ACÇÃO DE PREFERÊNCIA
VALOR DA CAUSA
AMPLIAÇÃO DO PEDIDO
Sumário


I - Não obstante o dever de indicação do valor da causa que impende sobre as partes, nos termos regulados no art. 305º do CPC, é ao juiz que compete fixar o valor da causa, em conformidade com os critérios legais, conforme expressamente se refere no nº 1 do art. 306º do mesmo diploma legal.
II - O juiz deve fixar o valor da causa nos momentos processuais referidos no nº 2 do art. 306º e, na sua determinação, deve atender ao momento em que a ação é proposta, exceto quando haja reconvenção ou intervenção principal, conforme estatuição constante do nº 1 do art. 299º, ambos do CPC.
III - Só devem ser somados os pedidos cumulados, por aplicação do nº 2 do art. 297º do CPC, quando exista uma situação de cumulação real ou efetiva de pedidos, não tendo lugar essa soma quando ocorrer uma mera cumulação aparente.
IV - No exercício do direito de preferência, uma vez que está em causa a modificação do contrato de compra e venda, porquanto o preferente se pretende substituir ao adquirente do prédio, aplica-se o critério constante do nº 1 do art. 301º do CPC e o valor da causa corresponde ao valor do ato determinado pelo preço ou estipulado pelas partes.
V - A ampliação do pedido não interfere com o valor da causa.

Texto Integral


Acordam, em conferência, na 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

RELATÓRIO

Em 27.11.2023, AA e BB vieram propor ação declarativa, com processo comum, contra CC, DD, EE, FF e GG pedindo que:

a) seja declarado e reconhecido o direito de propriedade dos autores sobre o prédio descrito no art. 1º da p.i.;
b) seja reconhecido aos autores o direito de preferência na venda do prédio descrito no art. 12º da p.i.;
c) seja declarada a substituição do 4º réu comprador da titularidade do prédio identificado no art. 12º da p.i., tomando os autores a posição que aquele ocupa, mediante o pagamento do preço constante da escritura, do custo desta, do IMI, IS e registo.

Em síntese, alegaram que os 1º, 2º e 3º réus venderam ao 4º réu um prédio rústico (identificado no art. 12º da p.i.) pelo valor de € 2 500,00, o qual confina com o prédio rústico de que os autores são proprietários (identificado no art. 1º da p.i.).
Os réus vendedores não comunicaram aos autores os elementos essenciais dessa compra e venda.
Os autores pretendem exercer o direito de preferência legal de que são titulares relativamente a essa compra e venda.

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Na sequência do falecimento da ré EE, foram habilitados como seus sucessores CC e FF.
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O réu GG apresentou contestação na qual, entre outras matérias, alegou que o preço real da venda não foi de € 2 500,00 conforme consta da escritura, valor que só aí ficou consignado a fim de os vendedores pouparem em mais valias e o comprador poupar em imposto de selo e IMI.
A venda do prédio rústico foi feita pelo valor de € 27 500,00. Entretanto, os réus já procederam à retificação da escritura por forma a dela constar esse valor, em vez do valor de € 2 500,00, e o réu contestante já procedeu ao pagamento dos impostos e do custo da escritura, no valor global de € 1 867,02. Assim, o direito de preferência, a existir, sempre teria de ser exercido pelo valor de € 27 500,00, constante da escritura retificada, e não pelo valor de € 2 500,00, constante da escritura inicial.
Pugnou pela improcedência da ação.
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Notificados desta contestação, os autores apresentaram réplica, em 10.10.2024, na qual, entre outras questões, ampliaram os pedidos formulados na p.i., nos seguintes termos:

a)- Ser declarada a inexistência de erro na declaração quanto ao preço, alegada pelo  R. na contestação inserta na escritura notarial de retificação celebrada em 07/02/2024;
b)- Ser declarada a falsidade da declaração inserta na escritura notarial celebrada em 07/02/2024;
c)- Ser declarada a nulidade da escritura notarial celebrada em 07/02/2024, por simulação absoluta;
d)- Ser declarado e reconhecido o direito dos AA. em exercerem a preferência sobre o prédio rústico identificado sob o artigo 12.º da p.i., pelo preço de €2.500,00 constante da escritura notarial de compra e venda celebrada em 23/01/2023.
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Em 21.3.2025, foi proferido despacho saneador que, no que aqui releva:
a) fixou à causa o valor de € 2 500,00;
b) admitiu a ampliação do pedido formulada na réplica apresentada em 10.10.2024;
c) apreciou tabelarmente os pressupostos processuais.
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O réu GG não se conformou com este despacho na parte em que fixou o valor da causa e interpôs o presente recurso de apelação, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões:

