I – Só se verifica o vício a que refere o art.º 410.º, n.º 2, al. a) do Código de Processo Penal, quando da matéria de facto vertida na decisão resulta a falta de elementos que, podendo e devendo ser indagados, são necessários para que se possa formular um juízo seguro de condenação ou de absolvição, o que não se confunde com o erro na subsunção dos factos ao direito aplicável.
II - Não sendo possível eliminar todos os riscos de acidente de trabalho, é, ainda assim, exigível ao empregador que leve a cabo tudo o possível para reduzir até ao limite mínimo os riscos próprios das tarefas executadas pelos trabalhadores, implementando de medidas de proteção coletiva e de métodos e processos de organização do trabalho e complementando-os, se necessário, com a utilização de equipamentos de proteção individual.
III – Compete à entidade empregadora fornecer, sem encargos para os trabalhadores, os equipamentos de proteção individual que cumpra os requisitos técnicos de conformidade, bem como garantir a sua adequação e bom funcionamento.
(Sumário da responsabilidade da Relatora)
A “A..., S.A.”, foi condenada na coima única de 4.750,00€ e na sanção acessória de publicidade da decisão, pela prática, em cúmulo jurídico, de uma infração contraordenacional prevista e punida pelo art.º 15.º, n.º 1 e 14, da Lei n.º102/2009, de 10 de Setembro (proc. adm. ...96), e de duas infrações contraordenacionais previstas e punidas pelo art.º 202.º, n.º2 e 5, do Código do Trabalho (proc. adm. ...58 e ...59).
AA foi condenado solidariamente com a arguida pelo pagamento das coimas relativas a estas duas últimas contraordenações.
Inconformados, a arguida e AA impugnaram judicialmente a decisão administrativa, pugnando pelas suas absolvições, tendo apresentado as conclusões transcritas na sentença recorrida, que, por economia processual, se dão por reproduzidas.
A impugnação foi recebida e realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que julgando a impugnação parcialmente procedente, absolvendo os impugnantes da pena acessória de publicidade, condenou-os, quanto ao mais, nos seguintes termos:
“I) Condeno a “A..., S.A.”:
- pela prática, a título negligente, da contra-ordenação prevista e punida pelo art. 15.º, n.º1 e 14, da Lei n.º102/2009, de 10 de Setembro, na coima de 4.590,00€.
- pela prática, a título negligente, da contra-ordenação prevista e punida pelo art. 202.º, n.º2 e 5, do Código do Trabalho (p. ...58), na coima de 612,00€. - pela prática, a título negligente, da contra-ordenação prevista e punida pelo art. 202.º, n.º2 e 5, do Código do Trabalho (p. 192200859), na coima de 612,00€.
Em cúmulo, condeno a arguida na coima única de 4.750,00€.”
Inconformada, veio a arguida interpor o presente recurso, restrito à condenação pela contraordenação prevista e punida pelo artigo 15.º n.º 1 e 14, da Lei nº 102/2009, de 10 de Setembro, na coima de 4 590,00€, com vista à revogação da sentença, apresentando alegações que culminaram nas seguintes conclusões:
“Conclusão 1- O presente Recurso é interposto contra a Sentença proferida em 07/01/2025 (com Ref.ª 467306074) pela Meritíssima Senhora Doutora Juiz de Direito BB, nos autos melhor identificados em epígrafe, por via da qual aquele Douto Tribunal a quo proferiu a decisão condenatória da aqui Recorrente, pela prática a título negligente, da contra-ordenação prevista e punida pelo artigo 15.º n.º 1 e 14, da Lei nº 102/2009, de 10 de Setembro, na coima de 4590,00€. Condenação esta circunscrita ao ilícito contra-ordenacional de que vinha acusada quanto “ao risco para a integridade física decorrente de queda de pessoas ao mesmo nível e de queda de objectos, não prevenido por disponibilização de equipamentos de protecção individual, como seja o calçado de segurança” (1.ª infracção), pelo que o âmbito do presente recurso se circunscreve apenas quanto a esta parte da decisão condenatória.
Conclusão 2: A Recorrente cumpre e faz por cumprir rigorosamente todas as suas obrigações legais, nomeadamente as consagradas nos artigos 15º nº 1 e 14 da lei 102/2009 de 10 de setembro, quando aplicáveis, pelo que, no presente caso, é seu entendimento inexistir qualquer violação às normas invocadas, muito menos por culpa ou responsabilidade da Recorrente, contrariamente ao que consta da Sentença Condenatória sub judice que, nesta parte, desde já se impugna e recorre, para os devidos legais efeitos, por a aqui Recorrente não concordar, nem se conformar com tal decisão condenatória, por entender que a mesma padece de duplo vicio de violação de lei:
1) por erro de julgamento sobre a interpretação e aplicação do direito ao caso, ao decidir quanto aos pressupostos e à matéria de direito e sua aplicação à matéria de facto dada como provada nos autos, da forma em que fundamentou e proferiu a dita decisão ora recorrida;
2) por insuficiência da matéria dada como provada, para sustentar e fundamentar a decisão condenatória proferida – pois perante a matéria dada como provada carece a dita sentença de fundamento e prova, para poder concluir pela necessidade de atribuição pela Recorrente de EPI - calçado de segurança, aos seus trabalhadores.
