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CONTRA-ORDENAÇÃO RODOVIÁRIA
NOTIFICAÇÃO DA DECISÃO ADMINISTRATIVA
NOTIFICAÇÃO POR VIA POSTAL
ILISÃO DA PRESUNÇÃO
CONTRATO DE REEXPEDIÇÃO
Sumário
1. No âmbito do procedimento contra-ordenacional relativo à aplicação de coimas pela prática de contra-ordenações rodoviárias, as notificações efectuam-se: a) por contacto pessoal; b) mediante carta registada com aviso de recepção expedida para o domicílio do notificando; c) mediante carta simples expedida para o domicílio do notificando; e d) por via electrónica para a morada única digital (art. 176.º, do CE). 2. Sendo adoptada a notificação postal, se, por qualquer motivo, a carta registada for devolvida à entidade remetente, a notificação é reenviada ao notificando, para o seu domicílio, através de carta simples (art. 176.º, n.º 6, do CE). 3. Neste caso, a notificação considera-se efectuada no quinto dia posterior à data da expedição (art. 176.º, n.º 9, al. b), do CE). 4. O Código da Estrada, o Regime Geral das Contra-Ordenações, o Código de Processo Penal e o Código de Processo Civil não contêm qualquer norma susceptível de regular as circunstâncias em que tal presunção pode ser ilidida. 5. Resta fazer apelo às normas constantes do DL n.º 121/76, ainda não totalmente revogado, que, inovadoramente, aboliu a exigência de avisos de recepção para as notificações realizadas mediante mero registo postal em quaisquer processos, qualquer que seja a sua natureza ou espécie. 6. O n.º 4 do art. 1.º do referido diploma legal dispõe expressamente que a presunção de notificação “(…) só pode ser ilidida pelo avisado ou notificado quando o facto da recepção do aviso ou notificação ocorra em data posterior à presumida, por razões que não lhe sejam imputáveis, requerendo no processo que seja requisitada aos correios informações sobre a data efectiva dessa recepção”. 7. O contrato de reexpedição da correspondência postal celebrado entre o arguido e a empresa privada de distribuição postal não constitui um facto alheio à vontade do arguido. 8. Esta reexpedição acarreta um risco de incumprimento absoluto pela empresa ou, pelo menos, um risco de existência de dilação temporal relativamente ao conhecimento das notificações postais por referência a processos consabidamente pendentes. 9. Trata-se de um meio sem relevância legal no âmbito dos procedimentos de notificação cujo risco foi voluntária e conscientemente assumido pelo arguido e que corre exclusivamente por sua conta.
Texto Integral
Acordam os juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães
I – RELATÓRIO
1. Decisão recorrida
Mediante decisão datada de 03.10.2024, a Câmara Municipal ... condenou o arguido AA na coima única de € 375,00, pela prática de 11 (onze) contra-ordenações de estacionamento proibido, p. e p. pelos artigos 71.º, n.º 1, al. d), e n.º 2, al. a), do Código da Estrada.
O referido arguido apresentou impugnação judicial desta decisão, a qual veio a ser rejeitada, por extemporaneidade, por despacho proferido em 29.01.2025 no âmbito do processo n.º 4565/24.3T9GMR que corre os seus termos no JUÍZO LOCAL CRIMINAL DE GUIMARÃES.
2. Recurso
Inconformado com este despacho judicial, o referido arguido recorreu do mesmo, tendo concluído a respectiva motivação nos seguintes termos (transcrição):
(…)
2 - O arguido, ora recorrente foi citada para contestar a ação, através de carta registada com aviso de receção, o qual foi reexpedido e chegou ao seu conhecimento no dia 04/11/2024.
3 - O arguido já se tinha pronunciado em resposta ao despacho de Meritíssimo Procurador junto deste tribunal, no sentido de que, após a prática dos factos que deram origem às contraordenações, e ainda antes da qualquer citação, residia em Rua ..., ..., casa ... em ... ..., concelho ..., e na sequência da venda do seu imóvel, mudou de residência para Rua ... em ... ..., Concelho ....
