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PLANO DE INSOLVÊNCIA
INDEFERIMENTO LIMINAR
NOVA PROPOSTA
DECISÃO TRANSITADA EM JULGADO
INALTERAÇÃO DOS PRESSUPOSTOS DE INEXEQUIBILIDADE
DUPLO CASO JULGADO FORMAL
Sumário
I A violação do princípio do contraditório (ou a sua inobservância) configura uma nulidade processual sempre que tal omissão seja suscetível de influir no exame ou na decisão da causa, sendo consequentemente nula a decisão quando à parte não foi dada possibilidade de se pronunciar sobre os factos e respetivo enquadramento jurídico –cfr. art.ºs. 195º, 197º, n.º 1, e 199º, n.º 1, todos do C.P.C.. II Esta nulidade, muito embora processual, quando a decisão-surpresa está coberta por decisão judicial, pode ser invocada e conhecida em sede de recurso. III Ínsito no princípio do contraditório está a audição da parte em momento prévio à decisão; em causa na violação do princípio do contraditório e nulidade assim cometida está a prolação de uma decisão sem que antes disso seja dada oportunidade à parte de se pronunciar/defender. IV Não incorre em nulidade o despacho liminar proferido ao abrigo do art.º 207º, n.º 1, b) e c), do CIRE, que pondera um determinado quadro factual, acolhe as razões que levaram ao indeferimento de plano anterior, justificando que as mesmas se mantêm e até reforçaram. V Por força do caso julgado formal, mantendo-se as razões que obstaram ao deferimento liminar de proposta de plano de insolvência então apresentada, tal impede a concreta apreciação do plano na medida em que se mantêm os obstáculos à sua exequibilidade que foi considerado (decidido) serem inultrapassáveis. VI As alíneas prevista no art.º 207º, n.º 1, do CIRE, são de verificação alternativa e sem qualquer ordem sequencial e hierárquica, a não ser a que resulte de princípios de economia processual. VII Havendo uma segunda decisão no processo, transitada, que considerou que o caso julgado formal abrangia determinados pressupostos da decisão referida em V, esta também é definitiva e vinculativa nos autos.
Texto Integral
Acordam os Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I RELATÓRIO (através de consulta eletrónica dos autos e apensos em que o acesso foi facultado).
Nos autos de insolvência instaurados em 13/09/2019, contra EMP01..., S.A., com sede no Parque Industrial ..., 2ª Fase, freguesia ..., ... e ..., ... ..., em que, por sentença proferida em 27/01/2020, transitada em julgado, esta foi declarada insolvente, em 05/02/2025, AA apresentou proposta de plano de insolvência, pedindo no respetivo requerimento “… admissão da proposta de plano de insolvência, neste processo de insolvência com 11 administradores de insolvência e 3 juízas nomeadas em 5 anos e ainda sem Assembleia de Credores, com todos os seus efeitos, incluindo a suspensão dos atos de liquidação sem plano de liquidação aprovado pelos credores, conforme detalhado no requerimento anexo.” – cfr. e mail/requerimento e “Proposta de Plano de Recuperação” que se lhe segue.
Em 19/02/2025 foi proferido o seguinte despacho:
“Refª ...24, de 05-02-2025:
Conforme consta do já decidido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, no apenso AP, a apresentação de nova proposta de plano de insolvência não é possível quando os atos de liquidação ou partilha (já efetivada ou a efetivar) impossibilitem, na prática ou em termos jurídicos, a sua execução.
Nos presentes autos encontra-se já a decorrer a liquidação do activo há mais de 3 anos, com venda concretizada de parte substancial dos bens apreendidos a favor da massa insolvente, verificando-se igualmente a cessação de atividade da devedora junto da Autoridade Tributária e Aduaneira com a consequente cessação dos contratos de trabalho que a essa data ainda se encontravam em vigor.
Assim, o plano apresentado é manifestamente inexequível nos termos da al. c) do nº1 do art. 207º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
Acresce que a proposta de plano de insolvência apresentada mostra-se de aprovação manifestamente inverosímil nos termos da al. b) do nº1 do art. 207º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
Na verdade, como consta do referido Acórdão, os elementos constantes dos autos apontam inequivocamente no sentido de que os credores já manifestaram a intenção de verem os seus créditos ressarcidos através da liquidação do ativo.
Pelo exposto, não admito a proposta apresentada.
Notifique.”
*
Inconformado, o requerente apresentou recurso, terminando as alegações com as seguintes
-CONCLUSÕES-(devidamente aperfeiçoadas após convite para o efeito e que se reproduzem).
“A. O presente recurso de apelação incide sobre a decisão proferida pelo Douto Tribunal a quo em 19 de Fevereiro de 2025, decisão essa que decidiu rejeitar liminarmente o plano de recuperação apresentado pelo Recorrente em 2025, alegadamente atento o disposto no art. 207.º, n.º 1, alíneas b) e c) do CIRE.
B. Sucede que, a decisão, ora em crise, é nula, nos termos do art. 615.º, n.º 1, alíneas b), c) e d) do CPC, padece de erro grosseiro do Douto Tribunal, e viola dispositivos normativos fundamentais do CIRE, do CPC e da CRP, pelo que se apresenta o presente recurso de tal decisão, nos termos que se passam a consignar.
C. Conforme decorre dos autos, em Fevereiro de 2025, o Recorrente apresentou um plano de recuperação da insolvente EMP01..., S.A., através do qual propunha a criação da "EMP02...", que previa a injeção de €3 milhões em capital novo, o pagamento imediato de dívidas ao Estado e de parte dos créditos laborais e comuns, a liquidação total dos créditos até ao ano de 2030. Do aludido plano, resultava uma projeção que estimava, atento o investimento proposto, um volume de negócios de €1 bilhão até 2035, no qual se incluíam contratos em vigor internacionais ao abrigo da cooperação da justiça portuguesa e timorense.
D. Dos autos, resultava ainda inequivocamente que os credores (sempre mais de um quinto dos créditos) não se opunham ao plano e demostravam vontade de apreciar o mesmo, afastando-se, desde logo, a convolação da alínea b) do 207.º do CPC, para fundamentar a alegada rejeição.
E. Sucede que, em 20-01-2025, o Douto Tribunal recorrido proferiu o seguinte despacho, que aqui se passa a dar por reproduzido na parte ora sindicada, dada a sua curta extensão, e por forma a facilitar a análise do presente recurso: “Refª ...24, de 05-02-2025: Conforme consta do já decidido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, no apenso AP, a apresentação de nova proposta de plano de insolvência não é possível quando os atos de liquidação ou partilha (já efetivada ou a efetivar) impossibilitem, na prática ou em termos jurídicos, a sua execução. Nos presentes autos encontra-se já a decorrer a liquidação do activo há mais de 3 anos, com venda concretizada de parte substancial dos bens apreendidos a favor da massa insolvente, verificando-se igualmente a cessação de atividade da devedora junto da Autoridade Tributária e Aduaneira com a consequente cessação dos contratos de trabalho que a essa data ainda se encontravam em vigor. Assim, o plano apresentado é manifestamente inexequível nos termos da al. c) do nº1 do art. 207º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas. Acresce que a proposta de plano de insolvência apresentada mostra-se de aprovação manifestamente inverosímil nos termos da al. b) do nº1 do art. 207º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas. * Na verdade, como consta do referido Acórdão, os elementos constantes dos autos apontam inequivocamente no sentido de que os credores já manifestaram a intenção de verem os seus créditos ressarcidos através da liquidação do ativo. Pelo exposto, não admito a proposta apresentada. Notifique”
F. Ou seja, o Douto Tribunal a quo decidiu rejeitar liminarmente o plano apresentado pelo Recorrente, invocando uma alegada inviabilidade devido à fase avançada de liquidação, e baseando-se em precedentes desatualizados e na fundamentação de rejeição de um plano em 2022, isto é, o Douto Tribunal recorrido não considerou os elementos concretos, específicos e inovadores da proposta de plano apresentada pelo Recorrente, não apresentou qualquer fundamentação concreta para rejeitar o aludido plano, tendo-se limitado a reproduzir o disposto no artigo 207.º do CIRE, o que jamais se pode aceitar e/ou consentir.
G. A decisão recorrida não analisou o conteúdo do plano de recuperação apresentado pelo Recorrente em 2025, ao abrigo da alínea a), do n.º 1 do 207.º, os ativos remanescentes nem o aporte de capital novo, ignorando a possibilidade de reativação da atividade da insolvente e assim desconsiderando o apoio dos credores, resultando numa omissão grave na apreciação dos factos.
H. A rejeição liminar e arbitrária do plano (apresentado pelo Recorrente) pelo Douto Tribunal recorrido impediu a análise e discussão do mesmo pelos credores, que ficaram assim privados da possibilidade de deliberar sobre uma alternativa viável à liquidação, perpetuando a incerteza processual e comprometendo a maximização dos pagamentos devidos.
I. Com efeito, atento o exposto, ao rejeitar liminarmente o plano de recuperação apresentado em 2025, com a alegada fundamentação subjacente à rejeição do plano de recuperação apresentado (e rejeitado) em 2022, sem proceder à análise concreta dos elementos de facto essenciais e inovadoras da nova proposta de plano, o Tribunal a quo não analisou o plano apresentado em 2025 pelo Recorrente, mas sim uma questão já decidida e transitada em julgado em 2022, sem qualquer relevância para a apreciação da nova proposta. O que se impunha era que o Douto Tribunal tivesse analisado o plano ora apresentado pelo Recorrente em 2025. O Tribunal recorrido violou assim o dever de se pronunciar sobre todas as questões pendentes nos autos e submetidas à sua apreciação, nos termos previstos e exigidos pelos artigos 152.º e 608.º, n.º 2, do CPC, o que consubstancia erro formal absoluto do Tribunal recorrido na interpretação do disposto no art. 207.º, n.º 1, alínea a), que proferiu, assim, uma decisão surpresa e nula, em violação do disposto no art. 2.º e 3.º do CPC, o que não se pode aceitar e/ou admitir.
J. Ademais, a omissão de análise do plano de recuperação apresentado pelo Recorrente em 2025 configura assim, nos termos do art. 195.º do CPC, uma nulidade, por omissão de acto que a lei prescreve como obrigatório, omissão que impediu a apreciação do aludido plano e comprometeu o direito ao contraditório e à justiça efetiva do ora Recorrente e dos credores. Ocorre ainda a omissão de notificação ao Recorrente para sanar alegados vícios, nos termos do art. 207.º, n.º 1, alínea a) do CIRE, não só porque o Douto Tribunal recorrido não analisou o aludido plano para averiguar se o mesmo padecia ou não de vícios, mas também porque o Douto Tribunal recorrido não deu cumprimento ao disposto na alínea a), do n.º 1 do art. 207.º do CIRE, tendo proferido de imediato decisão de rejeição, nos termos das alíneas b) e c), do n.º 1, do 207.º do CIRE. Ora, a omissão de análise do plano para decidir pela sua viabilidade ou pela sua não admissão e a omissão de notificação ao Recorrente para sanar alegados vícios, nos termos do art. 207.º do CIRE, influem diretamente na presente causa e deram origem a uma decisão surpresa, porquanto o Recorrente reputava que a existirem vícios no plano seria notificado para os suprir, nos termos da invocada alínea a), do n.º 1 do art. 207.º do CIRE. Mais acresce que, a ausência de convite para aperfeiçoar/ suprir alegados vícios consubstancia igualmente uma nulidade por omissão de pronúncia do Douto Tribunal, nos termos do art. 615.º, n.º 1, alínea a) do CPC, pelo que, por uma via ou outra, deve ser julgada nula a decisão recorrida e ser a mesma substituída por um acórdão que analise e examine a proposta de plano apresentada em 2025 pelo Recorrente e que, em caso de alegados vícios, ordene a notificação do Recorrente para suprir os mesmos, nos termos do art. 207.º, n.º 1, alínea a) do CIRE, com as demais consequências legais.
K. Sem prescindir, se ainda assim não se entender, a decisão ora em crise, é ainda nula, por clara e manifesta violação do direito de contraditório do Recorrente, por violação do direito de acesso à justiça e à tutela jurisdicional efetiva, consubstanciados nos artigos 18.º e 20.º da CRP. A omissão do Douto Tribunal na análise do plano apresentado pelo Recorrente viola manifestamente o artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, que garante o direito à tutela jurisdicional efetiva, assegurando a todos o direito de ver os seus direitos e interesses apreciados em tribunal e essa ausência de uma decisão judicial válida sobre a matéria submetida pelo recorrente representa, na prática, uma negação de justiça e compromete o princípio da segurança jurídica.
L. Assim, ao impedir a apreciação do plano apresentado em 2025, o tribunal recorrido restringiu, sem fundamento legal, o exercício do direito do Recorrente, contrariando o princípio da justiça equitativa e processualmente válida, e nos termos do artigo 195.º do CPC, omitiu a prática de um acto – direito à tutela jurisdicional efetiva – que a lei prescreve como obrigatório e que influenciou diretamente a presente causa, comprometendo a legalidade e a validade do próprio ato decisório, gerando insegurança jurídica. Assim, impõe-se a revogação da decisão, ora em crise - por violação dos artigos 1.º, 5.º, 192.º e 207 nº 1 al. a), b) e c) e 209.º, com preterição das faculdades dispostas nos artigo 75.º, 196.º, 200.º, 206.º, 208.º, 209.º a 220.º 230.º 233.º e 234.º, todos do CIRE, violação dos artigos 12.º, 13.º, 18.º, 20.º, 61.º, 58.º, 80.º aliena c), 100.º e 202.º da CRP, e, por último dos artigos 2.º, 3.º, 4.º, 6.º, 7.º, 152.º,154.º, 608º, nºs 1 e 2 do CPC - e a sua substituição por uma outra que sane as nulidade ora invocadas e que em conformidade ordene a análise e apreciação do plano apresentado pelo Recorrente, com as demais consequências legais.
M. Sem prescindir, acresce que a decisão, ora em crise, alvo do presente recurso, padece também de nulidade, por omissão de pronúncia, nos termos do art. 615.º, n.º 1, alíneas d), do CPC, já que é manifestamente evidente que o Douto Tribunal recorrido não se pronunciou sobre as questões que foram suscitadas pelo Recorrente e submetidas à apreciação do Tribunal. Em concreto, o Douto Tribunal a quo não analisou o plano de insolvência apresentado em 2025. E, pior, para rejeitar o plano de 2025 chamou à colação na decisão, ora em crise, a fundamentação subjacente à rejeição do plano de recuperação apresentado (e rejeitado) em 2022, decisão de rejeição já transitada em julgado. Tal fundamentação – subjacente à rejeição do plano de 2022 - não tem qualquer conexão com o plano apresentado em 2025 pelo Recorrente.
N. Assim, atento o exposto, dúvidas não existem que a decisão, ora em crise, consubstancia, por um lado, uma violação pelo Douto Tribunal recorrido do caso julgado da decisão de rejeição do plano de 2022, já que o Tribunal esteve a apreciar questões já decididas e já transitadas em julgado (referentes ao plano de 2022), e por outro, consubstancia uma nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia, nos termos do art. 615.º, n.º 1, alíneas d) do CPC, uma vez que não houve uma análise e uma pronúncia concreta por parte do Douto Tribunal quanto ao plano de 2025, nem foi apresentada qualquer fundamentação concreta e prática que fundamentasse a sua rejeição e os fundamentos aí apresentados e que justificavam que fosse viabilizado o plano in casu. Tal confusão por parte do Douto Tribunal recorrido consubstancia nulidade da decisão, por contradição, ambiguidade e obscuridade na fundamentação apresentada para a alegada rejeição do plano. Pelo que, é manifestamente evidente que deve o Venerando Tribunal da Relação de Guimarães julgar nula a decisão, ora em crise, e ser a mesma substituída por um acórdão que analise, de forma concreta, a proposta de plano apresentada em 2025 pelo Recorrente, e que, em conformidade e de forma fundamentada, decida pela sua viabilidade, o que se requer, com as demais consequências legais.
O. Sem prescindir, acresce que a decisão, ora em crise, alvo do presente recurso, padece também de nulidade, por falta de fundamentação, nos termos do art. 615.º, n.º 1, alínea d b) do CPC, já que é manifestamente evidente que o Douto Tribunal recorrido não analisou o plano de insolvência apresentado em 2025 e não apresentou qualquer fundamentação para a rejeição do plano, tendo-se limitado a proferir um despacho de 10 linhas e a reproduzir o teor do artigo 207.º do CIRE, o que é manifestamente insuficiente. A decisão, ora em crise, não especifica de forma fundamentada os fundamentos de facto e de direito que justificam a rejeição do plano apresentado pelo recorrente, em clara violação do disposto no art. 154.º do CPC que dispõe que todas as decisões judiciais devem ser fundamentadas, devendo o juiz explicitar: Os factos considerados provados que sustentam a sua decisão; As normas jurídicas aplicáveis; A relação entre os factos e o direito, justificando o raciocínio lógico- jurídico que conduziu à decisão. Ou seja, o Tribunal tinha a obrigação de se pronunciar, de forma expressa e fundamentada, sobre todas as questões essenciais suscitadas no plano de insolvência de 2025, o que o Tribunal recorrido não fez, nos termos supra expostos, dada a evidente omissão de pronúncia. E essa omissão de pronuncia implica, inevitavelmente, a falta de fundamentação específica sobre os fundamentos de facto e de direito que justificam a rejeição do plano de insolvência.
P. Acresce que, a fundamentação de uma decisão judicial não pode ser um mero juízo “conclusivo”, devendo explicitar, com clareza e precisão os factos que serviram de base à decisão, mais devendo indicar com clareza as normas jurídicas aplicáveis, a justificação do raciocínio lógico-jurídico que conduziu à solução adotada e no caso concreto, não foram indicados os factos específicos que levaram à rejeição do plano de insolvência, nem foi apresentada qualquer análise individualizada em conformidade com os critérios do CIRE. Aliás, o Tribunal recorrido limita-se a invocar indiretamente o conceito de "caso julgado", sem demonstrar como esse princípio poderia impedir a reapreciação de um plano de insolvência distinto, submetido com nova base fáctica e económica.
Q. A alegada fundamentação da decisão recorrida – inexistente - não especifica os fundamentos concretos de facto e de direito que sustentam a alegação de que o plano de insolvência é inexequível ou de que a sua aprovação seria manifestamente inverosímil, porquanto se limita a reproduzir o teor do artigos 207.º, n.º 1, alíneas b) e c) do CIRE, mas não demonstra como os elementos específicos do plano apresentado pelo recorrente violam objetivamente essas disposições, limitando-se a afirmar que a liquidação já se encontra em curso.
R. Também o argumento de que a liquidação decorre há mais de três anos não é, por si só, suficiente para impedir a aprovação de um plano de insolvência, pois, o CIRE não impõe um prazo máximo para a apresentação de planos, nem estabelece que a liquidação em curso inviabiliza, por definição, qualquer proposta de recuperação, e a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça (Acórdão de 05-07-2016, proc. n.º 1041/12.0TBGMR-I.G1.S1) reconhece que um plano pode ser admitido e votado pelos credores mesmo após a fase de liquidação, desde que existam elementos viáveis para a sua implementação.