Conclusão 3 - Considerando:
i) a infracção imputada à recorrente - não ter fornecido aos seus trabalhadores os equipamentos de protecção individual adequados a evitar o risco de queda ao mesmo nível (desde logo por escorregamento), maxime, o calçado de segurança, com características antiderrapantes, por força dos artigos 4.º e 6.º a) do Decreto-Lei n.º 348/93, de 1 de Outubro;
ii) a matéria de facto dada como provada /assente, em sede da dita Sentença (vide pontos 8 a 13);
iii) e a letra e espirito da lei, dos normativos cuja violação foi imputada à Recorrente – artigo 15 nº 1 e 14 da lei 102/2009 de 10 de setembro conjugado com o artigos 4º e 6º alínea a) do Decreto -Lei n.º 348/93, de 1 de Outubro; conclui-se que, contrariamente ao determinado em sede da Sentença ora Recorrida, a exigência legal de atribuição e utilização de equipamentos de protecção individual, vulgo EPI`s, apenas se impõe e será exigível quando “os riscos existentes não puderem ser evitados ou suficientemente limitados por meios técnicos de protecção colectiva ou por medidas, métodos ou processos de organização de trabalho”, conforme dispõe o “Principio Geral” previsto no artigo 4º do invocado Decreto-Lei n.º 348/93 de 1 de Outubro – sendo que os EPI`s funcionam apenas como um “mecanismo suplementar para um risco residual imprevisível ou não passível de ser evitado” – vide pág 499 do Manual de Segurança e Saúde no Trabalho, de Luís Conceição Freitas 2º Edição Revista Corrigida, Edições Silabo.
Conclusão 4- Atentos os factos dados como provados em sede da dita Sentença, mais concretamente, nos pontos 8) a 13), cujo respectivos teores, por mera economia processual, aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os legais efeitos, forçoso será concluir que da conjugação daqueles normativos previsto na conclusão anterior, com aqueles factos dados como provados, ficou cabalmente demonstrado que, a Arguida tem instituídos meios técnicos de protecção colectiva, medidas e processos técnicos de organização do trabalho que se afiguram como sendo os meios adequados, suficientes e exigíveis, para prevenir, combater e eliminar na origem os riscos existentes aqui em apreço de acidentes de trabalho (existência de água ou gordura no piso/chão do estabelecimento), confirmando a desnecessidade e inexigibilidade de quaisquer medidas adicionais, tais como o fornecimento de EPI`s, incluindo calçado de segurança!
Conclusão 5 - Atenta a natureza do risco (existência de água ou gordura no chão), é facto notório, e de senso-comum (para os efeitos previstos no artigo 412º do CPC ex vi artigo 4º do CPP ex vi artigo 50.º n.º 4 da Lei 107/2009 de 14 de setembro), que a única forma eficaz e suficiente de prevenir e evitar tal risco de queda ao mesmo nível passa por: i) a loja dispor de piso antiderrapante (como já acontece de facto); ii) e, principalmente, assegurar que os seus trabalhadores efectuam uma limpeza regular e correta do piso (por forma a evitar e eliminar a existência de água ou gordura no chão), conforme aliás já instituído pela empresa (vide pontos 8 a 13 dos factos dados como provados na sentença). Medidas estas de protecção colectiva e de organização do trabalho que, além de já implementadas pela Recorrente, por si só, permitem atuar sobre tal risco e eliminá-lo logo na origem, o que não acontece com o calçado de segurança.
Conclusão 6- No estabelecimento em causa, desde a data da abertura da loja, até pelo menos às datas das visitas inspectivas (incluindo todo o ano de 2017) não ocorreu um único acidente de trabalho, fosse por queda ao mesmo nível ou fosse sequer por queda de objetos! facto este só de per se revelador da suficiência e eficácia dos meios técnicos de protecção colectiva e dos procedimentos de trabalho implementados e em uso pela Arguida, para combater, prevenir e eliminar riscos de acidentes de trabalho, nos seus estabelecimentos – confirmando a desnecessidade e inexigilidade de quaisquer medidas adicionais, tais como o fornecimento de EPI`s (calçado de segurança)
Conclusão 7 – Incorre a Sentença em erro de julgamento ao fundamentar e sustentar a ideia de que o calçado de segurança, enquanto EPI, é que seria a medida correctiva a implementar para evitar e eliminar tais riscos de queda, o que não é verdade, pois não resulta sequer demonstrado, nem comprovado, nem dado como provado, em sede da Sentença condenatória ora recorrida -contrariamente ao que seria exigível para efeitos condenatórios – que:
i) que os trabalhadores da aqui Arguida estivessem a utilizar calçado que não cumpria os requisitos essenciais de segurança com marcação CE e acompanhado de Declaração EU de conformidade, pois nem sequer é identificado ou sequer descrito o exacto tipo de calçado em uso pelos ditos funcionários à altura dos factos;
ii) que o calcado de segurança invocado, tenha características antiderrapantes em pisos com gordura;
iii) nem que tenha sido sequer testado, para as situações de piso com gordura, a fim de corroborar aquela Decisão do Tribunal a quo e, como tal, também não se pode concluir que tal calçado é que permite evitar quedas em piso com água ou gordura.