4- E, por via de alteração do seu domicílio, celebrou em 2024/10/09 com os EMP01..., S.A., um contrato de reexpedição de correspondência para a nova morada, acautelando junto dos serviços de EMP01... que nenhuma correspondência se extraviasse, (doc. nº 1).
5 - O aqui arguido e destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do ato a 30/10/2024 como referido por aquele tribunal, por facto que não lhe é imputável.
6 - Por via do contrato de reexpedição da sua correspondência, a citação/notificação administrativa, enviada pela Câmara Municipal ..., chegou ao seu conhecimento a 04/11/2024, conforme carimbo de EMP01... aposto no verso do envelope que trazia todo o processo de contraordenação e que aqui se junta como documento nº 2.
7 - A citação foi enviada por uma entidade administrativa – Câmara Municipal ... – e não um tribunal ou qualquer outro órgão jurisdicional, pelo que, encontra-se excluída das condições gerais constantes no formulário dos EMP01....
8 - O arguido na posse de todo o processo de contraordenação a 04 de novembro, começa para a correr o prazo de defesa de 15 dias úteis para aceitar ou impugnar judicialmente, que, segundo o calendário gregoriano os 15 dias uteis terminam a 25/11/2024.
9 - No caso concreto, conforme confirma o despacho da Meritíssima Magistrada do MP, o recorrente apresentou o seu recurso no dia 25/11/2024, ou seja, dentro do prazo legal para apresentar a sua defesa.
10 - O ato de citação constitui uma exigência formal da garantia do direito fundamental de defesa, consagrado no artigo 20º da Constituição da República, do qual constituem postulados o conhecimento efetivo do processo, garantido pela citação, a concessão de um prazo suficiente para a oposição e o tempero da rigidez das preclusões e cominações decorrentes da falta de contestação José Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil”, 3ª ed., 2013, Coimbra Editora, p.107.
11- Ao decidir como decidiu, o douto despacho recorrido violou o disposto nos artºs 225º, 229º, nº 5, 230º nº 2 do Código Proc. Civil, no artº. 28 do Dec. Lei n.º 176/88 de 18/5.
(…)”.
3. Respostas ao recurso
Após a admissão do referido recurso, o Ministério Público junto do tribunal a quo respondeu ao recurso interposto pelo arguido, concluindo (transcrição):
(…)
Tal como podemos ler na decisão de não admissão do recurso de contraordenação ora posta em crise, cujos fundamentos aderimos na sua globalidade, “o recorrente foi notificado da decisão administrativa no dia 30.10.2024 (fls. 67), e remeteu a impugnação no dia 25.11.2024 – cfr. fls. 84.”, sendo que, não obstante alegar que só teve conhecimento da notificação no dia 04.11.2024, devido ao facto de ter celebrado um contrato de reexpedição, acontece que o mesmo “não juntou cópia do contrato devidamente assinado (e certificado) pelas partes, mas antes mero formulário parcialmente preenchido, e por outro, nas próprias condições gerais (cfr. fls. 98), pode ler-se que não são reexpedidas “(iv) Citações Via Postal 2º Tentativa e; (v) Notificações Via Postal Simples.”
Ora, atendendo ao supra exposto, entendimento esse que motivou a decisão de rejeição do recurso de contraordenação, o recorrente interpôs o recurso já fora do prazo legal.
Sem mais delongas, é certo que não podemos deixar de concordar com os fundamentos expostos na decisão do Mmo. Juiz do Tribunal a quo, pelo que, entendemos não merecer razão o alegado pelo Recorrente.
Desta forma, entende o Ministério Público que o Tribunal a quo não violou o disposto nos artigos 225º, 229º, nº 5, 230º nº 2 do Código Proc. Civil e artigo 28.º do Dec. Lei n.º 176/88 de 18/5.
(…)”.
