EXPROPRIAÇÃO
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
SOLO APTO PARA OUTROS FINS
DEPRECIAÇÃO DA PARTE SOBRANTE
Sumário


1- Sem prejuízo do regime excecional do n.º 12, do art. 26º do Cód. Exp., no caso dos planos territoriais de âmbito intermunicipal ou municipal (a quem cabe exclusivamente definir o uso dos solos) vedar ou condicionar (neste caso, de modo a tornar impossível) a construção na parcela de terreno expropriada, não é legalmente consentido classificar essa parcela como «solo apto para a construção», ainda que se encontrem preenchidos os requisitos previstos no n.º 2 do art. 25º daquele Código, impondo-se classificá-la como «solo apto para outros fins».
2- O conceito «solo apto para construção» é jurídico, pelo que não é suficiente que, do ponto de vista material/ontológico seja possível a construção na parcela de terreno expropriada, mas é necessário que esta tenha potencialidade jurídica para que nela possa ser construído, ou seja, que a lei permita que nela possa ser edificado.
3- Entendimento contrário, não só desconsideraria o interesse público que subjaz ao regime jurídico estabelecido nos instrumentos de gestão territorial, como padeceria do vício da inconstitucionalidade material, por violação do art. 62º, n.º 2 da CRP, na vertente do princípio da igualdade, ao conferir ao expropriada uma indemnização como se o terreno expropriado tivesse aptidão construtiva, quando se encontra legalmente excluída ou fortemente restringida por lei, nomeadamente, por instrumento de gestão territorial, criando um regime de favor em benefício do expropriado comparativamente aos demais proprietários (não expropriados) cujos prédios estivessem onerados com iguais exclusões ou restrições legais à construção.

Texto Integral


Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães no seguinte:

I- RELATÓRIO

Por despacho do Secretário de Estado das Infraestruturas, ..., datado de 13 de fevereiro de 2020, publicado no Diário da República n.º 41, 2.ª Série, de 27-02-2020, foi declarada a utilidade pública, com carácter de urgência, para efeitos de expropriação de uma parcela de terreno, com a área de 507 m2, correspondente a uma faixa de terreno a destacar do prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o artigo ...6 da freguesia ..., e inscrito na matriz sob o n.º ...02 da união de freguesias ... e ..., concelho ..., propriedade de AA, casado com BB, CC, casado com DD, e EE, casada com FF, tendo a identificada parcela confrontação a norte e nascente com parte sobrante, a sul com caminho de servidão, e a poente com herdeiros de GG.
No dia 07-05-2020 realizou-se a vistoria ad perpetuam rei memoriam, cujo relatório se encontra junto a fls. 66 a 73 do processo físico.
Os expropriados AA, HH (à data ainda vivo) e EE reclamaram do auto de vistoria, requerendo a extinção do procedimento de expropriação parcial e, no caso de ser realizada a expropriação, requereram que no valor indemnizatório fossem tidas em conta as concretas características da parcela a expropriar, que ali enumeraram (fls. 86 a 95 do processo físico).
No dia 28-5-2020, em resposta às reclamações foi apresentado relatório complementar pelos peritos.
A entidade expropriante, EMP01..., S.A., tomou posse administrativa da parcela de terreno expropriada no dia 8 de junho de 2020 (fls. 101 verso e 102 do processo físico).
Procedeu-se à realização de arbitragem, tendo sido fixada, por unanimidade dos árbitros, a quantia de 14.132,00€ (8.619,00 euros relativo ao valor do solo, 2.810,10 euros relativo ao valor da depreciação da parcela sobrante, 2.703,00 euros relativo ao valor das benfeitorias) como justa indemnização a atribuir aos expropriados (fls. 118 e a 151 do processo físico).
Por despacho proferido em 09-06-2021 foi adjudicada judicialmente à expropriante a propriedade da parcela de terreno expropriada (fls.155 do processo físico).
Inconformada com a decisão arbitral, a entidade expropriante, EMP01..., S.A., interpôs recurso, pugnando para que se fixasse a indemnização devida aos expropriados em 4.136,50 euros (fls. 156 a 160 do processo físico).
Para tanto alegou, em sínteses, que: a parcela de terreno expropriada tem a área de 507 m2, trata-se de terreno interior, não marginado por qualquer via pública pavimentada; o acesso é efetuado através de caminho de servidão, em terra batida, com cerca de 2 metros de largura; situa-se em zona rural e, na sua quase totalidade insere-se em “espaço florestal de conservação”; trata-se de terreno agroflorestal, presentemente ocupado por carvalhos e pinheiros, com vegetação rasteira, tipo fetos, silvas e outras herbáceas, em que existem sujeitos a desaparecimento: 12 pinheiros com D.A.P entre 15 e 40 cm; 64 carvalhos, em geral, de pequeno porte e calibre; e um muro em pedra solta, com a altura média de 0,80 m e a extensão de cerca de 20,50 m, em muito deficiente estado de conservação; a parcela de terreno expropriada não tem capacidade construtiva, o que foi ignorado pelos peritos, que consideraram ter capacidade construtiva, pelo que, considerando esse facto o respetivo valor deve ser fixado em 2.535,00 euros; o valor das árvores, que apenas servem para lenha, deve ser fixado em 1.481,50 euros, e o do muro, que deve ser visto como um conjunto de pedras, cujo volume não chegaria a 4 m3, deduzido dos encargos com transporte ou arrumação para outro local, deve ser fixado em 120,00 euros.
Entende, por fim, que não faz sentido a desvalorização atribuída à parte sobrante.
Indicou como perito o Engenheiro II e formulou quesitos.
Os expropriados CC e mulher, DD, AA e mulher, BB, EE e marido, FF, responderam ao recurso da entidade expropriante, pugnando pela improcedência deste (fls. 168 a 172 do processo físico).
Indicaram como perito o Engenheiro JJ.
Procedeu-se à realização da avaliação prevista nos artigos 61.º a 63.º do Código das Expropriações, tendo sido emitido laudo de peritagem, no qual se verificou existir consenso entre os peritos, tendo os mesmos indicado como valor da justa indemnização a atribuir aos expropriados o montante de 6.362,50 euros, sendo 4.309,50 euros relativamente ao solo (que classificaram como solo apto para outros fins), e 2.053,00 euros relativamente às benfeitorias (fls. 201 a 225 do processo físico).
Os expropriados solicitaram esclarecimentos aos peritos (cfr. fls. 235 a 237 do processo físico), os quais foram prestados, conforme fls. 202 a 205 do processo físico.
Por despacho de 21-03-2024, ordenou-se a notificação da entidade expropriante e dos expropriados para apresentarem, querendo, alegações escritas, nos termos do artigo 64.º do Código das Expropriações, o que fizeram.
Por sentença proferida em 26/01/2025, julgou-se o recurso interposto pela entidade expropriante parcialmente procedente e, em consequência, fixou-se a indemnização a atribuir aos expropriados em 7.012,50 euros, da qual consta a seguinte parte dispositiva:

Nestes termos e nos das disposições legais citadas, julga-se parcialmente procedente o recurso interposto pela Entidade Expropriante e, em consequência, fixa-se a indemnização a atribuir aos Expropriados, a pagar pela entidade expropriante, em € 7.012,50, por referência à data da publicação da Declaração de Utilidade Pública.
O montante indemnizatório será atualizado de acordo com a evolução do índice de preços ao consumidor desde a data da declaração de utilidade pública até ao trânsito em julgado da decisão final do presente processo, ao abrigo do disposto no artigo 24.º, do Código das Expropriações.

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Custas a cargo de expropriante e expropriados na proporção dos respetivos decaimentos (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).

Inconformados com a quantia indemnizatória que lhes foi fixada na sentença acabada de referir, os expropriados recorreram, tendo formulado as seguintes conclusões:

1- O valor probatório do relatório de avaliação definido pelos Senhores Peritos é o definido no art. 389.º do Cód. Civil, de acordo com o qual “a força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo tribunal”.
2 -  A classificação do solo não deve ter como único referencial a previsão dos IGT (instrumentos de gestão territorial) aplicáveis, mas a aplicação dos critérios de definição previstos no art. 25.º, n.º 2 do Cód. Expropriações, por assim o determinar essa disposição legal.
3- Atento o disposto no art. 25.º, n.º 2, al. a) do Cód. Expropriações, caso a parcela a expropriar beneficiasse dessas infraestruturas e os IGT não excluíssem totalmente a possibilidade de construção, impunha-se a classificação do solo como apto para construção.
4- Essas infraestruturas não teriam sequer de existir no prédio no qual se integra a parcela a expropriar, bastando que as mesmas existissem nas suas proximidades, de modo a que a sua ligação se revele simples.
5- A parcela a expropriar dispõe, diretamente ou nas suas imediações, de grande parte das infraestruturas existentes num qualquer aglomerado urbano: acesso rodoviário, água do sistema público, eletricidade e rede de saneamento.
6- O prédio no qual está integrada a parcela a expropriar é rodeado, em 3 (três) das suas confrontações, por prédios urbanos, com imóveis destinados à habitação, o que é mais um elemento que reforça a credibilidade da consideração do solo como apto para construção.
7- Num tal contexto, a sua classificação como solo apto para outros fins desvirtua e viola a norma da al. a) do n.º 2 do art. 25.º do CE.
8- Neste particular, o raciocínio desenvolvido no laudo de arbitragem (que, como referido, classificou a parcela a expropriar como solo apto para construção), e salvo melhor opinião, mais consentâneo com o espírito e ratio legis do art. 25.º, n.º 2, al. a) do Cód. Expropriações.
9- Por essa razão, na fixação da justa indemnização, o Tribunal recorrido deveria atender ao valor do solo definido no laudo de arbitragem, fixando o mesmo em 8 619,00 €.
10- Ao decidir em sentido inverso, a douta sentença recorrida violou o disposto no art. 25.º, n.º 2, al. a) do CE, pelo que deve ser revogada e substituída por douto acórdão que, definindo a parcela a expropriar como solo apto para construção, fixe o seu valor em 8 619,00 €, por referência à data da DUP.
11- Outra das razões que contribuiu para a divergência do valor da justa indemnização entre arbitragem e peritagem teve que ver com a desvalorização da parcela sobrante, já que em sede de laudo de arbitragem, considerou-se que a parcela sobrante ficou desvalorizada em 2.810,10 €, ao passo que em sede de relatório de peritagem não se atribuiu qualquer compensação a esse título.
12- O raciocínio seguido no laudo de arbitragem foi o de que o prédio no qual se inseria a parcela a expropriar era rodeado, em todo o seu perímetro, por um muro de vedação, sendo que, como consequência da expropriação, deixará de ter vedação em todo o seu perímetro.
13- Seguindo esse raciocínio, os Senhores árbitros calcularam um custo de construção de um muro de vedação na parcela aberta na sequência da expropriação, chegando ao valor de 2.810,10 €, o que foi feito com o fito de repor uma realidade tão próxima quanto possível da existente previamente ao processo expropriativo.
14- E efetivamente, os Expropriados eram proprietários de um prédio com muro em todo o perímetro, construído em pedra sobre pedra, tendo sido desapossados de parte desse muro e tendo ficado com um prédio que deixou de estar totalmente vedado.
15- Tal conclusão quanto à desvalorização é reforçada pela circunstância, já relatada em sede de reclamação e comprovada mediante a junção de fotografias, que apontam para o facto de a parcela sobrante ficar sistematicamente inundada com água, em consequência do processo expropriativo, o que reforça a conclusão quanto à sua desvalorização, até por força dos trabalhos necessários à alteração desse estado de coisas.
16- Não se vê qualquer erro neste raciocínio que justifique a não apreciação de compensação pela parcela sobrante, pelo que, neste segmento, a douta sentença recorrida deveria também ter seguido o critério contido no laudo de arbitragem, arbitrando compensação a título de desvalorização da parcela sobrante e fixando-a em 2 810,00 €.
17- Ao decidir em sentido inverso, a douta sentença recorrida violou o disposto no art. 23.º, n.º 1 do CE, pelo que deve, nessa parte, ser revogada e substituída por douto acórdão que fixe compensação a título de desvalorização da parcela sobrante, no montante de 2 810,00 €, por referência à data da DUP.
18- Em conclusão, a indemnização fixada na douta sentença recorrida peca por defeito, pelo que tal decisão deverá ser revogada e substituída por douto acórdão que fixe a justa indemnização em 14 132,00 €.
Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado procedente, com a consequente revogação da douta sentença recorrida e prolação, em sua substituição, de douto acórdão que esteja em conformidade com as conclusões acima formuladas, com o que se fará Justiça!”.

