PENA ÚNICA
ILICITUDE
CULPA
TOXICODEPENDÊNCIA
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
Sumário

I - Uma pena única fixa-se mediante a consideração, conjunta, dos factos e da personalidade do agente.
II - A consideração conjunta dos factos não lhes retira autonomia antes visa a compreensão do grau de ilicitude e da culpa por todos eles manifestado. O que está em causa é perceber a dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente.
III - A avaliação da personalidade passa por perceber se o conjunto dos factos integradores dos crimes em concurso é reconduzível, ou não, a uma tendência criminosa.
IV - O grau de culpa não se atenua pelo facto de o agente ter agido em situação de toxicodependência.
V - A toxicodependência é uma condição anómala de saúde, tratável, com inúmeras instituições disponíveis para o fazer, ou seja, que é uma doença voluntariamente mantida. A decisão de não se tratar revela uma culpa acrescida e não diminuída, porque segundo regras de experiência comum o agente sabe da gravidade dos factos que cometeu.
VI - Sendo o fundamento legal que permite um recurso um erro do julgador e não uma diferente opinião sobre o mesmo assunto, ainda que meramente jurídica, não tem procedência um recurso fundamentado em generalidades sem correspondência com o provado, tais como a inserção social e familiar, num crime de violência doméstica, cujos factos provam precisamente o oposto.

Texto Integral

Acordam os Juízes, em conferência, na 3ª Secção Criminal, deste Tribunal:
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I – Relatório:
Em processo comum, com intervenção do Tribunal Singular, o arguido AA, nascido a .../.../1992, foi julgado e condenado, por sentença de 29/9/2021, nos seguintes termos:
pela prática, em autoria material, sob a forma consumada, e em concurso efectivo, de:
- Um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1, alíneas b) e c), e n.º 2, al. a), do Código Penal (CP), na pena de 3 anos de prisão;
- Um crime de ameaça agravada, previsto e punido pelo artigo 153.º n.º 1 e 155.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal, na pena de 6 meses de prisão;
- Em cúmulo jurídico, na pena de 3 anos e 2 meses de prisão efectiva;
- Na pena acessória de proibição de contacto com a vítima BB por qualquer meio, directamente ou por interposta pessoa, pelo período de 5 anos, a qual inclui o afastamento da residência ou do local de trabalho desta, medida que será fiscalizada por meios técnicos de controlo à distância relativamente ao lapso temporal que não coincida com o período de reclusão;
- Na pena acessória de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica, nos termos do artigo 152.º, n.º 4, do Código Penal;
- A pagar à vítima BB a importância de € 2.000,00 a título de reparação pelos danos sofridos, nos termos dos artigos 21.º, n.º 1, da Lei n.º 112/2009, de 16/09, e 82.ºA, n.º 1, do Código de Processo Penal.
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II- Fundamentação de facto:
Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes os factos:
1. O arguido e a ofendida, BB, iniciaram relacionamento amoroso, em 2012, e com comunhão de mesa, leito e habitação, pelo menos, a partir de 2013.
2. São progenitores de dois filhos em comum: CC, nascida a .../.../2014 e DD, nascido a .../.../2015.
3. O casal começou por fixar residência na habitação da progenitora do arguido, em ..., chegando a viver, também, na casa da mãe da ofendida, em ..., até que resolveram arrendar habitação própria, em ... de 2014, em ..., na localidade de ....
4. Desde o início do relacionamento que o arguido vem empreendendo actos de violência para com a ofendida, consumindo assiduamente estupefacientes e proporcionando mau ambiente familiar.
5. Com efeito, numa ocasião, antes de ...de 2014, na habitação da mãe da ofendida, o arguido desferiu uma bofetada na vítima, projectando-a para cima da cama; seguidamente, puxou-a, fazendo-a cair ao chão, momento em que lhe desferiu pontapés na cabeça.
6. Já no dia em que a filha do casal nasceu, em ... de 2014, estavam no Hospital, e o arguido não permitiu que a família visse a criança.
7. Poucos dias depois, já na residência do casal, o arguido encetou discussão por não querer que a família da ofendida visse a recém-nascida, tendo-se dirigido à porta do roupeiro do quarto, pontapeando-a, partindo-a e projectando-a pelo ar, até à outra extremidade do quarto, apesar de perceber que a filha se encontrava deitada na cama e que a porta poderia tê-la magoado.
8. Pouco depois, em ... de 2014, o casal voltou a residir com a mãe do arguido.
9. Aqui, as discussões tornaram-se diárias, o arguido não trabalhava, consumia estupefacientes, sendo necessário a própria mãe dar-lhe dinheiro.
10. Concomitantemente o arguido não queria que a ofendida convivesse com a família, repudiando tais contactos.
11. No dia em que o segundo filho do casal nasceu, em ..., a progenitora de BB foi visitá-la à maternidade, não tendo a ofendida permitido que visse o filho, com receio do arguido.
12. Logo que o mesmo percebeu que a mãe de BB tinha aparecido, encetou discussão com esta última.
13. Quando os mesmos se foram embora, logo o arguido encetou discussão, dizendo a BB: “não quero que lides com a tua família… já te disse mais de mil vezes”.
14. Em data posterior, já em 2016, sem conhecimento do arguido, BB levou os dois filhos até à casa da sua mãe; quando regressou à residência, mais tarde, o mesmo, zangado, atirou-lhe com o “tablet”, ferindo-a no nariz, causando-lhe dor e hematoma.
15. Ainda a agarrou e colocou-a para fora da porta, atirando-lhe as roupas para o espaço comum do prédio, sendo necessária a intervenção dos familiares, para que voltasse a entrar na residência, desde logo, a mãe do arguido que tinha chave e, entretanto, dirigiu-se a casa, chegando esta a dar dinheiro ao arguido para que se acalmasse e fosse espairecer.
16. Nesse dia, o arguido não a deixou dormir com ele na cama, obrigando-a a dormir no chão.
17. Saturada, a ofendida, no dia seguinte, levou os filhos e foi viver com a sua progenitora para ..., acabando, no entanto, por se reconciliar, pouco tempo depois, com o arguido.
18. A partir do nascimento do segundo filho, tornou-se habitual o arguido encetar discussões, diariamente, apelidando-a de “puta”, “vaca”, partindo loiça, desferindo murros nas portas e pontapés nas cadeiras da sala, chegando a partir o vidro da porta da sala.
19. Pelo menos, em uma ocasião, após o nascimento do segundo filho, o arguido, na sequência de uma discussão, e como forma de protesto, atirou a papa da filha contra a parede.
20. Pelo menos, em uma ocasião, após o nascimento do segundo filho, na sequência de uma discussão, o arguido apertou com as mãos, o pescoço de BB.
21. Ora, após regressar de ..., e se reconciliar com o arguido, no ...de 2016, a ofendida ainda esteve, novamente, com os filhos na casa da progenitora do mesmo.
22. Sucede, porém, que a progenitora de BB não ficou indiferente à exposição de violência e degradação a que as crianças estavam sujeitas, e a partir de ...de 2016, com intervenção da CPCJ, a guarda dos filhos foi confiada à avó materna.
23. As condições de vida do casal deterioraram-se, passando os mesmos a viver num barracão, em ..., chegando, ainda, a pernoitar no automóvel, até que o arguido foi preso, na Primavera de 2017.
24. Durante esse lapso temporal em que estiveram juntos até o arguido ser preso, este último frequentemente dizia à ofendida que era “puta”, “vaca”, que tinha “amantes” e que tinham perdido os filhos por causa dela.
25. Após ter saído em liberdade, o arguido e a ofendida chegaram a viver num quarto, até que, em ... de 2018, arrendaram uma casa em ....
26. Nesta altura, BB trabalhava numa ... em ... – “...” – sendo frequente o arguido dizer-lhe que “tinha amantes”, que “era uma puta”, e “que andava metida com as pessoas que iam à pastelaria”.
27. Numa ocasião, em ... de 2018, cerca da meia-noite, o arguido foi buscar BB ao local de trabalho.
28. Em vez de seguir o percurso habitual em direcção a casa, o arguido tomou caminho distinto, não dirigindo a palavra à ofendida.
29. Subitamente, quando circulavam nas imediações de ..., o arguido disse à companheira que a mesma “andava com outras pessoas” e que tinha passado, naquele dia, pelo local de trabalho da mesma, não a encontrando.
30. Pelo que logo irrompeu por um caminho de terra batida.
31. Tendo parado o veículo num descampado, agarrou a companheira, puxando-a para fora do carro, foi à mala do veículo e tirou um bidão de gasolina do interior, despejando-o sobre o corpo da mesma, ao mesmo tempo que exibia um isqueiro.
32. Nesta ocasião, disse-lhe, além do mais, “achas que estou a brincar?”, “achas que me vais fazer de otário?”, “a ti e à tua família, vou-vos fazer cair, um a um”, tendo acendido o isqueiro.
33. A ofendida ainda gritou, logo lhe dizendo o arguido: “podes gritar, mas aqui ninguém te ouve, e agora vais a pé para casa”.
34. O arguido entrou, então, no veículo, fez marcha atrás, acabando por deixar a ofendida entrar no mesmo, a qual chorou durante o percurso até casa, enquanto sentia a irritação do combustível em contacto com o corpo, e o odor intenso do mesmo, ordenando o arguido que se calasse.
