I - A qualificação de um contrato como de trabalho deve ter por base a totalidade dos elementos de informação disponíveis, a partir de uma maior ou menor correspondência com o conceito-tipo.
II - Não é de qualificar como laboral a relação entre a detentora/administradora de plataforma digital e o prestador de atividade no âmbito da mesma, quando o mesmo pode definir o valor mínimo a receber pela sua atividade, pode escolher quando presta a atividade, e onde, pode rejeitar as ofertas que lhe são feitas, e mesmo cancelar as já aceites, desde que ainda não tenha recolhido o produto a entregar, pode fazer-se substituir, por outros prestadores inscritos na mesma aplicação, e pode na mesma altura prestar a sua atividade a terceiros, nomeadamente a plataformas digitais concorrentes.
(extraído do Acórdão proferido no processo nº 9755/23.3T8VNG.P1)
Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Juízo do Trabalho de Oliveira de Azeméis
Autor: Ministério Público
Ré: A..., Unipessoal, Lda.
______
Nélson Fernandes (relator)
Sílvia Gil Saraiva
António Joaquim da Costa Gomes
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto
I – Relatório
1. O Ministério Público propôs a presente ação especial para reconhecimento da existência de um contrato de trabalho contra A..., Unipessoal, Lda., pedindo que seja reconhecida e declarada a existência de um contrato de trabalho entre a Ré e o trabalhador AA, por tempo indeterminado, fixando-se a data do seu início no dia 3.10.2023. Mais requereu que seja, oportunamente, comunicada a decisão nos termos do disposto no artigo 186.º-O, nomeadamente ao Instituto da Segurança Social, I.P. com vista à regularização das contribuições.
Para tanto alegou, em síntese, o seguinte: a Ré é uma plataforma digital que se dedica a prestar serviços à distância, tendo parceiros que vendem os seus produtos a clientes finais que são utilizadores da plataforma através do seu sítio na internet e da sua aplicação informática; os clientes solicitam através da plataforma produtos que são fornecidos pelos parceiros comerciantes da Ré e, esta, para efetuar as entregas, organiza o trabalho de estafetas, designadamente o trabalhador aqui em causa, ficando a plataforma com os resultados desta atividade; o trabalhador não tinha uma organização empresarial própria, prestando os seus serviços inserido na organização da Ré, que fixa o respetivo preço; o referido trabalhador efetua serviços de entrega nos termos e condições definidos pela Ré, que fixa a respetiva retribuição e condições de pagamento sem qualquer negociação com o trabalhador, sendo aquela quem negoceia os preços com os comerciantes e cobra o valor aos clientes, que não paga diretamente ao trabalhador, podendo haver pagamentos em dinheiro que, quando excede determinado valor, implica um depósito pelo trabalhador na conta da Ré, podendo esta determinar que aquele fique com algum valor por conta da retribuição a receber; a Ré compensava o IVA ao prestador de atividade; o valor da retribuição dependia de um valor fixo por entrega, um valor dependente do número de quilómetros percorridos e outros valores dependentes de outros fatores, cabendo ao prestador fixar um multiplicador entre 0,9 e 1,1 aplicável à totalidade da retribuição; o trabalhador ficava sujeito ao poder de direção e autoridade da Ré, que ditava as regras do exercício da atividade, designadamente nas condições gerais, concretamente quanto às características da mochila a utilizar e às regras para iniciar a atividade e ficando obrigado a efetuar controlo biométrico quando solicitado, o que fazia; o trabalhador está coberto por seguros fornecidos pela Ré e esta impõe que o trabalhador tenha seguro do veículo válido; o trabalhador é advertido de que deve agir com boa educação para com os clientes, sob pena de ser mal avaliado por estes e, em caso de uso de linguagem ou atitudes abusivas, poder ser, temporária ou definitivamente, impedido de prestar atividade; para além do controlo biométrico, a Ré acompanhava o trabalho do trabalhador através do sistema GPS, que tinha de estar sempre ligado e quando não estava, o trabalhador recebia um alerta na aplicação informática e não podia continuar a atividade; durante a atividade de entrega o cliente acompanha na aplicação o trabalhador em tempo real, sabendo onde o mesmo se encontra, sendo definida uma rota pela plataforma; a Ré monitoriza o tempo de disponibilidade do estafeta, o multiplicador escolhido e a proximidade ao ponto de recolha, atribuindo mais pedidos a quem é mais disponível, tem menor multiplicador e está mais próximo do ponto de recolha através de gestão algorítmica; o prestador de atividade exercia atividade em horários determinados pela plataforma e apenas no horário de funcionamento desta; o trabalho do prestador de atividade é avaliado na plataforma pelos clientes, a qual aplica sanções ao prestador de atividade, mais concretamente com reduções nos pagamentos, bloqueios temporários e definitivos da conta, bem como através da atribuição de menos pedidos; o estafeta é proprietário do veículo e outros instrumentos de trabalho, mas a Ré é proprietária da aplicação informática através da qual se organiza a atividade.
Contestou a Ré alegando, em síntese, para além de outras questões, o seguinte: a ação de fiscalização em causa foi efetuada no âmbito de uma ação de reclassificação geral do vínculo de centenas de prestadores de atividade, sem intenção de atender à situação do caso concreto, como se a norma do artigo 12.º-A, n.º 1, do Código do Trabalho, fosse automática e não resultasse de uma presunção ilidível, o que significa que se trata de uma reclassificação massiva ilegal; opera uma plataforma digital de intermediação tecnológica, mediando transações entre diversos tipos de utilizadores – clientes finais, comerciantes e distribuidores – aos quais cobra taxas pela utilização da plataforma que constituem as suas receitas – respetivamente: taxa de serviço, taxa de parceria e taxa de plataforma –, agindo como mero agente intermediário dos pagamentos entre os diversos utilizadores e, como tal, não pode haver uma relação de trabalho entre os prestadores de serviços e a plataforma; a relação iniciou-se antes de 1 de maio de 2023 e, por isso, o artigo 12.º-A, n.º 1, do Código do Trabalho, não se aplica ao caso concreto; não se verificam igualmente as características previstas para preenchimento da presunção de laboralidade, na medida em que o trabalho não é efetuado na plataforma, a retribuição resulta de um multiplicador escolhido pelo prestador de atividade e não se tem em conta a gratificação do utilizador-cliente; é o prestador que define o número de pedidos que aceita, podendo recusá-las, escolhendo conetar-se ou desconetar-se quando desejar e em quantas plataformas pretende trabalhar; todos os elementos, documentos e equipamentos exigidos dependem de regras de segurança ou legais; a geolocalização apenas tem de estar ligada para recebimento de pedidos, podendo ser desligada após isso; não existe um sistema de avaliação, mas apenas uma avaliação facultativa e qualitativa dos clientes, que a ré apenas consolida e torna visível ao prestador e não afetam a apresentação de pedidos; o prestador de atividade pode ligar-se ou desligar-se quando quiser, não estando sujeito a quaisquer horários, nem a tempos mínimos de disponibilidade; o prestador de atividade pode aceitar ou recusar os pedidos efetuados; a plataforma permite a utilização de subcontratados ou substitutos; a aplicação informática não é um equipamento ou instrumento de trabalho e os principais equipamentos e instrumentos de trabalho são o veículo e o telemóvel que são do prestador de atividade; assim sendo, não se verifica sequer a presunção de laboralidade, porque não existe subordinação, pois é necessário ter em conta (i) o elevado grau de autonomia, evidenciado, entre outros aspetos, pela possibilidade de se ligar ou desligar livremente ou pela possibilidade de rejeitar um serviço é um forte indício negativo de laboralidade, (ii) a possibilidade de prestar serviço para concorrentes e (iii) a possibilidade contratual de o prestador de serviços se fazer substituir por outra pessoa contratada para o efeito; invoca a inconstitucionalidade do processo, inserido numa ação de reclassificação em massa, por violação dos seus direitos, liberdades e garantias, em especial os direitos de defesa e a uma tutela jurisdicional efetiva, tendo em conta o número de procedimentos que deram origem a ações de reconhecimento de contratos de trabalho, não havendo uma possibilidade real e efetiva de exercício do contraditório numa situação de igualdade de armas, sobretudo com a recusa de prorrogação do prazo para resposta; os artigos 12.º e 12.º-A do CT, conjugados com os n.º 1 e 3 do artigo 15.º-A da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, quando interpretados no sentido de que a ACT os pode utilizar como instrumentos repressivos para visar um concreto setor de atividade (i.e., as plataformas digitais de intermediação tecnológica, particularmente, as que serviços de entrega), numa reclassificação setorial dos vínculos que titulam a prestação da atividade, independentemente das circunstâncias de facto concretas, da forma de operar de cada plataforma digital, das expectativas dos operadores económicos envolvidos – nomeadamente, os prestadores de serviços (estafetas) – e da prova dos factos de base das “presunções” aplicáveis, são inconstitucionais por violação dos princípios da proteção da confiança, da segurança jurídica e da não discriminação, previstos nos artigos 2.º e 13.º da CRP, e da liberdade de escolha de géneros de trabalho, previsto no artigo 47.º da CRP; a não verificação de indícios negativos de subordinação jurídica no âmbito da aplicação de uma presunção de laboralidade viola o Direito da União Europeia, mais concretamente, por um lado, apesar de não existir um conceito jurídico de trabalhador, a Diretiva 2003/88 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de novembro de 2003, relativamente a determinados aspetos da organização dos tempos de trabalho, tem como pressuposto a sua aplicabilidade apenas a pessoas com contrato de trabalho subordinado e, por outro lado, a prestação de serviços enquadra-se no âmbito da liberdade de estabelecimento, prevista no artigo 49.º TFUE, e a liberdade de prestação de serviços, prevista no artigo 56.º do mesmo TFUE, e a liberdade de trabalhar e liberdade de emprega decorrem dos artigos 15.º e 16.º CDFUE, pelo que os prestadores de serviços da Ré, seja o estafeta em causa, sejam outros estafetas na sua posição, e a própria Ré, no âmbito da relação acordada, exercem a sua liberdade de estabelecimento, de prestação de serviços de condução de um negócio, de acordo com os artigos 15º e 16º da CDFUE; perante isto, caso o Tribunal considere haver uma dúvida de interpretação do Direito da União Europeia, tendo em conta o princípio do primado do Direito da União Europeia e a necessidade de harmonização da interpretação da legislação nacional em conformidade com o referido Direito da União Europeia, deverá reenviar previamente ao TJUE para avaliar a conformidade daquelas normas com o direito da União Europeia e, nesse caso, nos termos do artigo 267.º do TFUE, requer que suspenda a instância e remeta ao TJUE as seguintes questões: a) A contratação de serviços numa situação como a dos Autos constitui uma forma de exercício da liberdade de estabelecimento e da livre prestação de serviços garantidas pelos Tratados da União Europeia? b) Pode a aplicação de uma presunção de laboralidade (como a do artigo 12.º e/ou do artigo 12.º-A do CT, que estabelece uma presunção de subordinação jurídica), que não admita que a presunção seja ilida mediante a verificação de critérios indiciários negativos, ser considerada uma restrição à liberdade de estabelecimento e à liberdade de prestação de serviços? Em caso afirmativo, pode tal restrição ser considerada conforme com as exigências do Direito da União Europeia que impendem sobre Portugal por força dos artigos 49.º e 56.º do TFUE? c) A prestação de serviços efetuada em condições de auto-organização, de liberdade de aceitação e recusa, sem exclusividade nem restrições de concorrência, que caracterizam as que estão em causa no presente processo, pode ser considerada trabalho subordinado à luz do Direito da União Europeia e da jurisprudência do TJUE e, portanto, sujeita às disposições do artigo 31.º, n.º 2, da CDFUE? d) Tendo em conta o conceito de trabalho subordinado inerente ao Direito da União Europeia, a verificação de alguns dos seguintes indícios deve ser considerada suficiente para afastar uma presunção de subordinação jurídica nos termos do direito nacional? i) O prestador de serviços pode recorrer a subcontratados ou substitutos para a execução do serviço que se comprometeu a prestar; ii) O prestador de serviços pode aceitar ou não as várias tarefas propostas pelo seu suposto empregador, ou fixar unilateralmente o número máximo dessas tarefas; iii) O prestador de serviços pode prestar os seus serviços a terceiros, incluindo concorrentes diretos do pretenso empregador, e iv) O prestador de serviços pode fixar as suas próprias horas de "trabalho" dentro de certos parâmetros e adaptar o seu tempo às suas conveniências pessoais e não apenas aos interesses do suposto empregador,” e) Caso se considere que os serviços prestados em condições análogas às do presente processo podem ser qualificados como uma relação de trabalho, ser-lhes-á aplicável a Diretiva 2003/88 relativa a determinados aspetos da organização do tempo de trabalho, nomeadamente os limites diários, semanais e mensais do tempo de trabalho nela previstos (artigos 3.º a 7.º), bem como as regras relativas às férias anuais nela previstas? f) Em caso de resposta afirmativa à questão anterior, como deve ser calculado o tempo de trabalho e como devem ser aplicados os limites de tempo de trabalho previstos na Diretiva referida na questão anterior?
O Autor respondeu às questões prévias pugnando pelo seu indeferimento.
Proferido despacho que declarou o Tribunal incompetente em razão do território, determinando a remessa dos autos, por o considerar competente, o Juízo do Trabalho de Lisboa, remetidos os autos, este último Tribunal declarou-se também incompetente, determinando que os autos fossem remetidos ao Juízo do Trabalho de Oliveira de Azeméis.
Remetido os autos, no Tribunal a quo foi proferido despacho no qual: se indeferiu a suspensão da instância requerida pela Ré; se declararam improcedentes as exceções, invocadas pela Ré, de manifesta insuficiência da causa de pedir por falta de concretização factual no auto e na petição inicial e a falta de causa de pedir por manifesta ausência de factos suscetíveis de integrar a causa de pedir; se indeferiu a apensação de ações pendentes requerida pela Ré.
Em 1.ª instância veio posteriormente a determinar-se a realização dos julgamentos, referentes a outras ações pendentes, conjuntamente.
2. Prosseguindo os autos os seus termos subsequentes, realizada a audiência de julgamento, veio a ser proferida sentença, de cujo dispositivo consta:
“III – Decisão.
Pelo exposto, julgo procedente a ação e, em consequência, declaro a existência de um contrato de trabalho entre a Ré e o trabalhador AA, por tempo indeterminado, fixando-se a data do seu início no dia 3.10.2023.
Mais, determino que, após trânsito em julgado, a comunicação da decisão nos termos do disposto no artigo 186.º-O, nomeadamente ao Instituto da Segurança Social, I.P. com vista à regularização das contribuições.
Custas pela ré.
Valor da causa: (…) Por isso, fixo à causa o valor de € 2.000.
Registe e notifique.”
2.1. Inconformada com o decidido, apresentou a Ré requerimento de interposição de recurso, apresentando as suas alegações, que findou, após convite ao respetivo aperfeiçoamento, com as conclusões seguintes:
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Conclui, na procedência do recurso, pela revogação da sentença recorrida, substituindo-a por outra que, não reconhecendo a existência de contrato de trabalho com o prestador de atividade, a absolva do pedido.
2.1.1. Contra-alegou o Autor, pugnando pela improcedência do recurso.
2.2. Apresentou também o Ministério Público recurso subordinado, tendo por objeto a decisão que fixou o valor da causa, formulando as conclusões seguintes:
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2.3. Os recursos foram admitidos pelo Tribunal a quo, com subida imediata, nos próprios autos e feito meramente devolutivo.
3. Apresentados os autos ao aqui Relator, foi proferida decisão que não admitiu o recurso subordinado apresentado pelo Autor.
II – Questões a resolver
Não tendo sido admitido o recurso subordinado interposto pelo Autor / Ministério Público (nos termos antes mencionados, sendo que sobre a decisão do aqui relator não foi requerida conferência), incidindo assim a apreciação apenas sobre o recurso interposto pela Ré, sendo pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso (artigos 635º/4 e 639º/1/2 do Código de Processo Civil (CPC) – aplicável “ex vi” do artigo 87º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho (CPT) –, integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, são as seguintes as questões a decidir: (1) recurso sobre a matéria de facto / juízo de admissibilidade / apreciação; (2) o direito do caso: juízo sobre o mérito no que se refere à qualificação ou não da relação existente e que é objeto dos autos como laboral e consequências decorrentes da conclusão a que se chegue sobre essa questão.
A) Fundamentação de facto
O tribunal recorrido, na pronúncia sobre a matéria de facto, fez constar o seguinte (transcrição, mas já com as alterações introduzidas no presente acórdão[1]):
1. Factos provados:
1. A Ré dedica-se a atividades relacionadas com as tecnologias de informação e informática (CAE ...) e comércio a retalho por correspondência ou via internet (...), sendo a sua sede na Rua ..., em Lisboa.
2. No âmbito da sua atividade, a Ré disponibiliza serviços à distância através de meios eletrónicos, nomeadamente através do sítio da internet e da aplicação informática (app) pertencente à Plataforma A...App a pedido de utilizadores.
3. Os serviços antes mencionados (ponto 2.º) podem ser utilizados pelos consumidores, estabelecimentos aderentes e estafetas, estabelecendo a Ré, como contrapartida, o pagamento de uma taxa que, por referência a cada um desses, fixa pelo acesso e/ou utilização. (alterado nesta sede recursiva)
4. (eliminado nesta sede recursiva)
5. (eliminado nesta sede recursiva)
6. (eliminado nesta sede recursiva)
7. (eliminado nesta sede recursiva)
8. (eliminado nesta sede recursiva)
9. (eliminado nesta sede recursiva)
10. (eliminado nesta sede recursiva)
11. A prestação de atividade de AA era efetuada na zona da cidade de São João da Madeira, que abrangia as áreas de Santa Maria da Feira e de Oliveira de Azeméis e, em cada serviço, entre o ponto de recolha (restaurante ou comerciante) e o ponto de entrega (cliente), que lhe eram indicados na plataforma A...App. (alterado nesta sede recursiva)
12. No dia 6.10.2023, pelas 12h30m, conforme verificado por inspetor da Autoridade para as Condições do Trabalho, AA encontrava-se no restaurante B... situado na Avenida ... em São João da Madeira a prestar a sua atividade de estafeta.
13. (eliminado nesta sede recursiva)
14. O prestador de atividade entregava produtos alimentares adquiridos por terceiros mediante a utilização da plataforma eletrónica da A..., encontrando-se naquele momento a executar um pedido. (alterado nesta sede recursiva)
15. (eliminado nesta sede recursiva)
16. Quando é proposto um serviço ao prestador de atividade, na interface de oferta do serviço ao utilizador estafeta é apresentado um mapa com os pontos de recolha (morada do parceiro) e de entrega (morada do utilizador-cliente) assinalados, bem como a rua do ponto de recolha (sem informação do número da porta), a distância estimada e o preço do serviço. Nessa altura, o estafeta pode aceitar ou recusar o serviço (alterado nesta sede recursiva)
17. O valor a pagar ao estafeta, designado por “total ganho”, no momento da inspeção compreendia: uma componente fixa designada por “tarifa base”, neste caso, no valor de €1,40 e uma componente variável resultante da conjugação das seguintes rubricas: €0,25 por cada km percorrido pelo estafeta desde o local de recolha do pedido (em regra restaurante, mas poderia ser qualquer outro tipo de produtos dos estabelecimentos aderentes da plataforma) até ao endereço de entrega do mesmo (os quilómetros percorridos são os definidos na rota dada pelo “google maps”); uma percentagem variável em função da hora do pedido/entrega, época do ano ou condições climatéricas ou promoções, designadas por “compensação por hora de ponta”; uma componente variável dependente do tempo de espera no ponto de recolha para além de um certo período de tempo, com o valor por minuto de, pelo menos, 0,05€; e uma componente variável designada por “multiplicador” cujo valor é definido pelo próprio e, o altera, entre os quocientes 0,90 a 1,10 – limites mínimo e máximo pré-definidos pela plataforma, podendo ser alterado apenas uma vez por dia pelo prestador da atividade.
18. A escolha dos estafetas é feita em função de determinados critérios definidos pela plataforma.
19. Caso aceite o serviço, é adicionalmente comunicado ao utilizador-estafeta o nome e morada exata do parceiro (ponto de recolha), informações de contacto no parceiro, estimativa do tempo de espera no parceiro, o nome e morada exata do utilizador-cliente (ponto de entrega), os detalhes de pagamento e a lista de artigo do pedido e o valor do mesmo. Nessa altura e até recolher o produto, momento em que o mesmo fica sob a sua responsabilidade, o utilizador estafeta é livre de recusar prestar esse serviço. (alterado nesta sede recursiva)
20. (eliminado nesta sede recursiva)
21. (eliminado nesta sede recursiva)
22. (eliminado nesta sede recursiva)
23. A fatura era emitida pelo restaurante ao cliente final e nunca ao prestador de atividade;
24. O pagamento da plataforma ao estafeta, sem prejuízo do referido nos pontos 25, 26 e 87, era quinzenal e efetuava-se por transferência bancária. (alterado nesta sede recursiva)
25. A plataforma permitia que o cliente pagasse em dinheiro ao estafeta, ficando este com “dinheiro nas mãos” (saldo em mãos).
26. Nesse caso, o valor em numerário entregue pelos clientes ao prestador de atividade era compensado no pagamento quinzenal efetuado pela plataforma, mas quando o mesmo excedesse um determinado limite pré-definido pela plataforma, deveria ser depositado à ordem da mesma em prazo determinado.
27. (eliminado nesta sede recursiva)
28. Nos termos e condições para utilização da plataforma estabelece-se que, no caso de transporte de alimentos, em conformidade com a regulamentação aplicável a este respeito, o Estafeta se compromete a transportá-los em meios de transporte e recipientes adequados para os mesmos, do que decorre que, sendo transportados numa mochila, esta tenha de ser isotérmica. (alterado nesta sede recursiva)
29. (eliminado nesta sede recursiva
30. Para poder receber pedidos efetuados através de aplicação “A...” por clientes dos parceiros de negócio da plataforma e prestar os serviços de entrega aos clientes finais, o prestador de atividade tem de efetuar o registo prévio na plataforma da “A...”, registo esse efetuado através de criação de conta no website da A...: https://delivery.A...app.com/pt/” (alterado nesta sede recursiva)
31. Para efetuar o registo antes referido, o prestador de atividade teve de inserir o seu documento de identificação ou passaporte, carta de condução e declaração de início de atividade como trabalhador independente, com o código ... (outros prestadores de serviços). (alterado nesta sede recursiva)
32. No decurso do processo de inscrição, foi disponibilizada ao prestador de serviço a possibilidade de visualizar vídeo sobre o funcionamento da plataforma. (alterado nesta sede recursiva)
33. O prestador de serviço, no seu processo de registo, escolheu a cidade de São João da Madeira, tendo ficado a desenvolver a sua atividade na localidade selecionada, mas cuja área de abrangência é definida pela plataforma (neste caso, concelhos de Oliveira de Azeméis, São João da Madeira e Santa Maria da Feira), podendo prestar serviços com a aplicação gerida pela Recorrente em zona diferente, depois de comunicar à Ré a alteração de zona. (alterado nesta sede recursiva)
34. No decurso da criação de conta o prestador de atividade, como passo necessário para o completar, identificou qual o tipo de veículo a utilizar no exercício das suas funções. (alterado nesta sede recursiva)
35. (eliminado nesta sede recursiva)
36. O estafeta está abrangido por seguro de responsabilidade civil contratado e disponibilizado pela plataforma, titulado pela seguradora C..., devendo, em caso de sinistro, reportar tal facto à Seguradora. (alterado nesta sede recursiva)
37. O estafeta está abrangido por seguro de responsabilidade civil contratado e disponibilizado pela plataforma, titulado pela D... com a apólice n.º ..., sendo tomador do seguro a A... e estando o estafeta coberto durante o período de tempo que selecionou para prestar o serviço à plataforma e a sua disponibilidade, que coincide com o momento em que entra na plataforma para registar que vai iniciar o serviço e termina uma hora após o fim dessa faixa horária, sendo ambos os momentos registados e cabendo à plataforma a rastreabilidade e o registo da rota do serviço efetuado pelo estafeta.
38. O prestador é informado que tem acesso ao seguro Qover caso esteja a utilizar a plataforma – está coberto enquanto estiver online até uma hora após ficar offline. (alterado nesta sede recursiva)
39. O custo destes seguros é coberto pela taxa quinzenal de 1,85€ pago pelo prestador de atividade.
40. A A... exigia que o prestador de atividade identificasse o seu rosto na aplicação com uma periodicidade variável para reconhecimento facial/controlo biométrico, para tanto o prestador de atividade tinha de tirar uma foto (selfie) e enviar para ser comparada com a constante da base de dados da A....
41. Este pedido de identificação era aleatório.
42. (eliminado nesta sede recursiva)
43. (eliminado nesta sede recursiva)
44. Durante os períodos em que estava disponível na aplicação e durante o desenvolvimento das entregas pelo estafeta, o prestador de atividade mantinha a permissão de acesso ao GPS ativa, com recurso ao sistema de geolocalização, utilizando para o efeito o telemóvel pessoal do estafeta.
45. Para que lhe fosse atribuído serviço, o estafeta, através do seu telemóvel pessoal tinha de ter o sistema de GPS ligado, caso tivesse o sistema de GPS desligado recebia uma informação de alerta e não conseguia receber propostas.
46. O estafeta ao iniciar a sessão com os dados móveis e a localização ligados, no seu telemóvel pessoal, a plataforma passava a saber a sua localização.
47. Após a aceitação do pedido, se estiver ligado à geolocalização existente na App, quer a plataforma quer o cliente final passam a conhecer, em tempo real, a sua localização, fazendo a ré, através da plataforma, a partilha desses dados com o cliente final”. (alterado nesta sede recursiva)
48. A distância a percorrer entre o ponto de recolha e o ponto de entrega utilizada para cálculo de uma das componentes variáveis do preço do serviço, é efetuada pelo “Google Maps”, podendo no entanto o estafeta seguir ou não esse itinerário na execução do serviço. (alterado nesta sede recursiva)
49. Se estivesse ligado o sistema de geolocalização existente na App, o estafeta quando chegava ao ponto de recolha devia ativar na app o botão “cheguei” para que o parceiro fique a saber que este está no ponto de recolha e lhe fosse entregue o pedido. (alterado nesta sede recursiva)
50. Pelo menos até fevereiro de 2024, existiam avaliações facultativas dos clientes que incidiam sobre a atividade do estafeta. (alterado nesta sede recursiva)
51. A plataforma informava o estafeta se o sistema de geolocalização estivesse desligado no telemóvel pessoal com a mensagem: «Ups! Ativar o serviço de localização».
52. Se o telemóvel pessoal do estafeta estivesse com a bateria a 20%, pelo menos, tinha menos possibilidade de receber pedidos.
53. (eliminado nesta sede recursiva)
54. Através de gestão algorítmica, entre outros critérios, a plataforma distribui o serviço ao estafeta que estiver mais perto do ponto de recolha.
55. A partir de maio de 2023, os estafetas passaram a poder ligar-se e desligar-se da plataforma de acordo com a sua escolha, desde que dentro do horário de funcionamento da plataforma, que na zona de São João da Madeira ocorre entre as 10h e as 23h.
56. Para o efeito, o estafeta acede à plataforma, através do seu telemóvel pessoal, informando que se encontrava em disponibilidade e liga o sistema de geolocalização para receber os serviços.
57. (eliminado nesta sede recursiva)
58. Atualmente, a plataforma suspende temporariamente a possibilidade de receber pedidos, pelo menos, quando não faz o reconhecimento facial positivo após um número não determinado de solicitações ou quando ao depositava o saldo em caixa determinado pela plataforma no prazo de 24 horas.
59. Os estafetas beneficiam de um clube de descontos designado A....
60. A Ré tem uma plataforma que se serve de um programa informático que atribui os pedidos em função de diversos critérios, não podendo o prestador de atividade exercer atividade através da ré sem utilizar esta aplicação ou o sítio da ré na internet.
61. (eliminado nesta sede recursiva)
62. (eliminado nesta sede recursiva)
63. . (eliminado nesta sede recursiva)
64. Em 3 de outubro de 2023 a Ré aceitou o registo e início do serviço de AA como estafeta, após inscrição do mesmo na referida app. (alterado nesta sede recursiva)
65. Desde então e até à presente data, quando utiliza plataforma eletrónica da A..., AA vem exercendo as funções de estafeta efetuando distribuição e entrega de produtos alimentares adquiridos por terceiros por meio daquela plataforma, o que fez quase todos os dias, durante 4/5 horas por dia, prestando a sua atividade nas áreas dos concelhos de São João da Madeira, Oliveira de Azeméis e parte de Santa Maria da Feira. (alterado nesta sede recursiva)
66. Para o efeito, o prestador de atividade utiliza a aplicação informática da ré que descarregou e instalou no seu telemóvel.