A entidade expropriante contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso e formulou as conclusões que se seguem:
I- Ao contrário do defendido pelos expropriados, não estão reunidas as condições necessárias para se poder considerar o solo apto para construção.
II- O prédio não dispõe das infraestruturas com características adequadas, não integra núcleo urbano, nem tão pouco está destinado de acordo com os instrumentos de gestão territorial a adquirir tais infraestruturas.
III- A existência de infraestruturas nas proximidades só tem relevância se o solo for classificado como solo para construção, o que não sucede no caso concreto.
IV- A parcela, bem como o prédio, insere-se de acordo com o Plano Diretor de ... 90% da área da parcela em Espaço Florestal de Conservação e a restante área 10%, em Espaço Agrícola.
V- Tendo presentes as restrições impostas pelo PDM à edificabilidade neste tipo de espaços, o solo da parcela só podia ser classificado como para outros fins.
VI- Sem prescindir, mesmo que assim não fosse, os valores pugnados pelos expropriados para a área de construção estão desfasados, pois ultrapassam em muito os índices de utilização preconizados no PDM nos artigos 28° e 34°.
VII- Ora, por definição, o índice de utilização é o quociente entre a área total de construção e a área total do terreno.
VIII- Não se pode aplicar o índice de utilização à área do terreno (507m2 x 10% x 0,3 = 15,21m2) e depois multiplicar pelo n° de pisos, pois assim, estamos a triplicar (neste caso) a área total de construção.
IX- Quanto à pugnada desvalorização da área sobrante, absurdamente os expropriados reclamam uma depreciação da área sobrante por esta, na área confinante com a via construída, não estar vedada atribuindo um valor muito superior ao valor atribuído pelo muro existente!
X- A existência ou não de muro não confere qualquer desvalorização à parte sobrante do prédio, continuando este a oferecer proporcionalmente os mesmos cómodos económicos.
XI- No que respeita às benfeitorias a sentença aderiu corretamente ao valor do laudo arbitral arbitragem.
Nestes termos e nos melhores de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve a apelação ser julgada improcedente, confirmando-se a sentença recorrida, como é de inteira Justiça.
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A 1ª Instância admitiu o recurso com sendo de apelação, com subida nos próprios autos e com efeito devolutivo, o que não foi alvo de modificação o tribunal ad quem.
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Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
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II- DO OBJETO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC.
Acresce que, o tribunal ad quem também não pode conhecer de questão nova, isto é, que não tenha sido, ou devesse ser, objeto da decisão sob sindicância, salvo se se tratar de questão que seja do conhecimento oficioso, dado que, sendo os recursos os meios específicos de impugnação de decisões judiciais, mediante o reexame de questões que tenham sido, ou devessem ser, nelas apreciadas, visando obter a anulação da decisão recorrida (quando padeça de vício determinativo da sua nulidade) ou a sua revogação ou alteração (quando padeça de erro de julgamento, seja na vertente de erro de julgamento da matéria de facto e/ou na vertente de erro de julgamento da matéria de direito), nos recursos, salvo a já enunciada exceção, não podem ser versadas questões de natureza adjetivo-processual e/ou substantivo material sobre as quais não tenha recaído, ou devesse recair, a decisão recorrida[1].
No seguimento desta orientação cumpre ao tribunal ad quem apreciar as seguintes questões:
a- se a sentença recorrida (ao classificar a parcela de terreno expropriada como “solo para outros fins” e, em consequência, ao fixar a indemnização devida aos recorrentes – expropriados - pela sua expropriação em 4.309,50 euros), padece de erro de direito em virtude dessa parcela de terreno dever ser classificada como “solo apto para a construção” e, por via disso, a indemnização devida pela sua expropriação ser fixada em 8.619,00 euros;
b- se a sentença (ao não ter fixado qualquer indemnização pela desvalorização da parte sobrante do prédio de onde foi desanexada a parcela de terreno expropriada, por ter considerado não sofrer qualquer desvalorização em consequência da expropriação) padece de erro de direito e se, por via disso, se impõe revogar esse segmento decisório e condenar a entidade expropriante a pagar aos recorrentes a quantia de 2.810,00 euros, a título de indemnização pela desvalorização da parte sobrante.
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III- DA FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A 1ª Instância julgou provada a seguinte facticidade com relevância para a decisão de mérito a proferir no âmbito da presente ação:

1- Por despacho do Secretário de Estado das Infraestruturas, ..., datado de 13 de fevereiro de 2020, publicado no Diário da República n.º 41, 2.ª Série, de 27-02-2020, foi declarada a utilidade pública, com carácter de urgência, para efeitos de expropriação, de diversas parcelas de terreno necessárias à construção da obra de ligação do Parque Empresarial ... à A..., (Nó de ... – ...).
2- De entre as parcelas referidas em 1, consta uma parcela de terreno, a que foi atribuído o n.º ...36, com a área de 507 m2, com uma área sobrante correspondente a 1.653m2.
3- Trata-se de uma faixa de terreno que foi destacada do prédio rústico, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o artigo ...6, da freguesia ..., e inscrito na respetiva matriz predial sob o n.º ...02, da união de freguesias ... e ..., concelho ..., composto por terreno de cultivo, com a área total de 2160m2, confrontando a norte com herança de KK, a sul com herança de LL, nascente MM e poente com herança de GG.
4- O prédio onde se integra a parcela expropriada encontra-se registado a favor de NN, casada com HH, no regime de comunhão geral, mediante aquisição por partilha de herança, mediante AP 1 de 5-8-1993.
5- Em virtude do falecimento de NN, ocorrido em ../../2018, foram habilitados como herdeiros o viúvo da falecida, HH, e os três filhos da mesma: AA, casado com BB no regime de comunhão de adquiridos, CC casado com DD no regime de comunhão de adquiridos, e EE, casada com FF no regime de comunhão de adquiridos.
6- Em ../../2020 faleceu HH, tendo-lhe sucedido como herdeiros: AA, casado com BB no regime de comunhão de adquiridos, CC casado com DD no regime de comunhão de adquiridos, e EE, casada com FF no regime de comunhão de adquiridos.
7- A parcela expropriada localiza-se no Lugar ..., perto da Rua ..., a cerca de 250 metros para poente da localidade de ..., na união de freguesias ... e ..., concelho ..., confrontando a norte e nascente com parte sobrante, a sul com caminho de servidão, e a poente com herdeiros de GG.
8- A parcela localiza-se na zona sudoeste do prédio em que se integra, apresentando uma forma triangular, com solo de origem granítica, de textura e profundidade médias, com topografia suave, e com disponibilidade de água de rega (identificando-se uma levada de água junto à extrema sudoeste da parcela).
9- A parcela trata-se de um terreno agrícola, de cultivo, em pousio rural prolongado, que à data da VAPRM se encontrava ocupado por carvalhos e pinheiros, com vegetação sob coberto, estando ainda presente na parcela um contentor de transporte marítimo destinado a arrumos.
10- A parcela confina, a sul, com caminho de terra batida, com cerca de 2 metros de largura, o qual está identificado como “Caminho ...”.
11- À data da VAPRM, o acesso à parcela expropriada era feito através da parte sobrante do prédio, que, por sua vez, possui acesso a partir de uma estrada existente junto à extrema sudoeste do prédio, que é servida pela Rua ..., que se apresenta com pavimento em calçada e cerca de 5 metros de largura e se localiza a 60 metros da entrada no prédio.
12- O prédio de onde foi destacada a parcela expropriada está inserido numa área predominantemente rural, de utilização mista, onde predominam áreas de mato e floresta, intercaladas por áreas agrícolas, estas últimas localizadas principalmente em zonas de declive mais suave.
13- Na zona predominam as seguintes culturas:
a. A nível florestal: o pinhal, eucaliptal e carvalhais;
b. A nível agrícola: culturas arvenses de sequeiro e regadio e hortas familiares.
14- Nas imediações do prédio, num raio de 300 metros, encontram-se os povoamentos de ... e ..., compostos por edifícios unifamiliares implantados em lote de terreno ou inseridos em exploração agrícola. Existem também alguns equipamentos turísticos, religiosos e a empresa industrial denominada "Água Mineral Natural ...".
15- De acordo com a VAPRM, a parcela expropriada não era diretamente servida por qualquer infraestrutura urbana.
16- O prédio de onde foi destacada a parcela expropriada, junto do seu acesso ao interior (atual acesso à parte sobrante), possui as seguintes infraestruturas urbanas: acesso rodoviário com pavimentação em calçada e rede de abastecimento domiciliário de água.
17- A Rua ..., localizada a cerca de 60 metros do acesso ao interior do prédio, está dotada de:
- Pavimentação em betuminoso;
- Rede de abastecimento domiciliário de água;
- Rede de saneamento;
- Rede de distribuição de energia elétrica em baixa tensão;
- Muito provavelmente a rede de saneamento existente estará ligada a estação depuradora;
- Rede telefónica.
18- O centro de ... dista cerca de 2,5 Km e o centro da freguesia cerca de 1,7 Km.
19- À data da VAPRM, a parcela expropriada apresentava as seguintes benfeitorias:
- muro de vedação, na confrontação sul, composto em pedra seca, arrumada à mão, com 0,80 metros de altura média, 0,40 m de largura e 20,50 m de extensão, apresentando-se em razoável estado geral de conservação, embora com algumas zonas irregulares (em mau estado);
- Árvores:
- 1 pinheiro com DAP (diâmetro à altura do peito) 15 cm;
- 2 pinheiros com DAP 20 cm;
- 2 pinheiros com DAP 25 cm;
- 3 pinheiros com DAP 30 cm;
- 4 pinheiros com DAP 40 cm;
- 17 carvalhos com DAP < 10 cm;
- 7 carvalhos com DAP 10 cm;
- 24 carvalhos com DAP 15 cm;
- 8 carvalhos com DAP 20 cm;
- 6 carvalhos com DAP 25 cm;
- 2 carvalhos com DAP 30 cm;
20- De acordo com os instrumentos de gestão territorial em vigor à data da DUP, designadamente o Plano Diretor Municipal de ..., o solo do prédio de onde foi desanexada a parcela expropriada, e a própria parcela, têm a classificação e qualificação seguintes, conforme Planta de Ordenamento e de condicionantes, a seguir apresentadas:
- Classificação: Solo Rural;
- Qualificação funcional (Categoria): Espaço Florestal de Conservação (90% da área) e Espaço Agrícola (10% da área), para a parcela expropriada;
- Qualificação funcional (Categoria): Espaço Florestal de Conservação (60% da área) e Espaço Agrícola (40% da área), para o prédio;
- A área classificada como "Espaço Florestal de Conservação", encontra-se incluída na estrutura ecológica municipal;
- Sem condicionantes.
21- Em sede de acórdão arbitral foi fixada, por unanimidade dos árbitros nomeados, a quantia de 14.132,00€ como justa indemnização a atribuir aos expropriados.
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E, em sede de factos julgados não provados, a 1ª Instância considerou que, “com relevo para a boa decisão da causa inexistem factos não provados”.
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IV- DA FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA

A- Da classificação do solo da parcela de terreno expropriada
A 1ª Instância classificou a parcela de terreno expropriada, atento o disposto no art. 25º do Cod. das Expropriações, aprovado pela Lei n.º 168/99, na redação vigente à data da publicação da declaração de utilidade pública, em 27/02/2020 (que era a 6ª e última versão daquele diploma e que, por isso, é a aplicável à presente expropriação – art. 24º, n.º 1 do Cód. das Expropriações - a que se referem todas as disposições legais que se venham a citar sem menção em contrário), como “solo para outros fins”, com o argumento de que, “de acordo com os instrumentos de gestão territorial em vigor à data da DUP, designadamente o Plano Diretor Municipal de ...”, a parcela de terreno expropriada é nela classificada como “solo rural”,  e do ponto de vista funcional é classificada como “espaço florestal de conservação (90% de área e espaço agrícola (10%)” e, pese “embora o instrumento de gestão territorial em vigor em ... admita a edificação, desde que admitidas pelas entidades que tutelam os regimes jurídicos das condicionantes que nele vigoram, a verdade é que tal se afigura com um evento potencial, futuro e incerto, uma potencialidade edificativa que não passa de uma simples possibilidade abstrata. Além do mais, não resultou apurado que, à data da declaração de utilidade pública, a parcela em causa possuísse qualquer alvará de loteamento ou licença de construção. Ora, como é unanimemente entendido, um solo apto para construção é aquele onde, de facto, é possível construir, quer do ponto de vista material, quer do ponto de vista legal, ou que apresenta condições materiais e jurídicas que permitam a construção”, o que não é o caso da parcela de terreno expropriada, pelo que “entende o tribunal que o solo deve ser classificado como “solo apto para outros fins”.
Os recorrentes assacam ao assim decidido erro de direito, argumentando que: “a classificação do solo não deve ter como único referencial a previsão dos IGT (instrumentos de gestão territorial) aplicáveis, mas a aplicação dos critérios definidos previstos no art. 25º, n.º 1, por assim determinar essa disposição legal; atento o disposto no art. 25º, n.º 2, al. a), caso a parcela a expropriar beneficiasse dessas infraestruturas e os IGT não excluíssem totalmente a possibilidade de construção, impunha-se a classificação do solo como apto para construção; essas infraestruturas não teriam sequer de existir no prédio no qual se integra a parcela a expropriar, bastando que as mesmas existissem nas suas proximidades, de modo que a sua ligação se revele simples; a parcela de terreno a expropriar dispõe, diretamente ou nas suas imediações, de grande parte das infraestruturas existentes num qualquer aglomerado urbano: acesso rodoviário, água do sistema público, eletricidade e rede de saneamento; o prédio no qual está integrada a parcela de terreno a expropriar é rodeado, em três das suas confrontações, por prédios urbanos, com imóveis destinados à habitação, o que é mais um elemento que reforça a credibilidade da consideração do solo como apto para construção”.
Concluem que, “num tal contexto a sua classificação como solo apto para outros fins desvirtua e viola a norma da al. a) do n.º 2 do art. 25º do CE”, impondo-se classificar a parcela de terreno expropriada como “solo apto para a construção” e fixar a justa indemnização pela sua expropriação em 8.619,00 euros, tal como foi “definido no laudo de arbitragem”.
A questão decidenda resume-se assim em saber se a sentença recorrida padece de erro de direito ao classificar a parcela de terreno expropriada como “solo apto para outros fins” e se, em consequência, conforme vem propugnado pelos recorrentes, aquela carece antes de ser classificada como “solo apto para a construção”.
O art. 62º da Constituição da República Portuguesa (CRP) deslocou o direito fundamental de propriedade privada do elenco dos direitos liberdades, liberdades e garantias para o dos direitos económicos, sociais e culturais, com o que passou a garantir a todos os cidadãos um direito geral, enquanto direito programático, que incumbe ao Estado promover, de apropriação, o que significa que a propriedade privada em face da fórmula constante do art. 62º e da localização sistemática desse preceito tem uma dimensão de direito económico, social e cultural (de caráter programático, impondo ao Estado a obrigação constitucional de criar condições materiais e efetivas para que, futuramente, o maior número possível de pessoas venha a usufruir da propriedade ou de outros direitos patrimoniais), a acrescer à dimensão de direito, liberdade e garantia, ao garantir a todos o direito à propriedade e «à sua transmissão em vida ou por morte, nos termos da Constituição”[2].
Enquanto direito, liberdade e garantia, na sua dimensão subjetiva, a Constituição protege o direito fundamental à propriedade privada porque, em certo sentido, aquele “é o maior bastião real da autonomia privada”, tratando-se de “um instrumento necessário para a realização de projetos de vida livremente traçados, responsavelmente cumpridos”, que “não podem nem devem ser interrompidos ou impossibilitados por opressivas ingerências externas” do Estado (em sentido amplo) ou dos particulares, cumprindo não só, nos termos do comando constitucional do art. 62º, ao Estado respeitar a propriedade privada, como criar condições materiais para que o máximo de indivíduos possível a ela possam aceder, como combater quaisquer ingerência dos poderes públicos e/ou particulares que a colocam em crise nas três componentes em que se desdobra do ponto de vista do seu conteúdo: o direito de aceder à propriedade; o direito de não ser arbitrariamente privado da propriedade; e o direito de transmissão inter vivos ou mortis causa[3].
O direito fundamental à propriedade privada que, conforme resulta do que se vem dizendo, “se manifesta num poder-ter, num poder-utilizar e num poder-dispor, bem como num direito de não ser privado arbitrariamente dos direitos patrimoniais de que se é titular, possui natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias, compartilhando do respetivo regime específico”[4], mas daqui não decorre que aquele (tal como todos os direitos, liberdades e garantias) tenha natureza absoluta, mas que apenas pode ser restringido/comprimido quando essa restrição seja imposta pela necessidade de se salvaguardar outros direitos, liberdades e garantias constitucionalmente tutelados – reclamando-se que, nesse caso, se proceda à concordância prática de todos os direitos fundamentais em confronto (princípio da necessidade) – e na estrita medida em que essas limitações se mostrem proporcionais em relação aos valores salvaguardados (princípio da proporcionalidade), conforme é determinado pelo n.º 2 do art. 18º da CRP, além de que essas restrições nunca podem colocar em crise o conteúdo ou núcleo essencial do direito, liberdade e garantia que delas for objeto (n.º 3 do art. 18º).
A Constituição admite, assim, a restrição do direito fundamental à propriedade privada dentro dos parâmetros que se acabam de enunciar. O Tribunal Constitucional (TC) tem entendido que a restrição a esse direito fundamental é constitucionalmente admitida quando a sua restrição seja justificada pela necessidade de afetação dos bens a uma função socialmente mais elevada, pelo que se admite ablações do direito à propriedade privada não apenas nos casos expressamente previstos no n.º 2 do art. 62º (requisição e expropriação por utilidade publica), mas em todas as situações em que essa restrição se imponha por razões de interesse público ou de interesse privado, contanto que aquele sacrifício seja justificado/imposto pela afetação dos bens a uma função socialmente mais elevada[5].
Uma das situações em que o n.º 2 do art. 62º da CRP admite a restrição do direito fundamental à propriedade privada é a expropriação por utilidade pública.
A expropriação por utilidade pública tem por fundamento/justificação a necessidade de afetar o bem objeto de propriedade privada à satisfação de um fim de interesse ou utilidade pública.
Nas situações em que a Constituição admite o sacrifício legítimo do direito fundamental à propriedade privada em prol da necessidade de afetar os bens patrimoniais privados a uma função socialmente mais elevada, aquela, nos termos o n.º 2 daquele art. 62º, transforma a garantia individual da propriedade sobre os bens de que foi privado o particular em prol da necessidade se serem afetados a uma função socialmente mais elevada numa garantia de valor, ao conferir ao expropriado o direito a receber uma «justa indemnização» e ao atribuir a esse direito natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias.
Dito por outras palavras: o art. 62º da CRP, além de “proteger o proprietário contra agressões que não sejam justificadas pela necessidade de afetação dos bens a uma função socialmente mais elevada, no caso de essa eventualidade se verificar, assegura ao proprietário o direito ao pagamento de uma justa indemnização”[6], pelo que, por um lado, o proprietário só tem de suportar a conversão de valores patrimoniais e assistir à transformação do seu direito de propriedade num direito ao pagamento de uma justa indemnização quando esteja em causa uma agressão justificada do seu património pela necessidade de ser afetado a uma função socialmente mais elevada; e, por outro, no caso daquele ser justificadamente privado dos bens patrimoniais de que é proprietário, é-lhe garantido o direito constitucional a receber «uma justa indemnização», com natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias.
Conforme se expende no acórdão do T.C. n.º 173/95, “a justa indemnização vem precisamente realizar a «descompressão» da esfera jurídico-patrimonial do particular onerado, transmudando o resultado do ato lesivo numa situação equivalente à que corresponderia a uma ausência de interferência estadual”.
Note-se que embora a Constituição não defina o que se entender por «justa indemnização», deixando a densificação desse conceito para o legislador infraconstitucional, a verdade é que do conceito constitucional utilizado pelo n.º 2 do art. 62º resultam uma série de parâmetros a que o legislador infraconstitucional vê a sua atividade concretizadora daquele conceito subordinada.
Destarte, a circunstância da Constituição garantir ao proprietário que seja privado do seu património pela necessidade de o afetar a uma função mais elevada o direito fundamental, com natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias, a receber uma «justa indemnização», significa que esta não pode corresponder a uma indemnização qualquer, mas tem de se tratar, de acordo com o comando constitucional, de uma «justa indemnização». Logo, o conceito constitucional de «justa indemnização» não é uma fórmula vazia, mas conforme colocam em evidência a doutrina e a jurisprudência do TC, dessa fórmula decorrem os seguintes parâmetros:
1º- A Constituição é expressa ao dizer que a expropriação se processa mediante o pagamento de justa indemnização, pelo que o pagamento desta surge como contrapartida da expropriação realizada, em que o pagamento da justa indemnização assume um caráter essencial no instituto da expropriação, sendo um dos elementos do seu próprio conceito. Daí que não seja justa a indemnização quando não seja “acompanhada pela atribuição, num prazo breve, de um valor económico equilibrado à reparação da lesão causada no património” do expropriado, sem que, todavia, imponha uma simultaneidade entre a atribuição de indemnização e o efeito privativo da propriedade[7]. Densificando-se este comando constitucional, prevê-se: no art. 20º, n.º 1, al. b), que a investidura na posse administrativa da parcela de terreno expropriada não pode efetuar-se sem que previamente tenha sido efetuado o depósito da quantia mencionada no n.º 4 do art. 10º em instituição bancária do lugar do domicílio ou sede da entidade expropriante, à ordem do expropriado e dos demais interessados, se aquele e estes forem conhecidos e não houver dúvidas sobre a titularidade dos direitos afetados; no art. 37º, n.ºs 2 a 4 que, no caso de expropriação amigável, do auto ou da escritura terão de constar a indemnização acordada e a forma de pagamento desta, podendo os expropriados acordar que a indemnização seja atribuída a cada um deles ou fixada globalmente e que, não havendo acordo entre os interessados sobre a partilha da indemnização global que tiver sido acordado, esta é entregue àquele que for designado ou consignada em depósito; no art. 51º impõe-se que, concluída a decisão arbitral a expropriante tenha de remeter o processo expropriativo ao tribunal, com a guia de depósito à ordem deste do montante da indemnização arbitrada ou, se for o caso, da parte em que este exceda a quantia depositada nos termos da al. b) do n.º 1 ou do n.º 5 do art. 20º, sendo a parcela expropriada adjudicada pelo juiz à entidade expropriante apenas depois de instruído o processo e de efetuado o depósito daquela quantia indemnizatória; e no art. 52º, n.ºs 2 a 5 que, no caso de recurso da decisão arbitral (com o que se inicia a fase jurisdicional propriamente dita do processo de expropriação), impõe-se que o juiz atribua imediatamente aos interessados o montante da indemnização que lhes é devida sobre a qual se verifique a existência de acordo entre eles e a entidade expropriante quanto ao montante da indemnização a arbitrar;
