PROCESSO TUTELAR CÍVEL
FALTA DE CONCLUSÕES
REJEIÇÃO DE RECURSO
Sumário


I - A análise da existência de conclusões no recurso deve ser feita de acordo com a materialidade e conteúdo da peça processual e à luz dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade.
II - De acordo com as boas práticas processuais, deve autonomizar-se as conclusões da motivação, antecedendo cada uma dessa partes dos respetivos títulos. Porém, ainda que tal prática não seja seguida, se da leitura do recurso se puder concluir, de forma clara e inequívoca, que foram formuladas conclusões de acordo com o conceito supra delineado, por aplicação dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, o recurso não deve ser objeto de rejeição.
III - Todavia, se, aplicando estes critérios, se concluir que o recorrente não formulou conclusões, não residindo o vício na ausência de formatação gráfica ou título específico, mas sim na inexistência de conteúdo conclusivo expresso na parte final da peça recursiva, tal implica a imediata rejeição do recurso, sem possibilidade de convite ao suprimento ou aperfeiçoamento.

Texto Integral


Acordam, em conferência, na 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

RELATÓRIO

Nos presentes autos de processo tutelar cível para entrega judicial de criança, instaurados por AA, na qualidade de progenitor de BB, foi proferida decisão que indeferiu liminarmente a petição inicial.

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Notificado desta decisão, o requerente interpôs recurso em 28.3.2025 (requerimento ref. Citius 17592464) apresentando alegações cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
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O Ministério Público apresentou contra-alegações pedindo a rejeição do recurso ou, a assim não se entender, a manutenção da decisão recorrida.
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O recurso foi admitido na 1ª instância, por despacho proferido em 14.4.2025.
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Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, foi proferida decisão, em 15.4.2025, com o seguinte teor:

“Nos presentes autos de processo tutelar cível para entrega judicial de criança, instaurados por AA, na qualidade de progenitor da menor BB, tendo sido proferida decisão a indeferir liminarmente a petição inicial apresentada, veio o requerente apresentar recurso de Apelação por meio do Requerimento de 28/3/2025, Refª CITIUS 17592464, recurso este admitido por despacho judicial de 14/4/2025.
Nos termos do nº5 do artº 641º do Código de Processo Civil, a decisão que admita o recurso, fixe a sua espécie e determine o efeito que lhe compete não vincula o Tribunal superior.
Dispõe o artº 637º-nº2, do citado diploma legal, que “O requerimento de interposição do recurso contém obrigatoriamente a alegação do recorrente, em cujas conclusões deve ser indicado o fundamento específico da recorribilidade;”

Atento o Requerimento de interposição de recurso de Apelação verifica-se que o mesmo não contém “Conclusões”, traduzindo-se estas na indicação sintética dos fundamentos da alegação por que o recorrente pede a alteração ou anulação da decisão e em que baseia o recurso (artº 639º- nº1).
E, nos termos do disposto no artº 641º-nº2-al.b), do citado diploma legal, o requerimento é indeferido quando a alegação não tenha conclusões.
Consequentemente, o recurso de apelação interposto não pode prosseguir.
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Nos termos expostos, e ao abrigo das disposições legais supra indicadas, e artº 652º-nº1-al.h) do Código de Processo Civil, não se admite o recurso de Apelação, julgando-se finda a instância recursiva, determinando-se a devolução dos autos ao Tribunal de 1ª instância.
Custas pelo apelante.”
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Inconformado com tal decisão, o recorrente apresentou a presente reclamação para a conferência, pedindo que sobre a matéria do despacho recaia acórdão, nos termos do disposto no art. 652.º, nº 3, do CPC.

Em síntese, invocou a seguinte fundamentação:

1 - Apresentou as suas conclusões nos itens 35 a) a 35 e), onde sintetiza os fundamentos pelos quais requer a revogação da decisão e a continuidade da tramitação, quais sejam:
a) a decisão de 1º grau recorrida deve ser revogada por erro na aplicação da exceção de caso julgado;
b) não se verifica identidade de sujeitos nem de causa de pedir entre as ações;
c) foram alegados factos novos com impacto direto na situação da menor;
d) o indeferimento liminar viola o princípio do contraditório.

2 - A ausência de formatação gráfica ou título específico não invalida o conteúdo conclusivo expresso na parte final da peça recursiva.
3 - O princípio da tutela jurisdicional efetiva e da prevalência da decisão de mérito sobre razões meramente formais impõe uma interpretação restritiva das causas de rejeição liminar dos recursos;
4 - Em matéria de direito de menores deve prevalecer o princípio do superior interesse da criança, sendo desproporcional a rejeição de um recurso em razão de um formalismo processual;
5 - Caso assim não se entenda, deve ser concedido prazo para suprimento da irregularidade formal, nos termos do art. 639º, al. c) do CPC.
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Não foi apresentada resposta à reclamação.
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Foram colhidos os vistos legais e submetido o caso à conferência.