4. Tramitação subsequente
Recebidos os autos nesta Relação, o processo foi com vista à Digníssima Procuradora-Geral Adjunta, a qual emitiu parecer e pugnando a final pela improcedência do recurso.
Este parecer foi notificado para efeito de eventual contraditório e foi apresentada resposta pelo arguido reiterando a sua pretensão recursória.
Efectuado o exame preliminar, foi determinado que o recurso fosse julgado em conferência.
Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.
*
II – FUNDAMENTAÇÃO
A) Objecto do recurso
Em conformidade com o disposto no art.º 412.º do Código de Processo Penal (CPP) – ex vi art. 74.º, n.º 4, do DL 433/82, de 27 de Outubro (RGCO) – e com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de Outubro de 1995, o objecto do recurso define-se pelas conclusões que a recorrente extraiu da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, aqui se incluindo as nulidades que não devam considerar-se sanadas e os vícios decisórios previstos no n.º 2 do art. 410.º do CPP.
Por outro lado, no âmbito do regime contra-ordenacional, as Relações funcionam como tribunal de revista, pois apenas conhecem da matéria de direito (art. 75.º, n.º 1, do RGCO).
Assim sendo, importa apreciar (apenas) a questão da extemporaneidade da impugnação judicial. B) Apreciação do recurso
1. Conforme acima referido, o arguido apresentou um requerimento de impugnação judicial da decisão da Câmara Municipal ... que o condenara na coima única de € 375,00, pela prática de 11 (onze) contra-ordenações de estacionamento proibido, p. e p. pelos artigos 71.º, n.º 1, al. d), e n.º 2, al. a), do Código da Estrada.
O tribunal a quo entendeu que esta impugnação judicial foi apresentada extemporaneamente.
2. Vejamos, antes do mais, o que se exarou no despacho judicial recorrido a respeito da pretensa extemporaneidade da (transcrição):
«(…)
O prazo de impugnação judicial no direito estradal, o previsto no nº 2 do artigo 175º do CE, é de 15 dias úteis.
Estabelece o art.º 176.º, n.ºs 1, al. b) e c), 6, 7, als. a) a d), e 9 do C.E. que:
“1 - As notificações efetuam-se:
(…)
b) Mediante carta registada com aviso de receção expedida para o domicílio ou sede do notificando;
c) Mediante carta simples expedida para o domicílio ou sede do notificando;
(…)
6 - Se, por qualquer motivo, a carta prevista no número anterior for devolvida à entidade remetente, a notificação é reenviada ao notificando, para o seu domicílio ou sede, através de carta simples.
7 - Nas infrações relativas ao exercício da condução ou às disposições que condicionem a admissão do veículo ao trânsito nas vias públicas, considera-se domicílio do notificando, para efeitos do disposto nos n.os 4 e 5: a) O que consta na base de dados da AT como domicílio fiscal; a) O que consta na base de dados da AT como domicílio fiscal; c) O que conste dos autos de contraordenação, nos casos em que o arguido não seja residente no território nacional; d) Subsidiariamente, o que conste do auto de contraordenação, nos casos em que este tenha sido indicado pelo arguido aquando da notificação pessoal do auto.
9 - As notificações consideram-se efetuadas:
(...)
b) Em caso de notificação por carta simples, no quinto dia posterior à data da expedição, cominação que deve constar do ato de notificação, devendo ser junta ao processo cópia do ofício da notificação com a indicação da data de expedição e do domicílio para o qual foi enviada;” In casu, o recorrente foi notificado da decisão administrativa no dia 30.10.2024 (fls. 67), e remeteu a impugnação no dia 25.11.2024 – cfr. fls. 84.
Alega que só teve conhecimento da notificação no dia 04.11.2024, devido ao facto de ter celebrado um contrato de reexpedição. Todavia, por um lado, não juntou cópia do contrato devidamente assinado (e certificado) pelas partes, mas antes mero formulário parcialmente preenchido, e por outro, nas próprias condições gerais (cfr. fls. 98), pode ler-se que não são reexpedidas “(iv) Citações Via Postal 2º Tentativa e; (v) Notificações Via Postal Simples.”
