PLANO DE INSOLVÊNCIA
HOMOLOGAÇÃO
REQUISITOS
VIOLAÇÃO NÃO NEGLIGENCIÁVEL DAS REGRAS PROCEDIMENTAIS
Sumário


1. Como decorre do artº 212º do CIRE, a aprovação plano de insolvência depende da existência de três requisitos cumulativos:
- Têm que estar presentes ou representados na reunião credores cujos créditos constituam, pelo menos, um terço do total dos créditos com direito de voto;
- A proposta tem de recolher mais de dois terços da totalidade dos votos emitidos;
- Mais de metade dos votos emitidos têm de corresponder a créditos não subordinados, isto é, créditos garantidos, privilegiados ou comuns.
2. Por outro lado, para tal proposta não ser homologada pelo juiz têm de se verificar os pressupostos do artº 215º do CIRE (não homologação oficiosa) ou do artº 216 do mesmo diploma (não homologação a solicitação dos interessados).
3. Constitui violação não negligenciável de regras procedimentais a inobservância do disposto no artº 201º do CIRE, a isso não obstando o carácter condicional do aumento de capital previsto no plano.

Texto Integral


 Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães:

I – Relatório:

Em 6 de novembro de 2024 foi prolatado despacho de não homologação com o seguinte teor:
Realizada Assembleia de Credores, para votação do plano, foi o mesmo aprovado, com valor superior a 85 % dos votos emitidos.
Cumprido o disposto no art.º 213 CIRE regressam os autos para decisão sobre a homologação.
Foi emitido parecer pelo Sr. AI no sentido de que não deverá ser homologado o plano, pelas razões que no mesmo discrimina.
Por um grupo de trabalhadores foi junto requerimento de não homologação, a 23-9.
Afirmam que “com a homologação do plano ficarão os requerentes numa situação de incerteza quanto ao pagamento dos respetivos créditos, já que existe sempre a possibilidade de incumprimento do plano, como aliás já aconteceu com os anteriores planos de recuperação apresentados pela insolvente. Os anteriores planos de recuperação apresentados pela insolvente, aprovados e homologados, não foram cumpridos, não tendo os credores laborais recebido o pagamento dos respetivos créditos. Depois de homologado o plano de insolvência a insolvente irá alienar o único imóvel que possui, alegadamente para, com o produto dessa venda, satisfazer os seus credores. Prevê o plano apresentado que os créditos privilegiados dos trabalhadores serão pagos com o valor remanescente resultante da venda do imóvel, depois de pagos os créditos garantidos. E se não existir remanescente? E se os créditos garantidos não forem pagos? Com a homologação do presente plano a insolvente irá dispor, sem qualquer fiscalização, do seu património, única garantia de pagamento dos credores”.
Por seu turno, o Digno Magistrado do M.ºP.º veio, a 7-10, manifestar-se no sentido de que “um plano de insolvência que regula a matéria dos créditos fiscais de forma diversa daquela que se encontra regulado na lei, viola o disposto em normas imperativas que não devem ceder perante a legislação especial contida no CIRE. Daí que deverá ser oficiosamente declarada a não homologação do plano apresentado por violação não negligenciável das normas aplicáveis ao seu conteúdo, designadamente, o artigo 195º e, consequentemente, 215º, ambos do CIRE. Ou, caso assim se não entenda, deverá ser declarado que esta homologação não deve produzir efeitos em relação aos créditos tributários, que não aderiu às medidas constantes do mesmo, sob pena de violação da lei, devendo ser-lhe considerado ineficaz. Ou seja, deverá ser declarada a ineficácia do plano apresentado pela devedora relativamente aos créditos reclamados pela AT”.
Por fim, o credor Banco 1..., SA, a 7-10, requer a não homologação do plano, em virtude de a previsão de rateio de valores com o remanescente do produto da venda do imóvel ser irrealista. Com efeito, refere que “o valor de venda do imóvel pagará os credores privilegiados nos seguintes termos: “Pagamento do total dos créditos privilegiados reconhecidos, com o valor remanescente resultante do produto da venda do imóvel descrito no Anexo I- Contrato de Compra e Venda, depois de pagos os créditos garantidos, nos dez dias seguintes a celebração da escritura., sendo que o valor pelo qual o imóvel foi prometido vender, nem paga a totalidade dos créditos privilegiados (…) consequentemente, não chega para pagamento de qualquer quantia aos credores comuns”.
Por outro lado, refere que a EMP01..., que tem um crédito garantido por penhor sobre ações no valor de € 16.500,00 está a ser tratada como se tivesse hipoteca sobre o imóvel, quando a mesma é, em relação ao produto da venda desse mesmo imóvel, uma credora comum, ferindo-se desde logo o princípio da igualdade.
Cumpre apreciar.
Analisando o plano, conclui-se que as alterações ao plano feitas pela devedora, tal como referido no parecer do Sr. AI, quanto à satisfação dos créditos sobre a insolvência, foram as seguintes:
a. Autoridade Tributária:
i. Créditos de natureza privilegiada: acrescenta que o pagamento destes créditos é feito “… nos dez dias seguintes a celebração da escritura.”
b. Créditos garantidos:
i. O plano é alterado no sentido de especificar que:
1. No ato da escritura de compra e venda será entregue ao credor “EMP02... – STC, S.A.” o valor de Euros 1.250.000,00 por conta do seu crédito de natureza garantida, havendo perdão do crédito remanescente que foi reclamado por este credor.
2. A devedora será representada no ato da escritura de compra e venda pelo seu administrador ou por um procurador por aquela nomeada.
3. É esclarecido que o crédito garantido da “EMP01...” é apenas no montante de Euros 16.500,00 e que será liquidado pelo produto da venda do bem imóvel.
4. É acrescentada uma nova cláusula, a qual prevê que se “… não for efetuada a venda do prédio à mencionada compradora, nos termos e prazos previstos nos parágrafos anteriores, a Devedora obriga-se a realizar a venda desse mesmo prédio nos mesmos exatos termos, a terceiro, nos trinta dias seguintes ao término do prazo em tais parágrafos previsto.”
5. Quanto à questão do ónus da promessa de alienação que se encontra registado sobre o imóvel, é agora acrescentado que “… é certo que tanto a Devedora como a promitente compradora respetiva entendem que o contrato promessa se encontra definitivamente incumprido, divergindo, porém, quanto à responsabilidade respetiva, divergência esta que se encontra a ser dirimida no apenso de reclamação de créditos apenso ao processo principal.”
c. Créditos Privilegiados:
i. Acrescenta que o pagamento destes créditos é feito “… nos dez dias seguintes a celebração da escritura.”
d. Créditos Comuns:
i. Deixa cair a pretensão de pagar 5% destes créditos com o rateio do valor remanescente resultante do produto da venda do imóvel, passando simplesmente a pagar com aquilo que possa sobrar do valor remanescente resultante do produto da venda do imóvel.
ii. Acrescenta ainda que o pagamento destes créditos é feito “… nos vinte dias após a escritura.”
iii. Quanto à pretensão de colocar à disposição dos créditos comuns o montante que vier a cobrar dos clientes, acrescenta que o penhor mercantil sobre esses valores será formalizado através de instrumento notarial, a ser celebrado até 30 dias após o trânsito em julgado da sentença de homologação.
iv. É alterada a redação da cláusula relativa ao aumento do capital, que passou a ter a seguinte redação: “Cumulativamente, a empresa irá pagar 5% dos créditos reconhecidos aos credores comuns, nos 120 dias seguintes ao do trânsito em julgado da sentença de homologação do plano de recuperação, por via dos resultados da atividade da empresa e se necessário e no mesmo prazo, por via do aumento de capital pelos atuais acionistas e na proporção das suas participações, no montante que se vier a revelar necessário para o efeito”
e. Créditos Subordinados:
i. É agora acrescentada a cláusula de que os créditos subordinados serão objeto de perdão total.
Em suma, o pagamento dos créditos depende, quase exclusivamente, da venda do imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...71 da freguesia ....
Com a última versão do plano foi junto anexo constituído por um novo contrato promessa de compra e venda, com o mesmo promitente comprador, tendo apenas havido a alteração da sua designação social (o NIPC é o mesmo).
Quanto à outorga deste novo contrato, alerta o Sr. AI para a falta de poderes do administrador da devedora para praticar tal ato, atendendo a que os poderes de disposição e administração lhe foram retirados com e desde a declaração da insolvência;
Para além deste capital, não fica claro de que forma vai obter os rendimentos necessários para pagar aos credores comuns, referindo-se que o “… o pagamento aos credores é feito por recurso a capitais próprios, obtidos por rendimentos gerados pela manutenção em atividade da empresa, reestruturado o seu passivo e prevenidas as ruturas de tesouraria”.
No entanto, não está a devedora a exercer qualquer atividade nem dispõe dos meios para retomar a atividade.
Ora, conforme estatui o nº 2 do artigo 195º CIRE, o plano de recuperação deve indicar as medidas necessárias à sua execução e todos os elementos relevantes para efeitos da sua aprovação pelos credores e homologação pelo juiz, nomeadamente a indicação sobre como serão obtidos os meios de satisfação dos credores, se através da liquidação de algum bem, se à custa de rendimentos e quais.
Como supra se viu, a proposta de plano limita-se a afirmar, de forma vaga, que os meios para satisfação de credores serão obtidos da recuperação da sociedade titular da empresa, contudo o parágrafo relativo à “Continuidade da atividade” foi eliminado, ficando sem se perceber como tal pretende ser efetivado.
Por outro lado, a proposta de plano apresentada, no que diz respeito à satisfação dos créditos garantidos, constitui uma violação ao princípio da igualdade previsto no art.º 194 CIRE, equiparando a forma de regularização dos créditos garantidos da EMP01... com os credores hipotecários.
O plano contém, também, medidas que consubstanciam uma violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo bem como omissões:
a. Prevê um aumento do capital social nos 120 dias posteriores à decisão de homologação do plano. O aumento do capital social da devedora que esteja previsto no plano de insolvência constitui um dos atos prévios à homologação, conforme nº 1 do artigo 201º do CIRE;
b. O plano de insolvência regula a matéria dos créditos fiscais de forma diversa daquela que se encontra regulado na lei, violando-se o disposto em normas imperativas, o que consubstancia violação não negligenciável das normas aplicáveis ao seu conteúdo.
Por todo o exposto, não homologo o plano de insolvência apresentada, ao abrigo do disposto no art.º 216 CIRE.
Determino o prosseguimento dos autos para liquidação.
Notifique.