S. Ou seja, é evidente que o Tribunal recorrido não analisou a viabilidade específica do plano apresentado, mas apenas se baseou num juízo abstrato e genérico sobre a situação processual, até porque a decisão recorrida também não concretiza quais os alegados credores que manifestaram expressamente a intenção de seguir apenas pela liquidação e não fundamenta de que forma tal intenção inviabilizaria legalmente aprovação ou homologação, a discussão de uma alternativa. Ademais, o princípio da prevalência da vontade dos credores (artigo 1.º do CIRE) determina que um plano só pode ser rejeitado de imediato se for manifestamente inexequível ou inviável, o que não foi demonstrado na decisão recorrida, não existindo qualquer análise objetiva da viabilidade do plano apresentado ou qualquer consideração/ fundamentação sobre o impacto de uma possível reestruturação do passivo da insolvente.
T. Assim, atento o exposto, dúvidas não existem que a decisão, ora em crise, é nula por falta de fundamentação, nos termos do art. 615.º, n.º 1, alíneas b) do CPC, uma vez que não houve uma análise e uma pronúncia concreta por parte do Douto Tribunal quanto ao plano de 2025, nem foi apresentada qualquer fundamentação concreta e prática que fundamentasse a sua rejeição e os fundamentos aí apresentados e que justificavam que fosse viabilizado o plano in casu. Pelo que, deve o Venerando Tribunal da Relação de Guimarães julgar nula a decisão, ora em crise, e ser a mesma substituída por um acórdão que analise, de forma concreta, a proposta de plano apresentada em 2025 pelo Recorrente, e que, em conformidade e de forma fundamentada, decida pela sua viabilidade, o que se requer, com as demais consequências legais.
U. Sem prescindir, diga-se ainda que a decisão, ora em crise, alvo do presente recurso, padece também de nulidade, nos termos do art. 615.º, n.º 1, alínea c) do CPC, pois apresenta (i) uma contradição entre os fundamentos e a decisão, (ii) uma ambiguidade e (iii) uma obscuridade, tornando impossível a sua correta interpretação. É que, a decisão recorrida decide sobre a proposta do plano apresentado, mas não apresenta fundamentos que justifiquem a sua rejeição. Há uma evidente desconexão entre a alegada fundamentação e a decisão, pois a justificação utilizada pelo tribunal não analisa os termos concretos da proposta de 2025, mas sim elementos extraídos de um plano de 2022 que não era objeto da decisão.
Esta incoerência gera uma confusão e contradição insanável, que não se consegue compreender, já que não se consegue perceber como é que o Tribunal recorrido chegou à conclusão de que deveria rejeitar liminarmente o plano apresentado em 2025, se não procedeu à sua análise, se se limitou a fazê-lo com base em pressupostos desproporcionais e com base na alegada fundamentação que sustentou a rejeição do plano apresentado em 2022. Ocorre, por isso, nulidade da decisão recorrida, atenta a manifesta contradição entre os fundamentos e a decisão, tornando assim a decisão ambígua e ininteligível, porquanto o Recorrente não consegue perceber se a sua proposta foi, de facto, analisada e rejeitada ou se simplesmente não foi considerada. A decisão recorrida é também imprecisa e obscura porque não se consegue entender quais os concretos fundamentos que levaram à rejeição do plano de 2025, já que o Tribunal recorrido se limita a referir que o plano é “manifestamente inexequível”, mas não explica em que termos é que o mesmo é inexequível.
V. Assim, atento o exposto, dúvidas não existem que a decisão, ora em crise, é nula, nos termos do art. 615.º, n.º 1, alíneas c) do CPC, pelo que, deve o Venerando Tribunal da Relação de Guimarães julgar nula a decisão, ora em crise, e ser a mesma substituída por um acórdão que analise, de forma concreta, a proposta de plano apresentada em 2025 pelo Recorrente, e que, em conformidade e de forma fundamentada, decida pela sua viabilidade, o que se requer, com as demais consequências legais.
W. Sem prescindir, se ainda assim não se entender, acresce que a decisão, ora em crise, padece de erro grosseiro de julgamento do Douto Tribunal recorrido. Tal erro de julgamento reside na interpretação excessivamente restritiva, arbitrária e violadora de várias disposições do CIRE, essencialmente dos artigos 192.º, 193.º, 206.º, 207.º, 209.º, 214.º, 233.º e 234.º do CIRE), uma vez que o Douto Tribunal a quo rejeitou liminarmente o plano de insolvência de 2025 com base em pressupostos abstratos e desatualizados, extraídos de uma proposta de 2022 já rejeitada, sem apreciar os pontos em concreto e a viabilidade concreta do novo plano apresentado em 2025, sem colocar o mesmo à apreciação dos credores, e ainda sem considerar os objetivos de recuperação da empresa que estão previstos no art. 1.º do CIRE. Ou seja, o Douto Tribunal a quo adotou uma interpretação formalista e literal dos invocados artigos, assim desvirtuando a intenção do legislador e impedindo/obstando a que o Recorrente, a Insolvente e os credores deliberassem sobre a eventual proposta apresentada, o que por sua vez configura a violação do direito de contraditório dos credores, do principio/objetivo - elementar do CIRE - da recuperação empresarial (art. 1.º CIRE), e um claro e evidente erro grosseiro de julgamento, o que impõe que seja revogada a decisão ora em crise.
X. Para além da interpretação arbitrária, infundada e ilegal do Tribunal recorrido, o Tribunal recorrido recorre ao argumento de que a liquidação decorre há mais de três anos. Contudo, não existe qualquer norma no CIRE que impeça os credores de, ao longo do processo, apresentarem uma proposta de plano de insolvência, nem o CIRE impõe um prazo máximo para a apresentação de planos, nem estabelece que a liquidação em curso inviabiliza, por definição, qualquer proposta de recuperação desde que o mesmo obedeça aos pressupostos previstos no CIRE e preveja uma efetiva e viável recuperação da empresa, como é o caso do plano apresentado pela Recorrente. Veja-se, nesse sentido, o Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em 05-07-2016 (proc. n.º 1041/12.0TBGMR-I.G1.S1) que reconhece que pode ser admitido um plano e o mesmo votado pelos credores mesmo após a fase de liquidação, desde que existam elementos viáveis para a sua implementação. Ou seja, as normas do CIRE apontam no sentido de ser possível apresentar mais que uma proposta de plano de insolvência e mesmo após o início da liquidação. Aliás, veja-se que o plano de insolvência apresentado pode inclusivamente ser apresentado e objeto de alterações na própria assembleia de credores, o que o Douto Tribunal ocorrido não permitiu, ocorrendo igualmente a violação do disposto no art. 214.º do CIRE.
Y. Ora, conforme refere a lustre Autora Catarina Serra, no artigo “Entre o Princípio e os Princípios da Recuperação de Empresas”, publicado em “II Congresso de Direito da Insolvência”, pags. 71 e segs., “A lei não estabelece um prazo ou um momento para a apresentação de proposta de plano de insolvência, o que constitui acrescida razão para afastar a ideia de preclusão.” e, defende que “…toda a recuperação económica da insolvente assenta na celebração de acordos, distinguindo-os o grau de intervenção judicial”. Considera ainda o plano de insolvência uma “aplicação do método de autocomposição, implicando a abertura de negociações entre o devedor e os credores com vista à conclusão de um plano que se imponha ao máximo número possível de credores. Com o CIRE houve uma alteração de paradigma legal. A decisão de recuperar passou a caber integralmente aos credores e o juiz deixou de ter quaisquer poderes nesta matéria, nomeadamente quanto à oportunidade e à adequação do plano. O critério da recuperação é hoje, numa palavra, a vontade dos credores.” Em igual sentido, Maria José Costeira, no artigo “Questões Práticas no Domínio das Assembleias de Credores”, de pags. 103 a 105 da mesma publicação, afirma: “A decisão sobre o futuro do devedor está hoje completamente na mão dos seus credores”.
Z. Da doutrina e da jurisprudência decorre por isso, de forma unânime, que a opção legislativa foi, pois, colocar o destino da empresa nas mãos dos credores e limitar a intervenção do juiz basicamente ao controlo da legalidade do processo, o que significa que o destino da insolvente está nas mãos dos credores, pelo que, no nosso caso em concreto, não havia razão para se considerar precludida a possibilidade de a assembleia de credores analisar/rejeitar ou aprovar o novo plano de insolvência apresentado em 2025 pelo Recorrente e o submeter a homologação judicial.
AA. Não cabia, por isso, ao Douto Tribunal recorrido a decisão de rejeitar liminarmente o plano de insolvência apresentado pelo Recorrente. Cabia-lhe sim a decisão de sujeitar o mesmo à apreciação da assembleia de credores e ainda a decisão de convidar o Recorrente ao aperfeiçoamento caso verificasse a alegada existência de vícios, nos termos do art. 207.º, n.º 1, alínea a) do Cire. O Tribunal recorrido, salvo melhor opinião, rejeitou liminarmente o plano de insolvência do Recorrente sem analisar o aludido plano, nos termos exigidos pelo art. 207.º do CIRE e sem considerar e apreciar devidamente as especificidades e o conteúdo do plano apresentado e o seu contexto processual, factual, económico e empresarial recente e atual.
BB. A decisão recorrida fundamentou a rejeição do plano de insolvência em dois pressupostos errados e inexistentes, até porque o Tribunal recorrido não analisou o plano: a alegada inexequibilidade do plano devido à ocorrência de atos de liquidação (alínea b) do n.º 1 do art. 207.º do CIRE) e a alegada inverosimilhança da aprovação pelos credores do respetivo plano (alínea c) do n.º 1 do art. 207.º do CIRE). Contudo, tais argumentos são insuficientes para justificar a rejeição do plano, pois a possibilidade de apresentação de novos planos de insolvência não está vedada pelo CIRE, desde que os atos de liquidação ainda não impossibilitem, na prática ou em termos jurídicos, a sua execução, a que acresce o facto de a vontade dos credores ser soberana e que o juiz não pode presumir a inverosimilhança da aprovação de um plano antes da sua discussão em Assembleia de Credores.
CC. Acresce ainda que, inexiste qualquer impedimento ou impossibilidade factual e/ou jurídica para admissão e execução do respetivo plano, pois esse eventual impedimento jurídico só poderá ocorrer aquando a empresa for extinta, já que o art. 1.º do CIRE, estabelece como possibilidade e fim prioritário do processo de insolvência a recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, e conforme resulta dos autos, conforme resulta da própria decição, nem a respetiva liquidação se encontra encerrada, muito menos a respetiva sociedade se encontra extinta.
DD. O artigo 230.º, n.º 1, alínea b), do CIRE dispõe também que o processo de insolvência encerra "após o trânsito em julgado da decisão de homologação do plano de insolvência, se a isso não se opuser o conteúdo deste e esta disposição legal demonstra que a homologação de um plano de insolvência constitui uma via legítima para o encerramento do processo, funcionando como uma alternativa à liquidação total do ativo da massa insolvente. O artigo 233.º do CIRE, ao tratar dos efeitos do encerramento do processo, estabelece que, "encerrado o processo, cessam todos os efeitos da declaração de insolvência, recuperando o devedor o direito de disposição dos seus bens e a livre gestão dos seus negócios, sem prejuízo dos efeitos da qualificação da insolvência como culposa" (alínea a) e esta norma evidencia que, enquanto o processo não for formalmente encerrado e a sociedade extinta, a sociedade insolvente mantém a sua personalidade jurídica, podendo, portanto, beneficiar de um plano de insolvência aprovado pelos credores, desde que os atos de liquidação praticados não impeçam a sua execução. Pelo que, o argumento da decisão recorrida de que a liquidação já estaria num estágio irreversível e que a sociedade se encontraria inativa junto da Autoridade Tributária, não tem respaldo legal, pois a cessação de atividade fiscal não é sinónimo de extinção da sociedade nem impede a sua reativação no caso de ser viabilizada através de um plano de insolvência. Seguindo o erróneo entendimento do Douto Tribunal a quo, para que serviria então o art. 233.º e 234.º, n.º 1 do CIRE? Estas normas previstas no CIRE, desde o artigo 233.º e o n.º 1 do 234.º são bem demostrativas de que nenhum ato de liquidação é impeditivo para admissão, aprovação, homologação e execução de um novo plano de insolvência e de que a empresa devedora mantém a sua personalidade jurídica e capacidade para executar um plano de recuperação com os demais legitimados que o podem apresentar, pelo que caem por terra os alegados fundamentos da decisão recorrida de que a sociedade se encontra inativa na Autoridade Tributária e que os atos de liquidação que ocorrem há 3 anos inviabilizam o plano apresentado. Tal fundamentação não tem qualquer acolhimento legal.
EE. O tribunal recorrido ignorou, portanto, que a recuperação da empresa ainda era uma possibilidade juridicamente válida e que o plano de insolvência era um meio legítimo para encerrar o processo, sem necessidade de liquidar todos os ativos. Ao invés de aplicar corretamente o regime do CIRE, o tribunal a quo adotou uma interpretação restritiva e errada, violando o princípio basilar do processo de insolvência de que a liquidação só deve ocorrer quando a recuperação não for viável, conforme decorre do artigo 1.º do CIRE e a jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal de Justiça.
FF. Em suma, o encerramento do processo por homologação do plano de insolvência é um mecanismo legalmente previsto, pelo que, ao recusar essa possibilidade sem uma apreciação concreta do mérito e da viabilidade do plano, o tribunal recorrido incorreu em erro de julgamento e violação da lei aplicável, incorrendo em erro grosseiro de julgamento ao rejeitar o plano de insolvência com base no argumento de que a liquidação já estaria avançada e de que a sociedade se encontraria inativa junto da Autoridade Tributária e tal raciocínio colide frontalmente com o regime legal aplicável, nomeadamente os artigos 230.º e 233.º do CIRE, que regulam o encerramento do processo de insolvência e os seus efeitos.
GG. A cessação de atividade fiscal não equivale à extinção da sociedade, nem impede a sua reativação em caso de viabilização por meio de um plano aprovado pelos credores ou outros meios previstos no CIRE e o próprio código, estrutura-se sobre um princípio fundamental: a liquidação da empresa só deve ocorrer quando não for possível a sua recuperação (artigo 1.º).
HH. Logo, se foi apresentado um plano, o mesmo deve ser submetido à análise e eventuais propostas de alteração em assembleia de credores, não podendo o tribunal, de forma arbitrária e sem qualquer fundamentação suficiente, clara e objetiva, rejeitar o mesmo com base em presunções que não estão na lei e utilizando abusivamente o artigo 207.º, e sem apontar quaisquer vícios ao mesmo, pelo que a decisão recorrida, ao fundamentar-se em argumentos contrários às normas expressas do CIRE, incorreu em erro de julgamento e violação do quadro normativo aplicável, incorrendo em vícios e nulidades, devendo, por isso, ser revogada.
II. Mais acresce que, o tribunal recorrido parece fundamentar a rejeição do plano de insolvência do Recorrente com base na aplicação do artigo 207.º, n.º 1, alíneas b) e c) do CIRE, que prevê hipóteses de rejeição liminar da proposta de plano de insolvência. Contudo, ao contrário da decisão recorrida, a alínea b) do n.º 1 do artigo 207.º dispõe que o juiz não admite a proposta de plano de insolvência quando a sua aprovação seja manifestamente inverosímil. No entanto, para chegar à conclusão de que a proposta do plano era manifestamente inverosímil, o Tribunal a quo tinha de analisar o aludido plano, não sendo suficiente a alegação de que o processo já está na fase da liquidação e de que já foi rejeitado um plano apresentado em 2022. O Tribunal tinha, por isso, de apontar vícios, problemas, falhas concretas e objetivas ao plano que fundamentassem que a sua aprovação era inverosímil/ improvável, mas no caso em análise, não existe qualquer elemento nos autos e na decisão recorrida que evidencie que a proposta do Recorrente era manifestamente inverosímil, nem tão pouco de que os credores já tenham recusado previamente aquela proposta e/ou qualquer outra solução que não passe pela liquidação. E o CIRE coloca a decisão da recuperação da empresa nas mãos dos credores (artigo 1.º e artigo 209.º), pelo que, o tribunal recorrido não podia, a priori, impedir a discussão e votação de um plano de insolvência com base num juízo subjetivo sobre a sua viabilidade, e em total violação do princípio do contraditório dos credores, que seria exercido na Assembleia de Credores.
JJ. No presente caso, não existiu qualquer oposição por parte dos credores à proposta de plano de insolvência apresentada pelo Recorrente, pelo que o Tribunal recorrido não podia presumir que a aprovação era inverosímil sem que os próprios credores se manifestassem, quando os próprios, todos, não se manifestaram contra, tendo-se o Tribunal a quo substituído indevidamente à vontade e eventuais intenções dos credores, e tendo decidido com base na posição que supôs que estes adotariam, sem sequer lhes dar oportunidade de deliberarem sobre o plano, inclusive, sem qualquer contraditório. Tal conduta desvirtua o propósito do CIRE, que coloca a decisão sobre a viabilidade do plano nas mãos dos credores, cabendo ao juiz apenas verificar a legalidade e assegurar o cumprimento das disposições aplicáveis. E além disso, o Tribunal recorrido não apontou um único vício à proposta/plano e não fundamentou a decisão quanto à eventual não homologação do plano, que era a única competência que efetivamente lhe cabia.
KK. A decisão recorrida apenas se centrou na alegada não aprovação pelos credores de um plano anterior, tendo o Tribunal recorrido ignorando se o respetivo plano ora apresentado em 2025 cumpria ou não os requisitos legais para ser sujeito à análise dos credores, conforme resulta dos autos e essa omissão torna a decisão nula, nos termos do artigo 615.º do CPC, pelo juiz ter apreciado questões que não tinha que apreciar e não se pronunciar sobre questões que deveria apreciar, por falta de fundamentação consequente e uma contradição entre os fundamentos e a decisão, ambiguidade e obscuridade.
Ademais, se os credores não se manifestaram, o que não lhes foi possibilitado, também não existia qualquer base legal para o Tribunal recorrido aplicar a primeira parte da alínea b), do n.º1, do artigo 207.º do CIRE, e concluir que a aprovação do plano era "manifestamente inverosímil".
LL. O Tribunal a quo atuou, por isso, em clara violação dos seus poderes, tendo antecipando um juízo – em clara violação do direito de contraditório dos credores - que só cabia aos credores fazerem, limitando-se a escrever “que a proposta de plano de insolvência apresentada mostra-se de aprovação manifestamente inverosímil nos termos da al. b) do n.º1 do art. 207.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas” e “Na verdade, como consta do referido Acórdão, os elementos constantes dos autos apontam inequivocamente no sentido de que os credores já manifestaram a intenção de verem os seus créditos ressarcidos através da liquidação do ativo.” E, reitere-se, com todo o devido respeito, também não existe nenhum elemento que indicie/aponte que a proposta do Recorrente seja manifestamente inverosímil, nem tão pouco de que os credores já tenham recusado previamente qualquer outra solução que não passe pela liquidação.
MM. Simplesmente, não existem elementos nos autos que apontam inequivocamente no sentido de que os credores já manifestaram a intenção de verem os seus créditos ressarcidos através da liquidação do ativo, pelo simples facto de a respetiva proposta ora apresentada, ser diferente das anteriores, pelo que a decisão recorrida é ilegal porque interpretou/ aplicou a alínea b) do n.º 1 do artigo 207.º do CIRE de forma errada.
