PROCESSO ESPECIAL EMERGENTE DE DOENÇA PROFISSIONAL
PRAZO DE CADUCIDADE
Sumário

À ação declarativa de condenação em processo especial emergente de doença profissional aplica-se o prazo de caducidade de um ano previsto art.º 179.º, n.º 1 da Lei n.º 98/2009.
A contagem do prazo tem início com a entrega formal ao trabalhador do boletim de alta, em modelo oficialmente aprovado.

(Sumário da responsabilidade do Relator (art. 663º, nº 7, do CPC))

Texto Integral

Proc. n.º 19729/24.1T8PRT.P1

Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo do Trabalho do Porto – Juiz 1


Recorrente: Ministério Público






Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:






RELATÓRIO


AA instaurou (ref.ª 40625843), com o patrocínio do Ministério Público, a presente ação declarativa de condenação em processo especial emergente de doença profissional contra Centro Nacional de Proteção contra Riscos Profissionais - Instituto da Segurança Social, pedindo a condenação deste no seguinte:
I. Reconhecer que a autora é portadora de doença profissional, Rizartrose bilateral, e artrose STT à direita - Síndrome do Túnel Cárpico, que lhe causa incapacidade permanente parcial para o trabalho;
II. Pagar à autora:
1. Pensão anual e vitalícia calculada com base na remuneração anual de €18.764,75 e no grau de incapacidade permanente que lhe for fixada;
2. Prestações adicionais nos meses de julho e novembro de cada ano;
3. Fornecer-lhe as prestações em espécie que a autora necessite, designadamente assistência médica em geral e especializada, incluindo os meios complementares de diagnóstico e de tratamentos que forem necessários e a assistência medicamentosa e farmacêutica.

Contestou o réu (ref.ª 40903399) invocando a caducidade do direito de ação.
Alegou, para tanto, que:
- na douta petição inicial, vem a Autora apresentar a sua discordância relativamente ao não reconhecimento da sua doença como sendo profissional, peticionado justamente o seu reconhecimento.
- contudo, s.m.o, sempre se dirá que se encontra ultrapassado o prazo legal para o exercício do direito de ação emergente de doença profissional.
- com efeito, e como se constata através da análise ao processo administrativo que ora se junta aos autos, o processo de reconhecimento de doença profissional e respetiva IPP, remonta a 2020.
- na sequência da apresentação da Participação Obrigatória datada de 09/12/2020, observada a devida tramitação legal, não foi reconhecida à Autora a existência de doença profissional, decisão oportunamente comunicada, através de carta datada de 09.08.2023, cfr. fls. 79 do PA, bem como por email datado de 18/10/2023, cfr. fls. 84 e 85 do PA..
- a jurisprudência clarifica que o prazo para o exercício do direito de ação emergente de doença profissional é de um ano e inicia-se a partir do dia em que o beneficiário teve conhecimento inequívoco do diagnóstico ou da certificação da doença.
- neste sentido, vide Acórdão da Relação de Lisboa, datado de 09/04/2008, Processo n.º 297/2008-A, que perfilha o entendimento que «8. O prazo para o exercício de direito de ação emergente de doença profissional é de um ano, e inicia-se a partir do dia em que vítima teve conhecimento do diagnóstico inequívoco ou da certificação da doença. 9. O decurso desse prazo determina a caducidade do direito de ação, podendo esta (exceção perentória) ser conhecida oficiosamente pelo tribunal».
- acontece que, a presente ação só deu entrada em juízo em 07/11/2024, cfr. resulta dos autos, pelo que, nessa data, já se encontrava ultrapassado o prazo de exercício do direito de ação de condenação contra o Réu.
- perante todo o exposto, forçoso será concluir pela caducidade do direito de ação que constitui uma exceção perentória que, nos termos dos artigos 576.º n.º 3 e 579.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi do artigo 1.º do Código de Processo do Trabalho (CPT), consistindo na ocorrência de factos que impedem o efeito jurídico dos factos articulados pela Autora, importa a absolvição oficiosa do pedido, o que desde já se requer a V. Exa. Meritíssimo(a) Juiz.

O Ministério Público respondeu (ref.ª 41252774), alegando, em síntese, que:
- dispõe o art. 179º nº 1 da Lei nº 98/2009 de 04-09 (LAT), que prevê o regime legal de reparação de acidentes de trabalho e doenças profissionais: “O direito de ação respeitante ás prestações fixadas na presente lei caduca no prazo de um ano a contar da alta da data clínica formalmente comunicada ao sinistrado ou, se do evento resultar a morte, a contar desta.”
- a comunicação a que a Ré atribui a potencialidade de iniciar o prazo de contagem do prazo de caducidade, limita-se a informar a Autora de que: “a sua doença foi avaliada a partir da observação médica e dos elementos clínicos que constam do seu processo. Assim, o perito médico foi de parecer que a sua doença não é de origem profissional por não ter ficado provado o nexo de causalidade entre as queixas que apresenta e a profissão por si exercida.”
- a referida comunicação foi emitida em 09-08-2023.
- ora, salvo melhor opinião, o teor da referida missiva não preenche os requisitos para ser considerada uma comunicação formal de alta clínica, tal como impõe a referida norma.
- entende a Autora que a comunicação formal da alta deveria informar, cabalmente, a destinatária, das razões da avaliação médica, devidamente fundamentada nos meios de diagnóstico e nos registos clínicos analisados pelo respetivo perito.
- veja-se neste sentido a teor do Acórdão da Relação de Guimarães de 18-04-2024 (proferido no Proc. nº 2622/23.2BCL.G1): “II - No regime do processo emergente de doença profissional a lei não é inequívoca na estipulação de um prazo de caducidade para exercer o direito de acção, nem sobre o evento a partir do qual aquela se iniciará, dúvida acentuada pelo escrutínio da sucessão de leis que regulam a matéria (Base XXXVIII da Lei 2127, de 3/8, artigos 32º da Lei 100/97, de 13-09 e 179º da Lei 98/2009, de 4-09).
III - A fase administrativa que corre na segurança social, e que antecede o processo judicial, visa a certificação, ou não, da doença profissional, a qual abrange o seu diagnóstico, a sua caracterização como doença profissional e graduação de incapacidade. Em caso de discordância, o interessado dará inicio à fase contenciosa no tribunal do trabalho, apresentando petição inicial ou requerimento para fixação de incapacidade para o trabalho conforme o que seja controvertido, em ambos os casos se considerando, então, a acção intentada.
IV- No caso concreto, um simples ofício do segurança social, através do qual se dá conhecimento à autora da intenção de indeferir o seu pedido de reconhecimento de doença profissional, não é evento alternativo equiparado à comunicação formal de alta clínica, que seja idóneo a desencadear o início do prazo de caducidade.
V - Com tal comunicação a autora não ficou inteirada dos elementos de diagnóstico, da avaliação e fundamentação clínica que motivou o indeferimento, nem, consequentemente, em condições de poder exercer o seu direito de acção.”
- no caso em apreço, entendemos que a inexistência de concretos fundamentos para o não reconhecimento da doença profissional invocada pela Autora e da data concreta dessa efetiva decisão resultam patentes do teor lacónico, não só da comunicação de 09-08-2023 mas de todas as anteriores.
- e, tanto assim é, que a Autora foi apresentando sucessivos requerimentos e exposições, com vista a ser devidamente elucidada das razões subjacentes.
- por conseguinte, não tendo existido uma verdadeira e efetiva comunicação formal da decisão do Centro Nacional de Proteção Contra os Riscos Profissionais, clara e devidamente fundamentada da Ré, não se pode considerar decorrido, ou sequer iniciado, o prazo a que se refere o art. 179º nº 1 da LAT.