Inconformada com a decisão, a recorrente apelou, formulando as seguintes conclusões:
A) Os credores, principais interessados, concomitantemente com a Recorrente, quanto ao destino e sorte desta lide, demonstraram, inequivocamente, o seu interesse em que esta fosse viabilizada através da proposta de plano de recuperação apresentada, aprovando-a com a esmagadora maioria de 85% dos votos emitidos.
B) Conforme decorre do atual teor do artigo 1º nº 1 do CIRE, “O processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência, baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, ou, quando tal não se afigure possível, na liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores.”
C) Parece, assim, evidente, que o fim último do presente procedimento é a recuperação da devedora e, só quando não for tal desiderato possível, é que se deverá proceder à sua liquidação.
D) O Tribunal recorrido tem feito neste processo “tábua rasa” deste comando legal, pois é certo que, para que a Recorrente conseguisse apresentar um plano de recuperação teve de interpor dois recursos de apelação.
E) E, após ter logrado aprovar a sua proposta de plano de recuperação com o voto favorável de 85% dos seus credores, ora surgiu a presente recusa, recusa esta que, no modesto entendimento da Recorrente, não tem qualquer fundamento legal.
F) O Sr. Administrador Judicial apresentou um parecer a 22.07.2024, referência ...18 relativamente à proposta de plano de recuperação primitivamente junta a estes autos, com alguns pontos assaz pertinentes, que a Recorrente acomodou na sua proposta de plano de recuperação definitiva, junta a estes autos a 26.07.2024, ...60.
G) Desta forma, não devia/podia a Douta Sentença ora recorrida invocar o parecer do Sr. Administrador Judicial para justificar a recusa de homologação, pois o mesmo não só não incidiu sobre a versão do plano de recuperação que foi sujeita à votação dos credores como nesta foram incluídas grande parte das ideias em tal parecer vertidas.