Conclusão 8 - O uso de calçado antiderrapante, não permite, por si só, evitar, muito menos eliminar o risco de queda em chão molhado e muito menos gorduroso, além de que o mesmo não é imposto pela empresa como obrigatório aos seus trabalhadores, mas antes uma mera recomendação aos mesmos - não sendo exigido o seu uso como uniforme/farda imposta pela empresa, pois não integra a mesma (cfr. prova documental junta aos autos como Doc. 5 junto a fls 86 do processo administrativo de contraordenação junto aos autos).
Conclusão 9- Os trabalhadores da Recorrente é que optam livremente (em função do seu arbítrio, conforto e do tipo de calçado próprio que dispõe) pelo tipo de calçado, que utilizam para o efeito, também dentro das linhas de orientação dadas pela empresa para efeitos de sua “apresentação” – vide Doc. 5 supra referido junto a fls 86- e que - como aliás acontece com qualquer trabalhador (homem- médio), em diferentes sectores de actividade (seja em restaurantes, seja em escritórios, seja até mesmos nos Tribunais), que utiliza calçado para a sua vida pessoal e profissional, que se coadune e seja adequado, neste último caso, com a função a exercer. Calçado que trazem de casa para trabalhar, normalmente sapatilhas ou sapatos próprios que, por natureza, têm já características antiderrapantes (solas de borracha), como aliás já o tem, por inerência, a generalidade do calçado.
Conclusão 10- De tudo o exposto, não resulta a obrigatoriedade, nem a exigibilidade de a Arguida ter de fornecer calçado de segurança aos seus colaboradores, porquanto tal obrigatoriedade só existe quando os riscos existentes não puderem ser evitados ou suficientemente limitados por meios técnicos de protecção coletiva ou por medidas, métodos ou processos de organização de trabalho, o que, como se demonstrou supra, não é o caso, uma vez que são adotadas e estão já implementadas medidas de proteção coletiva suficientes, mais eficazes e adequadas para os fins legalmente tutelados nesta matéria, incluindo de combate e prevenção de riscos de acidentes logo na sua origem!
Conclusão 11- No que à Arguida e ao seu responsável solidário diz respeito, não se verificam, pois, quaisquer pressupostos subjectivos ou objectivos de punibilidade inscritos nos normativos invocados, para que lhes possa ser assacada a responsabilidade e culpa, seja a que titulo for, pela infracção de que vem condenada e de que agora se recorre.”
Recebidos os autos neste tribunal o Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso por não se verificarem quaisquer vícios decisórios da sentença, remetendo, no mais para a resposta ao recurso apresentada em 1.ª instância.
Nenhum dos intervenientes respondeu ao parecer do Ministério Público.
Considerando o teor do requerimento de interposição do recurso e as conclusões da recorrente (art.º 412.º do Código de Processo Penal), importa que este tribunal se pronuncie sobre as seguintes questões:
1 – insuficiência da matéria de facto provada para sustentar e fundamentar a decisão;
2 – erro de julgamento na interpretação e aplicação do direito ao caso.
Em 1.ª instância foram considerados provados os seguintes factos:
“1) A “A..., S.A.”, anteriormente com a firma “B..., S.A.”, tem sede no Edifício ..., sido na Praça ..., no Porto e tem como objeto social “a atividade de restauração e similares, sob a marca C...”.
2) A arguida tinha como administrador AA à data da prática dos factos em causa nos autos.
3) A arguida explora um estabelecimento denominado “C... ...”, sito na rua ..., em ....
4) A arguida foi fiscalizada no estabelecimento referido em 3) nos dias 18 de Abril, 25 de Maio, 29 de Junho e 7 de Julho de 2017.
5) No relatório de avaliação de riscos respeitantes ao local de trabalho mencionado em 4) é identificado o risco de queda de pessoas como resultante do perigo de pavimento molhado e com gordura, indicando-se como medidas de controlo, entre outras, garantir que os trabalhadores utilizam os equipamentos de proteção individual recomendados e adequados à realização das tarefas.
6) A arguida exige aos trabalhadores a utilização de calçado fechado, de pele ou vinil preto e sola antiderrapante.
7) Cabe a cada trabalhador assumir o respetivo encargo da aquisição do calçado com as caraterísticas mencionadas em 6).
8) O pavimento do local de trabalho referido em 4) tem características antiderrapantes para água.
9) A arguida implementou regras de limpeza do pavimento, orientados para manter o piso seco.