2º - A justa indemnização deve cobrir o valor objetivo do direito patrimonial constitucionalmente protegido: “a indemnização deve corresponder à reposição no património do lesado do valor objetivo (real e efetivo) dos bens de que foi privado e, assim, respeitar princípio da equivalência de valores (cfr. Ac. n.º 52/90 – cfr., no sentido de que por justa indemnização se deve entender uma indemnização total ou integral do sacrifício infligido ao expropriado ou uma compensação plena da perda patrimonial suportada”. E, numa sociedade de economia de mercado, “o critério geral de valorização dos bens expropriados, como medida do ressarcimento do prejuízo sofrido pelo expropriado, é do seu valor corrente, ou seja o seu valor venal ou de mercado numa situação de normalidade económica”[8];
3º - Por outro lado, o conceito de justa indemnização “está umbilicalmente ligado à observância do princípio constitucional da igualdade”, pelo que, se por um lado, os expropriados não podem ser discriminados por confronto com as demais pessoas não expropriadas, impondo-se que lhes seja paga uma indemnização que assegure a adequada restauração da lesão patrimonial que sofreram, por outro lado, a “indemnização, para ser justa, também não deve criar a favor do expropriado uma situação mais vantajosa do que a dos proprietários não expropriados em idênticas circunstâncias”[9]. Assim, como decidiu o TC, no acórdão n.º 231/08, “se a parcela a expropriar não permite legalmente a construção não pode ser paga com o preço que teria se pudesse ser-lhe implantada uma construção. Vale isto por dizer que a indemnização deve ser justa, tanto do ponto de vista da satisfação do interesse do particular expropriado, como do ponto de vista da realização do interesse público”.
Concretizando os comando constitucionais acabados de referir em 2º e 3º, estabelece-se no art. 23º, n.º 1 que a justa indemnização “não visa compensar o benefício alcançado pela entidade expropriante, mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, correspondente ao valor corrente do bem de acordo com o seu destino efetivo ou possível numa utilização económica normal, à data da declaração de utilidade pública, tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes naquela data”; no n.º 2 do mesmo dispositivo legal que,  “na determinação do valor dos bens expropriados não pode tomar-se em consideração a mais-valia resultante: a) da própria declaração de utilidade publica da expropriação; b) de obras ou empreendimentos públicos concluídos há menos de cinco anos, no caso de não ter sido liquidado encargo de mais-valia e na medida deste; c) de benfeitorias voluptuárias ou úteis ulteriores à notificação da resolução de requerer a declaração de utilidade pública da expropriação; d) de informações de viabilidade, licenças ou autorizações administrativas requeridas ulteriormente a esta notificação”; e no n.º 4 do mesmo preceito que o cálculo do valor indemnizatório processa-se de “acordo com os critérios referenciais constantes dos artigos 26º e seguintes devendo corresponder ao valor real e corrente dos mesmos, numa situação normal de mercado”.
Logo, o valor da justa indemnização deve ser determinado de acordo com os critérios normativos previstos nos art. 23º e 26º e seguintes, e deve corresponder ao valor de mercado normal, habitual, não especulativo e sujeito às exigências de justiça, ao que é conatural o princípio da igualdade. Se o expropriado não pode ser prejudicado por via do ato expropriativo, também não pode ser beneficiado por via dele[10];
4º- Não obstante os parâmetros constitucionais vindos a referir a que deve obedecer o cálculo concreto da «justa indemnização» exigida pelo legislador Constitucional, o certo é que a lei fundamental portuguesa não define um concreto critério indemnizatório, cabendo, por isso, conforme se diz no acórdão do TC n.º 86/03, ao legislador ordinário definir os critérios de cálculo da justa indemnização, “o que implica, como é natural, a harmonização de interesses, por princípio, contrapostos”, estando seguramente abrangida pela “liberdade de conformação do legislador ordinário a escolha da forma concreta de tal harmonização na definição dos critérios que hão-de presidir ao cálculo da indemnização, contanto que não descure de forma inaceitável qualquer um deles”[11].
O legislador infraconstitucional, conforme decorre do que se vem dizendo, definiu os critérios a que dever obedecer a determinação do quantum concreto da justa indemnização devida ao expropriado por via do ato expropriativo no Código das Expropriações, e nele faz a destrinça entre: solo apto para a construção e solo para outros fins (art. 25º, n.º 1), sem prejuízo da terceira vertente a que alude o art. 28º.
O valor do solo do valor «apto para a construção» é determinado de acordo com os critérios enunciados no art. 26º, enquanto o «solo apto para outros fins» é calculado em função dos critérios previstos no art. 27º.
O Código das Expropriações define «solo apto para a construção» no n.º 2 do art. 25º e acrescenta no seu n.º 3, considerar-se solo apto para outro fins o que não se encontra em qualquer das situações previstas no número anterior, o que significa ser «solo apto para outros fins» o solo que, de acordo com os critérios legais não cumulativos previstos em cada uma das alíneas do n.º 2 do art. 25º não deva ser classificado como «solo apto para a construção», ou seja, o que não deva ser considerado com aptidão edificativa.
De acordo com o n.º 2 do art. 25º considera-se «solo apto para a construção»: a) o que dispõe de acesso rodoviário e de rede de abastecimento de água, de energia elétrica e de saneamento, com características adequadas para servir as edificações nele existente ou a contruir; b) o que apenas dispõe de parte das infraestruturas previstas na alínea anterior, mas se integra em núcleo urbano existente; c) o que está destinado, de acordo com instrumentos de gestão territorial, a adquirir as características descritas na alínea a); d) o que, não estando abrangido pelo disposto nas alíneas anteriores, possui todavia, alvará de loteamento ou licença de construção em vigor no momento da declaração de utilidade pública, desde que o processo respetivo se tenha iniciado antes da data da notificação da resolução de requerer a declaração de utilidade pública da expropriação.
Os critérios necessários à qualificação do «solo apto para a construção» previstos em cada uma das alíneas do n.º 2 do art. 25º são cumulativos (têm de estar preenchidos todos os requisitos enunciados em cada uma dessas alíneas para que a parcela de terreno expropriada possa ser qualificado como «solo apto para a construção»), mas os requisitos previstos nas diversas alíneas daquele n.º 2 não são cumulativos, mas antes disjuntivos, bastando, por isso, encontrar-se preenchidos os requisitos previstos em cada um das suas alíneas para que o terreno expropriado tenha de ser classificado como «solo apto para a construção».
Por conseguinte, para que a parcela de terreno expropriada possa ser classificada como «solo apto para a construção», de acordo com critério normativo do n.º 2 do art. 25º, aquela tem, à data da publicação da declaração de utilidade pública (art. 24º, n.º 1): a) de dispor de acesso rodoviário e de rede de abastecimento de água, de energia elétrica e de saneamento, com características adequadas para servir as edificações nele existentes ou a construir; b) ou de dispor apenas de parte das infraestruturas acabadas de referir, mas se integrar em núcleo urbano existente; c) ou apesar de não se integrar em nenhuma das duas alíneas anteriores, estar previsto, em instrumento de gestão territorial que o terreno expropriado irá adquirir as características previstas em a); d) ou, não estando abrangido pelo disposto nas alíneas anteriores, à data da declaração de utilidade pública, exista alvará de loteamento ou licença de construção já aprovadas em relação ao terreno expropriado, contanto que o respetivo processo de licenciamento se tenha iniciado antes da data da notificação a que se refere o n.º 5 do art. 10º, isto é, da notificação ao expropriado e aos demais interessados cuja morada seja conhecida da resolução fundamentada da entidade interessada em afetar determinado bens a fins de utilidade pública inseridos nas suas atribuições de interesse público de requerer a declaração de utilidade pública da expropriação.
Note-se que os critérios funcionais e operativos enunciados nas diversas alíneas do n.º 2 do art. 25º necessários à classificação da parcela de terreno expropriada como «solo apto para construção», têm natureza de cariz objetivo, na medida em que neles não está em causa a abstrata aptidão edificativa do terreno expropriado (aliás, todos os terrenos, em abstrato, possuem aptidão para neles ser construído), mas antes a concreta e efetiva aptidão fáctica e jurídica edificativa dessa parcela de terreno expropriada perante os critérios legais previstos nas diversas alíneas daquele o n.º 2, nos termos dos quais, a parcela de terreno expropriada apenas disporá de capacidade edificativa quando, à data da publicação da declaração de utilidade pública, o terreno expropriado preencha os requisitos legais cumulativos enunciados numa das alíneas do mencionado n.º 2, que permitem legalmente que nela seja construído[12].
Debruçando-nos sobre cada uma das ditas alíneas, os requisitos objetivos da al. a) do n.º 2 do art. 25º necessários à classificação do terreno expropriado como integrando «solo apto para a construção» exige-se que, à data da publicação da declaração de utilidade pública, o acesso rodoviário, as redes de abastecimento de água, de energia elétrica e de saneamento tenham características adequadas às edificações nele existentes ou que nele venham a ser construídas, o que reclama, quanto ao acesso rodoviário, que o mesmo disponha de pavimentação adequada à normal circulação de veículos automóveis. Já quanto ao requisito da existência de saneamento, a verificação de tal requisito apenas depende de o terreno expropriado poder ser por ele servido, o que abrange a situação de a rede de saneamento já estar implantada, mas ainda não ter entrado em funcionamento, mas já não preenche o identificado requisito a mera existência no terreno expropriado de fossas séticas, sumidouras ou valas a céu aberto. Ademais, o requisito em causa é aplicável às localidades em que não exista rede de saneamento, pelo que, nos casos em que o terreno expropriado se localize em localidade sem rede de saneamento, aquele jamais poderá ser qualificado como «solo apto para a construção» nos termos da al. a) do n.º 2 do art. 25º [13].
O que se acaba de referir quanto à rede de saneamento é mutatis mutandis integralmente válido quanto à rede de abastecimento de água, da rede de energia elétrica e telefónica.
Já quanto aos requisitos objetivos da al. b) do n.º 2 do art. 25º para que o terreno expropriado possa ser classificado como «solo apto à construção», exige-se que, à data da publicação da declaração de utilidade pública, possua parte das infraestruturas enunciadas na al. a) e se integre em núcleo urbano existente, sendo que, na vigência do D.L. n.º 794/76, de 05/11 (entretanto revogado pela Lei n. 31/2014, de 30/05, que aprovou a Lei de Bases Gerais da Política Pública de Solos, de Ordenamento do Território e do Urbanismo), entendia-se que o conceito de «núcleo urbano» utilizado na al. b) do n.º 2 do art. 25º tinha ser interpretado nos termos previstos no art. 62º daquele DL. n.º 794/96, de acordo com o qual o núcleo urbano ou aglomerado urbano é constituído pelo núcleo de edificações autorizadas e respetiva área envolvente, com vias públicas pavimentadas, servido por rede de abastecimento domiciliária de água e drenagem de esgotos, cujo perímetro é definido  pelos pontos distanciados 50 metros das vias públicas onde terminem aquelas infraestruturas urbanísticas[14].
Os restantes requisitos objetivos previstos nas als. c) e d) daquele n.º 2 necessários à qualificação do terreno expropriado como «solo apto à construção», salvo melhor opinião, não oferecem quaisquer dificuldades interpretativas, pelo que nos abstemos de tecer mais considerandos, por desnecessários.
Acontece que ao nível da jurisprudência nacional se assistia a um dissenso quanto a questão de se saber se nos casos em que a parcela de terreno expropriada cumprisse os requisitos legais previstos numa das alíneas do n.º 2 do art. 25º necessários à sua qualificação como «solo apto para a construção», mas de acordo com o instrumento de gestão territorial em vigor à data da publicação da declaração de utilidade pública, aquela parcela de terreno expropriada estar integrada em zona de reserva agrícola nacional (RAN) ou de reserva ecológica nacional (REN), em que a construção se encontra proibida ou fortemente restringida, se, ainda assim, essa parcela de terreno podia ser qualificada como «solo apto para a construção»  para efeitos de cálculo da justa indemnização devida ao expropriado.
O mencionado dissenso jurisprudencial foi ultrapassado pelo acórdão uniformizador de jurisprudência (AUJ), n.º 6/2011, de 07/04/2011, publicado do D.R., 1ª Série, de 17/05/2011, em que o STJ uniformizou a seguinte jurisprudência:
Os terrenos integrados, seja em Reserva Agrícola Nacional (RAN) seja em Reserva Ecológica Nacional (REN), por força do regime legal a que estão sujeitos, não podem ser classificados como «solo apto para a construção», nos termos do art. 25º, n.º 1, al. a) e 2, do Código das Expropriações, aprovado pelo art. 1º da Lei n.º 168/99, de 18/09, ainda que preencham os requisitos previstos naquele n.º 2”.     