ISTO POSTO:
H) Refere o Tribunal recorrido que “Quanto à outorga deste novo contrato, alerta o Sr. AI para a falta de poderes do administrador da devedora para praticar tal ato, atendendo a que os poderes de disposição e administração lhe foram retirados com e desde a declaração da insolvência;”, argumento este destituído de qualquer fundamento legal.
I) Resulta do nº 2 do artigo 217º do CIRE que “A sentença homologatória confere eficácia a quaisquer atos ou negócios jurídicos previstos no plano de insolvência, independentemente da forma legalmente prevista, desde que constem do processo, por escrito, as necessárias declarações de vontade de terceiros e dos credores que o não tenham votado favoravelmente, ou que, nos termos do plano, devessem ser emitidas posteriormente à aprovação, mas prescindindo-se das declarações de vontade do devedor cujo consentimento não seja obrigatório nos termos das disposições deste Código e da nova sociedade ou sociedades a constituir.” (sublinhado nosso)
J) E, refere o plano de recuperação de que a “escritura pública será celebrada pelo administrador da Devedora ou por procurador por esta nomeado no prazo de quinze dias após a homologação do presente plano de recuperação, sendo os créditos dos demais credores garantidos liquidados no prazo máximo de 10 dias após a celebração de tal escritura.”
K) Desta forma, prevendo o plano de recuperação que a escritura só é celebrada após o plano ser homologado e dele constando a declaração de terceiro a assegurar a compra, evidentemente que a Recorrente teria fundamento e legitimidade para consumar a venda em causa.

SEM PRESCINDIR:
L) O Tribunal recorrido olvida totalmente que o credor hipotecário tem um crédito garantido, reconhecido no apenso A destes autos pelo Sr. Administrador Judicial, de €3.710.111,43 (três milhões setecentos e dez mil cento e onze euros e quarenta e três cêntimos).
M) Conforme bem resulta do mapa constante da página 22 do plano de recuperação aprovado, este credor está a aceitar uma redução do seu crédito garantido em 68% ao aceitar receber, ao seu abrigo, a quantia de €1.250.000,00 (um milhão duzentos e cinquenta euros).
N) Desta feita, caso a Recorrente entre em liquidação de ativos, violando-se expressamente o supramencionado artigo 1º nº 1 do CIRE, o valor da venda do prédio reverterá integralmente para este credor garantido, nada sobrando para os trabalhadores/credores privilegiados pois não tem “in casu” aplicabilidade o disposto no artigo 333º nº 1 al. b) do Código do Trabalho pois, recorde-se, estamos perante um prédio rústico, para a Autoridade Tributária e, muito menos, para os credores comuns, pelo que só interesses ocultos ou ininteligíveis poderão justificar os pedidos de recusa de homologação.
O) Para lá do exposto, os trabalhadores ao peticionarem a recusa de homologação do plano de recuperação quando é certo que dele resulta o pagamento integral e célere dos seus créditos e que, caso se venha a prover a sua leviana pretensão nada receberão, estão a exercer ilegitimamente um direito pois excedem manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito, preenchendo assim o disposto no artigo 334º do Código Civil.
P) Importa relembrar que, caso a proposta de plano de recuperação tivesse sido homologada, já teriam, à presente data, tanto os credores garantidos como os privilegiados, visto os seus créditos integralmente ressarcidos e os comuns de forma parcial.
Q) O mesmo exercício ilegítimo de um direito foi efetuado pela credora “Banco 1..., S.A.” pois, a única possibilidade que terá de ser ressarcida com algum valor, será através da implementação do plano de recuperação nestes autos aprovado pelos credores.

AINDA SEM PRESCINDIR:
R) Resulta ainda da Douta Sentença ora recorrida que: “Para além deste capital, não fica claro de que forma vai obter os rendimentos necessários para pagar aos credores comuns, referindo-se que o “… o pagamento aos credores é feito por recurso a capitais próprios, obtidos por rendimentos gerados pela manutenção em atividade da empresa, reestruturado o seu passivo e prevenidas as ruturas de tesouraria”, conclusão esta que não pode ser extraída do plano de recuperação aprovado pelos credores.
S) Antes pelo contrário, o plano de recuperação refere de forma bem clarividente, a forma como vai obter os rendimentos para pagar aos credores comuns na sua página 17 onde consta a forma de pagamento:
- Pagamento dos créditos comuns reconhecidos, com o rateio do valor remanescente resultante do produto da venda do imóvel descrito no Anexo I Contrato de Compra de Venda, depois de pagos os créditos garantidos e os créditos privilegiados, nos vinte dias após a escritura.
- Cumulativamente, a empresa irá pagar 5% dos créditos reconhecidos aos credores comuns, nos 120 dias seguintes ao do trânsito em julgado da sentença de homologação do plano de recuperação, por via dos resultados da atividade da empresa e se necessário e no mesmo prazo, por via do aumento de capital pelos atuais acionistas e na proporção das suas participações, no montante que se vier a revelar necessário para o efeito.
- A empresa EMP03... irá encetar todos os esforços para receber os montantes em dívida dos clientes, conforme quadro abaixo (que identifica), e ratear por todos os credores comuns, trinta dias após a receção dos montantes em causa pelos devedores, com a supervisão do Administrador Judicial.
- Será constituído um penhor mercantil sobre todos os valores a receber de clientes, através de instrumento notarial, a ser celebrado até trinta dias após o trânsito em julgado da sentença de homologação do plano de recuperação, a favor de todos os credores comuns.
T) Acresce que nas páginas 28 a 30 da proposta de plano de recuperação, estão bem identificadas as medidas de que a Recorrente pretende implementar no seu futuro para a sua plena recuperação.
U) O Tribunal recorrido afirma ainda de forma totalmente indevida e conclusiva de que, “não está a devedora a exercer qualquer atividade nem dispõe dos meios para retomar a atividade”, pois não pode fazer um juízo de prognose sobre a disponibilidade de meios para a retomar da atividade, quando é certo que do plano resulta nas mencionadas páginas 28 a 30 do plano que “O parceiro da empresa (EMP04...) dispõe de capacidade/autonomia financeira capaz de financiar o ciclo de produção da própria obra, os custos financeiros operacionais, e também é detentor de equipamento/maquinaria que permite concorrer e executar obras de maior envergadura.” e que “Com a experiência que a EMP03..., S.A. tem no mercado e com a possibilidade da redução passivo e, consequentemente, do serviço da dívida, a EMP03..., S.A. reúne todas as condições para incrementar o volume de negócios.”
V) E que recorrerá no futuro à subcontratação pois “É importante ainda realçar que, a entrada do parceiro não representou nenhum aumento da estrutura de custos da EMP03..., S.A., uma vez que este irá recorrer à subcontratação, à medida que angariar novas obras, para fornecer quadro de pessoal e a maquinaria necessária à empresa para ela poder executar as obras.”.
W) A crença quanto às propostas ínsitas num plano de recuperação pertence exclusivamente aos credores e, “in casu”, 85% dos votos emitidos, através do seu voto favorável, acreditaram na proposta que lhes foi apresentada pela Recorrente.