10) E implementou uma organização do espaço e dos equipamentos – tais como a colocação do dispensador de batatas, fritadeira e estufa sequencialmente – por forma a optimizar a execução das tarefas e evitar a necessidade de deslocação de utensílios de um posto de trabalho para outro por forma a evitar derrames de água, óleo e alimentos para o pavimento.
11) A arguida promove acções de formação e sensibilização de modo a dotar os colaboradores de conhecimentos que garantam a realização das tarefas de modo seguro.
12) E transmite aos seus trabalhadores medidas preventivas de acidentes, tais como o uso de sinalética de piso escorregadio, relativas à limpeza do piso de modo a assegurar uma limpeza diária regular e eficaz do piso sempre que estiver molhado ou com gordura e recomendações sobre uso de calçado antiderrapante (sola de borracha).
13) E implementa medidas por forma a eliminar o risco de queda ao mesmo nível e de queda de objectos, nomeadamente: através de procedimentos de limpeza regulares e eficazes; uso de piso antiderrapante; uso exclusivo na loja de facas de pontas redondas e com pegas ergonómicas (de utilização esporádico no dia a dia, atenta a existência de máquinas de corte especificas para o efeito e a utilização maioritária de alimentos que vêm “já cortados"); o uso, movimentação e arrumação de cargas mais pesadas junto ao solo ou nas prateleiras de baixo a fim de evitar sua queda.
14) A arguida não paga aos trabalhadores subsídio de alimentação.
15) A arguida fornece aos trabalhadores alimentação em espécie confeccionada no estabelecimento.
16) Tal alimentação corresponde ao previsto no relatório nutricional detalhado da alimentação fornecida nos estabelecimentos “C...” em Portugal (que corresponde ao documento n.º9 com que é instruído o auto de notícia).
17) Na alimentação fornecida não existe oferta de pescado nem fruta em natureza e a oferta de produtos hortícolas é limitada e tem prevalência de produtos com açúcar adicionado.
18) A arguida disponibiliza aos trabalhadores os seguintes alimentos não confeccionados:
Proteínas: hamburger de carne de vaca (100%), panados de carne de frango, hamburger vegetariano (feijão), hamburger vegetariano (vegetais), todos sem temperos (nomeadamente sal), ovo, bacon.
Lacticínios: queijo (nomeadamente Cheddar, Mozzarela e outros), leite, iogurte.
Vegetais: alface e mix de alface (engloba diferentes variedades de alfaces), tomate e tomate cherrie, cebola, pepino, batatas já cortadas e prontas a fritar e pickles.
Gorduras e óleos: azeite (extravirgem), vinagre, óleo vegetal, ketchup, salva, barbecue e mostarda.
Especiarias: sal e pimenta.
Cereais: pão (diferentes tipos e natureza) e wraps.
Bebidas: água, sumos (incluindo de fruta), leite, refrigerantes, cerveja e batidos.
Outros: bolos, bolachas/toppings, gelado, iogurtes, waffles e natas batidas.
19) Os trabalhadores não haviam pedido à data o fornecimento de alimentação especial.
20) Após a visita inspectiva, a arguida elaborou um menu do fornecimento de alimentação especial.
21) A arguida é associada da AHRESP.
22) A arguida, ao agir da forma descrita quanto à não disponibilização de equipamentos individuais adequados a debelar o risco e ao não disponibilizar alimentação com valor nutritivo indispensável a uma alimentação racional, não atendeu aos deveres de prudência, de cuidado, de previdência e cautela que podia e devia ter na qualidade de entidade empregadora.
23) A arguida explora um estabelecimento denominado “C... ...”, na rua ....
24) No dia 4 de Março de 2022, no local de trabalho referido em 22), os registos de tempo de trabalho diários e semanal prestados pelos trabalhadores era feito com recurso a uma folha impressa do computador por cada gerente de turno.
25) Na referida folha estava previamente identificado com uma linha assinalada grosso o horário desse dia de cada trabalhador.
26) A parametrização da linha onde figura previamente assinalado o horário atende a intervalos de uma hora.
27) E não prevê espaço para assinalar as pausas.
28) A folha era rubricada no final do turno ou no dia seguinte pelos trabalhadores por cima da barra correspondente ao horário que estava previsto.
29) Uma parte dos trabalhadores menciona ao lado da rubrica as horas de entrada e saída e os tempos de pausas.
30) A arguida explora um estabelecimento denominado “C... Maia”, na Avenida ..., na Maia.
31) No dia 22 de Fevereiro de 2022, no local de trabalho referido em 29), os registos de tempo de trabalho diários e semanal prestados pelos trabalhadores era feito com recurso a uma folha impressa do computador por cada gerente de turno.
32) Na referida folha estava previamente identificado com uma linha assinalada a grosso o horário desse dia de cada trabalhador.
33) A parametrização da linha onde figura previamente assinalado o horário atende a intervalos de uma hora.
34) E não prevê espaço para assinalar as pausas.