Com data de 11/2/2025 foi proferida decisão (ref.ª 468536752) que julgou procedente a exceção de caducidade invocada e, em consequência, absolveu o réu do pedido.
Do aludido despacho consta a seguinte fundamentação:
“Nos presentes autos o aqui demandado veio suscitar a excepção de caducidade relativamente ao direito que a demandante aqui pretende fazer valer, considerando que “Na sequência da apresentação da Participação Obrigatória datada de 09/12/2020, observada a devida tramitação legal, não foi reconhecida à Autora a existência de doença profissional, decisão oportunamente comunicada, através de carta datada de 09.08.2023, cfr. fls. 79 do PA, bem como por e-mail datado de 18/10/2023, cfr. fls. 84 e 85 do PA.”, pelo que, tendo a presente acção dado entrada em juízo em 07/11/2024, o direito em apreço se terá de considerar extinto por decurso do prazo previsto no art. 179º da LAT.
Regularmente notificada a aqui demandante veio responder o seguinte “A comunicação a que a Ré atribui a potencialidade de iniciar o prazo de contagem do prazo de caducidade, limita-se a informar a Autora de que: “a sua doença foi avaliada a partir da observação médica e dos elementos clínicos que constam do seu processo. Assim, o perito médico foi de parecer que a sua doença não é de origem profissional por não ter ficado provado o nexo de causalidade entre as queixas que apresenta e a profissão por si exercida.”
A referida comunicação foi emitida em 09-08-2023.
Ora, salvo melhor opinião, o teor da referida missiva não preenche os requisitos para ser considerada uma comunicação formal de alta clínica, tal como impõe a referida norma.
Entende a Autora que a comunicação formal da alta deveria informar, cabalmente, a destinatária, das razões da avaliação médica, devidamente fundamentada nos meios de diagnóstico e nos registos clínicos analisados pelo respetivo perito.”.
Cumpre, pois, apreciar e decidir.
O art. 179º da LAT dispõe no seu nº1 “O direito de acção respeitante às prestações fixadas na presente lei caduca no prazo de um ano a contar da data da alta clínica formalmente comunicada ao sinistrado ou, se do evento resultar a morte, a contar desta.”. A questão que aqui se coloca reside na determinação da data da comunicação formal à demandante, não da sua alta clínica (dado que estamos perante doença profissional e não acidente de trabalho causador de lesões) mas antes, da decisão de indeferimento do reconhecimento da sua doença profissional.
Como acima se deixou já consignado, o R. considera que esta decisão foi comunicada à A. através de comunicação que lhe foi dirigida em 09/08/2023 e por email de 18/10/2023.
Vejamos.
Na sua comunicação de 09/08/2023 o aqui demandado explicitou à A. que a sua pretensão não seria atendida, dado que em seu entender, inexistia qualquer nexo de causalidade entre a doença invocada e o exercício da sua profissão, tendo ainda remetido o boletim clínico de fls. 70 do processo administrativo em 02/12/2022 que concluiu naquele sentido. Entende a A. que esta comunicação não foi a última decisão dado que continuou a demonstrar o seu desacordo nas decisões proferidas pelo R., reclamando das mesmas até à interposição da presente lide.
Contudo, o que resulta inequívoco da documentação junta aos autos pela própria demandante, com a sua petição inicial é que a mesma teve conhecimento de que o R. cessou o pagamento do subsídio de doença a partir de Janeiro de 2023 e que desde 18/10/2023 lhe comunicou a sua decisão de não considerar a existência de doença profissional, dada a falta de nexo de causalidade entre as suas patologias e o exercício da sua profissão.
É certo que a aqui A. não aceitou estas decisões e persistiu no envio ao demandado de reclamação, como a que constitui o documento nº 1 junto com a p.i., na qual consignou “AA, com o NISS ...21, A – notificada que foi em 2023-01-03 da carta datada de 2022-12-28, com a refl 38080/DPRP com o assunto "CESSAÇÃO DE INCAPACIDADE TEMPORÁRIA POR DOENÇA PROFISSIONAL", a qual vai anexa e, B - notificada que foi em 2023-01-03 do ofício datado de 2022-12-28, com o assunto "NOTIFICAÇÃO DE INDEFERIMENTO - RIZARTROSE", no qual se refere que o requerimento da subscritora apresentado em 2020-12-09 relativo a Pensão por Incapacidade para o Trabalho será indeferido, o qual vai anexo e, Não concordando com o teor da supra referida carta na qual se transmite à subscritora a Cessação da Incapacidade Temporária por Doença Profissional, com o fim do recebimento da indemnização competente e o regresso ao trabalho, nem com o teor do supra referido ofício no qual se transmite à subscritora que o seu requerimento de Pensão por Incapacidade para o Trabalho por Doença Profissional será indeferido vem, nos termos legais RESPONDER” (nosso sublinhado). Mas, tais reclamações não podem, em nosso entender, determinar a suspensão ou interrupção do