FINALMENTE:
X) O Tribunal recorrido refere ainda e uma vez mais de forma totalmente conclusiva que: A proposta de plano apresentada, no que diz respeito à satisfação dos créditos garantidos, constitui uma violação ao princípio da igualdade previsto no art.º 194 CIRE, equiparando a forma de regularização dos créditos garantidos da EMP01... com os credores hipotecários.
Y) Quanto à alegada violação do artigo 194º do CIRE, não se entende como o plano viola o princípio da igualdade entre credores quanto é certo que prevê o pagamento dos créditos garantidos da mesma exata forma, não resultando do disposto no artigo 47º nº 4 alínea a) do CIRE, a figura do credor hipotecário, mas unicamente a do credor garantido.
Z) Acresce que a Recorrente, na esteira da recomendação constante do supra referido parecer apresentado pelo Sr. Administrador Judicial a 22.07.2024, referência ...18, teve o cuidado de limitar o crédito garantido da EMP01..., de forma substancial, apenas ao valor das ações dadas em penhor no valor de 16.500,00 € (dezasseis mil e quinhentos euros).
A.A.) Mais referindo o Tribunal recorrido que: O plano contém, também, medidas que consubstanciam uma violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo bem como omissões pois prevê um aumento do capital social nos 120 dias posteriores à decisão de homologação do plano. O aumento do capital social da devedora que esteja previsto no plano de insolvência constitui um dos atos prévios à homologação, conforme nº 1 do artigo 201º do CIRE;
A.B.) Analisando o teor do plano de recuperação, dele resulta no segundo parágrafo da página 17 (pagamento aos credores comuns) que, “se necessário e no mesmo prazo, por via do aumento de capital pelos atuais acionistas e na proporção das suas participações, no montante que se vier a revelar necessário para o efeito.”, pelo que estamos perante um aumento de capital sob condição, num valor eventual e incerto e que só será implementado se necessário para se proceder ao pagamento a que a Recorrente se obrigou junto dos credores comuns.
A.C.) Face ao exposto é evidente que este aumento de capital sob condição não tem qualquer enquadramento no disposto no artigo 201º nº 1 do CIRE, o qual se destina, única e exclusivamente, aos aumentos de capital devidamente concretizados no teor do plano de recuperação.
A.D.) Finalmente, o Tribunal recorrido refere, ainda, indevidamente que “O plano de insolvência regula a matéria dos créditos fiscais de forma diversa daquela que se encontra regulado na lei, violando-se o disposto em normas imperativas, o que consubstancia violação não negligenciável das normas aplicáveis ao seu conteúdo.”, quando é certo que o mesmo respeita escrupulosamente o CPPT e a LGT pelo que desconhece a Recorrente qual a lei alegadamente preterida.
A.E.) Com efeito, os créditos privilegiados da Autoridade Tributária serão pagos de imediato, com a venda do prédio de que a Recorrente é proprietária e os comuns nos exatos termos previstos no artigo 196º do CPPT.
A.F.) Do próprio plano resulta que o pagamento dos créditos comuns serão integralmente pagos em 150 prestações mensais, iguais e sucessivas, nos termos e com os fundamentos previstos no artigo 196º nº 6 do CPPT, por se considerar demonstrada “…a indispensabilidade da medida e, ainda, (…) os riscos inerentes à recuperação dos créditos (…)”, vencendo-se a primeira prestação até ao final do mês seguinte da Assembleia de Credores que aprovar o plano.
A.G.) Acresce que o facto da Autoridade Tributária ter votado contra o plano de recuperação nunca seria fundamento para ser recusada a sua homologação.
A.H.) A mera decisão casuística e discricionária da Autoridade Tributária não é suficiente para os efeitos decorrentes da homologação fiquem em causa, sob pena de total preterição dos princípios do Estado de Direito.
A.I) É firme entendimento da Recorrente de que o n.º 3 do art.º 30º da LGT não veio (e num Estado de Direito seria no mínimo de estranhar que o fizesse) conferir caráter indisponível ou imperativo ao sentido de voto da credora Autoridade Tributária, no sentido de dele depender a aprovação e a validade do Plano, transformando-o num voto de qualidade ou num verdadeiro direito de veto, conforme resulta do Douto Acórdão supra transcrito.
A.J.) Desta forma, a indisponibilidade ou imperatividade da lei vai reportada apenas aos créditos do Estado, porém, o âmbito da inderrogabilidade ou imperatividade do regime de regularização de dívidas ao Estado reporta às condições em que a lei ‘autoriza’ a Autoridade Tributária a autorizar o pagamento em prestações, mas não inclui a autorização destas entidades.
A.K.) Desta forma tem a Recorrente de invocar os Doutos Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa supra transcritos de 09.04.2024, relativo ao processo nº 919/23.0T8BRR-A.L1-1, de 22-09-2020 relativo ao processo n.º 2542/19.5T8VFX.L1, de 22-02-2022, relativo ao processo n.º 10646/21.8T8LSB-A.L1-1, de 04.07.2023 relativo ao processo nº 11886/22.8T8LSB.L1-1 todos pesquisáveis www.dgsi.pt.
A.L.) A Recorrente invoca ainda o Douto entendimento perfilhado pelo Douto Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça a 24.03.2015, relativo ao processo nº 664/10.7TYVNG-P1.S1, igualmente pesquisável em www.dgsi.pt, do qual resulta que “É óbvio que não sendo um plano homologado eficaz em relação àqueles específicos credores, os mesmos continuam na posse plena dos seus créditos, os quais poderão ser acionados, com consequências nefastas para a empresa devedora, efeitos esses que, necessariamente, irão inviabilizar o acordo havido com os restantes credores, como também toda a recuperação proposta com o mesmo”,
A.M.) dispondo adicionalmente que “temos entendido que a circunstância de que os créditos fiscais e da Segurança Social não serem iguais aos outros, não pode conduzir a uma tal proteção que mesmo sendo tais créditos de montante reduzido, pudesse ser permitido ao Estado acabar por inviabilizar qualquer tentativa de conciliação, votando contra todo e qualquer plano de recuperação, porque nestas situações particulares, efetuando uma interpretação atualista do artigo 215º do CIRE vem-se entendendo como caso negligenciável, admitindo, por isso, a aprovação do plano a violação que se traduza numa mera modificação de prazos de pagamento e/ou numa redução de taxa de juros (…) e se tal modificação dos prazos redução dos juros não estiver à partida proibida pelas disposições tributárias abstratamente convocáveis e invocáveis”.
A.N.) Mesmo que tal se não entenda, o que unicamente por mera cautela e dever de patrocínio se admite, nunca o voto desfavorável da Autoridade Tributária implicaria a recusa de homologação do plano de recuperação, mas sim a sua ineficácia face a esta credores.