“1. O Tribunal não proferiu despacho a identificar o objeto do litígio e a enunciar os temas da prova, em violação do art. 596º do CPC.
2. No formulário da p.i., foi indicado o valor da ação como sendo 25.000,00€ - embora no articulado tenha sido indicado o valor de 2.500,00€ [art. 144º, nº 10, al. b) do CPC e art. 7º, nº 2 da Portaria n.º 280/2013, de 26.08].
3. O Tribunal decidiu, erradamente, pela fixação do valor da causa em 2.500,00€, em violação dos art. 1410º, nº 1 co CC
4. perante a posição assumida nos articulados pelos AA. e R. – e, essencialmente, por via da ampliação do pedido - está por definir processualmente o preço, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 1410º, nº 1 do CC.
5. Discutindo-se a nulidade da escritura de retificação de 07/02/2024 – com um valor de 27.500,00€ -, mas atribuindo-se à ação o valor de 2.500,00€, ficam os RR. numa situação de indefesa, limitando-se as suas garantias, nomeadamente ao nível do recurso [art. 20º da CRP].
6. Como bem resulta do art. 301º, nº 3, havendo um pedido de simulação, o valor da ação é o maior dos dois valores em discussão, pelo que, o valor da ação deve fixar-se em 27.500,00€, acrescido do valor dos impostos e registos e custos da escritura, num total de 2.509,00€.”
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Os autores contra-alegaram, pugnando pela manutenção da decisão recorrida, tendo formulado as seguintes conclusões:

a) “Inconformado com o douto despacho proferida a fls., que fixou o valor da causa, o apelante interpôs o presente recurso de apelação, suscitando diversas questões de facto e de direito, designadamente arguindo a violação dos artigos 1410.º, nº 1 do CC e 301.º, nº 3 do CPC;
b) Não assiste qualquer razão ou fundamento ao apelante, relativamente aos factos identificados nem quanto ao direito aplicado, pelo Tribunal “a quo”;
c) Não se pode olvidar que estamos perante uma ação de preferência e não de reivindicação nem está em causa a anulação do contrato por simulação. Aliás, como decorre da p.i., os AA. limitam-se a exercer o direito de preferência sobre o prédio alienado pelos RR. e que identificam na escritura junta a fls., pedindo a substituição do 4º R. comprador da titularidade do prédio, tomando os AA. o seu lugar. Não havendo qualquer pedido de anulação do negócio por simulação;
d) Ademais, decorre dos autos, que os RR. não deduziram reconvenção nem peticionaram a anulação do negócio por simulação;
e) Pelo que, carece de fundamento a pretensão de configurar a ação para efeitos de valor, no estatuído no nº 3 do artigo 301.º do CPC;
f) Assim, como decorre do despacho sob censura, o valor processual da ação de preferência é o valor correspondente ao preço pelo qual a coisa foi vendida, “in casu”, o já indicado na p.i.. Pois o preço devido a que alude o artigo 1410.º, n.º 1, do Código Civil, corresponde ao pagamento pelo preferente do preço da transmissão da propriedade a que se refere o artigo 879.º do Código Civil que rege sobre os efeitos essenciais do contrato de compra e venda;
g) O valor inicialmente atribuído à ação corresponde, pois, à utilidade económica do pedido, talqualmente os AA. o configuram;
h) Pelo que, pedido o reconhecimento do direito de preferência, aplica-se o critério consagrado no nº1, do art. 301º, do CPC, por estar em apreciação a modificação de um ato jurídico (preço real estipulado pelas partes);
i) Assim, a decisão proferida pelo Tribunal “a quo” quanto à fixação do valor da causa, mostra-se adequada e correta, não merece qualquer censura, devendo manter-se inalterada.”
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O recurso foi admitido na 1ª instância como de apelação, a subir imediatamente, em separado, com efeito devolutivo, não tendo sido objeto de alteração neste Tribunal da Relação.
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Foram colhidos os vistos legais.