35) A folha era rubricada no final do turno ou no dia seguinte pelos trabalhadores por cima da barra correspondente ao horário que estava previsto.
36) Sem assinalar as horas de entrada e saída e os tempos de pausas.
37) A arguida dá aos trabalhadores instruções para que estes procedam aos registos sempre que existam entradas, intervalos de descanso e saídas de serviço e faltas.
38) A arguida, ao agir da forma descrita quanto à forma de registo dos tempos de trabalho nos estabelecimentos de ... e da Maia, não atendeu aos deveres de prudência, de cuidado, de previdência e cautela a que estava obrigada e que podia e devia ter na qualidade de entidade empregadora.
39) A arguida teve no ano de 2016 o volume de negócios de 46.463.154,00€.
40) E no ano de 2020, a arguida teve o volume de negócios de 84.855.227,00€.”
“a.- O pavimento do local de trabalho referido em 4) tem características antiderrapantes para gordura.”
Por razões de precedência lógica importa começar por apreciar a questão relativa à insuficiência da matéria de facto provada para a decisão.
Reportando-se os autos a contraordenação laboral é aplicável o regime jurídico aprovado pela Lei n.º 107/2009 de 14/09 e subsidiariamente, nos termos do seu art.º 60.º, os preceitos reguladores do processo de contraordenação previstos no regime geral das contraordenações (DL 433/82 de 27/10), termos em que de acordo com o art.º 41.º deste último diploma legal é ainda aplicável o Código de Processo Penal, com as necessárias adaptações e por via do art.º 4.º deste, é também aplicável o Código de Processo Civil.
O recurso para a Relação em sede de processo contraordenacional laboral, como regra, está circunscrito à matéria de direito (artigo 51.º, n.º 1, da Lei n. 107/2009 de 14/09), estando excluída a intervenção em sede de matéria de facto, sem prejuízo da apreciação de vícios decisórios ao nível da matéria de facto previstos no art.º 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, que podem ser invocados em sede de recurso e até apreciados oficiosamente.
Dispõe o art.º 410.º, n.º 2 do Código de Processo Penal que “Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; (…)”.
Este vício verifica-se quando a matéria de facto se mostra exígua para fundamentar a solução de direito encontrada, quando da factualidade vertida na decisão se colhe faltarem elementos que, podendo e devendo ser indagados, são necessários para que se possa formular um juízo seguro de condenação ou de absolvição[1].
Como referem Simas Santos e Leal Henriques[2] “Existe insuficiência para a decisão da matéria de facto provada quando a factualidade provada não permite, por exiguidade, a decisão de direito, ou seja, quando a matéria de facto provada não basta para fundamentar a solução de direito adoptada, designadamente, porque o tribunal, desrespeitando o princípio da investigação ou da descoberta da verdade material, não investigou toda a matéria contida no objecto do processo, relevante para a decisão, e cujo apuramento conduziria à solução legal.”
Está em causa contraordenação muito grave prevista e punida pelo art.º 15.º, n.º 1 e 14, da Lei n.º102/2009, de 10 de Setembro.
Prevê-se nesta norma o seguinte:
“1 - O empregador deve assegurar ao trabalhador condições de segurança e de saúde em todos os aspectos do seu trabalho.
14 - Constitui contra-ordenação muito grave a violação do disposto nos n.ºs 1 a 12.”
A recorrente alega que não resulta sequer dado como facto provado/matéria assente, em sede de sentença que o calçado de segurança invocado tenha características antiderrapantes em pisos com gordura, nem que tenha sido sequer testado, para as situações de piso com gordura, a fim de corroborar a sua decisão e, como tal, também não se pode concluir que tal calçado é que permite evitar quedas em piso com água ou gordura.
Ora, analisada a sentença, verifica-se que o tribunal concluiu pela prática da contraordenação em causa por considerar que “se o pavimento tem características antiderrapantes para a água, não as tem para a gordura, pelo que o equipamento de protecção individual ao nível do calçado será aquele que tendencialmente (em conjugação com as medidas de protecção colectivas) permitirá proteger a integridade física do trabalhador”. Tal afirmação tem subjacente a circunstância de resultarem dos factos provados as concretas medidas de proteção coletiva implementadas pela arguida e que o tribunal valorou como insuficientes, concluindo pela necessidade de serem complementadas com medidas de proteção individual, e de quanto a estas resultar dos factos provados que, apesar de a arguida exigir aos seus trabalhadores a utilização de calçado antiderrapante, não o fornecia, sendo os trabalhadores que os adquiriam.
Tanto basta para, no contexto da decisão proferida, atenta a respetiva fundamentação (e independentemente do seu acerto), se concluir que os factos provados são bastantes para sustentar a decisão.
De resto, analisada a sentença, não se vislumbra que do seu texto, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum, resulte qualquer exiguidade da matéria de facto para a decisão, constando dos autos todos os elementos de facto necessários. De facto, a matéria de facto dada como provada é suficiente no sentido da conclusão retirada quanto ao preenchimento do tipo legal da contraordenação em causa e à responsabilização da recorrente pela mesma.