NN. E reitere-se. A primeira parte do art. 207.º do CIRE não poderia ser chamada à colação pelo Tribunal recorrido, na decisão, ora em crise, pois os credores não se manifestaram sobre a proposta em concreto apresentada em 2025 e a segunda parte do art. 207.º, relativa à homologação, não foi referida e fundamentada pelo juiz, pelo que, a rejeição do plano foi tomada sem qualquer respaldo jurídico válido, configurando erro de julgamento e violação das normas do CPC, CIRE e de direitos Constitucionais. Por outro lado, a alínea c) do n.º1 do artigo 207.º estabelece que o juiz pode rejeitar a proposta de plano de insolvência quando esta for manifestamente inexequível. Este conceito deve ser interpretado de forma estrita e objetiva, considerando apenas obstáculos materiais ou jurídicos insuperáveis que inviabilizem a sua execução. Contudo, a decisão recorrida fundamenta a alegada rejeição do plano de insolvência com base na alegada manifesta inexequibilidade, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 207.º do CIRE, sustentando que os atos de liquidação do ativo inviabilizam a sua execução. Contudo, o conceito de "manifesta inexequibilidade" deve ser interpretado restritivamente e aplicado apenas quando existam impedimentos objetivos e insuperáveis que tornem impossível a concretização do plano, o que não ocorre no presente caso, uma vez que o Tribunal recorrido não indicou nenhum vicio ou violação dos preceitos sobre a legitimidade e conteúdo do respetivo plano, ao abrigo da alínea a) do 1.º do 207.º do CIRE.
OO. Ou seja, o tribunal recorrido aplicou de forma errónea e abusiva as alíneas b) e c) do artigo 207.º, n.º 1 do CIRE, sem previamente analisar a proposta do plano e seu conteúdo, ao abrigo da alínea a) da mesma disposição legal, o que configura um erro de julgamento grave e uma violação dos princípios do processo de insolvência, incorrendo em vicio e nulidades ao abrigo do disposto do artigo 195.º do CPC.
PP. O artigo 207.º, n.º 1 estabelece que o juiz não admite a proposta de plano de insolvência “se houver violação dos preceitos sobre a legitimidade para apresentar a proposta ou sobre o conteúdo do plano e os vícios forem insupríveis ou não forem sanados no prazo razoável que fixar para o efeito;” O legislador estruturou o artigo 207.º do CIRE de forma escalonada, o que significa que a alínea a) deve ser apreciada antes da aplicação das alíneas seguintes e as restantes alíneas b) e c), só podem ser utilizadas após aplicação da alínea a), sendo a respetiva decisão recorrida totalmente omissa quanto à legitimidade para apresentar o plano, que não é posta em causa e bem, e totalmente omissa sobre o conteúdo do plano.
Ademais, apenas se o Tribunal recorrido identificar vícios ou violações insanáveis e, concedendo prazo para correção, nada for feito pela parte que apresenta o plano, poderá, então, passar à análise e aplicação das alíneas b) e c) do n.º 1 do art. 207.º do CIRE. Contudo, no caso concreto, o Tribunal recorrido não apreciou o Plano do Recorrente de 2025, não apontou qualquer irregularidade na legitimidade do Recorrente para apresentar o plano, nem na estrutura ou conteúdo do plano de insolvência, como exige a alínea a). Se não existiam vícios insanáveis nem fundamento para conceder prazo para a correção de eventuais irregularidades, então o plano era formalmente admissível, e não poderia ser rejeitado com base nas alíneas b) e c) sem primeiro ser submetido à análise dos credores e à emissão de pareceres ao abrigo do disposto artigo 208.º do CIRE.
QQ. O Tribunal recorrido ignorou a ordem obrigatória e lógica prevista no art. 207.º do CIRE quanto à apreciação da proposta de plano, tendo aplicado diretamente a alínea b), presumindo erroneamente que a aprovação pelos credores era manifestamente inverosímil, quando nenhum credor se manifestou contra o plano. Pelo que, mais uma vez, se conclui que o Tribunal recorrido se substituiu indevidamente à vontade dos credores, retirando-lhes o direito de analisar, discutir e deliberar sobre a viabilidade da recuperação da empresa, em clara violação do direito de contraditório.
RR. Acresce ainda que, o Tribunal recorrido fundamentou a alegada rejeição do plano na alegada inexequibilidade do mesmo, sem apresentar qualquer justificação objetiva e concreta sobre a sua aplicabilidade, quando a jurisprudência já se pronunciou no sentido de que a interpretação das causas de rejeição do artigo 207.º do CIRE deve ser restritiva e não pode ser utilizada para impedir a apreciação dos planos pelos credores, salvo nos casos em que exista um fundamento claro e inequívoco de inexequibilidade ou manifesta inviabilidade jurídica, o que não era o caso, até porque o Tribunal não analisou o plano.
SS. A inexequibilidade de um plano de insolvência exige uma análise rigorosa do seu conteúdo, com a identificação de elementos concretos que inviabilizem a sua implementação, seja por obstáculos jurídicos insuperáveis, seja por razões económicas ou operacionais claras e devidamente demonstradas.
Contudo, a decisão recorrida não fez qualquer apreciação, muito menos detalhada do plano de insolvência apresentado pelo Recorrente, limitando-se a afirmar, sem qualquer justificação específica, que os atos de liquidação realizados ao longo dos últimos três anos inviabilizavam a sua execução. A alegada fundamentação da decisão recorrida é manifestamente insuficiente e contraditória, pois o Tribunal recorrido rejeitou o plano, sem indicar qualquer elemento concreto do próprio plano que seja inexequível. Ora, como é que é possível afirmar que um plano não pode ser executado sem ao menos analisar os seus termos e conteúdos, as suas cláusulas, os seus mecanismos de recuperação e a sua viabilidade prática e jurídica? Ou seja, como é que o Tribunal concluiu que o plano era inexequível, se nunca analisou o seu conteúdo? A única forma de fundamentar uma decisão de rejeição, com base na alínea c) do artigo 207.º do CIRE, seria através de uma análise pormenorizada dos elementos do plano e da demonstração de que este continha obstáculos materiais ou jurídicos insuperáveis. O Tribunal recorrido não realizou qualquer exame do conteúdo do plano, não apontou falhas específicas na sua estrutura, não indicou disposições que seriam impossíveis de executar, apenas partiu do pressuposto geral e abstrato de que a liquidação inviabilizava o plano, sem demonstrar de que modo isso ocorreria e este método de decisão não cumpre os requisitos mínimos de fundamentação exigidos pelo artigo 154.º do CPC, sendo ilegal e violador dos direitos do Recorrente, bem como do princípio do contraditório de todos os interessados.
TT. A interpretação restritiva do art. 207.º do CIRE deve passar por considerar que há a possibilidade de o juiz indeferir liminarmente o plano de recuperação se for manifestamente inverosímil a sua aprovação pelos credores. Contudo, a regra é de que o plano deve ser apresentado ao processo e discutido. Se não for admitido e discutido pelos credores, não se vê como o juiz pode ter uma ideia de como votarão os credores ao ponto de poder julgar se é ou não inverosímil a aprovação do plano. E mesmo que o juiz tivesse assistido a alguma aversão do plano anteriormente apresentado, a verdade é que nada impediria que os credores mudassem de ideias, entretanto, ou fossem convencidos pelo proponente da bondade do plano. A regra é que o Tribunal deve dar o benefício da dúvida e permitir que essa decisão seja dos credores, que podem inclusivamente contribuir diretamente e melhorar a proposta apresentada.
UU. Sucede que, no caso em apreço, o Tribunal recorrido não só não analisou o aludido plano apresentado pelo Recorrente, pelo que nunca poderia pronunciar-se quanto à sua alegada inviabilidade/ inexequibilidade e/ou quanto ao facto de ser manifestamente inverisímil a sua aprovação, como também não convidou os credores a pronunciarem-se sobre a alegada proposta, nem submeteu a proposta à sua apreciação. O Tribunal recorrido limitou-se a formular juízos conclusivos com base na não aprovação de um plano em 2022 e no facto de a liquidação já estar a decorrer. E ao ter agido, nos termos constantes dos autos e plasmados na decisão recorrida, o Tribunal cometeu um erro grosseiro de julgamento, consubstanciado na interpretação arbitrária, ilegal, ilícita e violadora dos artigos 1.º, 192.º, 193.º, 206.º, 207.º, 209.º, 214.º, 233.º e 234.º do CIRE, 2.º, 3.º, 154.º, 195.º, 615.º do CPC, 18.º e 20.º da CRP.
VV. Mais acresce que, para além do erro grosseiro do Douto Tribunal que conduziu à violação das normas supra citadas, acresce que a proposta apresentada pelo Recorrente continha os elementos essenciais à viabilidade e à exequibilidade do plano de insolvência. A proposta apresentava, de forma detalhada e sustentada, factos concretos que indiciavam que a empresa devedora poderia ser recuperada, nos termos constantes do plano. O plano era, por isso, exequível e viável e provavelmente seria aceite pelos credores. O recorrente apresentou um plano que cumpria todos os requisitos, com projeções financeiras sustentadas, identificação de fontes de financiamento e evidência clara de a empresa devedora ter capacidade para retomar a sua atividade e cumprir integralmente as suas obrigações perante os credores. E mais, se fossem identificados vícios, o que não cremos que viesse a ocorrer, o Recorrente iria aproveitar a oportunidade para corrigir os eventuais vícios e assim apresentar uma proposta aperfeiçoada.
WW. A proposta de plano de recuperação apresentada pelo Recorrente, na qualidade de “pessoa que responde pelas dívidas da Insolvente EMP01..., S.A., foi apresentada nos termos do disposto do n.º 1 do artigo 193.º do CIRE e cumpria o ónus de alegação quanto à Legitimidade, Admissibilidade, Oportunidade e Exequibilidade do PPI.
XX. Quanto à legitimidade, o Recorrente alegou que tinha legitimidade para apresentar o plano, nos termos do art. 193.º, n.º 1 do CIRE, uma vez que responde legalmente pelas dívidas da Insolvente, nomeadamente perante a Autoridade Tributária, conforme exemplifica com uma citação da AT, conforme documento que juntou aos autos. Era, por isso evidente e claro que o Recorrente tinha legitimidade para apresentar a proposta de plano, a qual era legítima, tempestiva e admissível ao abrigo do CIRE, cumprindo todos os princípios e pressupostos dos artigos 193.º, 194.º e 195.º do CIRE.
YY. Quanto à Oportunidade, o Recorrente alegou que a proposta apresentada era oportuna tendo em conta o estado dos autos, e que a apresentação do plano era uma oportunidade única para dar cumprimento às finalidades do processo de insolvência (1.º CIRE). Alegou ainda que até aos dias de hoje, ainda não tinha sido reconvocada uma Assembleia de Credores e que, por esse motivo, não estão a ser concedidas as faculdades legais previstas no CIRE aos credores, administradores de insolvência, devedora e demais legitimados e interessados, encontrando-se os presentes autos a serem tramitados em total desrespeito pelo CIRE, sem qualquer plano de liquidação apresentado pelos diversos administradores de insolvência e aprovado pelos credores.
ZZ. Alegou ainda o Recorrente o seguinte: Que a tramitação do processo tem sido marcada por falhas, vícios e irregularidades sistemáticas e reiteradas, resultando em um processo que corre fora da legalidade, comprometendo sua integridade e regularidade; que os vícios e falhas processuais, que se repetem de forma contínua, geraram um processo inteiramente nulo, ao abrigo das disposições de uma lei constitucional que garante a legalidade e a justiça dos atos processuais; que o Tribunal, ao permitir a perpetuação dessas falhas e ao não atuar para sanar as nulidades, não só continua a violar os princípios da legalidade e da justiça, mas também comprometeu de forma irreparável a credibilidade e a eficácia do processo de insolvência in casu e da justiça. Estes vícios processuais reiterados não podem ser simplesmente ignorados, pois afetam diretamente o direito das partes à justiça e ao contraditório, à garantia estrutural dos direitos constitucionais, prejudicando a equidade e transparência que devem nortear qualquer procedimento judicial. Mais alegou que essas violações sistêmicas e os vícios processuais abrem margem para um aproveitamento indevido de outras partes no processo, facilitando saques e sabotagens institucionalizadas. Ao permitir que esse processo continue com tais falhas, o Tribunal instrumentaliza a própria violação dos direitos das partes, criando um terreno fértil para interesses ilícitos e ações fraudulentas. O desrespeito e discricionariedade de aplicação das normas processuais abre caminho para que os responsáveis pela insolvência ou outras partes com interesses escusos sejam favorecidos, promovendo a apropriação indevida e descaminho de bens e valores, muitas vezes em conluio com os operadores do processo. Este tipo de conduta irresponsável e arbitrária em um processo de insolvência não só favorece a perpetuação de injustiças, mas também deslegitima completamente o sistema judicial, abrindo espaço para corrupção, fraude e sabotagem do que deveria ser um processo legítimo de recuperação e liquidação. Assim, a apresentação desta proposta de plano de insolvência e a sua admissibilidade constituem uma oportunidade crucial para que os credores, o insolvente, o Administrador da Insolvência, o Tribunal e demais legitimados possam exercer plenamente as suas faculdades previstas na lei e deliberar em Assembleia de Credores.
AAA. A apresentação desta proposta de plano de insolvência e a sua admissibilidade representam, por isso, uma oportunidade ímpar para que todas as partes interessadas no processo possam exercer integralmente as faculdades previstas pela lei, em conformidade com os princípios que regem o regime jurídico do CIRE. Esta oportunidade permite, de forma clara e objetiva, que os envolvidos deliberem em Assembleia de Credores sobre pontos cruciais do processo. Entre as faculdades que se encontram ao dispor das partes, destacam-se a revogação ou ratificação de atos processuais e omissões previamente praticadas, a definição e votação sobre o destino da insolvente e a gestão dos seus ativos, bem como a regularização e legalização do processo de insolvência, assegurando que o mesmo siga os princípios da legalidade, equidade e justiça. Invocou ainda o Recorrente que a admissibilidade deste plano não se limita a uma formalidade processual, mas assume uma função essencial de sanar e reverter eventuais falhas ocorridas no curso do processo, com o intuito de garantir uma recuperação ou liquidação eficaz da insolvente e o cumprimento das obrigações para com os credores. Este momento de deliberação é vital para a efetiva revitalização da empresa, quando possível, ou para a finalização do processo de forma legalmente regular, conferindo segurança jurídica a todos os envolvidos.
BBB. Quanto à Exequibilidade, o Recorrente referiu que a Proposta de Plano de Insolvência cumpria os pressupostos previstos no CIRE, designadamente previstos nos artigos 193.º, 194.º e 195.º, que prevê a satisfação da totalidade dos créditos dos credores com base na recuperação da empresa. A Proposta de Plano de Insolvência (PPI) apresentada distinguia-se por prever extinção de dívidas com pagamentos imediatos aos credores após a sua homologação, além de implementar soluções robustas, inovadoras, reais e exequíveis que asseguram a viabilidade económica, produtiva e financeira da empresa.
CCC. O plano apresentado pelo Recorrente previa assim: I. Continuidade da Atividade pela EMP02... (A EMP02... projeta um volume de negócios de cerca de mil milhões de euros até 2035, assegurando a geração de riqueza e postos de trabalho); II. Gestão de Ativos e Passivos (Criação da “EMP02...” para gerir 15 milhões de euros em ativos, sob controlo dos credores, com total transparência); III. Entrada de Capital e Conversão de Créditos (Injeção de 3.000.000,00€ para liquidação inicial e reforço de fundo de maneio, com conversão de créditos em participações para reduzir o passivo); IV. Pagamento a Credores (Quitação integral das dívidas ao Estado, pagamento imediato de 50% dos créditos laborais e 5% dos créditos comuns, com liquidação progressiva até 2030); V. Libertação de Proveitos e Impactos Socioeconómicos (A estratégia da EMP02... garantirá a continuidade de contratos internacionais e nacionais de alto valor, tais como os projetos de Timor-Leste e do Município ...); VI. Impacto e Alcance do Plano (Este plano de insolvência prevê a utilização e valorização de mais ativos da insolvente do que aqueles que os administradores de insolvência pretendem apreender e liquidar, garantindo maior e mais rápido retorno aos credores e assegurando a continuidade da atividade empresarial de forma estratégica e sustentável) VII. Legado, Reconhecimento e Valor da EMP02... (A EMP02..., com mais de 40 anos de experiência no setor da construção e engenharia, destaca-se pelo seu alvará de classe máxima, currículo sólido e pela confiança de uma base diversificada de clientes satisfeitos. A continuidade da EMP02... assegura geração de riqueza, criação de empregos e contribuição estratégica para o desenvolvimento económico, consolidando-se como exemplo de recuperação empresarial bem-sucedida e posicionando-se para voltar a ser líder no mercado e um exemplo do sucesso do CIRE)
DDD. Assim, a proposta de plano de insolvência cumpria integralmente os requisitos legais previstos no CIRE, destacando-se como uma solução exequível, equilibrada e vantajosa para todas as partes envolvidas, já que permitia assegurar a recuperação da EMP02... e o pagamento integral dos seus credores.
O plano propõe a retoma e continuidade da atividade da EMP02..., com projeção de cerca de mil milhões de euros em volume de negócios até 2035, a criação da EMP02... para gerir ativos e passivos, e a entrada de 3.000.000,00€ em capital novo, inclui ainda o pagamento imediato de 50% dos créditos laborais, 5% dos créditos comuns, e a liquidação progressiva de todas as dívidas até 2030, garantindo sustentabilidade e transparência. Ademais, os atos de liquidação já realizados no âmbito do processo não comprometem a admissão e exequibilidade do plano.
EEE. Mais acresce que, recentemente, os credores EMP03..., S.A., EMP04..., Unipessoal, Lda., EMP05..., Lda., EMP06..., Lda., EMP07..., S.A., EMP08..., S.A., EMP09... - Sistemas de Segurança e Domótica. Lda., EMP10..., S.A., EMP11... – Artefactos de Betão Decorativo para Urbanizações, Lda., EMP12..., Lda., EMP13..., S.A., BB, Centro Distrital de Braga, Instituto da Segurança Social, I.P., EMP14..., Lda., EMP15..., S.A., CC, EMP16..., Lda., DD, EMP17..., S.A., EMP18..., S.A., Banco 1..., S.A., EMP19..., Lda., EMP20..., Lda., EMP21..., Lda., EMP22... – Construções, Lda., EMP23... – ..., Equipamentos de Construção, Lda., EMP24... Construções Racionalizadas e Estruturas, Lisboa, S.A., EMP01..., S.A, EMP25..., S.A e outros, mais do que um quinto dos créditos sobre a insolência, declararam, nada terem a opor à junção da proposta de plano de insolvência, pretendendo-o inclusive.
FFF. A clareza das medidas do plano, o cumprimento das exigências legais e a viabilidade económica da PPI, afastam a aplicação do artigo 207.º do CIRE, até porque não há oposição do Administrador da Insolvência, e, conforme o artigo 207.º, n.º 1, alínea d), do CIRE, este apenas pode opor-se a propostas apresentadas pelo devedor. Dado que a presente proposta é submetida por outro legitimado, o Administrador da Insolvência não possui faculdade legal para se opor. Assim, atento o exposto, o plano apresentado pelo Recorrente reunia todas as condições para ser admitido liminarmente para discussão e subsequente aprovação ou alteração em assembleia de credores, ao abrigo do disposto 192.º, 193.º, 208.º 209.º, 210.º e 211.º do CIRE da respetiva proposta de plano de insolvência. Até para assegurar o pleno cumprimento do princípio do contraditório, como preceituado pelo CIRE, é imperativo que a Assembleia de Credores seja o mecanismo adequado para o contraditório e deliberação e não outro que favoreça, de maneira injusta, as partes com maior poder económico ou interesses escusos em prolongar ou manipular o processo de insolvência. A correta aplicação do contraditório, em conformidade com o regime do CIRE, deve garantir que todas as partes, independentemente do seu poder económico, possam efetivamente participar na tomada de decisões cruciais para o futuro da insolvência, assegurando que nenhuma parte seja privilegiada em detrimento da justiça e da equidade do processo.