OBJETO DO RECURSO

Nos termos dos artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC, o objeto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações do recorrente, estando vedado ao Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso, sendo que o Tribunal apenas está adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para o conhecimento do objeto do recurso.
Nessa apreciação o Tribunal de recurso não tem que responder ou rebater todos os argumentos invocados, tendo apenas de analisar as “questões” suscitadas que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respetivo objeto, excetuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras.
Por outro lado, o Tribunal não pode conhecer de questões novas, uma vez que os recursos visam reapreciar decisões proferidas e não analisar questões que não foram anteriormente colocadas pelas partes.
Finalmente, face ao disposto no art. 635º, nº 2, do CPC, havendo decisões distintas, é lícito ao recorrente restringir o recurso a qualquer delas, desde que especifique no requerimento a decisão de que recorre.

Neste enquadramento, e uma vez que no requerimento de interposição de recurso o recorrente refere expressamente que não se conforma com o despacho na parte em que fixou o valor da causa, a única questão a decidir consiste em saber se deve ser fixado à causa o valor de € 30 009,04, e não o valor de € 2 500,00 que foi fixado no despacho recorrido.

FUNDAMENTAÇÃO

FUNDAMENTOS DE FACTO

Os factos relevantes para a questão a decidir são os que se encontram descritos no relatório supra e resultam do iter processual.

FUNDAMENTOS DE DIREITO

A decisão recorrida fixou o valor da ação em € 2 500,00 por ser esse o valor constante da escritura de compra e venda outorgada entre os réus, negócio jurídico relativamente ao qual os autores pretendem exercer o seu direito legal de preferência, entendendo que o momento a que se deve atender para a determinação do valor é o da propositura da ação.

O recorrente discorda deste entendimento e defende que se deve atender ao preço de € 27 500,00 constante da escritura de compra e venda retificada e ao valor dos impostos, registos e custos da escritura, no valor de € 2 509,00, pelo que o valor da ação deve ser de € 30 009,04.

Analisemos, então, que valor deve ser fixado à presente ação de acordo com o regime legal aplicável.

Dispõe o art. 296º, do CPC (diploma ao qual pertencem todas as normas subsequentemente citadas sem menção de diferente origem) sob a epígrafe “Atribuição de valor à causa e sua influência” que:

1 - A toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica imediata do pedido.
2 - Atende-se a este valor para determinar a competência do tribunal, a forma do processo de execução comum e a relação da causa com a alçada do tribunal.
3 - Para efeito de custas judiciais, o valor da causa é fixado segundo as regras previstas no presente diploma e no Regulamento das Custas Processuais.

Conforme resulta desta norma “[a] utilidade económica imediata do pedido, expressa em dinheiro, constitui o critério geral para a determinação do valor da causa.(...) As disposições sobre o valor da causa que consagram critérios especiais (arts. 298, 300 a 304) representam a concretização e adaptação deste critério geral, em função da modalidade do pedido formulado” (Lebre de Freitas e Isabel Alexandre in CPC Anotado, Vol. I, pág. 601).

Os critérios gerais para fixação do valor encontram-se consagrados no art. 297º, dispondo a 1ª parte do nº 1 que, se pela ação se pretende obter qualquer quantia certa em dinheiro, é esse o valor da causa, não sendo atendível impugnação nem acordo em contrário. Compreende-se que assim seja pois, se o pedido consiste no pagamento de uma determinada quantia, naturalmente que é esta a utilidade económica do pedido, pelo que o valor da ação tem necessária e impreterivelmente de coincidir com esse montante.
De acordo com a 2ª parte dessa mesma norma, se pela ação se pretende obter um benefício diverso, o valor da causa é a quantia em dinheiro equivalente a esse benefício.
Neste segundo caso ter-se-á que atender simultaneamente ao pedido e à causa de pedir para aferir qual a utilidade económica imediata que o autor pretende obter, isto é, qual o benefício, expresso em dinheiro, que corresponde à sua pretensão.
Neste sentido pronunciam-se Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (in ob. cit, pág. 601) dizendo que “o pedido se funda sempre na causa de pedir (...) que o explica e delimita. Dela não abstrai o critério da utilidade económica imediata do pedido, pelo que este não é considerado abstratamente, mas sim em confronto com a causa de pedir, para o apuramento do valor da causa”.