67. A Ré junta, através da sua aplicação, três tipos de pessoas/entidades que denomina de utilizadores de serviços da plataforma:
− Os estabelecimentos comerciais, sejam restaurantes ou outros estabelecimentos aderentes;
− Os denominados utilizadores prestadores de serviços, normalmente designados por estafetas; e
− Os utilizadores clientes.
68. Para os restaurantes ou estabelecimentos comerciais, a utilização dos serviços tecnológicos da Ré traduz-se no acesso à visibilidade e promoção da lista de estabelecimentos presente na aplicação, permitindo-lhes conectarem-se, via aplicação, com os utilizadores finais e obter um serviço de entrega executado através dos utilizadores prestadores dos serviços.
69. Para os denominados utilizadores prestadores de serviços, o acesso à plataforma da Ré significa a possibilidade de executarem serviços de entrega, podendo conectar-se ou desconectar-se em qualquer altura de acordo com a possibilidade de escolherem os pedidos que pretendem realizar – e podendo conectar-se a outras plataformas –, obtendo rendimentos.
70. Para o utilizador cliente, o acesso à plataforma significa a possibilidade de ter acesso aos produtos vendidos pelos estabelecimentos e, se solicitado, aos serviços de entrega executados, em curto prazo, pelos denominados utilizadores prestadores de serviços.
71. A ré deduz na fatura quinzenal do prestador de atividade uma taxa que denomina de “taxa de plataforma” no valor de € 1,85.
72. Por vezes os utilizadores finais, via plataforma, solicitam aos denominados utilizadores prestadores de serviços de entrega, sem efetuar qualquer aquisição junto dos estabelecimentos comerciais utilizadores da plataforma;
73. A Ré não impõe aos prestadores de serviço a aquisição obrigatória de mochila com a sua marca, nem proíbe que os mesmos prestadores realizem o serviço através da utilização de marcas dos seus concorrentes.
74. É possível executar a entrega sem a geolocalização ativada, emitindo a aplicação um aviso com a seguinte mensagem: «Ups! Ativar o serviço de localização»; e tendo o estafeta de recorrer a outros meios, diferentes dos normalmente usados para assinalar a chegada ao estabelecimento e a conclusão da entrega para poder receber o seu pagamento e obter novos pedidos.
75. Após maio de 2023, os clientes finais eram convidados a dar um feedback que, em princípio, não influenciava a oferta de novos pedidos.
76. Após este momento, a Ré consolidava a informação obtida dos clientes e tornava-a visível para o prestador da atividade.
77. Após maio de 2023, o prestador da atividade, dentro do horário de funcionamento entre as 10h e as 23h, pode ligar ou desligar em qualquer momento, não tendo que cumprir qualquer horário predefinido nem tendo de cumprir qualquer limite mínimo de tempo de disponibilidade.
78. Após maio de 2023, estando ligado, o prestador da atividade pode aceitar ou recusar os pedidos, sem penalização;
79. A Ré permite a subcontratação da conta do prestador de atividade nos termos referidos de seguida.
80. O veículo e o telemóvel utilizados são do prestador da atividade.
81. O prestador da atividade suporta os custos da manutenção e reparação dos equipamentos utilizados no âmbito da sua atividade, suportando todos os custos relacionados com a sua atividade.
82. O prestador da atividade não utiliza um uniforme identificativo da Ré, podendo, como qualquer outra pessoa, comprar merchandising da Ré na sua loja on-line.
83. O prestador de atividade pode alterar o percurso e as rotas;
84. O prestador de atividade escolheu com que viatura executa as tarefas de entrega;
85. Mesmo depois de iniciada a prestação, enquanto não recolher a encomenda, o prestador de atividade pode optar por desistir da mesma livremente;
86. (eliminado nesta sede recursiva)
87. O valor da faturação é variável, em função das características de cada serviço e do número de serviços aceites pelo prestador de atividade;
88. Os termos e condições permite ao prestador de atividade exercer outras atividades, incluindo atividades de entrega para outras plataformas semelhantes ou diretamente para estabelecimentos e subcontratar a sua conta nos termos a seguir indicados, o que o prestador de atividade em causa nunca fez, trabalhando a tempo inteiro como vigilante.
89. (eliminado nesta sede recursiva)
90. Dos termos e condições relativos aos utilizadores estafetas consta, para além de tudo o mais, o seguinte:
«(…)
As Partes podem cessar os Serviços pelas seguintes razões:
1. Por vontade própria, em qualquer altura sem aviso prévio, salvo se acordado de outro modo por escrito.
2. Por violação de qualquer uma das obrigações previstas nos presentes Termos e Condições.
3. Em caso de impossibilidade de cumprir qualquer disposição dos presentes Termos e Condições.
4. O não cumprimento das Normas de Ética e Conduta Empresarial para Terceiros da A... e/ou de qualquer outra Política da A... aplicável a todos os Utilizadores da Plataforma.
5. Por violação da legislação local por parte do Estafeta que possa constituir uma violação do princípio de boa-fé entre as Partes.
6. Quaisquer outras circunstâncias resultantes em danos fiscais, de segurança social, financeiros, comerciais, organizacionais ou de reputação para a outra Parte ou um Terceiro, independentemente do montante ou dimensão do dano causado.
7. A utilização da Plataforma A... para fins abusivos ou fraudulentos suscetíveis de causar danos materiais e/ou imateriais a qualquer um dos Utilizadores da plataforma.
8. Em situações de força maior, de acordo com a cláusula 8.5 destes Termos e Condições.
(…)
1. Em conformidade com o Código de Ética que rege todos os Utilizadores da Plataforma, utilizar a Plataforma para insultar, ofender, ameaçar e/ou agredir Terceiros, nomeadamente, Utilizadores Cliente, Estabelecimentos Comerciais, outros Estafetas e pessoal da A....
2. Violar a lei ou quaisquer outras disposições dos Termos e Condições Gerais ou outras políticas da A....
3. Participar em atos ou conduta violentos.
(…)
Caso não cumpra qualquer um dos presentes Termos e Condições, a A... pode desativar a sua Conta, sem prejuízo de qualquer ação legal/ação que possa resultar de crimes, violações ou danos civis que possam ter sido causados.
(…)
5.4 Segurança dos Serviços e da Plataforma da A...
5.4.1 Em certos casos, por uma questão de prevenção de fraudes, poderá ter de apresentar prova da sua identidade e/ou, se aplicável nos termos da legislação local, dos seus substitutos ou subcontratantes para aceder ou utilizar os Serviços e aceita que lhe pode ser negado acesso aos Serviços e à utilização dos mesmos se você ou os seus substitutos ou subcontratantes recusarem fornecer essa prova de identidade. A A... pode também recorrer a terceiros fornecedores de serviços para efeitos de verificar a sua identidade ou a dos seus substitutos ou subcontratantes.
5.4.2 A A... pode, mas não é obrigada, monitorizar, rever e/ou editar a sua Conta. A A... reserva-se o direito de, em qualquer caso, eliminar ou desativar o acesso a qualquer Conta por qualquer motivo ou sem motivo, até mesmo se considerar, a seu critério exclusivo, que a sua Conta viola os direitos de terceiros ou direitos protegidos pelos Termos e Condições.
5.4.3 A A... pode adotar essa ação sem aviso prévio feito a si ou a um terceiro. A eliminação ou desativação do acesso à sua Conta de Utilizador será a critério exclusivo da A... e não há qualquer obrigação de eliminar ou desativar o acesso em relação a Estafetas específicos.
(…)
5.7 Sistema de Reputação
O Estafeta terá uma Reputação associada ao seu perfil fácil de usar e consultar. Este sistema é automático e é atualizado periodicamente à medida que os diferentes Utilizadores realizam transações na Plataforma A... e está sujeito às regras aí contidas e sobre as quais os Utilizadores são informados no presente documento e/ou na APP e/ou através dos canais de comunicação apropriados, para que o conheçam exaustivamente e o considerem útil.
O sistema baseia-se em dados objetivos, informação numérica e métricas fornecidas pelos Utilizadores da Plataforma e os clientes do Estafeta: Utilizadores Cliente e Estabelecimentos Comerciais.
A A... não manipula ou intervém no processo de formação da Reputação, mas apenas consolida informação objetiva obtida dos Utilizadores Cliente e Estabelecimentos Comerciais, beneficiários dos serviços do Estafeta.
A A... não verifica a veracidade ou precisão dos comentários feitos por outros Utilizadores e não é responsável pelo que é expresso no sítio Web ou por outros meios, nomeadamente e-mail. Todas as informações fornecidas pelos Utilizadores serão incluídas no sítio Web sob a exclusiva responsabilidade do seu autor.
(…)
A geolocalização é uma informação importante e básica para a prestação do Serviço, porquanto serve apenas para informar o Estabelecimento Comercial ou o Utilizador Cliente da localização do Estafeta e, portanto, calcular o tempo de recolha ou entrega, mas que é também usada pela A... para a oferta de pedidos. A proximidade do ponto de recolha é um dos critérios utilizados no momento da oferta do pedido, pelo que, se não estiver ativada, a A... não poderá garantir que são oferecidos pedidos, ou que são razoáveis em termos do tempo previsto de recolha ou entrega.
Neste sentido, e sem prejuízo do sistema operativo do dispositivo do Estafeta que pede consentimento para o uso da geolocalização, a utilização desta informação é necessária para correta execução dos Termos e Condições.
Em todo o caso, o Estafeta pode desativar a geolocalização quando não está a usar a Plataforma, embora a A... não use esta informação fora do âmbito da oferta de pedidos ou fora das horas em que o Estafeta está a usar a Plataforma.
De igual modo, é expressamente indicado que o Estafeta tem total liberdade de decisão em relação ao itinerário e/ou percursos escolhidos para a oferta e concretização dos seus serviços e em nenhum caso a A... utilizará esses dados para fins de controlo do Estafeta.
Neste sentido, a geolocalização é meramente temporária e não de modo algum exaustiva.
A informação de geolocalização pode também ser usado para efeitos de faturação (a fim de obter informações relativas à quilometragem e despesas atribuíveis), bem como em relação à segurança rodoviária, antiterrorismo, branqueamento de capitais ou prevenção de crimes contra a segurança pública, caso no qual pode ser partilhada com as autoridades competentes que a solicitem (por exemplo, Forças do Estado, órgãos do poder executivo ou da polícia).
Em qualquer caso, uma vez que a A... apenas trata esta informação durante o tempo em que o Estafeta está a prestar serviços aos Utilizadores da Plataforma e em conformidade com as faixas horárias que escolheu, a informação comunicada a essas autoridades não terá impacto na esfera privada do Estafeta.
(…)
O utilizador da conta (doravante, o "Utilizador") não pode ceder ou subcontratar, total ou parcialmente, os direitos e obrigações decorrentes do uso da Plataforma sem comunicação prévia por escrito à A....
Para o efeito, o Utilizador informará a A... por escrito, e antes da celebração de qualquer acordo de subcontratação, da sua intenção de subcontratar a sua conta, a identidade da pessoa com quem irá subcontratar, juntamente com a sua autorização de prestação de serviços e fotografia, para que a A... tenha prova do subcontrato sem que tal notificação implique qualquer assunção de responsabilidade por parte da A..., O Utilizador assegura a idoneidade do subcontratado e a garantia do resultado dos serviços por ele prestados a terceiros.
A fim de proteger a integridade do uso da plataforma, a A... reserva o direito de rejeitar a possível subcontratação de utilizadores que tenham sido previamente desativados na plataforma por motivos técnicos ou relacionados a fraudes.
Em qualquer caso, o Utilizador deve estar registado nos Registos correspondentes e estar autorizado a prestar os serviços ou atividades sujeitas à subcontratação. O Utilizador será responsável por todas as obrigações e encargos fiscais e de Segurança Social aplicáveis à prestação dos seus serviços, quer pelos seus próprios meios, quer através de subcontratados, sem que a A... tenha qualquer responsabilidade por infrações a este respeito. O Utilizador será exclusivamente responsável por garantir que os subcontratantes cumpram sempre a legislação local no âmbito da prestação dos serviços de entrega.
A A... não intervém na relação contratual estabelecida entre o Utilizador e os seus subcontratados, pelo que o Utilizador será o único responsável, por sua conta e risco, que a modalidade contratual escolhida seja a ideal e que o contrato seja celebrado respeitando as disposições legais e de boafé, não sendo necessário que o Utilizador ou os seus subcontratados apresentem qualquer documentação a este respeito à A....
A subcontratação será realizada através da utilização de uma única conta detida pelo Utilizador. Através da possibilidade de subcontratação, o Utilizador nomeia substitutos que poderão realizar a prestação de serviços em seu nome, podendo a conta ser utilizada por apenas uma pessoa de cada vez e ao mesmo tempo.
O Utilizador será responsável pelas violações dos Termos e Condições da plataforma por parte da(s) pessoa(s) subcontratada(s), bem como pela correta utilização da plataforma.
Os atos, erros ou violações dos Termos e Condições da plataforma por parte de qualquer subcontratado não serão atribuíveis, em caso algum, à A..., que poderá redirecionar a responsabilidade ao Utilizador caso alguma violação por parte do Utilizador ou subcontratado lhe for imputada.
O Utilizador será responsável pelas obrigações dos subcontratados, mesmo no caso de notificação à A.... Da mesma forma, o Utilizador isentará a A... de quaisquer danos que a A... possa sofrer direta ou indiretamente devido às ações dos referidos subcontratados.
Os valores provenientes da prestação dos serviços executados pelos subcontratados, pagos pelos clientes e estabelecimentos, utilizadores da plataforma, serão transferidos para o Utilizador, assumindo este a responsabilidade de gerir o pagamento dos referidos valores junto da(s) pessoa(s) subcontratada(s).
Desde que os requisitos acima sejam cumpridos, a pessoa subcontratada terá o mesmo acesso à cobertura de seguro de acidentes pessoais e responsabilidade civil que o titular da conta durante o tempo em que utilizar a plataforma. Estes seguros não excluem nem substituem os seguros obrigatórios pelo Utilizador ou pelo(s) seu(s) subcontratante(s) de acordo com a legislação aplicável.
O Utilizador será o único responsável pelo pagamento da taxa de utilização da plataforma da conta.
(…)».
2. Factos não provados:
1. A prestação de atividade do prestador de atividade em causa nestes autos era efetuada online e numa localização determinada onde tinha de ficar a aguardar pedidos.
2. Através de uma gestão algorítmica, a plataforma atribui mais trabalho aos estafetas que mais tempo estão “ligados” à plataforma e que mais aceitam pedidos e menos aos que se “desligam” da plataforma e mais rejeitam os pedidos.
3. Se o prestador de atividade ficar doente, tem como instruções de trabalho, requerer baixa médica pelo SNS e deve submeter na plataforma o documento em referência.
4. A ré através da aplicação aplicava sanções ao trabalhador, sancionando-o por uma pluralidade de condutas diferentes, como por exemplo: atrasos, ausências, más avaliações, períodos de indisponibilidade.
5. A ré determina as características do telemóvel pessoal e do meio de transporte.
6. A Ré presta meramente serviços de acesso e intermediação a diferentes tipos de utilizador da plataforma.
7. Por vezes os próprios utilizadores estabelecimentos comerciais, recebendo pedidos via plataforma e continuando obrigados ao pagamento da respetiva taxa de acesso, optam por recorrer aos seus próprios serviços de entrega, sem se conectar, via aplicação, com os utilizadores prestadores dos serviços;
8. Por vezes o utilizador final, através da plataforma, dirige pedidos aos estabelecimentos comerciais e usar a opção “take away”, sem fazer qualquer uso dos prestadores de serviços de entrega registados na plataforma;
9. Por vezes os prestador de atividade em causa nos presentes autos aceita e executa pedidos provenientes de outras plataformas, ou subcontrata os seus serviços a outros utilizadores prestadores de serviços de entrega, sem alterar os termos da relação com os utilizadores estabelecimentos comerciais e a plataforma.
10. O controlo biométrico, através do reconhecimento facial, é feito para a autenticação, por ser mais fácil fazer a autenticação através de reconhecimento facial, do que obrigar o prestador da atividade a retirar as luvas e digitar o código pessoal.”
1. Matéria de facto
1.1. Considerações prévias
Dispondo o n.º 1 do artigo 662.º do CPC, aplicável ex vi do artigo 87º, nº1 do CPT, que o Tribunal da Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa, aí se abrangem, desde logo, as situações em que a reapreciação da prova é suscitada por via da impugnação da decisão sobre a matéria de facto feita pelo recorrente, mas também, esclareça-se, quando se imponha intervenção oficiosa pelo Tribunal superior.
Nesse considerando, porque a intervenção do Tribunal da Relação incide sobre uma decisão anterior proferida em 1.ª instância, assume natural relevância que, aquando da reapreciação e análise, o Tribunal superior não se depare com obstáculos que essa possam impedir, sendo que, nesse âmbito, a própria lei prevê expressamente casos em que, mesmo oficiosamente, possa intervir, nos termos e para os efeitos previstos no n.º 2 do artigo 662.º antes mencionado: “2 - A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente: a) Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento; b) Ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova; c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta; d) Determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados.”
O que antes referimos prende-se, ainda pois dentro do regime estabelecido no artigo 662.º do CPC, com a circunstância de, no caso, a tarefa deste Tribunal de recurso ser de algum modo dificultada, pois que, importando verificar o modo como foi firmada a convicção em 1.ª instância, como ainda os meios de prova a que se atendeu para essa formação, constata-se que, em face da motivação avançada na sentença quanto à matéria de facto, aquele Tribunal, se bem o entendemos, começa por referir que teria dividido a matéria (de facto) em dois grupos, um a que chamou de “informações gerais”, e outro de “informação específica”, sendo que, mais uma vez se bem o percebemos, quanto ao primeiro grupo, sem que aliás tenha justificado qual o fundamento ou norma legal que lhe daria sustentação (de resto, esclareça-se que sequer foi determinada a apensação dos processos), teria atendido, para a formação da sua convicção, não só à prova produzida que foi indicada nos presentes autos e sim, também, nos demais processos cujos julgamentos determinou que fossem realizados conjuntamente.
O que antes mencionámos é evidenciado na motivação que se fez constar, quando consta designadamente o seguinte:
«O Tribunal formou a sua convicção sobre os factos provados e não provados com base na conjugação dos depoimentos prestados com a documentação apresentada, mais concretamente nos seguintes elementos probatórios:
De uma forma geral, todos os inspetores, incluindo o que depôs no âmbito dos presentes autos, declararam como fonte do seu conhecimento um conjunto de informações transmitidas pelos serviços centrais que foram fornecidas pela ré, a que acrescentaram as informações que recolheram junto dos estafetas, diretamente e através de troca de impressões com outros inspetores que fizeram o mesmo trabalho.
Existe assim um conjunto de informações gerais, sobre o modo de funcionamento da plataforma, bem como informações específicas relativas a cada estafeta.
No que se refere à informação específica e ao modo como a atividade era desenvolvida em concreto por cada estafeta, entendemos que a informação transmitida pelo(a) inspetor(a) do trabalho deve ser complementada pelo próprio estafeta, para podermos afirmar mais concretamente aquilo que se passava, ao longo do tempo, com o prestador de atividade.
Isso significa que, não havendo informação específica fornecida aos autos, em audiência de julgamento, pelo(a) próprio(a) estafeta, então entendemos que apenas podemos considerar provada factualidade genérica, sem fazer qualquer afirmação relativamente ao estafeta em concreto e devem entender-se os factos alegados, para além de algumas considerações mais genéricas relativas à plataforma, designadamente quando se refere ao estafeta ou ao prestador de atividade, como se referindo àquele estafeta ou prestador de atividade concreta.
Havendo informação prestada ao tribunal pelo estafeta em concreto, devemos considerar a factualidade provada com base nessa informação como fonte principal, ainda que complementada pelo depoimento do(a) inspetor(a) do trabalho e dos elementos documentais anexos à participação. (…)»
Não obstante o que antes referimos, na medida em que nada o impeça (se assim for então o diremos), de seguida procederemos à apreciação do recurso no âmbito da impugnação da matéria de facto, incluindo, a ser esse o caso, intervindo oficiosamente, como melhor esclareceremos infra.
Com o referido objetivo, porque a reapreciação da matéria de facto foi suscitada no presente recurso, importando, então, verificar se foi dado cumprimento aos ónus legais estabelecidos na lei, assim desde logo no artigo 640.º do CPC, constata-se que, apesar da manifesta prolixidade que se manteve nas conclusões, apresentadas após o convite ao respetivo aperfeiçoamento, tais ónus resultam suficientemente cumpridos.
Avançando-se na análise, uma outra questão nos é colocada, de resto expressamente pela própria Recorrente já que a tal regime faz apelo ao longo de várias das suas conclusões – e que anunciou logo na 1.ª conclusão: “Na sentença não se decidiu corretamente quanto à matéria de facto, porquanto considerou: a. Factos provados que deverão ser considerados como não escritos (…) e/ou passar a ter outra redação: i. Por consubstanciarem matéria conclusiva e/ou matéria de direito que está diretamente relacionada com o thema decidendum; (…)” –, questão essa relacionada com os poderes que entendemos serem atribuídos ao Tribunal da Relação de intervenção, mesmo oficiosamente, que passam, nomeadamente, por verificar se na decisão da matéria de facto apenas foram contemplados factos e não já matéria meramente conclusiva ou contendo juízos de valor, em particular quando esses envolvem já a aplicação do direito.
É que, neste âmbito, relembrando-se o que já há muito ensinava Alberto dos Reis, a prova “só pode ter por objeto factos positivos, materiais e concretos; tudo o que sejam juízos de valor, induções, conclusões, raciocínios, valorações de factos, é atividade estranha e superior à simples atividade instrutória”[2]. Manuel de Andrade, por sua vez, sem deixar de afastar o Direito – ou dizer, juízos de direito – não deixava também de considerar como passível de constituir objeto de prova “tanto os factos do mundo exterior, como os da vida psíquica”, “tanto os factos reais (….) como os chamados factos hipotéticos (lucros cessantes; vontade hipotética ou conjetural das partes, para efeitos, v.g., de redução ou de conversão de negócios jurídicos, etc)», «Tanto os factos nus e crus (….) como os juízos de facto (….)”[3]. Também Anselmo de Castro referia que “toda a norma pressupõe uma situação da vida que se destina a reger, mas que não define senão tipicamente nos seus caracteres mais gerais”, como ainda que “a aplicação da norma pressupõe, assim, primeiro, a averiguação dos factos concretos, dos acontecimentos realmente ocorridos, que possam enquadrar-se na hipótese legal”, sendo “esses factos e a averiguação da sua existência ou não existência” que “constituem, respetivamente, o facto e o juízo de facto – juízo histórico dirigido apenas ao ser ou não ser do facto” – acrescentando de seguida: “E, segundo, um juízo destinado a determinar se os factos em concreto averiguados cabem ou não efetivamente na situação querida pela norma, típica e abstratamente nela descrita pelos seus caracteres gerais – juízo este já jurídico (o chamado juízo de qualificação ou subsunção), visto pressupor necessariamente interpretação da lei, isto é, do âmbito ou alcance da previsão normativa. Só por este seu diverso conteúdo, facto e direito, juízo de facto e de direito, se distinguem, pois não diferem em estrutura. Para o efeito é indiferente a natureza do facto: são factos não só os acontecimentos externos, como os internos ou psíquicos, e tanto os factos reais, como os simplesmente hipotéticos. Do conteúdo que deve revestir decidirá apenas a norma legal. Igualmente indiferente é a via de acesso ao conhecimento do facto, isto é, que a ele possa ou não chegar-se diretamente, ou somente através de regras gerais e abstratas, ou seja, por meio de juízos empíricos (as chamadas regras da experiência). Raros, aliás, são os casos em que o conhecimento do facto dispense esses juízos e possa fazer-se apenas na base de puras perceções.”[4]
Não obstante, como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de fevereiro de 2015[5], importará esclarecer que “A meio caminho entre os puros factos e as questões de direito situam-se os juízos de valor sobre matéria de facto, nos quais deverá distinguir-se entre aqueles para cuja formulação se há-de recorrer a simples critérios próprios do bom pai de família, do homo prudens, e aqueles cuja emissão apela essencialmente para a sensibilidade ou intuição do jurista”.
Por assumirem tal natureza, mesmo em sede de recurso, no âmbito dos poderes da Relação no que diz respeito à apreciação da matéria de facto, acentuados com a reforma de 2013 do CPC (artigo 662.º), não obstante a revogação com a mesma reforma do anterior artigo 646.º, em que se previa que no julgamento da matéria de facto ter-se-ão por não escritas as respostas do tribunal sobre questões de direito – solução que como é entendimento doutrinário e jurisprudencial se aplica, por analogia, às respostas que constituam conclusões de facto, designadamente quando as mesmas têm a virtualidade de, por si só, resolverem questões de direito a que se dirigem[6] –, deve continuar a entender-se, como se afirma entre outros no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Setembro de 2014[7], que, constituindo a possibilidade de eliminação de factos conclusivos equiparados a questões de direito uma prerrogativa dos tribunais superiores de longa tradição doutrinal e jurisprudencial, esta pode ser exercida mesmo que não esteja prevista expressamente na lei processual.
Estando em causa a questão de saber qual a distinção entre matéria de facto e de direito, uma das mais controversas da doutrina processualista e que mais problemas de fronteira coloca, escreve-se no citado Acórdão a esse respeito[8]:
“O problema da distinção entre questões de facto e de direito tem sido tratado principalmente a propósito da linha de demarcação entre a competência dos tribunais de instância e a competência do Supremo Tribunal de Justiça, a qual está restringida a matéria de direito.
(...) Segundo Karl Larenz, a “questão de facto” reporta-se ao que efectivamente aconteceu, enquanto a “questão de direito” se identifica com a qualificação do ocorrido em conformidade com os critérios da ordem jurídica.
Existe, contudo, um continuum entre matéria de facto e matéria de direito e não uma oposição absoluta entre ambos os conceitos, pois na concreta aplicação do direito acaba por verificar-se uma correlatividade entre ambos os elementos.
Há que partir, portanto, da unidade do caso jurídico decidendo e dos problemas jurídicos por si colocados, devendo distinguir-se dois tipos de questões: uma que se refere aos dados pressupostos pelo problema concreto – questão de facto – e outra que tem a ver com o fundamento e o critério do juízo e com o próprio e concreto juízo decisório – questão de direito. Na matéria de facto concorrem não apenas dados empíricos, mas todos os pressupostos objectivos do problema colocado, por exemplo, elementos sócio-culturais e até jurídicos.
Contudo, a tradição do nosso pensamento jurídico, no seguimento de Alberto dos Reis, considera que a actividade do juiz se circunscreve ao apuramento dos factos materiais, devendo evitar que no questionário entrem noções, fórmulas, categorias ou conceitos jurídicos, inserindo, apenas, nos quesitos e na matéria de facto assente, factos materiais e concretos. Continua o autor, afirmando que «tudo o que sejam juízos de valor, induções, conclusões, raciocínios, valorações de factos, é actividade estranha e superior à simples actividade instrutória».
Se na resposta a determinado quesito houver matéria de facto e matéria de direito, deve aproveitar-se a decisão na parte relativa à primeira e considerar-se não escrita na parte relativa à segunda.
Tem-se entendido, na jurisprudência e na doutrina, que as respostas do julgador de facto sobre matéria qualificada como de direito consideram-se não escritas e que se equiparam às conclusões de direito, por analogia, as conclusões de facto, isto é, os juízos de valor, em si não jurídicos, emitidos a partir dos factos provados.
Para Teixeira de Sousa, «A selecção da matéria de facto não pode conter qualquer apreciação de direito, isto é, qualquer valoração segundo a interpretação ou aplicação da lei ou qualquer juízo, indução ou conclusão jurídica (cfr. STJ – 13/12/1983, BMJ 332, 437).
Abrantes Geraldes defende que “devem ser erradicadas da condensação as alegações com conteúdo técnico-jurídico de cariz normativo ou conclusivo, a não ser que, porventura, tenham simultaneamente uma significação corrente e da qual não dependa a resolução das questões jurídicas que no processo se discutem”.
Em consequência, devem ser eliminadas da matéria de facto, quer a matéria de direito, quer a conclusão de facto ou expressões conclusivas que traduzam juízos de valor e que excedam a resposta de facto.
Os juízos ou conclusões de facto situam-se numa zona intermédia entre os puros factos e as questões de direito e encontram-se incluídos na legislação como parte integrante da hipótese legal de numerosas normas jurídicas, podendo nuns casos aproximarem-se mais de uma questão de facto e noutros de uma questão de direito.