Note-se que a referida jurisprudência foi reafirmada no acórdão do STJ, de 11/05/2017, Proc. 6592/11.1TBALM.L1.S1, em que estava em causa uma parcela de terreno expropriada que, à data da publicação da declaração de utilidade pública se situava na REN (logo, nela não era possível, do ponto de vista legal, construir), mas em que, de acordo com o plano municipal e ordenamento do território encontrava-se integrada em “espaço-canal” para a construção de infraestruturas rodoviária e, por isso, em solo que, de acordo com este último instrumento de gestão territorial comportava legalmente a construção.
Decidiu-se no dito acórdão que: “A indemnização devida pela expropriação de terreno rústico integrado na Reserva Ecológica Nacional e destinada por plano municipal de ordenamento de território “a espaço-canal” para a construção de infraestrutura rodoviária é fixada de acordo com o critério definido pelo art. 27º do Cód. das Expropriações destinado a solos de outros fins, e não segundo a critérios previsto no art. 26º, n.º 12”, ponderando, em termos que merecem a nossa total adesão, que “o plano municipal de ordenamento do território é apenas uma das diversas modalidades previstas no regime jurídico dos instrumentos de gestão territorial aprovado pelo DL. n.º 380/99, de 22/09, na versão vigente à data da declaração de utilidade pública” e que, “embora tal instrumento de gestão territorial deva integrar também a estrutura ecológica municipal (art. 70º, al. e)) e as classificações que resultem de outros instrumentos de gestão territorial, como as áreas inserida na REN ou RAN (art. 84º), tal regime destina-se essencialmente, nesta parte, a assegurar a transposição de classificações e de delimitações de solos feitas a abrigo desses ou de outros instrumentos de gestão, não sendo legítimo estabelecer uma equiparação entre instrumentos cuja aprovação é da responsabilidade de entidades administrativas de natureza diversa e orientados por princípios e por objetivos diversos. (…). O art. 69º do DL. n.º 380/99, de 22/09, define o plano municipal de ordenamento do território como o instrumento de natureza regulamentar aprovado pelo município; estabelece o regime de uso do solo e define modelos de evolução previsível de ocupação humana e de organização de redes e sistemas urbanos, tendo como horizonte essencial a área do município. A REN, rege-se pelo DL. 160/08, de 22/08, é definida pelo seu art. 1º como “uma estrutura biofísica que integra o conjunto das áreas que, pelo valor e sensibilidade ecológica ou pela exposição e suscetibilidade perante os riscos naturais, são objeto de proteção especial”, constituindo “uma restrição de utilidade pública, à qual se aplica um regime territorial especial que estabelece um conjunto de condicionantes à ocupação, uso e transformação do solo, identificando os usos e as ações compatíveis com os objetivos desse regime nos vários tipos de áreas. A mesma prossegue, além de outros, o objetivo de proteger os recursos naturais, água e solo, bem como de salvaguardar sistemas e processo biofísicos associados ao litoral e ao ciclo hidrológico terrestre, que asseguram bens e serviços ambientais indispensáveis ao desenvolvimento das atividades humanas. Embora os municípios devam estar representados na definição dos objetivos estratégicos prosseguidos pela REN (art. 8º, n.º 3 do DL. 160/08, de 22/08) e devam intervir na elaboração da proposta de delimitação desta a nível municipal (art. 10º), a aprovação final da delimitação da reserva ecológica na área do município é da responsabilidade da Comissão de Coordenação de Desenvolvimento Regional competente (art. 11º, n.º 3) e está ainda sujeita a homologação ministerial (art. 11º, n.º 15)”.
E concluiu-se no referido aresto que “REN e RAN prosseguem, pois, interesses de ordem geral enquanto o plano municipal de ordenamento do território prossegue sobretudo os interesses do município”, não se descortinando, por isso, fundamento legal para se afastar a aplicação da jurisprudência uniformizada enunciada no AUJ n.º 6/2011, no caso sobre que se debruçou o dito acórdão, em que a parcela de terreno expropriada se localiza na REN, embora o plano municipal de ordenamento do território previsse que nela podia ser edificado, ao destiná-la a “espaço-canal” para a construção de infraestrutura rodoviária.
Apesar do quadro legal convocado e aplicado no aresto acabado de referir não ser o que vigorava à data da declaração de utilidade pública da parcela de terreno expropriada sobre que versam os presentes autos, as considerações jurídicas nele tecidas, conforme infra se verá, são integralmente transponíveis para o caso dos autos.
Não obstante o que se vem dizendo, sem prejuízo do disposto no n.º 12, do art. 26º  (norma especial essa que nos dispensamos de analisar, dada a sua irrelevância para o objeto do presente recurso) e do respeito pela jurisprudência uniformizada fixada no AUJ n.º 6/2011 (acima identificada), subsiste uma corrente jurisprudencial (que cremos ser minoritária) que postula que, nos casos em que a parcela de terreno expropriada não se integre na REN ou na RAN e se encontrem preenchidos os requisitos de edificabilidade previstos numa das alíneas do n.º 2 do art. 25º, o terreno em causa carece de ser qualificado como «solo apto para a construção» para efeitos de se fixar a justa indemnização devida ao expropriado, ainda que o plano municipal de ordenamento do território vede a construção nessa concreta parcela de terreno[15], posição essa que é a que apelam os recorrentes nas alegações de recurso, mas que, salvo o devido respeito por entendimento contrário, não pode ser perfilhada em face do quadro legal vigente.
À data da publicação da declaração de utilidade pública da parcela de terreno expropriada sobre que versam os autos, em 27/02/2020, encontrava-se em vigor a Lei n.º 31/2014, de 30/05, na sua 2ª versão, introduzida pela Lei n.º 74/2017, de 16/08.
O referido diploma estabelece as bases gerais da política pública de solos, de ordenamento do território e de urbanismo (art. 1º, n.º 1), com o objetivo de prosseguir fins de política pública de solos, de ordenamento do território e de urbanismo, onde se incluem, nomeadamente, o interesse público: na valorização das potencialidades do solo, salvaguardando a sua qualidade e a realização das suas funções ambientais, económicas, sociais e culturais, enquanto suporte físico e de enquadramento cultural para as pessoas e suas atividades, fonte de matérias primas e de produção de biomassa, reservatório de carbono e reserva de biodiversidade; a garantia do desenvolvimento sustentável, de competitividade económica territorial, criação de emprego e organização do mercado fundiário, tendo em vista evitar a especulação imobiliária e as práticas lesivas do interesse geral; o reforço da coesão nacional (art. 2º).
Com vista a atingir esses objetivos destinados a salvaguardar o interesse público, passou a impender sobre o Estado, as regiões autónomas e as autarquias locais o dever de promoverem a política pública dos solos, de ordenamento e de urbanismo, no âmbito das respetivas atribuições e competências, previstas na Constituição e na lei (art. 8º, n.º 1), sendo-lhes imposto, em especial, o dever de planear e programar o uso do solo e a respetiva concretização (art. 8º, n.º 2, al. a)), o qual se processa através de planos territoriais de âmbito intermunicipal ou municipal, em que se proceda à classificação e qualificação do solo (art. 9º, n.º 1), assistindo aos proprietários do solo o direito de o utilizar de acordo com a sua natureza e com observância do previsto nos programas e planos territoriais (art. 13º, n.º 1).
O uso do solo é definido exclusivamente pelos planos territoriais de âmbito intermunicipal ou municipal, através da definição de áreas de construção ou, na impossibilidade dessa definição, pela aplicação de parâmetros e índices quantitativos e qualitativos, de aproveitamento ou de edificabilidade, nos termos da lei (art. 20º, n.º 1).
A Lei n.º 31/2014, de 30/05, prevê a existência de: programas territoriais de âmbito nacional, os quais definem o quadro estratégico para o ordenamento do espaço nacional e para a sua integração na União Europeia, estabelecendo as diretrizes a considerar a nível regional e a compatibilização das políticas sectoriais do Estado, bem como, na medida do necessário, a salvaguarda de valores e recursos de reconhecido interesse nacional (art. 40º, n.º 1); programas regionais, que estabelecem as opções estratégicas de organização do território regional e o respetivo modelo de estruturação territorial, tendo em conta o sistema urbano, as infraestruturas e os equipamentos de utilização coletiva de interesse regional, bem como as áreas de interesse regional em termos agrícolas, florestais, ambientais, ecológicos e económicos, integrando as redes nacionais de infraestruturas, de mobilidade e de equipamento de utilização coletiva com expressão regional, bem como as grandes opções de investimento público, com impacte territorial significativo, suas prioridades e programação, em articulação com as estratégias definidas para a aplicação dos fundos europeus e nacional, em que os programas regionais constituem o quadro de referência estratégica para a elaboração dos programas intermunicipais e dos planos territoriais de âmbito intermunicipal e municipal (art. 41º); programas intermunicipais, que são de elaboração facultativa e que abrangem dois ou mais municípios, em regra, territorialmente integrados na mesma comunidade intermunicipal e que asseguram a articulação entre o programa regional e os planos territoriais de âmbito intermunicipal ou municipal, no caso de áreas que, pela interdependência estrutural ou funcional ou pela existência de áreas homogéneas de risco, necessitem de uma ação integrada de planeamento, além de estabelecerem as opções estratégicas de organização do território intermunicipal e de investimento público, suas prioridade e programação, em articulação com as estratégias definidas nos programas territoriais de âmbito nacional, setorial e regional, definindo orientações para os planos territoriais de âmbito intermunicipal ou municipal (art. 42º); e, finalmente, planos territoriais de âmbito municipal, os quais são integrados pelo plano diretor municipal, pelo plano de urbanização e pelo plano de pormenor, onde, nos termos da Constituição e da lei, de acordo com as diretrizes estratégicas de âmbito regional, e com opções próprias de desenvolvimento estratégico local, é definido o regime do solo e a respetiva execução (art. 43º).
Os programas territoriais vinculam as entidades públicas e os planos territoriais de âmbito intermunicipal e municipal vinculam as entidades públicas e ainda, direta e imediatamente, os particulares (art. 46º, n.ºs 1 e 2).
Destarte, com vista a salvaguarda da política pública de solo, de ordenamento do território e de urbanismo, com o objetivo de promover o interesse público de valores tão diversos como ambientais, económicos, sociais, culturais, de coesão nacional, criação de emprego, organização do mercado fundiário, etc., à data da publicação da declaração de utilidade pública da parcela de terreno expropriada sobre que versam os autos, a lei previa (e continua a prever): programas territoriais de âmbito nacional, onde são definidas as grandes linhas estratégicas da política pública de solos, do ordenamento do território e do urbanismo ao nível nacional; programas regionais, onde são concretizadas, tendo em conta a especificidades de cada região, as linhas estratégicas fixadas ao nível nacional (nos programas territoriais de âmbito nacional); programas intermunicipais (de natureza facultativa) em que se aplicam e concretizam as linhas estratégicas fixadas nos programas regionais, tendo em consideração as especificidades próprias de vários municípios que integram essa comunidade intermunicipal e que exijam um tratamento comum; e, finalmente, os planos territoriais de âmbito municipal, os quais aplicam e adaptam as linhas estratégicas fixadas nos programas regionais às especificidades próprias do respetivo município, cabendo os planos territoriais de âmbito intermunicipal ou municipal definir o regime do uso do solo e a respetiva execução.
Os programas territoriais de âmbito nacional e regional destinam-se às entidades públicas, na medida em que, nos primeiros se definem as linhas estratégicas de política pública de solo, de ordenamento do território e de urbanismo para o todo nacional, as quais terão de ser observadas e concretizadas tendo em consideração as especificidades de cada região nos denominados programas regionais; os programas regionais têm, por sua vez por destinatários as comunidades intermunicipais e as autarquias locais para que observem e concretizem as linhas estratégias de política pública de solo, de ordenamento do território e de urbanismo neles estabelecidas às especificidades próprias de cada comunidade intermunicipal ou município.
Por isso é que se compreende o regime jurídico estabelecido no art. 46º, n.ºs 1 e 2 da Lei n.º 31/2014: enquanto os programas territoriais de âmbito nacional e regional vinculam não só as entidades públicas que, ao elaborá-los, se auto vincularam ao regime jurídico neles estipulado, como também vinculam as entidades públicas suas destinatárias (regiões, comunidades intermunicipais e autarquias locais), os planos territoriais intermunicipais e  municipais, na medida em que têm como destinatários diretos e imediatos os particulares, a quem são direta e imediatamente aplicáveis, o regime jurídico neles previsto não só vinculam as entidades públicas que os elaboraram e suas destinatárias, como os próprios particulares a quem destinam, ao conferir-lhes ou vedar-lhes direitos subjetivos, nomeadamente, o direito de contruir nos prédios de que sejam proprietários ou ao proibir ou limitar neles a construção, ou ao afetar esses prédios à prossecução de determinadas finalidades (a agricultura, a floresta, a preservação da fauna, etc.).