GGG. Quanto à questão da liquidação e da Suspensão da Liquidação, conforme resulta dos autos, inexiste quaisquer planos de liquidação apresentados pelo Administrador de Insolvência ao abrigo do n.º 1 do 158.º do CIRE. Conforme da tramitação irregular dos autos, foi efetuado os seguintes atos de liquidação:
i. Venda de bens móveis da insolvente no valor de cerca 40.000.00€; ii. Venda de ações do ..., pelo valor de cerca 350.000.00€; iii. Venda de loja de comércio, pelo valor de cerca de 35.000.00€. Sucede que, os atos de liquidação e partilha, já praticados irregularmente no âmbito do processo de insolvência, não obstam ou impedem a execução do plano de insolvência. É que os bens móveis da insolvente vendidos por cerca de 40.000.00€, (mobiliário, hardware informático diverso, economatos, outro), tratam-se de bens de ativo circulante, de fácil e constante substituição, pelo que, não se pode ser considerar que este ato de liquidação constitui um ato impeditivo de execução do plano apresentado pelo Recorrente. No entanto, conforme resulta dos autos, esses bens foram todos vendidos ao aqui Recorrente, que desde já expressamente declara que autoriza a sociedade devedora a usá-los.
Relativamente à venda de ações do ... e ao bem imóvel vendido (loja comercial), esses bens, nunca foram, nem são necessários para atividade da sociedade comercial insolvente, mas sim investimento, não podendo ser considerado como impedimento da execução deste plano ou de qualquer outro.
HHH. Ademais, a sociedade insolvente tem a sua sede social, atribuída pelos sócios, no Parque Industrial ..., 2ª Fase, ..., ..., do qual integra o Posto de Transformação e outros bens apreendidos a favor da massa insolvente e que ainda não foram vendidos. Também conforme resulta dos apensos, W, Y, X, Z, AA, AB, AC, esse bens apreendidos para Massa Insolvente (equipamentos operacionais), não pertencem à Insolvente, pelo que, desde logo, a sua venda que não ocorreu, não pode ser considerada impedimento para admissão do respetivo plano.
III. Acresce ainda que, os atos de liquidação não se podem confundir com os efeitos da liquidação. Com efeito, quanto aos alegados fundamentos da devedora se encontrar com o seu estabelecimento encerrado físico e fiscalmente, com a aprovação e homologação do respetivo plano terá a sociedade insolvente de reabrir os seus estabelecimentos físicos e fiscalmente, por ser possível, legal de direito e se encontrar previsto no plano de insolvência, sob a forma de recuperação, não devendo nem podendo considerar-se que estes alegados efeitos do processo de liquidação impedem ou obstam à execução deste ou de qualquer outro plano de insolvência que eventualmente pudesse vir a ser aprovado pelos credores, sob a forma de recuperação.
JJJ. Quanto ao alegado fundamento de há mais de três anos que a devedora não ter qualquer atividade comercial, não pode ser considerado, por se verificar que os órgãos sociais ainda se mantêm em funções ao abrigo da faculdade do disposto artigo 82.º do CIRE, por existirem contratos internacionais com o Governo de Timor-Leste ao abrigo da cooperação Portugal-Timor para a JUSTIÇA, e mais recentemente, em conjunto com outras sociedades comercias e outras entidades privadas e publicas, por a sociedade insolvente estar a desenvolver um projeto considerado Estratégico e de Interesse Publico, no âmbito da Revisão do PDM ..., conforme decorre do PPI e dos seus anexos.
KKK. Ainda quanto aos alegados fundamentos e alegadas questões impeditivas da eventual aprovação e execução de Propostas de Planos de Insolvência, referiu o Recorrente a controvérsia no âmbito do apenso AE destes autos, sobre os encerramentos e existência de trabalhadores e o seu serviço, os seus alegados despedimentos, bem como os seus créditos privilegiados e sob condição resultantes de créditos laborais. Com a admissão, discussão do respetivo PPI, prevê-se a extinção da respetiva ação laboral, a reintegração de alguns trabalhadores, o que levará a uma redução das indemnizações a pagar, garantindo-se assim a continuidade de postos de trabalho.
LLL. Por último, informou o Recorrente que caso seja aprovado um plano de insolvência sob a forma de recuperação e continuidade de atividade, por ser legal, possível e normal, a sociedade comercial devedora, além de se recorrer a prestação de serviços para recursos humanos, não fica impedida de contratar novos trabalhadores.
MMM. Ou seja, os atos de liquidação já realizados no âmbito do processo de insolvência, embora praticados de forma irregular e sem apresentação de plano de liquidação, não inviabilizam nem comprometem a execução do Plano de Insolvência ora apresentado, uma vez que a liquidição incidiu apenas sobre bens bens não essenciais à atividade da sociedade insolvente ou que, no caso de bens móveis, já foram devidamente adquiridos pelo recorrente, que os disponibiliza para uso da sociedade. Também a partilha das verbas provenientes dos atos de liquidação efetuados até ao momento não prejudica nem impede a execução do plano de insolvência e essas partilhas destinaram-se ao pagamento de credores, o que, aliás, está alinhado com o objetivo primordial do plano de insolvência, além de que as verbas em questão não são necessárias para a execução do plano nem para a continuidade das atividades da empresa, não havendo qualquer obstáculo à sua admissão e aprovação.
NNN. Os atos de liquidação já realizados não impedem a execução do plano, que prevê a reabertura de instalações, a reintegração de trabalhadores, a redução de passivos laborais e a entrada de 3.000.000,00€ em capital novo, permitindo ainda à empresa valorizar os seus ativos atuais, que são destinados ao pagamento dos credores, bem como gerar lucros significativos através do volume de negócios comercialmente preparado e desenvolvido, previsto na ordem de 1.000.000.000.00€.
OOO. Por último, no aludido plano, a sociedade insolvente prevê (a par da suspensão das vendas das verbas 3, 4,5 e 6 no apenso L dos presentes autos) a venda das verbas 3, 4, 5 e 6, que vão gerar diretamente para a sociedade insolvente um volume de negócios de vários milhares de milhões (.../; ...- promovem-empoderamento-feminino-e-sustentabilidade-6781454205c0c). Com efeito, visto que inexiste qualquer fundamento ou pedido do Sr. Administrador de Insolvência na alegada urgência de vender tais ativos, e porque tais atos de liquidação ruinosos põe em causa e em risco a execução do plano de insolvência na parte da valorização estratégica e maximização de ativos para pagamentos aos credores, com perdas e prejuízos significativos para a Massa Insolvente, deverá cumulativamente ser decretada a suspensão da liquidação e partilha ao abrigo do disposto artigo 206.º do CIRE, porquanto tal medida proposta não envolve qualquer perigo e prejuízo considerável para a Massa Insolvente, nem prejudica os credores, sendo imprescindível que estes sejam chamados para apreciar e discutir o PPI, em ultimo, prestar consentimento em relação à operação pretendida, cuja aprovação carece de unanimidade por parte da comissão de credores, evitando decisões que não atendam ao interesse coletivo e estratégico da recuperação da sociedade.
PPP. Assim, é notório que o Recorrente alegou exaustivamente a viabilidade do plano de insolvência, bem como a sua admissibilidade ao abrigo do CIRE, mas o tribunal recorrido, no entanto, rejeitou liminarmente a proposta, sem apreciar devidamente o plano e/ou os requisitos do artigo 207.º, n.º 1, alínea a), avançando diretamente para a aplicação das alíneas b) e c), sem que estivessem preenchidos os pressupostos para tal.
QQQ. O recorrente expôs exaustivamente no seu requerimento os fundamentos da legitimidade, admissibilidade, exequibilidade e viabilidade do Plano de Insolvência, contudo, a decisão recorrida não analisou nem apreciou essas questões, limitando-se a rejeitar o plano sem qualquer fundamentação concreta sobre os factos e argumentos alegados.
RRR. Com efeito, considerando as condições atuais e o conteúdo exequível do plano, nos termos apresentados pelo Recorrente, não existiam impedimentos à sua admissão, nos termos do artigo 207.º do CIRE, pelo que fazia todo o sentido que o Tribunal recorrido tivesse admitido liminarmente o plano para discussão e votação pelos credores na assembleia de credores, garantindo a recuperação da empresa e o cumprimento dos objetivos da insolvência.
SSS. Contudo, ao ter agido, nos termos constantes dos autos e plasmados na decisão recorrida, o Tribunal recorrido cometeu um erro grosseiro de julgamento ao rejeitar liminarmente o plano sem analisar o mesmo, já que se o tivesse analisado teria concluído que o mesmo era exequível, admissível e viável, pelo que ao proferir a decisão recorrida violou o Tribunal recorrido o disposto nos 1.º, 192.º, 193.º, 206.º, 207.º, 209.º, 214.º, 233.º e 234.º do CIRE. Assim, deve ser revogada a decisão, ora em crise, e ser a mesma substituída por uma outra que analise, de forma concreta, a proposta de plano apresentada em 2025 pelo Recorrente, e que, em conformidade e de forma fundamentada, decida pela sua viabilidade, com as demais consequências legais.
TTT. Sem prescindir, mais acresce que, ao não ter analisado o conteúdo do plano apresentado pelo Recorrente, nos termos supra melhor expostos, o Tribunal recorrido deixou de se pronunciar sobre questões que devia ter apreciado, sendo que, no caso em concreto, o Tribunal recorrido não se pronunciou sobre nenhuma das questões suscitadas no requerimento apresentado pelo Recorrente, através do qual o mesmo apresentou o Plano, nem se pronunciou sobre o plano propriamente dito, pelo que ocorre nos presentes autos a nulidade da decisão recorrida por omissão total de pronúncia sobre as questões apresentadas pelo Recorrente e, deste modo, a decisão recorrida está ferida de nulidade, nos termos do art. 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC, nos termos supra invocados e que aqui novamente se requer, com as demais consequências legais.
UUU. Considera ainda o Recorrente que a decisão recorrida viola ainda o direito à tutela jurisdicional efetiva, consagrado no artigo 20.º da CRP, já que o Douto Tribunal não analisou a proposta de plano de insolvência apresentada pelo Recorrente, o que configura, na prática, uma negação de justiça e compromete o princípio da segurança jurídica. A falta de apreciação da proposta impede que o Recorrente obtenha uma decisão válida e efetiva sobre sua pretensão, limitando o exercício pleno dos seus direitos, violando também o artigo 18.º da CRP, que proíbe restrições arbitrárias ao acesso à justiça.
Com efeito, a conduta do Tribunal, ao restringir o direito do Recorrente, sem fundamento legal, torna-se incompatível com os princípios da justiça equitativa e da regularidade processual.
VVV. Ora, a decisão recorrida e a atuação do Tribunal recorrido padece, por isso, de um claro e erro grosseiro de interpretação e determinação das normas e do direito, violando a lei substantiva, processual e fundamental, sendo manifesta a violação do direito do aqui Recorrente em ver a sua proposta de PPI ser admitida com todos os seus efeitos e trâmites legais. A decisão recorrida é, por isso, uma verdadeira decisão surpresa e nula ao abrigo do disposto nos artigos 195.º e 615.º, n.º 1.º, alíneas b), c) e d) do CPC, pelo que, face ao exposto, tem de se concluir que o Tribunal recorrido violou o disposto nos artigos 1.º, 5.º, 192.º, 207.º, nº 1, al. a) b) e c) e 209.º, com preterição das faculdades dispostas nos artigos 75.º, 196.º, 200.º, 206.º, 208.º, 209.º a 220.º, todos do CIRE, ofendendo o disposto artigos 12.º, 13.º, 18.º, 20.º, 61.º, 58.º, 80.º alinea c), 100.º e 202.º da CRP, bem como dos art.ºs 2.º 3.º, 4.º, 6.º, 7.º, 41.º, 42.º, 43.º, 44.º, 152.º, 154.º e n.º 608º, nº 1 e 2 do CPC. Assim, deve ser revogada a decisão, ora em crise, e ser a mesma substituída por por uma outra que analise, de forma concreta, a proposta de plano apresentada em 2025 pelo Recorrente, e que, em conformidade e de forma fundamentada, decida pela sua viabilidade, com as demais consequências legais.
WWW. Acresce ainda que, o tribunal recorrido também não se pronunciou sobre os pedidos formulados pelo Recorrente no requerimento apresentado e através do qual juntou o plano de insolvência aos autos, pelo que igualmente, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil (CPC), verifica-se reiteradamente a nulidade da decisão recorrida, por omissão de pronúncia, uma vez que o Tribunal a quo não se pronunciou sobre nenhum dos pedidos formulados pelo Recorrente, quer quanto ao plano apresentado, quer quanto ao reconhecimento e declaração de nulidades processuais.
XXX. O Recorrente alegou, de forma detalhada e fundamentada, a existência de tramitações irregulares, falhas sistemáticas e vícios processuais, designadamente: a) A inexistência de um plano de liquidação válido; b) A não convocação da Assembleia de Credores desde a sua desconvocação devido à pandemia da COVID-19; c) A ausência de deliberação sobre matérias fundamentais ao desenvolvimento do processo, nomeadamente a gestão e o destino da insolvente e dos seus ativos. Estas irregularidades, devidamente arguidas pelo Recorrente, comprometem a regularidade do processo de insolvência, inviabilizando a efetivação dos direitos das partes interessadas, em especial dos credores, e violando os princípios fundamentais do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE) e a omissão de pronúncia sobre tais vícios constitui violação manifesta do dever do juiz resolver as questões que lhe são submetidas e a fundamentação das decisões judiciais, sendo certo que o Tribunal tinha o dever legal de se pronunciar sobre todas as questões submetidas à sua apreciação. A não apreciação das irregularidades processuais afeta a legalidade do processo e compromete a aplicação dos princípios fundamentais da recuperação da empresa, do contraditório e da proteção dos credores, tornando a tramitação dos autos passível de anulação e o dever de fundamentação das decisões judiciais decorre dos artigos 154.º do CPC e 205.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP), impondo ao julgador o dever de explicitar as razões da sua decisão, permitindo o seu escrutínio e garantindo a transparência da administração da justiça.
YYY. A omissão de qualquer análise às nulidades invocadas pelo Recorrente constitui uma violação clara deste dever, o que, por si só, justifica a anulação da decisão recorrida e a consequente determinação da sua reapreciação pelo Tribunal da Relação competente, até porque as irregularidades processuais invocadas pelo Recorrente não se traduzem em meros vícios formais, mas sim em falhas estruturais que comprometem a validade e a finalidade do processo de insolvência. A ausência de um plano de liquidação, a não convocação da Assembleia de Credores e a prática de atos abusivos de apropriação e liquidação, violam os princípios basilares da insolvência, impedindo a adequada deliberação sobre a recuperação ou liquidação da sociedade, colocando em risco o pagamento dos credores e perpetuando uma situação de incerteza jurídica, sendo que a falta de decisão sobre tais questões e pedidos prejudica os credores e os demais intervenientes processuais, afastando a aplicabilidade do CIRE e impedindo a adequada tramitação do processo de insolvência. Pelo que, atento o exposto, deve o Douto Tribunal da Relação julgar nula a decisão recorrida, novamente, por omissão de pronúncia do Tribunal recorrido quanto aos pedidos formulados pelo Recorrente, quer quanto ao plano apresentado, quer quanto ao reconhecimento e declaração de nulidades processuais.
ZZZ. Sem prescindir, invoca ainda o Recorrente a questão da inconstitucionalidade material e formal do processo de insolvência, com fundamento na violação dos princípios da recuperação da empresa, do contraditório e da confiança no sistema judicial, uma vez que o Tribunal recorrido conduziu o processo de insolvência sem observância das garantias fundamentais do devedor e dos credores configura uma violação do direito fundamental de acesso à justiça, previsto no artigo 20.º da CRP. É ainda manifesta a ausência de deliberação sobre a gestão da insolvente e a inércia na convocação da Assembleia de Credores, que se traduzem numa restrição ilegítima dos direitos dos credores e do devedor, comprometendo o equilíbrio do processo e a transparência da decisão judicial; é ainda notória a inexistência de um plano de liquidação adequado e a falta de critérios objetivos para a sua condução violam o princípio da igualdade das partes e a previsibilidade das decisões judiciais, comprometendo a confiança no sistema de insolvência.
AAAA. Não obstante a invocação expressa destas questões, o Tribunal a quo não se pronunciou sobre a matéria, limitando-se a rejeitar a proposta do Recorrente sem se pronunciar e avaliar os restantes pedidos. Ora, a omissão de pronúncia conduz evidentemente à invalidade/ nulidade da decisão recorrida, nos termos do art. 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC, e por violar o dever de fundamentação, impedindo o Recorrente de exercer o seu direito ao contraditório e de se defender, com consequências gravosas para o desfecho do processo. Pelo que, atento o exposto, deve o Douto Tribunal da Relação julgar nula a decisão recorrida, novamente, por omissão de pronúncia do Tribunal recorrido quanto aos pedidos formulados pelo Recorrente, quer quanto ao plano apresentado, quer quanto ao reconhecimento e declaração de nulidades processuais.
BBBB. Em suma, atento o exposto, atenta a omissão de pronúncia, falta de fundamentação e ambiguidade/obscuridade da decisão recorrida, e a violação do disposto nos artigos 1.º, 5.º, 192.º e 207.º, nº 1, al. a) b) e c) e 209.º, com preterição das faculdades dispostas nos artigo 75.º, 196.º, 200.º, 206.º, 208.º, 209.º a 220.º, todos do CIRE, dos artigos 12.º, 13.º, 18.º, 20.º, 61.º, 58.º, 80.º aliena c), 100.º e 202.º da CRP e dos art.ºs 2.º 3.º, 4.º, 6.º, 7.º, 41.º, 42.º, 43.º, 44.º, 152.º, 154.º, 195, 608º, nº 1 e 2, 615.º do CPC, deve o Douto Tribunal da Relação julgar nula a decisão recorrida e/ou revogar a mesma, devendo ser a mesma substituída por outra que que analise, de forma concreta, a proposta de plano apresentada em 2025 pelo Recorrente, e que, em conformidade e de forma fundamentada, decida pela sua viabilidade, com as demais consequências legais.”
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Apresentaram contra-alegações:
-o Ministério Público, que pugnou pela manutenção da decisão recorrida;
-EMP26..., S.A.. que pugnou pela manutenção da decisão recorrida;
- EMP27... STC S.A., que aderiu às conclusões da recorrente que antecede.
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Questão prévia: aperfeiçoamento das conclusões da alegação de recurso.
Proferido convite de aperfeiçoamento das conclusões apresentadas na alegação de recurso, sob pena de rejeição do mesmo, veio o recorrente apresentar o requerimento com novas conclusões.
Nas conclusões reformuladas o recorrente basicamente limitou-se a condensar as anteriores conclusões, pelo que atualmente as mesmas apresentam-se igualmente complexas e prolixas, não obedecendo à melhor técnica exigida pela lei processual civil. Significa isso que cumpriu o despacho proferido, mas não o fez corretamente.
Contudo, conseguindo ainda assim atingir-se o alcance pretendido, tal como conseguiram os recorridos que nas suas contra-alegações deram cabal resposta aos pontos suscitados, e, portanto, estando assegurado o contraditório, este Tribunal irá também fazer um esforço por analisar todos os argumentos apresentados, sem falhas a que os ditos vícios sempre nos poderão conduzir.