OBJETO DA RECLAMAÇÃO

Neste enquadramento, a questão relevante a decidir na presente reclamação para a conferência, a qual impõe decisão imediata nos termos do art. 652º, nº 4, 2ª parte, do CPC, consiste em saber se recurso deve, ou não, ser rejeitado por falta de formulação de conclusões.

FUNDAMENTAÇÃO

FUNDAMENTOS DE FACTO

Os factos relevantes para a questão a decidir encontram-se descritos no relatório e resultam do iter processual.

FUNDAMENTOS DE DIREITO

A decisão objeto da presente reclamação não admitiu o recurso por o recorrente não ter apresentado conclusões, invocando o disposto nos arts. 639º, nº 1 e 641º, nº 2, al. b) do CPC (diploma ao qual pertencem as normas subsequentemente citadas sem menção de diferente origem).

Dispõe o art. 639º, nº 1 que o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
Por seu turno, estatui o art. 641º, nº 2, al. b) que o requerimento é indeferido quando não contenha ou junte a alegação do recorrente ou quando esta não tenha conclusões.

Como escreve António Santos Abrantes Geraldes (in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, pág. 156) “[a] lei exige que o recorrente condense em conclusões os fundamentos por que pede a revogação, modificação ou a anulação da decisão. Com as necessárias distâncias, tal como a motivação do recurso pode ser associada à causa de pedir, também as conclusões, como proposições sintéticas, encontram paralelo na formulação do pedido que deve integrar a petição inicial. (...)
Rigorosamente as conclusões devem (deveriam) corresponder a fundamentos que, com o objetivo de obter a revogação, alteração ou a anulação da decisão recorrida, se traduzam na enunciação de verdadeiras questões de direito (ou de facto) cujas respostas interfiram com o teor da decisão recorrida e com o resultado pretendido, sem que jamais se possam confundir com os argumentos de ordem jurisprudencial ou doutrinária que não devem ultrapassar o sector da motivação.
As conclusões exercem ainda a importante função de delimitação do objeto do recurso, como clara e inequivocamente resulta do art. 635º, nº 3. Conforme ocorre com o pedido formulado na petição inicial, as conclusões devem corresponder à identificação clara e rigorosa daquilo que se pretende obter do Tribunal Superior, em contraposição com aquilo que foi decidido pelo tribunal a quo.”
 E, afirma ainda o mesmo autor (in ob.cit, pág. 154), “as alegações que se mostrem destituídas em absoluto de conclusões são “ineptas”, determinando a rejeição do recurso (art. 641º, nº 1, al. b)) sem que se justifique sequer a prolação de qualquer despacho de convite à sua apresentação.

Também Rui Pinto (in Manual do Recurso Civil, Vol. I, pág. 293) afirma categoricamente que “a falta de conclusões não admite aperfeiçoamento e determina a rejeição liminar do recurso (cf. art. 641º nº 2 al b)) ou o seu não conhecimento pelo tribunal ad quem (art. 652º  nº 1 al. b))”.

De acordo com as boas práticas processuais, deve autonomizar-se as conclusões da motivação, antecedendo cada uma dessa partes dos respetivos títulos. Porém, ainda que tal prática não seja seguida, se da leitura do recurso se puder concluir, de forma clara e inequívoca, que foram formuladas conclusões de acordo com o conceito supra delineado, por aplicação dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, o recurso não deve ser objeto de rejeição.

Neste sentido, escreve Rui Pinto (in ob. cit.  pág. 294) que “[m]ais do que meras considerações formais há que atender à materialidade processual subjacente, de tal forma que pode o recorrente ter aposto a mera designação formal de “Conclusões” e nada disso constar de facto no texto, como, inversamente, apesar de uma ausência de designação formal, ou, até mesmo, apesar de uma aparente repetição de (parte) das alegações, estar-se perante umas verdadeiras conclusões.

Transpondo estas considerações para o caso concreto e analisando a argumentação do recorrente, cumpre dizer, em primeiro lugar, que nos itens 35 a) a 35 e) do recurso não consta o que o recorrente refere no requerimento de reclamação para a conferência e que pretende classificar como conclusões.

Nomeadamente não consta nesses itens que:
a) a decisão de 1º grau recorrida deve ser revogada por erro na aplicação da exceção de caso julgado;
b) não se verifica identidade de sujeitos nem de causa de pedir entre as ações;
c) foram alegados factos novos com impacto direto na situação da menor;
d) o indeferimento liminar viola o princípio do contraditório.