Assim, contando os prazos acima referidos constata-se que o requerimento de interposição de recurso entrou já fora do prazo legal.
Deste modo, não admito o presente recurso de contraordenação, porque intempestivo.
(…)» 3. A análise da pretensão do recorrente determina necessariamente uma breve e prévia síntese da tramitação processual verificada neste procedimento contra-ordenacional.
Os autos revelam que o arguido foi notificado várias vezes para exercer o contraditório na fase administrativa relativamente às várias contra-ordenações estradais que lhe foram imputadas e indicou invariavelmente que morava na “Rua ..., ..., casa ..., ... ...”.
Em 03.10.2024, a decisão administrativa condenatória dos presentes autos foi remetida mediante carta registada com aviso de recepção para a morada “Rua ..., ..., casa ..., ... ...”.
Em ../../2024, pelas 12h54m, os serviços postais tentaram entregar a referida carta registada na aludida morada, mas não foram bem-sucedidos.
Tal carta viria a permanecer na loja EMP01... da ..., para levantamento pelo destinatário, entre ../../2024 e ../../2024 e, mercê da inércia deste, veio a ser devolvida à Câmara Municipal ... em 25.10.2024.
Em 25.10.2024, a decisão administrativa condenatória dos presentes autos foi novamente remetida, desta feita mediante carta simples para a morada “Rua ..., ..., casa ..., ... ...”.
O texto desta carta continha as menções: “Data: ..., 25 de Outubro de 2024” e “Nos termos da alínea b) do n.º 9 do artigo 176.º do Código da Estrada, não tendo sido recebida a notificação através de carta registada que nos foi devolvida, reenvia se a mesma para o domicílio/sede do proprietário/arguido, através de carta simples, considerando-se a notificação efectuada no quinto dia após o seu envio”.
Em 25.11.2024, o arguido remeteu o requerimento de impugnação judicial, mediante carta registada com aviso de recepção, para a Câmara Municipal ....
Nesta última carta, o arguido indicou “Rua ..., ..., casa ..., ... ...” como morada do remetente e não fez qualquer alusão à contratação da reexpedição da correspondência.
Após ter sido expressamente notificado pelo tribunal a quo para se pronunciar sobre a eventual rejeição deste requerimento com fundamento na extemporaneidade, o arguido apresentou requerimento pugnando pela tempestividade do mesmo.
Para tanto, o arguido alegou então que:
a) Deixou de residir na morada constante dos autos em virtude da venda do correspectivo imóvel e passou a residir na “Rua ..., ... ...”
b) Em ../../2024 celebrou um contrato de reexpedição de correspondência a si destinada para esta nova morada;
c) A Câmara Municipal ... enviou o expediente de notificação postal relativo à decisão condenatória para a anterior morada do arguido;
d) Em virtude da referida reexpedição de correspondência, o arguido só teve conhecimento desta decisão em 04.11.2024;
e) O prazo de impugnação judicial de 15 dias úteis começou a correr nesta data e terminou em 25.11.2024.
Nessa ocasião, o arguido juntou cópia do aludido contrato de prestação de serviço de reexpedição de correspondência, do qual resulta que o mesmo foi efectivamente celebrado em ../../2014, para vigorar no período compreendido entre 11.10.2024 e 11.01.2025.
Segundo a cláusula 3.2. das condições gerais deste contrato “(…) não são reexpedidas (i) (…) (iv) Citações Via Postal 2.ª Tentativa e (v) Notificações Via Postal Simples.
O arguido não juntou então comprovativo de que o expediente de notificação postal relativo à aludida decisão condenatória fora reexpedido e apenas chegara ao seu conhecimento em 04.11.2024.
Uma vez conhecida a tramitação verificada até ser proferida a decisão recorrida, importa agora convocar as normas jurídicas aplicáveis à questão que constitui o objecto do presente recurso.