35. A partir desta altura, as discussões eram frequentes, sendo a ofendida apelidada de “puta”, dizendo o arguido à ofendida que os matava a todos, referindo-se à família da mesma.
36. Mais tarde, ainda em 2018, o casal passou a ter a visita dos filhos durante o fim-de-semana, embora continuassem à guarda da avó materna.
37. Num primeiro momento, o arguido discutia durante a semana, e partia vários objectos, moderando-se ao fim-de-semana, aquando da estadia dos menores.
38. Porém, paulatinamente foi agravando o seu comportamento, ao ponto de gritar e insultar a ofendida, maltratando-a mesmo na presença dos filhos.
39. Chegou mesmo, no decurso de mais uma discussão, a lançar mão a um alguidar de plástico e a projectá-lo na direcção de BB, que conseguiu esquivar-se a tempo, acabando o alguidar por embater contra a janela da marquise e estilhaçar o vidro da porta.
40. O filho mais novo do casal assistiu ao sucedido.
41. Ainda, em 2018, o arguido chegou a agredir a ofendida com uma faca, golpeando-a no ombro.
42. Já em outra ocasião, entre finais de 2018 e início de 2019, na residência, o arguido desferiu, na presença dos filhos, uma violenta bofetada no rosto da ofendida, que logo ficou a sangrar pelo nariz.
43. Nesta ocasião, os vizinhos chamaram as autoridades, porque ouviram gritos.
44. Por volta do mês de ... de 2019, as crianças foram institucionalizadas, e a partir de então, o arguido responsabilizou a ofendida pelo sucedido.
45. No início de 2019, em outra ocasião, na sequência de nova discussão, o arguido agarrou a ofendida, pelos cabelos, e projectou-a com a nuca contra a parede.
46. A ofendida conseguiu esgueirar-se para o outro lado da marquise e agarrou numa chave inglesa para se defender do arguido, que prontamente lhe lançou as mãos ao pescoço e apertou-o até a ofendida sentir-se a asfixiar.
47. Entre ... e...de 2019, o casal mudou de residência, para a ..., em ....
48. Ulteriormente, numa ocasião, o arguido começou a dizer à ofendida que tinha de ir trabalhar, apesar de a mesma estar de folga, mais lhe dizendo que não era boa mãe, acabando por trancá-la na casa de banho.
49. No sábado, dia ... de ... de 2019, a ofendida chegou a casa, após um dia de trabalho, e o arguido logo lhe pediu os €30,00 que tinha recebido.
50. O mesmo acabou por levar um saco com roupa e pernoitar fora de casa.
51. Antes de sair, projectou um cinzeiro contra o chão, e além de partir o trinco da porta, lançou mão a uma vassoura e desferiu-lhe com ela no pulso direito da ofendida.
52. Como consequência directa e necessária da conduta do arguido, resultou para BB, além de dor: várias escoriações na face anterior interna e posterior do punho, tendo a maior 5 cm de comprimento e a menor 0,5 cm.
53. Tais lesões demandaram 5 dias para cura, sem afectação da capacidade de trabalho.
54. No dia seguinte, pela manhã, o arguido regressou a casa, desferindo um pontapé na porta, pelo lado exterior.
55. Nesse mesmo dia, já pela noite, a ofendida deslocou-se à residência, acompanhada por duas pessoas conhecidas, a fim de ir buscar alguns pertences, já que era sua intenção abandonar a casa.
56. Quando já se encontrava no exterior da habitação, o arguido exibiu uma faca à janela.
57. Tendo BB entrado no automóvel com a matrícula ..-..-PV, pertença de um dos indivíduos que a acompanhava e por este conduzido - seguindo em direcção ao restaurante “...”, sito em ..., onde a ofendida trabalhava - logo o arguido se colocou no seu encalço, ao volante da viatura ..-..-NT, fazendo-se acompanhar da dita faca.
58. Quando alcançou o veículo em que seguia a ofendida, o arguido embateu, propositadamente, com a frente do seu veículo na traseira do automóvel ..-..-PV, por cerca de três vezes, continuando a segui-los até ao restaurante.
59. Uma vez aí, e refugiando-se BB e demais ocupantes no interior do estabelecimento, o arguido começou a vociferar do exterior, aos berros: “venham cá agora”, tendo, entretanto, chegado a patrulha da GNR.
60. Entretanto, o arguido foi detido e sujeito a interrogatório judicial, ficando em prisão preventiva, a partir de .../.../2019.
61. Algum tempo depois de ter sido preso, ofendida e arguido reconciliaram-se, voltando a vítima a perspectivar a vida em comum com o mesmo, comprometendo-se a ajudá-lo, dando-lhe dinheiro para gastar no Estabelecimento Prisional e não colaborando com o processo.
62. Nesta sequência, o mesmo viria a ser libertado, a .../.../2020.
63. Sucede que, algum tempo antes de deixar o cárcere, o arguido, sabedor de que a vítima não tinha trabalho, em razão das contingências pandémicas, pediu-lhe, numa ocasião, €100,00, o que a mesma declinou, dizendo-lhe não ter possibilidades.
64. Neste contexto, o mesmo começou a insultá-la, e a dizer que “não valia nada”, que “não prestava”, percebendo a ofendida que nada tinha mudado.
65. A vítima resolveu, então, terminar o relacionamento.
66. Desde a sua libertação, o arguido procurou saber a nova morada da ofendida – a qual encetou, entretanto, novo relacionamento amoroso – circulando nas imediações e acabando por tirar uma fotografia à rua onde a habitação se situa, colocando-lhe a legenda: “fácil e rápido”, o que lhe enviou por telemóvel, através da aplicação “whatsapp”.
67. Enviou-lhe, ainda, pela mesma aplicação, uma mensagem de voz, dizendo-lhe que tinha passado na rua onde a vítima habitava e que tinha visto a carrinha da mesma, pelo que “seria uma pena se acabasse incendiada”.
68. Chegou, ainda, a enviar-lhe, via aplicação “Whatsapp”, a seguinte mensagem escrita: “vai lá levar na cona do teu papá e levar na cara dos ciganos”.
69. Através de chamada telefónica, mais a apelidou de “puta”, além de lhe dizer que sabia quais eram os seus passos, transmitindo-lhe que a “mataria”.
70. Além da ofendida, também o namorado de BB – EE – foi vítima do arguido, a quem este último verbalizou, no início de ... de 2020, através de telemóvel: “vou deixar-te estendido no chão, vou-te matar, não tenho medo de ir dentro”.
71. Nas circunstâncias descritas, o arguido representou e quis, com a sua conduta, maltratar, física e psicologicamente, a vítima, do que não se absteve, ainda que na residência comum do casal e na presença de menores.
72. Mais actuou, desta vez em relação a EE, transmitindo-lhe que atentaria contra a sua vida, bem sabendo que tal expressão era apta a causar, como causou, medo e inquietação, do que não se absteve.
73. Em tudo agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que incorria na prática de crime.
74. Por sentença proferida a 23/03/2009, transitada em julgado em 16/04/2009, no âmbito do processo sumário n.º 71/09.4GILRS, que correu termos no 2.º Juízo de Pequena Instância Criminal de Loures, o arguido foi condenado, pela prática, em .../.../2009, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, no montante global de € 450,00.
75. Por sentença proferida a 12/04/2012, transitada em julgado em 03/05/2012, no âmbito do processo sumário n.º 30/12.0PTVFX, que correu termos no 2.º Juízo Criminal de Vila Franca de Xira, o arguido foi condenado, pela prática, em …/…/2012, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 160 dias de multa, à taxa diária de € 6,00, no montante global de € 960,00.
76. Por sentença proferida a .../.../2012, transitada em julgado em 15/10/2012, no âmbito do processo sumário n.º 991/12.9SILSB, que correu termos no Tribunal de Pequena Instância Criminal de Lisboa – 1.º Juízo, o arguido foi condenado, pela prática, em .../.../2012, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de € 6,00, no montante global de € 720,00.
77. Por sentença proferida a 28/05/2012, transitada em julgado em 21/06/2012, no âmbito do processo sumário n.º 126/12.8PALRS, que correu termos no 2.º Juízo de Pequena Instância Criminal de Loures, o arguido foi condenado, pela prática, em …/…/2012, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 180 dias de multa, à taxa diária de € 6,00, no montante global de € 1.080,00.
78. Por sentença proferida a 26/06/2013, transitada em julgado em 02/10/2013, no âmbito do processo comum n.º 392/11.6PCLRS, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte – Juízo Local Criminal de Loures – J1, o arguido foi condenado, pela prática, em .../.../2011, de um crime de furto qualificado, na pena de 3 anos e 4 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos.
79. Por sentença proferida a 19/02/2015, transitada em julgado em 27/05/2015, no âmbito do processo sumário n.º 33/15.2PTLRS, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte – Juízo Local de Pequena Criminalidade de Loures – J2, o arguido foi condenado, pela prática, em …/…/2015, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 8 meses de prisão, substituída por 240 dias de multa, à taxa diária de € 6,50, no montante global de € 1.560,00. Por decisão de .../.../2016, transitada em julgado em 02/02/2017, foi determinada a revogação da substituição e o cumprimento efectivo da pena de 7 meses e 29 dias de prisão.
80. Por sentença proferida a 29/06/2016, transitada em julgado em 22/02/2017, no âmbito do processo comum n.º 989/13.0PBVCT, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo – Juízo Local Criminal de Viana do Castelo – J1, o arguido foi condenado, pela prática, em .../2013, de um crime de burla simples, na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, no montante global de € 600,00.