Por conseguinte, sem prejuízo do regime excecional enunciado no n.º 12, do art. 26º, no caso dos planos territoriais de âmbito intermunicipal ou municipal (a quem relembra-se, cabe exclusivamente definir o uso do solo, através da definição de áreas de construção), vedar ou condicionar a construção, independentemente do solo expropriado cumprir os requisitos do n.º 2 do art. 25º para que se possa qualificar o terreno expropriado como «solo apto para a construção», em obediência ao comando do n.º 2 do art. 46º da Lei  n.º 31/2014, de 30/05, não é consentido qualificar a parcela de terreno expropriada como «solo apto para a construção» quando, em função daqueles instrumentos de gestão territorial, não é viável, do ponto de vista jurídico/normativo, nele edificar.
Entendimento contrário, não só olvidaria o interesse público que subjaz à elaboração dos instrumentos de gestão territorial, como os comandos legais dos arts. 13º, n.º 1, 20º, n.º 1 e 46º, n.º 2 da Lei n.º 31/2014 (que são expressos em estatuir competir exclusivamente aos planos territoriais de âmbito intermunicipal e municipal definir o uso do solo e que os proprietários apenas têm o direito de utilizar os seus prédios de acordo com a natureza destes e com observância do regime jurídico previstos naqueles planos que lhes sejam aplicáveis e, bem assim  que esse regime jurídico vincula as entidades públicas e os particulares, a quem é, direta e imediatamente, aplicável), além de que padeceria do vício de inconstitucionalidade material, por violar o comando do art. 62º, n.º 2 da CRP da «justa indemnização», na vertente do princípio da igualdade, ao conferir ao expropriado o direito a ser indemnizado pelo terreno de que foi expropriado como «solo apto para a construção», como se este tivesse aptidão edificativa, quando assim não é do ponto de vista legal (único que releva), por essa aptidão construtiva se encontrar nele excluída (ou limitada) pelo instrumento de gestão territorial intermunicipal ou municipal que lhe é aplicável, colocando-o numa situação de desigualdade (de favor/benefício) em relação os demais proprietários  em que o instrumento de gestão territorial intermunicipal ou municipal proíba ou limite a edificação nos seus terrenos.
Decorre do que se vem dizendo que, contrariamente ao entendimento sufragado pelos recorrentes, para que a parcela de terreno de que são proprietários e que lhes foi expropriada possa ser classificada como «solo apto para a construção» e tenham direito a ser indemnizados de acordo com as regras do art. 26º, não é suficiente que aquela cumpra com os requisitos enunciados numa das alíneas do n.º 2 do art. 25º, mas é ainda necessário que a lei e os instrumentos de gestão territorial intermunicipal ou municipal que lhe sejam aplicáveis não interdite nela a construção[16].
Assentes nas premissas acabadas de enunciar, regressando ao caso dos autos, a parcela de terreno expropriada tem uma área de 507 m2, e foi destacada do prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...6, freguesia ..., inscrito na matriz sob o art. ...02, da união de freguesias ... e ..., composto por terreno de cultivo, com a área total de 2.1610 m2 (cfr. pontos 1º e 2º dos factos apurados).
A parcela de terreno expropriada situa-se a cerca de 250 metros para poente da localidade de ..., na união de freguesias ... e ..., concelho ..., e localiza-se a sudoeste do prédio em que se integra (cfr. pontos 7º e 8º dos factos apurados).
A dita parcela apresenta forma triangular, como solo de origem granítica, de textura e profundidade médias, com topografia suave, que confina a sul, com caminho de terra batida, com cerca de 2 metros de largura (cfr. pontos 8º e 10º dos factos apurados).
   À data da VAPRM, o acesso à parcela de terreno expropriada era feito através da parte sobrante do prédio de onde foi destacada, o qual, por sua vez, possuía acesso, a partir da estrada existente junto à extrema sudoeste do prédio, através do dito caminho de terrena batida, o qual, por sua vez, desemboca na denominada Rua ..., a qual se localiza a 60 metros de distância da entrada daquele prédio de onde foi desanexada a parcela de terreno expropriada (cfr. pontos 10º, 11º, 16º e 17º dos factos apurados).
A Rua ... tem pavimentação em betuminoso, rede de abastecimento domiciliário de água, rede de saneamento (que muito provavelmente estará ligada à estação depuradora), rede de energia elétrica em baixa tensão e rede telefónica (cfr. ponto 17º dos factos apurados).
À data da VAPRM a parcela de terreno expropriada não era diretamente servida por qualquer infraestrutura urbana (cfr. ponto 15º dos factos apurados).
Nas imediações do prédio de onde foi destacada a parcela de terreno expropriada, num raio de 300 metros, encontram-se os povoamentos de ... e ..., compostos por edifícios unifamiliares, implantados em lote de terreno ou inserido em exploração agrícola, em que existem alguns equipamentos turísticos, religiosos e a empresa industrial denominada “Água Mineral Natural ...” (cfr. ponto 14º dos factos apurados).
De acordo com o plano diretor municipal de ... em vigor à data da declaração de utilidade pública, o solo do prédio de onde foi desanexada a parcela de terreno expropriada, e a própria parcela expropriada, encontrava-se classificada como: “solo rural”; “espaço de conservação” (90% da área) e “espaço agrícola” (10% da área), para a parcela de terreno expropriada; “espaço de conservação” (60% da área) e “espaço agrícola” (40% da área), para o prédio de onde a parcela de terreno expropriada foi desanexada; a área classificada como “espaço florestal de conservação” encontrava-se incluída na estrutura ecológica municipal; sem condicionantes (cfr. ponto 20º dos factos apurados).
Por conseguinte, a parcela de terreno expropriada, com uma área de 507 m2, 10% dessa área, de acordo com o plano diretor municipal de ..., localizava-se em «espaço agrícola» e 90% em «espaço florestal de conservação».
O plano diretor municipal de ... que vigorava, em 27/02/2020 (data da publicação da declaração de utilidade pública), encontra-se publicado no D.R., 2ª Série n.º 4, de 07 de janeiro de 2016, em anexo ao Aviso n.º 143/2016, que procedeu à primeira revisão do plano diretor daquele município, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 82/95, de 25 de agosto de 1995.
Nos termos do art. 27º, n.º 1 daquele plano, “o espaço agrícola destina-se, fundamentalmente, a ocupações e utilizações agrícolas, pecuárias e de silvo pastorícia, sem prejuízo do aproveitamento dos recursos geológicos e energéticos. A edificação é permitida, ainda com caráter restrito”,
As condicionantes em que é admitida a construção de edificações no «espaço agrícola» constam dos arts. 27º, n.º 2 e 28º daquele plano.
Nos termos do n.º 2 do art. 27º, “As áreas que integram os espaços agrícolas admitem, ainda, as seguintes utilizações, desde que admitidas pelas entidades que tutelam os regimes jurídicos das condicionantes que nele vigorem: a) edifícios habitacionais e empreendimentos turísticos e instalações, serviços e equipamentos de exploração turística”.
E nos termos do art. 28º, n.º 1 estatui-se que: “admite-se a edificação de novos edifícios habitacionais desde que exista via pública pavimentada e estejam asseguradas todas as redes e órgãos próprios das infraestruturas necessárias ao funcionamento autónomo da operação urbanística”.
  Logo, de acordo com o plano diretor municipal de ..., dos 50,7 m2 de área expropriada que integra «espaço agrícola» apenas seria possível erigir (de novo – como é o caso da parcela de terreno expropriada, onde não existe qualquer edifício construído) edifícios habitacionais e empreendimentos turísticos e instalações, serviços e equipamentos de exploração turística desde que a parcela de terreno expropriada fosse servida de via pública pavimentada e nela estivessem implantadas todas as redes e órgãos próprios das infraestruturas necessárias ao funcionamento da operação urbanística, o que não é o caso da parcela de terreno expropriada, na medida em que esta não é servida de via pública pavimentada (mas sim por um caminho em terra batida, denominado por “Caminho ...”, situando-se a Rua ..., esta sim, pavimentada a betuminoso, a 60 metros da entrada do prédio de onde foi desanexada a parcela de terreno expropriada), nem nela existe qualquer rede de abastecimento domiciliário de água, rede de saneamento, e redes de fornecimento de energia elétrica ou de telefone (essas redes existem sim, mas na Rua ..., a qual se situa a 60 metros de distância da entrada do prédio de onde foi desanexada a parcela de terreno expropriada).
Daí que, tal como foi decidido pela 1ª Instância, nos 50,7 m2 de área da parcela de terreno expropriada que integra o «espaço agrícola», de acordo com o plano diretor municipal de ..., vigente à data da publicação da declaração de utilidade pública, não é possível construir, pelo que se está perante «solo para outros fins».
Aliás, contrariamente ao pretendido pelos recorrentes, mesmo por apelo ao critério da al. a) do n.º 2 do art. 25º, não era possível classificar a área de terreno expropriada como «solo apto para a construção» dado não dispor de acesso rodoviário com pavimentação adequada à normal circulação de viaturas automóveis (o que é incompatível com o caminho de terra batida, com cerca de 2 metros de largura, que lhe serve de acesso), nem dispor de redes de abastecimento de água, de energia elétrica e de saneamento, com características adequadas para servir as edificações nele existentes ou a construir (essas redes localizam-se na Rua ..., a qual se situa a 60 metros de distância da entrada do prédio de onde foi desanexada a parcela de terreno expropriada).
Avançando…
Dos 507 m2 de terreno expropriado, 90%, ou seja, 456,30 m2 de área, de acordo com o plano diretor municipal de ... inserem-se em «espaço florestal de conservação».
Nos termos do art. 33º, n.º1 daquele plano, “os espaços florestais de conservação são espaços que integram todas as áreas com importância para a conservação da natureza e a manutenção da biodiversidade essencial para o equilíbrio ambiental e paisagístico do sistema florestal municipal, nomeadamente, a Rede Natura 2000 – ... – complementares dos espaços rurais – onde prevalece a função de conservação, conforme definido para a sub-região homogénea, e de que é exemplo a ... nos termos do PROF AM”.
Nos termos do n.º 2 do mesmo art. 33º, “nos espaços florestais de conservação é permitida a edificação de instalações de transformação dos respetivos produtos e edificação de apoio direto aos respetivos usos dominantes, sem prejuízo do disposto na legislação em vigor”.
Por conseguinte, nos 456,30 m2 de área de terreno expropriado que integra o «espaço florestal de conservação», contrariamente ao pretendido pelos peritos que intervieram na arbitragem, cujo relatório se encontra junto a fls. 118 e ss. do processo físico, e vem propugnado pelos recorrentes, não é legalmente consentida a construção de empreendimentos turísticos, nem de instalações, serviços e equipamentos de exploração turística (o que apenas é consentido no «espaço florestal de proteção» – art. 32º, n.º 2, al. c)), mas apenas é consentida a construção de edifícios destinados a transformar os produtos produzidos na própria parcela de terreno expropriada ou de apoio direto ao uso dominante que lhe era dado, edifícios esses que, nos termos do disposto no art. 34º, n.º 2, al. d) daquele plano, não podem ocupar um índice de utilização superior do solo de 0,2 e  não podem exceder o número de 1 piso acima da cota de soleira.
Dado que o edifício que é possível legalmente edificar na parcela expropriada, de 456,30 m2 de área, que integra o «espaço florestal de conservação» apenas pode ter por destino atividades de transformação de produtos que nela sejam produzidos ou de apoio direto do uso dominante que lhe é dado (produção de culturas arvenses), estando, por isso, a construção desse edifício na dita parcela de terreno subordinada à função específica do «espaço florestal de conservação» em que se integra (a conservação da natureza e a manutenção da biodiversidade essencial para o equilíbrio ambiental e paisagísticos do sistema florestal municipal, em que, acrescidamente, nos termos do n.º 3 do art. 33º,  nela se tem de “preservar os exemplares arbóreos presentes e ter como objetivo a evolução do coberto arbóreo, arbustivo e herbáceo e cianoide, no sentido de uma sucessão ecológica para o seu estado de clímax, devendo eventuais intervenções fazerem-se sempre com base em espécies adaptadas às condições edafoclimáticas da região, conforme Normas do PROD AM, as Medidas de Defesa da Floresta, constantes do Anexo 4 do Regulamento e as Orientações de gestão para os habitats e espécies RN2000”), é apodítico que a parcela de terreno em causa não integra «solo apto para construção», uma vez que nela apenas é possível construir em termos muito condicionados e apenas com os fitos acabados de referir, subordinados à função de conservação da natureza  e ao fim predominante dado à dita parcela – cultura arvense.
Resulta do que se vem expendendo que a 1ª Instância, ao classificar a parcela de terreno expropriada, para efeitos indemnizatórios, como «solo para outros fins» não incorreu em nenhum dos erros de direito que os recorrentes lhe assacam, devendo o recurso improceder neste conspecto.