4. O presente recurso versa o procedimento contra-ordenacional relativo à aplicação de coimas pela prática de contra-ordenações rodoviárias, as quais são reguladas pelo disposto no Código da Estrada, pela legislação rodoviária complementar ou especial que as preveja e, subsidiariamente, pelo “Regime geral das contra-ordenações” (RGCO), aprovado pelo DL 433/82 (artigos 131.º e 132.º, do Código da Estrada).
No âmbito deste direito contra-ordenacional sectorial, a decisão condenatória que aplica a coima torna-se definitiva e exequível se não for judicialmente impugnada no prazo de 15 dias úteis após o seu conhecimento (art. 181.º, n.º 2, al. a), do CE).
Obviamente, este conhecimento é assegurado pela notificação da decisão condenatória.
As notificações efectuam-se: a) por contacto pessoal; b) mediante carta registada com aviso de recepção expedida para o domicílio do notificando; c) mediante carta simples expedida para o domicílio do notificando; e d) por via electrónica para a morada única digital (art. 176.º, do CE).
Centremos a nossa atenção nas notificações postais, as quais foram o meio efectivamente adoptado pela autoridade administrativa para fazer chegar a decisão condenatória ao conhecimento do arguido.
No caso concreto, o domicílio do arguido não suscitava quaisquer dúvidas até ao momento em que foi proferida a decisão condenatória, pois o próprio arguido o indicara no exercício do direito de audição.
A decisão administrativa condenatória dos presentes autos foi remetida mediante carta registada com aviso de recepção para a morada “Rua ..., ..., casa ..., ... ...”.
Em ../../2024, pelas 12h54m, os serviços postais tentaram entregar a referida carta registada na aludida morada, mas não foram bem-sucedidos.
Tal carta viria a permanecer na loja EMP01... da ..., para levantamento pelo destinatário, entre ../../2024 e ../../2024 e, mercê da inércia deste, veio a ser devolvida à Câmara Municipal ... em 25.10.2024.
Aqui chegados, importa não perder de vista que a reexpedição postal contratada pelo arguido ainda não vigorava em ../../2024.
Teria bastado ao arguido verificar o respectivo receptáculo postal entre ../../2024 e ../../2024 para que o mesmo tivesse ficado ciente da notificação em apreço.
Mas não foi isso que sucedeu.
O procedimento de notificação postal não se fica por esta tentativa.
Efectivamente, se, por qualquer motivo, a carta registada for devolvida à entidade remetente, a notificação é reenviada ao notificando, para o seu domicílio, através de carta simples (art. 176.º, n.º 6, do CE).
E foi isso que sucedeu no caso concreto.
Em 25.10.2024, a decisão administrativa condenatória dos presentes autos foi novamente remetida, desta feita mediante carta simples para a morada “Rua ..., ..., casa ..., ... ...”.
Neste caso, a notificação considera-se efectuada no quinto dia posterior à data da expedição (art. 176.º, n.º 9, al. b), do CE).
Assim sendo, se desconsiderarmos quaisquer outras circunstâncias, a lei contra-ordenacional presume que o arguido destes autos foi notificado da decisão condenatória no dia 30.10.2024.
Na sequência de tudo o que vem a ser exposto, o prazo de impugnação judicial de 15 dias úteis terminou em ../../2024(o que se traduziu no prazo contínuo de 22 dias).
Acresce que este prazo não beneficia da aplicação dos artigos 107.º, n.º 5, e 107.º- A, do CPP, e do art. 139.º, n.º 5, do CPC, por remissão do art. 41.º, n.º 1, do RGCO (vide Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 2/94; Ac. STJ 03.11.2010, p. 103/10.3TYLSB.L1-A.S1, www.dgsi.pt).
Consequentemente, dir-se-ia que o requerimento de impugnação judicial remetido por via postal registada em 25.11.2024 entrou extemporaneamente, conforme entendido pelo tribunal a quo.