No caso de serem cumulados na mesma ação vários pedidos, o valor é a quantia correspondente à soma dos valores de todos eles; mas quando, como acessório do pedido principal, se pedirem juros, rendas e rendimentos já vencidos e os que se vencerem durante a pendência da causa, na fixação do valor atende-se somente aos interesses já vencidos (art. 297º, nº 2).

São cumulativos os pedidos deduzidos por um mesmo autor contra um mesmo réu, num único processo (art. 555º, nº 1).

No que concerne à formulação de pedidos cumulativos importa destrinçar a cumulação real da cumulação aparente.

Há cumulação real de pedidos quando se formula mais de que um pedido de carácter substancial, isto é, mais do que um pedido a respeito da relação jurídica material ou substancial. Há cumulação aparente quando a multiplicidade de pedidos é de caráter processual (Alberto dos Reis, in Comentário ao Código de Processo Civil, Volume 3º, p. 147).
Na cumulação real de pedidos o autor pretende obter utilidades económicas diversas, ao passo que na cumulação aparente de pedidos, embora tenha de formular várias pretensões correspondentes a vários estádios jurídicos da tutela do seu interesse, a utilidade económica imediata derivada da procedência do pedido é uma só (cfr. João de Castro Mendes e Miguel Teixeira de Sousa in Direito Processual Civil, Vol. I, AAFDL, p. 437).
Como refere Artur Anselmo de Castro (in Direito Processual Civil Declaratório, Vol. I, pág. 110) “há um elemento comum às acções de simples apreciação, condenação e constitutivas: o carácter total ou parcialmente declarativo da actividade do tribunal. Em qualquer destes tipos de acções há sempre a necessidade de verificação e declaração judicial de uma situação jurídica anteriormente existente. Nalgumas - típicas são as de simples declaração - o poder jurisdicional esgota-se aí; noutras, porém, a referida declaração é pressuposto de certa providência (condenatória, constitutiva, ou preventiva), assumindo, assim, a declaração um sentido meramente instrumental” .

Deste modo, e exemplificando, na ação de reivindicação, ao pedir-se o reconhecimento do direito de propriedade (efeito declarativo) e a condenação na entrega (efeito executivo), não se formulam dois pedidos substancialmente distintos, unicamente se indicam as duas operações ou as duas espécies de atividade que o tribunal tem de desenvolver para atingir o fim último da ação (Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, Vol.  3º, págs. 147 e 148).

De forma consentânea com este entendimento, afirma-se no Acórdão da Relação de Lisboa, de 12.3.2013 (P 82/12.2YHLSB-A.L1-7 in www.dgsi.pt), que “a cumulação real de pedidos implica acumulação de acções ou de pretensões, por isso que, quando se pede a declaração do direito e a consequente condenação do réu, a acção é uma só, simplesmente, ao proferir a sentença, o juiz começa por exercer uma actividade declarativa e acaba por emitir uma providência condenatória.

Para além dos critérios gerais enunciados no art. 297º, existem regras especiais a propósito de várias ações.
No que concerne à questão decidenda, importa ter presente o nº 1 do art. 301º segundo o qual quando a ação tiver por objeto a apreciação da existência, validade, cumprimento, modificação ou resolução de um ato jurídico, atende-se ao valor do ato determinado pelo preço ou estipulado pelas partes.
Não obstante o dever de indicação do valor da causa que impende sobre as partes, nos termos regulados no art. 305º, é ao juiz que compete fixar o valor da causa, em conformidade com os critérios legais, conforme expressamente se refere no nº 1 do art. 306º.
O juiz deve fixar o valor da causa nos momentos processuais referidos no nº 2 do art. 306º e, na sua determinação, deve atender ao momento em que a ação é proposta, exceto quando haja reconvenção ou intervenção principal, conforme estatuição constante do nº 1 do art. 299º.

