 1547º, n.º 2 do Código Civil, as servidões legais, na falta de constituição voluntária, podem ser constituídas por sentença judicial.
60º
De acordo com o contrato promessa apresentado como documento 1 da contestação, entre as partes foi acordado que o contrato prometido será exarado logo que uma das partes ora contratantes o exija, devendo fazê-lo com a antecedência prévia de oito dias (artigo terceiro).
61.º
Diz ainda o referido documento no seu artigo quinto, que a promessa é susceptível de ser especificamente executada de acordo com o disposto no artigo 830º do Código Civil.
62º
Ora, conforme se explanou supra, os AA. em 1985 pagaram Esc. 1.500.000$00 (um milhão e quinhentos mil escudos), aos Pais do R., para construírem o muro e terem o direito de superfície do acesso em causa.
63º
E o preço já se encontra pago, conforme se refere no artigo segundo. (…)”
Em face da alegação e requerimentos dos Autores temos necessariamente de concluir que estamos perante uma verdadeira alteração do pedido como ainda perante uma alteração da causa de pedir.
Não estamos perante uma ampliação quantitativa, na medida em que ou bem que se reconhece o direito de superfície ou bem que se constitui uma servidão legal de passagem. Com efeito, caso se reconheça o direito de superfície, qual a utilidade do reconhecimento da servidão legal de passagem?
E a causa de pedir subjacente a uma ou a outra são substancialmente diversas! Sendo certo que – em face da alegação dos Autores – resulta dúbida qual a causa de pedir do pedido formulado na réplica: constituição de uma servidão legal, tendo por fundamento a verificação dos necessários pressupostos e requisitos? Execução específica de um contrato promessa tendo por fundamento o seu incumprimento?
Ainda que se entenda que estamos perante pretensões materiais subsidiárias ou alternativas, não podemos deixar de afirmar que essas vias jurídicas alternativas são estruturalmente diferenciadas e assentes em pressupostos legais autónomos e diversos.
Como se disse já, a ampliação do pedido pressupõe que, dentro da mesma causa de pedir, a pretensão primitiva se modifica para mais, sendo que o requerimento dos autores não configura uma ampliação jurídica dos pedidos primitivos, mas antes a formulação de um novo pedido subsidiário.
A este respeito referem os Autores nas suas conclusões de recurso que:
v. A posição sufragada pelo Tribunal a quo vertida no despacho ora em crise, de que o que os Recorrentes pretendem com a ampliação do pedido seria, na verdade, a “alteração do pedido, traduzida na substituição de uns pedidos pelos outros”, está afastada daquilo que de facto pretendiam os AA., ora Recorrentes: a procedência de um dos pedidos, ou mesmo, se o Tribunal assim entender, de ambos os pedidos, i.e., os invocados em sede de Petição Inicial e em sede de Réplica, não sendo a procedência do direito real de superfície substancialmente incompatível com a procedência do direito real de servidão de passagem.
Sem bem entendemos esta passagem das conclusões dos Autores, parece resultar o entendimento dos mesmos de que configuram tanto a possibilidade de procedência de qualquer um dos pedidos, como até de ambos.
Não se descortina esta ultima possibilidade! Qual a utilidade de constituir uma servidão de passagem a favor de quem tem o direito de superfície? Sinceramente não conseguimos antever!
Mas, caso se estivesse perante um pedido subsidiário, formulado para o caso de o inicialmente deduzido em sede de petição inicial não proceder, sempre teríamos de igualmente concluir pela inadmissibilidade da ampliação do pedido. Conforme se refere no Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães de 23-05-2019, no âmbito do processo 1035/09.3TBCHV.G3) :” a ampliação do pedido, prevista no já referido art. 265º nº 2 do Código de Processo Civil, não serve para introduzir em juízo pedidos subsidiários que, desde logo (estivesse alegada a factualidade subjacente), poderiam ter sido deduzidos na petição inicial.”
Como se diz no Ac. da Relação de Évora de 28-06-2017, “O pedido pode ser ampliado até ao encerramento da discussão em 1ª instância, se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo, mas não se constituir uma mera decorrência da falta da sua formulação logo na petição inicial, altura em que o autor já sabia da existência das circunstâncias nas quais baseia tal ampliação”.
Assim, o pedido formulado na ampliação, não decorre dos pedidos anteriores. E não decorre, desde logo também, porque estamos perante um pedido subsidiário. E, sendo um pedido subsidiário, logicamente não se encontra virtualmente contido no pedido anterior, pois que o pedido subsidiário só se aprecia no caso de sucumbência dos pedidos principais.
Ora, a ampliação do pedido, prevista no já referido art. 265º nº 2 do CPC, não serve para introduzir em juízo pedidos subsidiários que, desde poderiam ter sido deduzidos na petição inicial, como é o caso do presente, na medida em que o contrato promessa de constituição de servidão a que aludem os apelantes na réplica, foi junto pelo requerido, em sede de oposição ao procedimento cautelar então intentado pelos agora apelantes, em 22-06-2023. E a presente acção principal, de que os autos de procedimento cautelar são dependência, foi intentada a 15-03-2024 – cf. factos 1 e 3 da fundamentação de facto.
Assim, a ampliação/alteraçao do pedido deduzida nos autos é inadmissível, nos termos do n.º 2 do art.º 265.º do Código de Processo Civil.
Por tudo o exposto, concluímos pelo acerto da decisão recorrida, razão pela qual se confirma a mesma nos seus precisos termos.
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III. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar a apelação dos Apelantes totalmente improcedente e consequentemente confirmar a decisão recorrida.
Custas da apelação pelos Recorrentes (art. 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC).
Registe e notifique.
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Lisboa, 26 de Junho de 2025
Maria Teresa Mascarenhas Garcia
Cláudia Barata
António Santos