81. Por sentença proferida a 28/10/2016, transitada em julgado em 02/02/017, no âmbito do processo comum n.º 89/14.5JACBR, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra – Juízo Local Criminal de Cantanhede, o arguido foi condenado, pela prática, em .../.../2014, de um crime de burla informática e nas comunicações, na pena de 6 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano e sob a condição de entregar ao lesado, no prazo da suspensão, a quantia de € 350,00.
82. De acordo com o relatório social junto aos autos:
“Dos dados obtidos da informação recolhida do relatório social para concessão de liberdade condicional, na sequência do arguido estar a cumprir uma pena efetiva de prisão de 8 meses por crime de condução sem habilitação legal à ordem do Procº Nº 33/15.2PTLRS do Juízo Local de Pequena Criminalidade de Loures – Juiz 2, a qual terminou em ... de ... de 2017, apurou-se que:
(…)
Tinha perspetivas de voltar a trabalhar como ..., como ..., em horário diurno e no espaço de restauração “...” em horário pós-laboral.
A sua subsistência económica seria garantida, até começar a trabalhar, pelos rendimentos de trabalho da mãe, como auxiliar educativa e dos rendimentos da companheira, na altura também profissionalmente ativa.
Que o arguido revelava, em termos de caraterísticas pessoais na altura, uma postura imatura e inconsequente com falhas no desvalor que atribuía às condenações anteriores, com necessidade ainda de adquirir maturidade social e afetiva, dispondo de fraca capacidade reflexiva e critica sobre a sua conduta. Todavia revelou capacidade para alterar o fator de risco causal dos crimes por condução sem habilitação legal, vindo a obter a licença de condução de veículos automóveis em 2016.
(…)
Dos elementos recolhidos aquando da elaboração da informação prévia para eventual aplicação de obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica (OPHVE) elaborada no âmbito do presente processo, em que as fontes foram o arguido, a mãe e companheira deste, vítima no presente processo, e numa altura em que o arguido se encontrava em situação de prisão preventiva, apurou-se o seguinte:
(…)
Na altura, com o 9º ano concluído e com experiência de trabalho durante a sua vida e desde os seus 18 anos de idade, como …, como … e como …, o arguido referiu pretender apresentar proposta de trabalho a esse tribunal para trabalhar na sua área laboral.
A condição económica do agregado familiar era suportada pelos rendimentos do trabalho da mãe, verificando-se uma situação de carência económica, condição que foi apontada pela mãe como um fator de constrangimento significativo., caso não fosse possível, ao arguido, trabalhar durante a eventual execução da VE.
Em termos de saúde, não se apurou da existência de um eventual comportamento aditivo por parte do arguido, sendo que a mãe referenciou que o arguido sofreu um acidente no passado, que implicou acompanhamento na especialidade de neurologia, intervenção que o mesmo abandonou com 16 anos de idade, mas que se refletiu em alterações de comportamento, nomeadamente maior instabilidade emocional e impulsividade.
O arguido e a companheira mantinham um relacionamento afetivo há cerca de oito anos, tendo o casal dois filhos.
Os filhos foram, segundo fontes, retirados ao casal e entregues à família da companheira antes da ocorrência que motivou a prisão preventiva do arguido.
(…)
A mãe do arguido não se terá constituído desde a adolescência deste como uma figura contentora do arguido e verbalizava receio e dificuldade em conter o mesmo em situações de impulsividade ou tensão familiar e manifestou também apreensão face à situação económica do agregado, às capacidades em o arguido se manter confinado na habitação sem ocupação laboral e quanto à possibilidade que estas limitações poderem concorrer para conflitos familiares e condicionar o cumprimento adequado da OPHVE.
(…)
Na avaliação global da informação, consta que o arguido apresentava pontos fracos que poderiam influenciar negativamente o cumprimento das regras inerentes ao confinamento ao espaço habitacional e que respeitavam:
- Ao pouco apoio diário e pouca capacidade de contenção por parte da mãe;
- À instabilidade emocional com comportamentos impulsivos e agressivos por parte do arguido, manifestando a progenitora receio dos mesmos;
- À manutenção do relacionamento afetivo por parte da companheira que mantinha visitas ao arguido;
- À desvalorização do casal quanto aos factos do presente processo;
- Ao facto de os filhos terem sido retirados e entregues à família materna, atribuindo o arguido e a companheira a estes familiares os problemas entre ambos;
- E à situação económica precária para assegurar as necessidades básicas do arguido se este não fosse autorizado a trabalhar.”.
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Factos não provados:
Não se provou que:
a) Nas circunstâncias descritas em 5., o arguido desferiu pontapés no corpo da ofendida.
b) A mãe da vítima presenciou o facto descrito em 5..
c) Em finais de ... de 2015, os familiares da ofendida foram visitar a criança, não tendo, porém, o arguido permitido que os mesmos entrassem na residência.
d) Nas circunstâncias descritas em 14., a ofendida ficou ferida na face.
e) Nas circunstâncias descritas em 18., o arguido apodava a ofendida de “porca”.
f) Nas circunstâncias descritas em 35., o arguido apodava a ofendida de “porca” e disse à ofendida: “qualquer dia dou um bago a ti, à tua mãe e ao teu irmão”.
g) Na Primavera de 2019, em outra ocasião, o arguido agrediu a ofendida, na via pública, perto do “...”, em ..., apertando-lhe o pescoço com as mãos, e desferindo-lhe uma cotovelada na cara.
h) Nas circunstâncias descritas em 70., o arguido verbalizou “vou-te rebentar todo” e “não tenho nada a perder na vida”.
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III- Fundamentação da aquisição probatória:
O Tribunal a quo justificou a aquisição probatória nos seguintes termos:
« Relativamente à matéria da acusação, o Tribunal formou a sua convicção com base nas declarações da ofendida (tomadas para memória futura, ao abrigo dos artigos 271.º, n.º 1, do Processo Comum (Tribunal Singular) resulta de fls. 762 a 763, e reproduzidas em audiência de julgamento, nos termos do artigo 356.º, n.º 2, al. a), do CPP), e nos depoimentos das testemunhas inquiridas em sede de audiência de julgamento, conjugadas com a prova documental junta aos autos, tendo tal prova sido concatenada entre si e apreciada segundo as regras da experiência e ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova, consagrado no artigo 127.º do Código de Processo Penal.
Foram inquiridas as seguintes testemunhas:
- FF e GG, colegas de trabalho da ofendida, que presenciaram a factualidade descrita em 55 a 59.
- HH, militar da GNR que compareceu no local na situação descrita em 55 a 59.
- EE, actual companheiro da ofendida.
- II, mãe da ofendida.
- JJ, padrasto da ofendida.
Assim, quanto à factualidade vertida nos pontos 1 e 2 da matéria de facto provada, a convicção do Tribunal estribou-se nas declarações da ofendida, e no teor dos assentos de nascimento de fls. 886 a 889.
No que concerne à factualidade constante dos pontos 3 a 69 da matéria de facto provada, a convicção do Tribunal estribou-se nas declarações da ofendida, que relatou, de forma espontânea, segura e coerente, a aludida factualidade no sentido em que resultou provada, confirmando as descritas condutas do arguido.
Com efeito, confirmou a ofendida que namorou cerca de um ano com o arguido e que em 2013 foram viver juntos, primeiro para casa da mãe do arguido, onde moraram cerca de um ano, e após, para casa da mãe da ofendida.
Referiu que o arguido era consumidor regular de haxixe.
Declarou que a primeira vez que foi agredida ocorreu quando estava grávida da CC, em 2014, na casa da sua mãe, tendo o arguido lhe desferido uma chapada na cara, que a fez cair na cama com o impacto. De seguida, o arguido agarrou-a, fazendo-a cair ao chão e desferiu-lhe pontapés na cabeça.
Referiu que no dia em que a CC nasceu e se encontravam no hospital, o arguido não permitiu que a família da ofendida visse a menina.
Declarou que poucos dias após a CC nascer, já na residência do casal, na sequência de uma discussão encetada em virtude de o arguido não querer que a família da ofendida visse a menina e que a ofendida lidasse com a sua família, o arguido partiu a porta do roupeiro, projectando-a para o outro lado da cama, encontrando-se a menina em cima da cama e tendo a porta passado rasteira à filha.
Referiu que em ... de 2014 voltaram a residir com a mãe do arguido, altura em que passaram a discutir quase todos os dias, sendo que o arguido não trabalhava, consumia estupefacientes, e a própria mãe do arguido lhe dava dinheiro para evitar discussões.
Declarou que no dia em que o segundo filho do casal nasceu, em ... de 2015, a mãe da ofendida foi visitá-la ao hospital, sendo que a ofendida não lhe mostrou o filho uma vez que o arguido já se encontrava a chegar. Referiu também que quando o arguido viu o nome da mãe da ofendida na lista das visitas encetou discussão com a ofendida.
Referiu ainda que numa ocasião em que foi mostrar os dois filhos à mãe, ao regressar a casa, o arguido atirou-lhe um tablet à cara, tendo ficado com um hematoma no nariz. De seguida, o arguido colocou a ofendida na rua, colocou toda a roupa desta fora de casa e deixou os meninos dentro de casa, tendo a ofendida solicitado auxílio à mãe, à mãe do arguido e tendo também a polícia comparecido no local.