É jurisprudência largamente maioritária do STJ a tendência para o máximo aproveitamento das alegações, na prevalência da apreciação das razões de mérito sobre questões meramente formais. Os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, e do máximo aproveitamento possível dos atos, é o que se impõe.
Nessa medida, não é de rejeitar o recurso.
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O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, em separado e efeito devolutivo, o que foi confirmado por este Tribunal.
Foi ainda proferido o seguinte despacho pelo Tribunal a quo:
“Para efeito de recurso, fixo à causa o valor de 12.397,881,31 euros.
Req.º de 24-2 – Veio o credor AA apresentar “reclamação”, pedindo seja declarada nula com a consequente revogação da decisão SUPRESA reclamada, por padecer de nulidade insanável, nos termos do artigo 195.º, e n.º 1, alínea c) e d) do 615.º do CPC, conjugados com o artigo 17.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), em violação aos artigos 18.º e 20.º da CRP, 2.º, 3.º, 152.º, 254.º e 608.º do CPC, 1.º, 17.º, 193.º, 195.º. 207.º, 209.º e 210 do CIRE, para que seja proferida uma nova decisão que efetivamente aprecie a proposta de plano de insolvência de 2025, garantindo o respeito pelos princípios processuais e assegurando a aplicação correta da lei.
Em suma, veio “reclamar” do despacho posteriormente posto em crise por recurso supra admitido.
A decisão, que intitula de surpresa, decide da seguinte forma: (…)
Não se antevê, da leitura da mesma, que a decisão seja surpreendente, para o credor, ou qualquer outro interveniente processual, estribando-se, alias, no já decidido por Acordão transitado em julgado, relativamente à mesma matéria.
Assim, e por manifestamente insubstanciado, indefere-se o ora requerido.”
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Após os vistos legais, cumpre decidir.
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II QUESTÕES A DECIDIR.
Decorre da conjugação do disposto nos art.ºs 608º, n.º 2, 609º, n.º 1, 635º, n.º 4, e 639º do Código de Processo Civil (C.P.C.) que são as conclusões das alegações de recurso que estabelecem o thema decidendum do mesmo. Impõe-se ainda ao Tribunal ad quem apreciar as questões de conhecimento oficioso que resultem dos autos.
Impõe-se, por isso, no caso concreto e face às elencadas conclusões decidir, por ordem lógica:
-se com a prolação do despacho recorrido foi cometida nulidade processual, pelo proferimento de decisão surpresa;
-se foi violado o direito constitucional de acesso à justiça;
-se a sentença é nula por omissão de pronúncia, por falta de fundamentação, por contradição, e/ou por ambiguidade ou obscuridade;
-se a decisão de direito deve ser alterada, impondo-se a aceitação da proposta apresentada, ordenando-se o cumprimento do art.º 208º do CIRE, ou se alguma circunstâncias obsta a essa apreciação.
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III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
Para apreciação do mérito do recurso importa atentar na seguinte tramitação, que resulta da consulta dos autos por via eletrónica (e que consta também, parcialmente, do acórdão proferido por esta Relação em 31/10/2024 no apenso AY, relatado pelo aqui 1º adjunto):
A- Por sentença proferida em 27/01/2020, transitada em julgado, a devedora EMP01..., S.A., foi declarada insolvente – cfr. sentença proferida nos autos principais em 27/01/2020.
B- Em 04/03/2020, a devedora EMP01..., S.A. apresentou uma proposta de plano de insolvência – cfr. requerimento apresentado em 04/03/2020 nos autos principais.
C- Por despacho proferido em 25/11/2020, transitado em julgado, decidiu-se que: “Tendo em conta o resultado da votação comunicada a fls. 3318 e ss. pelo senhor administrador, o plano não foi aprovado” e determinou-se que os autos prosseguissem para liquidação – cfr. despacho proferidos em 25/11/2020 nos autos principais.
D- Em 16/04/2021 a administradora da insolvência requereu que, na sequência do despacho proferido em 25/11/2020, ordenando o prosseguimento dos autos para liquidação e com o inerente encerramento da atividade do estabelecimento da devedora EMP01..., S.A., se desse cumprimento ao disposto no art. 65º, n.º 3 do CIRE, comunicando oficiosamente à administração fiscal a cessação da atividade da devedora, com efeitos retroativos à data em que foi determinado o prosseguimento dos autos para liquidação, em 25/11/2020 – cfr. requerimento de 16/04/2021 junto aos autos principais.
E- Por despacho proferido em 21/04/2021, transitado em julgado, ordenou-se que se oficiasse à administração fiscal comunicando a cessação da atividade da devedora, com efeitos retroativos à data em que foi determinado o prosseguimento dos autos de liquidação, em 25/11/2020, e ordenou-se que a administradora da insolvência tomasse imediatas diligências para encerrar o estabelecimento da devedora EMP01..., S.A. – cfr. despacho proferido em 21/04/2021 nos autos principais.
F- Em 08/02/2022, a devedora EMP01..., S.A., apresentou nova proposta de plano de insolvência e requereu que se ordenasse a suspensão da liquidação da massa insolvente, bem como da partilha do produto da liquidação pelos credores da insolvência, para que não se colocasse em risco a execução da proposta de plano de insolvência que apresentou e, bem assim, que se designasse data para a realização de assembleia de credores para votação da nova proposta de plano de insolvência que apresentou e lhe fosse atribuída a administração da massa insolvente – cfr. requerimento apresentado em 08/02/2022 nos autos principais.
G- Por despacho proferido em 01/08/2022, não se admitiu a nova proposta de plano de insolvência apresentada pela devedora e o demais por si requerido, com fundamento de que: anteriormente já tinha sido apresentado nos autos um plano de insolvência, que tinha sido rejeitado por 80% dos credores e que, a 13/11/2020, foi determinada a remoção da insolvente da administração da massa, por se revelar desvantajosa para os credores; nos termos do art. 207º, n.º 1 do CIRE, o juiz não admite a proposta de plano de insolvência quando a aprovação pela assembleia de credores ou a posterior homologação pelo juiz forem manifestamente inverosímeis, “o que é o caso dos autos, face à perda da confiança dos credores na insolvente por ter constituído novas dívidas durante o período em que administrou a massa” e, bem assim, por a nova proposta de plano de insolvência ter sido apresentada “em fevereiro de 2022, sensivelmente dois anos depois da retirada da administração da massa pela devedora e do despacho a decretar o início da liquidação do ativo. Pelo que não é já admissível a apresentação de novo plano de insolvência, por extemporâneo” – cfr. despacho proferido em 01/08/2022 nos autos principais.
H- A devedora EMP01..., S.A. interpôs recurso do despacho identificado em G), tendo, por acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, em 30/11/2022, transitado em julgado, o recurso sido julgado improcedente e, em consequência, confirmado o despacho recorrido, lendo-se no referido acórdão, além do mais, o seguinte: “A materialidade a atender para efeito de decisão do objeto do recurso é a seguinte (a qual resulta documentalmente demonstrada nos autos): 1. EMP01..., SA, sociedade anónima, contribuinte n.º ...32, com sede no Parque Industrial ..., 2ª fase, freguesia ..., ... e ..., ... ..., foi declarada insolvente por sentença datada de 27.1.2020. 2. Em 13.11.2020 foi proferido despacho que, entre outros, determinou a remoção da insolvente da administração da massa por se revelar desvantajosa para os credores. 3. A insolvente apresentou, em 4.3.2020, uma primeira proposta de plano de insolvência nos termos que constam dos autos. 4. O Sr. Administrador veio, por requerimento junto a fls. 3318, datado de 19.11.2020, comunicar nos autos o resultado da votação do plano de insolvência referido em 3º, o qual foi rejeitado por 80% dos credores. 5. Perante o resultado da votação, foi proferido despacho, em 25.11.2020, a determinar, para além do mais, que os autos prosseguissem para liquidação. 6. Em 16.4.2021 veio a Administradora da Insolvência de então juntar aos autos requerimento com o seguinte teor: “EE, Administradora de Insolvência nomeada nos autos acima e à margem referenciados, vem muito respeitosamente junto de V. Exa dizer o seguinte: No seguimento do resultado da votação do plano apresentado pela insolvente, comunicado aos presentes autos pelo anterior administrador de insolvência, Dr. FF, foi determinado o prosseguimento dos autos para liquidação (despacho de 25.112020). Ora, com a determinação do prosseguimento dos autos para liquidação e com o inerente encerramento da atividade do estabelecimento, extinguem-se as obrigações declarativas e fiscais, devendo tal facto ser comunicado oficiosamente pelo tribunal à administração fiscal para efeitos de cessação da atividade, conforme decorre do artigo 65º n.º 3 do CIRE. Sucede que, compulsados os autos verifica a aqui signatária que não consta dos autos decisão a ordenar a realização da referida comunicação. Assim, Requer a V. Exa se digne a ordenar o cumprimento do disposto no artigo 65º, n.º 3 do CIRE, com efeitos retroativos à data em foi determinado o prosseguimento dos autos para liquidação, designadamente o dia 25.11.2020.” 7. Sobre o aludido requerimento recaiu o despacho datado de 21.4.2021, com o seguinte teor: “Cumpra o disposto no artigo 65º, n.º 3 do CIRE. Notifique a Sra. administradora do requerido a 15-4-2021 para tomar imediatas diligências para ser cumprido o já ordenado encerramento do estabelecimento da insolvente e informar o que tiver por conveniente. Deverá ainda no mais curto espaço de tempo dar cumprimento ao nosso despacho de 12-4-2021”. 8. A devedora, por requerimento de 08.02.2022, juntou aos autos proposta de plano de insolvência ao abrigo do disposto no artigo 193º, nº 1 e 207º, nº 1 al. d) do CIRE, na qual refere que “atenta a votação da proposta de plano de recuperação oportunamente apresentada e por ser perfeitamente viável inverter e suprir o resultado que da mesma resultou”, peticionando em consequência “a suspensão da liquidação da massa insolvente bem como da partilha do produto pelos credores da insolvência, para não colocar em risco a execução do plano de recuperação, conforme decorre do artigo 206º nº 1 do CIRE”, a “marcação de assembleia de credores para votação do novo plano de insolvência que ora se junta” e a “a atribuição da administração da massa insolvente à Devedora, nos termos do artigo 224º e seguintes do CIRE”. 9. Os credores GG, a fls. 5641 verso, HH, CC, II, JJ, KK, LL, MM, NN, OO, PP, GG, GG, QQ e RR, a fls. 5643 e ss., a EMP26..., SA, a fls. 5652 e ss., EMP28..., Lda. a fls. 5662 verso, À EMP29..., Lda., a fls. 5664 e ss., Banco 2..., SA a fls. 5668, ... (Portugal) - Produtos e Serviços, Unipessoal, Lda., a fls. 5669, SS, a fls. 5683, EMP30..., Lda. a fls. 5685, manifestaram a sua oposição à atribuição da administração da massa à devedora, bem como à suspensão da liquidação do ativo e à admissão da nova proposta de plano. 10. O administrador de insolvência veio pronunciar-se, a fls. 5672, pela inadmissibilidade da nova proposta de plano nesta fase processual. 11. Apenas a credora EMP31... a fls. 5731 veio pronunciar-se a favor da nova proposta. 12. Sobre a pretensão aludida em 8º. recaiu o despacho exarado em 01.08.2022 que não admitiu a proposta de plano de recuperação por se ter entendido que a mesma era tardia pelas razões que se transcrevem “… embora a suspensão da liquidação da massa seja admissível se for necessária para não pôr em risco a execução de plano de insolvência, tal não significa que o plano pode ser proposto a todo o tempo, sendo que no caso dos autos a nova proposta surge em fevereiro de 2022, sensivelmente dois anos depois da retirada da administração da massa pela devedora e do despacho a decretar o início da liquidação do ativo. Pelo que não é já admissível a apresentação de novo plano de insolvência, por extemporâneo” e que a sua aprovação seria manifestamente inverosímil “face à perda da confiança dos credores na insolvente por ter constituído novas dívidas durante o período em que administrou a massa”.
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IV- FUNDAMENTOS DE DIREITO (…) No caso vertente a devedora insolvente apresentou, em 8 de fevereiro de 2022, uma (nova) proposta de plano de insolvência a qual, todavia, não foi liminarmente admitida pelo juiz a quo com um tríplice fundamento: i) extemporaneidade na apresentação dessa proposta; ii) manifesta inexequibilidade da mesma; iii) manifesta inverosimilidade na aprovação e homologação da proposta. (…) Perscrutando a doutrina e jurisprudência que se tem pronunciado sobre esta temática verifica-se que se tem entendido que a apresentação de um plano de insolvência pelo devedor, que veio a não ser aprovado, não é impeditivo de, posteriormente, o mesmo fazer uma nova proposta. Essa perspetiva das coisas filia-se no entendimento de que com o CIRE houve uma alteração do paradigma legal, sendo que a decisão de recuperar o devedor insolvente passou a caber integralmente aos credores e o juiz deixou de ter quaisquer poderes nesta matéria, nomeadamente quanto à oportunidade e à adequação do plano. A opção legislativa foi, pois, colocar o destino da empresa nas mãos dos credores e limitar a intervenção do juiz basicamente ao controlo da legalidade do processo. Nessa medida, numa primeira abordagem, nada obstará a que seja apresentada nova proposta pelo devedor ainda que este tenha visto não ser aprovada a proposta anteriormente apresentada. Questão diferente desta é, como se referiu, a que diz respeito à definição de um eventual dies ad quem quanto à apresentação dessa (nova) proposta de plano de insolvência. Ora, se é facto que o CIRE não define propriamente um termo para a apresentação da proposta de plano - o que se compreende face à já assinalada opção legislativa de colocar o destino da empresa nas mãos dos credores, representando o plano uma forma de autocomposição de interesses -, a jurisprudência vem assinalando que a oportunidade dessa apresentação, por razões de coerência lógica, terá de cessar quando os atos de liquidação ou partilha (já efetivada ou a efetivar) impossibilitem, na prática ou em termos jurídicos, a sua execução. Esta última asserção mostra-se, assim, diretamente conexionada com um dos motivos tipicamente previstos para a não admissão liminar da proposta de plano de insolvência, concretamente a sua manifesta inexequibilidade (cfr. art. 207º, nº 1, al. c)). (…). Assim, não deverá ser admitida a proposta que, designadamente, contenha medidas insuscetíveis de serem jurídica ou materialmente realizadas, porque não existem meios para tal, ou porque ultrapassam a competência do devedor ou dos respetivos órgãos. Ora, como resulta dos autos, na sequência da rejeição da primeira proposta de plano e posterior remoção da recorrente da administração da massa, o tribunal a quo determinou o prosseguimento dos autos para liquidação do ativo. E, nessa sequência, a administradora da insolvência então nomeada nos autos requereu a cessação de atividade da recorrente junto da Autoridade Tributária e Aduaneira, com a consequente cessação dos contratos de trabalho que à data ainda se encontravam em vigor. Mais resulta dos autos que foram já alienados parte dos equipamentos utilizados pela recorrente para prossecução da respetiva atividade comercial. Logo, como é bom de ver, os atos de liquidação e partilha já praticados são de molde a impedir a execução de qualquer plano de insolvência que eventualmente pudesse vir a ser aprovado pelos credores, o que justifica a afirmação da evidente inexequibilidade da ajuizada proposta que surge sensivelmente dois anos depois da retirada da administração da massa pela devedora e do despacho a decretar o início da liquidação do ativo, encontrando-se já em curso atos de liquidação que objetivamente comprometem a sua execução com eficácia. Afigura-se-nos, pois, mostrar-se preenchida a previsão normativa da al. c), do nº 1 do art. 207º, o que, per se, legitimaria a não admissão da proposta de plano apresentada pela apelante. Ainda assim vejamos se se encontra, outrossim, verificada a fattispecie normativa da al. b) do nº 1 do citado art. 207º, na qual se dispõe que «[o] juiz não admite a proposta de plano de insolvência quando a aprovação do plano pela assembleia de credores ou a posterior homologação pelo juiz forem manifestamente inverosímeis.» (…). Revertendo ao caso em apreço verifica-se que a anterior proposta de plano de insolvência apresentada pela devedora foi recusada por uma maioria muito significativa dos credores (correspondente a 80% dos créditos) que, assim, manifestaram já a intenção de verem os seus créditos ressarcidos através da liquidação do ativo apreendido a favor da massa insolvente. De igual modo, como emerge do substrato fatual apurado, a maioria dos credores manifestou nos autos a sua discordância quanto à apresentação do novo plano (pois apenas a credora “EMP31...”, a fls. 5731, veio pronunciar-se a favor da nova proposta), requerendo não só a sua não admissão, mas também referindo que se opunham à respetiva aprovação, o que é bem demonstrativo da falta de confiança dos credores não só na insolvente, mas também nos seus legais representantes, a quem, nos termos daproposta de plano apresentada, seria confiada a execução do mesmo. Acresce que, como decorre do processo, a maioria dos credores também se opôs à atribuição da administração da massa à devedora, bem como à suspensão da liquidação do ativo. Tal tomada de posição faz razoavelmente prever um desfecho negativo relativamente à aprovação da nova proposta em futura assembleia de credores para votação do novo plano de insolvência. Refira-se ainda que a “falta de confiança dos credores na insolvente” (a que se alude na decisão recorrida) mais não é mais do que uma decorrência da conclusão a que o juiz a quo já havia firmado no despacho que proferiu em 13.11.2020 (transitado em julgado), no qual se determinou que a insolvente fosse removida da administração da massa, sendo certo que não resulta do processo que esta, desde então, tenha desenvolvido de forma consistente quaisquer atos para que tal confiança fosse recuperada por aqueles; pelo contrário, posto que tal ato decisório teve, precisamente, por fundamento o agravamento da situação dos credores, fruto do inadimplemento por banda da insolvente das injunções que lhe foram impostas no âmbito do Proc. nº 622/19...., o que originou o consequente agravamento da situação financeira da massa insolvente e que culminou, inclusivamente, na apresentação de uma ação executiva contra a massa insolvente, a correr termos por apenso aos presentes autos. Ora, perante tal realidade confirma-se o juízo emitido pelo decisor de 1ª instância quanto ao preenchimento, in casu, da al. b) do nº 1 do art. 207º. (…)”. – cfr. acórdão proferido em 31/11/2022 no apenso AP.
I- Em 07/12/2023, o credor AA apresentou proposta de plano de insolvência – cfr. o respetivo requerimento.
J- Por despacho proferido em 26/01/2024, a 1ª Instância não admitiu a nova proposta de plano de insolvência apresentada com fundamento no caso julgado formal que cobre o acórdão proferido por esta Relação em 30/11/2022, e por manifesta inverosimilhança da sua aprovação, “dado que decorreu já mais de um ano desde a prolação daquele aresto, estando demonstrados a fortiori os argumentos que se prendiam com a antiguidade da cessação da atividade e dos contratos de trabalho e, bem assim, das diligências de liquidação”, constando esse despacho do seguinte dispositivo:
“Em face do exposto, decido não admitir a nova proposta de plano de insolvência, nos termos do artigo 207.º, n.º 1, als. b ) e c) do CIRE”. – cfr. o respetivo despacho proferido em 26/01/2024 nos autos principais.
L- Inconformado com o decidido, o credor AA interpôs recurso – cfr. requerimento de 15/02/2024, apenso AY.