CONCLUINDO:
A.O) O Tribunal recorrido conclui na Douta Sentença ora recorrida, também de forma totalmente conclusiva, que o plano de recuperação aprovado viola o artigo 216º do CIRE, mas não explica o motivo.
A.P.) Nenhum dos credores que peticionaram a recusa de homologação invocaram (nem o poderiam fazer) o disposto neste preceito legal, pois nenhum se atreveu a invocar que a sua situação ao abrigo do plano seria previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano, designadamente face à situação resultante de acordo já celebrado em procedimento extrajudicial de regularização de dívidas e/ou que o plano proporciona a algum credor um valor económico superior ao montante nominal dos seus créditos sobre a insolvência, acrescido do valor das eventuais contribuições que ele deva prestar.
A.Q) A Douta Sentença ora recorrida violou o disposto nos artigos 1º nº 1, 47º nº 4 al. a), 194º, 201º nº 1, 217º nº 1, 215º e 216º do CIRE bem como o artigo 334º do Código Civil, artigo 196º nº 6 do CPPT e 30 nº 3 da LGT.
Termos em que, revogando a Douta Sentença ora recorrida e substituindo-a por outra que declare a plena homologação do plano de recuperação apresentada pela Recorrente e aprovado com 85% de votos favoráveis, estarão V. Exas., Venerandos Desembargadores, a produzir a tão habitual e costumada JUSTIÇA!!!!
Não foram apresentadas contra-alegações.
Os autos foram aos vistos dos excelentíssimos adjuntos.

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II – Questões a decidir:

Nos termos do disposto nos artºs 608º, nº2, 609º, nº1, 635º, nº4, e 639º, do CPC, as questões a decidir em sede de recurso são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo daquelas que o tribunal deve conhecer oficiosamente, não sendo admissível o conhecimento de questões que extravasem as conclusões de recurso, salvo se de conhecimento oficioso.
As questões a decidir são, assim, apurar da (in)existência de obstáculos legais à homologação do plano de insolvência.
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III – Fundamentação:

A. Fundamentos de facto:

Os factos relevantes para a decisão do presente recurso são os constantes do relatório deste acórdão.
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B. Fundamentos de direito. 

Como decorre do artº 212º do CIRE, a aprovação plano de insolvência depende da existência de três requisitos cumulativos:
- Têm que estar presentes ou representados na reunião credores cujos créditos constituam, pelo menos, um terço do total dos créditos com direito de voto;
- A proposta tem de recolher mais de dois terços da totalidade dos votos emitidos;
- Mais de metade dos votos emitidos têm de corresponder a créditos não subordinados, isto é, créditos garantidos, privilegiados ou comuns.
Por outro lado, para tal proposta não ser homologada pelo juiz têm de se verificar os pressupostos do artº 215º do CIRE (não homologação oficiosa) ou do artº 216 do mesmo diploma (não homologação a solicitação dos interessados).
Na decisão recorrida, concretamente do antepenúltimo parágrafo, refere-se expressamente que a não homologação foi decidida ao abrigo do disposto no artº 216º do CIRE mas, 2 parágrafos atrás, faz-se menção a que o plano contém medidas que consubstanciam uma violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo.
É exclusivamente sobre os fundamentos da decisão que foram objeto de recurso que nos podemos e iremos pronunciar.
Vejamos.
A recorrente começou por fazer um conjunto de considerações genéricas nas conclusões A) a G), enfatizando que o plano foi aprovado com 85% dos votos favoráveis, e relembrando que o plano aprovado foi o junto aos autos em 26 de julho de 2024, referência citius 49568655, carecendo de sentido, por isso, a referência feita na decisão recorrida ao parecer do senhor administrador judicial.
A recorrente insurge-se depois na conclusão H), quanto à alegada falta de fundamento legal da conclusão vertida na decisão recorrida de que carece de legitimidade para outorgar o contrato promessa e consumar a venda por força da declaração de insolvência, fundamentando-se no disposto no artº 217º, nº 2, do CIRE.

Dispõe o artº 81º do CIRE, a propósito dos efeitos da declaração de insolvência:

Efeitos sobre o devedor e outras pessoas
  Artigo 81.º
Transferência dos poderes de administração e disposição
1 - Sem prejuízo do disposto no título X, a declaração de insolvência priva imediatamente o insolvente, por si ou pelos seus administradores, dos poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente, os quais passam a competir ao administrador da insolvência.
2 - Ao devedor fica interdita a cessão de rendimentos ou a alienação de bens futuros susceptíveis de penhora, qualquer que seja a sua natureza, mesmo tratando-se de rendimentos que obtenha ou de bens que adquira posteriormente ao encerramento do processo.
3 - Não são aplicáveis ao administrador da insolvência limitações ao poder de disposição do devedor estabelecidas por decisão judicial ou administrativa, ou impostas por lei apenas em favor de pessoas determinadas.
4 - O administrador da insolvência assume a representação do devedor para todos os efeitos de carácter patrimonial que interessem à insolvência.
5 - A representação não se estende à intervenção do devedor no âmbito do próprio processo de insolvência, seus incidentes e apensos, salvo expressa disposição em contrário.
6 - São ineficazes os actos realizados pelo insolvente em violação do disposto nos números anteriores, respondendo a massa insolvente pela restituição do que lhe tiver sido prestado apenas segundo as regras do enriquecimento sem causa, salvo se esses actos, cumulativamente:
a) Forem celebrados a título oneroso com terceiros de boa fé anteriormente ao registo da sentença da declaração de insolvência efectuado nos termos dos n.os 2 ou 3 do artigo 38.º, consoante os casos;
b) Não forem de algum dos tipos referidos no n.º 1 do artigo 121.º
7 - Os pagamentos de dívidas à massa efectuados ao insolvente após a declaração de insolvência só serão liberatórios se forem efectuados de boa fé em data anterior à do registo da sentença, ou se se demonstrar que o respectivo montante deu efectiva entrada na massa insolvente.
8 - Aos actos praticados pelo insolvente após a declaração de insolvência que não contrariem o disposto no n.º 1 é aplicável o regime seguinte:
a) Pelas dívidas do insolvente respondem apenas os seus bens não integrantes da massa insolvente;
b) A prestação feita ao insolvente extingue a obrigação da contraparte;
c) A contraparte pode opor à massa todos os meios de defesa que lhe seja lícito invocar contra o insolvente.