Referiu que a mãe do arguido lhe deu dinheiro para ele se acalmar e que, entretanto, o arguido permitiu que a ofendida entrasse em casa. Mais declarou que nesse dia o arguido não permitiu que a ofendida dormisse na cama, obrigando-a a dormir no chão.
Descreveu também a factualidade vertida nos pontos 17 a 23, no exacto sentido em que resultou provada.
Referiu que na altura em que os filhos lhe foram retirados foi viver com o arguido para um barracão, e que durante esse período ocorriam discussões dia sim, dia não, o arguido apodava-a de “puta” e de “vaca”, dizia-lhe que tinha “amantes” e que tinham perdido os filhos por culpa dela.
Confirmou também a factualidade constante dos pontos 25 e 26.
Relatou o episódio descrito nos pontos 27 a 34 da matéria de facto provada no exacto sentido em que resultou provado, confirmando, em particular, que o arguido de noite a levou para um sítio ermo, a regou com gasolina, tendo despejado sobre si todo o conteúdo de um garrafão de 5 litros, e acendeu um isqueiro, confirmando ainda as expressões que o arguido lhe dirigia.
Confirmou também a factualidade constante do ponto 35, referindo que o arguido ameaçava que a matava e à sua família, dizendo-lhe que os ia matar a todos e que ia acabar com sua raça.
Descreveu também a factualidade vertida nos pontos 36 a 40, no exacto sentido em que resultou provada.
Relatou ainda que numa ocasião, na residência de ambos, e na presença dos filhos, o arguido lhe disse que a matava e, de seguida, a espetou com a ponta de uma faca no ombro, dizendo-lhe que não estava a brincar.
Referiu também que o arguido, na presença dos filhos, lhe desferiu uma bofetada no rosto, que fez com que a ofendida sangrasse do nariz, e que os vizinhos chamaram as autoridades, alertados pelos gritos e pelo choro das crianças.
Relatou também a factualidade descrita nos pontos 44 a 46, em particular, que o arguido agarrou a ofendida pelos cabelos, e projectou-a contra a parede, fazendo-a bater com a nuca contra a parede. Após, a ofendida fez uso de uma chave inglesa para se defender, sendo que, de seguida, o arguido lançou as mãos ao pescoço da ofendida e apertou-o até esta sentir-se a asfixiar, após o que a largou, deixando-a no chão.
Descreveu também a factualidade vertida nos pontos 47 e 48, no exacto sentido em que resultou provada.
Relatou o episódio descrito nos pontos 49 a 59 da matéria de facto provada no exacto sentido em que resultou provado, confirmando, em particular, que no dia .../.../2019 o arguido lhe desferiu uma pancada com uma vassoura no pulso direito, tendo ficado com marca.
Referiu que o arguido levou um saco com roupa e pernoitou fora de casa, tendo regressado na manhã seguinte e desferido um pontapé na porta, do lado de fora.
Relatou que nesse dia, pela noite, se deslocou à residência, acompanhada por duas pessoas conhecidas, a fim de ir buscar alguns pertences, para pernoitar na casa da sua patroa, já que era sua intenção abandonar a residência.
Referiu que transmitiu ao arguido a sua intenção, tendo este referido que tinham de conversar. A ofendida não acedeu à solicitação do arguido, tendo abandonado a residência na companhia de GG e FF, na viatura conduzida por este último, em direcção ao restaurante onde a ofendida trabalhava.
Após ter descido a rua e ao começar a subir, apercebe-se que o arguido seguiu no seu encalço, na sua viatura, tendo acelerado e embatido três vezes na parte traseira do veículo conduzido por FF.
Continuaram em direcção ao restaurante e, aí chegados, mantiveram-se no interior do estabelecimento, tendo as autoridades comparecido no local.
Confirmou, ainda, que na sequência dessa situação o arguido foi preso, que passado algum tempo o foi visitar na prisão e o auxiliou, dando-lhe dinheiro, e tendo-se comprometido a ajudá-lo com o presente processo, o que a levou a recusar prestar depoimento, tendo, nessa sequência, o arguido sido libertado em ....
Descreveu também a factualidade vertida nos pontos 63 a 67 e 69, no exacto sentido em que resultou provada.
Em sede de primeiro interrogatório judicial ocorrido a .../.../2019 (cfr. auto de fls. 85 a 101), e em interrogatório subsequente ocorrido em .../.../2021 (cfr. auto de fls. 1046 a 1056), o arguido prestou declarações sobre a totalidade da factualidade descrita na acusação, tendo, no essencial, negado todas as condutas que lhe são imputadas.
Com efeito, o arguido confirmou apenas o seu relacionamento com a ofendida, as datas e os locais onde habitaram e as circunstâncias relacionadas com a perda da guarda dos filhos.
Negou alguma vez ter apodado a ofendida de qualquer das expressões descritas na acusação, assim como ter-lhe dirigido qualquer das expressões descritas na acusação, tê-la ameaçado de morte, ou tê-la, por qualquer forma, agredido fisicamente, referindo que nunca bateu na ofendida.
Negou também que tivesse proibido ou impedido a ofendida de se relacionar com a sua família, ou que tenha proibido a família da ofendida de ver os seus filhos quando nasceram.
Negou ter partido loiça ou outros objectos em casa, ter colocado a ofendida na rua ou ter colocado a roupa da mesma no espaço exterior de casa, assim como tê-la trancado na casa de banho, ou tê-la golpeado com uma faca.
Negou ainda ter levado a ofendida para um descampado e tê-la regado com gasolina, e ter-lhe exibido e acendido um isqueiro, referindo que ao preço que está a gasolina, não a ia desperdiçar com a ofendida.
Confirmou que em ... de 2019, quando se encontrava em casa, a ofendida se deslocou com um casal à sua residência. Referiu que apenas transmitiu à ofendida que tinham de falar, mas que a ofendida abandonou a residência. Referiu que, de seguida, se apercebeu que a ofendida tinha levado a sua carteira, e que por esse motivo foi atrás do veículo em que a ofendida seguia.
Referiu que foi no encalço da ..., fazendo sinais de luzes, para que lhe devolvessem a carteira, e que a certo momento o condutor do veículo travou, e o arguido não conseguiu evitar o embate na parte traseira do referido veículo.
Referiu que o embate ocorreu já a entrar no parque de estacionamento do restaurante e que imobilizou o seu veículo no local do embate, tendo aguardado a presença da GNR.
No que respeita à faca encontrada no interior da sua viatura, negou que tenha sido o próprio a munir-se da mesma, referindo supor ter sido a ofendida a colocá-la no veículo, já que esta tinha uma chave suplente.
Negou ainda ter pedido dinheiro à ofendida quando se encontrava preso.
Negou também ter enviado à ofendida mensagens ou áudios, bem como as respeitantes a EE, e a fotografia e as mensagens de fls. 802 a 803, com as quais foi confrontado, referindo não comunicar com a ofendida pelo whatsapp, e não reconhecer tais mensagens.
Ora, as declarações da ofendida mostraram-se secundadas pela prova testemunhal e documental junta aos autos.
Com efeito, no que respeita à factualidade vertida nos pontos 55 a 59, as declarações da ofendida foram corroboradas pelos depoimentos de FF e GG, que acompanharam a ofendida à sua residência a fim de esta retirar alguns dos seus pertentes a fim de pernoitar fora de casa.
Descreveram o que viram e ouviram, confirmando, em particular, que o arguido se encontrava no interior da residência, e que quando a ofendida abandonou a residência o arguido compareceu à janela, tentando demover a ofendida e tendo-se dirigido a FF e a GG em tom intimidatório, dizendo-lhes que lhes ia dar “chumbo” (nas palavras de FF), ou dar “bala” (nas palavras de GG).
Confirmaram também que, de seguida, abandonaram o local, na viatura conduzida por FF, e que a dada altura se aperceberam que o arguido seguia no seu encalço, tendo embatido por três vezes com a parte dianteira do veículo que conduzia na parte traseira da viatura em que circulavam. Relataram também que o arguido os seguiu até ao restaurante “...”, após o que rondou o local durante alguns minutos até que a GNR compareceu no local.
Confirmou também GG que quando o arguido compareceu à janela da residência exibiu uma faca, que identificou como correspondendo à que consta da fotografia de fls. 31 verso, que foi detectada no interior do veículo do arguido pela GNR, no restaurante, após a respectiva detenção.
Referiu também que a ofendida sofreu momentos de muita aflição.
Por seu turno, FF confirmou ainda que o veículo que conduzia correspondia a uma ... cinzenta, de matrícula ..-..-PV, e que o veículo conduzido pelo arguido correspondia a uma ..., que referiu corresponder aos veículos constantes das fotografias de fls. 28 verso. Identificou também na fotografia do seu veículo de fls. 28 verso, as mossas e estragos resultantes dos embates infligidos pelo arguido.
As referidas testemunhas depuseram de forma espontânea, segura, coerente e congruente entre si, tendo demonstrado conhecimento directo dos factos, por si presenciados, pelo que mereceram credibilidade.
Por seu turno, HH, militar da GNR, referiu que se deslocou ao restaurante na sequência da comunicação de perseguição e dos embates no veículo encetados pelo arguido.
Confirmou que no local se encontrava a ofendida, que chorava, tremia e não conseguia falar.