M- O recurso foi julgado improcedente por acórdão desta Relação de 31/10/2024, que culmina com o seguinte dispositivo: “Nesta conformidade, os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam em julgar o presente recurso improcedente, revogando, contudo, a parte dispositiva do despacho recorrido e, em consequência, julgam procedente a exceção dilatória de caso julgado formal e, em consequência, absolvem a devedora e os restantes credores da instância quanto à proposta de plano de insolvência apresentada pelo recorrente AA em 07/12/2023.” – cfr. apenso AY.
N- Nesse acórdão, depois de se elencar na fundamentação de facto o que aqui consta sob as alíneas A) a H), diz-se (a nota 26 foi introduzida no texto entre parêntesis): “Conforme já se deixou antes enunciado, no âmbito da lei processual, o caso julgado, seja material ou formal, configura uma exceção dilatória, que obsta a que o tribunal possa entrar na apreciação do mérito da causa e que impõe que o réu tenha de ser absolvido da instância, pelo que não sofre qualquer dúvida que ao concluir verificar-se a exceção do caso julgador formal e, em seguida, na parte dispositiva do despacho recorrido, ao rejeitar in limine a proposta de plano de insolvência apresentada pelo recorrente com fundamento na als. a) e c) do n.º 1 do art. 207º do CIRE, a 1ª Instância incorreu em erro de direito, pelo que, caso aquela exceção dilatória proceda, impõe-se revogar essa decisão e em sua substituição proferir outra em que se absolva a devedora e os credores da instância quanto à nova proposta de plano de insolvência apresentada pelo recorrente. A questão que agora se coloca é assim a de se saber se decisão proferida pelo acórdão proferido por esta Relação em 30/11/2022, transitada em julgado, que indeferiu liminarmente a proposta de plano de insolvência apresentada pela devedora, com fundamento nas als. a) e c) do n. 1 do art. 207º, opera caso julgado formal em relação à proposta de insolvência que foi apresentada pelo recorrente em 07/12/2023, tal como decidido pela 1ª Instância, impondo o que nele foi em definitivo decidido, sem nova discussão em relação a esta última proposta de plano de insolvência apresentada pelo recorrente. O recorrente defende que essa exceção não se verifica uma vez que a proposta de plano de insolvência sobre que incidiu aquele acórdão foi apresentada pela devedora EMP01..., S.A., quando a nova proposta de plano de insolvência foi apresentada pelo próprio, pretendendo dizer que não ocorre identidade de sujeitos; mais sustenta que, embora ambas as propostas de plano de insolvência sejam semelhantes, as mesmas são distintas; e, finalmente, advoga que, contrariamente ao decidido no despacho recorrido, em que se entendeu que os fundamentos que presidiram à decisão proferida naquele acórdão se mantêm atuais e, inclusivamente, reforçados, assim não é, porquanto ele e os credores da devedora que se manifestaram a favor da aprovação da proposta de plano de insolvência que apresentou, alegaram novos factos, que não foram considerados naquele anterior acórdão e que, presentemente, uma maioria dos credores está de acordo com a aprovação do novo plano de insolvência que apresentou. Note-se que, perante o que se acaba de expor, na apreciação a apreender não está em causa a questão de se saber se, uma vez apresentada uma proposta de plano de insolvência, que veio a não ser aprovada, ou que foi indeferida liminarmente, com fundamento no art. 207º, n.º 1 do CIRE, por decisão transitada em julgado, pode, posteriormente, ser apresentada nova proposta de plano de insolvência, problemática essa que sobejamente foi tratada no acórdão proferido por esta Relação em 30/11/2022, em que se expendeu que, de acordo com a doutrina e a jurisprudência, a circunstância de ter sido apresentado um plano de insolvência, que não veio a ser aprovado, não é impeditivo à posterior apresentação de novo plano, o que aqui se subscreve e aplaude, mas do que se trata é de saber se o caso julgado que cobre aquele acórdão, atentos os fundamentos em que assentou a decisão nele proferida, se impõe em relação à nova proposta de plano de insolvência que agora foi apresentada pelo recorrente. Como atrás enunciado, o caso julgado formal impede que a mesma questão processual, já decidida, por decisão transitada em julgado, possa ser novamente discutida dentro do mesmo processo em que essa decisão foi proferida (efeito negativo do caso julgado formal) e impõe o decidido quanto à mesma dentro desse processo, em que o decidido adquire força vinculativa e incontestável (efeito positivo daquele). Daí que a circunstância da proposta de plano de insolvência sobre que se debruçou o acórdão proferido por esta Relação em 30/01/2022, ter sido apresentada pela devedora EMP01..., S.A., enquanto a presente proposta de plano foi apresentada pelo aqui recorrente, contrariamente ao por este pretendido, não obsta a que ocorra a exceção do caso julgado formal – o acórdão proferido por esta Relação, que rejeitou liminarmente a proposta de plano de insolvência apresentada pela devedora, com fundamento na als. b) e c) do n.º 1 do art. 207º, por decisão transitada em julgado, foi proferida no mesmo processo de insolvência em que EMP01..., S.A., foi declarada insolvente, por sentença proferida em 27/02/2020, transitada em julgado, onde agora, em 07/12/2023, o recorrente apresentou nova proposta de plano de insolvência. De resto, aquando da prolação do dito acórdão o recorrente AA já era credor da devedora e já então tinha intervenção no presente processo de insolvência, pelo que teve oportunidade de nele se pronunciar quanto à proposta de plano de insolvência apresentado pela devedora e que foi alvo da decisão, transitada em julgado, proferida naquele acórdão desta Relação, pelo que o caso julgado que cobre a decisão nele proferida é-lhe oponível de forma vinculativa e incontestável, não sendo pela circunstância de ser o mesmo que agora apresenta a nova proposta de plano, quando a anterior (objeto da decisão proferida naquele acórdão) fora apresentada pela devedora, que obsta a que se conclua pela verificação da exceção dilatória do caso julgado formal. Aliás, em caso de diversidade de ações (o que não é o caso dos autos, em que nos movemos dentro do mesmo processo de insolvência), pressupondo o caso julgado material (que também não é o que aqui está a ser discutido, mas sim o caso julgado formal) a tripla identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir (art. 581º), a referida identidade de sujeitos que se tem de verificar entre a primeira ação, já decidida, por decisão de mérito transitada em julgado, e a segunda ação, não é a identidade física, mas antes a sua identidade do ponto de vista da sua qualidade jurídica, pelo que, quando na segunda ação forem pleiteantes os sucessores das partes que intervieram na primeira ação (por ato entre vivos ou mortis causa), ocorre identidade de sujeitos em ambas as ações. E também não obsta à identidade de partes o facto daquelas aparecerem na nova ação em posição inversa da que ocuparam na ação anteriormente julgada, por decisão de mérito transitada em julgado (Manuel de Andrade, ob. cit., págs. 309 a 310). Acresce que também não obsta ao caso julgado formal a diversidade de proposta de plano de insolvência sobre que se debruçou a decisão proferida naquele acórdão, transitada em julgado, e a que agora está aqui a ser apreciada, apresentada pelo recorrente, nem obstam ao caso julgado os pretensos novos factos que terão sido por alegados pelo recorrente no requerimento em que apresentou essa nova proposta de plano de insolvência e os que foram alegados pelos credores que pugnaram pela admissibilidade e tempestividade legal dessa nova proposta, caso esses pretensos novos factos não sejam de molde a afastar os fundamentos fáctico-jurídicos em que assentou a decisão, transitada em julgado, proferida naquele acórdão. Ora, no acórdão proferido por esta Relação em 30/11/2022, transitado em julgado, julgou-se que se verificava o fundamento de indeferimento liminar de inexequibilidade da proposta de plano de insolvência apresentada pela devedora, da al. c) do n.º 1 do art. 207º do CIRE, por os atos de liquidação e partilha já praticados no âmbito do presente processo de insolvência serem “de molde a impedir a execução” daquele plano de insolvência “ou de qualquer plano de insolvência que eventualmente pudesse vir a ser aprovado pelos credores”, porquanto, “na sequência da rejeição da primeira proposta de plano e posterior remoção da recorrente da administração da massa, o tribunal a quo determinou o prosseguimento dos autos para liquidação do ativo. E, nessa sequência, a administradora da insolvência então nomeada nos autos requereu a cessação da atividade da recorrente junto da Autoridade Tributária e Aduaneira, com a consequente cessação dos contratos de trabalho que à data ainda se encontravam em vigor” e “foram alineados parte dos equipamentos utilizados pela recorrente para prossecução da respetiva atividade comercial”. O assim decidido transitou em julgado e dele decorre que, por via dos atos de liquidação e de partilha já efetuados quando a devedora em 08/02/2022, apresentou a proposta de plano de insolvência, não só esse plano, caso viesse a ser aprovado pelos credores era inexequível, impondo-se o indeferimento dessa proposta nos termos da al. c) do n.º 1 do art. 207º, como de qualquer outra que viesse a ser apresentada e que viesse a ser aprovada pelos credores. Deste modo, ficou em definitivo decidido, por via do caso julgado formal que cobre aquele acórdão, que, por via dos atos de liquidação e de partilha já efetuados, não era possível nos presentes autos de insolvência serem apresentadas novas propostas de plano de insolvência, sem que se alegasse (e provasse) que os atos de liquidação e de partilha neles efetuados (que impediam que qualquer plano de insolvência que viesse a ser aprovado pelos credores, fosse manifestamente inexequível, nos termos da al. c) do n.º 1 do art. 207º do CIRE) foram anulados. Os fundamentos que presidiram ao assim decidido, como refere a 1ª Instância, mantêm-se atuais, posto que, no requerimento apresentado pelo recorrente, em 07/12/2023, propondo o plano de insolvência que estamos a apreciar, e nos requerimentos que, na sequência do despacho proferido em 19/12/2023, ordenando a notificação do administrador da insolvência, da devedora e dos credores para se pronunciarem quanto à sua admissibilidade e tempestividade, foram apresentados pelos credores e pela devedora que se manifestaram no sentido daquela proposta de plano ser admissível e tempestiva, não foi alegado que os atos de liquidação e de partilha que, em 08/02/2022 (data em que a devedora apresentou a proposta de plano de insolvência apreciada naquele acórdão e que foi alvo da decisão nele proferida, transitada em julgado), tivessem sido anulados – nem tal resulta evidenciado nos autos -, de modo a que a devedora tivesse entretanto recuperado as condições materiais de modo a poder executar qualquer plano que fosse apresentado e viesse a ser aprovado pela assembleia de credores. Aliás, entre 08/02/2022 e 07/12/2023 (data em que o recorrente apresentou a nova proposta de plano de insolvência que agora estamos a apreciar), decorreu um lapso temporal de quase dois anos, onde os atos de liquidação e de partilha prosseguiram, pelo que, tal como se ponderou no despacho recorrido, os fundamentos que levaram a que, naquele acórdão, por decisão transitada em julgado, se julgasse verificado o fundamento de indeferimento liminar por inexequibilidade, da al. c) do n.º 1 do art. 207º, em 07/12/2023, estão reforçados. Deste modo, ao ter julgado que o caso julgado formal que cobre a decisão, transitada em julgado, proferida naquele acórdão, que julgou inexequível a proposta de plano de insolvência apresentada pela devedora e que, em consequência, o indeferiu liminarmente, nos termos da al. c) do n.º 1 do art. 207º, impõe-se quanto ao plano de insolvência apresentado pelo recorrente, em 07/12/2023, a 1ª Instância não incorreu nos erros de direito que lhe são assacados pelo recorrente. Contudo, sendo o caso julgado formal uma exceção dilatória, que obsta ao conhecimento do mérito da causa, impondo a absolvição da devedora e dos restantes credores da instância, impõe-se revogar a parte dispositiva do despacho recorrido e substituí-la por outra, em que se julgue procedente a exceção dilatória de caso julgado formal e, em consequência, se absolva a devedora e os restantes credores da instância quanto à proposta de plano de insolvência apresentada pelo recorrente AA em 07/12/2023. Por via da absolvição da instância fica prejudicado o conhecimento dos demais fundamentos de recurso invocados pelo recorrente. Decorre do que expendido, impor-se julgar o presente recurso improcedente e substituir a parte dispositiva do despacho recorrido, por decisão em que se julgue procedente a exceção dilatória de caso julgado formal e, em consequência, se absolva a devedora e os restantes credoresda instância quanto à proposta de plano de insolvência apresentada pelo recorrente AA em 07/12/2023.”
O- O STJ não conheceu do objeto do recurso interposto desse acórdão – cfr. decisão de 16/04/2024, no mesmo apenso.
P- Os autos de liquidação prosseguiram – cfr. apenso L.
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IV MÉRITO DO RECURSO.
NULIDADE PROCESSUAL E NULIDADE DE SENTENÇA.
A atividade processual que decorre da omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produz nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa – art.º 195º, n.º 1, C.P.C.; quando um ato tenha de ser anulado, anulam-se também os termos subsequentes que dele dependam absolutamente – n.º 2. Tratamos aqui da nulidade secundária, invocável pelo interessado nos termos e prazo legais – art.º 199º, n.º 1, C.P.C..
Mantém atualidade e pertinência o brocardo segundo o qual dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se. Conforme explicava Alberto dos Reis, (“Comentário ao Código de Processo Civil”, 2º Vol., págs. 507 e 508), “…a arguição da nulidade só é admissível quando a infração processual não está ao abrigo de qualquer despacho judicial; se há um despacho a ordenar ou autorizar a prática ou a omissão do ato ou formalidade, o meio próprio para reagir, contra a ilegalidade que se tenha cometido, não é a arguição ou reclamação por nulidade, é a impugnação do respetivo despacho pela interposição do recurso competente.
Eis o que a jurisprudência consagrou nos postulados: dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se.
É fácil justificar esta construção. Desde que um despacho tenha mandado praticar determinado acto, por exemplo, se porventura a lei não admite a prática desse acto é fora de dúvida que a infracção cometida foi efeito do despacho; por outras palavras, estamos em presença dum despacho ilegal, dum despacho que ofendeu a lei do processo. Portanto a reacção contra a ilegalidade traduz-se num ataque ao despacho que a autorizou ou ordenou; ora o meio idóneo para atacar ou impugnar despachos ilegais é a interposição do respectivo recurso (...)”.
Anselmo de Castro (“Direito Processual Civil Declaratório”, III Vol., 1982, pág. 134) afirma que “Tradicionalmente entende-se que a arguição da nulidade só é admissível quando a infracção processual não está, ainda que indirecta ou implicitamente, coberta por qualquer despacho judicial; se há um despacho que pressuponha o acto viciado, diz-se, o meio próprio para reagir contra a ilegalidade cometida, não é a arguição ou reclamação por nulidade, mas a impugnação do respectivo despacho pela interposição do competente recurso, conforme a máxima tradicional – das nulidades reclama-se, dos despachos recorre-se. A reacção contra a ilegalidade volver-se-á então contra o próprio despacho do juiz; ora o meio idóneo para atacar impugnar despachos ilegais é a interposição do respectivo recurso (…), por força do princípio legal de que, proferida a decisão, fica esgotado o poder jurisdicional do juiz (art. 666.º)”.
Vem-se entendendo que a nulidade processual que só é evidenciada pela prolação do despacho torna a reação do recorrente tempestiva, pois só então o mesmo soube que o Tribunal não adotou determinada conduta prévia que se lhe impunha, ou praticou um ato que a lei não admite. Isto é, estando em causa uma nulidade processual e não uma nulidade do despacho ou sentença (art.º 615º, n.º 1, d), aplicável aos despachos ex vi n.º 3 do art.º 613º, do C.P.C.), ocorrida antes de ter sido proferido o despacho ou sentença, mas que só com a prolação desta decisão é que aquela nulidade se evidenciou, tal torna tempestiva a sua arguição em sede de recurso (cfr. art.º 199º, n.º1, do C.P.C.).
Vide por todos, ao nível das decisões jurisprudenciais, o Ac. da Rel. de Lisboa de 14/7/2020 (processo n.º 574/19.2T8LRS.L1-7, relatado por Diogo Ravara, disponível em www.dgsi.pt, como todos os que se citarão sem indicação de outra fonte).
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No Ac. desta Relação de 19/4/2018 relatado por José Alberto Moreira Dias, analisou-se o princípio do contraditório, pelo que, numa abordagem sumária, destacamos que o princípio do contraditório previsto no art.º 3º, do C.P.C., a par de outros que constituem pilares do nosso ordenamento processual, tem duas vertentes:
-inter partes, e decorrência do princípio da igualdade previsto no art.º 4º do C.P.C., garantindo a possibilidade de cada parte se pronunciar sempre sobre os elementos trazidos ao Tribunal pela outra parte, ou condutas processuais, em cada momento e que podem fundamentar a decisão; esta é a vertente tradicional do direito ao contraditório, traduzida nos nºs. 1, 2 e 4, do art.º 3º, sendo o juiz fiscal do seu cumprimento (n.º 3);
-entre as partes e o Tribunal, sendo de observar pelo juiz ao longo de todo o processo, conforme dispõe o art.º 3º no n.º 3, e correspondendo a uma conceção ampla do princípio, e que no fundo emana do direito constitucional de direito de acesso à justiça num sistema equitativo e participado –art.º 20º, n.º 4, Constituição da República Portuguesa; deve ser cumprido como ato prévio de qualquer decisão a tomar no processo, seja de direito (mesmo de conhecimento oficioso), seja de facto, salvo casos de manifesta desnecessidade; é o seu cumprimento que evita a “decisão surpresa” na medida em que, além do mais, permite à parte que antevê que vai ser proferida uma decisão que lhe é desfavorável, argumentar, tentando convencer o Tribunal da bondade da sua posição.
“As decisões surpresa”, proibidas como decorre do exposto, têm o seu maior campo de expressão nas questões de conhecimento oficioso, designadamente quando não foram suscitadas pela parte contrária.
Cabe ao intérprete e ao aplicador da lei definir caso a caso se pode dispensar a observância desse princípio, face à cláusula de “manifesta desnecessidade (…)”.
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A violação desse princípio (ou a sua inobservância) configura uma nulidade processual sempre que tal omissão seja suscetível de influir no exame ou na decisão da causa, sendo consequentemente nula a decisão quando à parte não foi dada possibilidade de se pronunciar sobre os factos e respetivo enquadramento jurídico –cfr. art.ºs. 195º, 197º, n.º 1, e 199º, n.º 1, todos do C.P.C..
Esta nulidade, muito embora processual, quando a decisão-surpresa está coberta por decisão judicial, pode ser invocada e conhecida em sede de recurso.
E, como se disse no Ac. desta Relação de 6/2/2020 (relator Ramos Lopes), com eliminação das notas de rodapé: “A jurisprudência constitucional tem por assente que do ‘conteúdo do direito de defesa e do princípio do contraditório resulta prima facie que cada uma das partes deve poder exercer uma influência efetiva no desenvolvimento do processo, devendo ter a possibilidade, não só de apresentar as razões de facto e de direito que sustentam a sua posição antes de o tribunal decidir questões que lhes digam respeito, mas também de deduzir as suas razões, oferecer as suas provas, controlar as provas do adversário e tomar posição sobre o resultado de umas e outras’, adoptando, pois, um ‘entendimento amplo do contraditório, entendido «como garantia da participação efetiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, mediante a possibilidade de, em plena igualdade, influírem em todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação com o objeto da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão» (Lebre de Freitas, Introdução ao processo civil: conceito e princípios gerais. Coimbra, Coimbra Editora, 1996, p. 96.)’. Exigência postulada pelo princípio do processo justo e equitativo (art. 20º da CRP), o princípio do contraditório possui conteúdo multifacetado: traduzido fundamentalmente na possibilidade de cada uma das partes invocar razões de facto e de direito, oferecer provas, controlar as provas da outra parte e pronunciar-se sobre o valor e resultado desses provas, tem ínsito o reconhecimento do direito da parte à sua audição antes de ser tomada qualquer decisão, além do direito a conhecer todas as condutas assumidas pela contraparte e a tomar posição sobre elas.”