prazo de caducidade estabelecido no nº 1 do art. 179º da LAT. Neste sentido, veja-se Ac. da Rel. de Guimarães de 18/04/2024, In, proc. nº 2622/23.2T8BCL.G1, www.dgsi.pt quando explicitou “Não obstante desde a entrada em vigor (1-01-2000) da Lei 100/97, de 13-09, ter desparecido a cláusula que expressamente estipulava um prazo de caducidade de acção para as doenças profissionais (“comunicação formal à vítima do diagnóstico inequívoco da doença”), não apurámos que a questão fosse olhada com atenção na jurisprudência, mormente nos acórdãos citados em recurso - ac. RL de 9-04-2008, p. 297/2008-4 e de 13-04-2011, p. 2466/09.4TTLSB.L1-4. Os quais se referem a acções comuns com causas de pedir e pedidos diferentes (não é pedido o reconhecimento de doença profissional, mas sim indemnizações contra entidades empregadoras). Ademais, não obstante a entrada em vigor da Lei 100/97, de 13-09 continua a ser referenciado o evento “comunicação formal à vítima do diagnóstico inequívoco da doença” (ac. RL 9.04.2008), evento esse que a lei deixou de acolher. Assim, a jurisprudência citada pela recorrente não nos ajuda.
Os preâmbulos dos regimes de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais da Lei 100/97 de 13-09 e da subsequente Lei 98/2009, de 4-09, não deixam entrever explicação sobre a alteração, dali não resultando se houve intenção de inovar.
Poderá, abstractamente, equacionar-se a equiparação da exigência de comunicação formal de alta clínica, ao da comunicação da certificação de diagnóstico de doença profissional com eventual atribuição de incapacidade para o trabalho, para daí se iniciar a contagem do prazo de caducidade.
Relembramos que a doutrina tem sido particularmente exigente no escrutínio deste requisito no que se refere à caducidade do direito de acção emergente de acidente de trabalho - exigência essa que se deve estender às doenças profissionais. Assinalando-se, efectivamente, uma tendência generalizada e manifesta dos tribunais em acentuar a necessidade de ser comunicado ao sinistrado, de um modo formal e solene, a data da alta clinica. Sendo necessário, nos termos acima aludidos, a entrega ao sinistrado de cópia de boletim de alta clinica, onde o médico que assiste o sinistrado declara a causa de cessação do tratamento e o grau de incapacidade permanente ou temporária e justifica as suas conclusões. A jurisprudência tem assinalado que somente a partir de então o sinistrado está apto e em condições de exercer os seus direitos, aliás, em consonância, também, com a norma civil que refere que o prazo de caducidade só começa correr no momento em que o direito poder ser exercido - 329º CC. Acórdãos havendo que denegam que o prazo de inicie enquanto tal não acontecer, ainda que o acidente de trabalho tenha ocorrido bem para lá de um ano sem participação ao tribunal, e enquanto a situação clínica do sinistrado não seja clarificada através da emissão do referido boletim de alta - neste sentido, entre muitos, ac.s do STJ de 10-07-2013, p. 941/08.7TTGMR.P1.S1 e de 22-02-2017, p. 2325/15.1T8OAZ.P1.S1.
Detetam-se algumas exceções na jurisprudência ao entender que o prazo de caducidade se pode iniciar em situações alternativas idóneas, em que não foi sequer prestada assistência clínica e, portanto, inexiste boletim de alta. Em geral tratam-se de casos “menos normais”, em regra associados à falta ou tardia comunicação do acidente às seguradoras, que acabam por não assumir responsabilidades, mas que comunicam a sua posição de recusa ao sinistrado, de modo explícito, inequívoco, cabal e formal. Casos esses em que o sinistrado não fica num limbo e numa indecisão, ao invés, estará esclarecido e em condições de exercer o direito e, não obstante, podendo participar o acidente ao tribunal e cessar a dúvida sobre o prazo de caducidade, apenas anos mais tarde o faz, com tudo o que de negativo isso acarreta, nomeadamente ao nível da reconstituição dos factos e da prova - casos abordados nos ac. RL de 11-03-2015, P. 4765/12.9TTLSB.L1-4 e da RG de 5-11-2020, p. 1040/18.9T8VCT.G1, acidentes participados ao tribunal pelos sinistrados decorridos que estavam 7 anos num caso, e 16 anos noutro, desde a sua ocorrência.”. Analisando-se o caso em apreço à luz das considerações acima tecidas entende-se que, pelo menos, a partir da data da recepção da decisão emanada pelo demandado em 18/10/2023 (sendo certo que sua pensão de doença já havia cessado em Janeiro desse mesmo ano) que a A. sabia da decisão do R. de não considerar a existência de doença profissional, pelo que era-lhe exigível que tivesse diligenciado pela interposição da presente acção, ao invés de persistir na apresentação de reclamações dirigidas aos serviços sociais, pelo que se julga procedente a excepção de caducidade invocada pelo R. e se determina a extinção do direito que a A. aqui invocou, absolvendo-se o R. do pedido.”