Confirmou também que constatou no local as viaturas cinzenta e branca, sendo que esta última, pertencente ao arguido, se encontrava danificada à frente. Confirmou ter captado as fotografias dos veículos de fls. 28 verso, e bem assim, a fotografia do pulso da ofendida, de fls. 28, nesse local e momento.
Referiu ainda ter procedido à apreensão de uma faca de cozinha que detectou no veículo do arguido, confirmando o teor do auto de apreensão de fls. 30 frente e verso, e do auto de exame directo e avaliação de fls. 31 frente e verso.
Confirmou também o teor do auto de notícia de fls. 2 a 4, por si elaborado.
O militar inquirido depôs de forma objectiva, segura e esclarecedora, tendo demonstrado conhecimento directo dos factos, por si presenciados na sequência da sua deslocação ao local, e confirmou o teor do expediente elaborado nessa sequência, pelo que mereceu credibilidade.
Acresce que, no que respeita à factualidade descrita nos pontos 52 e 53, as declarações da ofendida mostraram-se consentâneas com o teor do relatório pericial médico legal de fls. 306 a 307 verso, no qual se conclui que as lesões observadas são compatíveis com a informação de agressão com cabo de vassoura, admitindo-se o nexo de causalidade entre a referida conduta e o dano.
Por outro lado, II, mãe da ofendida, relatou que a filha e o arguido moraram em sua casa durante algum tempo, no início do relacionamento, que não logrou precisar.
Referiu que não acompanhou o relacionamento de perto uma vez que o arguido não queria que a ofendida se relacionasse com a família, por esta desaconselhar o relacionamento, o que levou a ofendida a afastar-se.
Confirmou que o arguido não deixava II ver os netos, confirmando que se deslocou ao hospital para ver o neto mais novo, quando nasceu, mas que a ofendida não o permitiu por recear a reacção do arguido.
Referiu, contudo, que nas situações de “aperto” a ofendida a contactava, solicitando auxílio. Foi o que sucedeu, por exemplo, numa situação em que a ofendida ficou barricada em casa, tendo a ofendida contactado telefonicamente a mãe, e tendo comparecido, assim como as autoridades.
Confirmou uma ocasião em que a ofendida abandonou a residência e foi viver com os filhos para ..., contudo, após 15 dias, voltou para junto do arguido.
Relatou também que visualizou a ofendida com ferimentos na boca e com braços negros, contudo, não confirmou ter presenciado qualquer agressão perpetrada pelo arguido.
Referiu que teve conhecimento, através de terceiros, que os netos se encontravam a dormir num carro, o que levou a testemunha a participar a situação à CPCJ, tendo, nessa sequência, os netos passado a morar com a avó.
Declarou que o neto mais novo verbaliza que viu o pai empurrar a mãe com uma faca e a mãe com sangue.
Confirmou que a ofendida lhe relatou que o arguido a levou para a zona de ... e a regou com gasolina.
Referiu que após o arguido ter saído da prisão, a ofendida e o arguido ainda voltaram a viver juntos, tendo a ofendida voltado a afastar-se. Referiu que voltou a ter notícias da ofendida na situação em que o arguido abalroou o carro de um colega da ofendida, tendo esta contactado telefonicamente a testemunha solicitando auxílio.
Relatou também uma ocasião, já após o final do relacionamento, em que a ofendida lhe telefonou dando conta que o arguido estava a rondar a porta de sua casa, tendo o marido da testemunha se deslocado a casa da ofendida para ir buscar as crianças. Referiu que foi solicitada a presença das autoridades no local e que, nessa sequência, os netos, a ofendida e o seu actual companheiro, permaneceram em sua casa durante uma semana.
Referiu ainda que a ofendida lhe relatou que após o final do relacionamento, o arguido lhe enviou mensagens escritas dizendo “se não és minha, não és de mais ninguém”, e dizendo que lhe passa com o carro por cima.
Por seu turno, JJ, padrasto da ofendida, confirmou que a ofendida o contactou e à sua mulher, pedindo auxílio, numa ocasião em que a ofendida se encontrava trancada em casa, e noutra situação, em que os netos se encontravam a passar o fim-de-semana com a mãe, em que o arguido se encontrava à porta de casa da ofendida, tendo-lhe enviado uma fotografia.
Relatou ainda que nesta última situação se deslocou a casa da ofendida para ir buscar os netos, e chamaram as autoridades, que detiveram o arguido.
Por seu turno, EE, actual companheiro da ofendida, relatou que vive junto com a ofendida desde ... de 2020.
Relatou uma ocasião em que se encontrava em casa com a ofendida, em que o arguido se deslocou à porta de sua casa, tirou foto e a enviou para a ofendida, dizendo algo como “fácil e eficaz”. Nessa sequência, foram para casa da mãe da ofendida.
Referiu que após essa situação o arguido os perseguiu, passou várias vezes à porta de sua casa e foram ameaçados por telefone, por mensagens escritas e por áudios, dizendo que os ia perseguir, que não ia descansar enquanto não os matasse aos dois, que os ia deixar estendidos no chão e que ia colocar os carros da testemunha a arder.
Referiu também que o arguido lhes disse que não se importava de ir preso por isso mais uma vez.
Declarou que ouviu telefonemas entre o arguido e a ofendida, em que o arguido apodou a ofendida de “vaca” e de “puta” e dizendo que lhe queria “ir à cona”.
Referiu que na sequência destas condutas vê que a ofendida tem receio de andar na rua, andando sempre com um grande “stress”, acompanhando a ofendida ao trabalho.
Referiu que as ameaças de morte afectam bastante a ofendida, deixando-a bastante “mal”, e que esta inclusivamente já manifestou à testemunha a hipótese de se separar do mesmo de modo a evitar que este seja alvo de quaisquer condutas do arguido.
Referiu que o arguido andou desaparecido durante cerca de 2 ou 3 meses, e que há cerca de duas semanas, num dia em que não acompanhou a ofendida ao trabalho, apareceu junto da ofendida, e lhe terá referido que da próxima vez que a apanhasse na estrada lhe passaria por cima.
Confirmou a mensagem e a fotografia constante de fls. 802, e bem assim, que as mensagens de fls. 803 lhe foram mostradas pela ofendida como lhe tendo sido enviadas pelo arguido.
As referidas testemunhas depuseram de forma espontânea, segura, consistente e congruente entre si, e não obstante a ligação familiar ou de intimidade que as une à ofendida, nenhuma circunstância nos seus depoimentos suscitou dúvidas sobre a objectividade ou veracidade dos seus depoimentos, pelo que os mesmos mereceram credibilidade.
Quanto às exactas circunstâncias de tempo e lugar, para além das declarações da ofendida, teve-se ainda em consideração o teor do auto de notícia de fls. 134 a 135 verso, e aditamentos de fls. 154, 645, 659 a 660, 727 a 728, e 741 a 743.
No que respeita à factualidade descrita nos pontos 60 a 62 teve-se ainda em consideração o teor do auto de interrogatório de fls. 85 a 100, do auto de declarações para memória futura de fls. 492 a 493, do despacho de fls. 531 a 532, e da certificação de cumprimento de mandado de libertação de fls. 558 frente e verso e 562 a 563.
Ora, as declarações do arguido traduziram-se, no essencial, numa versão meramente negatória dos factos, não tendo este apresentado uma versão lógica, coerente e plausível dos acontecimentos, limitando-se a invocar, insistentemente, que sempre quis terminar o relacionamento com a ofendida e que era esta que sempre insistia para reatar e manter a relação, o que, ainda que, em hipótese, correspondesse à verdade, não tornaria minimamente compreensível ou razoável a conduta do arguido.
Por outro lado, não logrou o arguido apontar qualquer motivo para a ofendida lhe imputar (e inventar) as condutas descritas na acusação.
Acresce que, no que respeita à situação ocorrida no dia .../.../2019 – única que o arguido apresentou uma versão alternativa dos acontecimentos sem ser meramente negatória – as declarações do arguido revelaram-se frontalmente contrariadas pelos depoimentos de FF e GG, que presenciaram todo o sucedido, e que confirmaram a dinâmica dos factos descrita pela ofendida, em particular, que o arguido embateu no veículo por três vezes (e não uma), tendo sempre seguido no seu encalço até ao restaurante (nunca tendo imobilizado a viatura). Confirmou também GG que visualizou o arguido com uma faca na mão quando este se encontrava à janela da residência.
Por outro lado, a versão sustentada pelo arguido, de que a faca – que aliás reconheceu como pertencente a um faqueiro que ofereceu à ofendida – teria sido colocada no veículo pela ofendida, mostra-se desprovida de qualquer sentido ou lógica já que esta não teria como prever ou controlar que o arguido seguisse no seu encalço com a sua viatura.
As declarações do arguido não nos mereceram, pois, credibilidade.
Ora, as declarações da ofendida afiguraram-se espontâneas, seguras, consistentes e coerentes, tendo efectuado um relato seguro, consistente, circunstanciado e contextualizado das situações que vivenciou e das condutas do arguido de que foi alvo, mantendo a coerência durante toda a inquirição e não tendo sido notadas contradições ou incongruências que fizessem suscitar dúvidas sobre a veracidade das suas declarações.