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O fundamento recursivo tendente a justificar a violação deste princípio e respetiva nulidade é o seguinte: ao não apreciar os elementos inovadores e essenciais do plano ora apresentado, o Tribunal recorrido impede o recorrente de exercer o contraditório respetivo.
Ora, como decorre da introdução supra, o que está ínsito no princípio do contraditório é a audição da parte em momento prévio à decisão; em causa na violação do princípio do contraditório e nulidade assim cometida está a prolação de uma decisão sem que antes disso seja dada oportunidade à parte de se pronunciar/defender.
Ora, em primeiro lugar, a prolação de um despacho liminar não exige que seja antecedido de uma notificação que anuncie essa intenção. De facto, a parte que apresenta um requerimento a juízo sabe que tem de obedecer a determinados requisitos que serão aferidos no crivo inicial que o Tribunal dele fará, conforme previsto, no caso concreto, na disposição legal que mais à frente analisaremos e face aos concretos pressupostos nela previstos. Em segundo lugar, a argumentação apresentada prende-se com o momento posterior à decisão, à reação ao despacho que não apreciou na íntegra ou corretamente o requerimento apresentado. Isto nada tem que ver com a princípio do contraditório, mas antes com a possibilidade de reação ao despacho/decisão assim proferido. Essa reação prende-se com a arguição de nulidades e pedido de (re)apreciação do mérito. Nessa fase a parte tem ao seu dispor os meios legais para apresentar a sua argumentação, de modo a tentar inverter/alterar o sentido do decidido.
Não está aqui em causa, nem o recorrente teria legitimidade para o suscitar, o princípio do contraditório dos credores relativamente ao conteúdo do plano. Essa fase seria posterior à apreciação liminar da proposta. O facto de, com a prolação do despacho, ter ficado inviabilizada a discussão da proposta conforme previsto no art.º 209º do D.L. n.º 53/2004 de 18/3 (CIRE), que seria resultado da sequência dos atos (ultrapassada a fase liminar), não contende e nada tem a ver com o direito (processual) ao contraditório do recorrente.
Antecipando desde já outra argumentação de recurso (violações do direito fundamental à justiça e à tutela jurisdicional efetiva), diremos que desse modo (pela via da possibilidade de reação) fica tutelado o acesso à justiça e à tutela jurisdicional efetiva (art.º 20º da Constituição da República Portuguesa).
Improcede, por isso, a invocada nulidade processual.
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O recorrente sustenta ainda a nulidade da decisão por falta de fundamentação, por omissão de pronúncia, por excesso de pronúncia, referindo-se também ao vício de contradição, ambiguidade e obscuridade (-a referência à alínea a) do art.º 615º, n.º 1, C.P.C., feita a certo passo, terá sido lapso).
Dispõe o art.º 615º, nº 1, C.P.C. que é nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
As nulidades da sentença são vícios formais e intrínsecos de tal peça processual e encontram-se taxativamente previstos no normativo legal supra citado.
Por força do n.º 3 do art.º 613º do C.P.C., os mesmos vícios são aplicáveis aos despachos (“3 - O disposto nos números anteriores, bem como nos artigos subsequentes, aplica-se, com as necessárias adaptações aos despachos”).
Os referidos vícios, designados como error in procedendo, respeitam unicamente à estrutura ou aos limites da sentença/acórdão e despacho.
Conforme Acórdão desta Relação de 4/10/2018, relatado por Maria João Matos, “As decisões judiciais proferidas pelos tribunais no exercício da sua função jurisdicional podem ser viciadas por duas distintas causas (qualquer uma delas obstando à sua eficácia ou validade): por se ter errado no julgamento dos factos e do direito, sendo então a respectiva consequência a sua revogação; e, como actos jurisdicionais que são, por se ter violado as regras próprias da sua elaboração e estruturação, ou as que balizam o conteúdo e os limites do poder à sombra do qual são decretadas, sendo então passíveis de nulidade, nos termos do art. 615.º do C.P.C. (neste sentido, Ac. do STA, de 09.07.2014, Carlos Carvalho, Processo nº 00858/14, in www.dgsi.pt, como todos os demais citados sem indicação de origem).”
A nulidade da decisão com fundamento na omissão de pronúncia apenas se verifica quando uma questão que devia ser conhecida na peça processual não teve aí qualquer tratamento, apreciação ou decisão, sem que a sua resolução tenha sido prejudicada pela solução, eventualmente, dada a outras (cfr. Ac. desta Relação de 5/4/2018, relatora Vera Sottomayor).
Porém questões não são factos, argumentos ou considerações. A questão a decidir está intimamente ligada ao pedido da providência e à respetiva causa de pedir. Relevam, de um modo geral, as pretensões deduzidas e os elementos integradores do pedido e da causa de pedir.
Dúvidas não há, porém, que o tribunal só pode apreciar questões que lhe forem suscitadas pelas partes (salvo as que forem de conhecimento oficioso) sob pena de, assim não sendo, cometer a nulidade no segmento inverso, ou seja, conhece de questões que não foram suscitadas, cometendo excesso de pronúncia.
O dever de fundamentação assenta no princípio constitucional da obrigatoriedade de fundamentação de todas as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente (art.º 205º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa).
A fundamentação tem de ser factual e jurídica. E, de acordo com o n.º 2 do art.º 154º, não pode ser através da mera adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou oposição em apreço, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade. O dever de fundamentação abrange todos os pedidos controvertidos e todas as dúvidas suscitadas no processo, mas também abrange o dever de explicitação dos motivos que levaram o julgador a dirimir a controvérsia em determinado sentido.
Pode questionar-se se apenas a falta absoluta de fundamentação constitui a causa de nulidade prevista na alínea b) do n.º 1 do art.º 615º – “a ausência total de fundamentos de direito e de facto” conforme refere José Alberto dos Reis, “Código Processo Civil Anotado”, V, pág. 140, e Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio Nora, “Manual de Processo Civil”, 2ª. ed., 1985, págs. 670 a 672; ou se a integra uma fundamentação apenas incompleta ou insuficiente.
Tem sido posição maioritária da jurisprudência que apenas a falta absoluta conduz à nulidade; admite-se que uma insuficiência grosseira (situação diversa da falta de mérito suficiente para justificar a parte dispositiva, que sempre se traduzirá antes em erro de julgamento) possa equivaler à falta de fundamentação.
Disse Alberto dos Reis que “a sentença é obscura quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível; é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes. (...) É evidente que, em última análise, a ambiguidade é uma forma especial de obscuridade. Se determinado passo da sentença é suscetível de duas interpretações diversas, não se sabe ao certo, qual o pensamento do juiz” (“Código de Processo Civil Anotado”, Vol. V, pág. 151). Já Remédio Marques quanto à ambiguidade da sentença diz que esta “exprime a existência de uma plurissignificação ou de uma polissemia de sentidos (dois ou mais) de algum trecho, seja da sua parte decisória, seja dos respetivos fundamentos”. Quanto à obscuridade, “traduz os casos de ininteligibilidade da sentença” (“Ação Declarativa À Luz Do Código Revisto”, 3ª. edição, pág. 667).
Sintetizando, “obscuro” é o que não é compreensível; “ambíguo” é o que é suscetível de diferentes interpretações, que podem inclusive ter sentidos opostos.
“Em qualquer caso, fica o destinatário da decisão sem saber ao certo o que efetivamente se decidiu, ou quis decidir. Mas não é qualquer obscuridade, ou ambiguidade, que é sancionada com a nulidade do acórdão, mas apenas aquela que torne a decisão ininteligível” –cfr. Ac. desta Relação, relatado por Rosália Cunha, no processo 324/19.3T8BRG.G1.
A oposição ente os fundamentos e a decisão reporta-se a uma contradição lógica. Ou seja, toda a argumentação vai num sentido e a conclusão é oposta ou divergente deste. Mais uma vez há que distinguir esta situação do erro de julgamento.
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Feito o enquadramento teórico, cabe fazer a sua aplicação ao caso.
Verificada a decisão recorrida, resulta que o Tribunal baseou a não admissão do plano no disposto no art.º 207º, n.º 1, b) e c), do CIRE.
Em primeiro lugar, o que se impunha que fosse decidido era precisamente se o plano apresentado “tinha pernas para andar”, ou seja, se, numa leitura liminar do plano apresentado, resulta que o mesmo pode ser aprovado e homologado e alcançar a visada regulação e satisfação dos interesses dos credores. Exige-se do juiz uma espécie de juízo de prognose nessa sua intervenção.
Esta apreciação e a decisão consequente foram feitas pelo Tribunal recorrido. A questão que lhe foi submetida (a apreciação liminar do plano apresentado) foi feita, tanto que foi indeferida a sua apresentação com base no disposto no art.º 207º, n.º 1, b) e c), do CIRE.
Estão em causa na norma (art.º 207º) situações que se resumem à verificação da legalidade do plano - n.º 1, a) do artigo, que remete para os art.ºs 193º e 195º do CIRE, e alínea d) do mesmo -, mas também de economia processual (e mérito, numa outra perspetiva, como veremos), neste caso numa perspetiva de plausibilidade de aprovação (rectius, que não seja manifestamente inverosímil a sua aprovação e homologação) e exequibilidade (rectius, que não seja manifestamente inexequível) –alínea b), que remete para os art.ºs 215º e 216º do CIRE, e alínea c).
Não se verifica, portanto, qualquer omissão de pronúncia no sentido que lhe demos supra.
Reitera-se, com maior ou menor fundamentação, como melhor veremos, o Tribunal a quo pronunciou-se sobre o que lhe competia. E analisou aquela proposta concreta, muito embora se tenha socorrido de argumentos utilizados na rejeição (ou na sua confirmação por este Tribunal da Relação no acórdão de 30/11/2022) do plano apresentado em 2022, que entendeu se mantinham (e até estavam reforçados face ao decurso do tempo).
Não há excesso de pronúncia, uma vez que a apreciação incidiu sobre o plano apresentado em 05/02/2025 e não sobre o plano apresentado em 2022, não obstante a repetição/reforço dos argumentos então usados.
Relativamente à fundamentação, é verdade que a decisão recorrida não elencou factos (e, consequentemente, motivação). Porém, estamos perante a prolação de um despacho liminar, que não obedece às exigências da elaboração de uma sentença (cfr. art.º 607º do C.P.C.). Cremos por isso ser bastante que se infira da sua leitura o quadro factual, o contexto, que foi tido em conta pelo Tribunal.
No caso, os factos que se ponderaram foram: “Nos presentes autos encontra-se já a decorrer a liquidação do activo há mais de 3 anos, com venda concretizada de parte substancial dos bens apreendidos a favor da massa insolvente, verificando-se igualmente a cessação de atividade da devedora junto da Autoridade Tributária e Aduaneira com a consequente cessação dos contratos de trabalho que a essa data ainda se encontravam em vigor.” (…) “…os elementos constantes dos autos apontam inequivocamente no sentido de que os credores já manifestaram a intenção de verem os seus créditos ressarcidos através da liquidação do ativo.”
Relativamente à fundamentação jurídica, ela também resulta suficientemente esclarecedora: o Tribunal aplicou o art.º 207º, n.º 1, alíneas b) e c), considerando por um lado, que os primeiros factosapontam para o preenchimento da alínea c), e o último para o preenchimento da alínea b).
Por último, face a tudo o que já dissemos, não vislumbramos qualquer contradição entre os factos e a decisão, além de se perceber o seu conteúdo, sentido e alcance.
Não se verifica, por isso, qualquer das nulidades que vem apontada à decisão recorrida, improcedente essa argumentação recursiva.
Situação diversa é se a análise feita pelo Tribunal recorrido foi insuficiente, na medida em que se impunha que o conteúdo do plano fosse analisado de forma mais pormenorizada, nomeadamente verificar se aqueles fatores (factos) apontados não constituíam óbice à aprovação e homologação daquele concreto plano.
De referir ainda que o recorrente reitera ao longo das suas alegações a referência a nulidades (processuais e de sentença), mas os argumentos usados reconduzem-se aos que deixamos aqui tratados, sem prejuízo da concreta alegação e apreciação (que será feita infra) relativa à falta de convite ao aperfeiçoamento da proposta/plano (cfr. art.º 207º, n.º 1. a), do CIRE).
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ERRO DE JULGAMENTO.
Resta aferir se o Tribunal recorrido aplicou bem o art.º 207º, nomeadamente se, como lhe aponta o recorrente, aplicou as alíneas b) e c) quando se impunha em primeiro lugar aplicar a alínea a), e se fez a apreciação que se exigia deste concreto plano de insolvência apresentado pelo recorrente em 05/02/2025 (designadamente face às exigências do artigo, cujo preenchimento impõe ao juiz o dever de recusar a apresentação do plano).
O recorrente, no primeiro dos erros mencionados (falta de aplicação em primeiro lugar da alínea a) do n.º 1), coloca novamente a tónica na nulidade processual (art.º 195º do C.P.C.), mas não se trata disso; está em causa a errada aplicação da norma, pelo que, sem necessidade de maior justificação, estamos no campo do erro de julgamento, e não das nulidades processuais. Voltaremos a esta questão.
Face aos argumentos recursivos, cabe dizer que não se discute que a anterior apresentação, gorada, de um plano de insolvência, não obsta à apresentação de outro(s) diferente.
Essa premissa, para além de já ter sido abordada no acórdão proferido nos autos em 30/11/2022 (apenso AP), foi repetida no acórdão igualmente proferido nos autos em 31/10/2024 (relatado pelo aqui 1º adjunto) e versando sobre um outro plano, este apresentado em 7/12/2023 por AA (recurso do apenso AY). Note-se que este é o 4º plano (pelo que conseguimos aceder ao processado eletrónico).
Cabe esclarecer que (também, para além das outras) a decisão recorrida não se fundamentou nessa razão.
O que se diz na decisão é que as razões subjacentes à decisão de 30/11/2022 se mantêm, como impeditivas da exequibilidade e da aprovação do plano.
A decisão recorrida, muito embora não o tenha referido expressamente, encontra fundamento na figura do caso julgado formal. Foi assim que o recorrente interpretou a mesma, aludindo a isso mesmo no presente recurso (“…o Tribunal recorrido limita-se a invocar indiretamente o conceito de "caso julgado", sem demonstrar como esse princípio poderia impedir a reapreciação de um plano de insolvência distinto, submetido com nova base fáctica e económica.” - conclusão P).
De facto, invoca-se a decisão previamente proferida em 30/11/2022, uma vez que só uma proposta que não tivesse os obstáculos aí referidos (para a não aceitação da proposta de plano de 2022) pode ser considerada, e não abrangido pelo caso julgado formal; e na decisão recorrida entendeu-se que aquelas razões se mantinham e até se reforçaram.
Os argumentos recursivos relativos à não verificação dessas razões enquanto óbice ao deferimento liminar só podiam ser assacados àquela decisão. Doutro modo, só pode discutir-se se as mesmas desapareceram.
Voltaremos a abordar a figura do caso julgado.
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Foi também esse o caminho seguido no acórdão de 31/10/2024 (relatado pelo 1º adjunto) e que aqui propugnamos. Face aos argumentos recursivos, naquele caso como no presente (agora face ao aplano de 05/02/2025), pondera-se o seguinte: “A questão que agora se coloca é assim a de se saber se decisão proferida pelo acórdão proferido por esta Relação em 30/11/2022, transitada em julgado, que indeferiu liminarmente a proposta de plano de insolvência apresentada pela devedora, com fundamento nas als. a) e c) do n. 1 do art. 207º, opera caso julgado formal em relação à proposta de insolvência que foi apresentada pelo recorrente em 07/12/2023, tal como decidido pela 1ª Instância, impondo o que nele foi em definitivo decidido, sem nova discussão em relação a esta última proposta de plano de insolvência apresentada pelo recorrente.”
Ultrapassada a questão da divergência de sujeitos requerentes (tratada naquela acórdão e aqui não suscitada), e tendo presente que não obsta à verificação do caso julgado formal (dado que também o aqui requerente foi ouvido naquela primitiva situação), voltamos a citar (com destaque a negrito nosso): “Como atrás enunciado, o caso julgado formal impede que a mesma questão processual, já decidida, por decisão transitada em julgado, possa ser novamente discutida dentro do mesmo processo em que essa decisão foi proferida (efeito negativo do caso julgado formal) e impõe o decidido quanto à mesma dentro desse processo, em que o decidido adquire força vinculativa e incontestável (efeito positivo daquele). (…) Acresce que também não obsta ao caso julgado formal a diversidade de proposta de plano de insolvência sobre que se debruçou a decisão proferida naquele acórdão, transitada em julgado, e a que agora está aqui a ser apreciada, apresentada pelo recorrente, nem obstam ao caso julgado os pretensos novos factos que terão sido por alegados pelo recorrente no requerimento em que apresentou essa nova proposta de plano de insolvência e os que foram alegados pelos credores que pugnaram pela admissibilidade e tempestividade legal dessa nova proposta, caso esses pretensos novos factos não sejam de molde a afastar os fundamentos fáctico-jurídicos em que assentou a decisão, transitada em julgado, proferida naquele acórdão. Ora, no acórdão proferido por esta Relação em 30/11/2022, transitado em julgado, julgou-se que se verificava o fundamento de indeferimento liminar de inexequibilidade da proposta de plano de insolvência apresentada pela devedora, da al. c) do n.º 1 do art. 207º do CIRE, por os atos de liquidação e partilha já praticados no âmbito do presente processo de insolvência serem “de molde a impedir a execução” daquele plano de insolvência “ou de qualquer plano de insolvência que eventualmente pudesse vir a ser aprovado pelos credores”, porquanto, “na sequência da rejeição da primeira proposta de plano e posterior remoção da recorrente da administração da massa, o tribunal a quo determinou o prosseguimento dos autos para liquidação do ativo. E, nessa sequência, a administradora da insolvência então nomeada nos autos requereu a cessação da atividade da recorrente junto da Autoridade Tributária e Aduaneira, com a consequente cessação dos contratos de trabalho que à data ainda se encontravam em vigor” e “foram alineados parte dos equipamentos utilizados pela recorrente para prossecução da respetiva atividade comercial”. O assim decidido transitou em julgado e dele decorre que, por via dos atos de liquidação e de partilha já efetuados quando a devedora em 08/02/2022, apresentou a proposta de plano de insolvência, não só esse plano, caso viesse a ser aprovado pelos credores era inexequível, impondo-se o indeferimento dessa proposta nos termos da al. c) do n.º 1 do art. 207º, como de qualquer outra que viesse a ser apresentada e que viesse a ser aprovada pelos credores. Deste modo, ficou em definitivo decidido, por via do caso julgado formal que cobre aquele acórdão, que, por via dos atos de liquidação e de partilha já efetuados, não era possível nos presentes autos de insolvência serem apresentadas novas propostas de plano de insolvência, sem que se alegasse (e provasse) que os atos de liquidação e de partilha neles efetuados (que impediam que qualquer plano de insolvência que viesse a ser aprovado pelos credores, fosse manifestamente inexequível, nos termos da al. c) do n.º 1 do art. 207º do CIRE) foram anulados.”