Como se tem defendido na jurisprudência deste Supremo Tribunal, «A linha divisória entre matéria de facto e matéria de direito não é fixa, dependendo em larga medida dos termos em que a lide se apresenta. A nível do julgamento da matéria de facto só são proibidos os juízos conclusivos que impliquem a apreciação e valorização de determinados acontecimentos à luz de uma norma jurídica» (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 23-09-1997, Processo n.º 151/97, Relator: Conselheiro Sousa Inês). O que num caso pode ser facto ou juízo de facto, noutro pode ser juízo de direito.
A natureza conclusiva do facto pode ter um sentido normativo quando contém em si a resposta a uma questão de direito ou pode consistir num juízo de valor sobre a matéria de facto enquanto ocorrência da vida real. No primeiro caso o facto conclusivo deve ser havido como não escrito, nos termos do art. 646.º, n.º 4 do CPC. No segundo, a solução depende de um raciocínio de analogia entre o juízo ou conclusão de facto e a questão de direito, devendo ser eliminado o juízo de facto quando traduz uma resposta antecipada à questão de direito.”
Sobre a mesma questão podem ver-se também, de entre outros, os Acórdãos do mesmo Tribunal de 29 de Abril de 2015, 28 de Janeiro de 2016 e 15 de setembro de 2016[9], reafirmando-se neste último que, “pese embora não se encontrar no Novo CPC preceito legal que corresponda ao art. 646º, nº 4, do anterior CPC, que impunha, como consequência, para as respostas sobre matéria de direito que as mesmas fossem consideradas “como não escritas”, actualmente o Juiz não fica dispensado de efectuar “o cruzamento entre a matéria de facto e de direito”, evitando formulações genéricas, de cariz conceptual ou de natureza jurídica que definam, por essa via, a aplicação do direito, como acontece quando os referidos conceitos se reportam directamente ao objecto da acção.”
Depois das considerações anteriores, a que importará atender como dito, de seguida passaremos à apreciação:
1.2. Apreciação
Pontos 3.º e 42.º, provados, e aditamento de factos
Defende a Recorrente, assim nas conclusões D) a H), que os pontos 3.º e 42.º devem ser considerados não provados, por conterem matéria genérica e conclusiva, a qual está, sobretudo, em contradição com a matéria constante dos pontos 30, 39, 71 e 72 dos factos provados, a que acresce, diz, resultar da prova produzida, testemunhal e documental, que presta serviços tecnológicos de intermediação, que não vende os produtos / bens / serviços que os utilizadores estabelecimentos possam vender aos outros utilizadores e também não transporta esses bens, se isso for solicitado pelos utilizadores clientes, a estes – presta serviços de acesso e intermediação a diferentes tipos de utilizador da plataforma, serviços esses pelos quais recebe os pagamentos das diferentes taxas provenientes desses utilizadores, incluindo dos prestadores de atividade estafetas, sendo todos os utilizadores seus clientes. Caso não se entenda considerar como não provados os pontos 3 e 42, devem esses passar a ter a seguinte redação única: “Os clientes da Ré são os utilizadores clientes/consumidores, os estabelecimentos aderentes/parceiros e os utilizadores estafetas/prestadores de serviço, pagando, respetivamente, uma taxa à Ré pelos serviços de intermediação tecnológica por esta prestados”.
Por outro lado, sustenta que, em face da matéria constante dos pontos 30, 39, 71 e 72 dos factos provados, da prova testemunhal e documental produzida, deve considerar-se provada a seguinte matéria da contestação e considerada não provada (onde se inclui o ponto 8 dos Factos Não Provados da Sentença, que deve ser considerado provado):
116. A Ré é uma plataforma tecnológica através da qual certos estabelecimentos comerciais locais oferecem os seus produtos através de uma aplicação móvel ou da Web; e, acessoriamente, quando apropriado e se solicitado pelo utilizador cliente dos referidos estabelecimentos comerciais através da aplicação, atua como intermediária na entrega imediata dos produtos.
117. A principal atividade da Ré inclui a intermediação entre os diferentes utilizadores da plataforma: utilizadores parceiros (estabelecimentos comerciais, como restaurantes, por exemplo); utilizadores estafetas; e utilizadores clientes. Ademais, tal atividade inclui a intermediação dos processos de recolha e/ou pagamento e a intermediação entre a venda dos produtos e a respetiva entrega, em nome do utilizador cliente e dos estabelecimentos comerciais.
127. Com efeito, a Ré presta meramente serviços de acesso e intermediação a diferentes tipos de utilizador da plataforma – serviços esses pelos quais a Ré recebe os pagamentos das diferentes taxas provenientes desses utilizadores, identificadas em baixo:
− Os estabelecimentos comerciais pagam uma taxa de acesso e utilização da plataforma (denominada “Taxa de Parceria”);
− Os utilizadores prestadores de serviços pagam uma taxa de acesso e utilização da plataforma (denominada “Taxa de Plataforma”);
− Os utilizadores clientes finais pagam uma taxa de acesso e utilização da plataforma (denominada “Taxa de Serviço”).
128. As designações destas “taxas” são uma questão meramente indicativa e de harmonização técnica – e de forma a facilitar a compreensão pelo utilizador –, dado que, em última análise, todas elas visam remunerar a plataforma pelo acesso aos serviços tecnológicos que a mesma proporciona aos diferentes perfis de utilizadores.
129. Esclarece-se, ainda, que a Ré também não recebe o pagamento do utilizador final devido pelo serviço do prestador de serviços de entrega, atuando a Ré, através de um prestador autorizado de serviços de pagamento, como um mero agente intermediário nos pagamentos entre utilizadores finais, estabelecimentos comerciais e estafetas e transferindo na sua totalidade o montante pago a título de serviços de entrega para os utilizadores prestadores desses serviços.
130. A Ré não é uma plataforma de restaurantes, nem uma plataforma de serviços de entrega, mas uma plataforma de intermediação aberta inclusive a diferentes possibilidades de utilização e prestação de serviços bilaterais:
(…) - Frequentemente, são os utilizadores finais que, via plataforma, solicitam os utilizadores prestadores de serviços de entrega, sem efetuar qualquer aquisição junto dos estabelecimentos comerciais utilizadores da plataforma;
- Frequentemente, ainda, o utilizador final pode, através da plataforma, dirigir pedidos aos estabelecimentos comerciais e usar a opção “take away”, sem fazer qualquer uso dos prestadores de serviços de entrega registados na plataforma;
- Frequentemente, por fim, são os utilizadores prestadores de serviços de entrega que aceitam e executam os pedidos provenientes de outras plataformas, ou subcontratam os seus serviços a outros utilizadores prestadores de serviços de entrega, sem alterar os termos da relação com os utilizadores estabelecimentos comerciais e a plataforma.
131. A Ré não é, pois, uma plataforma de organização do trabalho, próprio ou de terceiros, mas uma plataforma tecnológica de utilização livre, flexível e multifacetada, cujo modelo de negócio depende, justamente, da sua capacidade de, através de uma aplicação moderna e acessível, aproximar de forma eficiente prestadores de bens, de serviços e clientes finais, facilitando múltiplas transações possíveis entre eles.”
Socorrendo-nos do corpo das alegações, indica como prova o que diz resultar dos Termos Gerais de Utilização e Contratação juntos ao autos, bem como dos depoimentos prestados por BB e AA, transcrevendo e localizando no registo de gravação o que aparenta serem passagens.
Por sua vez, pugna o Apelado, nas contra-alegações, pela adequação do julgado, sustentando designadamente que não se trata ainda de matéria conclusiva, como também que obtém suporte na prova, fazendo apelo, nesta parte, ao que teria resultado do depoimento de BB, sem que, porém, em cumprimento desse ónus legal estabelecido no n.º 2 do artigo 640.º do CPC, tenha localizado ou identificado qualquer passagem desse depoimento.
Apreciando, desde já se dirá que o conteúdo dos pontos em reanálise não se traduz propriamente em factos e sim, salvo o devido respeito, em expressões de natureza conclusiva e valorativa, desde logo quando se utiliza a qualificação como sendo clientes da plataforma os consumidores finais ou os “estabelecimentos aderentes/parceiros”, mas também, ainda, quando consta que é a plataforma “que contacta com o mercado” ou que “disponibiliza toda a rede de suporte para o desenvolvimento da atividade”, pois que, resultando de outros factos provados o modo como se processa a atividade (vejam-se, para além de outros, os pontos 66.º a 70.º), em particular mediante a utilização dos serviços da plataforma, pelos vários utilizadores, serão esses os elementos que se assumem com a natureza de facto, nos termos que antes mencionámos, e já não, pois, meros qualificativos que, encerrando já juízos de valor, acabam afinal por poder assumir relevância mesmo no âmbito da aplicação do direito quanto à questão objeto da ação, assim da qualificação da relação laboral.
As considerações que antes fizemos são afinal diretamente aplicáveis a parte considerável da matéria que a Recorrente defende, nos termos antes ditos, que deveria ser aditada, assim por referência aos artigos 116.º, 117.º e 127.º a 130.º da contestação, na parte em que se traduz em mera qualificação da Ré como intermediária, sendo que, a esse respeito, a assumir qualquer relevância, sempre se dirá que, saber se assim será ou não, se tratará já tarefa a realizar pelo Tribunal mais tarde, assim aquando da apreciação do mérito.
No entanto, já assume a natureza de facto a referência a que os serviços mencionados no ponto 2.º provado (“No âmbito da sua atividade, a Ré disponibiliza serviços à distância através de meios eletrónicos, nomeadamente através do sítio da internet e da aplicação informática (app) pertencente à Plataforma A...App a pedido de utilizadores”) são utilizados pelos consumidores, estabelecimentos aderentes e estafetas (matéria essa que se extrai do ponto 3.º, depois de expurgado das menções que extravasam o facto), como ainda, do mesmo modo, matéria esta alegada na contestação (artigo 127.º), o saber se a Ré recebe e nesse caso o quê, pelos serviços disponibilizados, até porque, assim se constata, nesta sede recursiva, essa encontra sustentação na prova indicada, incluindo os depoimentos prestados por BB e AA (desde logo nas passagens que se transcrevem).
Do exposto resulta que, eliminando-se o ponto 42.º provado, se nos impõe também determinar a alteração da redação do ponto 3.º, provado, para o seguinte:
3. Os serviços antes mencionados (ponto 2.º) podem ser utilizados pelos consumidores, estabelecimentos aderentes e estafetas, estabelecendo a Ré, como contrapartida, o pagamento de uma taxa que, por referência a cada um desses, fixa pelo acesso e/ou utilização.
Por sua vez, quanto à pretendido aditamento de matéria do artigo 130.º da contestação, consideramos que não se justifica tal aditamento, em face do que já resulta de vários pontos que constam da factualidade provada, assim, para além do mais, o seguinte:
68. Para os restaurantes ou estabelecimentos comerciais, a utilização dos serviços tecnológicos da Ré traduz-se no acesso à visibilidade e promoção da lista de estabelecimentos presente na aplicação, permitindo-lhes conectarem-se, via aplicação, com os utilizadores finais e obter um serviço de entrega executado através dos utilizadores prestadores dos serviços.
69. Para os denominados utilizadores prestadores de serviços, o acesso à plataforma da Ré significa a possibilidade de executarem serviços de entrega, podendo conectar-se ou desconectar-se em qualquer altura de acordo com a possibilidade de escolherem os pedidos que pretendem realizar – e podendo conectar-se a outras plataformas –, obtendo rendimentos.
70. Para o utilizador cliente, o acesso à plataforma significa a possibilidade de ter acesso aos produtos vendidos pelos estabelecimentos e, se solicitado, aos serviços de entrega executados, em curto prazo, pelos denominados utilizadores prestadores de serviços.
72. Por vezes os utilizadores finais, via plataforma, solicitam aos denominados utilizadores prestadores de serviços de entrega, sem efetuar qualquer aquisição junto dos estabelecimentos comerciais utilizadores da plataforma;
79. A Ré permite a subcontratação da conta do prestador de atividade nos termos referidos de seguida.
88. Os termos e condições permite ao prestador de atividade exercer outras atividades, incluindo atividades de entrega para outras plataformas semelhantes ou diretamente para estabelecimentos e subcontratar a sua conta nos termos a seguir indicados, o que o prestador de atividade em causa nunca fez, trabalhando a tempo inteiro como vigilante.
90. Dos termos e condições relativos aos utilizadores estafetas consta, para além de tudo o mais, o seguinte:
(…) A subcontratação será realizada através da utilização de uma única conta detida pelo Utilizador. Através da possibilidade de subcontratação, o Utilizador nomeia substitutos que poderão realizar a prestação de serviços em seu nome, podendo a conta ser utilizada por apenas uma pessoa de cada vez e ao mesmo tempo.
Os valores provenientes da prestação dos serviços executados pelos subcontratados, pagos pelos clientes e estabelecimentos, utilizadores da plataforma, serão transferidos para o Utilizador, assumindo este a responsabilidade de gerir o pagamento dos referidos valores junto da(s) pessoa(s) subcontratada(s).
Improcede, pois, o recurso nesta parte.
Ponto 4.º, provado:
Este ponto (“4. A prestação dos serviços envolve, como componente necessária e essencial, a organização de trabalho prestado pelos prestadores de atividade, neste caso AA, a troco de pagamento, sob termos e condições de um modelo de negócio e sob a marca “A...”.) contém efetivamente, tal como o invoca a Recorrente, conteúdo conclusivo / valorativo, com utilizações de expressões que envolvem já a aplicação da lei e do direito, como ainda genéricas e sem a mínima concretização, assim, desde logo, quando se afirma que “a prestação dos serviços envolve, como componente necessária e essencial, a organização de trabalho prestado pelos prestadores de atividade, neste caso AA”, sendo que, salvo o devido respeito, para a formulação desse juízo, importaria também saber em que factos concretos se sustentaria a afirmação de que estaremos, ou não, perante uma “organização de trabalho prestado pelos prestadores de atividade”, como ainda que essa fosse ou não necessária e essencial.
Em face do exposto, elimina-se este ponto do elenco factual provado.
Ponto 5.º, provado:
“5. Os resultados da plataforma não pertenciam ao prestador, mas sim à plataforma que recebe os valores dos clientes.”
Sustenta a recorrente que este ponto deve passar a ter como redação:
“5. Os resultados da plataforma não pertencem ao prestador de atividade nem aos estabelecimentos comerciais.
Os resultados do prestador de atividade e dos estabelecimentos comerciais não pertencem à plataforma.
Os valores que os utilizadores clientes porventura paguem através da plataforma, pertencerão e corresponderão aos resultados da parte respetiva:
i) Aos estabelecimentos comerciais, se forem adquiridos bens / serviços a estes – “preço dos produtos e/ou serviços”;
ii) Aos estafetas, se lhes foi solicitado pelo utilizador cliente a execução de um serviço de entrega – “taxa de serviço”; e
iii) À Recorrente, pela utilização da aplicação e tecnologia de intermediação – “taxa de utilização”
Pugnando o Apelado pela manutenção do julgado, cumprindo-nos pronúncia, chamando mais uma vez à aplicação as considerações que antes fizemos a respeita do que deve integrar ou não a pronúncia em sede de matéria de facto, sem dúvidas que o conteúdo do analisado ponto se traduz na pura utilização de expressões conclusivas, pois que se refere apenas a resultados da plataforma, sem que se refira quais (importará perguntar quais serão esses então), para se concluir, de seguida, que esses não pertencerão “ao prestador, mas sim à plataforma que recebe os valores dos clientes”. De resto, por referência ao que consta de outros pontos da matéria de facto provada, a respeito do que serão resultados, será caso para questionar se esses também não serão aplicáveis aos utilizadores da plataforma, em face dos fins visados. O mesmo se aplica, esclareça-se, afastando-a, à redação que é oferecida pela Recorrente.
Elimina-se, assim, o analisado ponto 5.º, da factualidade provada.
Ponto 6.º, provado:
O que antes referimos é também claramente aplicável a este ponto, pois que se traduz em mera conclusão, aliás pela negativa, que de resto envolve a aplicação da lei e do direito (assim sobre saber em que se traduzirá a posse de “uma organização empresarial própria), razão pela qual se determina também a sua eliminação.
Pontos 7.º e 14.º, provados:
“7. O prestador de atividade prestava a sua atividade a clientes que solicitavam entrega de produtos à ré, sendo a plataforma que estabelece todos os aspetos relativos à recolha e entrega dos produtos e ao respetivo preço”.
“14. Incumbia-lhe distribuir e entregar produtos alimentares adquiridos por terceiros por meio da plataforma eletrónica da “A...”, encontrando-se naquele momento a executar um pedido.
Sustenta a Recorrente que a matéria constante destes pontos «contém “factos” ou considerações / afirmações conclusivas que não podem integrar a matéria de facto porque estão diretamente relacionados com o thema decidendum – existência ou não de um contrato de trabalho – e impedem ou dificultam de modo relevante a perceção da realidade concreta, seja ela externa ou interna, ditando simultaneamente a solução jurídica, normalmente através da formulação de um juízo de valor» Mais, diz, inexiste qualquer prova produzida nos autos que sustente a factualidade dos referidos pontos, estando ainda contraditado “pelos pontos 69, 70 e 72 dos Factos Provados”.
Ora, bastando para o efeito atender ao que se fez constar de outros pontos da factualidade, assim desde logo os mencionados pela Recorrente, para se extrair, de modo bastante, em termos factuais, o modo como seria desenvolvida a atividade, no que se refere à solicitação de entrega de produtos por clientes, mas também, quanto ao preço, para além do que resulta dos pontos 17.º, 23.º, 71.º (provados e não impugnados no presente recurso), como ainda em face do que resulta da prova, que de modo algum se pode extrair que seria a Ré a estabelecer todos os aspetos relativos ao preço dos produtos, pois que, salvo o devido respeito, o que essa define, que possa estar envolvido no preço a pagar pelo cliente final, resultará do conteúdo do ponto 17.º provado, não impugnado neste recurso, que não abrange, desde logo, o preço que os estabelecimentos comerciais, sejam restaurantes ou outros estabelecimentos aderentes, fixariam para os produtos que forneciam (vejam-se os pontos 68.º e 70.º, provados).
Daí que se imponha eliminar o ponto 7.º da factualidade provada.
Por sua vez, quanto ao ponto 14.º, impõe-se apenas retirar a expressão inicial “incumbia-lhe”, pois que traduz uma ideia de determinação por outrem, quando resulta, afinal, da factualidade provada que os denominados utilizadores prestadores de serviços podiam “conectar-se ou desconectar-se em qualquer altura de acordo com a possibilidade de escolherem os pedidos que pretendem realizar – e podendo conectar-se a outras plataformas” (ponto 69.º, provado).
Em conformidade, este ponto passa a ter a seguinte redação:
14. O prestador de atividade entregava produtos alimentares adquiridos por terceiros mediante a utilização da plataforma eletrónica da A..., encontrando-se naquele momento a executar um pedido.
Ponto 8.º, provado:
“8. As condições contratuais ao abrigo das quais o prestador de atividade prestava os seus serviços eram ditadas pela plataforma e aceites pelo prestador de atividade.”
Sustenta a Ré que este ponto “deve ser considerado não provado, por estar em contradição com os Termos e Condições juntos a fls. …, e os pontos 72, 73, 78, 79, 80, 81, 82, 83, 84, 85, 87 e 88 da matéria de Facto Provada da Sentença, dos quais resulta evidente que os prestadores de atividade têm liberdade para definir onde, como, quando e a quem é que pretendem prestar serviços de entregas propostas através da aplicação gerida pela Recorrente, bem como quais os itinerários a efetuar e utilizando material de merchandising alusivo a marcas concorrentes, bem como aplicações”. Ainda, diz, em termos de prova por declarações, o que resultou dos depoimentos de BB e AA, transcrevendo e localizando no registo de gravação, as respetivas passagens.
Pugna o Ministério Público pela adequação do julgado, refere, em termos de prova, o que diz resultar do depoimento de AA, mas sem localizar qualquer passagem, pois que se limita a fazer constar “gravado no sistema HabilusMediaStudio, sessão do dia 21.06.2024”.
Apreciando, não poderemos deixar de considerar, mais uma vez, que o conteúdo deste ponto não deixa de envolver um juízo ou conclusão, ao limitar-se a dizer-se que as condições contratuais ao abrigo das quais o prestador de atividade prestava os seus serviços eram ditadas pela plataforma e aceites pelo prestador de atividade, pois que, desde logo, não se referem quais seriam essas condições e em que se traduziria a sua aceitação, quando, importa dizê-lo, se fizeram constar, de prontos da factualidade provada, mesmo que apenas quanto aos que não são impugnados no presente recurso, assim o que consta dos pontos 17.º, 18.º, 23.º, 25.º, 26.º, 37.º, 39.º a 41.º, 44.º a 46.º, 51.º, 52.º, 54.º a 58.º, 60.º, 66.º a 85.º, 87.º, 88.º e 90.º, resultando desses, desde logo, vários e abundantes elementos com base nos quais se poderá, ou não, chegar a essa conclusão, mas posteriormente, assim aquando da aplicação do direito.
Em face do exposto, elimina-se este ponto da factualidade provada.
Pontos 9.º, 10.º e 35.º, provados:
9. O prestador de atividade não podia realizar a sua tarefa se estivesse desligado da plataforma.
10. O serviço de entrega é concebido e organizado pela plataforma de forma a providenciar um serviço estandardizado aos clientes.
35. Para o desempenho da atividade o prestador de serviço, através da plataforma da ré, fica dependente da utilização da aplicação digital “app A...”, que descarregou e instalou no seu telemóvel.
Defende a Ré que, para além de conterem matéria conclusiva e de direito, que integra o thema decidendum, não podendo integrar a matéria de facto provada da sentença, estes pontos devem também ser considerados não provados, em face do que resulta “dos Termos e Condições (ponto 1 e 4)” e do depoimento das testemunhas BB, AA e CC, localizando, no registo de gravação, as respetivas passagens.
Pugna o Ministério Público, por sua vez, pela adequação do julgado.
Apreciando, desde já diremos que também consideramos ser de eliminar o conteúdo do ponto 10.º, pelas razões que antes dissemos a respeito da utilização, que também aqui se fez, de expressões meramente conclusivas, como o são o dizer, sem que resulte menção aos factos que lhe dariam suporte, que o serviço de entrega é concebido e organizado pela plataforma de forma a providenciar um serviço estandardizado aos clientes.
Por sua vez, visto o teor do ponto 9.º, o mesmo acaba por traduzir, mas pela negativa, o que consta do ponto 35.º, sendo que, porém, mesmo quanto ao que resulta deste, acaba afinal por sequer se justificar a sua manutenção na factualidade provada, pois que, assim o entendemos, trata-se de matéria que já consta de outros pontos da matéria de facto, assim, mesmo considerando-se apenas aqueles que não foram objeto de recurso pela Ré, o que consta os pontos 60.º e 66.º (60. A Ré tem uma plataforma que se serve de um programa informático que atribui os pedidos em função de diversos critérios, não podendo o prestador de atividade exercer atividade através da ré sem utilizar esta aplicação ou o sítio da ré na internet. 66. Para o efeito, o prestador de atividade utiliza a aplicação informática da ré que descarregou e instalou no seu telemóvel.)
Determina-se, pois, a eliminação dos pontos 9.º, 10.º e 35.º da factualidade provada.
Ponto 11.º, provado:
“11. A prestação de atividade de AA era efetuada numa localização determinada traduzida na zona da cidade de São João da Madeira, que abrangia áreas de Santa Maria da Feira e de Oliveira de Azeméis e, em cada serviço, entre o ponto de recolha (restaurante ou comerciante) e o ponto de entrega (cliente) que lhe eram indicados pela ré.”
Sustenta a Recorrente, para defender a respetiva não prova, que este ponto está em contradição com os pontos “74, 83 e 90 dos Factos Provados e com o depoimento da testemunha BB (cfr. depoimento gravado, disponível no Citius, de 00:13:11.6 a 00:13:52.4, de 00:15:31.8 a 00:16:42.2, de 00:37:01.7 a 00:39:06.0) e do prestador de atividade (cfr. depoimento gravado, disponível no Citius, de 00:28:56.0 a 00:29:31.6) (cfr. depoimento gravado, disponível no Citius, de 00:51:37:6 a 00:51:42:9) (cfr. depoimento gravado, disponível no Citius, de 00:30:28:0 a 00:30:38:0).”
Pugnado o Recorrido pela adequação do julgado, cumprindo-nos apreciar, importa deixar claro que, não obstante a matéria deste ponto envolver também em si mesma uma conclusão, assim quando se afirma que a prestação de atividade de AA era efetuada numa localização determinada traduzida na zona da cidade de São João da Madeira, que abrangia áreas de Santa Maria da Feira e de Oliveira de Azeméis e, em cada serviço, entre o ponto de recolha (restaurante ou comerciante) e o ponto de entrega (cliente), ainda assim, nessa parte, até porque resulta afinal concretizada através de outros pontos da factualidade (vejam-se designadamente, apenas considerando os que não foram impugnados no presente recurso, os pontos 44.º a 46.º, 54.º a 57.º, 74.º), afigura-se-nos ser manter nessa parte o facto (melhor dizendo, juízo de facto), sendo que, porém, a afirmação de que os locais lhe seriam indicados pela Ré, importando ser rigoroso, tanto mais que tal consta da factualidade (veja-se o ponto 54.º: “Através de gestão algorítmica, entre outros critérios, a plataforma distribui o serviço ao estafeta que estiver mais perto do ponto de recolha”), os locais são indicados na plataforma.
Nos termos expostos, este ponto passa a ter a seguinte redação:
“11. A prestação de atividade de AA era efetuada na zona da cidade de São João da Madeira, que abrangia as áreas de Santa Maria da Feira e de Oliveira de Azeméis e, em cada serviço, entre o ponto de recolha (restaurante ou comerciante) e o ponto de entrega (cliente), que lhe eram indicados na plataforma A...App.”
Ponto 13.º, provado:
13. O prestador de atividade registou-se na aplicação da ré e acordou com a Ré, ao aceitar os seus termos e condições, que, através da aplicação acima referida, iria prestar atividade como estafeta seguindo os termos que a mesma lhe indicasse;
Sustenta a Ré que este ponto está em “contradição direta com os pontos 69, 72, 82, 83, 84, 85 e 88 dos Factos Provados da Sentença”. Mais, diz, resulta infirmado nos depoimentos de BB e AA, localizando, no registo de gravação, as respetivas passagens.
Pugnado o Recorrido pela adequação do julgado, constata-se, mais uma vez, que estamos perante matéria meramente conclusiva, que de resto, dada a forma como foi exposta, pode assumir relevância no momento da aplicação do direito, assim o saber se os factos ocorridos, assim o modo como a Ré gere a plataforma, as condições da utilização e o registo do prestador da atividade se podem qualificar como acordo, no sentido de que “iria prestar atividade como estafeta seguindo os termos que a mesma lhe indicasse”.
Elimina-se, assim, também este ponto.
Ponto 15.º, provado:
15. A ré, através da sua plataforma digital, fixava o preço de cada entrega a efetuar, podendo o prestador de atividade apenas recusar a proposta caso não aceitasse esse preço;
Quanto a este ponto, sustenta a Ré que “deve ser considerado não provado, por estar em contradição com os pontos 17, 55, 56, 78 a 85, 87 e 88 da própria matéria de Facto Provada da Sentença”. Refere, também, que resulta infirmado no depoimento de BB, transcrevendo nas alegações, localizando no registo de gravação, passagens.
Pronunciando-se o Autor pela manutenção do julgado, desde já diremos que, de facto, a redação deste ponto, do modo como consta, para além de conclusiva, tal como o salienta a Ré, desde logo quando se refere que era a Ré quem fixava o preço (importando desde logo perguntar que preço seria esse, ou seja se a intenção é aludir-se ao valor que era recebido ao prestador da atividade ou se está em causa o valor que seria pago pelo consumidor e que incluiria enquanto tal o preço do produto que o estabelecimento fixava para o produto vendido), a tal acresce, diga-se ainda, que, mesmo que se esteja a referir ao valor a pagar ao estafeta, acaba por entrar em contradição com os pontos de facto provados que a Ré refere, assim desde logo o ponto 17.º, quanto àquele valor (assim, desde logo, quanto à “componente variável designada por “multiplicador” cujo valor é definido pelo próprio e, o altera, entre os quocientes 0,90 a 1,10 – limites mínimo e máximo pré-definidos pela plataforma, podendo ser alterado apenas uma vez por dia pelo prestador da atividade”) e, na parte em que se refere “podendo o prestador de atividade apenas recusar a proposta caso não aceitasse esse preço”, verifica-se também contradição com os demais pontos que aquela refere, em particular o poder ligar-se e desligar-se da plataforma de acordo com a sua escolha (ponto 55.º), o poder aceitar ou recusar os pedidos sem penalização (ponto 78.º) e o poder, mesmo depois de iniciada a prestação, enquanto não recolher a encomenda, “optar por desistir da mesma livremente” (ponto 85.º).