Acresce que as declarações da ofendida mostraram-se secundadas pelos depoimentos das testemunhas inquiridas, em particular, quanto às situações descritas nos pontos 3, 6, 8, 10, 11, 17, 22, 23, 36, 55 a 59, 65, 66 e 69, bem como pelo teor das fotografias de fls. 28 frente e verso, e 142 e 143, das mensagens e fotografia de fls. 802 e 803, pelo teor do relatório pericial médico legal de fls. 306 a 307 verso, e da documentação clínica de fls. 918 a 922 e 927 a 936.
Apesar de, a dada altura, a ofendida ter mantido uma postura não colaborante com o prosseguimento dos autos – tendo, inclusivamente, chegado a recusar prestar depoimento –, nas declarações que prestou posteriormente, a ofendida explicou que tal comportamento se deveu a reconciliação com o arguido e a uma tentativa de o auxiliar, sendo que tal postura, à luz das máximas da experiência comum e das regras do normal acontecer, não é de estranhar, sendo, aliás, um fenómeno recorrente nalgumas situações de violência doméstica, face à dependência emocional (e porventura económica) que as vítimas apresentam relativamente aos companheiros/agressores, pelo que não se vislumbrou em tal comportamento um motivo para descredibilizar o depoimento da ofendida.
Assim, uma vez que a ofendida descreveu de forma segura, coerente e circunstanciada os actos de que foi vítima, tendo apresentado uma versão lógica e congruente dos acontecimentos, e, como tal, plausível e verosímil, tendo as suas declarações sido secundadas pela referida prova testemunhal, pericial e documental, as mesmas mereceram credibilidade, e afiguraram-se suficientemente seguras e sólidas para fundar a convicção do Tribunal, tendo permitido considerar suficientemente demonstrada a aludida factualidade.
No que respeita à factualidade descrita no ponto 70 da matéria de facto provada, a convicção do tribunal estribou-se no depoimento de EE, que referiu que passados cerca de dois meses desde que o arguido foi libertado, o arguido enviava mensagens e áudios para a ofendida, que lhe eram mostrados, dizendo que ia matar o ofendido, que o ia deixar estendido no chão e que lhe ia passar com o carro por cima, tendo ainda o arguido verbalizado que não se importava de ir preso mais uma vez.
Referiu também que entendeu tais expressões como sérias, percepcionando o arguido como capaz de encetar as condutas que anunciou.
As declarações de EE afiguraram-se espontâneas, seguras, consistentes e circunstanciadas, tendo confirmado o teor, sentido e alcance das expressões proferidas pelo arguido, em que era visado, sendo que as suas declarações se mostraram consentâneas e compatíveis com todo o contexto que precedeu e acompanhou tais actos (condutas perpetradas contra a ofendida), pelo que o seu depoimento se afigurou plausível, e como tal, mereceu credibilidade.
Relativamente aos elementos psicológicos e volitivos imputados ao arguido, a convicção do Tribunal resultou de uma apreciação da factualidade objectiva apurada à luz das máximas da experiência comum e das regras do normal acontecer, tendo-se considerado que aqueles elementos decorriam de forma segura, por inferência e com apoio nas regras de normalidade, das descritas condutas do arguido e do circunstancialismo subjacente às mesmas.
Com efeito, atenta a globalidade dos actos praticados contra a ofendida, não podia o arguido deixar de saber que com as condutas que encetava, atingia a ofendida na sua honra e consideração, a atemorizava, a molestava fisicamente, e lhe causava perturbação do seu equilíbrio psíquico e emocional, o que quis e conseguiu.
Com efeito, conforme resultou do depoimento da ofendida e das demais testemunhas inquiridas, em consequência da conduta do arguido, aquela sentiu receio pela sua vida, ansiedade, angústia e tristeza, o que se mostra consentâneo com a idoneidade das condutas praticadas pelo arguido a suscitarem tais sentimentos, de acordo com as máximas da experiência comum e com as regras do normal acontecer.
Por outro lado, no que respeita à conduta encetada relativamente a EE, não podia o arguido deixar de querer que as expressões proferidas chegassem ao conhecimento de EE, como chegaram, bem sabendo que tais expressões, atento o seu teor, significado, e contexto em que foram empregues, eram aptas a causar medo e inquietação, como efectivamente causaram, o que quis e conseguiu.
Relativamente aos antecedentes criminais do arguido, teve-se em consideração o teor do Certificado de Registo Criminal junto aos autos, de fls. 1188 a 1197.
No que concerne às condições pessoais e económicas do arguido (ponto 82 da matéria de facto provada), atendeu-se ao teor do relatório social do arguido, de fls. 1160 a 1162.
A decisão do Tribunal relativamente à matéria vertida nas alíneas a), e c) a g) da matéria de facto não provada resultou da total ausência de meios de prova que permitissem sustentar tal matéria, em particular, não tendo a ofendida confirmado tal factualidade.
No que respeita à factualidade vertida na alínea b) da matéria de facto não provada, a decisão do tribunal resultou da sua falta de demonstração suficiente, pois pese embora a ofendida tenha declarado que a mãe presenciou tal factualidade, II não o confirmou.
No que concerne à factualidade vertida na alínea h) da matéria de facto não provada, a decisão do Tribunal resultou da sua falta de demonstração suficiente, não tendo EE confirmado que o arguido lhe dirigiu tais expressões.»
***
IV- Recurso:
O arguido recorreu, concluindo as alegações nos termos que se transcrevem:
«I- Entendeu o tribunal ad quo que se impunha a pena de prisão efetiva aplicando ao arguido 3 anos e 2 meses de prisão efectiva invocando fortes exigências de prevenção geral e especial, o que se nos revela manifestamente excessivo e desproporcional, violando os artigos 17.º, 18.º e 32.º, todos da CRP.
II- Na verdade atento os factos descritos e a personalidade demonstrada nenhuma fundamentação encontramos na douta sentença para aplicar ao arguido aquela pena em concreto.
III- A pena de prisão aplicada, apenas foi aplicada e valorizada tendo em conta os antecedentes criminais do arguido.
IV- Não foram considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, o denominado binómio factos - personalidade do agente.
V- Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa de liberdade, o tribunal deve dar preferência á segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição - art.º 70 do C. P.
VI- O arguido encontra-se social e profissionalmente integrado.
VII- A natureza e gravidade do crime praticado pelo arguido, já data o ano de 2019.
VIII- O grau de ilicitude dos factos não é muito relevante, o recorrente não contacta com as alegadas vitimas.
IX - O grau de culpa é diminuto, atendendo que foi uma fase da vida do arguido que este não se encontrava bem de saúde, tinha hábitos aditivos.
X - Não ficou provada a personalidade do arguido no sentido da perigosidade para voltar a delinquir, quando e ao contrário, está demonstrada a sua reintegração social.
XI - No caso de crimes puníveis, em alternativa, com prisão ou multa, escolhida a primeira destas penas, pode ainda ser substituída por outra não detentiva que seja legalmente admissível, como por exemplo o trabalho a favor da comunidade, desde que a prisão não seja in casu, imposta por razões de prevenção - Prof. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 363 e Dr.ª Anabela Rodrigues, RPCC, Ano 9º, 4º, 663. Medida essa que atendendo ao caso concreto, alcançaria, com maior sucesso, os fins pretendidos.
XII - Em sumula, o tribunal ad quo deveria não obstante o passado judiciário do arguido ter optado pela aplicação de uma pena não privativa da liberdade - o caso de prestação de trabalho a favor da comunidade - visando consolidar no arguido a consciencialização da necessidade de um comportamento cívico e do cumprimento definitivo das suas obrigações.
XIII - Deste modo, na medida em que na sentença ora recorrida não foi dada preferência à pena não privativa da liberdade, capaz de, in casu, realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, violou o referido aresto o disposto nos artigos 43º e 70º do CP».
Termos em que e nos demais de direito deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via dele, ser revogada a sentença recorrida e, em consequência, ser ao recorrente aplicada pena não privativa da liberdade, e caso assim não se entenda ser tal pena reduzida, ou substituída por trabalho a favor da comunidade, ou por prisão suspensa na sua execução.».
***
Contra-alegou o Ministério Público, concluindo as respectivas alegações nos seguintes termos:
«1. Por decisão proferida a 29 de setembro de 2021, AA, arguido e recorrente nos autos em epígrafe, foi condenado pela prática em autoria material e na forma consumada, de 1 (um) crime de violência doméstica, ilícito previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º1, alíneas b) e c) e n.º2, alínea a), do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão e pela prática de 1 (um) crime de ameaça agravada, ilícito previsto e punido pelo artigo 153.º, n.º1 e 155.º, n.º1, alínea a), do Código Penal, na pena de 6 (seis) meses de prisão, sendo que em cúmulo jurídico, foi condenado na pena única de 3 (três) anos e 2 (dois) meses de prisão.
2. Interpôs o arguido recurso da sentença condenatória, alegando que:
I - Entendeu o tribunal ad quo que se impunha a pena de prisão efetiva aplicando ao arguido 3 anos e 2 meses de prisão efectiva invocando fortes exigências de prevenção geral e especial, o que se nos revela manifestamente excessivo e desproporcional, violando os artigos 17.º, 18.º e 32.º, todos da CRP.
II - Na verdade atento os factos descritos e a personalidade demonstrada nenhuma fundamentação encontramos na douta sentença para aplicar ao arguido aquela pena em concreto.
III - A pena de prisão aplicada, apenas foi aplicada e valorizada tendo em conta os antecedentes criminais do arguido.
IV - Não foram considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, o denominado binómio factos - personalidade do agente.
V - Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa de liberdade, o tribunal deve dar preferência á segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição - art.º 70 do C. P.
VI - O arguido encontra-se social e profissionalmente integrado.
VII - A natureza e gravidade do crime praticado pelo arguido, já data o ano de 2019.
VIII - O grau de ilicitude dos factos não é muito relevante, o recorrente não contacta com as alegadas vitimas.
IX - O grau de culpa é diminuto, atendendo que foi uma fase da vida do arguido que este não se encontrava bem de saúde, tinha hábitos aditivos.
X - Não ficou provada a personalidade do arguido no sentido da perigosidade para voltar a delinquir, quando e ao contrário, está demonstrada a sua reintegração social.
XI - No caso de crimes puníveis, em alternativa, com prisão ou multa, escolhida a primeira destas penas, pode ainda ser substituída por outra não detentiva que seja legalmente admissível, como por exemplo o trabalho a favor da comunidade, desde que a prisão não seja in casu, imposta por razões de prevenção - Prof. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 363 e Dr.ª Anabela Rodrigues, RPCC, Ano 9º, 4º, 663. Medida essa que atendendo ao caso concreto, alcançaria, com maior sucesso, os fins pretendidos.
XII - Em sumula, o tribunal ad quo deveria não obstante o passado judiciário do arguido ter optado pela aplicação de uma pena não privativa da liberdade - o caso de prestação de trabalho a favor da comunidade - visando consolidar no arguido a consciencialização da necessidade de um comportamento cívico e do cumprimento definitivo das suas obrigações.
XIII - Deste modo, na medida em que na sentença ora recorrida não foi dada preferência à pena não privativa da liberdade, capaz de, in casu, realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, violou o referido aresto o disposto nos artigos 43º e 70º do CP».
3. O tipo legal dos crimes pelos quais o arguido foi condenado estão previstos com penas de prisão de 1 (um) a 5 (cinco) anos e até 2 (dois) anos, respetivamente.
4. Do certificado de registo criminal ora junto, constata-se que o arguido sofreu já as seguintes condenações: (…) (transcreve os pontos 74 a 81 do provado.)
5. Ora, constata-se que o arguido tem, um intenso e extenso contacto com o sistema judicial e prisional.
6. Em todo o caso, apesar do extenso e intenso contacto com o sistema judicial (vislumbrando-se que o arguido tem vindo a praticar, ademais, diversos tipos de crime além do crime em causa nos autos), assim como do longo contacto com o sistema prisional e, isto, apesar da sua juventude, verifica-se que o arguido não se coibiu de voltar a cometer um crime.
7. Mais, além disso olhando ao CRC do arguido, é possível verificar que o mesmo entrou no grau ascendente de violência, atendendo ao tipo de crimes que inicialmente praticava e ao tipo de crimes que a final já constavam no seu CRC, bem como os que praticou no âmbito destes autos.
8. É certo que, em abstrato, tal pena podia ser substituída ou suspensa na sua execução, contudo, tal como decidido pelo Tribunal à quo, tal não satisfaz as exigências de prevenção geral e especial que, in casu, se fazem sentir.
9. A seu favor, tal como refere o Tribunal à quo, milita a ausências de antecedentes criminais do arguido pela prática dos tipos de ilícito em apreço.
10. Em seu desfavor, resulta da sentença proferida pelo Tribunal à quo o seguinte: “Por seu turno, da análise dos antecedentes criminais do arguido, resulta que o mesmo praticou os factos em apreço já após ter sofrido 8 condenações, pela prática de ilícitos de diversa natureza, sobretudo, pela prática do crime de condução sem habilitação legal (5 condenações), mas também pela prática de um crime de furto qualificado, de um crime de burla, e de um crime de burla informática e nas comunicações.
Pese embora o arguido não tenha sofrido condenações anteriores pela prática de crimes da natureza dos ilícitos versados nos presentes autos (crimes contra as pessoas), os antecedentes criminais do arguido são reveladores de uma personalidade avessa ao Direito e contrária às regras de convivência em sociedade, pelo que se conclui pela existência de elevadas exigências de prevenção especial.
No que concerne ao grau de ilicitude dos factos e ao seu modo de execução, consideramos que os actos perpetrados pelo arguido integram um grau de ilicitude de elevadíssima gravidade quanto ao crime de violência doméstica, pois que se traduziram em reiterados actos de violência física e psicológica (maxime, ofensas à sua honra e consideração, ameaças de morte, ofensas à integridade física), sendo de salientar a elevadíssima gravidade do facto de o arguido ter regado a ofendida com gasolina e ter acendido um isqueiro, o que é revelador do inteiro desprezo e completa indiferença do arguido pela vida da ofendida, tendo o destino da ofendida ficado inteiramente à mercê da vontade do arguido, evidenciando, dessa forma, a sua instabilidade e total ausência de limites.
De notar, ainda, que o arguido persistiu na sua conduta mesmo após ter sido sujeito a prisão preventiva nos presentes autos.
No que respeita ao crime de ameaça, integramos a conduta do arguido num grau de ilicitude que não ultrapassa o nível médio, atento o modo de execução do mesmo (através de telemóvel) e as concretas expressões proferidas, que configuram formas comuns de cometimento deste ilícito e que não revelam especial gravidade.
No que respeita às consequências das condutas do arguido, é de salientar os sentimentos vivenciados pelos ofendidos na sequência das condutas perpetradas pelo mesmo.
Relativamente à intensidade do dolo, o arguido agiu, aquando da prática de todos os factos, da forma que representa um maior desvalor jurídico-social, isto é, com dolo directo.
Sopesam ainda os antecedentes criminais do arguido, a que já aludimos supra, resultando, porém, a favor do arguido, a sua ausência de antecedentes criminais pela prática dos tipos de ilícito em apreço.
Por outro lado, o arguido não compareceu em audiência de julgamento, desconhecendo-se a censura que o mesmo faz dos seus actos.”
11. Ora, em consonância com o plasmado na sentença proferida pelo Tribunal à quo, entende o MINISTÉRIO PÚBLICO que as penas de 3 (três) anos e de 6 (seis) meses de prisão e, em cúmulo jurídico, a pena única de 3 (três) anos e 2 (dois) meses de prisão não merece qualquer reparo, por se mostrar adequada e proporcional à salvaguarda da prevenção geral e especial que no caso se fazem sentir.
12. E bem andou o Tribunal a quo ao aplicar uma pena de prisão efetiva pelos motivos supra expostos, não sendo mais possível fazer um juízo de prognose favorável relativamente ao mesmo, em virtude de as condenações anteriormente sofridas não terem sortido efeito, não logrando alcançar o objetivo de desviar o mesmo do percurso criminoso que tem revelado.
13. Nesta sede, sopesando os critérios legalmente previstos, e como já antecipado, entende o Ministério Público que, in casu, somente a pena privativa da liberdade é adequada e suficiente para promover a recuperação do agente e reforçar a confiança na norma jurídica violada e que não se mostrava adequada a sua suspensão da execução.
14. Em consonância com o plasmado na sentença proferida pelo Tribunal à quo, entende o MINISTÉRIO PÚBLICO que a pena de prisão de 3 (três) anos e 2 (dois) meses não merece qualquer reparo, por se mostrar adequada e proporcional à salvaguarda da prevenção geral e especial que no caso se fazem sentir.
15. Nesta sede, sopesando os critérios legalmente previstos, e como já antecipado, entende o Ministério Público que in casu somente a pena privativa da liberdade é adequada e suficiente para promover a recuperação do agente e reforçar a confiança na norma jurídica violada e que não se mostrava adequada a sua suspensão da execução.
16. Com efeito, afigura-se-nos que no caso dos autos a execução da pena de prisão é, efetivamente, exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes, bem como, numa perspetiva mais lata, pela necessidade de repressão ou intimidação geral, de defesa do ordenamento jurídico e especial, de ressocialização do arguido.
17. Ao contrário do que se nos parece entender o arguido, o MINISTÉRIO PÚBLICO vê esta pena condenatória com expectativa de eficaz oportunidade concedida ao arguido para orientar a consciência ética de acordo com as regras do direito, e bem assim, satisfazer as exigências de prevenção.
18. Entende o MINISTÉRIO PÚBLICO que a sentença recorrida não merece qualquer reparo, não enferma de qualquer nulidade nem viola qualquer preceito do Código Penal,
Pelo exposto, deve negar-se provimento ao recurso apresentado pelo arguido AA e manter-se a douta sentença recorrida,».
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Nesta instância, o Exmº Procurador-Geral Adjunto aderiu à contra-motivação.
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V- Questões a decidir:
Do artigo 412º/1, do CPP resulta que são as conclusões da motivação que delimitam o objecto do recurso e consequentemente, definem as questões a decidir em cada caso, exceptuando aquelas questões que sejam de conhecimento oficioso.
A questão colocada pelo recorrente é a discordância sobre a pena de prisão aplicada.
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VI- Fundamentos de direito:
Entende o arguido que a pena aplicada é desproporcionada aos factos provados e à personalidade por eles revelada, o grau de culpa com que os praticou é diminuto, atendendo que foi uma fase da vida em que tinha hábitos aditivos, não ficou provado o perigo de voltar a delinquir, porque está demonstrada a sua reinserção social e profissional, os factos são de 2019, pelo que entende que a pena deve ser substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade.