Por seu turno, o artº 217º do CIRE, invocado pela recorrente, estatui o seguinte:
Artigo 217.º
Efeitos gerais
1 - Com a sentença de homologação produzem-se as alterações dos créditos sobre a insolvência introduzidas pelo plano de insolvência, independentemente de tais créditos terem sido, ou não, reclamados ou verificados.
2 - A sentença homologatória confere eficácia a quaisquer actos ou negócios jurídicos previstos no plano de insolvência, independentemente da forma legalmente prevista, desde que constem do processo, por escrito, as necessárias declarações de vontade de terceiros e dos credores que o não tenham votado favoravelmente, ou que, nos termos do plano, devessem ser emitidas posteriormente à aprovação, mas prescindindo-se das declarações de vontade do devedor cujo consentimento não seja obrigatório nos termos das disposições deste Código e da nova sociedade ou sociedades a constituir.
3 - A sentença homologatória constitui, designadamente, título bastante para:
a) A constituição da nova sociedade ou sociedades e para a transmissão em seu benefício dos bens e direitos que deva adquirir, bem como para a realização dos respectivos registos;
b) A redução de capital, aumento de capital, modificação dos estatutos, transformação, exclusão de sócios e alteração dos órgãos sociais da sociedade devedora, bem como para a realização dos respectivos registos.
4 - As providências previstas no plano de insolvência com incidência no passivo do devedor não afetam a existência nem o montante dos direitos dos credores da insolvência, designadamente os que votem favoravelmente o plano, contra os codevedores ou os terceiros garantes da obrigação, mas estes sujeitos apenas podem agir contra o devedor em via de regresso nos termos em que o credor da insolvência pudesse exercer contra ele os seus direitos.
5 - A sentença homologatória produz de imediato os efeitos referidos nos n.os 1 a 3, ainda que seja interposto recurso.
 Aqui chegados, importa referir que, pese embora a decisão recorrida faça menção expressa à afirmação nesse sentido feita pelo senhor administrador judicial, não fundamentou a sua decisão de não homologação numa hipotética ineficácia do contrato promessa. Aliás, sobre este nada disse, designadamente sobre a validade ou invalidade do mesmo (artº 81º, nº 6, do CIRE) e respetivos reflexos em sede de plano de recuperação.
Trata-se, por isso, de matéria subtraída à apreciação deste tribunal de recurso e sobre a qual, por isso, não podemos legalmente tecer considerações.
Dito isto, importa apreciar o demais alegado em sede de recurso.
A recorrente alegou depois que, caso entre em liquidação, o valor da venda reverterá integralmente para o credor hipotecário, nada sobrando para os trabalhadores, não se aplicando o disposto no artº 333º, nº 1, alínea b), do Código do Trabalho. Mais alegou que tal invocação consubstancia um abuso de direito, à semelhança do que acontece com a Banco 1..., cuja única hipótese de ressarcimento de alguma quantia está, alegadamente, dependente da aprovação do plano.

Dispõe o artº 333º do Código de Trabalho:
Privilégios creditórios
1 - Os créditos do trabalhador emergentes de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação gozam dos seguintes privilégios creditórios:
a) Privilégio mobiliário geral;
b) Privilégio imobiliário especial sobre bem imóvel do empregador no qual o trabalhador presta a sua actividade.
2 - A graduação dos créditos faz-se pela ordem seguinte:
a) O crédito com privilégio mobiliário geral é graduado antes de crédito referido no n.º 1 do artigo 747.º do Código Civil;
b) O crédito com privilégio imobiliário especial é graduado antes de crédito referido no artigo 748.º do Código Civil e de crédito relativo a contribuição para a segurança social.