Em face do exposto, sem necessidade de outras considerações, na procedência do recurso também nesta parte, elimina-se este ponto da factualidade provada.
Pontos 16.º, 19.º e 48.º, provados:
16. Quando um cliente formulava um pedido na aplicação da plataforma digital e este, de acordo com os critérios definidos no algoritmo da ré, era direcionado para o estafeta que acedia ao pedido, a plataforma facultava o acesso aos seguintes conteúdos: a) pedido formulado pelo cliente; b) valor a pagar (ou já pago) pelo cliente correspondente ao pedido; c) endereço de entrega; d) distância a percorrer pelo estafeta até ao local de entrega e; e) valor pecuniário associado à entrega a desenvolver.
19. O prestador da atividade só tinha acesso ao valor a receber pela tarefa/entrega depois de a aceitar, não negociando qualquer valor, limitando-se a aceitar as condições da plataforma.
48. A rota a percorrer no percurso da entrega é definida pelo “Google maps”, sendo a distância percorrida, critério para definição da componente variável da retribuição do estafeta, podendo o estafeta desviar-se dessa rota.
Sustenta-se que estes pontos deverão ser considerados como não provados, devendo, alternativamente, passar a ter a seguinte redação:
“16. Quando é proposto um serviço ao prestador de atividade, na interface de oferta do serviço ao utilizador estafeta é apresentado um mapa com os pontos de recolha (morada do parceiro) e de entrega (morada do utilizador-cliente) assinalados, bem como a rua do ponto de recolha (sem informação do número da porta), a distância estimada e o preço do serviço. Nessa altura, o estafeta pode aceitar ou recusar o serviço”
“19. Caso aceite o serviço, é adicionalmente comunicado ao utilizador-estafeta o nome e morada exata do parceiro (ponto de recolha), informações de contacto no parceiro, estimativa do tempo de espera no parceiro, o nome e morada exata do utilizador-cliente (ponto de entrega), os detalhes de pagamento e a lista de artigo do pedido e o valor do mesmo. Nessa altura e até recolher o produto – momento em que o mesmo fica sob a sua responsabilidade, o utilizador estafeta é livre de recusar prestar esse serviço”.
“48. A distância a percorrer entre o ponto de recolha e o ponto de entrega utilizada para cálculo de uma das componentes variáveis do preço do serviço, é efetuada pelo “Google Maps”, tendo o estafeta total liberdade de decisão em relação ao itinerário e/ou percursos escolhidos na execução do serviço”
Em termos de prova, socorrendo-nos das alegações, transcreve e localiza no registo de gravação passagens dos depoimentos de BB e AA.
Pugna o Apelado, mais uma vez, pela adequação do julgado.
Apreciando, desde já avançamos que assiste razão à Recorrente, bastando para o efeito, para além do que resulta de outros factos constantes da factualidade provada e que não foram objeto de recurso (veja-se, neste âmbito, demonstrando-o, o que mencionámos antes aquando da apreciação do ponto 15.º), atender ao que resulta da prova, assim nomeadamente a que é indicada nas alegações, incluindo nas passagens aí transcritas referentes à prova gravada (depoimentos de BB e AA).
Em face do exposto, os pontos analisados passam a ter a seguinte redação:
“16. Quando é proposto um serviço ao prestador de atividade, na interface de oferta do serviço ao utilizador estafeta é apresentado um mapa com os pontos de recolha (morada do parceiro) e de entrega (morada do utilizador-cliente) assinalados, bem como a rua do ponto de recolha (sem informação do número da porta), a distância estimada e o preço do serviço. Nessa altura, o estafeta pode aceitar ou recusar o serviço”
“19. Caso aceite o serviço, é adicionalmente comunicado ao utilizador-estafeta o nome e morada exata do parceiro (ponto de recolha), informações de contacto no parceiro, estimativa do tempo de espera no parceiro, o nome e morada exata do utilizador-cliente (ponto de entrega), os detalhes de pagamento e a lista de artigo do pedido e o valor do mesmo. Nessa altura e até recolher o produto, momento em que o mesmo fica sob a sua responsabilidade, o utilizador estafeta é livre de recusar prestar esse serviço”.
“48. A distância a percorrer entre o ponto de recolha e o ponto de entrega utilizada para cálculo de uma das componentes variáveis do preço do serviço, é efetuada pelo “Google Maps”, podendo no entanto o estafeta seguir ou não esse itinerário na execução do serviço”
Pontos 20.º, 22.º e 24.º, provados:
20. A plataforma pagava a retribuição diretamente ao prestador de atividade e processava os pagamentos a efetuar.
22. O cliente final pagava à plataforma e não ao prestador de atividade.
24. O pagamento da plataforma ao estafeta era quinzenal e efetuava-se por transferência bancária.
Sustenta a Ré, quanto aos pontos 20.º e 22.º, que estes pontos deverão ser considerados como não provados, porque contraditados pelos pontos “26, 73 e 74 dos Factos Provados”, “do ponto 5.3.1. dos Termos e Condições juntos a fls. …, declarações das testemunhas BB (cfr. depoimento gravado, disponível no Citius, de 00:07:59.1 a 00:57:15.5) e do prestador de atividade (cfr. depoimento gravado, disponível no Citius, de 00:30:46:5 a 00:31:22:8), de onde resulta expressamente que o estafeta pode ser pago em dinheiro diretamente dos clientes e que a Recorrente intermedeia os pagamentos, sendo a Recorrente paga pelo estafeta para o efeito.
Defende que estes pontos devem passar a ter a seguinte redação:
“20. A plataforma intermedeia os pagamentos dos utilizadores clientes para o prestador de atividade e processa os pagamentos a efetuar”.
“22. O cliente final pode pagar ao prestador de atividade através da plataforma ou diretamente”.
Por sua vez, quanto ao ponto 24.º, refere que deve considera-se não provado, em face do que resulta dos depoimentos de BB e AA, transcrevendo e localizando no registo de gravação passagens.
Defende o Ministério Público o julgado, indicando, em termos de prova, o “depoimento de AA, “minuto 30m55s”
Apreciando, como primeira nota, constata-se que, sem dúvidas, o teor do ponto 22.º é em parte contrariado pelo que resulta do ponto 25.º, quando deste resulta que “a plataforma permitia que o cliente pagasse em dinheiro ao estafeta, ficando este com “dinheiro nas mãos” (saldo em mãos)”, sendo que, por sua vez, no que se refere ao ponto 24.º a respeito de o pagamento ser quinzenal, tal está afinal em conformidade com o que consta do ponto 26.º (“26. Nesse caso, o valor em numerário entregue pelos clientes ao prestador de atividade era compensado no pagamento quinzenal efetuado pela plataforma, mas quando o mesmo excedesse um determinado limite pré-definido pela plataforma, deveria ser depositado à ordem da mesma em prazo determinado”), também não impugnado neste recurso.
Já no que diz respeito ao ponto 20.º, para além de se verificar o que dissemos a respeito do ponto 22.º e aludida contradição com o que consta do ponto 22.º, a que acresce, sendo objeto da presente ação, afinal, a qualificação da relação existente como laboral ou não, que a utilização da expressão “a plataforma pagava a retribuição”, estando normalmente associada ao contrato de trabalho, deve ser expurgada, para além de que, para efeitos de saber em que se traduziria essa designada “retribuição”, sempre importaria ter presente o mais que já resulta provado, desde logo o ponto 17.º, não impugnado no presente recurso – “O valor a pagar ao estafeta, designado por “total ganho”, no momento da inspeção compreendia: uma componente fixa designada por “tarifa base”, neste caso, no valor de €1,40 e uma componente variável resultante da conjugação das seguintes rubricas: €0,25 por cada km percorrido pelo estafeta desde o local de recolha do pedido (em regra restaurante, mas poderia ser qualquer outro tipo de produtos dos estabelecimentos aderentes da plataforma) até ao endereço de entrega do mesmo (os quilómetros percorridos são os definidos na rota dada pelo “google maps”); uma percentagem variável em função da hora do pedido/entrega, época do ano ou condições climatéricas ou promoções, designadas por “compensação por hora de ponta”; uma componente variável dependente do tempo de espera no ponto de recolha para além de um certo período de tempo, com o valor por minuto de, pelo menos, 0,05€; e uma componente variável designada por “multiplicador” cujo valor é definido pelo próprio e, o altera, entre os quocientes 0,90 a 1,10 – limites mínimo e máximo pré-definidos pela plataforma, podendo ser alterado apenas uma vez por dia pelo prestador da atividade”. De resto, por último, e nesta parte ainda com fundamento na prova que é indicada, não se vislumbra, em particular por decorrência das circunstâncias que antes mencionámos, suporte para o que se fez constar, do modo como o foi, nos pontos que aqui se reanalisam, mesmo com a redação que é oferecida pela Recorrente.
Já quanto ao ponto 24.º, para além de obter em geral suporte mesmo na prova que é indicada, importa ter presente o que consta dos pontos 25.º e 26.º e 71.º, não impugnados neste recurso – assim, que “a plataforma permitia que o cliente pagasse em dinheiro ao estafeta, ficando este com “dinheiro nas mãos” (saldo em mãos)”, que “nesse caso, o valor em numerário entregue pelos clientes ao prestador de atividade era compensado no pagamento quinzenal efetuado pela plataforma, mas quando o mesmo excedesse um determinado limite pré-definido pela plataforma, deveria ser depositado à ordem da mesma em prazo determinado” e que “a ré deduz na fatura quinzenal do prestador de atividade uma taxa que denomina de “taxa de plataforma” no valor de € 1,85 –, que evidenciam que o período de faturação seria efetivamente de 15 dais, sem prejuízo, porém, o que resulta aliás do ponto 87.º provado (também não impugnado neste recurso), de o valor da faturação ser “variável, em função das características de cada serviço e do número de serviços aceites pelo prestador de atividade”, razão pela qual a redação do ponto 24.º deverá atender a essa factualidade provada.
Pelo exposto, eliminam-se os pontos 20.º e 22.º, passando o ponto 24.º a ter como redação:
“24. O pagamento da plataforma ao estafeta, sem prejuízo do referido nos pontos 25, 26 e 87, era quinzenal e efetuava-se por transferência bancária.
Pontos 21.º e 61.º, provados:
21. É a plataforma quem negoceia os preços e condições com os titulares dos estabelecimentos.
61. A plataforma faculta aos restaurantes aderentes os instrumentos informáticos (tablets) que lhe permitem desenvolver o trabalho, sendo a plataforma responsável pela manutenção desse equipamento.
Sustenta a Ré que inexiste prova que suporte estes pontos, desde logo (o que diz consubstanciar um facto público e notório) porque os preços dos bens vendidos pelos estabelecimentos comerciais que se registam na aplicação são por esses fixados, resultando expresso no ponto 5 dos Termos e Condições juntos aos autos que não participa nem tem qualquer responsabilidade sobre os produtos e serviços publicitados pelos estabelecimentos. Mais, diz, é falso que lhes faculte quaisquer instrumentos informáticos que permitam «desenvolver “o trabalho”» e que a utilização da plataforma que gere por parte dos utilizadores estabelecimentos comerciais depende do pagamento da respetiva taxa – depoimento da testemunha BB (“de 01:04:37:3 a 01:05:48:1”) e de AA (“de 01:01:56:0 a 01:02:25:0”).
Sobre estes pontos, limita-se a invocar o Ministério Público que a sua prova “decorre do depoimento dos inspectores que disseram que a A... facultava aos restaurantes aderentes tablets, tal como consta da página da A... aludindo à tablet A..., mencionando como pode o parceiro aceder à mesma e indicando que fornece ajuda em caso de problema com o tablet A...”, sem que, porém, em particular à prova por depoimento, assim dos inspetores a que alude (sem prejuízo, esclareça-se, de se dever atender à prova que foi indicada e produzida nestes autos), dê cumprimento ao ónus estabelecido no n.º 2 do artigo 640.º do CPC, de indicar e localizar qualquer passagens nos registos de gravação, sendo que, esclareça-se, vista a motivação da sentença, apenas consta, quanto ao depoimento do “inspetor do trabalho CC”, que: “confirmou o modo, as informações e os documentos necessários para inscrição na plataforma; fez sessão de formação online; a exigência de uma mochila isotérmica com determinadas caraterísticas e dimensões; a escolha de uma área geográfica (nessa zona abrangia São João da Madeira e Oliveira de Azeméis, mais ou menos), o estafeta escolhia São João da Madeira, não sabendo se podia mudar; os instrumentos que tinham de ter para iniciar a atividade (referiu o veículo, a mochila, o telemóvel e a aplicação da ré instalada), bem como o GPS ligado; surgindo um pedido, ficam com informação sobre os pontos de recolha e entrega, os kms, sendo que o estafeta pode fazer outro trajeto, mas só recebe pelo calculado pela plataforma; perante os pedidos o estafeta aceita, não sabendo se pode recusar; aceitando o pedido, os estafetas vão recolher a encomenda; o cliente pode avaliar o estafeta; a plataforma tem seguros de responsabilidade civil para os estafetas; explicou como funcionava a retribuição, o multiplicador, a definição dos quilómetros pela plataforma e os pagamentos em dinheiro; No que se refere ao estafeta em causa nos autos, confirmou os elementos constantes da participação, referindo que o mesmo trabalhava como vigilante a tempo inteiro e fazia este serviço em part-time para complementar os rendimentos desde 3 de outubro de 2023, ou seja, no dia da visita fazia este serviço há 3 dias.”
Neste contexto, quanto ao ponto 21.º, valem aqui as considerações que fizemos anteriormente, assim aquando da análise do ponto 15.º, sobre a utilização da expressão “é a plataforma quem negoceia os preços” (com os titulares dos estabelecimentos), importando mais uma vez questionar, que preços seriam esses, ou seja se a intenção é aludir-se ao valor que era recebido pelo estafeta ou se está em causa o valor que seria pago pelo consumidor e que incluiria enquanto tal o preço do produto que o estabelecimento fixava para o produto vendido, sendo que, mesmo que se esteja a referir ao valor a pagar ao estafeta, importará ter presente o que já resulta do ponto 17.º, assim, desde logo, que inclui uma componente fixa (designada por “tarifa base”, neste caso, no valor de €1,40) e uma componente variável (resultante da conjugação das rubricas que aí se indicam, sendo que, quanto a uma dessas condições, assim a “componente variável designada por “multiplicador” cujo valor é definido pelo estafeta (que o altera entre os quocientes 0,90 a 1,10 – limites mínimo e máximo pré-definidos pela plataforma, podendo ser alterado apenas uma vez por dia pelo prestador da atividade”).
Por sua vez, a respeito do ponto 61.º, sobre o qual sequer resulta da motivação do Tribunal qualquer referência, também não vislumbramos, em face da prova a que se pode /deve atender, suporte em termos de formação de convicção positiva.
Neste contexto, eliminam-se também estes pontos da factualidade provada.
Ponto 27.º, provado:
27. No pagamento feito ao prestador de atividade, a plataforma compensava o valor do IVA (Imposto sobre o Valor Acrescentado) suportado pelo estafeta findo o seu primeiro ano de isenção, o que significa que esse valor era suportado pela plataforma após comunicação desse facto pelo estafeta.
Sustenta a Ré que o conteúdo deste ponto, para além de conter “considerações / afirmações conclusivas e conceitos de direito” –, é errado, pois que, diz, o IVA incide sobre prestações de serviço – “o IVA é pago pelo cliente sempre que um serviço é prestado por um sujeito passivo de IVA, que não esteja isento, que tem o dever de o entregar ao Estado” / nos termos do artigo 53.º do Código do IVA.
Não se pronunciando o Autor concretamente sobre este ponto nas contra alegações, constatando-se que da motivação constante na sentença também nada resulta em termos de dar suporte ao conteúdo desde ponto, a que acresce, tal como refere a Ré, que comporta efetivamente uma conclusão que envolve a aplicação do direito a respeito da referência ao imposto que se menciona (compensação do valor do IVA… e, ainda, o que se diz significar), determina-se a sua eliminação.
Pontos 28.º e 62.º, provados:
28. A plataforma exige ao prestador de atividade que utilize uma mochila isotérmica, com requisitos definidos pela plataforma, não podendo escolher outro tipo ou meio de conservação ou transporte de alimentos.
62. A mochila térmica tem de ter as características indicadas pela ré.
Sustenta a Ré que quanto a estes pontos não existe prova testemunhal nem documental, acrescentando que apenas resulta do ponto 5.1.1 al. n) dos Termos e Condições juntos aos autos que “No caso de transporte de alimentos, em conformidade com a regulamentação aplicável a este respeito, o Estafeta compromete-se a transportá-los em meios de transporte e recipientes adequados para os mesmos”. No que se refere a prova, indica nas alegações, localizando-as no registo de gravação, passagens dos depoimentos de BB e de AA.
Pronuncia-se o Ministério Público pela manutenção do julgado, cumprindo-nos pronúncia, sendo verdade que a Ré apenas estipula que “no caso de transporte de alimentos, em conformidade com a regulamentação aplicável a este respeito, o Estafeta compromete-se a transportá-los em meios de transporte e recipientes adequados para os mesmos”, daí não resultando, é certo, qualquer suporte para a parte final do ponto 28.º (não podendo escolher outro tipo ou meio de conservação ou transporte de alimentos), no entanto, não se fazendo nomeadamente referência a que tenha de se tratar de “uma mochila isotérmica”, porém, em face da alusão que se faz para o caso de transporte de alimentos à “conformidade com a regulamentação aplicável a este respeito” e a que o estafeta se compromete “a transportá-los em meios de transporte e recipientes adequados para os mesmos”, então, apelando-se ainda às regras da experiência comum, daí resultará que, usando-se uma mochila para o transporte de alimentos, essa terá de ser isotérmica.
De resto, resulta afinal do depoimento de BB, na passagem indicada pela Recorrente, que, não sendo uma imposição da A..., “Simplesmente, o estafeta, sendo responsável pelos seus equipamentos … e também pelo seu serviço de entrega, tem de assumir a responsabilidade dos mesmos, de forma legal. E para entregar … realizar a entrega de serviços de produtos alimentares terá de fazê-lo com uma mochila térmica”.
Ora, em face do antes dito, claramente que os pontos em reanálise, dada a forma genérica da sua formulação, não se poderão manter do modo como constam, impondo-se, diversamente, que a resposta se adeque à prova que se mencionou.
Assim, eliminando-se o ponto 62.º, o ponto 28.º passa a ter a redação seguinte:
“28. Nos termos e condições para utilização da plataforma estabelece-se que, no caso de transporte de alimentos, em conformidade com a regulamentação aplicável a este respeito, o Estafeta se compromete a transportá-los em meios de transporte e recipientes adequados para os mesmos, do que decorre que, sendo transportados numa mochila, esta tenha de ser isotérmica.”
Ponto 29.º, provado:
29. O prestador de atividade foi instruído de que tem de tratar os clientes finais com cordialidade;
Invoca a Ré que este ponto deve ser considerado não provado, porque não existe nos autos qualquer prova testemunhal ou documental que o comprove.
Socorrendo-nos ainda do corpo das alegações, indica o que aparenta serem passagens dos depoimentos de BB e AA, que localiza no registo da gravação.
Nas contra-alegações, refere-se que este facto “resulta do depoimento do estafeta (depoimento de AA, gravado no sistema HabilusMediaStudio, sessão do dia 21.06.2024, minuto 32m25s)”.
Com salvaguarda do respeito devido, a redação do ponto, ao utilizar-se a expressão “o prestador de atividade foi instruído…”, para além de ser conclusiva, como ainda genérica, ao não constar em que se traduziria “o modo como deveria tratar os clientes”, sequer obtém, afinal, suficiente suporte na prova produzida, assim a indicada pela Recorrente, incluindo, quanto ao depoimento de AA, na localização no registo indicada nas contra-alegações, as considerações que o mesmo faz (desde logo no sentido de que provavelmente devia ser coisa do senso comum e, perguntado expressamente se foi transmitido ou não, fazendo-se referência a um vídeo, referindo que basicamente se trataria de maneiras cordiais de lidar com as pessoas), só com dificuldade permitiriam traduzir-se no conceito de “instruções”, que se utiliza no ponto em análise.
Em face do exposto, elimina-se também este ponto.
Ponto 30.º, provado:
30. Para que o estafeta possa receber pedidos efetuados por clientes dos parceiros de negócio da plataforma e consequentemente prestar os serviços de entrega aos clientes finais, o prestador de atividade tem de efetuar o registo prévio do prestador de atividade na plataforma da “A...”, registo esse efetuado através de criação de conta no website da A...: https://delivery.A...app.com/pt/
Sustenta a Recorrente que, para além de integrar o thema decidendum, este ponto é contraditado expressamente pelos pontos 69 e 88 dos factos provados, defendendo que, em face da prova produzida, deverá ser alterado, passando a ter como redação:
“30. Para o estafeta receber pedidos efetuados através de aplicação “A...” por clientes dos parceiros de negócio da plataforma e prestar os serviços de entrega aos clientes finais, o prestador de atividade tem de efetuar o registo prévio do prestador de atividade na plataforma da “A...”, registo esse efetuado através de criação de conta no website da A...: https://delivery.A...app.com/pt/”
Ora, na consideração do que resulta efetivamente dos pontos indicados pela Recorrente (69. Para os denominados utilizadores prestadores de serviços, o acesso à plataforma da Ré significa a possibilidade de executarem serviços de entrega, podendo conectar-se ou desconectar-se em qualquer altura de acordo com a possibilidade de escolherem os pedidos que pretendem realizar – e podendo conectar-se a outras plataformas –, obtendo rendimentos. 88. Os termos e condições permite ao prestador de atividade exercer outras atividades, incluindo atividades de entrega para outras plataformas semelhantes ou diretamente para estabelecimentos e subcontratar a sua conta nos termos a seguir indicados, o que o prestador de atividade em causa nunca fez, trabalhando a tempo inteiro como vigilante.) pontos esses não impugnados no presente recurso, ao constar a possibilidade de o prestador de atividade se poder conectar a outras plataformas, justifica que o ponto em reanálise seja alterado, pois que, do modo como consta, traduz a ideia de que, para receber os pedidos efetuados por clientes, estaria necessariamente dependente da efetivação do registo prévio na plataforma da “A...”, o que não ocorrerá, afinal, quando conectado a outras plataformas.
Em face do exposto, na procedência do recurso, altera-se este ponto da factualidade provada, passando a ter a seguinte redação:
“30. Para poder receber pedidos efetuados através de aplicação “A...” por clientes dos parceiros de negócio da plataforma e prestar os serviços de entrega aos clientes finais, o prestador de atividade tem de efetuar o registo prévio na plataforma da “A...”, registo esse efetuado através de criação de conta no website da A...: https://delivery.A...app.com/pt/”
Pontos 31.º e 34.º, provados:
31. Para tanto, o prestador de atividade esteve obrigado a enviar os seus documentos de identificação à plataforma, em concreto, carta de condução, declaração de início de atividade como trabalhador independente, com o código ... (outros prestadores de serviços), passaporte, registo e seguro do veículo de duas rodas.
34. No decurso da criação de conta o prestador de atividade, como passo obrigatório para o completar, identificou qual o tipo de veículo a utilizar no exercício das suas funções, com a obrigação de comunicar qualquer mudança do tipo de veículo utilizado.
No que se refere a estes pontos, para defender que devam transitar para não provados, a Recorrente sustenta que, “pelo teor dos pontos 69, 77, 78, 80, 81, 82, 83, 84, 85 e 87 da matéria de facto provada” resulta que os prestadores de atividade são “livres de prestar atividade com aplicações concorrentes, ou diretamente para estabelecimentos e/ou clientes utilizadores”, acrescentando, ainda, dizendo que resulta da prova produzida que indica – socorrendo-nos do corpo das alegações, extrai-se o que aparenta serem passagens dos depoimentos de BB e AA, que localiza no registo da gravação –, que os estafetas é que se registam voluntariamente para oferecerem os serviços através da aplicação dela Recorrente, não sendo recrutados nem sujeitos a processo de recrutamento, que adicionalmente não foi feita qualquer prova – porque não existe - de que o prestador de atividade tenha que comunicar alterações de veículo, nem que ela Recorrente controle qual o veículo que o prestador de atividade se encontre, efetivamente, a utilizar enquanto presta serviços, e que o próprio interveniente acidental afirmou saber que há prestadores de serviços que prestam atividade com várias plataformas diferentes.
Nas contra-alegações, sustentando-se que não se põe em causa “que os estafetas são livres de se inscreverem na plataforma ou não”, no entanto “o facto aqui em causa é que escolhendo o estafeta inscrever-se na plataforma, para que esse registo seja validado tem de entregar aqueles documentos, não tendo possibilidade de se inscrever sem a entrega dos mesmos, como decorre da prova produzida”, e, quanto ao facto 34) a prova decorre do depoimento do inspetor da Autoridade para as Condições do Trabalho, do estafeta e dos termos e condições (veja-se nomeadamente o documento de fls. 118 que descreve o modo de proceder caso o estafeta quisesse alterar o veículo)”.
Ora, estando este ponto diretamente relacionado com o ponto que antes analisámos, o que aqui está então em causa é apenas o processo de registo a que aí se alude – cuja redação passou a ser: “30. Para poder receber pedidos efetuados através de aplicação “A...” por clientes dos parceiros de negócio da plataforma e prestar os serviços de entrega aos clientes finais, o prestador de atividade tem de efetuar o registo prévio na plataforma da “A...”, registo esse efetuado através de criação de conta no website da A...: https://delivery.A...app.com/pt/” – e não, pois, o que possa extravasar esse registo, carecendo assim de fundamento grande parte das considerações que a Recorrente invoca para sustentar a transição dos pontos em reanálise para a factualidade não provada, assim nomeadamente o apelo que faz ao que resulta dos “pontos 69, 77, 78, 80, 81, 82, 83, 84, 85 e 87 da matéria de facto provada” (ou seja, quando diz que desses resultará que os prestadores de atividade são “livres de prestar atividade com aplicações concorrentes, ou diretamente para estabelecimentos e/ou clientes utilizadores”, ou, ainda, que sejam os que os estafetas que se registem voluntariamente para oferecerem os serviços através da aplicação para firmar de seguida que esses não são “recrutados nem sujeitos a processo de recrutamento” – para o que apela, também, ao que nesse âmbito resultará na sua ótica da prova que indica. Não obstante, consideramos que deve ser substituída a expressão “esteve obrigado a enviar” que consta do ponto 31.º, por “teve de enviar”, a que acresce, quando consta “passaporte”, que deve passar a constar “documento de identidade ou passaporte” (é isso que consta dos termos de utilização de maio de 2023), a que acresce, quanto à parte final do mesmo ponto, assim “registo e seguro do veículo de duas rodas”, por não resultar de modo bastante da prova produzida, assim desde logo a indicada pela Recorrente, que essa será eliminada. O mesmo se passa e pelas mesmas razões no que se refere à parte final do ponto 34.º, quando consta “com a obrigação de comunicar qualquer mudança do tipo de veículo utilizado”, cuja eliminação se nos impõe, também.
Em face do exposto os pontos em análise passam a ter como redação:
“31. Para efetuar o registo antes referido, o prestador de atividade teve de inserir o seu documento de identificação ou passaporte, carta de condução e declaração de início de atividade como trabalhador independente, com o código ... (outros prestadores de serviços).
34. No decurso da criação de conta o prestador de atividade, como passo necessário para o completar, identificou qual o tipo de veículo a utilizar no exercício das suas funções.”
Pontos 32.º e 38.º, provados:
“32. No decurso do processo de inscrição, foi disponibilizado ao prestador de serviço uma sessão de informação/formação online prévia, na plataforma, com a duração de cerca de trinta minutos.
38. Na formação referida, o prestador é informado que tem acesso ao seguro Qover caso esteja a utilizar a plataforma – está coberto enquanto estiver online até uma hora após ficar offline.”
Quanto a estes pontos, para defender que devam transitar para não provados, a Recorrente refere que da prova testemunhal produzida resultou de forma clara e inequívoca que não “presta nem ministra formação aos estafetas” e que a qualificação, feita pelo o Tribunal, dos vídeos como formação online prévia é conclusiva e integra o thema decidendum. Socorrendo-nos, mais uma vez, do corpo das alegações, extrai-se o que aparenta serem passagens dos depoimentos de BB e AA, que se localizam no registo da gravação.