Termina pedindo a aplicação de pena não privativa da liberdade, e caso assim não se entenda, a redução da pena ou a sua substituição por trabalho a favor da comunidade, ou por prisão suspensa na sua execução.
Em causa está unicamente, como é fácil percepcionar, a discordância do arguido quanto à pena que lhe foi aplicada.
A primeira questão que se coloca é que, sendo o fundamento legal que permite um recurso um erro do julgador e não uma diferente opinião sobre o mesmo assunto, ainda que meramente jurídica, não vemos no recurso apresentado fundamento verídico algum que justifique a pretensão aduzida.
O arguido foi condenado por dois crimes, em concurso real e, na conformidade, foi condenado em duas penas que, feito o cúmulo jurídico, se converteram numa só pena principal de prisão. O recurso vem, todo ele, dirigido “à pena” pelo que, atento o elemento literal do mesmo, entende-se que em causa está a discordância quanto à pena única.
A sentença recorrida fixou a pena em cúmulo mediante a seguinte fundamentação:
« Os crimes ora imputados encontram-se numa relação de concurso efectivo, pelo que importa atender ao disposto pelo artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal, o qual estabelece que “quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena”.
Este preceito impõe que na medida da pena sejam considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, o que significa que importa apreciar “se os factos delituosos em concurso são expressão de uma inclinação criminosa ou apenas constituem delitos ocasionais sem relação entre si, relevando a dimensão da ilicitude do conjunto dos factos e a conexão entre eles existente, bem como o efeito da pena sobre o comportamento futuro do delinquente” (acórdão do STJ de 21/11/2012, proc. 86/08.OGBOVR.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt).
Há, assim, que ter em conta:
 A personalidade do arguido, revelada pelos seus antecedentes criminais;
 A homogeneidade da sua conduta;
 A frequência dos factos e/ou a sua concentração no mesmo contexto e com a mesma motivação.
O n.º 2 do artigo 77.º do Código Penal consagra a moldura abstracta de punição do concurso de crimes, estabelecendo como limite máximo da pena única aplicável a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes (não podendo, em caso algum, ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa) e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.
Cumpre, então, proceder à realização do cúmulo das penas ora aplicadas ao arguido.
Face ao disposto no n.º 2 do citado artigo 77.º do Código Penal, a pena conjunta através da qual se punirá o concurso de crimes em apreço tem a sua moldura abstracta definida entre a pena mínima de 3 anos de prisão e a pena máxima de 3 anos e 6 meses de prisão.»
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Sob as regras de punição do concurso de penas rege o artigo 77º/CP. Nos termos do nº 1 a pena única resulta da consideração, conjunta, dos factos e da personalidade do agente.
«Tudo deve passar-se (…) como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade (1).
«A condenação numa única pena, através do cúmulo jurídico, sustenta-se na afirmação dogmática do sistema de pena conjunta como resposta ao tratamento do conjunto de crimes em termos de consequências jurídicas e radica na determinação de uma pena resultante «das penas concretamente determinadas, para cada um dos crimes em concurso sejam depois transformadas ou convertidas segundo um «princípio de combinação legal» (cf. Figueiredo Dias, ob.cit. p. 282).
Esse princípio da combinação de penas parcelares não implica que estas percam a «sua natureza de fundamentos de pena do concurso». Ou seja, se o que se pretende é uma avaliação conjunta dos factos e da personalidade do agente que implique a efectivação de uma punição não desligada das penas parcelares. (…)
Na determinação de uma pena única no caso de situações em cúmulo que envolvam penas de prisão, a necessidade de compreender as razões que estão subjacentes à determinação da pena única conjunta assumem uma especial relevância tendo em conta que se trata (ainda e sempre) de fixar uma pena (grave) que não ultrapasse o limite da culpa e que vai ter como consequência o cerceamento da liberdade de um cidadão durante um determinado período de tempo. A determinação da pena concreta resultante da combinação das penas parcelares deve levar em consideração que o efeito de adição das penas parcelares rapidamente poderia impor uma pena desajustada à culpa e também ir além das finalidades de prevenção que se exigem no caso concreto. Com a fixação da pena conjunta se pretende sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também e especialmente pelo respectivo conjunto, não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, visto que a lei manda se considere e pondere, em conjunto (e não unitariamente), os factos e a personalidade do agente: como doutamente diz Figueiredo Dias (Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, págs. 290-292), como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado.
Importante na determinação concreta da pena conjunta será, pois, a averiguação sobre se ocorre ou não ligação ou conexão entre os factos em concurso, a existência ou não de qualquer relação entre uns e outros, bem como a indagação da natureza ou tipo de relação entre os factos, sem esquecer o número, a natureza e gravidade dos crimes praticados e das penas aplicadas, tudo ponderando em conjunto com a personalidade do agente referenciada aos factos, tendo em vista a obtenção de uma visão unitária do conjunto dos factos, que permita aferir se o ilícito global é ou não produto de tendência criminosa do agente, bem como fixar a medida concreta da pena dentro da moldura penal do concurso (2)».
Os limites legais aplicáveis ao cúmulo são, em qualquer circunstância, os impostos pelo nº 2 do mesmo artigo 77º – o máximo, correspondendo à soma das penas concretamente aplicadas e o mínimo à pena concreta mais elevada dentre aquelas aplicadas. No caso a pena máxima individual aplicada foi de 3 anos de prisão e a soma das penas de prisão é de 3 anos e 6 meses. O arguido foi condenado na pena de 3 anos e 2 meses.
Analisados os argumentos apresentados temos que não se consegue perceber, e cremos que o arguido também não perceberá porque não explicou, em que factos se fundamenta para dizer que está inserido profissional e familiarmente.
Os factos praticados são tão maléficos que é difícil ler a sua descrição. Todos eles visaram a companheira, mãe dos seus filhos. O que se evidencia é uma vivência da mulher do arguido de sujeição à degradação da sua humanidade, com a consequente degradação do ambiente familiar ao ponto de as crianças terem sido retiradas, porque o ambiente criado pelas sevícias que o arguido dirigia à mãe era absolutamente impróprio para qualquer adulto, quanto mais para crianças.
Os factos são relativos a 6 anos e terminaram em 2020. Só agora subiu o recurso, porque o arguido andou desaparecido desde a prolação da sentença, nem se tendo apresentado em julgamento. Foram precisos quatro anos para ser notificado da decisão.
Entretanto, e de acordo com a ficha constante do citius o arguido começou a cumprir a nova pena de prisão a .../.../2025, depois de ter estado preso entre .../.../2019 e .../.../2020 e entre .../.../2017 e .../.../2017.
Do que consta dos autos o arguido não é dado a qualquer trabalho, vivendo, à data dos factos, dos proventos laborais da companheira e das ofertas que a mãe lhe fazia (que, pasme-se, incluíam dinheiro para que parasse as agressões!).
Diz o arguido que agiu sob pressão e por ser toxicodependente. Qual tenha sido a pressão, desconhece-se porque ele próprio não o refere.
O que se sabe, acerca de “pressão”, neste processo, é que ele coagiu toda uma estrutura familiar (sua e da companheira) de forma intensamente dolosa, não só pelo tempo em que se manteve ( durante toda a convivência do casal - de 2014 a 2020) mas sobretudo pelas características dos actos praticados, de um elevadíssimo grau de ilicitude.
O grau de culpa não se atenua pelo facto de ter agido em situação de toxicodependente. A toxicodependência é uma condição anómala de saúde, tratável, com inúmeras instituições disponíveis para o fazer, de onde ressaltam os CATs, sem custos. Digamos, pois, que é uma doença, voluntariamente mantida, estando na inteira disponibilidade do agente tratar-se ou não se tratar.
A decisão de não se tratar revela uma culpa acrescida e não diminuída, porque é evidente que o arguido sabia da gravidade dos factos que vêm descritos no provado, pressupostamente praticados a coberto do consumo de estupefacientes, sendo que nada fez para alterar essa condicionante.
Nenhum dos argumentos que aduziu em recurso tem, portanto, qualquer relevância na medida da pena única em que foi condenado.
É jurisprudência assente que os Tribunais de recurso apenas podem sindicar o tipo e montante das penas fixadas desde que se verifique desrespeito dos princípios gerais respetivos, das operações de determinação impostas por lei e da indicação e consideração dos fatores de medida da pena, mas nunca sobre «a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exato de pena, exceto se tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada» (34).
No caso, verificados os fundamentos exarados para a fixação da pena única não se encontra motivo algum que permita a sua alteração.
Acrescente-se que foi suave foi a pena aplicada pelo crime de violência doméstica, perante o quadro descrito (um dos piores com que já nos confrontámos) sendo que essa pena foi precisamente aquela que permitiu um enquadramento da moldura da pena única bastante favorável ao arguido.
Resta declarar a improcedência do recurso.
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VII- Decisão:
Acorda-se, pois, negando provimento ao recurso, em manter a decisão recorrida nos seus precisos termos.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça de 4 ucs.

Lisboa, 27/ 6/2025
Maria da Graça dos Santos Silva
Francisco Henriques
Ana Rita Loja
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1. Cf «As Consequências Jurídicas do Crime», Figueiredo Dias, Editorial Notícias, 1993, pág.291.
2. Cf Ac. STJ 18/2/09, proc. nº 08P4130.
3. Ac do STJ de 31/10/2024Proc. n.º 2390/18.0T9AVR.P1.S1 - 5.ª Secção.