B- Desvalorização da parte sobrante
A 1ª Instância não arbitrou qualquer quantia indemnizatória aos expropriados a título de desvalorização da parte não expropriada do prédio (parte sobrante) com o argumento de que: “face à prova produzida, verifica-se que a área subtraída, na sequência da expropriação, não afetou minimamente o aproveitamento económica do prédio, o qual continua a assegurar os mesmos cómodos que oferecia todo o prédio antes da expropriação, pelo que não há lugar a desvalorização da parte sobrante, concordando-se inteiramente com o juízo que presidiu ao relatório pericial unânime”.
Os recorrentes dissentes do assim decidido, alegando que: “em sede de laudo de arbitragem, considerou-se que a parcela sobrante ficou desvalorizada em 2.810,00 euros”, dado “que, o prédio no qual se inseria a parcela a expropriar era rodeado, em todo o seu perímetro, por um muro de vedação, sendo que, como consequência da expropriação, deixará de ter vedação em todo o seu perímetro”, o que determina uma desvalorização da parte sobrante de 2.810,10 euros. “Os expropriados eram proprietários de um prédio com um muro em todo o perímetro, construído em pedra sobre pedra, tendo sido desapossados de parte desse muro e tendo ficado com um prédio que deixou de estar totalmente vedado. Tal conclusão quanto à desvalorização é reforçada pelas circunstâncias, já relatadas em sede de reclamação e comprovada mediante a junção de fotografias, que apontam para o facto de a parcela sobrante ficar sistematicamente inundada com a água, em consequência do processo expropriativo, o que reforça a conclusão quanto à sua desvalorização, até por força dos trabalhos necessários à alteração desse estado de coisas”.
Quid inde?
Devendo a justa indemnização cobrir integralmente o prejuízo patrimonial suportado pelo expropriado por via do ato expropriativo, no caso de expropriação parcial de prédio, no caso de, por via da fragmentação daquele a parte não expropriada sofrer depreciação, no sentido de sofrer uma diminuição do seu valor objetivo de mercado, esse prejuízo tem de ser indemnizado pela expropriante aos expropriados, na proporção da diminuição desse valor, conforme o determina o n.º 2 do art. 29º. O referido preceito manda que os peritos especifiquem em separado, os montantes dessa depreciação e prejuízos ou encargos (da parte sobrante), que acrescem ao valor da parte expropriada.
Tem-se aqui em vista depreciações e prejuízos resultantes da divisão do prédio devido à sua expropriação parcial, como: os que decorrem da alteração do destino da parte sobrante de um terreno apto para construção, por, em consequência da expropriação, a parcela não expropriada perder a sua capacidade construtiva, em virtude de ter ficado com uma área de tal modo reduzida que inviabiliza a construção, ter ficado encravada e sem acessos, ter ficado sujeita a servidão administrativa ou devido a qualquer restrição de utilidade pública que impeça nela a construção, ou em que o impedimento da construção  naquela resulte  de qualquer outro motivo emergente do ato expropriativo; redução dos índices de ocupação ou implantação ou de construção da parte sobrante; encrave, redução do número de acessos ou criação de dificuldades na acessibilidade à parte sobrante; inexistência de interesse económico da parte sobrante para o expropriado ou redução desproporcionada dos cómodos que oferecia todo o prédio; outros prejuízos ou encargos resultantes da expropriação, incluindo o custo de novas vedações; depreciações e prejuízos indiretamente resultantes da expropriação ou da afetação da parcela expropriada ao fim determinante da expropriação (a inutilização ou desvalorização da parte sobrante, ou alteração das suas boas condições ambientais resultantes da instalação na parte expropriada de atividades tóxicas, incómodas ou insalubres, v. g. lixeiras, aterros sanitários, estações de tratamento de resíduos; a implantação na parte sobrante de cabinas subterrâneas, de postos de transformação, de redes de saneamento, eletricidade ou água, etc., que depreciem o seu valor; a impossibilidade de utilização na parte sobrante de minas e águas existentes na parte expropriada; ou de restrições de utilidade pública sobre a parte sobrante e resultantes da afetação da parte expropriada de certos tipos de obras ou de empreendimentos, tais como autoestradas, estradas nacionais ou itinerários principais)[17].
No caso dos autos, o prédio de onde foi desanexada a parte expropriada tinha uma área total de 2.160 m2, da qual 60% integra «espaço florestal de conservação» e 40% «espaço agrícola», pelo que, na parte sobrante (parte não expropriada), pelas razões já expendidas  (quanto à parcela de terreno expropriada), não é possível levar a cabo qualquer edificação, nos termos do PDM ..., exceto no que respeita «ao espaço florestal de conservação», onde é possível edificar, de modo limitado, edifício destinado a transformar os produtos produzidos na parcela de terreno não expropriada e de apoio direto ao uso dominante para que estava (e está) a ser utilizada – a produção de árvores.
Neste contexto fáctico, salvo melhor opinião, não se descortina em que medida é que a circunstância da parte sobrante do prédio de onde foi desanexada a parcela de terreno expropriada deixar de ter, ao longo de uma das suas confrontações, muro, quando antes do ato expropriativo o prédio era todo murado, determina a diminuição do valor de mercado dessa parte não expropriada  - murada ou não a parte sobrante confere aos expropriados as mesmas condições e capacidade de produção de árvores que antes tinha, que era (e é) a atividade económica que nela é desenvolvida antes e após a expropriação.
Aliás, nem os recorrentes alegam qualquer outro fator determinante dessa pretensa desvalorização do valor de mercado da parte sobrante do prédio que não seja: a circunstância do prédio de que são proprietários, antes da expropriação ser murado em todo o seu perímetro; em consequência da expropriação terem sido desapossados do muro numa das confrontações do dito prédio, tendo, assim, ficado com um prédio que deixou de estar totalmente vedado, e que essa pretensa desvalorização decorre do facto da parte não expropriada ficar sistematicamente inundada com água, “conforme já relatado em sede de reclamação e é comprovado mediante a junção de fotografias”.
Ora, quanto ao muro de que se dizem desapossados, os expropriados já foram indemnizados pelo valor do mesmo, a título de benfeitorias. E quanto à circunstância da parte sobrante do prédio expropriado, por via do ato expropriativo, ter deixado de ser murado ao longo de todo o seu perímetro (numa das suas confrontações, por via do ato expropriativo, deixou de ter muro), salvo o devido respeito por entendimento contrário, esse facto não interfere com a atividade económica que era desenvolvida naquele prédio antes da expropriação e que continua a ser nele desenvolvida após o ato expropriativo na parte não expropriada – a produção de árvores. De resto, o muro que antes do ato expropriativo delimitava o prédio ao longo de todo o seu perímetro era um muro de vedação (não de sustentação de terras), em pedra seca, arrumada à mão, com 0,80 metros de altura e 0,40 metros de largura, em razoável estado de conservação, embora com algumas zonas irregulares (em mau estado) – cfr. ponto 19º dos factos apurados -, cujas características não constituíam qualquer barreira adequada e eficaz de modo a impedir ou a dificultar a entrada nele de pessoas estranhas. Por isso, reafirma-se, com ou sem a existência daquele muro na referida confrontação, a parte sobrante do prédio expropriado proporciona aos expropriados os mesmos cómodos e as mesmas utilidades económicas que antes do ato expropriativo lhes facultava.
Finalmente, quanto à alegação dos recorrentes de que a parte sobrante do prédio (parte não expropriada), por via do ato expropriativo, se encontra sistematicamente a ser inundada por água devido à inexistência de muro na dita confrontação, dir-se-á que, compulsada a matéria de facto julgada provada pelo tribunal a quo, nela não se encontra espelhada semelhante realidade, sem que os recorrentes tivessem impugnado o julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância mediante a observância dos ónus impugnatórios enunciados no art. 640º, nºs 1 e 2 do CPC, o que inviabiliza a possibilidade desta Relação sindicar esse julgamento de facto, alterando-o, com base na prova produzida, designadamente, por apelo às fotografias e/ou aos relatórios periciais a que se reportam os recorrentes (relatórios periciais esses que, como bem referem, estão submetidos ao princípio geral da livre apreciação da prova), por forma a dar (ou não) como provada essa realidade fáctica em que fundam a pretensa desvalorização da parte do prédio não expropriada.
Decorre do que se acaba de dizer que, a facticidade julgada provada não permite concluir que a parte sobrante do prédio, de onde foi desanexada a parcela de terreno expropriada, tivesse, por via da expropriação, sofrido qualquer desvalorização, nomeadamente, em consequência de numa das suas confrontações ter ficado privada de muro, que antes da expropriação delimitava todo o perímetro daquele prédio, pelo que, ao assim decidir, a 1ª Instância não incorreu em nenhum dos erros de direito que lhe são assacados pelos recorrentes.
Resulta do exposto que, na improcedência de todos os fundamentos de recurso invocados pelos recorrentes, impõe-se julgar o recurso improcedente e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.