Ao invés, o art. 35º do recurso tem o seguinte teor:

“Diante dos argumentos apresentados, requer-se a revogação da decisão recorrida, substituindo-a por nova ação de decisão que:
a) Receba e reconheça do presente recurso de apelação, por ser tempestivo e preencher os requisitos legais;
b) Revogação da decisão de indeferimento, determinando a continuidade da ação para que os novos factos sejam analisados;
c) Subsidiariamente, se houver dúvidas sobre os factos novos, que se determine a produção de prova testemunhal.
d) Valor da causa 30.0001.00
e) Isento de custas nos termos do art. 4º, nº ª alínea f), do DL 34/2008.”

Para além de não haver coincidência entre o que o recorrente alega na reclamação para a conferência e o que consta do recurso que apresentou na parte relativa ao art. 35º, verifica-se que esse artigo não contém quaisquer conclusões de acordo com a noção que delineámos. E o mesmo sucede com os restantes artigos do recurso, os quais integram a motivação e não contêm nenhuma síntese conclusiva.

Assim, analisando a materialidade da peça processual de acordo com um critério de proporcionalidade e razoabilidade, verifica-se que o recorrente não formulou conclusões, não residindo o vício na ausência de formatação gráfica ou título específico, mas sim na inexistência de conteúdo conclusivo expresso na parte final da peça recursiva.

O recorrente alega que os princípios da tutela jurisdicional efetiva e da prevalência da decisão de mérito sobre razões meramente formais impõem uma interpretação restritiva das causas de rejeição liminar dos recursos. Porém, não lhe assiste razão pois a tutela jurisdicional efetiva e a prevalência da decisão de mérito não podem valer com o alcance de serem postergadas regras processuais e de natureza formal, as quais existem precisamente para disciplinar a atividade processual e garantir a segurança e certeza jurídicas quanto à forma como os intervenientes devem praticar os atos. Assim, e ressalvada a imposição da análise da materialidade processual ser sempre feita de acordo com os princípios da proporcionalidade e razoabilidade a que já aludimos, não há que fazer qualquer interpretação restritiva das causas de rejeição dos recursos que se encontram previstas na lei, mormente a atinente à ausência de formulação de conclusões.

O recorrente alega também que, em matéria de direito de menores, deve prevalecer o princípio do superior interesse da criança, sendo desproporcional a rejeição de um recurso em razão de um formalismo processual.
Trazemos novamente à colação as considerações que acabámos de tecer sobre a necessidade e razão de ser da existência de formalismos processuais; e acrescentamos que o superior interesse da criança é um critério que norteia a tomada de decisões de mérito, não podendo, nem devendo, ser utilizado para afastar a necessidade de cumprimento de regras processuais e de requisitos legais de natureza formal.

Por último, e como já acima referimos, a ausência de conclusões é um vício que implica a imediata rejeição do recurso, sem possibilidade de convite ao suprimento ou aperfeiçoamento, pelo que a pretensão do recorrente no sentido de lhe ser concedido prazo para suprir a irregularidade formal existente é improcedente.

Assim, com base na fundamentação ora expendida deve manter-se a decisão reclamada que não admitiu o recurso de apelação e julgou finda a instância recursiva.
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Nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º, do CPC, a decisão que julgue o recurso condena em custas a parte que a elas houver dado causa, entendendo-se que lhes deu causa a parte vencida, na respetiva proporção, ou, não havendo vencimento, quem do processo tirou proveito.
Não tendo o recurso sido admitido, é o recorrente responsável pelo pagamento das custas, em conformidade com a disposição legal citada.

De salientar que, embora o recorrente refira encontrar-se isento de custas nos termos do art. 4º, nº 2, alínea f), do DL 34/2008 (RCP), esta norma não se aplica ao caso concreto porquanto a mesma apenas isenta de custas os processos de confiança judicial de menor, tutela e adoção e outros de natureza análoga que visem a entrega do menor a pessoa idónea, em alternativa à institucionalização do mesmo, e os presentes autos não se incluem nesse elenco.

DECISÃO

Pelo exposto, acordam as juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a reclamação para a conferência e, em consequência, mantêm a decisão reclamada que, por não terem sido formuladas conclusões, não admitiu o recurso de apelação e julgou finda a instância recursiva
Custas pelo recorrente.
Notifique.
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Guimarães, 5 de junho de 2025

(Relatora) Rosália Cunha
(1º/ª Adjunto/a) Maria João Marques Pinto de Matos
(2º/ª Adjunto/a) Lígia Paula Ferreira de Sousa Santos Venade