Inconformada, a autora recorreu, tendo formulado as seguintes conclusões:
“1. Em 07-11-2024, a Recorrente propôs ação declarativa de condenação, em Processo Emergente de Doença Profissional, com vista a ver reconhecida e existência de doença profissional (rizartrose bilateral e artrose STT á direita – Síndrome do Túnel Cárpico) e a decorrente incapacidade parcial permanente para o trabalho, bem como, a ser determinada a responsabilidade do Réu pelas prestações pecuniárias e em espécie reclamadas, em resultado desse reconhecimento.
2. Em sede de contestação, o Réu arguiu, além do mais, a caducidade do direito de ação, por decurso do prazo de um ano, contado a partir do dia em que o beneficiário teve conhecimento inequívoco do diagnóstico ou da certificação da doença, reportando a data desse facto a 09-08-2023.
3. Por douta sentença proferida nos presentes autos, o Tribunal acolheu a tese do Réu e absolveu-o do pedido,
4. Considerou-se, na decisão recorrida, que a decisão final do CNPCRP de recusar reconhecer a existência de doença profissional foi comunicada à Autora, pelo menos, em 18-10-2023, pelo que, em 07-11-2024, data em que a ação foi proposta, já se teria extinguido o respetivo direito.
5. É contra este entendimento que a Autora se insurge no presente recurso.
6. Dispõe o art. 179 º nº 1 da Lei nº 98/2009 de 04-09 (LAT): “O direito de ação respeitante ás prestações fixadas na presente lei caduca no prazo de um ano a contar da data da alta clínica formalmente comunicada ao sinistrado ou, se do evento resultar a morte, a contar desta”.
7. Ora, entende a recorrente que a decisão do CNPCRP de recusa do reconhecimento de doença profissional e a consequente comunicação á vítima, não encontra correspondência na expressão legal de “alta clínica formalmente comunicada ao sinistrado”.
8. Para além da referência expressa “ao sinistrado” e da omissão de referência à “vítima de doença profissional”, o procedimento e a decisão a proferir no processo administrativo próprio da averiguação e atribuição (ou negação) de doença profissional não se coaduna com o conceito de alta clínica, porque não pressupõe a prestação de assistência médica, o exame do sinistrado, o apuramento da estabilização das lesões e a atribuição, ou não, de incapacidade permanente.
9. Ao invés, o CNPCRP, perante a reivindicação, por parte do doente, da existência de doença profissional, limita-se a determinar se a mesma existe e, em cado afirmativo, a fixar a incapacidade correspondente.
10. Por outro lado, a omissão ostensiva de qualquer referência á doença profissional, no regime da caducidade (art. 179º nº 1 da LAT), por oposição ao regime da prescrição do nº 2 da mesma norma, em que se faz referência expressa às prestações fixadas no âmbito do processo administrativo a cargo dos serviços com competência na área da proteção contra os riscos profissionais, reforçam a diferenciação do alcance legal de um e outro instituto.
11. Assim, concluímos que a caducidade do direito de ação não tem aplicabilidade aos casos de doença profissional, contrariamente ao que se verificará com a prescrição do direito ás prestações.
12. Este nosso entendimento encontra, ainda, suporte na evolução legislativa, comparando, especificamente, o regime atual com o estabelecido na Base XXXVIII nº 2 da Lei nº 2127 de 03-08-1965: “No caso de doença profissional, o prazo previsto no numero anterior conta-se a partir da comunicação formal á vitima do diagnóstico inequívoco da doença”.
13. Ora, a exclusão desta norma, na legislação posterior, quer na Lei nº 100/97 de 13-09 (art. 32º), quer na atual LAT induz á conclusão de que se afastou intencionalmente a caducidade, no caso do exercício de direitos, por vítimas de doença profissional.
14. Ainda que assim não se entenda, e caso se pretenda equiparar a comunicação da decisão administrativa do CNPCRP á comunicação de alta clínica dos acidentes de trabalho, fazendo corresponder à respetiva data o início do prazo de caducidade, impor-se-ia atribuir a essa comunicação o grau de exigência que a doutrina e a jurisprudência reclamam para a comunicação da alta clínica.
15. Exigindo que essa comunicação seja formal e solene e contenha toda a informação e fundamentação clínica que permitam ao destinatário compreender que sintomas foram valorizados, que registos clínicos e meios de diagnóstico foram analisados e que razões fundaram a conclusão da inexistência de doença profissional.
16. A comunicação a que a decisão recorrida atribui a potencialidade de iniciar o prazo de contagem do prazo de caducidade, limita-se a informar a Autora de que: “a sua doença foi avaliada a partir da observação médica e dos elementos clínicos que constam do seu processo. Assim, o perito médico foi de parecer que a sua doença não é de origem profissional por não ter ficado provado o nexo de causalidade entre as queixas que apresenta e a profissão por si exercida.”
17. Analisado tal documento à luz dos requisitos e pressupostos referidos, afigura-se-nos não se mostra realizada uma comunicação formal de alta clínica, seja em 09-08-2023, seja em 18-10-2023, tal como impõe o art. 179º nº 1 da LAT.
18. E, tanto assim é, que a Autora foi apresentando sucessivos requerimentos e exposições, com vista a ser devidamente elucidada das razões subjacentes á recusa da doença profissional.
19. Por conseguinte, não tendo existido uma verdadeira e efetiva comunicação formal da decisão do Centro Nacional de Proteção Contra os Riscos Profissionais, clara e devidamente fundamentada, nunca se poderia considerar decorrido, ou sequer iniciado, o prazo a que se refere o art. 179º nº 1 da LAT.
20. Por conseguinte, entendemos que a decisão recorrida violou o disposto no art. 179º nº 1 da LAT e nos art. 328º e 329º do C. Civil.”