C- Das custas
Nos termos do disposto no art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC, a decisão que julgue o recurso condena em custas a parte que a elas houver lugar ou, não havendo vencimento, quem do processo tirou proveito. Entende-se que dá causa às custas a parte vencida, na proporção em que o for.
No caso, o recurso interposto pelos expropriados improcedeu na íntegra, pelo que as custas do recurso têm de ficar a seu cargo, dado terem ficado totalmente “vencidos”.
*
V- Decisão

Nesta conformidade, os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam em julgar o recurso improcedente e, em consequência, confirmam a sentença recorrida.

Custas do recurso pelos recorrentes (expropriados) - art. 527º, n.ºs 1 e 2, do CPC.
*
Notifique.
*
Guimarães, 05 de junho de 2025

José Alberto Moreira Dias – Relator
José Carlos Pereira Duarte – 1º Adjunto
Pedro Maurício – 2º Adjunto (corrigido)


[1] Ferreira de Almeida, “Direito Processual Civil”, vol. II, 2015, Almedina, págs. 395 e 396.
[2] Jorge de Miranda e Rui Medeiros, “Constituição Portuguesa Anotada”, tomo I, 2ª ed., Wolters Kluwer e Coimbra Editora, págs. 1242 a 1244.
[3] Para maiores desenvolvimentos, vide Jorge Miranda e Rui Medeiros, ob. cit., págs. 1244 a 1254.
[4] Jorge Miranda e Rui Medeiros, ob. cit., págs. 1252.
[5] Jorge Miranda e Rui Medeiros, ob. cit., págs. 1264 a 1265 e múltipla jurisprudência do Tribunal Constitucional (doravante TC) aí citada.
[6] Jorge Miranda e Rui Medeiros, ob. cit., pág. 1267.
[7] Jorge Miranda e Rui Medeiros, ob. cit., págs. 1271 e 1272.
[8] Jorge Miranda e Rui Medeiros, ob. cit., págs. 1273 e 1274.
[9] Jorge Miranda e Rui Medeiros, ob. cit., pág. 1273.
[10] Ac. R.G., de 25/06/2009, Proc. n.º 431/06.2TBVCT.G1, in base de dados da DGSI, onde constam todos os acórdãos que se venham a citar sem referência em contrário.
[11] Jorge Miranda e Rui Medeiros, ob. cit., pág. 1275.
[12] Salvador da Costa, “Código das Expropriações e Estatuto dos Pertos Avaliadores Anotados e Comentados”, 2010, Almedina, pág. 164.
[13] Salvador da Costa, ob. cit., págs. 164 e 165 e jurisprudência aí citada.
[14] Ac. R.C., de 13/01/2015, Proc. 416/09.7BLM.C1; Salvador da Costa, ob. cit., pág. 166.
[15] A título exemplificativo, Ac. RG., de 17/02/2022, Proc. 4194/19.3T8VCT.G1
[16] Acs. TC n.º 347/2003; STJ., de 16/11/2017, Proc. 10160/08.7TBVNG.P1.S1; R.G., de 30/06/2022, Proc. 4192/19.7T8VCT.G1; de 23/01/2020, Proc. 1143/17.7T8CHV.G1; de 12/07/2011, Proc. 1665/09.3TBBCL; R.P., de 24/05/2007, Proc. 07332451.
[17] Ac. RG., de 30/06/2022, Proc. 4192/19.7T8VCT.G1, citando José Osvaldo Gomes.