5. Ainda antes de entrar na argumentação jurídica avançada pelo recorrente, importa conhecer as válvulas de escape do sistema em matéria de prazos para a prática de actos processuais associados a notificações postais.
Vamos deixar de lado a figura do justo impedimento, a qual pressupõe que não há controvérsia sobre o início da contagem do prazo processual e apenas visa resolver situações de eventual impossibilidade de prática de actos dentro deste prazo.
O arguido recebeu a notificação – da decisão condenatória – da qual constava expressamente que a mesma lhe tinha sido enviada em 25.10.2024 para a morada por si indicada no processo e que a notificação se presumia efectuada no quinto dia posterior à data da expedição.
Serve isto para dizer que o arguido sabia que o mesmo se presumia notificado da decisão condenatória em 30.10.2024 quando apresentou o requerimento de impugnação judicial em 25.11.2024, ou seja, o arguido sabia que estava a apresentar a impugnação judicial fora do prazo de 15 dias úteis legalmente previsto para o efeito.
O Código da Estrada não contém qualquer norma sobre as circunstâncias em que tal presunção pode ser ilidida.
O direito subsidiário aplicável, integrado em primeira linha pelo RGCO, nada esclarece nesta matéria.
O mesmo se passa com os preceitos reguladores do processo criminal, aplicáveis por força do disposto no art. 41.º, n.º 1, do RGCO.
Importará, assim, fazer apelo às normas do processo civil que se harmonizem com o processo penal (art. 4.º, n.º 1, do CPP).
O arguido destes autos não foi surpreendido com a existência do procedimento contra-ordenacional quando recebeu a notificação sob apreciação, pois já tinha exercido oportunamente o direito de audição e encontrava-se a aguardar pela decisão final da autoridade administrativa.
Acresce que o arguido não tinha constituído defensor para o assistir no processo até então.
O art. 249.º, do Código de Processo Civil (na redacção do DL 97/2019, em vigor no período temporal que ora releva), contém normas sobre as “notificações em processos pendentes às partes que não constituam mandatário”, a saber (negritos e sublinhados nossos):
“1 - Se a parte não tiver constituído mandatário, as notificações são efetuadas nos termos previstos no n.º 5 do artigo 219.º, quando aplicável, ou por carta registada, dirigida para a sua residência ou sede ou para o domicílio escolhido para o efeito de as receber, presumindo-se, nestes casos, feita no terceiro dia posterior ao do registo da carta ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja. 2 - A notificação efetuada por carta registada não deixa de produzir efeito pelo facto de o expediente ser devolvido, desde que a remessa tenha sido feita para a residência ou a sede da parte ou para o domicílio escolhido para o efeito de a receber; nesse caso, ou no de a carta não ter sido entregue por ausência do destinatário, juntar-se-á ao processo o sobrescrito, presumindo-se a notificação feita no dia a que se refere a parte final do número anterior. 3 - Excetua-se o réu que se haja constituído em situação de revelia absoluta, que apenas passa a ser notificado após ter praticado qualquer ato de intervenção no processo, sem prejuízo do disposto no n.º 5.”
Ora, tais normas adjectivas civis não estão em harmonia com o processo penal e mesmo com o processo contra-ordenacional, pois aquelas normas não permitiriam no caso concreto a elisão da presunção da notificação por carta simples associada à decisão condenatória da qual emerge a aplicação de coimas e sanções acessórias.
Resta fazer apelo às normas constantes do DL n.º 121/76, ainda não totalmente revogado, que, inovadoramente, aboliu a exigência de avisos de recepção para as notificações realizadas mediante mero registo postal em quaisquer processos, qualquer que seja a sua natureza ou espécie (Ac. TRC 12.07.2006, p. 496/01, www.dgsi.pt).
O n.º 4 do art. 1.º do referido diploma legal dispõe expressamente que a presunção de notificação “(…) só pode ser ilidida pelo avisado ou notificado quando o facto da recepção do aviso ou notificação ocorra em data posterior à presumida, por razões que não lhe sejam imputáveis, requerendo no processo que seja requisitada aos correios informações sobre a data efectiva dessa recepção”.