O réu não apresentou resposta.

Foi proferido despacho a mandar subir o recurso de apelação, imediatamente, nos próprios autos, e com efeito devolutivo (refª 470301165).

O Sr. Procurador-Geral-Adjunto, neste Tribunal da Relação, não emitiu parecer (art.º 87º, nº 3 do Código de Processo do Trabalho) (refª 19308284).

Procedeu-se a exame preliminar, foram colhidos os vistos, após o que o processo foi submetido à conferência.
Cumpre apreciar e decidir.

*


QUESTÕES A DECIDIR

Conforme vem sendo entendimento uniforme, e como se extrai do nº 3 do art.º 635º do Código de Processo Civil (cfr. também os art.ºs 637º, nº 2, 1ª parte, 639º, nºs 1 a 3, e 635º, nº 4 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013 de 26 de Junho – todos aplicáveis por força do art.º 87º, nº 1 do Código de Processo do Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 480/99 de 9 de Novembro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 295/2009 de 13 de Outubro), o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões, sem prejuízo, naturalmente, das questões de conhecimento oficioso.
Assim, a única questão a que temos que dar resposta prende-se com saber se o direito da autora caducou.



FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Factos provados (considerando a documentação junta aos autos e aceite pelas partes)

- em 9/12/2020 foi apresentada a Participação Obrigatória (fls. 3 do processo administrativo);
- com data de 22/11/2022 foi emitido parecer clínico que concluiu que a autora não sofre de doença profissional (fls. 9 do processo administrativo) e, por despacho de 2/12/2022, foi ordenada a audiência prévia da autora (fls. 8 do processo administrativo);
- com data de 28/12/2022 (fls. 10 do processo administrativo) foi emitida notificação à autora com o seguinte teor (fls. 11 do pdf):
“Assunto: Cessação de Incapacidade Temporária por Doença Profissional
Caro/a senhor/a,
Informamos que, de acordo com o parecer clínico, emitido pelo médico deste departamento, irá ter alta clínica em 6/01/2023 (art.º 132.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro).
Informamos, ainda, que naquela data:
· deixa de receber a indemnização por incapacidade temporária por doença profissional;
· deverá regressar ao trabalho.”
- com data de 28/12/2022 (fls. 11 do processo administrativo) foi enviada à autora notificação com o seguinte teor:
“Assunto: Notificação de Indeferimento
RIZARTROSE
Caro/a senhor/a,
Informamos que o requerimento acima identificado, relativo a Pensão por Incapacidade para o Trabalho, será indeferido, pelo(s) seguintes motivo(s):
· Não está afetado por doença profissional nem esteve exposto, no trabalho habitual, aos riscos que causaram a doença.
Prazo para responder se não concordar com a decisão
No prazo de 10 dias úteis a contar da data em que recebeu esta notificação poderá responder, por escrito, juntando os documentos de prova que considere importantes. Para o efeito, deverá utilizar um dos seguintes meios:
· Pelo correio, para a morada indicada em rodapé, ou
· Pessoalmente, em qualquer Serviço de Atendimento da Segurança Social.
Se não responder, o requerimento é indeferido no primeiro dia útil seguinte ao fim do prazo indicado.”
- com data de 7/1/2023 a autora respondeu (fls. 12 do processo administrativo) à notificação de 28/12/2022. Defendeu estar afetada de doença profissional e juntou 25 documentos. Requereu, a final, o deferimento do requerimento relativo a pensão por incapacidade para o trabalho por doença profissional e, ainda, que não cessou a incapacidade temporária por doença profissional.
- com data de 5/1/2023 – fls. 64 do processo administrativo - a autora enviou email para ISS-DPRP@seg-social.pt pelo qual requereu o envio do parecer clínico que fundamentou a decisão de indeferimento.
- com data de 11/1/2023 – fls. 68 do processo administrativo - a autora recebeu email do endereço ISS-DPRP@seg-social.pt contendo em anexo o parecer médico que a autora havia solicitado em 5/1/2023.
- com data de 12/7/2023 – fls. 77 do processo administrativo - a autora recebeu email do endereço ISS-DPRP@seg-social.pt informando-a que o seu processo se encontrava em reanálise no Departamento de Proteção contra os Riscos Profissionais.
- com data de 9/8/2023 (fls. 79 do processo administrativo) foi enviada à autora notificação com o seguinte teor:
“Assunto: Comunicação de situação - Carta de 17-01-2023 e 24-04-2023
Caro/a senhor/a,
No âmbito da apreciação da carta apresentada por V. Exa., informamos que a sua doença foi avaliada a partir da observação médica e dos elementos clínicos que constam do seu processo. Assim, o perito médico foi de parecer que a sua doença não é de origem profissional por não ter ficado provado o nexo de causalidade entre as queixas que apresenta e a profissão por si exercida.
A carta que nos enviou em nada altera aquele parecer, em virtude de não ter apresentado novos dados clínicos de contestação.
Face ao exposto, informamos que a pretensão apresentada por V. Exa foi considera como não procedente.”
- em 15/4/2024 foi recebida na Segurança Social requerimento da autora (fls. 80 do processo administrativo) pelo qual a mesma solicita resposta rápida depois de ter recebido uma resposta de 12/7/2023 afirmando que o assunto estava em reanálise, e volvidos 9 meses daquela data, ainda não tinha qualquer resposta.
- em 18/10/2023 (fls. 84 do processo administrativo), em resposta a reclamação da autora de 8/8/2023, o Departamento de Proteção contra os Riscos Profissionais remeteu email à autora com o seguinte teor:
“Na sequência da sua reclamação datada de 8 de agosto de 2023, apresentada junto da Direção Geral da Segurança Social, solicitando o deferimento do requerimento de pensão por incapacidade permanente para o trabalho, cumpre informar o seguinte:
1. O processo de certificação de doença profissional teve o seu início no Departamento de Proteção contra os Riscos Profissionais (DPRP) em 9 de dezembro de 2020, com a receção da participação obrigatória e do requerimento com a presunção de patologias relativas a Rizartrose bilateral.
2. Nessa sequência, foi avaliada clinicamente pelo serviço médico do DPRP em 16 de novembro de 2022. tendo o processo sido concluído clinicamente em 22 de novembro de 2022, sem o reconhecimento da existência de doença profissional, com a seguinte fundamentação médica: "Doente de 57 Anos de idade, fazia cultura de células. Apresenta rizartrose das mãos. Não há D.P. Sem rigidez dos dedos". Com base no referido parecer médico, não foi caraterizada/certificada a sua doença como doença profissional pelo DPRP a 2 de dezembro de 2022.
3. Por ofício de 28 de dezembro de 2022, foi-lhe notificada a decisão de intenção de indeferimento do pedido de pensão por incapacidade permanente para o trabalho com a seguinte fundamentação: "Não está afetado par doença profissional nem esteve exposto, no trabalho habitual, aos riscos que causaram a doença" (artigas 95. e 105. da Lei nº 98/2009, de 4 de setembro), na mesma data foi-lhe também enviada notificação da decisão de cessação da incapacidade temporária para o trabalho por doença profissional, com alta clínica a partir de 6 de janeiro de 2023 (artigo 132.º da Lei nº 98/2009, de 4 de setembro);
4. Nos dias 5 e 6 de janeiro de 2023, solicitou através de e-mail o relatório médico que serviu de base à decisão tomada, documento que lhe foi enviado pelo DPRP em 11 de janeiro de 2023.
5. Em 17 de janeiro de 2023, por não concordar com a proposta de indeferimento do requerimento relativo a pensão por doença profissional e com a cessação da incapacidade temporária por doença profissional, apresentou resposta em sede de audiência prévia, solicitando o deferimento do seu pedido. Reiterou pedido de resposta através de carta de 2 de maio de 2023 e por e-mail de 22 de junho de 2023.
6. Por e-mail de 12 de julho de 2023, este DPRP informou que o processo se encontrava pendente de análise.
7. Através de ofício de 9 de agosto de 2023, foi-lhe comunicada a decisão de indeferimento do requerimento relativo a pensão por doença profissional, em virtude de não ter apresentado novos exames médicos que permitissem a reapreciação clínica do processo.
8. Nessa sequência, e ao abrigo do estabelecido no artigo 132.º da Lei n. 98/2009, de 4 de setembro, "O direito à indemnização por incapacidade temporária cessa (...) com a certificação da incapacidade permanente”. Ora, não tendo sido caraterizada/certificada a sua doença como doença profissional, não tem direito à indemnização por incapacidade temporária.
9. Por outro lado, não foram apresentados novos exames complementares de diagnóstico, que justifiquem a reapreciação clínica pelo serviço médico deste departamento.
Assim, face ao exposto, mantém-se a decisão de indeferimento anteriormente notificada, considerando como improcedente a reclamação apresentada em 8 agosto de 2023.”
- a presente ação deu entrada em juízo em 07/11/2024.



FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Quanto a saber se caducou o direito da autora.

Na vigência da Lei n.º 2127, a Base XXXVIII, com a epigrafe “Caducidade e prescrição”, previa que:
“1. O direito de acção respeitante às prestações fixadas nesta lei caduca no prazo de um ano, a contar da data da cura clínica ou, se do evento resultou a morte, a contar desta.
2. No caso de doença profissional, o prazo previsto no número anterior conta-se a partir da comunicação formal à vítima do diagnóstico inequívoco da doença. Se não tiver havido esta comunicação ou tiver sido feita no ano anterior à morte da vítima, o prazo de um ano contar-se-á a partir deste facto.”
Esta lei veio a ser objeto de regulamentação através do Decreto-Lei n.º 360/71, aplicável à reparação de acidentes de trabalho e doenças profissionais.
Com interesse para a decisão importa referir que este diploma não continha nenhuma previsão sobre a possibilidade de as doenças profissionais poderem determinar incapacidades temporárias para o trabalho.
A Lei n.º 100/97 de 13 de Setembro revogou a Lei n.º 2127.
No seu art.º 32.º previa que:
“1 - O direito de acção respeitante às prestações fixadas nesta lei caduca no prazo de um ano a contar da data da alta clínica formalmente comunicada ao sinistrado ou, se do evento resultar a morte, a contar desta.
2 - As prestações estabelecidas por decisão judicial, ou pelo Centro Nacional de Protecção contra os Riscos Profissionais, prescrevem no prazo de cinco anos a partir da data do seu vencimento.
3 - O prazo de prescrição não começa a correr enquanto os beneficiários não tiverem conhecimento pessoal da fixação das prestações.”
Com esta lei, deixou de estar expressamente consagrada uma norma de caducidade para as ações emergentes de doença profissional.
Dos trabalhos preparatórios não existe qualquer referência às razões que estiveram na base desta alteração.
O Decreto-Lei n.º 248/99 regulamentou a Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, relativamente à proteção da eventualidade de doenças profissionais – cfr. art.º 1º.
No seu art.º 4.º consagra que:
1 - As doenças profissionais podem determinar incapacidades temporárias ou permanentes para o trabalho.
2 - As incapacidades temporárias podem ser parciais ou absolutas.
3 - As incapacidades permanentes podem ser parciais, absolutas para o trabalho habitual e absolutas para todo e qualquer trabalho.
4 - As incapacidades temporárias de duração superior a 18 meses consideram-se como permanentes, devendo ser fixado o respectivo grau de incapacidade, salvo parecer clínico em contrário, não podendo, no entanto, aquelas incapacidades ultrapassar os 30 meses.
5 - O parecer clínico referido no número anterior pode propor a continuidade da incapacidade temporária ou a atribuição de pensão provisória.
E o art.º 71.º estabelece que o direito à indemnização por incapacidade temporária cessa com a cura clínica do beneficiário ou com a certificação da incapacidade permanente.
Posteriormente, a Lei n.º 98/2009 de 4 de Setembro, que revogou a Lei n.º 100/97, manteve uma redação idêntica no seu art.º 179.º que apresenta a seguinte redação:
“1 - O direito de acção respeitante às prestações fixadas na presente lei caduca no prazo de um ano a contar da data da alta clínica formalmente comunicada ao sinistrado ou, se do evento resultar a morte, a contar desta.
2 - As prestações estabelecidas por decisão judicial ou pelo serviço com competências na área da protecção contra os riscos profissionais, prescrevem no prazo de cinco anos a partir da data do seu vencimento.
3 - O prazo de prescrição não começa a correr enquanto os beneficiários não tiverem conhecimento pessoal da fixação das prestações.”
E, no seu art.º 98.º, n.º 3 estabelece que as prestações pecuniárias revestem, com as devidas adaptações, as modalidades referidas no capítulo anterior.
Entre as prestações previstas no capítulo II, consta a indemnização por incapacidade temporária.
A alteração legislativa introduzida pela lei n.º 100/97 e mantida na Lei n.º 98/2009, com a eliminação da norma que na Lei 2127 previa expressamente a caducidade para os processos de doença profissional, tem levantado dúvidas interpretativas.
Para uns, significa que o legislador pretendeu eliminar a caducidade relativamente às ações emergentes de doença profissional.
Para outros, a circunstância de o art.º 179.º, n.º 1 se reportar ao direito de acção respeitante às prestações fixadas na presente lei permite incluir na previsão legal as ações emergentes de doença profissional.
Recorrendo então ao elemento histórico, é verdade que a lei 2127 previa um prazo de caducidade para as ações emergentes de acidentes de trabalho e para as ações emergentes de doenças profissionais.
No primeiro caso, o evento que determinava o início de contagem do prazo era a cura clínica. No segundo, era a comunicação formal e inequívoca do diagnóstico de doença.
Solução que estava alinhada com o regime legal porquanto, como vimos supra, nem a Lei n.º 2127, nem o Decreto-Lei n.º 370/71, continham previsão expressa quanto à reparação de incapacidades temporárias.