Constando das contra-alegações que “decorre de todos os depoimentos recolhidos que ao estafeta aquando do processo de inscrição era disponibilizado um vídeo de visualização facultativa e que davam informações sobre o funcionamento da plataforma”, no entanto, porém, mais uma vez, sem cumprimento do que se dispõe na alínea b) do n.º 2 do artigo 640.º do CPC – “indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes”.
Ora, e desde logo, resultando da prova que são efetivamente disponibilizados vídeos sobre o funcionamento da plataforma, vídeos esses também referenciados na prova produzida, assim inclusivamente a indicada pela Recorrente no presente recurso, no entanto, porém, sequer resulta que seja obrigatória a respetiva visualização (vejam-se depoimentos de BB e AA, nas passagens indicadas nas alegações), do que decorre, salvo o devido respeito, até porque aí se envolve já um juízo ou conclusão, que se trate de “uma sessão de informação/formação online prévia, na plataforma, com a duração de cerca de trinta minutos”. Sendo o mesmo de aplicar quando se fez constar do ponto 38.º “na formação referida”, no entanto, porém, quando à informação de que tem acesso ao seguro Qover caso esteja a utilizar a plataforma – está coberto enquanto estiver online até uma hora após ficar offline”, essa consta, afinal, de modo expresso, tal como se extrai do documento junto com a petição inicial:
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Assim, os pontos 32.º e 38.º são alterados, passando a ter a redação seguinte:
“32. No decurso do processo de inscrição, foi disponibilizada ao prestador de serviço a possibilidade de visualizar vídeo sobre o funcionamento da plataforma.”
“38. O prestador é informado que tem acesso ao seguro E... caso esteja a utilizar a plataforma – está coberto enquanto estiver online até uma hora após ficar offline.”
Ponto 33.º, provado:
33. O prestador de serviço, no seu processo de registo, escolheu a cidade de São João da Madeira, tendo ficado a desenvolver a sua atividade na localidade selecionada, mas cuja área de abrangência é definida pela plataforma (neste caso, concelhos de Oliveira de Azeméis, São João da Madeira e parte de Santa Maria da Feira), não podendo ir para outra zona.
Defende a Recorrente que este ponto deve ser considerado parcialmente como não provado, passando a ter a seguinte redação: “33. O prestador de serviço, no seu processo de registo, escolheu a cidade de São João da Madeira, tendo ficado a desenvolver a sua atividade na localidade selecionada, mas cuja área de abrangência é definida pela plataforma (neste caso, concelhos de Oliveira de Azeméis, São João da Madeira e Santa Maria da Feira), podendo prestar serviços com a aplicação gerida pela Recorrente em zona diferente, devendo comunicar à Recorrente a alteração de zona”.
Socorrendo-nos ainda do corpo das alegações, sustenta que “as testemunhas esclareceram que os prestadores de atividade é que escolheram a área onde prestam serviços e que podiam alterar a área onde prestavam atividade, por decisão do respetivo prestador de atividade”, transcrevendo passagens (que localiza no registo de gravação), dos depoimentos de BB, AA e CC.
Nas contra-alegações, no sentido da manutenção do julgado, faz-se apelo ao que se diz resultar do depoimento de AA (sem que, mais uma vez, se localize qualquer passagem), como ainda, neste caso para se sustentar que o pedido de alteração carecia sempre de uma autorização da Ré, o que resultará do depoimento de “BB, gestor de operações da A..., gravado no sistema HabilusMediaStudio, sessão do dia 15.07.2024, minuto 01h17m16s)”.
Apreciando, na consideração da prova produzida, assim a expressamente indicada, desde já se dirá que nessa obtém, sem dúvidas, adequado suporte, em termos de formação da convicção, a redação que é avançada pela Recorrente para o ponto aqui em análise.
Em face do exposto, sem necessidade de outras considerações, o analisado ponto passa a ter a seguinte redação:
“33. O prestador de serviço, no seu processo de registo, escolheu a cidade de São João da Madeira, tendo ficado a desenvolver a sua atividade na localidade selecionada, mas cuja área de abrangência é definida pela plataforma (neste caso, concelhos de Oliveira de Azeméis, São João da Madeira e Santa Maria da Feira), podendo prestar serviços com a aplicação gerida pela Recorrente em zona diferente, depois de comunicar à Ré a alteração de zona”.
Ponto 36.º, provado:
“36. O estafeta está abrangido por seguro de responsabilidade civil contratado e disponibilizado pela plataforma, titulado pela seguradora C..., devendo, em caso de sinistro, reportar tal facto na plataforma da A..., na área dos sinistros.”
Defende a Recorrente que este ponto deve ser alterado, passando a ter como redação: “36. O estafeta pagava uma taxa de utilização da plataforma de 1,85€ por quinzena, que incluía o acesso e a cobertura de seguro de responsabilidade civil contratado pela plataforma, titulado pela seguradora C..., podendo, em caso de sinistro, reportar tal facto à Seguradora”.
Para além do que resulta do ponto 39.º provado (“O custo destes seguros é coberto pela taxa quinzenal de 1,85€ pago pelo prestador de atividade”), indica, em termos de prova, socorrendo-nos também do corpo das alegações, o que resulta dos documentos juntos com a petição inicial, bem como dos depoimentos das testemunhas BB e AA (transcrevendo passagens, que localiza).
Defende o Ministério Público, nas contra-alegações, a manutenção do julgado.
Cumprindo-nos pronúncia, tem razão o Ministério Público quando refere que a própria Recorrente confirma que o estafeta está abrangido por seguro de responsabilidade civil contratado e disponibilizado pela plataforma, titulado pela seguradora C..., tratando-se de questão diversa, a de saber quem assegura o pagamento inerente, sendo a isso que se responde, não no facto 36.º que agora se reanalisa, e sim no ponto 39.º.
Do exposto resulta ser de manter a primeira parte do ponto, assim que O estafeta está abrangido por seguro de responsabilidade civil contratado e disponibilizado pela plataforma, titulado pela seguradora C....
Porém, já quanto à parte final, atendendo à prova, assim a indicada pela Recorrente, resulta que, em caso de sinistro, o reporte pode ser feito à Seguradora, como defende a Recorrente.
Pelo exposto, este ponto passa a ter como redação:
“36. O estafeta está abrangido por seguro de responsabilidade civil contratado e disponibilizado pela plataforma, titulado pela seguradora C..., devendo, em caso de sinistro, reportar tal facto à Seguradora.”
Ponto 43.º, provado:
“43. O estafeta, neste caso, AA, não celebrou qualquer contrato comercial com os estabelecimentos aderentes da plataforma nem com os clientes finais.”
Defende a Recorrente que este ponto deve ser considerado como não provado, porque resulta da prova testemunhal e documental (“nomeadamente dos termos e condições, assim como da primeira parte do ponto 30 dos Factos Provados”), que os beneficiários da atividade do utilizador estafeta são o utilizador cliente e o utilizador estabelecimento comercial.
Defendendo o Ministério Público, por sua vez, a manutenção do julgado, chamando à aplicação o regime que antes enunciámos a propósito do que são factos e da exclusão de menções meramente conclusivas e valorativas que envolvem mesmo a aplicação do direito, consideramos que o conteúdo do ponto em análise aí se insere, pois que contêm apenas uma afirmação de que não celebrou qualquer “contrato comercial” com os estabelecimentos aderentes da plataforma nem com os clientes finais, sendo que, salvo o devido respeito, se assim será ou não é já juízo que envolve já a consideração, mediante mesmo a aplicação da lei, dos factos concretos provados (que de resto constam de outros pontos da matéria de facto).
Elimina-se, em face do exposto, este ponto da matéria de facto.
Pontos 47.º e 53.º, provados:
“47. Após a aceitação do pedido, quer a plataforma quer o cliente final passam a conhecer, em tempo real, a sua localização devido à geolocalização existente na App, fazendo a ré, através da plataforma, a partilha desses dados com o cliente final;
53. A Ré, através da plataforma, determina que o prestador tem de ativar o “permitir sempre a localização”.
Refere a Ré que estes pontos estão em contradição “com os pontos 74, 83 e 85 da matéria de facto provada, pois se após a aceitação do serviço por parte do utilizador estafeta, que é livre de o recusar, o mesmo pode desligar a geolocalização, é imperativo concluir que, após a aceitação do pedido, tanto a plataforma como cliente final, podem não saber onde é que o estafeta se posiciona, nem o itinerário que o mesmo efetua em direção ao ponto de recolha e ao ponto de entrega” – “vale por dizer, (…) não efetua qualquer espécie de controlo sobre o prestador de atividade, resultando expressamente do documento junto pelo Autor na página 159 de 229”, “que o prestador de atividade, mesmo com a aplicação offline consegue executar o serviço”; “não se provou que o estafeta, enquanto está a exercer a sua atividade, tenha que ter a sua geolocalização permanentemente ativa e que, para o efeito, tenham instruções da ré para ativar a opção “permitir sempre a localização”; não se provou que o tempo de entrega dos pedidos e o percurso efetuado pelos estafetas seja controlado pela ré, em tempo real, através da sua plataforma; provou-se, pelo contrário que a geolocalização ativa mas apenas quando o pedido é efetuado e aceite, sendo que após a aceitação pode ser objeto de desativação”.
Defende que o ponto 53.º deve ser considerado não provado e o ponto 47.º deverá passar a ter a seguinte redação: “47. Após a aceitação do pedido, o prestador de atividade pode desligar a geolocalização, podendo concluir o serviço de entrega com a geolocalização desligada. Se o prestador de atividade quiser, pode ligar a geolocalização e, nesse caso, quer a plataforma quer o cliente final passam a conhecer, em tempo real, a sua localização devido à geolocalização existente na App, fazendo a ré, através da plataforma, a partilha desses dados com o utilizador cliente”.
Nas contra-alegações, defendendo o julgado, sustenta o Ministério Público: nenhum destes factos está em contradição com o facto 77 (o 47 refere-se à circunstância de quer a plataforma que o cliente final conhecerem em tempo real a localização do estafeta quando tem a geolocalização ativada e o 53 que a Ré determina que o prestador tem de ativar o “permitir sempre a localização”, enquanto o 77 que é possível executar a entrega sem a geolocalização ativada – ou seja, embora seja possível executar a entrega sem a geolocalização ativada, a Ré impõe ao prestador a sua ativação tal como se considerou provado em 47 e 53, o que decorre não só de todo o sistema estar construído no pressuposto dessa geolocalização como, de facto, o próprio sistema quando a geolocalização está desligada (por acto voluntário do estafeta ou falha do serviço), apresenta ao estafeta uma mensagem de erro ordenando-lhe que o mesmo a active: tal como provado em 77): “Ups! Ativar o serviço de localização” e decorre do vídeo junto pela própria ré aos autos); não se encontram ainda estes factos em contradição com o facto 88): a circunstância de a Ré não impor uma rota e o estafeta poder optar pelo percurso que entende até ao destino, não significa que a Ré, com o sistema de geolocalização activo, não saiba onde o estafeta se encontre, mesmo que não siga a rota indicada.
Apreciando, a propósito do ponto 47.º, apenas se nos afigura ser de compatibilizá-lo com o que resulta do ponto 74.º não impugnado no presente recurso (“É possível executar a entrega sem a geolocalização ativada, emitindo a aplicação um aviso com a seguinte mensagem: «Ups! Ativar o serviço de localização»; e tendo o estafeta de recorrer a outros meios, diferentes dos normalmente usados para assinalar a chegada ao estabelecimento e a conclusão da entrega para poder receber o seu pagamento e obter novos pedidos”), razão pela qual o mesmo passará a ter como redação: “47. Após a aceitação do pedido, se estiver ligado à geolocalização existente na App, quer a plataforma quer o cliente final passam a conhecer, em tempo real, a sua localização, fazendo a ré, através da plataforma, a partilha desses dados com o cliente final”.
Por sua vez, quanto ao ponto 53.º, a factualidade que lhe está subjacente já consta do ponto 74.º que antes se mencionou, sendo que a questão de saber se tal traduz ou não determinação da Ré já se assume como juízo meramente conclusivo e valorativo, incluindo, estando afinal em causa na ação a qualificação da relação como laboral ou não, a aplicação do direito.
Em face do exposto, eliminando-se o ponto 53.º, o ponto 47.º passa a ter como redação:
47. Após a aceitação do pedido, se estiver ligado à geolocalização existente na App, quer a plataforma quer o cliente final passam a conhecer, em tempo real, a sua localização, fazendo a ré, através da plataforma, a partilha desses dados com o cliente final”.
Ponto 49.º, provado:
“49. O estafeta quando chegava ao ponto de recolha devia ativar na app o botão “cheguei” para que o parceiro fique a saber que este está no ponto de recolha e lhe fosse entregue o pedido.”
Defendendo que reste ponto deve passar a ter outra redação – “O estafeta quando chegava ao ponto de recolha podia, querendo, ativar na app o botão “cheguei” para que o parceiro fique a saber que está no ponto de recolha e lhe fosse entregue o pedido. Se o estafeta não ativasse o botão cheguei, não tinha qualquer consequência.” –, invoca a Ré, para o efeito, que tal resulta do Parecer do INESC-ID junto aos autos, o qual em nenhum momento foi contraditado, assim, que apesar de os estafetas poderem marcar na aplicação que já chegaram ao estabelecimento e que já recolheram a encomenda – para poderem confirmar a qualidade do serviço prestado –, por exemplo, não têm qualquer penalização ou advertência se o não fizerem, sendo livres de o fazer ou não.
Contrapõe o Ministério Público que não está em causa neste ponto nem que o estafeta não pode comunicar a realização do serviço de outro modo que não através do botão “cheguei”, como não se afirma que se não o fizerem desse modo, mas por contacto com o call center têm alguma penalização, constando antes, apenas, aquilo que o estafeta deveria efetuar quando chegava ao ponto de recolha, o que diz ser inegável pois que é o que resulta das informações, ou seja, que o modo usual e que deveria ser cumprido era esse, embora, excecionalmente, nomeadamente, quando o sistema de geolocalização estava desligado podia acionar a entrega de outro modo.
Apreciando, a redação que deve ser dada a este ponto tem na sua base a mesma ordem de razões que mencionámos no ponto 47.º, analisado anteriormente, ou seja, importa ressalvar, como aí, que o estafeta esteja ligado à geolocalização existente na App – situação em que, como consta também desse ponto, “quer a plataforma quer o cliente final passam a conhecer, em tempo real, a sua localização, fazendo a ré, através da plataforma, a partilha desses dados com o cliente final” –, sendo que, então, quando chegasse ao ponto de recolha devia ativar na app o botão “cheguei” para que o parceiro ficasse a saber que este está no ponto de recolha e lhe fosse entregue o pedido. De resto, a respeito da parte final oferecida pela Recorrente para o ponto em análise – “se o estafeta não ativasse o botão cheguei, não tinha qualquer consequência” – importa ter presente o que já consta do ponto 74.º, o que afasta a justificação dada para que conste a referência, de resto genérica, de que não tem consequências.
Em face do exposto, este ponto passa a ter como redação:
“49. Se estivesse ligado o sistema de geolocalização existente na App, o estafeta quando chegava ao ponto de recolha devia ativar na app o botão “cheguei” para que o parceiro fique a saber que este está no ponto de recolha e lhe fosse entregue o pedido.”
Pontos 57.º e 65.º, provados:
“57. O prestador de atividade em causa nos autos fica disponível durante vários períodos do dia (por exemplo durante o período do almoço e do jantar) e durante vários dias da semana.”
“65. Desde então e até à presente data, o referido DD vem exercendo as funções de estafeta efetuando distribuição e entrega de produtos alimentares adquiridos por terceiros por meio da plataforma eletrónica da A..., o que fez de forma ininterrupta, apresentando-se aos comerciantes e clientes como estafeta da ré, quase todos os dias, durante 4/5 horas por dia, prestando a sua atividade nas áreas dos concelhos de São João da Madeira, Oliveira de Azeméis e parte de Santa Maria da Feira.”
Sustenta a Recorrente que estes pontos devem considerar-se não provados, para o que invoca: que inexiste qualquer prova produzida nos autos que sustente a factualidade dos referidos pontos, que, diz, é também contraditada pelo ponto 55 dos Factos Provados; que o ponto 65 “é contraditório em si mesmo e com factualidade considerada provada na sentença, nomeadamente os pontos 72, 73, 82 e 88, de onde resulta que o estafeta não se apresenta como “estafeta da A...”, pois não é obrigado a ter qualquer elemento identificativo e/ou distintivo”; não resultou provado que efetuasse distribuição e entrega de produtos alimentares adquiridos por terceiros por meio da plataforma eletrónica da A..., tanto mais que, o Tribunal a quo considerou provado que os utilizadores clientes podem solicitar serviços de entrega aos estafetas sem fazer qualquer aquisição a estabelecimentos, e se o fizerem, não estão restringidos a produtos alimentares; não resultou provado que o estafeta realizasse atividade de estafeta, de forma ininterrupta, cerca de 4/5 horas por dia, antes pelo contrário, a que acresce que tal facto não foi alegado na petição inicial, e nem sequer foi dada oportunidade para a Recorrente fazer prova, nomeadamente documental, que facilmente infirmaria tamanha conclusão infundada; consta da própria motivação da sentença que o prestador da atividade referiu que “trabalha a tempo inteiro como vigilante e, por isso, faz os horários em que não está a trabalhar como vigilante, com regularidade, quase todos os dias, 4/5 horas por dia”.
Socorrendo-nos do corpo das alegações, indica, localizando no registo da gravação, o que diz resultar das declarações prestadas por AA.
Nas contra-alegações, para defender-se o julgado, refere-se que “a prova decorre do depoimento do estafeta que descreveu a periodicidade com que se ligava à plataforma para prestar atividade: por norma trabalhava os dias da semana, no mínimo 4 a 5 horas por dia após ou antes do seu trabalho por conta de outrem conforme o turno em que trabalhe (depoimento de AA, gravado no sistema HabilusMediaStudio, sessão do dia 21.06.2024, minuto 37m20s).”
Apreciando, diremos o seguinte:
No que se refere ao ponto 57.º, a redação apresenta-se como claramente genérica, quer porque não se alude para que efeitos se traduz a disponibilidade que aí se afirma, quer, ainda, do mesmo modo, a respeito dos “vários períodos do dia”, apesar da exemplificação que se faz (“por exemplo durante o período do almoço e do jantar”), quer, por último, ao dizer-se no final “e durante vários dias da semana”, sem se referir quais. No entanto, porque o ponto 65.º se reporta, afinal, à mesma matéria, ponto esse que é também aqui objeto do recurso, eliminando-se o ponto 57.º, dada a sua natureza, a existir qualquer factualidade que importe atender, será neste último considerada, o que veremos de seguida.
Ora, já na análise do ponto 65.º, extraindo-se que a referência “desde então” está diretamente ligada ao que consta do ponto anterior (64.º: “Em 3 de outubro de 2023 a Ré aceitou o registo e início do serviço de AA, após inscrição do mesmo na referida app, para exercer as funções de estafeta, mediante o pagamento de contrapartida de natureza monetária, paga com periodicidade quinzenal nos termos já referidos.”), importando também ter presente que, afinal, como resulta do ponto 12.º provado (não impugnado no presente recurso), a visita inspetiva, a que neste se alude, por inspetor da Autoridade para as Condições do Trabalho, ocorreu no dia 6.10.2023, pelas 12h30m (“conforme verificado por inspetor da Autoridade para as Condições do Trabalho, AA encontrava-se no restaurante B... situado na Avenida ... em São João da Madeira a prestar a sua atividade de estafeta”), ou seja apenas três dias após o registo, a que acresce, vista a petição inicial, que dessa resulta, a respeito do período em que seria desenvolvida a atividade, o que consta do artigo 78.º – com a seguinte redação: “Desde então e até à presente data, o referido AA vem exercendo as suas ditas funções de estafeta efetuando distribuição e entrega de produtos alimentares adquiridos por terceiros por meio da plataforma eletrónica da A..., o que fez de forma ininterrupta, integrado na estrutura empresarial da R.” (mas relacionado com os artigos anteriores: “75.º De facto, em 03 de Outubro de 2023 a Ré admitiu ao seu serviço AA, após inscrição do mesmo na referida app, 75.º Para, desde essa data, sob as suas ordens, direção e fiscalização. 76.º Exercer as funções de estafeta, 77.º Mediante o pagamento de contrapartida de natureza monetária, paga com periodicidade quinzenal.”) –, daí decorre, então, ao referir-se “desde então até à presente data”, que o período que estará em causa será o que decorreu entre 3 de outubro de 2023 e a data da entrada da petição inicial, sendo que, ouvido o depoimento de AA (retificando-se a referência o nome “DD” que só se compreende por lapso manifesto, pois que se tratará claramente do referido AA), extrai-se que o mesma se referirá a todo o período que teria decorrido até ao momento em que prestou depoimento em audiência, circunstância essa que dificulta, diga-se, a nossa perceção quanto ao que teria ocorrido apenas naquele período.
Não obstante, em face do referido depoimento, esclarecendo-se que não se pode propriamente dizer, como o faz a Recorrente, quanto a ter-se dado como provado “cerca de 4/5 horas por dia”, que se trate de matéria não alegada em relação à qual não teria sido dada a oportunidade de exercer o contraditório – se foi alegado ininterruptamente, tratando-se do mais, nada impede que a resposta se fixe no menos, no caso a limitação a 4/5 horas –, nada se retirando a respeito de que se apresentasse ou não “aos comerciantes e clientes como estafeta da ré”, extrai-se, porém, que, efetivamente, o mesmo referiu expressamente que exerceria a atividade em horário pós-laboral (por ser segurança e trabalhar por turnos), quase todos os dias, em regra 4/5 horas no mínimo (minutos 37/38), razão pela qual, por dar adequado suporte à nossa convicção nesse sentido, o ponto 65.º deve ter redação em conformidade.
Nestes termos, eliminando-se o ponto 57.º, o ponto 65.º passa a ter a seguinte redação:
“65. Desde então e até à presente data, quando utiliza plataforma eletrónica da A..., AA vem exercendo as funções de estafeta efetuando distribuição e entrega de produtos alimentares adquiridos por terceiros por meio daquela plataforma, o que fez quase todos os dias, durante 4/5 horas por dia, prestando a sua atividade nas áreas dos concelhos de São João da Madeira, Oliveira de Azeméis e parte de Santa Maria da Feira.”
Ponto 63.º, provado:
63. O referido AA, no dia, hora e local acima referidos encontrava-se sujeito ao regime e regras acima indicadas na sua atividade como estafeta.
Assiste razão à Recorrente quando sustenta que o teor deste ponto se assume como puramente conclusivo / valorativo, de resto envolvendo a aplicação do direito quanto se alude a sujeição a regime e regras, sem qualquer concretização em termos factuais em que essas residiriam, razão pela qual, sem necessidade de outras considerações, se elimina também este ponto.
Ponto 64.º, provado:
64. Em 3 de outubro de 2023 a Ré aceitou o registo e início do serviço de AA, após inscrição do mesmo na referida app, para exercer as funções de estafeta, mediante o pagamento de contrapartida de natureza monetária, paga com periodicidade quinzenal nos termos já referidos.
Defende a Recorrente que: ao contrário do que é referido, não aceita nem deixa de aceitar o “início do serviço” de estafeta, sendo esse livre de prestar a atividade de estafeta com a aplicação que desejar ou diretamente para estabelecimentos, conforme resulta dos pontos 69 e 88 dos factos provados; resulta ainda dos pontos 17, 77, 78, 79, 82, 85, 87 e 88 da matéria de facto provada factualidade que infirma o que consta deste ponto –daqueles resulta: que os prestadores de atividade têm liberdade para definir onde, como, quando e a quem é que pretendem prestar serviços de entregas propostas através da aplicação gerida pela Recorrente, bem como quais os itinerários a efetua; que é o prestador da atividade que define o tempo em que se pretende manter ligado e consequente o número de pedidos que recebe, bem como em aceitar aqueles que lhe apresentem o preço desejado ou rejeitar aqueles que não lhe interessem; que é o prestador da atividade que escolhe o local em que se pretende ligar para receber pedidos de entrega, o que influencia, naturalmente, os quilómetros a percorrer pelo próprio e, influenciará, a decisão do próprio em efetuar determinadas distâncias e/ou para determinadas zonas –, sendo que, acrescenta, o facto de o prestador de atividade não poder apresentar uma contraproposta através da aplicação não significa que seja ela Recorrente a fixar a retribuição, pois o estafeta é livre de não prestar esse serviço.
Socorrendo-nos do corpo das alegações, transcreve, localizando-as no registo da gravação, o que se percebe serem passagens dos depoimentos de BB e AA
Conclui que este ponto deve ser considerado como não provado ou, caso assim não se entenda, passar a ter a seguinte redação: “64. Em 3 de outubro de 2023 a Ré aceitou o registo de AA, após inscrição do mesmo na referida app, enquanto utilizador estafeta, para oferecer os seus serviços de estafeta, mediante o pagamento de contrapartida de natureza monetária, paga, com periodicidade quinzenal nos termos já referidos, na eventualidade de ter efetivamente prestado serviços”.
Apreciando, podendo dizer-se que nada obsta, em termos de facto, que conste que “em 3 de outubro de 2023 a Ré aceitou o registo e início do serviço de AA, após inscrição do mesmo na referida app”, o que aliás não é contrariado pela Recorrente e resulta sem dúvidas da prova, assim desde logo a indicada, já, porém, na parte em que consta, de seguida, “para exercer as funções de estafeta, mediante o pagamento de contrapartida de natureza monetária, paga com periodicidade quinzenal”, estamos perante expressões conclusivas e valorativas, que envolvem aliás a aplicação do direito, quanto à questão fulcral na ação, assim a qualificação da relação como laboral ou não. De resto, mesmo por reporte na prova produzida, só alguma dificuldade, e ainda assim com envolvência de critérios também de direito, se poderia falar de aceitação da Ré, com a redação que consta do ponto.
Em face do exposto, este ponto passa a ter como redação:
“64. Em 3 de outubro de 2023 a Ré aceitou o registo e início do serviço de AA como estafeta, após inscrição do mesmo na referida app.”
Pontos 50.º e 89.º, provados:
50. Pelo menos até fevereiro de 2024, existiam avaliações facultativas dos clientes que incidiam sobre a atividade do estafeta e, até pelo menos, maio de 2023, a plataforma atribuía uma notação numérica, até 5, a cada estafeta, incluído o que está em causa nestes autos.
89. Em maio de 2023, a ré introduziu alterações nos termos contratuais e no funcionamento da sua aplicação, através da qual os estafetas operam, abrangendo designadamente os seguintes aspetos:
1)- eliminação da exigência da indicação pelos estafetas, duas vezes por semana, de slots de horário previamente definidos pela plataforma;
2)- eliminação da avaliação do cliente que determinam a atribuição ao estafeta de uma nota quantitativa, entre 0 e 5, que define a prioridade dos estafetas nas escolhas dos slots de horário;
3)-eliminação da atribuição a um certo número de recusas de entregas na consequência de perda de slots de horário em causa e, eventualmente, do seguinte com abertura de vagas nesses horários para outros estafetas;
4)- introdução de um multiplicador entre 0,9 e 1,1 a aplicar à retribuição da entrega, escolhida uma vez por dia pelo estafeta que, em outubro/novembro de 2023 passou para o intervalo entre 1 e 1.1.
Defende a Recorrente que o ponto 50 deve ser considerado não provado e o ponto 89 deverá ser considerado parcialmente não provado e passar a ter como redação:
89. Em maio de 2023, a ré introduziu alterações nos termos contratuais e no funcionamento da sua aplicação, através da qual os estafetas operam, sem aplicação para o interveniente acidental que só se registou na aplicação em 03.10.2023, abrangendo designadamente os seguintes aspetos: 1)- eliminação da exigência da indicação pelos estafetas, duas vezes por semana, de slots de horário previamente disponibilizadas pela plataforma; 2)- eliminação da avaliação do cliente que determinam a atribuição ao estafeta de uma nota quantitativa, entre 0 e 5, que define a prioridade dos estafetas nas escolhas dos slots de horas; 3)- eliminação da atribuição a um certo número de recusas de entregas na consequência de perda de slots de horário em causa, com abertura de vagas nesses horários para outros estafetas.
Para o efeito argumenta o seguinte: não resulta da matéria alegada na petição inicial qualquer factualidade relativa ao período de atividade do prestador anterior à entrada em vigor do artigo 12.º-A do Código do Trabalho, pelo que, diz, não exerceu, na contestação, o direito ao contraditório relativamente a tal factualidade; sem prejuízo, conforme resulta do ponto 64 dos factos provados, o interveniente acidental registou-se na sua aplicação em 03.10.2023, logo, toda e qualquer factualidade relativa a um período anterior, torna-se irrelevante; do mesmo modo, não pode ser considerado provado, porque, se como diz o Tribunal a Recorrente atribuía notação numérica aos estafetas até maio de 2023, e constatando-se que o estafeta só iniciou atividade em 03.10.2023, resulta infirmado que tivesse tido qualquer notação numérica.