Sucede que o arguido não se preocupou minimamente em ilidir a aludida presunção, pois não fez qualquer menção ao tema do prazo de impugnação judicial quando apresentou o respectivo requerimento de impugnação judicial.
Só o veio a fazer quando instado para tanto pelo tribunal a quo e, não obstante, fê-lo sem comprovar prontamente no processo a data efectiva da recepção da carta simples de notificação na sequência da celebração do contrato de reexpedição, bem como sem requerer no processo que fosse requisitada aos correios informações sobre a data efectiva dessa recepção.
Tanto será suficiente para considerar precludida qualquer possibilidade de revisitar o tema da ilisão da presunção da notificação.
Seja como for, sempre se dirá que o contrato de reexpedição da correspondência postal celebrado entre o arguido e a empresa privada de distribuição postal não constitui um facto alheio à vontade do arguido.
Mutatis mutandis, dir-se-á que é algo de equivalente a pedir um familiar que proceda à verificação regular da caixa de correio nos dias úteis.
Esta reexpedição acarreta um risco de incumprimento absoluto pela empresa ou, pelo menos, um risco de existência de dilação temporal relativamente ao conhecimento das notificações postais por referência a processos consabidamente pendentes.
Trata-se de um meio sem relevância legal no âmbito dos procedimentos de notificação cujo risco foi voluntária e conscientemente assumido pelo arguido e que corre exclusivamente por sua conta.
Na verdade, o arguido sabia que tinha este processo pendente e não diligenciou pela comunicação atempada da nova morada aos autos até à efectivação das diligências de notificação da decisão administrativa condenatória.
Aliás, o arguido continuou a indicar a morada sita na ... quando apresentou o requerimento de impugnação judicial, o que fez com que os serviços do próprio tribunal a quo tivessem remetido todas as notificações subsequentes para a referida morada sita na ....
Mais, conforme acima assinalado, o arguido nem sequer cuidara de verificar a respectiva caixa postal nos dias que antecederam a celebração do contrato de reexpedição postal, o que, a ter sucedido, ter-lhe-ia permitido aceder à primeira notificação da decisão condenatória.
6. Olhemos agora para o argumentário oferecido pelo recorrente para colocar em crise a decisão recorrida.
6.1. O recorrente começa por alegar que o arguido foi citado para contestar a acção através de carta registada com aviso de recepção.
Salvo o devido respeito, esta alegação não é rigorosa, pois “a citação é o ato pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada acção e se chama ao processo para se defender; emprega-se ainda para chamar, pela primeira vez, ao processo alguma pessoa interessada na causa” (art. 219.º, n.º 1, do CPC).
Ora, no caso concreto, o arguido não foi demandado em qualquer acção de natureza cível contra si proposta e muito menos foi citado para apresentar qualquer contestação a uma petição inicial.
O arguido foi simplesmente notificado da decisão administrativa no âmbito de um procedimento contra-ordenacional estradal pendente, no qual já tinha exercido, oportunamente, o direito de defesa, bem como já tinha indicado a morada para a qual vieram a ser sucessivamente remetidos os expedientes de notificação postal registada e simples da decisão administrativa.
Tais notificações seguem o regime especial previsto no art. 176.º, n.º 1, alíneas b) e c), n.º 6, e n.º 9, alíneas a) e b), do Código da Estrada (Ac. TRG 10.07.2018, p. 2535/17, www.dgsi.pt).
Consequentemente, falece qualquer razão ao recorrente quando avança com a pretensa violação das normas constantes dos artigos 225.º, 229.º, n.º 5, e 230.º, n.º 2, do CPC, os quais são invariavelmente relativos à citação das pessoas singulares no âmbito do processo civil.
Fica, assim, prejudicada a alegação segundo a qual foram adoptados “procedimentos de citação” que inviabilizaram o conhecimento efectivo do processo pelo arguido.