A argumentação da recorrente mostra-se sintetizada nas conclusões nos seguintes termos: “(…) perante a matéria dada como provada carece a dita sentença de fundamento e prova, para poder concluir pela necessidade de atribuição pela Recorrente de EPI - calçado de segurança, aos seus trabalhadores, do que resulta evidente que a arguida, em bom rigor, se limita, a discordar da interpretação que a Mm.ª Juiz fez na subsunção dos factos ao direito, o que não se confunde com o invocado vício decisório.
O recurso improcede, pois, nesta parte.
Foi imputada à arguida a prática, a título negligente de uma contraordenação muito grave p. e p. pelo art.º 15, n.º 1 e 14 da Lei 102/2009 traduzida na violação da obrigação de a arguida assegurar aos trabalhadores condições de segurança e de saúde, designadamente por não ter fornecido equipamentos de proteção individual (sapatos com solas antiderrapantes) adequado a evitar o risco de queda ao mesmo nível.
A recorrente argumenta que não praticou a contraordenação que lhe vem imputada já que não lhe era exigível o fornecimento aos seus trabalhadores de calçado antiderrapante, atentas as medidas de proteção coletiva e os processos de organização de trabalho implementados no estabelecimento fiscalizado.
Dispõe o citado art.º 15.º da Lei 102/2009 de 10/09 na parte que aqui importa que:
“1 - O empregador deve assegurar ao trabalhador condições de segurança e de saúde em todos os aspetos do seu trabalho.
2 - O empregador deve zelar, de forma continuada e permanente, pelo exercício da atividade em condições de segurança e de saúde para o trabalhador, tendo em conta os seguintes princípios gerais de prevenção:
a) Evitar os riscos;
b) Planificar a prevenção como um sistema coerente que integre a evolução técnica, a organização do trabalho, as condições de trabalho, as relações sociais e a influência dos fatores ambientais;
c) Identificação dos riscos previsíveis em todas as atividades da empresa, estabelecimento ou serviço, na conceção ou construção de instalações, de locais e processos de trabalho, assim como na seleção de equipamentos, substâncias e produtos, com vista à eliminação dos mesmos ou, quando esta seja inviável, à redução dos seus efeitos;
d) Integração da avaliação dos riscos para a segurança e a saúde do trabalhador no conjunto das atividades da empresa, estabelecimento ou serviço, devendo adotar as medidas adequadas de proteção;
e) Combate aos riscos na origem, por forma a eliminar ou reduzir a exposição e aumentar os níveis de proteção;
f) Assegurar, nos locais de trabalho, que as exposições aos agentes químicos, físicos e biológicos e aos fatores de risco psicossociais não constituem risco para a segurança e saúde do trabalhador;
g) Adaptação do trabalho ao homem, especialmente no que se refere à conceção dos postos de trabalho, à escolha de equipamentos de trabalho e aos métodos de trabalho e produção, com vista a, nomeadamente, atenuar o trabalho monótono e o trabalho repetitivo e reduzir os riscos psicossociais;
h) Adaptação ao estado de evolução da técnica, bem como a novas formas de organização do trabalho;
i) Substituição do que é perigoso pelo que é isento de perigo ou menos perigoso;
j) Priorização das medidas de proteção coletiva em relação às medidas de proteção individual;
l) Elaboração e divulgação de instruções compreensíveis e adequadas à atividade desenvolvida pelo trabalhador.
3 - Sem prejuízo das demais obrigações do empregador, as medidas de prevenção implementadas devem ser antecedidas e corresponder ao resultado das avaliações dos riscos associados às várias fases do processo produtivo, incluindo as atividades preparatórias, de manutenção e reparação, de modo a obter como resultado níveis eficazes de proteção da segurança e saúde do trabalhador.
4 - Sempre que confiadas tarefas a um trabalhador, devem ser considerados os seus conhecimentos e as suas aptidões em matéria de segurança e de saúde no trabalho, cabendo ao empregador fornecer as informações e a formação necessárias ao desenvolvimento da atividade em condições de segurança e de saúde.
(…)
11 - As prescrições legais ou convencionais de segurança e de saúde no trabalho estabelecidas para serem aplicadas na empresa, estabelecimento ou serviço devem ser observadas pelo próprio empregador.
12 - O empregador suporta a totalidade dos encargos com a organização e o funcionamento do serviço de segurança e de saúde no trabalho e demais sistemas de prevenção, incluindo exames de vigilância da saúde, avaliações de exposições, testes e todas as ações necessárias no âmbito da promoção da segurança e saúde no trabalho, sem impor aos trabalhadores quaisquer encargos financeiros.
(…)
14 - Constitui contraordenação muito grave a violação do disposto nos n.os 1 a 12.”