Aplicando estes normativos à situação sub judice, verifica-se que nos presentes autos os autores pretendem exercer o direito de preferência legal consagrado no art. 1410º, nº 1 do CC segundo o qual o comproprietário a quem se não dê conhecimento da venda ou da dação em cumprimento tem o direito de haver para si a quota alienada, contanto que o requeira dentro do prazo de seis meses, a contar da data em que teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação, e deposite o preço devido nos 15 dias seguintes à propositura da ação. Esta norma é aplicável, com as necessárias adaptações, aos proprietários de terrenos confinantes de área inferior à unidade de cultura, os quais gozam de direito de preferência nos casos de venda, dação em cumprimento ou aforamento de qualquer dos prédios a quem não seja proprietário confinante (art. 1380º, do CC).
O exercício deste direito corresponde aos pedidos formulado nas als. b) e c) da p.i.

O pedido de declaração do direito de propriedade dos autores sobre o prédio descrito no art. 1º da p.i. formulado na al. a) não deve ser somado aos demais pedidos, por aplicação do nº 2 do art. 297º. Com efeito, não existe aqui uma situação de cumulação real ou efetiva de pedidos, mas uma mera cumulação aparente, sendo tal pedido formulado não de forma autónoma, mas apenas enquanto pressuposto do qual depende a existência do direito legal de preferência dos proprietários de terrenos confinantes conferido pelo art. 1380º do CC.

Por conseguinte, para determinação do valor da ação, apenas há a atender aos pedidos formulados nas als. b) e c) referentes ao exercício do direito de preferência.

No que concerne ao exercício deste direito, uma vez que está em causa a modificação subjetiva do contrato de compra e venda, porquanto o preferente se pretende substituir ao adquirente do prédio, aplica-se o critério constante do nº 1 do art. 301º e o valor da causa corresponde ao valor do ato determinado pelo preço ou estipulado pelas partes.
Na escritura consta que a compra e venda se realizou pelo preço de € 2 500,00. Por isso, é este valor que corresponde ao valor do ato jurídico cuja modificação é peticionada e, consequentemente, é este o valor da ação de acordo com o critério constante do nº 1 do art. 301º.

Como já se referiu, o momento juridicamente atendível para fixação do valor da causa é o da instauração da ação (art. 299º, nº 1). Desta norma apenas se excecionam os casos em que seja deduzida reconvenção ou intervenção principal.
No caso, não ocorre nenhuma destas exceções, pelo que há que atender ao preço que foi fixado na escritura de 23.1.2023 e que é de € 2 500,00.

É certo que, posteriormente, em 7.2.2024, os réus celebraram uma escritura de retificação, na qual consta que o preço verdadeiro da compra e venda foi de € 27 500,00 e que os autores ampliaram o pedido, nos moldes acima transcritos, invocando diversos vícios quanto à aludida escritura, ampliação essa que foi admitida.
Porém, essa escritura foi celebrada após a instauração da presente ação, a qual foi proposta em 27.11.2023. Como tal, e uma vez que não foi deduzida reconvenção nem intervenção principal, por aplicação do critério legal constante do art. 299º, nº 1, esta escritura de retificação do preço é juridicamente irrelevante para efeitos de determinação do valor da causa.
E, sendo o momento da instauração da ação aquele que tem de ser considerado, é igualmente irrelevante, para efeitos de fixação do valor da causa, a posterior ampliação do pedido.

No sentido de que a ampliação do pedido não interfere com o valor da causa vejam-se, entre outros, os seguintes acórdãos (todos disponíveis em www,.dgsi.pt):

- Lisboa, 26.6.2007 (P 420/2007-6):
“A ampliação do pedido não altera o valor da causa.”

- STJ, de 11.5.2011, (P 1071/08.7TTCBR.C1.S1):
 “As alterações do pedido formuladas pelo autor no desenvolvimento do processo, nomeadamente, a ampliação ou redução do pedido, bem como a cumulação sucessiva de pedidos, não têm qualquer influência no valor processual da causa.”

- Porto, de 14.7.2020 (P 559/17.3T8PFR.P1):
“A ampliação ou a redução do pedido inicialmente deduzido não tem a virtualidade de alterar o valor processual da acção.”


Por conseguinte, embora tenha sido admitida a ampliação do pedido, nos termos supra transcritos, tal ampliação não tem a virtualidade de influenciar a fixação do valor da causa.
De referir ainda que, não obstante essa ampliação, os autores mantêm a sua pretensão de preferir pelo preço de € 2 500,00, e não pelo de € 27 500,00.