Socorrendo-nos do corpo das alegações, transcreve, localizando-as no registo da gravação, o que se percebe ser passagem do depoimento de BB, bem como o teor do documento n.º 5 junto ao seu requerimento de 04.06.2023.
Contrapõe-se nas contra-alegações que: após produção de prova, como consta expressamente na ata de audiência de 15.07.2024, foi aditada a matéria que consta do ponto 89.º, tendo tido a Ré oportunidade de exercer o seu direito ao contraditório, tendo tido possibilidade de exercer esse contraditório durante a produção de prova; a prova desse facto decorre do depoimento do estafeta AA (“minuto 33m10s”) relativamente às avaliações dos clientes, e do depoimento de BB (“minuto 31m40s”, “29m08s”.
Apreciando, desde já diremos que, como refere o Ministério Público, não assiste fundamento para a invocação da Recorrente de que não teria tido a oportunidade de exercer o contraditório.
Não obstante, já lhe assiste razão quando sustenta que, tendo-se o prestador de atividade registado apenas na aplicação em 03.10.2023, daí resulta evidente, no que se refere à presente ação, ser irrelevante qualquer factualidade relativa a um período anterior, que com aquele prestador não tenha qualquer ligação, em que se insere, desde logo, se como consta era atribuída notação numérica aos estafetas até maio de 2023, então, constatando-se que o prestador que aqui está em causa só iniciou atividade na data referida, a necessária infirmação que pudesse ter tido qualquer notação numérica – daí decorrendo, pois, ser de eliminar a parte final do ponto 50.º, assim quando consta “até pelo menos, maio de 2023, a plataforma atribuía uma notação numérica, até 5, a cada estafeta, incluído o que está em causa nestes autos”, mantendo-se no entanto no mais, por não existir, nessa parte, fundamento, incluindo com base na prova indicada, para ser infirmado.
Pela mesma ordem de razões, também se nos impõe eliminar o que consta dos números 1 a 3 do ponto 89.º, pois que, constando desses, afinal, que as alterações que aí se alude se traduziram na eliminação do que aí se diz, então, por decorrência direta, não se verificou durante o período em que o prestador da atividade esta exerceu. Por sua vez, agora sobre o número 4 desse ponto, tal como o defende a Recorrente, deve ser eliminado, desde logo, como fator determinante, porque, atendendo ainda à data da inscrição do prestador da atividade, é contrariado diretamente pelo que se fez constar do ponto 17.º provado, não impugnado no presente recurso – “(…) uma componente variável designada por “multiplicador” cujo valor é definido pelo próprio e, o altera, entre os quocientes 0,90 a 1,10 – limites mínimo e máximo pré-definidos pela plataforma”.
Em face do exposto, eliminando-se o ponto 89.º, o ponto 50.º passa a ter a seguinte redação:
“50. Pelo menos até fevereiro de 2024, existiam avaliações facultativas dos clientes que incidiam sobre a atividade do estafeta.”
Ponto 86.º, provado:
86. O prestador de atividade recebe instruções, via plataforma, para se deslocar ao estabelecimento, para assinalar a chegada ao estabelecimento, carregando no botão “cheguei”, para se deslocar ao local de entrega e para assinalar a conclusão da entrega;
Invoca a Recorrente: inexiste qualquer descrição sobre como, quando e de que forma é que, supostamente, dará instruções ao prestador de atividade; da matéria de facto provada constam factos demonstrativos da inexistência do alegado controlo sobre a prestação de serviço dos estafetas, nomeadamente dos pontos 77,78 e 85; no parecer do INESC-ID, junto aos autos, resulta que “…nos testes efetuados, verificámos que a não confirmação da passagem pelas várias etapas, embora possa limitar a capacidade dos restantes intervenientes (parceiro e utilizador-estafeta) seguirem o desenrolar do serviço, não é impeditiva da realização do mesmo por parte do utilizador-estafeta”; apesar de os estafetas poderem marcar na aplicação que já chegaram ao estabelecimento e que já recolheram a encomenda – para poderem confirmar a qualidade do serviço prestado -, por exemplo, não têm qualquer penalização ou advertência se o não fizerem, sendo livres de o fazer ou não; inexiste qualquer tipo de “controlo de desempenho”, factualidade que foi confirmada nos depoimento da testemunha BB (cfr. depoimento gravado, disponível no Citius, de 00:15:51.5 a 00:16:42.2, de 01:12:00:3 a 01:12:24:8, de 00:23:34.7 a 00:25:47.7).
Assiste razão à Recorrente, desde logo quando refere que não resulta do ponto qualquer descrição sobre como, quando e de que forma é que seriam dadas as instruções, sendo que, esclareça-se, o conteúdo deste ponto é inegavelmente puramente genérico e conclusivo, incluindo com juízo valorativo, assim em face dos factos concretos que resultaram provados noutros pontos da factualidade.
Exclui-se, pois, também, este ponto da factualidade provada.
2. Dizendo o direito
2.1. Tendo por referência os argumentos que invoca nas conclusões apresentadas pela que antes se transcreveram e que não importa agora repetir, baseando-se também nas alterações por que pugnou em sede de impugnação da matéria de facto, afirmando que a sentença “viola o disposto nos artigos 12.º n.º 1 alíneas a), b) e c), 12.º-A n.º 1 alíneas a), c), d) e f), todos do Código do Trabalho, em relação à alegada verificação da presunção da existência de contrato de trabalho e artigo 11.º do Código do Trabalho, em relação ao alegado não afastamento da presunção”, conclui a Apelante, na procedência do recurso, pela revogação da sentença recorrida, substituindo-a por outra que, não reconhecendo a existência de contrato de trabalho com o prestador de atividade, a absolva do pedido.
Defende o Autor / Ministério Público, por sua vez, o julgado.
Resulta da sentença recorrida, na sua aplicação ao caso, para além do mais, o seguinte (transcrição[10]):
“Os artigos 12.º, n.º 1 e 12.º-A, n.º 1, do Código do Trabalho, determinam que se
têm de verificar algumas das caraterísticas ali elencadas, o que significa que não basta uma isolada, mas, na senda da evolução do artigo 12.º, do Código do Trabalho, e da interpretação a propósito desta norma, consideramos que é necessário o preenchimento de, pelo menos (mas apenas), duas dessas características presuntivas para que se possa afirmar a presunção de existência de um contrato de trabalho.
O artigo 12.º, n.º 1, do Código do Trabalho, estabelece que «Presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma actividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem algumas das seguintes características:
(…)
Das cinco características presuntivas da existência de um contrato de trabalho, olhando para a situação de um “estafeta” que opera através de uma plataforma digital, e considerando a factualidade provada, consideramos ser de afastar as características constantes das alíneas d) e e), pelo que importa centrar a nossa atenção nas características constantes das alíneas a), b) e c), sem prejuízo de se aceitar a dificuldade do seu preenchimento perfeito.
A primeira característica, constante da alínea a), refere-se ao local de trabalho em
sentido amplo (a atividade deve ser prestada em local pertencente ao beneficiário ou por ele determinado).
(…) No caso concreto, não há dúvida que a escolha de uma área de prestação de atividade é um passo necessário para o estafeta completar o seu processo de registo e, por isso, não se pode dizer que essa “escolha” significa que é o prestador de atividade quem está a definir a sua área de atuação. A liberdade do estafeta, prestador de atividade, nesta matéria, é exatamente igual à liberdade de quem concorre a um emprego. Para além disso, é necessário ter em conta que o estafeta escolheu a cidade de São João da Madeira, mas essa área é definida pela plataforma e abrange uma zona que é superior, em dimensão, À área da cidade escolhida, pois abrange o concelho de Oliveira de Azeméis e parte da área do concelho de Santa Maria da Feira. No entanto, o “estafeta” não escolheu prestar atividade nestes concelhos. Acresce que o prestador de atividade pode alterar ou mudar de área, mediante solicitação à plataforma, mas essa mudança exige um procedimento junto da plataforma e está condicionado à necessidade que a plataforma tiver de “estafetas” na cidade para onde o prestador de atividade quiser mudar. O que significa que não está na discricionariedade do estafeta alterar o local onde presta atividade, antes tem de se sujeitar às regras da plataforma. Para além disso, o que é determinante para a definição de um local de prestação de atividade, pela própria plataforma, é a indicação do ponto de recolha e do ponto de entrega. Nesta sede, o local de prestação de atividade do prestador de atividade em causa nos autos, não é muito diferente do local de prestação de atividade de um motorista de uma empresa de transportes a quem são definidos pontos de recolha e entrega de mercadorias e que passa a sua jornada laboral na estrada. Acresce que, embora de forma não total, resulta que a retribuição auferida depende também dos quilómetros que separam o ponto de recolha do ponto de entrega [uma componente variável resultante da conjugação das seguintes rubricas: €0,25 por cada km percorrido pelo estafeta desde o local de recolha do pedido (em regra restaurante, mas poderia ser qualquer outro tipo de produtos dos estabelecimentos aderentes da plataforma) até ao endereço de entrega do mesmo (os quilómetros percorridos são os definidos na rota dada pelo “google maps”)]. Assim, se a retribuição depende da distância entre o ponto de recolha ou levantamento e o ponto de entrega calculados pelos serviços de localização da própria ré, isso significa que o trajeto usado pela ré para esse cálculo, mesmo que não seja seguido pelo prestador de atividade, é o trajeto relevante e com efeitos jurídicos e, por conseguinte, em nosso entendimento, essa definição de um trajeto deve ser entendida como a determinação de um local de prestação de atividade.
Passando para a característica seguinte, a alínea b) estabelece como característica
presuntiva da existência de um contrato de trabalho a propriedade dos equipamentos e instrumentos de trabalho.
(…)
Logo, a aplicação informática é, em nosso entendimento, um instrumento de trabalho e é o único que é essencial, pois sem aplicação informática não existe sequer relação entre o “estafeta” e a plataforma digital e é o instrumento através do qual a plataforma organiza toda a atividade, incluindo a atividade do “estafeta”.
Esta conclusão no sentido da integração da característica constante da alínea b),
do artigo 12.º, n.º 1, do Código do Trabalho, implica igualmente o preenchimento da característica constante da alínea f), do artigo 12.º-A, n.º 1, do Código do Trabalho.
(…)
Em suma, consideramos que a aplicação informática é um instrumento de trabalho, é o instrumento de trabalho essencial, é certo que não transporta nenhuma mercadoria para lado nenhum, mas em segundos consegue substituir o prestador de atividade nesse transporte caso este fique privado do seu veículo em algum momento e, por conseguinte, consideramos que estão preenchidas as características elencadas no artigo 12.º, n.º 1, alínea b) e no artigo 12.º-A, n.º 1, alínea f), do Código do Trabalho.
Aqui chegados, importa dizer que, para além do preenchimento de duas aracterísticas constantes do artigo 12.º, n.º 1, do Código do Trabalho, bem como de uma das características previstas no artigo 12.º-A, n.º 1, mais precisamente a alínea f), do mesmo diploma, consideramos que é defensável o preenchimento de outras características constantes do artigo 12.º-A, n.º 1, do Código do Trabalho.
(…)
Consideramos que os factos provados permitem afirmar que a ré opera uma plataforma digital e, por isso, importa saber se, para além da alínea f) a que já fizemos referência, é possível defender o preenchimento de outras características.
(…)
Em nosso entendimento, os factos provados permitem afirmar o preenchimento das características constantes das alíneas a), c) e d).
(…)
2.2 Os fundamentos e critérios para afastamento da presunção de laboralidade.
O artigo 12.º, n.º 1, do Código do Trabalho, sempre foi entendido como uma presunção relativa, permitindo a afirmação de factos que afastem a presunção de laboralidade.
(…)
Mas então questiona-se quais os elementos que, de facto, devem ser relevantes?
Nesta sede consideramos que a presunção, sendo relativa, leva o julgador a perspetivar que, perante o seu preenchimento, deve haver possibilidade de afastamento e, por isso, não deve haver qualquer tipo de preconceito, seja no sentido da afirmação da existência de um contrato de trabalho, seja no sentido inverso, pois uma mesma atividade pode ser desempenhada sob a veste de diferentes vínculos.
(…)
Passando para os critérios que apontamos no sentido de, em nosso entendimento,
se afastar a presunção de laboralidade, consideramos que, olhando para a situação concreta, não podemos indicar quaisquer critérios a apontar no sentido de que o prestador de atividade exerce uma atividade verdadeiramente autónoma.
Ainda que o prestador de atividade exerça atividade através de outra plataforma,
em nosso entendimento, a mera possibilidade de exercício de atividade concorrente, por dispensa do cumprimento do dever de lealdade, na vertente da não concorrência, não é suficiente (repare-se que a exclusividade não é uma inerência do contrato de trabalho, ao contrário da não concorrência); mas se esta for efetiva, ou seja, se o “estafeta” exercer a mesma atividade diretamente para restaurantes ou através de outras plataformas, de forma simultânea e inclusivamente, aceitando propostas ao mesmo tempo para rentabilizar as viagens e os respetivos custos, maximizando as receitas obtidas com uma mesma viagem, ainda que parcialmente, designadamente por implicarem a recolha em local próximo (exemplo: num centro comercial) e entregas em locais em que pode aproveitar a viagem, consideramos que tal demonstra uma autonomia da atividade que se sobrepõe à subordinação jurídica, afastando a presunção de laboralidade.
Consideramos, no entanto, que perante uma situação de dispensa de cumprimento
da obrigação de não concorrência, corolário do dever de lealdade, não basta a execução de uma ou outra prestação de atividade para terceiros (relativamente à relação entre o “estafeta” e a plataforma). É necessário, no nosso entendimento, que o exercício dessa atividade concorrente surja de forma estruturada, coerente e organizada, para se distinguir de meras situações de pluriemprego consentidas pela plataforma digital.
Assim, parece-nos que a identificação das situações em que o exercício efetivo da concorrência indicia fortemente uma atividade autónoma e deve funcionar no sentido do afastamento da presunção de laboralidade, reconduz-se ao exercício da atividade de forma estruturalmente autónoma em que o recurso às plataformas digitais surge como um meio para obtenção e angariação de serviços e clientes e não propriamente para a obtenção de um trabalho ou emprego.
Em nosso entendimento, mesmo que se configurasse que o prestador de atividade
pudesse operar igualmente através de outra plataforma, o que nunca fez, não existem factos, até porque não foram alegados pela ré (para quem basta a mera dispensa de cumprimento do dever de lealdade na modalidade de obrigação de não concorrência) que apontem no sentido de que o prestador de atividade tem uma atividade autónoma estruturada de forma empresarial no sentido do exercício de efetiva concorrência. Na realidade, tudo indica que o prestador de atividade apenas recorre eventualmente a outras plataformas para ter trabalho suficiente que lhe forneçam trabalho e rendimentos semelhantes aos que obteria num trabalho subordinado.
Perante estes elementos consideramos que os factos, na sua globalidade, bem
como a consideração dos aspetos considerados, não apontam no sentido do afastamento da presunção de laboralidade e, por conseguinte, concluímos que a ação deve ser julgada procedente.”
2.2. Em face da citada fundamentação, desde já adiantamos que, com a natural salvaguarda do respeito devido, não acompanhamos a solução a que se chegou em 1.ª instância.
A questão a que somos chamados, em termos de apreciação, não tem obtido, como é aliás conhecido, resposta que possa ser tida como de algum modo uniforme por parte dos nossos tribunais, sendo antes evidente, pelo contrário, a existência de clara polémica, também ao nível jurisprudencial, com decisões em sentidos diversos, incluindo pelos Tribunais da Relação.
No que ao caso importa, em face da data do início da atividade, assim 3 de outubro de 2023 (ponto 64.º, provado), releva também a previsão do artigo 12º-A do Código do Trabalho.
Avançando-se então na análise, começaremos por relembrar o regime que temos considerado aplicável a propósito do artigo 12.º do CT, pois que, não obstante a aplicabilidade ao caso do artigo 12.º-A, sempre aquele importa ter presente.
Com o referido objetivo – como no recente Acórdão de 14 de outubro de 2024[11] e antes no Acórdão de 20 de março de 2022[12] – seguiremos de perto o que se afirmou no Acórdão de 23 de setembro de 2019[13], nos termos seguintes:
O CT/2009, assim o seu artigo 11.º, define contrato de trabalho como “aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas”.[14]’[15]
Como é em geral reconhecido, são elementos constitutivos da noção de contrato de trabalho, de acordo com a norma legal, a prestação de atividade, a retribuição e a subordinação jurídica.
Ora, sabendo-se que incumbe sobre quem pretenda ver reconhecida a existência de um contrato de um contrato de trabalho, de acordo com o regime que decorrente do n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil (CC), o ónus de alegar e provar os factos necessários ao preenchimento desses elementos constitutivos do contrato[16], o legislador, à semelhança de outros casos em que previu também a existência de presunções[17], estabeleceu, com o objetivo de facilitar essa tarefa, uma presunção legal, vulgarmente denominada de laboralidade, assim atualmente no artigo 12.º do CT/2009, do que resulta, tratando-se de presunção com assento na própria lei (ilação legal ou de direito) – ou seja, é a norma legal que, verificado certo facto, considera como provado um outro facto –, que quem a tiver a seu favor escusa de provar o facto a que a mesma conduz, sem prejuízo da possibilidade de poder ser ilidida mediante prova em contrário – presunção iuris tantum.
Pretendeu assim o legislador, até por reconhecer que a realidade nos demonstra que muitas vezes sob a capa de outras figuras contratuais se escondem verdadeiros contratos de trabalho, estabelecer no n.º 1 do artigo 12.º do CT/2009, facilitando a tarefa interpretativa, que se presumisse “a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma actividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem algumas das seguintes características: a) A actividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado; b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da actividade; c) O prestador de actividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma; d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de actividade, como contrapartida da mesma; e) O prestador de actividade desempenhe funções de direcção ou chefia na estrutura orgânica da empresa. (…)”.
Como tem sido repetidamente afirmado, seja na Doutrina seja na Jurisprudência, a existência ou não de subordinação jurídica do prestador da atividade tem sido tida como fator relevante no reconhecimento da existência de um contrato de trabalho. Recorrendo aos ensinamentos de Monteiro Fernandes[18], “no elenco de indícios de subordinação, é geralmente conferido ênfase particular aos que respeitam ao chamado «momento organizatório» da subordinação: a vinculação a horário de trabalho, a execução da prestação em local definido pelo empregador, a existência de controlo externo do modo de prestação, a obediência a ordens, a sujeição à disciplina da empresa (…). Acrescem, elementos relativos à modalidade de retribuição (em função do tempo, em regra), à propriedade dos instrumentos de trabalho e, em geral, à disponibilidade dos meios complementares da prestação. (…). Cada um destes elementos, tomado de per si, reveste-se de patente relatividade. O juízo a fazer, nos termos expostos, é ainda e sempre um juízo de globalidade, conduzindo a uma representação sintética de tessitura jurídica da situação concreta. Não existe nenhuma fórmula que pré-determine o doseamento necessário dos índices de subordinação, desde logo porque cada um desses índices pode assumir um valor significante muito diverso de caso para caso.”
Pronunciando-se sobre a aplicação do regime que resulta do citado artigo 12.º, escreveu-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de outubro de 2017[19] o seguinte:
“(…) Tratando-se dum regime legal insatisfatório para o trabalhador, o Código do Trabalho de 2009, em vigor desde 17/2/2009, veio alterá-lo de forma substancial, conforme se colhe do seu artigo 12.º, que sob a epígrafe “Presunção de contrato de trabalho”, estabelece que: (…)
Assim, a lei não exige agora a verificação de todos estes factos para que a presunção funcione, limitando-se a exigir a ocorrência de alguns deles, referência que tem sido entendida como exigindo a ocorrência mínima de duas destas circunstâncias.
E da prova destas duas realidades caracterizadoras da relação entre o prestador e o seu beneficiário, a lei faz decorrer um efeito jurídico específico - a existência dum contrato de trabalho, ou seja, de uma relação de trabalho subordinado entre as partes envolvidas naquela prestação de actividade.
Por isso, e tratando-se de uma presunção legal, tal como refere VAZ SERRA, “se tal inferência é feita pela própria lei (presunção legal), constitui um elemento desta, e o juiz não tem senão que a aplicar, uma vez verificada a existência da base da presunção, isto é, do facto conhecido; de sorte que a presunção legal não é propriamente um meio de prova, mas a atribuição legal de certa relevância a um facto” [[20]].
De qualquer maneira, tratando-se de uma presunção juris tantum, nada impede a parte contrária de a ilidir, demonstrando que, a despeito de se verificarem aquelas circunstâncias, as partes não celebraram qualquer contrato de trabalho, conforme advém do nº 2 do artigo 350º do CC.
Assim, cabendo-lhe este onus probandi, não sendo a presunção ilidida, o tribunal qualificará aquele contrato como um contrato de trabalho, gerador de uma relação de trabalho subordinado.
Podemos assim concluir que o actual regime do artigo 12º do CT/2009, representa uma verdadeira vantagem para o trabalhador, pois e conforme refere JOÃO LEAL AMADO, esta presunção representa uma simplificação do método indiciário tradicional, visto que, como ponto de partida, ela dispensa o intérprete de proceder a uma valoração global de todas as características pertinentes para a formulação de um juízo conclusivo sobre a subordinação»[[21]].”
Resulta assim do artigo 12.º do CT/2009 que se presume que as partes celebraram um contrato de trabalho desde que preenchidas, pelo menos, duas das cinco alíneas nesse previstas, prova essa cujo ónus impende, como se disse antes, sobre o autor, para fazer operar a aludida presunção, sendo que, se o fizer, impenderá então sobre a outra parte o ónus de provar que, apesar disso, não estamos perante um contrato de trabalho.
O regime que acabou de referir-se, no que se refere às situações em que esteja em causa, como é afinal o caso que se analisa, a verificação sobre se o contrato deve ser qualificado como de trabalho, é também sintetizado, mais uma vez, no recente Acórdão desta Relação e Secção de 7 de abril de 2025[22], dando-se ainda nota, numa perspetiva que aliás aborda as novas realidades, das dificuldades sentidas quando se escreveu o seguinte:
«(…) No dizer de Pedro Romano Martinez, em Direito do Trabalho, Almedina, 2006, págs. 294-295, “justificar-se-ia repensar o critério distintivo entre o contrato de trabalho, como trabalho subordinado, e as figuras afins, onde se inclui o designado trabalho autónomo; todavia, a superação deste critério passaria por uma nova perspectiva do contrato de trabalho. De iure condendo, no actual quadro legal, apesar de criticável, dever-se-á continuar a recorrer ao critério de distinção tradicional. No domínio contratual, por via do princípio da liberdade negocial, é conferida às partes autonomia para conformarem as suas relações contratuais; deste modo, o regime aplicável à actividade que uma pessoa presta a outra depende do acordo das partes. Contudo, tendo em conta o potencial desequilíbrio negocial entre aquele que se oferece para prestar uma actividade e o que pretende beneficiar dessa actividade, estabeleceram-se várias limitações à autonomia privada no contrato de trabalho. Relacionado com estas limitações, torna-se imperioso controlar a qualificação negocial, de molde a evitar que as partes se furtem à aplicação das regras imperativas em matéria laboral. Daí a necessidade de apreciar a licitude da opção das partes pelo trabalho autónomo.”
Ora, “Se teoricamente a distinção é nítida, na prática a destrinça entre estas duas figuras contratuais reveste-se, por vezes, de grande dificuldade, dado que em ambas existe uma alienação de trabalho, e ambas visam sempre um resultado, pois conforme reconhece Galvão Teles, todo o trabalho conduz a um resultado e este também não existe sem aquele” (acórdão do STJ de 31 de Janeiro de 2012, processo 121/04.0TTSNT.L1.S1, acessível em www.dgsi.pt). Veja-se igualmente Pedro Romano Martinez, ob. cit., pág. 296.
“Das definições legais apontadas resultam como elementos diferenciadores de tais contratos: a) Enquanto que no contrato de trabalho a prestação típica a que fica adstrita a pessoa contratada consiste em pôr à disposição do outro contraente a sua actividade intelectual ou manual, no contrato de prestação de serviços aquela obriga-se a proporcionar a esta certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual. b) No contrato de trabalho a pessoa contratada fica sujeita à autoridade e direcção do contratante, sendo normal dele receber ordens e instruções quanto ao modo, tempo e lugar da actividade a que se vinculou, nisto consistindo a subordinação jurídica, elemento essencial do contrato de trabalho; no contrato de prestação de serviço, a pessoa contratada não está sujeita a quaisquer ordens ou instruções do contratante, agindo com autonomia na prossecução do resultado a que se comprometeu. c) O contrato de trabalho é por natureza remunerado, enquanto que o de prestação de serviço poderá, ou não, sê-lo” (Acórdão desta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto de 21 de Maio de 2007, processo 5616/06.4, ao que se supõe, não publicado).
De qualquer forma, a distinção entre contrato de trabalho e contrato de prestação de serviços assenta em dois elementos essenciais: no objecto do contrato (prestação de actividade no primeiro; obtenção dum resultado no segundo); e no tipo de relacionamento entre as partes (subordinação jurídica no primeiro; autonomia no segundo).
“E assim sendo, se o prestador da actividade estiver sujeito à autoridade e direcção da pessoa servida, estaremos perante um contrato de trabalho. Mas se apenas estiver vinculado ao resultado da sua actividade, exercendo-a sem estar sujeito à autoridade da pessoa servida, estaremos perante um contrato de prestação de serviço, por ao credor apenas interessar o resultado final da actividade do devedor, que goza de total autonomia na forma de o alcançar. Donde resulta como critério verdadeiramente diferenciador das duas figuras contratuais a existência de subordinação jurídica no contrato de trabalho, enquanto no contrato de prestação de serviço o devedor apenas se responsabiliza perante o credor pelo resultado prometido, sendo inteiramente livre na forma como a ele chega (referido acórdão do STJ de 31 de Janeiro de 2012).
Tal subordinação jurídica caracterizadora do contrato de trabalho decorre precisamente do poder de direcção que a lei confere à entidade empregadora e a que corresponde um dever de obediência por parte do trabalhador.
Para Maria do Rosário Palma Ramalho, no Tratado de Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, 2012, pág. 54, “Quanto ao poder directivo, a sua grande diferença relativamente aos poderes ordenatórios, que se encontram noutros contratos envolvendo a prestação continuada de uma actividade produtiva, está no grau de eficácia das ordens e instruções do empregador, que decorre do facto de serem assistidas pelo poder disciplinar sancionatório – dito de outra forma, embora o mandante, dono da obra ou o dono do negocio tenham um poder instrutório sobre o mandatário, o empreiteiro ou o agente, respectivamente, o desrespeito das suas instruções apenas lhes permite recorrer aos meios comuns de cumprimento coercivo e de ressarcimento dos danos.”
Em consequência, costumam apontar-se como elementos adjuvantes da caracterização do contrato de trabalho, designadamente os seguintes:
- A natureza da actividade concretamente desenvolvida;
- O carácter duradouro da prestação – o contrato de trabalho é, em regra, de execução continuada;
- O regime da retribuição que é fixada por tempo: meses, semanas, dias ou horas;
- O carácter genérico da prestação ajustada;
- A propriedade dos instrumentos utilizados (em regra pertencentes ao empregador);
- A inexistência de colaboradores dependentes do trabalhador (em termos de subordinação jurídica e/ou económica);
- A incidência do risco da execução da actividade (que recai sobre o empregador);
Exclusividade da prestação da actividade por conta do empregador e consequente dependência da retribuição por este paga, a que se reporta a chamada «subordinação económica» (mencionado acórdão desta Secção Social de 21 de Maio de 2007).
É certo que cada um dos indícios apontados tem um valor relativo e, por isso, o juízo a fazer é sempre um juízo de globalidade, a ser formulado com base na totalidade dos elementos de informação disponíveis, a partir de uma maior ou menor correspondência com o conceito-tipo (António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 14ª edição, 2009, pág. 147, pág. 147).
Ou como se salienta no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de Maio de 2014, processo 517/10.9TTLSB.L1.S1, acessível em www.dgsi.pt, “Dadas as dificuldades sentidas no desenho de um conceito rígido e absoluto de “subordinação jurídica”, é sobretudo na operacionalização deste elemento contratual (máxime no que tange ao seu momento organizatório) que em regra se recorre ao método indiciário, com base numa “grelha” de tópicos ou índices de qualificação (elementos que exprimem pressupostos, consequências ou aspetos colaterais de certo tipo de vínculo contratual), relativamente aos quais há significativo consenso na doutrina e na jurisprudência, apesar de o seu elenco não ser rígido e de nenhum deles (isoladamente) assumir relevância decisiva, não sendo assim exigível que todos eles apontem no mesmo sentido.”