Por sua vez, dispõe o art.º 4.º do Decreto-Lei n.º 348/93 de 1 de Outubro, que transpôs para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 89/656/CEE, do Conselho, de 30 de Novembro, relativa às prescrições mínimas de segurança e de saúde dos trabalhadores na utilização de equipamentos de proteção individual, que:
“Os equipamentos de protecção individual devem ser utilizados quando os riscos existentes não puderem ser evitados ou suficientemente limitados por meios técnicos de protecção colectiva ou por medidas, métodos ou processos de organização do trabalho.”
Da conjugação do art.º 15.º, n.º 2, al. j) da Lei 102/2009 com a última disposição legal citada, resulta inequívoco que o cumprimento da obrigação de assegurar condições de segurança e saúde que impende sobre os empregadores, na parte em causa nos autos, se traduz, antes de mais, na implementação de medidas de proteção coletiva ou de medidas, métodos ou processos e organização de trabalho, sendo a obrigação de implementação de medidas de proteção individual, subsidiária ou complementar, na medida em que apenas existe nos casos de inadequação ou insuficiência, para a eliminação dos riscos, daquelas outras medidas, métodos ou processos.
No caso dos autos, os riscos que, de resto, a própria arguida identificou, no estabelecimento pela mesma explorado, denominado “C... ...”, sito na rua ..., em ..., são os de queda de pessoas resultante do perigo de pavimento molhado e com gordura.
A arguida implementou várias medidas tendentes a limitar os riscos, tendo ficado provado que:
- implementou regras de limpeza do pavimento, orientados para manter o piso seco;
- implementou uma organização do espaço e dos equipamentos – tais como a colocação do dispensador de batatas, fritadeira e estufa sequencialmente por forma a otimizar a execução das tarefas e evitar a necessidade de deslocação de utensílios de um posto de trabalho para outro por forma a evitar derrames de água, óleo e alimentos para o pavimento;
- implementou medidas por forma a eliminar o risco de queda ao mesmo nível e de queda de objetos, nomeadamente: através de procedimentos de limpeza regulares e eficazes; uso de piso antiderrapante; uso exclusivo na loja de facas de pontas redondas e com pegas ergonómicas (de utilização esporádico no dia a dia, atenta a existência de máquinas de corte especificas para o efeito e a utilização maioritária de alimentos que vêm “já cortados"); o uso, movimentação e arrumação de cargas mais pesadas junto ao solo ou nas prateleiras de baixo a fim de evitar sua queda.
Ficou ainda demonstrado que a arguida:
- promove ações de formação e sensibilização de modo a dotar os colaboradores de conhecimentos que garantam a realização das tarefas de modo seguro:
- transmite aos seus trabalhadores medidas preventivas de acidentes, tais como o uso de sinalética de piso escorregadio, relativas à limpeza do piso de modo a assegurar uma limpeza diária regular e eficaz do piso sempre que estiver molhado ou com gordura e recomendações sobre uso de calçado antiderrapante (sola de borracha).
Acresce que o pavimento do local de trabalho supra identificado tem características antiderrapantes para água, mas não se provou que tivesse características antiderrapantes para gordura.
Ora a existência de regras para limpeza do piso, com vista a mantê-lo seco e de regras de organização do espaço e equipamentos destinadas a evitar derrame de água, óleo e alimentos para o pavimento, sendo relevantes, não são por si só suficientes para a eliminação, até onde possível, do risco de queda por escorregamento num piso com gordura, como a própria recorrente reconheceu ao pré sinalizar a existência do perigo resultante de pavimento molhado e com gordura indicando como medida de controlo, a utilização pelos trabalhadores de equipamentos de proteção individual adequados à realização das tarefas.
Na verdade, a recorrente dedica-se à atividade de restauração, explorando um “C...”, estabelecimento que como é do conhecimento comum, vende, essencialmente hamburgers, batatas fritas e afins, que sendo confecionados no local, pressupõem a utilização, além do mais, de equipamentos para fritar que envolvem risco de derrame de óleo, que diríamos, como na sentença recorrida, que é “inevitável em absoluto”. De resto, a organização do espaço e dos equipamentos, como a colocação do dispensador de batatas, fritadeira e estufa sequencialmente por forma a otimizar a execução das tarefas e evitar a necessidade de deslocação de utensílios de um posto de trabalho para outro por forma a evitar derrames de água, óleo e alimentos para o pavimento, podendo contribuir para diminuir o derrame de óleo no pavimento, limita-se à confeção de determinados alimentos que não esgota as tarefas a executar pelos trabalhadores na confeção dos hamburgers e ao espaço da cozinha, que sendo aquele em que o risco é maior, não é o único.
E, veja-se, que não se demonstrou que o pavimento tenha características antiderrapantes para a gordura.
Acresce que, não sendo viável uma limpeza contínua do pavimento, o risco de queda por escorregamento no pavimento não se pode considerar eliminado ou limitado em permanência.
É certo que não será nunca possível eliminar todos os riscos de acidentes de trabalho, mas o que é exigível ao empregador é que leve a cabo tudo o possível para o efeito, minimizando até ao limite mínimo os riscos próprios das tarefas executadas pelos trabalhadores (art.º 15.º, n.º 2, al. c) da Lei 102/2009).