Perante o antedito conclui-se que deve ser fixado à ação o valor de € 2 500,00.

Foi este o entendimento sufragado na decisão recorrida, o qual se afigura ser o correto.

O recorrente alega que no formulário da ação foi indicado o valor de € 25 000,00 e apenas no articulado foi indicado o valor de € 2 500,00.
Embora tal tenha sucedido, isso em nada influencia a decisão do caso em apreço porque, como acima se explanou, a indicação ou impugnação que as partes fazem relativamente ao valor da causa não é vinculativa, posto que a competência para fixar o valor da causa pertence exclusivamente ao juiz, o qual tem de a efetuar à luz dos critérios legais, conforme decorre do disposto no art. 306º.
Isso mesmo afirmam Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa (in CPC Anotado, Vol. I, 2ª ed., pág. 376, com negrito nosso), dizendo que “independentemente das posições assumidas pelas partes, o juiz terá sempre que se debruçar sobre o assunto e fixar o valor da causa, sem estar vinculado a qualquer dos valores indicados ou aceites por aquelas.”

O recorrente argumenta que, por via da ampliação do pedido, o tribunal terá de conhecer dos vícios de erro na declaração quanto ao preço, de falsidade da declaração constante da escritura de 7.2.2024 e de nulidade dessa escritura, por simulação absoluta, pelo que o valor da ação terá de traduzir também o ato que os autores apelidam de simulado, onde consta o valor de € 27 500,00.
Refere também, em reforço, que havendo um pedido de simulação, o valor da ação é o maior dos dois valores em decisão, conforme resulta do art. 301º, nº 3.

Já acima explicámos que o momento relevante para determinar o valor da causa corresponde ao da instauração da ação, a menos que tenha havido reconvenção ou intervenção principal, o que, no caso, não ocorreu, sendo irrelevante, para efeitos de determinação do valor da causa, a ampliação do pedido. Por assim ser, não há que convocar a aplicação do critério constante do art. 301º, nº 3, uma vez que a questão da simulação não foi suscitada aquando da instauração da ação e só surge na sequência da ampliação do pedido.

O recorrente refere também que, discutindo-se a nulidade da escritura de retificação, onde consta que o preço foi de € 27 500,00, mas atribuindo-se à ação o valor de € 2 500,00, os réus ficam numa situação de indefesa, limitando-se as suas garantias, nomeadamente ao nível do recurso.

Importa dizer, quanto a este argumento, que, como já deixámos várias vezes reiterado supra, a fixação do valor da causa é feita exclusivamente à luz dos critérios legais aplicáveis e, no caso em apreço, por aplicação desses critérios, o valor da causa é de € 2 500,00.
A circunstância de esse valor poder limitar a possibilidade de recurso não constitui critério legal a atender para a fixação do valor da ação, além de que não implica a existência de qualquer situação de indefesa ou limitação de garantias porquanto, em matéria cível, não se encontra consagrada a existência de direito ao recurso ou de duplo grau de jurisdição

Sobre esta matéria, veja-se, por todos, o acórdão do STJ, de 19.5.2016 (P 122702/13.5YIPRT.P1.S1 in www.dgsi.pt) em cujo sumário se refere que “[a] norma do art. 629º, nº 1, do CPC, que limita o direito ao recurso em função do valor do processo e do valor da sucumbência não sofre de inconstitucionalidade material.”
Desenvolvendo esta afirmação, escreve-se no citado acórdão que “[a]tenta a natural escassez dos meios disponibilizados para administrar a Justiça, a necessidade da sua racionalização contende com a admissibilidade ilimitada de recursos que, aliás, não encontra sustentação no texto constitucional.

Por isso a jurisprudência constitucional vem expressando o entendimento de que, em matéria cível, o direito de acesso aos tribunais não integra forçosamente o direito ao recurso ou o chamado duplo grau de jurisdição. Também tem sido assumido que tal direito não é necessariamente decorrente do que se dispõe na Declaração Universal dos Direitos do Homem ou na Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

Em suma, o direito ao recurso, como na generalidade dos ordenamentos jurídicos contemporâneos, não se apresenta com natureza absoluta, convivendo sempre com preceitos que fazem depender a multiplicidade de graus de jurisdição de determinadas condições objectivas ou subjectivas.