Esta dificuldade levou o legislador a estabelecer a presunção de laboralidade do contrato, no art. 12º, nº 1, do Código do Trabalho, desde que se verifiquem pelo menos duas das características enunciadas das suas diversas alíneas. Entende, porém, Pedro Romano Martinez, no Código do Trabalho Anotado, coord. do mesmo, 9ª edição, 2013, Coimbra: Almedina, pág. 138, “do preceito, em análise, contrariamente ao que se lê na epígrafe no respectivo texto, não resulta nenhuma presunção. Como sentido útil, tal como na versão anterior deste artigo, mas agora de forma mais limitada, retira-se que o legislador tem em consideração certos indícios para a existência de subordinação jurídica. Os indícios da subordinação jurídica são, assim: 1) dependência do prestador da atividade; 2) inserção na estrutura organizativa do beneficiário da atividade; 3) realização da atividade sob as ordens, direção e fiscalização do respectivo destinatário.”
O que significa que continua a incidir sobre recorrente o ónus de prova dos factos de onde se possa extrair a conclusão da verificação da subordinação jurídica na relação entre as partes resultante do contrato em causa, nos termos do art. 342º, nº 1, do Código Civil. (…)»
Como mais uma vez se salienta no mesmo Aresto, com relevância também para a situação que apreciamos, no caso da atividade prestada no âmbito de plataforma digital a dificuldade de distinção não esmorece, dando-se ainda nota, para o demonstrar, da divergência que se vem manifestando na Jurisprudência, assim, por um lado, aí tida como maioritária, a posição que nega o estatuto juslaboral à atividade dos estafetas que prestam a mesma no âmbito das plataformas digitais[23], mas também, por outros, em sentido contrário, a que entende que estaremos perante verdadeiros contratos de trabalho[24].
Evidenciando as dificuldades de delimitação do contrato de trabalho, face a figuras que lhe são próximas, que assume aqui particular acuidade, resulta do mesmo Acórdão, citando-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15 de Janeiro de 2025[25]: “O tempo e a evolução tecnológica têm feito surgir no tecido social novas formas de vinculação das partes cuja atracção a um modelo contratual já definido, designadamente ao contrato de trabalho, encerra sérias e fundadas dúvidas decorrentes da circunstância de, as mais das vezes, não estarem presentes certos indícios que tínhamos por certos aquando da qualificação de situações pretéritas e de outros surgirem de forma diluída ou difusa e, nessa medida, de difícil captação. Falamos, claro está, da actual prestação de actividade através ou com recurso a aplicações ou sítios de internet, disponibilizados através de plataformas digitais, na qual avultam, de sobremaneira, o carácter quase impessoal da relação jurídica que assim se estabelece e a ausência, por via de regra, de certos elementos a que tradicionalmente se recorria em ordem ao seu enquadramento – ou não – na figura do contrato de trabalho.”
2.3. Depois das considerações anteriores, importando então verificar se opera no caso a presunção de laboralidade a que antes nos referimos – pois que, entendendo-se na sentença recorrida que é este o caso (com o que concorda o Autor), de tal entendimento diverge a Ré –, importa esclarecer, em face dos argumentos avançados na sentença, que aliás apontam para antes dessa data, que no caso que se analisa a atividade iniciou-se apenas em 3 de outubro de 2023 e a visita inspetiva ocorreu apenas três dias depois, importando assim deixar claro que é apenas esta, e tão somente esta, que é objeto da presente ação, do que decorre serem desprovidas de real suporte parte substancial das considerações constantes da sentença que a tal não atenderam. De resto, precisamente em face da particularidade que antes assinalámos, ter-se-ia justificado, salvo o devido respeito, diversamente do que parece resultar da sentença, que a análise de cada caso, assim de cada uma das ações, não obstante se ter determinado que os julgamentos das várias ações ocorresse conjuntamente, se tivesse cingido aos factos que, caso a caso, se tivessem logrado provar com relevância efetiva para cada um dos prestadores da atividade – tal se sinaliza no presente caso pois que resulta evidente, nomeadamente e também da factualidade que se deu como provada, que constam factos anteriores ao registo e início da atividade que nada têm a ver com a situação concreta que é objeto da presente ação.
Não obstante, sempre diremos que, partindo do enquadramento antes delineado, que acompanhamos como se disse, diversamente do que se considerou na sentença, a factualidade provada, apesar das limitações que antes se mencionaram, sequer permite, na nossa ótica, ter sequer por preenchida a previsão das suas alíneas a), b) e c), do n.º 1, do artigo 12.º, como veremos de seguida.
Quanto à alínea a) – A actividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado –, sendo manifesto que não se pode afirmar que o local em que é realizada a atividade pertence à Ré, também não se pode concluir, do mesmo modo, assim em face da factualidade provada, que seja a Ré a determinar o local em que essa atividade é prestada, pois que, salvo o devido respeito, não se vê como possa desvalorizar-se o facto, provado, de ter sido afinal a prestador da atividade que, “no seu processo de registo, escolheu a cidade de São João da Madeira, tendo ficado a desenvolver a sua atividade na localidade selecionada, mas cuja área de abrangência é definida pela plataforma (neste caso, concelhos de Oliveira de Azeméis, São João da Madeira e Santa Maria da Feira), podendo prestar serviços com a aplicação gerida pela Recorrente em zona diferente, depois de comunicar à Ré a alteração de zona” (ponto 33.º, provado). Ou seja, ainda que seja a Ré a definir quais as zonas é que pode ser realizada a atividade, não foi ela, porém, quem determinou, dentro das possibilidades existentes e disponibilizadas, que AA a exercesse onde a veio a exercer, sendo que, pelo contrário, foi este quem essa escolheu – sem que também resulte da factualidade provada qualquer circunstância, imposta pela Ré, suscetível de sequer condicionar essa escolha, que, também como se provou, pode alterar (“podendo prestar serviços com a aplicação gerida pela Recorrente em zona diferente”), bastando que comunique à Ré essa alteração de zona. Ora, sendo a escolha de uma área de prestação de atividade um passo necessário para o estafeta completar o seu processo de registo, essa escolha significa que é o prestador de atividade quem está a definir a sua área de atuação enão a plataforma.
No mesmo sentido – citado no Acórdão de 7 de abril de 2025 – apontou o Acórdão desta Secção de 17 de março de 2025, referindo que, “ainda que também se tenha provado que é a recorrida que escolhe e define os estabelecimentos comerciais e os clientes finais, ou seja, o sítio a que o estafeta tem de se dirigir para recolher os pedidos e o sítio onde os vais entregar, estando tal definição delimitada pela área geográfica escolhida pelo estafeta, não se pode considerar verificada uma situação subsumível à referida al. a), do nº 1 do art. 12 do CT.” Veja-se ainda já mencionado o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15 de Janeiro de 2025, processo 31164/23.4T8LSB.L1-4, no qual se acrescenta, “Apesar de resultar dos factos provados que o prestador não tem qualquer possibilidade de influir no local onde deve efectuar a recolha do pedido e o local onde o deve entregar, sem prejuízo de poder escolher o percurso que efectua para o efeito, certo é que, a montante, é ele quem define a área geográfica onde quer prestar actividade e, nessa medida, ser elegível para os pedidos que, na mesma, se processem. Relevar, para efeitos de subsunção na alínea ora em discussão, a hétero-determinação do local de recolha e local de entrega – nos quais, ademais, avulta que deriva dos próprios parceiro e cliente final – e, nessa medida, a eleição do local de trabalho pelo beneficiário da actividade, redundaria, em rigor, em concluir que, a cada pedido, ao prestador era alterado o local de trabalho.”
Também a propósito da alínea b) do n.º 1 do artigo 12.º – Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da actividade – se nos oferecem claras dúvidas a respeito do preenchimento afirmado na sentença recorrida, na medida em que, socorrendo-nos mais uma vez do Acórdão desta Secção que temos seguido de perto, sendo o entendimento defendido na sentença sustentado, é certo, em parte da jurisprudência – “nomeadamente no referido acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 5 de Dezembro de 2024, no qual se refere: “Trata-se, cremos, efetivamente de um meio, de um instrumento utilizado, não obstante a sua natureza incorpórea, necessário para que a atividade possa ter lugar. E não se diga que a natureza da “aplicação informática” exclui que possa ser instrumento laboral, tendo de se reconduzir à plataforma digital, o que, com o devido respeito, não se afigura razoável, desde logo porque a plataforma e a App se diferenciam claramente, quer jurídica quer tecnologicamente, como realidades diversas; ao que acresce que não resulta de qualquer lado da lei que esta tenha pretendido retirar aos meios informáticos a qualidade de possíveis instrumentos de trabalho.”[26] –, tal entendimento não é pacífico – “como resulta dos acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 15 de Janeiro de 2025, processo 31164/23.4T8LSB.L1-4, e do Tribunal da Relação de Guimarães de 3 de Outubro de 2024, processo 2800/23.4T8VRL.G1, referindo-se neste último que, “entendemos que a plataforma digital que gere os serviços de entrega, não pode ser considerada de instrumento ou equipamento de trabalho, pois para além de não ter existência física, o instrumento de trabalho é o telemóvel que permite aceder à aplicação.”
Aliás, em face da redação da alínea que aqui se analisa, sempre importará relembrar que nessa se referem os instrumentos de trabalho e não, pois, apenas um de entre os que sejam utilizados, a que acresce, diga-se, mais uma vez em face da letra da lei, ao constar pertencentes “ao beneficiário da actividade”, que sempre será caso para questionar quem será afinal na situação que nos ocupa esse beneficiário, pois que, mesmo admitindo-se que a Ré o possa ser também quanto aos fins e resultados obtidos com a utilização da aplicação, do mesmo modo se pode entender que os beneficiários da atividade serão, também, quer os estabelecimentos que vendem os produtos / serviços entregues, quer os clientes finais que esses recebem e que aliás suportam o preço, quer mesmo os prestadores da atividade / estafetas.
Seja como for, ainda que porventura se tenha como preenchida a analisada alínea, até por aplicação do regime resultante do artigo 12.º-A, também aplicável ao caso, o que se constata é que, ainda assim, sequer resultará afinal real relevância, pois que, como resulta da norma, para operar a presunção de laborabilidade a que alude o artigo 12.º importaria que se preenchesse ainda, pelo menos, a previsão de uma outra alínea, o que não ocorre no caso, já que, como veremos de seguida, não se preenche nomeadamente a alínea c), mais uma vez diversamente do que se entendeu na sentença.
É que, sendo a redação da alínea “O prestador de actividade observe horas de início e de termo da prestação”, entendendo-se na sentença que essa se preencheria, importa relembrar, em face dos argumentos avançados na sentença, que aliás apontam para antes dessa data, que no caso que se analisa a atividade iniciou-se apenas em 3 de outubro de 2023 e a visita inspetiva ocorreu apenas três dias depois, sendo esta e tão somente esta que é objeto da presente ação.
2.4. Não operando no caso, por decorrência do exposto, a analisada presunção de laborabilidade apenas por aplicação do regime previsto no artigo 12.º do CT, sendo ainda aplicável, como já o dissemos, o regime entretanto estabelecido no seu artigo 12.º-A, como o foi na sentença recorrida, analisaremos de seguida se opera a presunção nesse estabelecida.
Resulta do indicado normativo:
“1- Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre o prestador de atividade e a plataforma digital se verifiquem algumas das seguintes características:
a) A plataforma digital fixa a retribuição para o trabalho efetuado na plataforma ou estabelece limites máximos e mínimos para aquela;
b) A plataforma digital exerce o poder de direção e determina regras específicas, nomeadamente quanto à forma de apresentação do prestador de atividade, à sua conduta perante o utilizador do serviço ou à prestação da atividade;
c) A plataforma digital controla e supervisiona a prestação da atividade, incluindo em tempo real, ou verifica a qualidade da atividade prestada, nomeadamente através de meios eletrónicos ou de gestão algorítmica;
d) A plataforma digital restringe a autonomia do prestador de atividade quanto à organização do trabalho, especialmente quanto à escolha do horário de trabalho ou dos períodos de ausência, à possibilidade de aceitar ou recusar tarefas, à utilização de subcontratados ou substitutos, através da aplicação de sanções, à escolha dos clientes ou de prestar atividade a terceiros via plataforma;
e) A plataforma digital exerce poderes laborais sobre o prestador de atividade, nomeadamente o poder disciplinar, incluindo a exclusão de futuras atividades na plataforma através de desativação da conta;
f) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertencem à plataforma digital ou são por esta explorados através de contrato de locação.
2- Para efeitos do número anterior, entende-se por plataforma digital a pessoa coletiva que presta ou disponibiliza serviços à distância, através de meios eletrónicos, nomeadamente sítio da Internet ou aplicação informática, a pedido de utilizadores e que envolvam, como componente necessária e essencial, a organização de trabalho prestado por indivíduos a troco de pagamento, independentemente de esse trabalho ser prestado em linha ou numa localização determinada, sob termos e condições de um modelo de negócio e uma marca próprios.
3- O disposto no n.º 1 aplica-se independentemente da denominação que as partes tenham atribuído ao respetivo vínculo jurídico.
4- A presunção prevista no n.º 1 pode ser ilidida nos termos gerais, nomeadamente se a plataforma digital fizer prova de que o prestador de atividade trabalha com efetiva autonomia, sem estar sujeito ao controlo, poder de direção e poder disciplinar de quem o contrata.
5- A plataforma digital pode, igualmente, invocar que a atividade é prestada perante pessoa singular ou coletiva que atue como intermediário da plataforma digital para disponibilizar os serviços através dos respetivos trabalhadores.
6- No caso previsto no número anterior, ou caso o prestador de atividade alegue que é trabalhador subordinado do intermediário da plataforma digital, aplica-se igualmente, com as necessárias adaptações, a presunção a que se refere o n.º 1, bem como o disposto no n.º 3, cabendo ao tribunal determinar quem é a entidade empregadora. (…)”.
Porque a propósito do regime que resulta da citada norma se pronunciou o também recente Acórdão da Relação de Lisboa de 9 de abril de 2025[27], cujas considerações acompanhamos, diremos também, como nesse, que, não obstante nos interpelar “porventura a uma visão diversa da que resultava da presunção do art.º 12.º, do mesmo diploma substantivo”, não surge, porém, “na economia do regime jurídico, na sua globalidade considerado, como um regime autónomo ou diferenciado, como claramente resulta do n.º 1 do citado art.º 12.º-A. O seu propósito é o mesmo: o de facilitar a prova do facto presumido mediante prova de determinados factos presuntivos e de onerar o beneficiário da actividade com a prova de factos que justamente tenham por desiderato afastar a prova do facto presumido, a saber, factos de onde derive autonomia (art.º 12.º-A, n.º 4, do Código do Trabalho)”. Esclarece-se, ainda, considerações que também acompanhamos, que esta nova presunção “delimita, claramente, o seu âmbito de aplicação objectiva e subjectiva, tal como decorre do art.º 12.º-A, n.º 2, do Código do Trabalho, estando, por isso, vocacionada a regular as relações jurídicas que se estabeleçam entre a plataforma digital e os indivíduos que, a troco de pagamento, lhe prestem trabalho”, estando, “também, vocacionada para actividade, organizada, de disponibilização de serviços à distância através de sítio na internet ou aplicação informática que envolve justamente o recurso àqueles indivíduos”. No entanto, como aí do mesmo modo se adverte, “a organização a que apela o preceito e, bem assim, a forma como opera a plataforma – através de sítio de internet ou aplicação informática – surgem, assim, na economia do regime jurídico em apreço, como elementos integrantes do âmbito de aplicação da presunção, a par, naturalmente, dos sujeitos que se relacionem entre si, não devendo, por isso, concorrer, em si mesmos, para a integração dos factos base presuntivos, sob pena de, assim sendo, com base ao mero recurso a esse âmbito objectivo e subjectivo da norma se terem logo por verificados dois dos indícios: o da al. d) do n.º 1, quando aí se apela ao conceito de organização do trabalho, e o da al. f), ao eleger-se como instrumento de trabalho a forma como a plataforma opera”, para se concluir que a atividade prestada pelo trabalhador à plataforma digital é que, “dentro desta organização e com recurso ao sítio de internet ou aplicação informática, será ou não laboral em função do preenchimento de pelo menos duas das alíneas do n.º 1 do mesmo preceito”.
Como primeira nota, não deixaremos porém de constatar que o legislador, em termos diversos do que aponta a técnica tradicional (e usada do artigo 12.º), fez constar da norma a referência expressa a puros conceitos jurídicos, de resto ligados à relação laboral, quando, sendo presunções “as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido” (artigo 349.º do Código Civil), até porque se trata de presunção com assento na própria lei (ilação legal ou de direito) – ou seja, é a norma legal que, verificado certo facto, considera como provado um outro facto –, que conduz a que quem a tiver a seu favor escusa de provar o facto a que a mesma conduz, só com evidente dificuldade se poderá, com o mero uso daqueles conceitos, encontrar real utilidade, pois que, salvo o devido respeito, tratando-se de conceitos que têm subjacentes factos que os integrarão (em alguns casos uma multiplicidade de factos), sem a indicação destes últimos (e eventualmente a sua prova, pois que as presunções estabelecidas dizem respeito à prova dos factos e respetivo ónus), ficam aqueles, se nada mais constar que os preencha, sem real substrato.
Feito este esclarecimento, vejamos:
A respeito da alínea a), sem prejuízo do que antes dissemos sobre o uso de conceitos (neste caso de “retribuição”), a mesma encerrará, afinal, à semelhança aliás do que ocorre no artigo 12.º (muito embora com uma particularidade, como veremos de seguida), um dos elementos tidos como típicos do contrato de trabalho, assim o da onerosidade (o contrato de trabalho é, pela sua própria definição, um contrato oneroso[28]), não havendo assim contrato de trabalho nos casos em que não haja contrapartida pela prestação que lhe está associada, sendo que, porém, diversamente das situações em que é celebrado pelas partes livremente um contrato de trabalho, em que a mesma resultará do encontro das respetivas vontades, nos casos a que se reporta a alínea ocorre unilateralidade na fixação da retribuição, sendo nula ou escassa possibilidade de o prestador da atividade a poder influenciar ou negociar, ou seja, neste caso é a plataforma que fixa o seu valor ou que estabelece os valores mínimos e/ou máximos dentro dos quais o trabalhador se move. A particularidade a que antes nos reportámos, resultante do confronto com a redação dada à alínea d) do n.º 1 do artigo 12.º do CT, resulta da circunstância de nesta se exigir, para fazer operar o facto presuntivo, que ao trabalhador seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa em contrapartida da atividade. No entanto, apesar desta distinta redação, a mesma não sugere que se abandone, no âmbito da presunção do contrato de trabalho estabelecida no artigo 12.º-A, daquelas características que serão próprias do conceito de retribuição e que se traduzem, como é consabido, pela sua periodicidade, regularidade e, muito em especial, pela contrapartida da prestação. Como se refere no Acórdão que aqui seguimos: “(…) a al. a) do n.º 1 do art.º 12.º-A do Código do Trabalho não apoia sentido interpretativo diverso do conceito de retribuição tal como o conhecemos e temos por definido no art.º 258.º, do Código do Trabalho, designadamente consentindo, ao arrepio dos elementos dele estruturantes, o acolhimento de pagamentos à peça, sem periodicidade mais ou menos certa – ainda que possa ser variável o seu valor – e muito menos ditados em função do resultado obtido. Isto é, em ordem ao preenchimento da alínea que vimos de citar, há-de estar presente, a par do poder de a plataforma unilateralmente fixar o valor devido ao trabalhador, também a natureza periódica e regular dos pagamentos – porque são estas características que assinalam a expectativa de ganho do trabalhador e evidenciam a dependência económica típica do trabalho subordinado – e a sua directa associação à actividade que é desenvolvida”.
Agora a propósito da alínea b), o legislador, o que não ocorreu com a técnica utilizada aquando da redação que foi dada ao artigo 12.º, começa por fazer referência expressa ao exercício do poder de direção (“A plataforma digital exerce o poder de direção…”), sendo que – não deixando de se referir, como antes o dissemos, que se traduz em afastamento em relação ao modo como, tradicionalmente, opera a técnica legislativa, remete logo diretamente para um dos poderes, resultantes da lei, típicos (e, diga-se, essenciais) do empregador – previsto no artigo 97.º, do CT. Ou seja, em bom rigor, se na alínea analisada nada mais se referisse, o respetivo conteúdo, enquanto mera referência a um conceito legal, seria afinal, par não dizermos inútil, de reduzida utilidade em termos de facto típico presuntivo. Resulta, porém, da mesma alínea, aí sim, a indicação, ainda que a título meramente exemplificativo, de situações nas quais se poderá evidenciar o exercício desse poder (a forma de apresentação do prestador de atividade, a sua conduta perante o utilizador do serviço e o modo como há de prestar a atividade), sendo que, porque a realidade poderá ser muito mais abrangente (daí o uso da técnica de exemplificação), sempre se poderá, até pela sua natureza multifacetada, ver projetado em outros aspetos da atividade desenvolvida pelo prestador. Citada de novo o Acórdão que seguimos de perto: “Maria do Rosário Ramalho13 define o poder directivo «como a faculdade, que assiste ao empregador, de determinar a função do trabalhador e de emitir comandos vinculativos da sua actuação (sob a forma de ordens concretas ou de instruções genéricas), quanto ao modo de execução da actividade laboral e de cumprimento dos demais deveres acessórios inerentes a essa actividade» ao qual se contrapõe, como não poderia deixar de ser, o dever de obediência do trabalhador (art.º 128.º, n.º 1, al. e), do Código do Trabalho). Assim sendo, a par, naturalmente, dos exemplos a que alude a lei, também em outras circunstâncias ou, mais propriamente, factos, se poderá o exercício do poder de direcção e, no fundo, de conformação da prestação do trabalhador”.
Passando-se para a alínea c), como se refere no mesmo Acórdão que aqui seguimos: “(…) se assiste ao empregador, neste caso à plataforma, a possibilidade de dirigir e conformar a prestação, naturalmente que se lhe associará a possibilidade de a controlar, supervisionar e de a verificar em termos qualitativos com vista à aferição do efectivo cumprimento do que deriva daquele primeiro poder. Diremos que um não sobrevive ou se autonomiza, em sentido próprio, do outro, antes ambos concorrendo no que é típico no âmbito de uma actividade subordinada: não fará sentido instruir o trabalhador no sentido de adoptar uma determinada conduta ou afazer – com maior ou menor pormenorização quanto ao modo e tempo em que deve ocorrer – sem que, depois, inexista mecanismo que consinta aferir se o trabalhador acatou o que lhe foi determinado. A especificidade que avulta nesta alínea é o modo como este poder de fiscalização se poderá, entre outras formas, manifestar: os meios electrónicos ou de gestão algorítmica remetem-nos para formas mais sofisticadas de controlo e, por isso mesmo, de maior dificuldade de apreensão e apuramento factual na medida em que lhes subjaz, em elevada medida, a ausência do contacto pessoal típico do contrato de trabalho e que, nestes casos, é substituído por uma espécie de controlo virtual ou à distância”.
Sobre a alínea d), sem prejuízo mais uma vez da questão do uso de expressões ou conceitos com valoração jurídica, a mesmo está diretamente relacionada coma questão da natureza subordinada que está inerente ao contrato de trabalho, por contraponto à autonomia que tem sido apontada para o contrato de prestação de serviços, sendo que, optando mais uma vez o legislador por tipificar formas por via das quais será restringida ou anulada a autonomia do trabalhador (“…quanto à escolha do horário de trabalho ou dos períodos de ausência, à possibilidade de aceitar ou recusar tarefas, à utilização de subcontratados ou substitutos, através da aplicação de sanções, à escolha dos clientes ou de prestar atividade a terceiros via plataforma”). Como se refere também no Acórdão que aqui seguimos, “esta alínea condensa o que inere à situação de subordinação em que se coloca o trabalhador no âmbito do vínculo laboral, nela se salientando a disponibilidade a ele associada e a possibilidade de, por essa via, o empregador garantir que tem à disposição trabalhadores que permitem a prossecução da sua actividade ou objecto social”.
A respeito da alínea e), é evidente, de novo, de resto até como maior evidência, que o legislador começa por fazer referência expressa a exercício de “poderes laborais sobre o prestador de atividade, nomeadamente o poder disciplinar”, o que se traduz, se visto isoladamente, por si só, por mera remessa (afastando-se de novo o método tradicional para estes casos) para conceitos legais / jurídicos que, mais uma vez, seriam de pouca, para não dizermos nenhuma, utilidade em termos de facto típico presuntivo. Acrescenta-se, porém, a respeito do conceito “poder disciplinar”, a referência “incluindo a exclusão de futuras atividades na plataforma através de desativação da conta”, sendo assim evidente que este facto é integrado pelo legislador como presuntivo desse exercício do poder disciplinar. Esta alínea estará, pois, sobretudo vocacionada para o exercício do poder disciplinar. Citando-se de novo o Acórdão que aqui seguimos: “(…) isto é, a faculdade que tem o empregador de aplicar sanções aos trabalhadores quando as suas condutas – activas ou omissivas – conflituem com a disciplina da empresa e assumam, por isso, a violação de deveres por parte do trabalhador. Também nesta sede o legislador opta por enunciar a forma como se pode manifestar este poder, cumprindo salientar, de todo o modo, que a existência do poder disciplinar, seja em que caso for e seja qual for a forma por via do qual se manifeste, não sobrevive sem que, a montante, existam os poderes de direcção e de conformação da actividade. Conforme se teve ensejo de referir no aresto a que, supra, aludimos, de 15 de Janeiro de 2025, «ao poder disciplinar surge associado, naturalmente, o poder de direcção e de fiscalização, bem como o poder de conformação da prestação, destinando-se aquele a sancionar as condutas do trabalhador que sejam desconformes com a disciplina da empresa. Dificilmente, pois, se pode concluir pela sua existência se, a montante, se não provam factos que justamente integrem qualquer um daqueles poderes. O poder disciplinar não sobrevive desligado do substracto que lhe é inerente».”
Sobre a alínea f), por último, que não se afasta substancialmente da previsão da alínea b) do n.º 1 do artigo 12.º, estando afinal em causa uma multiplicidade de elementos que podem ser necessários à concreta prestação da atividade e que cabem nas categorias de equipamentos ou instrumentos de trabalho, com destaque para as máquinas e outros dispositivos que permitem concretizar e efetivar a atividade prestada.
2.5. Depois das considerações anteriores, assim a respeito do enquadramento que entendemos dever ser dado, importando então verificar o que resulta da factualidade provada em termos de apurar do preenchimento dos factos presuntivos previstos nas várias alíneas do preceito, importa desde já dizer, tal como aliás ocorreu no Acórdão a que antes aludimos, que muito pouco resulta daquela factualidade que nos permita realizar tal tarefa, assim, sendo que é essa (e apenas essa) a relação que se pretende que na presente ação seja qualificada como laboral, quanto ao modo como, desde que iniciou a atividade de estafeta, se estabeleceu a relação entre AA e a Ré / aqui recorrente.
É o que sucede, desde logo, no que diz respeito a matéria retributiva / ou de pagamentos, que dizem afinal respeito ao modo como em geral, e não sequer especificamente ao prestador de atividade que aqui está em causa, ou seja, seja, resultando genericamente a periodicidade e o modo como os pagamentos eram efetuados – nomeadamente dos pontos 23.º a 26.º, provados –, já nada se extrai sobre valores, o que, salvo o devido respeito, nos permite concluir que só com evidente dificuldade se poderá ter como preenchida a previsão desta alínea.