Nestes pressupostos, no caso concreto, concluindo-se pela insuficiência das medidas coletivas e dos processos e métodos de organização do trabalho para eliminar, até onde é possível, o risco de escorregamento, importa igualmente concluir pela existência da obrigação da recorrente fornecer aos trabalhadores equipamentos de proteção individual.
De facto, nos termos dos arts. 3º, 4.º, 5.º e 6.º do referido DL 348/93 constitui equipamento de proteção individual todo o equipamento, bem como qualquer complemento ou acessório, destinado a ser utilizado pelo trabalhador para se proteger dos riscos, para a sua segurança e para a sua saúde, o qual deve ser utilizado quando os riscos existentes não puderem ser evitados ou suficientemente limitados por meios técnicos de proteção coletiva ou por medidas, métodos ou processos de organização do trabalho, devendo todo o equipamento ser adequado aos riscos a prevenir e às condições existentes no local de trabalho, constituindo obrigação do empregador fornecer o equipamento de proteção individual e garantir a sua adequação e o seu bom funcionamento.
Nessa medida, a utilização de calçado antiderrapante, afigura-se-nos como necessária e adequada a diminuir o risco de queda por escorregamento devido às condições do pavimento (com água e gordura).
Mas poderá ser qualquer calçado a que se atribua a designação de antiderrapante, qualquer calçado com sola de borracha?
Entendemos que não, devendo antes tratar-se de calçado que cumpra determinados requisitos técnicos e cuja conformidade esteja devidamente certificada, sendo do empregador a responsabilidade pela aquisição e fornecimento de calçado que cumpra essas condições, bem como de garantir a sua renovação.
Efetivamente, dispõe o art.º 5.º do Regulamento EU 2016/425 de 09/03/2016, que “Os EPI cumprem os requisitos essenciais de saúde e de segurança enunciados no anexo II que lhes sejam aplicáveis.”
E no ponto 3.1.2.1. do Anexo II do dito Regulamento, sob a epígrafe “Prevenção das quedas por escorregamento”, está estipulado que:
“As solas de calçado de proteção destinados à prevenção do escorregamento devem ser concebidas, fabricadas ou dotadas de meios suplementares para assegurar uma boa aderência, em função da natureza e do estado da superfície.”
Resulta ainda do mesmo Regulamento que a colocação no mercado dos EPI, pressupõe a sua conformidade com a regras que deve ser documentada através de declaração de conformidade e de aposição de marcação CE (art.º 10.º, n.º 1, 15.º e 16.º).
Ora, ficou provado que a recorrente, no que não pode até deixar de se considerar o reconhecimento da necessidade de utilização de equipamentos de proteção individual, exige aos trabalhadores a utilização de calçado fechado, de pele ou vinil preto e sola antiderrapante e transmite-lhes medidas preventivas de acidentes, entre as quais o uso de calçado antiderrapante, com sola de borracha.
Mas também ficou provado que, em vez de fornecer tal equipamento aos seus trabalhadores, cabe a cada um deles assumir o encargo da aquisição de tal calçado (em contradição com o que resulta do art.º 15.º, n.º 12 da Lei 102/2009). Fica assim, ao arbítrio de cada trabalhador a escolha do calçado antiderrapante, demitindo-se a recorrente de qualquer controlo das caraterísticas do calçado usado e da sua adequação para prevenir os riscos em causa.
Ora, o procedimento da recorrente - que alega mesmo que os trabalhadores até podem usar sapatilhas (conclusão 9) - não permite concluir que a recorrente cumpre a obrigação de fornecer equipamentos de proteção individual e de garantir a sua adequação e bom funcionamento (art.º 6.º, al. a) do DL 348/93) e, consequentemente, que a mesma cumpra a obrigação de assegurar condições de segurança e saúde aos seus trabalhadores prevista pelo art.º 15.º, n.º 1 da Lei 102/2009.
Sendo assim, não se vislumbrando qualquer motivo para divergir da sentença recorrida quando conclui que a recorrente praticou a contraordenação muito grave p. e p. pelas disposições conjugadas dos n.º 1 e 14 do citado art.º 15.º, o recurso é improcedente.
Por todo o exposto acorda-se julgar o recurso improcedente, mantendo-se, em consequência, a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Notifique.
Maria Luzia Carvalho (Relatora)
Sílvia Gil Saraiva (1.ª Adjunta)
António Costa Gomes (2.º Adjunto)
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[1] Vd. entre tantos outros, Ac. do STJ de 5.12.2007, Proc. n.º 07P3406, Ac. RP de 24/02/2025, processo n.º 1754/24.4T8VFR.P1 e Ac. de 22/06/2020, processo nº 1836/19.4T8OAZ.P1., acessíveis in www.dgsi.pt.
[2] In Recursos em Processo Penal, 6ª edição, 2007, Rei dos Livros, pág. 69.