É certo que os trabalhadores não beneficiam do privilégio creditório especial relativamente ao imóvel. Mas nem por isso estão legalmente impedidos de votar o plano de insolvência de acordo com a avaliação subjetiva que fazem das suas conveniências e/ou motivações. Se constituísse pressuposto do voto num determinado sentido a expetativa de ser ressarcido com alto grau de probabilidade, a lei tê-lo-ia consagrado expressamente, consignando essa limitação (artº 9º, nº 3, do Código Civil), o que não fez.
Daí que não possa concluir-se, como faz a recorrente, pela existência de qualquer abuso de direito.
Igual raciocínio vale quanto aos demais credores, razão pela qual também quanto à Banco 1..., S.A., tem de se considerar improcedente esta alegação da recorrente.
Conclui-se, assim, pela inexistência de qualquer abuso de direito (artº 334º do Código Civil).
A recorrente alegou depois (conclusão R e seguintes) que, contrariamente ao referido na decisão recorrida, o plano de recuperação explicita de forma bem clarividente a forma como vai obter os rendimentos para pagar aos credores comuns:
- Pagamento dos créditos comuns reconhecidos, com o rateio do valor remanescente resultante do produto da venda do imóvel descrito no Anexo I Contrato de Compra de Venda, depois de pagos os créditos garantidos e os créditos privilegiados, nos vinte dias após a escritura.
- Cumulativamente, a empresa irá pagar 5% dos créditos reconhecidos aos credores comuns, nos 120 dias seguintes ao do trânsito em julgado da sentença de homologação do plano de recuperação, por via dos resultados da atividade da empresa e se necessário e no mesmo prazo, por via do aumento de capital pelos atuais acionistas e na proporção das suas participações, no montante que se vier a revelar necessário para o efeito.
- A empresa EMP03... irá encetar todos os esforços para receber os montantes em dívida dos clientes, conforme quadro abaixo (que identifica), e ratear por todos os credores comuns, trinta dias após a receção dos montantes em causa pelos devedores, com a supervisão do Administrador Judicial.
- Será constituído um penhor mercantil sobre todos os valores a receber de clientes, através de instrumento notarial, a ser celebrado até trinta dias após o trânsito em julgado da sentença de homologação do plano de recuperação, a favor de todos os credores comuns.
Aqui chegados, não podemos deixar de concordar com o tribunal recorrido quando manifesta a sua perplexidade relativamente à intenção de liquidar débitos com os resultados da atividade da empresa. Como bem refere a decisão, a insolvente não está a exercer qualquer atividade nem dispõe de meios para retomar a atividade.
Contrapôs a recorrente (conclusão U) que tal afirmação é indevida e conclusiva, pois resulta do plano, a páginas 28 a 30, que “O parceiro da empresa (EMP04...) dispõe de capacidade/autonomia financeira capaz de financiar o ciclo de produção da própria obra, os custos financeiros operacionais, e também é detentor de equipamento/maquinaria que permite concorrer e executar obras de maior envergadura.” e que “Com a experiência que a EMP03..., S.A. tem no mercado e com a possibilidade da redução passivo e, consequentemente, do serviço da dívida, a EMP03..., S.A. reúne todas as condições para incrementar o volume de negócios.”
Pese embora o otimismo da insolvente, atentemos no parecer do senhor administrador judicial, onde refere, além do mais, no ponto 82, que “a devedora está desprovida de tudo aquilo que é necessário para o exercício da sua atividade; não possui alvará que lhe permita desenvolver a sua principal atividade (…); não possui qualquer trabalhador ao seu serviço, sendo que o seu quadro de pessoal é composto apenas pelo seu (ausente) administrador único; o seu ativo fixo tangível está reduzido a um imóvel (onerado com hipotecas, penhoras e sobre o qual existem dois contratos promessa de compra e venda), quatro secretárias, cerca de 20 armários, meia dúzia de cadeiras e dois computadores.
Não reputamos credível a afirmação da recorrente de que reúne todas as condições para incrementar o volume de negócios. Para além das antecedentes considerações, em termos de critérios de normalidade prática não antevemos como provável que, e como resulta do processo, uma empresa que nos últimos 12 anos foi já objeto de 4 processos de revitalização (2013, 2015, 2018, 2020), e agora de um de insolvência, consiga estabelecer parcerias de negócio credíveis com outras empresas, que seguramente não desconhecerão o seu histórico. Mais, tal ceticismo da nossa parte estende-se à alegada intenção de subcontratação, perante o supra descrito quadro fáctico, bem como à cobrança de créditos perante os seus credores, vários dos quais, como refere o senhor administrador de insolvência no seu parecer (pontos 40 a 47) estão em processo de insolvência, de revitalização, ou mesmo já em processo de dissolução e liquidação – vide ponto 45.
Alegou a recorrente que as crenças quanto às propostas ínsitas num plano de recuperação pertencem exclusivamente aos credores e, no caso, a 85% dos credores.
Tal afirmação não é rigorosa.
Com efeito, o artº 215º do CIRE impõe ao juiz a não homologação oficiosa do plano em caso de violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, não estabelecendo qualquer exceção a tal princípio decorrente de uma qualquer indexação a uma elevada percentagem do quórum. E o conteúdo do plano, nos termos do artº 195º do CIRE, pressupõe um conjunto de requisitos cumulativos cujo preenchimento não se basta com uma mera declaração de intenções, ou com um preenchimento meramente formal, tendo antes de ser consubstanciado num quadro fáctico minimamente verosímil. Cada credor terá as suas motivações subjetivas sobre o plano, perfeitamente legítimas, e baseadas, a mais das vezes, em pressupostos que escapam ao tribunal. E 85% dos votos é evidentemente uma percentagem a que não podemos ficar indiferentes. Mas tal não exime o tribunal do juízo crítico imposto pelo sobredito artº 215º do CIRE.
Ora, como refere Luís M. Martins[1], por normas procedimentais entendem-se os atos e procedimentos necessários à tramitação do processo (incluindo o seu conteúdo e forma) até à aprovação pela assembleia. Por violação não negligenciável no que respeita ao conteúdo do plano, entende-se tal vício, cujo conceito a lei não concretiza, como a violação de todas as normas imperativas que acarretem a produção de um resultado que a lei não autoriza, não existindo violação quando se esteja no âmbito da derrogação de normas legais pelo plano de insolvência (cfr. artºs 1º e 192º).
Relativamente à homologação do plano, e citando um acórdão da Relação de Évora, de 7/06/2018, “No controlo da legalidade do acordo de pagamento aprovado pelos credores deve o juiz recusar, mesmo ex officio, a sua homologação quando, nos termos do artº 215º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, ocorrer violação não negligenciável de regras procedimentais, ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza. Por regras procedimentais deve entender-se aquelas que visam regular a forma como deverá desenrolar-se o processo, ou seja, todas aquelas que regem a atuação a desenvolver no processo, que incluem os passos procedimentais que nele devem ser dados até que os credores decidam sobre as propostas que lhes foram apresentadas, incluindo assim as regras que regulam a aprovação e votação do plano e ainda as relativas ao modo como o plano deve ser elaborado e apresentado.”.