Do mesmo modo, fica prejudicado o conhecimento da jurisprudência alegada pelo recorrente relativa a contratos de reexpedição celebrados pelos réus no contexto de citações levadas a cabo no âmbito de acções cíveis.
6.2. O arguido juntou ao requerimento de interposição de recurso uma cópia do rosto de um envelope com um carimbo aposto com a menção “Reexpedido – Data: 4/11/24”.
Ora, ignora-se se este envelope respeita efectivamente à notificação por carta simples que lhe foi remetida pela Câmara Municipal ....
Mais relevante, o arguido não alegou a existência de qualquer contrato de reexpedição postal quando apresentou a impugnação judicial, nem solicitou então que fosse requisitado aos correios informação sobre a data efectiva da recepção da carta simples, conforme é viabilizado pelo art. 1.º, n.º 4, do DL 121/76.
Como se isso não bastasse, o arguido não juntou esta cópia quando foi notificado pelo tribunal a quo para se pronunciar relativamente à eventual rejeição da impugnação judicial com fundamento na extemporaneidade e só o veio a fazer em sede de recurso.
Sucede que o tribunal de recurso não pode sindicar a decisão recorrida com fundamento no teor de documentos que vieram apenas a ser apresentados pelo recorrente após a decisão recorrida ter sido proferida e que não podiam ter sido sequer considerados pelo tribunal a quo.
Na verdade, os recursos ordinários visam apenas a reapreciação da decisão proferida dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento em que proferiu a decisão recorrida (Ac. da Relação do Porto, 9.12.2004, p. 0415010, www.dgsi.pt).
6.3. O recorrente alegou laconicamente na conclusão final que a decisão recorrida violou também o disposto no art. 28.º do DL n.º 176/88, de 18 de Maio.
Esta disposição legal apresenta a seguinte redacção:
Artigo 28.º
Correspondências registadas
1 - Podem ser expedidas sob registo todas as categorias de correspondências postais.
2 - As correspondências para registo são apresentadas em mão, mediante recibo:
a) Nos estabelecimentos postais, dentro dos horários normais e suplementares definidos para a execução deste serviço;
b) Aos carteiros dos giros não urbanos, durante o percurso.
3 - As correspondências podem ser registadas nos domicílios dos remetentes, a pedido destes.
4 - A entrega das correspondências registadas é sempre comprovada por recibo e tem lugar:
a) Na morada do destinatário, desde que esteja implantada a distribuição domiciliária;
b) Nos estabelecimentos postais da localidade de destino, nos casos em que:
1.º Não exista distribuição domiciliária;
2.º Não tenha sido possível a entrega na morada do destinatário;
3.º As correspondências estejam sujeitas a tratamento especial que preveja esta modalidade de entrega;
4.º Se verifique recusa de recepção, nos termos do número seguinte.
5 - As correspondências registadas que tenham sido recusadas pelo destinatário por suspeita de violação são entregues ao mesmo na estação de destino, mediante a elaboração de auto de verificação.
Como se vê, esta disposição legal contém mais de uma dezena de normas.
Sucede que o recorrente não indicou qual destas normas foi especificamente violada pelo tribunal a quo, sendo que tal omissão consta simultaneamente das conclusões e da motivação do recurso, não havendo, por isso, lugar a qualquer convite ao aperfeiçoamento das conclusões.
Acresce que não se vislumbra qualquer norma com aplicação relevante no caso concreto.
7. Aqui chegados, não se justifica qualquer alteração ao decidido, pelo que improcede o recurso. III – DECISÃO
Em função do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar totalmente improcedente o recurso e, consequentemente, mantêm a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça fixada em 4 UC.
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Guimarães, 13 de Maio de 2025
(Texto elaborado em computador pelo relator e revisto pelos subscritores)
(Paulo Almeida Cunha - Relator)
(Carlos Cunha Coutinho)
(Fátima Furtado)