Significa isto que, tal como se ponderou no acórdão que vimos seguindo, também na presente situação os fundamentos que presidiram ao acórdão de 30/11/2022, mantêm-se atuais (e reforçados pois que passou ainda mais tempo); a liquidação e partilha, além de não terem sido anuladas, prosseguiram. Note-se (não obstante) que também nada foi decidido entretanto no que respeita à suspensão da liquidação.
Assim sendo, mantendo-se as razões que obstaram ao deferimento liminar da proposta então apresentada, não se impunha a concreta apreciação dos termos do plano (deste, do primitivo, ou de outro qualquer) – estando o Tribunal, neste caso (como no do acórdão de 31/10/2024), mesmo impedido de o fazer por força do efeito negativo do caso julgado formal -, pois que, não releva qualquer argumento no sentido de se conseguirem, ainda assim, face ao conteúdo do novo plano, ultrapassar esses obstáculos. Já foi decidido que não são ultrapassáveis. E, agora por força do efeito positivo do caso julgado, esta decisão impõe-se no processo.
É verdade que a aferição imposta pelo n.º 1 do art.º 207º, além de questões de legalidade estrita previstas nas alíneas a) e d), implicam considerações de economia processual – alíneas b) e c) –cfr. Luís de Menezes Leitão, “Direito da Insolvência”, 9ª edição, pág. 305, em que se refere a Carvalho Fernandes e João Labareda (Código da Insolvência”, pág. 75) no sentido de estes considerarem que, em desvio à anunciada desjudicialização do processo de insolvência, as alíneas b) e c) cometerem ao juiz “uma sindicação de mérito que vai muito para além do que consubstancia o normal exercício de poderes jurisdicionais de dirimência de litígios e de controlo da legalidade da actividade desenvolvida no processo.” Concordando antes com Santos Júnior (“O Direito “, pág. 138, 2006, III, Estudos Dias Marques, págs. 133 e 134, diz Menezes Leitão não lhe parecer que uma apreciação de mérito exista na alínea c), uma vez que a intervenção do juiz é restrita a casos de inexequibilidade manifesta, o que releva antes da economia processual.
Independentemente das razões que lhe subjazem, no que respeita à proposta do plano no caso concreto, o facto da liquidação e partilha se terem iniciado e prosseguido até à data do despacho recorrido, impede a sua apresentação uma vez que isso foi já decidido no processo. Não se pode ultrapassar a consolidação dessa decisão com a apresentação de alternativas ou com argumentos relativos à irrelevância dos bens liquidados, porque isso seria uma forma de alterar o juízo então feito, e de incidir sobre o mérito da questão, que ficou precludido.
Daí que, no caso concreto, não se imponha a apreciação dos concretos termos do plano apresentado. Nomeadamente, não obstante a apresentação de um outro plano com novos elementos, não releva que a devedora venha eventualmente a recuperar as condições materiais de modo a poder executar qualquer plano que fosse apresentado e viesse a ser aprovado pela assembleia de credores, mormente venha a recuperar equipamentos essenciais e trabalhadores, e inclusive possa reativar a sua atividade junto da Autoridade Tributária.
O motivo da não aceitação da proposta coloca-se a montante; trata-se aqui da questão dos requisitos para a apresentação de uma proposta e não da análise do conteúdo do plano.
Também no presente caso, tal como sucedeu na situação e no momento analisados no acórdão de 31/10/2024, o fundamento de indeferimento liminar por inexequibilidade, conforme a alínea c) do n.º 1 do art. 207º, à data da apresentação do plano aqui em causa, está reforçado.
Diz o recorrente que “Deve salientar-se que o recorrente não só alegou todos os elementos essenciais à viabilidade e execução do plano de insolvência, como o fez de forma detalhada e sustentada em factos concretos, normas legais e jurisprudência consolidada.” Face ao atual estado dos autos, essa apreciação já não pode ser realizada. As circunstâncias que motivaram o acórdão proferido em 30/11/2022 permanecem, nomeadamente, como aí se disse (negrito nosso), “…já após o Tribunal ter determinado o prosseguimento dos autos para liquidação do ativo e encontrando-se esta em curso há sensivelmente dois anos, com venda concretizada de parte substancial dos bens apreendidos a favor da massa insolvente…”. Não pode o recorrente pretender agora demonstrar que esses bens, afinal, não são essenciais ao desenvolvimento da sua atividade. O acórdão de 30/11/2022 resolveu essa questão, sendo esse o momento para a ponderação dos argumentos e fatores a apresentar pelas partes/intervenientes no processo.
O recorrente alude à ordem de apreciação imposta pelo art.º 207º, n.º 1, CIRE, nas suas alíneas.
A esse propósito cabe dizer que as alíneas são de verificação alternativa e sem qualquer ordem sequencial e hierárquica, a não ser a que resulte de princípios de economia processual. Por exemplo, não se justificará um convite ao aperfeiçoamento do plano tendo em vista ultrapassar algum óbice formal, se desde logo se constata que o plano é manifestamente inexequível. Já vimos que a alínea a) reporta-se a matéria diferente da alínea c).
Não se coloca sequer a questão de aplicação (prioritária ou não) da alínea a) do n.º 1 do art.º 207º, uma vez que o caso julgado formal, exceção dilatória que obsta ao conhecimento do mérito da causa, não é um vício formal que possa ser suprível.
Não há, por isso, também nesta questão, qualquer omissão de pronúncia (causadora da nulidade do despacho por força do art.º 615º, n.º 1, d), C.P.C.).
Deste modo, fica prejudicada qualquer outra apreciação, mormente a que se prende com a menção à alínea b) do n.º 1 do art.º 207º. Basta a verificação do caso julgado formal que incide sobre a circunstância que preenche a alínea c) para se decidir pela não admissão da proposta do plano de insolvência.
Improcedem, portanto, os argumentos recursivos que apontavam erro de julgamento à decisão recorrida.
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Mas vejamos de novo, e agora recorrendo a palavras nossas, a figura do caso julgado.
Refere o art.º 613º, n.º 1, C.P.C., que, proferida a sentença ou despacho (n.º 3), fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa.
Este princípio - esgotamento do poder jurisdicional - justifica-se pela necessidade de evitar a insegurança e incerteza que adviriam da possibilidade de a decisão ser alterada pelo próprio tribunal que a proferiu, funcionando como um obstáculo ou travão à possibilidade de serem proferidas decisões discricionárias e arbitrárias.
E visa precisamente salvaguardar o direito constitucional do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, na medida em que isso também se concretiza na obtenção de decisões definitivas, devidamente compatibilizadas com o sistema recursivo e com as alçadas dos Tribunais.
Assim, uma vez prolatada uma decisão, “…o tribunal não a pode revogar, por perda de poder jurisdicional. Trata-se, pois, de uma regra de proibição do livre arbítrio e discricionariedade na estabilidade das decisões judiciais. (...) Graças a esta regra, antes mesmo do trânsito em julgado, uma decisão adquire com o seu proferimento um primeiro nível de estabilidade interna ou restrita, perante o próprio autor da decisão” (Rui Pinto “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. II, pág. 174).
Também Alberto dos Reis (“Código de Processo Civil Anotado”, Vol. V, pág. 127) associa o princípio do esgotamento do poder jurisdicional a uma razão de ordem doutrinal e a uma razão de ordem pragmática, desde modo: “Razão doutrinal: o juiz, quando decide, cumpre um dever – o dever jurisdicional – que é a contrapartida do direito de acção e de defesa. Cumprido o dever, o magistrado fica em posição jurídica semelhante à do devedor que satisfaz a obrigação. Assim como o pagamento e as outras formas de cumprimento da obrigação exoneram o devedor, também o julgamento exonera o juiz; a obrigação que este tinha de resolver a questão proposta, extinguiu-se pela decisão. E como o poder jurisdicional só existe como instrumento destinado a habilitar o juiz a cumprir o dever que sobre ele impende, segue-se logicamente que, uma vez extinto o dever pelo respectivo cumprimento, o poder extingue-se e esgota-se.
A razão pragmática consiste na necessidade de assegurar a estabilidade da decisão jurisdicional. Que o tribunal superior possa, por via do recurso, alterar ou revogar a sentença ou despacho, é perfeitamente compreensível; que seja lícito ao próprio juiz reconsiderar e dar o dito por não dito, é de todo intolerável, sob pena de se criar a desordem, a incerteza, a confusão”.
Da extinção do poder jurisdicional consequente ao proferimento da decisão decorrem dois efeitos: um positivo, que se traduz na vinculação do tribunal à decisão que proferiu; outro negativo, consistente na insusceptibilidade de o tribunal que proferiu a decisão tomar a iniciativa de a modificar ou revogar -cfr. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, “Código de Processo Civil Anotado”, 2.ª ed., Vol. I, pág. 762.
Da extinção do poder jurisdicional decorre que o juiz não pode, motu proprio, voltar a pronunciar-se sobre a matéria apreciada (cf. Acórdão da Relação de Coimbra, de 17/4/2012, relator Henrique Antunes).
Conforme se concluiu no Acórdão de 2/3/2023 desta Relação (em que a aqui relatora foi adjunta, proferido no processo n.º 120724/15.0YIPRT.1.G1-A, relatado por Rosália Cunha) “Prolatada a decisão, e ressalvados os casos de retificação, reforma ou suprimento de nulidades, por força do esgotamento do poder jurisdicional fica vedada a possibilidade de essa decisão ser alterada pelo próprio tribunal que a proferiu, apenas sendo possível obter a sua alteração através de recurso que dela venha a ser interposto.
(…)
A intangibilidade da decisão proferida é, naturalmente, limitada pelo respetivo objeto no sentido de que a extinção do poder jurisdicional só se verifica relativamente às concretas questões sobre que incidiu a decisão.
Se o tribunal, em desrespeito do comando ínsito no art. 613º, nº 1 (e fora dos ressalvados casos de retificação, reforma ou suprimento de nulidades) proferir outra decisão que incida sobre a mesma matéria que já foi anteriormente apreciada, a nova decisão que padeça de tal vício é juridicamente inexistente e não vale como decisão jurisdicional por ter sido proferida em momento e circunstâncias em que o aludido poder jurisdicional já se tinha esgotado (cf. neste sentido, Acórdão do STJ, de 6.5.2010, relator Álvaro Rodrigues).”
Nesses considerandos assenta o caso julgado formal previsto no art.º 620º, n.º 1, do C.P.C.: “1 - As sentenças e os despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo.”
Antunes Varela (“Manual de Processo Civil”, págs. 307 e 308 da 2ª edição) diz-nos que caso julgado é a alegação de que a mesma questão foi já deduzida num outro processo e nele julgada por decisão de mérito que não admite recurso ordinário. É material o que assenta sobre decisão de mérito proferida em processo anterior; nele a decisão recai sobre a relação material ou substantiva litigada; é formal quando há decisão anterior proferida sobre a relação processual. Ele pressupõe a repetição de qualquer questão sobre a relação processual dentro do mesmo processo. Ambos pressupõem o trânsito em julgado da decisão anterior.
João Castro Mendes (“Direito Processual Civil”, A.A.F.D.L, 1980, III vol., pág. 276) diz-nos que o caso julgado formal traduz a força obrigatória dentro do processo, contrariamente ao caso julgado material, cuja força obrigatória se estende para fora do processo em que a decisão foi proferida.
O caso julgado formal, tal como o caso julgado material, visa evitar a repetição de decisões judiciais sobre a mesma questão, e a contradição de decisões. Pressuposto do caso julgado formal é que uma pretensão já decidida, em contexto meramente processual, e que não foi recorrida, seja objeto de repetida decisão (Ac. do STJ de 8/3/2018, Relator Fonseca Ramos).
Para o efeito, o respetivo despacho ou sentença terá de ter transitado em julgado, ou seja, terá de ser já insuscetível de recurso ordinário, ou, no caso de este não ser admissível, de reclamação (arguição da sua nulidade ou pedido da sua reforma - art.ºs 615º n.º 4 e 616º nº 2 do CPC) – cfr. artº. 628º do C.P.C...
Formado o caso julgado, tal significa que não é mais possível que a decisão proferida seja substituída ou modificada por qualquer tribunal, incluindo aquele que a proferiu.
O art.º 625º do C.P.C. resolve os casos, que podemos considerar anómalos, de haver casos julgados contraditórios, ou de haver decisões que, dentro do mesmo processo, versem sobre a mesma questão concreta da relação processual.
A doutrina e a jurisprudência pronunciam-se muitas e longas vezes sobre o alcance do caso julgado, com particular enfoque no caso julgado material, nas suas duas vertentes, a positiva e a negativa. Remetemos a propósito para o que já dissemos, por exemplo, no Ac. (da mesma relatora) de 6/2/2020 proferido no processo n.º 26/18.8T8MDR.G1, e secundado no processo n.º 5261/15.8T8VNF-K.G1.
No entanto, quando somos colocados perante a hipótese de caso julgado formal, temos igualmente de ponderar o seu alcance.
E diríamos então que, tal como se diz a propósito do caso julgado material, e diz Miguel Teixeira de Sousa (“Estudos sobre o Novo Código de Processo Civil”, pág. 579): “…reconhecer que a decisão está abrangida pelo caso julgado não significa que ela valha, com esse valor, por si mesma e independentemente dos respectivos fundamentos. Não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão”.
Rodrigues Bastos (“Notas ao Código de Processo Civil”, 3.°, pág. 253) diz-nos: “A economia processual, o prestígio das instituições judiciárias, reportando à coerência das decisões que proferem, e o prosseguido fim de estabilidade e certeza das relações jurídicas, são melhor servidas por aquele critério ecléctico, que sem tomar extensiva a eficácia de caso julgado a todos os motivos objectivos da sentença reconhece todavia essa autoridade à decisão daquelas questões preliminares que foram antecedente lógico indispensável à emissão da parte dispositiva do julgado”.
Se duas decisões incidem sobre a mesma questão processual e com base nos mesmos pressupostos, coloca-se a figura do caso julgado formal, e só assim não será se a segunda se baseia em diferente pressuposto(s) ou circunstância(s), ou diferente previsão legal que autorize a alteração da decisão (Ac. citado do STJ, de 8/3/2018).
Significa isto que, proferida uma decisão que aprecia determinada questão processual, não podendo o próprio Tribunal que a deu reapreciá-la, e caso não seja sujeita ao crivo de um Tribunal Superior, a mesma transita em julgado, tendo de ser respeitada/obedecida/cumprida naquele processo.
A figura do caso julgado é uma exceção dilatória de conhecimento oficioso do Tribunal e que implica a absolvição da instância – cfr. art.ºs 576º, n.º 2, 577º, i), e 578º, do C.P.C..
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É patente, como vimos, que os pressupostos (mencionados supra) que presidiram à não aceitação da proposta sobre que se debruçou o acórdão de 30/11/2022 se mantêm, pelo que o caso julgado formal obsta á apresentação de outra (ainda que nova e diferente) proposta.
Porém, cremos que a nossa análise não deve ficar por aqui e impõe-se aferir uma outra dimensão do decidido nos autos, numa outra vertente, e que nos leva a verificar um duplo caso julgado formal.
De facto, o acórdão de 31/10/2024 decidiu que a figura de caso julgado cobriu a decisão de não aceitação de um plano sem que os atos de liquidação e partilha se mostrassem anulados. Esta decisão também transitou no processo, estando também coberta pelo caso julgado formal que nos impede (e impedia o Tribunal Recorrido) de outra apreciação que o contrariasse (a decisão e seus fundamentos).
Ou seja, se a primeira decisão (acórdão de 30/11/2022) é definitiva e vinculativa no processo, a segunda (acórdão de 31/10/2024) também o é.
Em suma: ainda que a nossa leitura do acórdão proferido em 30/11/2022 fosse diversa (e não é) da que foi feita no acórdão de 31/10/2024, esta leitura (deste último), impunha-se-nos.
Note-se que não se justificaria cumprir o contraditório (nesta sede recursiva) relativamente a esta segunda apreciação que estamos a fazer, porque a mesma não altera a decisão que sempre seria proferida por este Tribunal.
Assim sendo, impunha-se e impõe-se a decisão proferida.
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Outras alegadas ilegalidades, nomeadamente que se prendem com atos levados a cabo no decurso da liquidação (apenso L) não são objeto da decisão proferida nos autos e aqui recorrida, e não podem ser apreciadas neste recurso, configurando questões inéditas ao mesmo.
Alegadas inconstitucionalidades, assacadas ao processo, não são viáveis, já que inconstitucional é a lei ou a sua interpretação num determinado sentido, e não a tramitação processual como ato jurisdicional.
Resta precisar que não competia ao Tribunal a quo apreciar e decidir aquelas irregularidades, as quais não foram suscitadas em 05/02/2025, no requerimento em que o recorrente faz juntar o plano de insolvência, e sobre o qual recaiu o despacho recorrido; tudo o mais e mencionado neste recurso fazia já parte do conteúdo do próprio plano. Para além de não terem sido sujeitas à apreciação do Tribunal recorrido, já que constam do plano propriamente dito, e não do requerimento que o apresenta, não seria o modo/meio e processo próprios para o efeito. O pedido de suspensão da liquidação, nessa fase e nesse contexto, só se justificaria se a proposta de plano fosse aceite, logo, não sendo, ficou prejudicado. Por isso, não houve (se tal se quisesse invocar), também nessa circunstância, omissão de pronúncia. De todo o modo, relativamente ao objeto do presente recurso, ele está delimitado na conclusão A das alegações: “O presente recurso de apelação incide sobre a decisão proferida pelo Douto Tribunal a quo em 19 de Fevereiro de 2025, decisão essa que decidiu rejeitar liminarmente o plano de recuperação apresentado pelo Recorrente em 2025, alegadamente atento o disposto no art. 207.º, n.º 1, alíneas b) e c) do CIRE.”.
Neste caso, tal como na apreciação feita no acórdão de 31/10/2024, impõe-se corrigir o dispositivo, e tal como aí se fez, substituí-lo por outra fórmula, em que se julgue procedente a exceção dilatória de caso julgado formal e, em consequência, se absolva a devedora e os restantes credores da instância quanto à proposta de plano de insolvência apresentada pelo recorrente em 05/02/2025.
Também por essa via, se não fosse pelos motivos já elencados, ficaria prejudicado o conhecimento dos demais fundamentos de recurso invocados pelo recorrente.
Atento o objeto do recurso, não se mostra violada qualquer norma do CIRE, do C.P.C. ou da Constituição da República Portuguesa, mormente atentos os termos invocados.
Deve, portanto, e por tudo o exposto, ser considerado improcedente o recurso.
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As custas são a cargo da parte vencida, no caso o recorrente –art.º 527º, n.ºs 1 e 2, C.P.C..
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V DISPOSITIVO.
Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar o recurso totalmente improcedente, e em consequência, negam provimento à apelação, mantendo a decisão recorrida, com exceção do seu dispositivo que deve antes julgar procedente a exceção dilatória de caso julgado formal e, em consequência, absolver a devedora e os restantes credores da instância quanto à proposta de plano de insolvência apresentada pelo recorrente AA em 05/02/2025, o que aqui se decide.
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Custas a cargo do recorrente (artº. 527º, nºs. 1 e 2, do C.P.C.).
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Guimarães, 5 de junho de 2025.
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Os Juízes Desembargadores
Relatora: Lígia Paula Ferreira Sousa Santos Venade
1ª Adjunto: José Alberto Moreira Dias
2º Adjunto: Pedro Manuel Quintas Ribeiro Maurício
(A presente peça processual tem assinaturas eletrónicas)