À luz do supra exposto, e pese embora todo o nosso supra apontado ceticismo sobre a viabilidade do referido plano, não estamos, por si só, perante nenhum dos casos em que a lei determina a não homologação oficiosa pelo juiz (artº 215º do CIRE), ou que legitima qualquer credor (artº 216º, nº 1, alíneas a) e b)) a solicitar a não homologação.
Vejamos, então, o mais alegado.
A recorrente insurge-se, depois (conclusão X), contra as considerações efetuadas na decisão recorrida sobre a violação do princípio da igualdade, por força da equiparação da forma de regularização dos créditos garantidos da EMP01... com os credores hipotecários. Alega que inexiste qualquer violação do artº 194º do CIRE pois foi previsto o pagamento dos créditos garantidos da mesma forma, não resultando do artº 47º, nº 4, do CIRE a figura do credor hipotecário, mas unicamente a do credor garantido. Alega ainda que, na sequência do parecer do senhor administrador da insolvência, limitou o crédito da EMP01... apenas ao valor das ações dadas em penhor, no valor de €16.500,00.
O tribunal recorrido não fundamentou esta sua conclusão sobre a alegada violação do princípio da igualdade.
Todavia, com auxílio dos elementos constantes dos autos podemos alinhavar alguns comentários.
O artº 194º do CIRE impõe que o plano de insolvência obedeça ao princípio da igualdade dos credores, sem prejuízo das diferenciações justificadas por razões objetivas. Ou seja, o tratamento diversificado justifica-se apenas em função da diferente categoria e natureza dos respetivos créditos, bem como em razões objetivas que o justifiquem.
Ora, a EMP01... apenas é credora garantida relativamente às ações sobre as quais foi constituído penhor mercantil a seu favor. Sobre o imóvel, nenhuma garantia foi prestada a seu favor. Daí que, a previsão no plano, de pagamento do crédito garantido por penhor mercantil, no valor de €16.500,00, à custa do valor da venda do imóvel, equivale a considerá-la um credor garantido quanto a este montante, ficando injustificadamente favorecida perante os demais credores não garantidos, nomeadamente os trabalhadores e a Banco 1..., S.A, que votaram contra.
Carecem, assim, de fundamento, as considerações da recorrente a este respeito, só fazendo sentido a sua argumentação caso, e em tese, o bem objeto de garantia fosse o mesmo, o que não se verifica.
Improcede, assim, esta pretensão do recorrente, face ao acerto do decidido a este respeito na 1ª instância.
A recorrente insurge-se depois (conclusões AA a AC) quanto à decisão relativa à alegada violação não negligenciável de regras procedimentais decorrentes da inobservância do disposto no artº 201º, nº 1, do CIRE, que impõe que o aumento do capital social da devedora que esteja previsto no plano de insolvência constitui um ato prévio à homologação.
Defende a recorrente que o referido preceito se destina exclusivamente aos aumentos de capital devidamente concretizados no teor do plano de recuperação. Ao invés, defende que estamos perante um aumento de capital sob condição, num valor eventual e incerto e que apenas será implementado se necessário.
Com todo o respeito o dizemos, mas esta alegação da recorrente é completamente autofágica.
Se, nas próprias palavras da recorrente, o artº 201º do CIRE exige que o aumento de capital seja prévio à homologação quando estamos perante um ato devidamente concretizável (sabendo quem o realiza, quando, e respetivo montante), como defender a validade de tal alegada desnecessidade perante um ato condicional, onde nada se refere sobre o hipotético valor de tal aumento de capital, prazo concreto, quem o subscreve e relativamente a que montantes? Como aferir da probabilidade séria de verificação do mesmo?
Discordamos assim da inaplicabilidade da exigência contida no artº 201º do CIRE, concordando-se com a conclusão do tribunal recorrido de que a preterição de tal formalidade consubstancia violação não negligenciável de regras procedimentais aplicáveis.
Improcede, assim, também esta alegação da recorrente.
Alegou depois a recorrente (conclusões AD e seguintes) que a decisão, relativamente aos créditos fiscais, refere que o plano de insolvência regula a matéria de tais créditos de forma diversa daquela que se encontra regulada na lei, violando-se normas imperativas, o que também consubstancia violação não negligenciável de regras procedimentais aplicáveis.
Defende a recorrente que o plano de insolvência respeita escrupulosamente o CPPT e a LGT.
O tribunal recorrido, de forma conclusiva, mais uma vez, limitou-se a referir que “O plano de insolvência regula a matéria dos créditos fiscais de forma diversa daquela que se encontra regulada na lei, violando-se o disposto em normas imperativas, o que consubstancia violação não negligenciável das normas aplicáveis ao seu conteúdo.” – sic.
Já acima fizemos considerações a respeito do crédito da EMP01..., onde concluímos pela impossibilidade de o mesmo ser considerado crédito garantido sobre o imóvel, por violação do princípio da igualdade, não podendo preferir, por isso, no que aqui agora interessa, aos créditos tributários. Presumimos que era a isto que se referia a decisão recorrida.
Aliás, no ponto 71 do seu parecer, o senhor administrador judicial refere a correção da proposta de pagamento quanto aos créditos comuns da autoridade tributária.
Assim, acrescentaremos somente, na esteira do já decidido no processo nº 734/22.... desta Relação, datado de 30 de março de 2023, que caso ocorresse violação não negligenciável do princípio da indisponibilidade dos créditos fiscais, a consequência de tal violação, caso o plano de pagamentos houvesse sido aprovado com o voto favorável da maioria dos credores, seria a ineficácia do plano de pagamentos em relação aos créditos da Autoridade Tributária e da Segurança Social, o que, não obstaculizaria, em tese, e não fosse o demais que apontámos, a aprovação do plano de pagamentos.
Em súmula, pelas apontadas razões, terá de considerar-se improcedente o recurso interposto.
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Da aplicação oficiosa do disposto no artº 6º, nº 7, do RCP.
No apenso C foi deliberada a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
Nos termos do artº 6º, nº7, do Regulamento das Custas Processuais, “Nas causas de valor superior a €275.000,00 o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento”.
Nos termos do artº 7º, nº2, do RCP, nos recursos, a taxa de justiça é fixada nos termos da tabela 1-B. Significa isto que para além do que já pagou, a ora requerente iria pagar um montante desproporcionada e injustificadamente alto.
Os presentes autos têm o valor de €1.250.000,00.
Não obstante, o recurso não se revelou complexo.
Assim, verificados os respetivos pressupostos, e por razões também de coerência decisória, sendo lícito a este tribunal fazê-lo, nos termos do artº 6º, nº7, do RCP, delibera este coletivo dispensar a recorrente do remanescente do pagamento de custas neste recurso que excedam o valor da ação correspondente a €275.000,00.
**********
V – Dispositivo:

Pelo exposto, acordam os juízes da 1ª Secção do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente o recurso interposto, confirmando a decisão recorrida.
Mais se delibera dispensar o pagamento do remanescente de custas neste recurso que excedam o valor da ação correspondente a €275.000,00.
Custas pela recorrente.
Notifique.
Guimarães, 5 de junho de 2025.
           
Relator: Fernando Barroso Cabanelas.
1º Adjunto: Pedro Maurício.
2ª Adjunta: Maria João Marques Pinto de Matos.


[1] Processo de Insolvência, Almedina, 4ª edição, pág. 509.