Seguramente que a previsão da existência de três graus de jurisdição no ordenamento jurídico-constitucional implica que a lei ordinária admita a possibilidade de serem interpostos recursos para a Relação ou desta para o Supremo Tribunal de Justiça. Nessa medida, seria inconstitucional a exclusão arbitrária do direito de recorrer em determinados processos ou a elevação do valor das alçadas a tal ponto que vedasse a interposição de recursos relativamente a acções de valor significativo, contrariando o princípio da proporcionalidade.

Sendo permitido afirmar que está vedado ao legislador suprimir em bloco a recorribilidade ou fazê-la depender de circunstâncias que traduzam a violação do princípio da proporcionalidade, tal não determina, porém, que toda e qualquer restrição a um ou mais graus de jurisdição traduza violação de regras ou de princípios constitucionais.

Como refere Lopes do Rego, as “limitações derivam, em última análise, da própria natureza das coisas, da necessidade imposta por razões de serviço e pela própria estrutura da organização judiciária de não sobrecarregar os Tribunais Superiores com a eventual reapreciação de todas as decisões proferidas pelos restantes tribunais”.

Embora a este respeito não se identifique um critério formal delimitador dos poderes do legislador ordinário, pode concluir-se, com Ribeiro Mendes, que, dentro dos princípios enunciados, o legislador “poderá ampliar ou restringir os recursos civis, quer através da alteração dos pressupostos de admissibilidade, quer através da mera actualização dos valores das alçadas”.

O critério adoptado pelo legislador ordinário assenta essencialmente no valor do processo e da sucumbência, conexo com o valor da alçada da 1ª instância ou da Relação, consoante o recurso seja interposto para a Relação ou para o Supremo Tribunal de Justiça.”

Mais recentemente, o STJ veio a pronunciar-se novamente sobre essa matéria, no acórdão de 14.11.2024 (2051/21.2T8LLE-A.E1.S1 in www.dgsi.pt) em cujo sumário se refere que “[a]tenta a natural escassez dos meios disponibilizados para administrar a Justiça, a necessidade da sua racionalização contende com a admissibilidade ilimitada de recursos que, aliás, não encontra sustentação no texto constitucional. Por isso a jurisprudência constitucional vem expressando o entendimento de que, em matéria cível, o direito de acesso aos tribunais não integra forçosamente o direito ao recurso ou o chamado duplo grau de jurisdição.”

Esta conclusão é sustentada neste acórdão fazendo apelo, no essencial, à fundamentação constante do acórdão de 19.5.2016, já cima citado e parcialmente transcrito.

Assim, e perante a inexistência de um direito constitucional ao recurso em matéria cível, falece a argumentação do recorrente de que a atribuição à causa do valor de € 2 500,00 o coloca numa situação de indefesa e limita as suas garantias, sendo esta argumentação inidónea para efeitos de fixação do valor da causa, fixação esta que tem de ser efetuada única e exclusivamente com apelo aos critérios legais vigentes sobre essa matéria, desconsiderando-se nessa fixação a matéria atinente à (in)admissibilidade de recurso, a qual não integra os mencionados critérios legais.

De tudo quanto se acaba de expor alcança-se a conclusão de que a decisão recorrida fixou o valor da causa em € 2 500,00 de forma correta e com apelo aos critérios legais vigentes, pelo que a mesma deve ser mantida, com a consequente improcedência do recurso.
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Nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º, do CPC, a decisão que julgue o recurso condena em custas a parte que a elas houver dado causa, entendendo-se que lhes deu causa a parte vencida, na respetiva proporção, ou, não havendo vencimento, quem do processo tirou proveito.
Tendo o recurso sido julgado improcedente, é o recorrente responsável pelo pagamento das custas, em conformidade com a disposição legal citada.

DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando a decisão recorrida na parte em que fixou à causa o valor de € 2 500,00.
Custas da apelação pelo recorrente.
Notifique.
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Guimarães, 5 de junho de 2025

(Relatora) Rosália Cunha
(1º/ª Adjunto/a) José Alberto Martins Moreira Dias
(2º/ª Adjunto/a) Susana Raquel Sousa Pereira