Por sua vez, convocando as alíneas b), c) e e), nos termos referidos, a verificação dos típicos poderes inerentes ao contrato de trabalho, como sejam os poderes de direção, de fiscalização e disciplinar, e apelando a alínea d), por sua vez, ao conceito de inserção do prestador da atividade no contexto organizativo da plataforma, em face do que resultou provado – assim, nomeadamente, em particular, dos pontos 2.º, 3.º, 14.º, 18.º, 19.º, 30.º, 33.º, 40.º, 44.º a 49.º, 54.º a 56.º, 58.º, 65.º a 70.º a 78.º e 90.º –, relembrando o que antes se mencionou a propósito do poder de direção e das várias facetas em que se pode densificar, em que se incluem os exemplos contidos na alínea b) do n.º 1 do artigo 12.º-A, contata-se, desde logo, quanto a esses, não resultar que a Ré enderece ao prestador da atividade qualquer espécie de diretriz quanto ao seu modo de apresentação junto dos parceiros ou quanto à forma como com eles se deve relacionar, como não resultam, do mesmo modo, exceção feita à recolha do pedido junto do estabelecimento comercial que disponibiliza os bens e da sua subsequente entrega ao cliente final – aspetos estes, porém, inegavelmente mais vocacionados para a forma de organização da atividade do que para o modo como em concreto se executa –, elementos concretos passíveis de se ter efetivamente por integrada a previsão da referida alínea. Também quanto ao mais, não se deteta nos factos provados qualquer elemento passível de preencher o conceito de ordem ou conformação da atividade: Como bem se refere no Acórdão antes mencionado e que como já o referimos temos seguido de muito perto, considerações que temos por aplicáveis também ao caso que apreciamos: “A indicação do local de recolha e local de entrega dos pedidos e a utilização dos meios por via dos quais o estafeta se coloca em situação de os receber são próprios da metodologia da organização do trabalho e da forma como se operacionaliza o serviço, não podendo, neste conspecto, integrar o conceito de ordem, sob pena de estas características, porque transversais à prestação, serem elegíveis para toda e qualquer integração no método subsuntivo. Acresce que, nesta actividade, sequer se surpreende qualquer poder de conformação quando ao seu modo de execução por parte da apelada, uma vez que o estafeta é livre de escolher o percurso que entender para fazer cada entrega, assim como o tempo que cada entrega possa levar (…). Também se não surpreende, nos factos provados, que o estafeta esteja sujeito à disciplina da empresa, na acepção da obediência ou conformação a códigos de conduta ou modos de actuação padronizados. Basta, para o efeito, atentar no facto provado constante do ponto (…), sendo que o uso da mochila deriva da actividade que se exerce, eleito enquanto modo de transporte de pedidos, sendo as suas características ditadas por razões de higiene e segurança (facto provado sob o ponto …).”
Por sua vez, também quanto à previsão da alínea c), em que estarão em causa os poderes de fiscalização da atividade prestada, se nos afigura não se encontrar a mesma preenchida. É que, sendo verdade que, em face da factualidade provada, se pode considerar que é a Ré quem indica o parceiro no qual irá ser recolhido o pedido, sendo também ela que indica o cliente final a quem esse será entregue (o que aliás acaba por derivar da própria natureza da atividade e seja, afinal, na sua génese, definido em função da opção do cliente final), como ainda que, para assim proceder, o prestador da atividade se terá de ligar na aplicação, e que entre o ponto de recolha e o ponto de entrega deva estar ativo o sistema de geolocalização, no entanto, porém, não se pode daí extrair que esse sistema seja efetivamente usado, pela Ré, como meio (direto ou indireto) de controlo da prestação ou mesmo da sua fiscalização, quando, esclareça-se, seria esse aspeto que aqui importaria – como bem se refere no Acórdão que aqui se segue, serão afinal indiferentes as vantagens que, desse ponto de vista, o sistema tenha ou o que potencialmente dele derive se nada, nos factos, o demonstre com clareza, até porque, como se provou, entre um ponto e outro – de recolha e entrega – pode escolher outro percurso, sendo que, ainda que a sua prestação seja apta a classificação, aferível pela plataforma, o certo é que a mesma não deriva de intervenção desta, mas antes do cliente ou do parceiro, do mesmo passo que não é usada para efeitos de fiscalização da prestação, a que acresce que é o prestador da atividade quem elege o local onde essa irá prestar, podendo inclusivamente, antes de fazer a recolha do produto, desistir livremente, sem estar nomeadamente sujeito a qualquer autorização da plataforma, como não tem de estar, também, a fim de assegurar um melhor e mais eficaz serviço, num qualquer local pré-definido pela Ré a fim de receber pedidos (para este efeito, apenas tem que estar ligado na aplicação.
Também quanto às alíneas d) a f), esclarecendo-se que com base no que se provou no caso, entendemos que valem as razões que se fizeram constar no Acórdão da Relação de Lisboa, que aqui seguimos, quando se refere o seguinte:
“(…) A subsequente alínea do preceito a que nos temos vindo a referir apela ao conceito de organização.
Não há dúvida, de entre o elenco dos factos provados, que a apelada se constitui como ente que, de forma organizada, estabelece a ligação entre o parceiro e o cliente final, usando, para o efeito, como elo de conexão entre um e outro, o estafeta, que, no fundo, é quem é encarregue de recolher o pedido junto do parceiro e de o entregar ao cliente final. A ligação entre uns e outros é gerida por via de aplicação informática, sendo que a intervenção humana, se assim se pode dizer, se circunscreve à actividade de entrega em si mesma, estando esta acometida ao estafeta.
O conceito de organização pressuposto pela actividade em presença é-lhe intrínseco, na medida em que qualquer actividade, por mais rudimentar que seja, não sobrevive sem aquela. E na organização que nos é sujeita temos por certo que os estafetas são por ela pressupostos, já que sem a sua existência aquele elo de ligação não era possível.
Neste conspecto, e à semelhança do método que segue na formulação das demais alíneas do n.º 1 do art.º 12.º-A do Código do Trabalho, o legislador faz apelo a um contexto factual donde se infere o esquema organizativo da prestação a que se contrapõe a subordinação, a ele, do prestador. Alude, por isso, à possibilidade de a plataforma impor a prestação em função de um determinado horário, a imposição quanto à aceitação de pedidos, a impossibilidade de o prestador se poder fazer substituir por outros prestadores e ao dever de não concorrência.
A imposição de um horário, de maior ou menor amplitude ou de maior ou menor flexibilidade, é facto que pura e simplesmente se não apura, antes estando provado que o estafeta é livre para escolher o seu horário, é livre para decidir quando se liga e desliga da Plataforma e o tempo durante o qual permanece ligado (factos provados constantes dos pontos …). Mais, o prestador de atividade pode passar, dias, semanas, meses sem se ligar à Plataforma, sem que daí resulte qualquer consequência para si (facto provado constante do ponto …).
Doutro passo, é, ainda, livre para rejeitar e aceitar as ofertas de entrega que entender (facto provado constante do ponto …), sem que nisso intervenha a plataforma ou sequer tenha modo de inverter a opção que haja sido tomada pelo prestador. (…) Finalmente, também inexiste qualquer restrição a que o prestador exerça a sua actividade para terceiros, inclusive cujo objecto seja semelhante e, por isso, concorrente (facto provado constante do ponto …).
Vale o exposto por dizer, pois, que dos factos provados nada se extrai, com um mínimo de segurança, que a plataforma, por qualquer meio, restrinja a autonomia do prestador aquando do exercício da sua actividade.
E, ainda que se conceda, por via do esquema organizativo eleito, pela inserção nele dos estafetas, estamos em crer que a integração organizativa a que apela o método indiciário pressupõe constância e estabilidade, de sorte que o demais elenco dos factos provados acabe por conduzir a uma franca mitigação deste elemento, motivada pela intermitência que se associa à prestação do estafeta. É que, bem vistas as coisas, o estafeta só se integra na organização, a fim de receber pedidos de entrega e de os executar, quando entende; e mesmo recebendo pedidos de entrega, porque se coloca na situação de os poder receber ao ligar-se na aplicação, pode recusá-los sem qualquer justificação adicional. É o que claramente resulta dos factos provados constantes dos pontos… (…)
João Leal Amado e Teresa Moreira interpelam-nos, na apreciação desta nova realidade, à ponderação do conceito de crowwork offline ou work on demand via apps que se traduz na gestão «algorítmica de uma multidão de prestadores de atividade disponíveis para trabalhar (daí o termo crowdwork)» por via do qual «estas empresas conseguem desenvolver o seu negócio e usufruir (…) de mão de obra sem necessidade de recorrer a institutos tradicionais do Direito do Trabalho, provindos da era industrial». No fundo, a circunstância de, a dado passo, o empregador poder contar, sempre, com uma multidão de prestadores para levar a bom porto o seu negócio traduzir-se-ia na pouca ou nula importância da intermitência da prestação que fizemos apelo: há sempre alguém disponível para trabalhar.
Neste caso, porém, não é evidente a disponibilidade constante de mão-de-obra que se associa ao conceito em apreço, já que, tal como decorre dos factos provados constantes dos pontos 39. e 40. à intermitência e irregularidade da prestação se associa a impossibilidade de a empregadora saber quantos prestadores de actividade estarão com sessão iniciada na Plataforma em determinada altura, quantos deles se manterão conectados (e por quanto tempo) e, por fim, quantos aceitarão as ofertas de entrega disponibilizadas, não sendo raras as vezes em que as entregas não são realizadas por não existirem prestadores de actividade com sessão iniciada na Plataforma ou por nenhum prestador de actividade aceitar uma determinada oferta de entrega.
Isto posto e sendo incontornável a existência de um contexto organizativo no âmbito da actividade prosseguida pela plataforma, é também para nós incontornável que da mesma não deriva, pelas razões expostas, o reverso e que seria a escassa ou nula autonomia do trabalhador, daí que também não tenhamos por verificado, por escassez fáctica, o facto base presuntivo previsto na al. d) do n.º 1 do art.º 12.º-A do Código do Trabalho.
O exercício, de entre outros, do poder disciplinar está previsto na al. e) do preceito que vimos de enunciar.
Ao poder disciplinar surge associado, naturalmente, o poder de direcção e de fiscalização, bem como o poder de conformação da prestação, destinando-se aquele a sancionar as condutas do trabalhador que sejam desconformes com a disciplina da empresa. Dificilmente, pois, se pode concluir pela sua existência se, a montante, se não provam factos que justamente integrem qualquer um daqueles poderes. O poder disciplinar não sobrevive desligado do substracto que lhe é inerente. Nesta medida e tendo nós concluído, como concluímos, pela inexistência de factos que, provados, se integrem no exercício de algum daqueles poderes, por maioria de razão não podemos ter por existente o poder disciplinar. Este poder disciplinar destinar-se-ia, então, a sancionar que tipologia de condutas se nenhumas são pré-definidas e ou pré-conformadas? Nesta conformidade, o apelo às condições que permitem à apelada a restrição do acesso do estafeta à plataforma ou mesmo a desactivação da sua conta, densificadas nos factos provados constantes dos pontos …, não podem, no nosso modesto entendimento, ser eleitas enquanto manifestação típica do poder disciplinar, posto que as condições ou obrigações a que cada contraente está sujeito quando contratualmente vinculado sempre poderão conduzir à resolução do contrato se incumpridas, o que é próprio dos contratos sinalagmáticos.
Inverificado está, por isso, o facto base presuntivo previsto na citada alínea.
Resta a apreciação dos instrumentos de trabalho, prevista na al. f) do n.º 1 do art.º 12.º.
Resultou provado, com relevo, que, para se que se pudesse registar na plataforma, AA tinha que ter veículo próprio (mota, carro ou trotinete/bicicleta), possuir um telemóvel (smartphone) e uma mochila para transporte dos bens. No caso, o trabalhador deslocar-se-ia de …, assumindo-se, face a todo o contexto em presença, que utilizaria o seu telemóvel e também a mochila de transporte.
Nenhum destes instrumentos de trabalho é pertença da apelada ou foi por ela disponibilizado, daí que os factos índice integradores da presunção a que alude a citada al. f) se não verifiquem.
Acresce dizer que, neste conspecto, não podemos, de todo, acompanhar as doutas alegações do (…). Relegar para o âmbito da acessoriedade e, por isso, da irrelevância da pertença, instrumentos como o veículo, o telemóvel ou a mochila de transporte é, no nosso ver, alegação insubsistente já que se não munido de qualquer um deles o prestador não pode desempenhar a sua actividade. Tratam-se, por isso, de instrumentos essenciais na prossecução da actividade e, portanto, não é despicienda a sua não pertença à plataforma, antes se erigindo este facto de muito significativa relevância na ponderação do facto base presuntivo em presença.
Não se desconhece que a jurisprudência, pelo menos em parte, tem vindo a eleger como instrumento de trabalho a aplicação detida pela plataforma digital e/ou o software que à mesma se associa, enfatizando a circunstância de a noção de equipamentos e instrumentos de trabalho não implicar a sua natureza corpórea.
Sem embargo de nada nos impelir a que assim não seja, isto é, que o conceito de instrumentos e equipamentos de trabalho é suficientemente amplo e, por isso, capaz de abranger elementos incorpóreos, há que relevar que, no caso em apreço, o empregador é uma plataforma digital que opera através de meios electrónicos e, em particular, a partir de uma app ou aplicação. Vale o que vem de ser dito, sem prejuízo, naturalmente, de todo o respeito que nos merecem as considerações em sentido oposto, que a aplicação por via da qual a plataforma opera ou se manifesta não pode desta ser autonomizada e, assim, ser considerada um instrumento ou um equipamento de trabalho, do mesmo passo que não o será o software que nela se incorpora. Uma e outra realidades – a plataforma e o meio por que se manifesta – são indissociáveis, afigurando-se-nos a separação uma da outra, para efeitos de erigir a aplicação em um equipamento ou instrumento de trabalho, operação assinalavelmente artificial.
Entendemos, pelo exposto, pela inverificação do facto base presuntivo desta última alínea do n.º 1 do art.º 12.º do Código do Trabalho. (…)”.
Das considerações anteriores decorre, pois, que também não opera, no caso, a presunção estabelecida no artigo 12.º-A, do CT.
Restando, então, apurar se, ainda assim, o Autor, sobre quem impenderia o respetivo ónus da prova, logrou demonstrar que estamos perante uma relação de natureza laboral, começaremos por evidenciar que, para situação também com evidente similitude com a aqui analisada, se entendeu no Acórdão desta Secção de 17 de Março de 2025, também já antes identificado, que, não obstante a inexistência da presunção, a relação é de qualificar como laboral, uma vez que se encontra demonstrado que a “atividade é prestada dentro de um serviço organizado alheio, sendo as condições essenciais de execução determinadas unilateralmente pela recorrida através da aplicação que organiza todo esquema de prestação da atividade. Estabeleceu-se, assim, entre as partes, apesar das especificidades próprias desta nova forma de organização do trabalho, uma relação na qual está presente o poder de direção da atividade do estafeta pela recorrida e o poder disciplinar ou sancionatório, afinal uma relação de efetiva subordinação jurídica, entendida sob a nova roupagem que lhe conferem as hodiernas formas de organização do trabalho e, em particular o trabalho prestado às plataforma digitais pelos estafetas” – sendo este também o fundamento essencial que vem defendendo a jurisprudência que segue a mesma posição.
Reconhece-se, de facto, que, tal como ocorre com outras realidades, os novos tempos trazem outros desafios e a natural necessidade de atualização de conceitos, a que não foge, naturalmente, o modo como deve ser vista a relação laboral, tanto mais que surgiram novos tipos de contratação, não se podendo manter, assim, os quadros clássicos de distinção entre os vários tipos contratuais.
Isso mesmo salienta, a respeito da relação laboral, António Monteiro Fernandes[29] quando refere: «[h]á (...) uma progressiva desvalorização dos comportamentos directivos na caracterização do trabalho subordinado. Se se adoptar como critério identificativo a ocorrência de ordens e instruções pelas quais o trabalhador, em regime de obediência, paute o seu comportamento na execução do contrato, deixar-se-á à margem da regulamentação laboral um número crescente de situações de verdadeiro “emprego”, em tudo merecedoras do mesmo tratamento. Na verdade, a subordinação consiste, essencialmente, no facto de uma pessoa exercer a sua actividade em proveito de outra, no quadro de uma organização do trabalho (seja qual for a sua dimensão) concebida, ordenada e gerida por essa outra pessoa. O elemento organizatório implica que o prestador do trabalho está adstrito a observar os parâmetros de organização e funcionamento definidos pelo beneficiário, submetendo-se, nesse sentido, à autoridade que ele exerce no âmbito da organização do trabalho, ainda que execute a sua actividade, sem, de facto, receber qualquer indicação conformativa que possa corresponder à ideia de “ordens e instruções” – nem, porventura, o beneficiário estar em condições (técnicas ou práticas) de a formular».
Seja como for, tal como se salienta no Acórdão desta Secção de 7 de abril, já antes identificado, citando aliás o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15 de janeiro de 2025[30], “se, num primeiro momento, nos cumpre lançar mão da norma presuntiva e verificar se a mesma se encontra preenchida, isso não nos dispensa de, num segundo momento, proceder à análise global dos indícios que tenhamos em presença, operação que, neste caso concreto, arriscamos dizer ser imposta pela singularidade da relação jurídica que se nos apresenta. Cientes disso, por um lado, e, por outro lado, da possível incapacidade de a presunção a que alude o art. 12º, do Código do Trabalho, abarcar a complexidade e a diversidade da actividade que se desenvolve entre a plataforma digital e o prestador/trabalhador/estafeta importa que, recorrendo ao modelo indiciário, nos debrucemos sobre os demais elementos que o caracterizam e também dos elementos que, por si só, integram a definição de contrato de trabalho, quais sejam a inserção organizacional e a sujeição à autoridade, parente próximo da dependência, por oposição a autonomia. Tudo com vista a, por essa via, aquilatar da existência, ou não, da subordinação jurídica, sabendo-se, como se sabe, que a sua fisionomia não é hoje, conforme já o dissemos, a mesma que esteve na génese do Direito do Trabalho, antes consistindo na inserção do trabalhador num ciclo produtivo de trabalho alheio e em proveito de outrem, estando obrigado a observar os parâmetros de organização e funcionamento definidos pelo beneficiário. Falamos, no fundo, de dependência, por contraposição à autonomia na definição e conformação da actividade e da prestação que lhe inere.”
No caso, como fundamento da invocada integração numa estrutura organizativa alheia ao prestador da atividade, tratando-se de factos genéricos, deparamo-nos nomeadamente com os seguintes factos: 16. Quando é proposto um serviço ao prestador de atividade, na interface de oferta do serviço ao utilizador estafeta é apresentado um mapa com os pontos de recolha (morada do parceiro) e de entrega (morada do utilizador-cliente) assinalados, bem como a rua do ponto de recolha (sem informação do número da porta), a distância estimada e o preço do serviço; 18. A escolha dos estafetas é feita em função de determinados critérios definidos pela plataforma; 19. Caso aceite o serviço, é adicionalmente comunicado ao utilizador-estafeta o nome e morada exata do parceiro (ponto de recolha), informações de contacto no parceiro, estimativa do tempo de espera no parceiro, o nome e morada exata do utilizador-cliente (ponto de entrega), os detalhes de pagamento e a lista de artigo do pedido e o valor do mesmo. Nessa altura e até recolher o produto, momento em que o mesmo fica sob a sua responsabilidade, o utilizador estafeta é livre de recusar prestar esse serviço; 30. Para poder receber pedidos efetuados através de aplicação “A...” por clientes dos parceiros de negócio da plataforma e prestar os serviços de entrega aos clientes finais, o prestador de atividade tem de efetuar o registo prévio na plataforma da “A...”, registo esse efetuado através de criação de conta no website da A...: https://delivery.A...app.com/pt/;31. Para efetuar o registo antes referido, o prestador de atividade teve de inserir o seu documento de identificação ou passaporte, carta de condução e declaração de início de atividade como trabalhador independente, com o código ... (outros prestadores de serviços); 40. A A... exigia que o prestador de atividade identificasse o seu rosto na aplicação com uma periodicidade variável para reconhecimento facial/controlo iométrico, para tanto o prestador de atividade tinha de tirar uma foto (selfie) e enviar para ser comparada com a constante da base de dados da A...; 44. Durante os períodos em que estava disponível na aplicação e durante o desenvolvimento das entregas pelo estafeta, o prestador de atividade mantinha a permissão de acesso ao GPS ativa, com recurso ao sistema de geolocalização, utilizando para o efeito o telemóvel pessoal do estafeta; 45. Para que lhe fosse atribuído serviço, o estafeta, através do seu telemóvel pessoal tinha de ter o sistema de GPS ligado, caso tivesse o sistema de GPS desligado recebia uma informação de alerta e não conseguia receber propostas; 46. O estafeta ao iniciar a sessão com os dados móveis e a localização ligados, no seu telemóvel pessoal, a plataforma passava a saber a sua localização; 47. Após a aceitação do pedido, se estiver ligado à geolocalização existente na App, quer a plataforma quer o cliente final passam a conhecer, em tempo real, a sua localização, fazendo a ré, através da plataforma, a partilha desses dados com o cliente final”; 49. Se estivesse ligado o sistema de geolocalização existente na App, o estafeta quando chegava ao ponto de recolha devia ativar na app o botão “cheguei” para que o parceiro fique a saber que este está no ponto de recolha e lhe fosse entregue o pedido; 54. Através de gestão algorítmica, entre outros critérios, a plataforma distribui o serviço ao estafeta que estiver mais perto do ponto de recolha; 56. Para o efeito, o estafeta acede à plataforma, através do seu telemóvel pessoal, informando que se encontrava em disponibilidade e liga o sistema de geolocalização para receber os serviços. 58. Atualmente, a plataforma suspende temporariamente a possibilidade de receber pedidos, pelo menos, quando não faz o reconhecimento facial positivo após um número não determinado de solicitações ou quando ao depositava o saldo em caixa determinado pela plataforma no prazo de 24 horas; 60. A Ré tem uma plataforma que se serve de um programa informático que atribui os pedidos em função de diversos critérios, não podendo o prestador de atividade exercer atividade através da ré sem utilizar esta aplicação ou o sítio da ré na internet. 67. A Ré junta, através da sua aplicação, três tipos de pessoas/entidades que denomina de utilizadores de serviços da plataforma: − Os estabelecimentos comerciais, sejam restaurantes ou outros estabelecimentos aderentes; − Os denominados utilizadores prestadores de serviços, normalmente designados por estafetas; e − Os utilizadores cliente; 69. Para os denominados utilizadores prestadores de serviços, o acesso à plataforma da Ré significa a possibilidade de executarem serviços de entrega, podendo conectar-se ou desconectar-se em qualquer altura de acordo com a possibilidade de escolherem os pedidos que pretendem realizar – e podendo conectar-se a outras plataformas –, obtendo rendimentos.
Porém, a verdade é que outros factos se provaram que apontam claramente em sentido oposto, como sejam, nomeadamente:
- quando é proposto um serviço, pode esse aceitar ou recusar, sendo ainda livre, até recolher o produto, momento em que o mesmo fica sob a sua responsabilidade, de recusar prestar esse serviço (parte final dos pontos 16.º e 19.º) / mesmo depois de iniciada a prestação, enquanto não recolher a encomenda, pode optar por desistir da mesma livremente (ponto 85.º);
- foi o mesmo que escolheu, no seu processo de registo, a zona onde iria exercer a atividade (aponto 33.º);
- foi ele que identificou qual o tipo de veículo a utilizar no exercício das suas funções (ponto 34.º);
- apesar de a distância a percorrer entre o ponto de recolha e o ponto de entrega utilizada para cálculo de uma das componentes variáveis do preço do serviço ser efetuada pelo “Google Maps”, podia no entanto seguir ou não esse itinerário na execução do serviço (ponto 48.º) / podia alterar o percurso e as rotas (ponto 83.º);
- podia ligar-se e desligar-se da plataforma de acordo com a sua escolha, desde que dentro do horário de funcionamento da plataforma (ponto 57.º), não tendo que cumprir qualquer horário predefinido nem tendo de cumprir qualquer limite mínimo de tempo de disponibilidade (ponto 77.º);
- é ele que define quando exerce atividade, em função da sua disponibilidade – no seu caso quase todos os dias, durante 4/5 horas por dia (ponto 65.º);
- pode escolher a mochila (ponto 73.º);
- é-lhe permitida a subcontratação da conta (ponto 79.º);
- o veículo e o telemóvel utilizados são seus (ponto 80.º) / foi ele que escolheu com que viatura executa as tarefas de entrega (ponto 84.º), sendo ele quem suporta os custos da manutenção e reparação dos equipamentos utilizados no âmbito da sua atividade, suportando todos os custos relacionados com a sua atividade (ponto 81.º);
- o valor da faturação é variável, em função das características de cada serviço e do número de serviços que aceita (ponto 87.º);
- pode exercer outras atividades, incluindo atividades de entrega para outras plataformas semelhantes ou diretamente para estabelecimentos e subcontratar a sua conta nos termos a seguir indicados, o que o prestador de atividade em causa nunca fez, trabalhando a tempo inteiro como vigilante. (ponto 88.º).
Ora, na consideração dos elementos antes mencionados, todos eles, assim numa análise global dos indícios em presença, com salvaguarda do respeito devido, não acompanhamos a sentença recorrida, pois que, atendendo a esses, não encontramos afinal fundamento que nos leve a alterar o entendimento que, de modo unânime, vinha a ser seguido nesta Secção Social (muito embora para situações não relacionadas com as plataformas digitais), esse também recordado no recente Acórdão de 7 de abril de 2025, a que antes nos referimos, assim no sentido de ser incompatível com uma relação laboral a possibilidade de o prestador da atividade, como afinal ocorre no caso, poder faltar quando entender, sem ter que justificar as faltas, pode fazer-se substituir, ainda que por outra pessoa devidamente credenciada, não ter que cumprir qualquer horário de trabalho, e poder recusar as ofertas que lhe são apresentadas pelo beneficiário.
Tal como se salienta também no referido Acórdão, a situação que se analisa: “é ainda mais flagrante que as que se punham anteriormente, sem prejuízo da sempre presente dificuldade de delimitação do enquadramento jurídico já acima apontada. Efectivamente, incluindo o tempo de trabalho, definido no art. 197º, nº 1, do Código do Trabalho, também o período em que o trabalhador permanece à disposição do empregador até que lhe seja indicada a actividade a realizar (veja-se Francisco Liberal Fernandes, em O Trabalho e o Tempo: Comentário ao Código do Trabalho, Porto: Universidade do Porto, 2018, págs. 82-83), é difícil conceber que o prestador da actividade possa prestar a mesma a diversos “empregadores” em simultâneo, sem se poder diferenciar para qual está a “trabalhar” em momentos especificamente determinados. Também não se vislumbra como compatibilizar com o contrato de trabalho a possibilidade de o prestador da actividade cancelar um serviço já aceite, mas cuja execução ainda não iniciou, para, por exemplo, poder fazer outro que entretanto lhe foi “oferecido” (…).”
De resto, deixando-se expresso que se conhecem as considerações constantes do do recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de maio de 2025[31], bem como o aí decidido, entendemos que a situação sobre a qual nos pronunciamos justifica solução diversa, pelas razões que antes mencionámos, até porque, neste caso, importa ainda ter presente, pois que assume também na nossa ótica real relevância, que, em face da data de registo e início da atividade e aquela em que foi realizada a visita inspetiva, a atividade, assim a analisada para efeitos de eventual qualificação como laboral, fora praticada no máximo em apenas três dias (dizemos no máximo, pois que sequer se pode afirmar que assim tenha ocorrido, pois que, resultando do ponto 65.ºque a atividade foi exercida quase todos os dias, esse não o foi, pois, todos os dias) e apenas também durante algumas horas, por pessoa que, aliás, também como se provou, exercia afinal atividade, a tempo inteiro, para outra Entidade, como vigilante – aspeto este que, como se alude no Acórdão desta Secção de 3 de Fevereiro antes mencionado, a respeito da demonstração ou não da autonomia, não nos permite sequer afirmar que não estejamos ainda perante acessos à plataforma digital que não podem considerar-se sequer regulares –, não se podendo aliás dizer que haja no caso qualquer dependência económica do prestador em relação a esta atividade.
Assim o concluímos fazendo necessariamente apelo à natureza dos contratos em confronto, dentro daqueles que se encontram atualmente previstos e regulados por lei – assim o dizemos pois que só a esses poderemos fazer aqui apelo, sendo que, estando é certo no âmbito do poder legislativo a possibilidade, naturalmente com respeito pelos comandos constitucionais, de criar novas formas contratuais ou de porventura estabelecer especificidades em relação a uma das existentes, como de resto ocorre no âmbito do contrato de trabalho, tal não ocorre no caso.
Nos termos expostos, sem necessidade de outras considerações (incluindo, por estar afastada a necessidade de pronúncia sobre outros argumentos invocados, ao considera-se que a relação em análise não se configura como laboral), resta-nos concluir pela procedência do recurso, com a consequente revogação da sentença recorrida.
Sem custas / por isenção do Ministério Público, que decaiu na ação e no recurso (artigo 527.º do CPC).
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Em face do exposto, acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto, procedendo parcialmente na parte dirigida à impugnação da matéria de facto, com exclusão de pontos e alterações de outros que constavam da factualidade provada, nos termos que constam do presente Acórdão, em julgar no mais procedente o recurso, em que se insere o âmbito da aplicação do direito, com a consequente revogação da sentença recorrida, a qual se substitui, no presente acórdão, por decisão que julga improcedente a ação e absolve a Ré do pedido.
Sem custas, por isenção, na ação e no presente recurso.
Porto, 2 de junho de 2025