Em regra, no processo emergente de acidente de trabalho, o sinistrado é assistido e, no final do tratamento do sinistrado, quer por este se encontrar curado ou em condições de trabalhar quer por qualquer outro motivo, o médico assistente emite um boletim de alta clínica, em que declare a causa da cessação do tratamento e o grau de incapacidade permanente ou temporária, bem como as razões justificativas das suas conclusões – art.º 35.º, n.º 2 da LAT.
Por esse motivo, o evento que determina o início da contagem do prazo de caducidade nas ações emergentes de acidente de trabalho é a entrega formal ao sinistrado do boletim de alta.
Ora, a partir do momento em que a Lei n.º 98/2009 passou a prever – tal como a sua antecessora, a Lei n.º 100/97 – que a doença profissional pode determinar incapacidades temporárias, com a subsequente reparação, tornou-se imperativa a emissão de um boletim com a alta clínica que certifique que a lesão desapareceu totalmente ou se apresenta como insuscetível de modificação com terapêutica adequada – cfr. art.º 35.º, n.º 3 da Lei n.º 98/2009.
Com efeito, o art.º 132.º, aplicável expressamente às doenças profissionais, consagra que o direito à indemnização por incapacidade temporária cessa com a alta clínica do beneficiário ou com a certificação da incapacidade permanente.
Solução que se aproxima da que vigora para os acidentes de trabalho.
É certo que nem todas as doenças profissionais originam situações de incapacidade temporária.
Mas o mesmo acontece com os acidentes de trabalho, nomeadamente quando não é prestada qualquer assistência. O que tem levado a jurisprudência, em alguns casos, a considerar que a contagem do prazo de caducidade se conte a partir da comunicação ao sinistrado, de modo explícito, cabal e formal.
Vale isto por dizer que também nas doenças profissionais deve ser obrigatoriamente emitido boletim de alta que faça cessar a incapacidade temporária e certifique a incapacidade permanente – ou a sua inexistência -.
Do que resulta não serem, afinal, e neste aspeto em particular, muito distintos os regimes legais nos acidentes e nas doenças profissionais.
O que nos leva a admitir, com elevado grau de certeza, que a eliminação do n.º 2 da Base XXXVIII da Lei n.º 2127 aconteceu de modo a harmonizar os dois regimes já que não vislumbramos razões para estabelecer soluções distintas para o que, afinal, é idêntico.
Em resumo diremos:
Nos termos do art.º 179.º, n.º 1 o direito de ação respeitante às prestações fixadas na presente lei caduca no prazo de um ano a contar da data da alta clínica formalmente comunicada ao sinistrado ou, se do evento resultar a morte, a contar desta.
A norma refere-se expressamente às prestações fixadas na lei n.º 98/2009, onde se incluem as devidas por doença profissional.
A alta clínica está expressamente prevista, não apenas para os acidentes de trabalho – cfr. art.º 35.º da Lei -, mas também para as doenças profissionais – cfr. art.º 132.º da Lei -.
E o art.º 175.º, constante do Capítulo VI da Lei, aplicável aos acidentes de trabalho e às doenças profissionais, determina que (n.º 1) as participações, os boletins de exame e alta e os outros formulários referidos nesta lei, que podem ser impressos por meios informáticos, obedecem aos modelos aprovados oficialmente, e, ainda, que (n.º 2) o não cumprimento do disposto no número anterior equivale à falta de tais documentos, podendo ainda o tribunal ordenar a sua substituição.
Analisando o caso concreto, verificamos que:
- com data de 22/11/2022 foi emitido parecer clínico que concluiu que a autora não sofre de doença profissional (fls. 9 do processo administrativo) e, por despacho de 2/12/2022, foi ordenada a audiência prévia da autora (fls. 8 do processo administrativo);
- com data de 28/12/2022 (fls. 10 do processo administrativo) foi emitida notificação à autora com o seguinte teor (fls. 11 do pdf):
Assunto: Cessação de Incapacidade Temporária por Doença Profissional
Caro/a senhor/a,
Informamos que, de acordo com o parecer clínico, emitido pelo médico deste departamento, irá ter alta clínica em 6/01/2023 (art.º 132.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro).
Informamos, ainda, que naquela data:
· deixa de receber a indemnização por incapacidade temporária por doença profissional;
· deverá regressar ao trabalho.”
- com data de 28/12/2022 (fls. 11 do processo administrativo) foi enviada à autora notificação com o seguinte teor:
“Assunto: Notificação de Indeferimento
RIZARTROSE
Caro/a senhor/a,
Informamos que o requerimento acima identificado, relativo a Pensão por Incapacidade para o Trabalho, será indeferido, pelo(s) seguintes motivo(s):
· Não está afetado por doença profissional nem esteve exposto, no trabalho habitual, aos riscos que causaram a doença.
Prazo para responder se não concordar com a decisão
No prazo de 10 dias úteis a contar da data em que recebeu esta notificação poderá responder, por escrito, juntando os documentos de prova que considere importantes. Para o efeito, deverá utilizar um dos seguintes meios:
· Pelo correio, para a morada indicada em rodapé, ou
· Pessoalmente, em qualquer Serviço de Atendimento da Segurança Social.
Se não responder, o requerimento é indeferido no primeiro dia útil seguinte ao fim do prazo indicado.”
- com data de 7/1/2023 a autora respondeu (fls. 12 do processo administrativo) à notificação de 28/12/2022. Defendeu estar afetada de doença profissional e juntou 25 documentos. Requereu, a final, o deferimento do requerimento relativo a pensão por incapacidade para o trabalho por doença profissional e, ainda, que não cessou a incapacidade temporária por doença profissional.
- com data de 5/1/2023 – fls. 64 do processo administrativo - a autora enviou email para ISS-DPRP@seg-social.pt pelo qual requereu o envio do parecer clínico que fundamentou a decisão de indeferimento.
- com data de 11/1/2023 – fls. 68 do processo administrativo - a autora recebeu email do endereço ISS-DPRP@seg-social.pt contendo em anexo o parecer médico que a autora havia solicitado em 5/1/2023.
- com data de 12/7/2023 – fls. 77 do processo administrativo - a autora recebeu email do endereço ISS-DPRP@seg-social.pt informando-a que o seu processo se encontrava em reanálise no Departamento de Proteção contra os Riscos Profissionais.
- com data de 9/8/2023 (fls. 79 do processo administrativo) foi enviada à autora notificação com o seguinte teor:
“Assunto: Comunicação de situação - Carta de 17-01-2023 e 24-04-2023
Caro/a senhor/a,
No âmbito da apreciação da carta apresentada por V. Exa., informamos que a sua doença foi avaliada a partir da observação médica e dos elementos clínicos que constam do seu processo. Assim, o perito médico foi de parecer que a sua doença não é de origem profissional por não ter ficado provado o nexo de causalidade entre as queixas que apresenta e a profissão por si exercida.
A carta que nos enviou em nada altera aquele parecer, em virtude de não ter apresentado novos dados clínicos de contestação.
Face ao exposto, informamos que a pretensão apresentada por V. Exa foi considera como não procedente.”
- em 15/4/2024 foi recebida na Segurança Social requerimento da autora (fls. 80 do processo administrativo) pelo qual a mesma solicita resposta rápida depois de ter recebido uma resposta de 12/7/2023 afirmando que o assunto estava em reanálise, e volvidos 9 meses daquela data, ainda não tinha qualquer resposta.
- em 18/10/2023 (fls. 84 do processo administrativo), em resposta a reclamação da autora de 8/8/2023, o Departamento de Proteção contra os Riscos Profissionais remeteu email à autora com o seguinte teor:
“Na sequência da sua reclamação datada de 8 de agosto de 2023, apresentada junto da Direção Geral da Segurança Social, solicitando o deferimento do requerimento de pensão por incapacidade permanente para o trabalho, cumpre informar o seguinte:
1. O processo de certificação de doença profissional teve o seu início no Departamento de Proteção contra os Riscos Profissionais (DPRP) em 9 de dezembro de 2020, com a receção da participação obrigatória e do requerimento com a presunção de patologias relativas a Rizartrose bilateral.
2. Nessa sequência, foi avaliada clinicamente pelo serviço médico do DPRP em 16 de novembro de 2022. tendo o processo sido concluído clinicamente em 22 de novembro de 2022, sem o reconhecimento da existência de doença profissional, com a seguinte fundamentação médica: "Doente de 57 Anos de idade, fazia cultura de células. Apresenta rizartrose das mãos. Não há D.P. Sem rigidez dos dedos". Com base no referido parecer médico, não foi caraterizada/certificada a sua doença como doença profissional pelo DPRP a 2 de dezembro de 2022.
3. Por ofício de 28 de dezembro de 2022, foi-lhe notificada a decisão de intenção de indeferimento do pedido de pensão por incapacidade permanente para o trabalho com a seguinte fundamentação: "Não está afetado par doença profissional nem esteve exposto, no trabalho habitual, aos riscos que causaram a doença" (artigas 95. e 105. da Lei nº 98/2009, de 4 de setembro), na mesma data foi-lhe também enviada notificação da decisão de cessação da incapacidade temporária para o trabalho por doença profissional, com alta clínica a partir de 6 de janeiro de 2023 (artigo 132.º da Lei nº 98/2009, de 4 de setembro);
4. Nos dias 5 e 6 de janeiro de 2023, solicitou através de e-mail o relatório médico que serviu de base à decisão tomada, documento que lhe foi enviado pelo DPRP em 11 de janeiro de 2023.
5. Em 17 de janeiro de 2023, por não concordar com a proposta de indeferimento do requerimento relativo a pensão por doença profissional e com a cessação da incapacidade temporária por doença profissional, apresentou resposta em sede de audiência prévia, solicitando o deferimento do seu pedido. Reiterou pedido de resposta através de carta de 2 de maio de 2023 e por e-mail de 22 de junho de 2023.
6. Por e-mail de 12 de julho de 2023, este DPRP informou que o processo se encontrava pendente de análise.
7. Através de ofício de 9 de agosto de 2023, foi-lhe comunicada a decisão de indeferimento do requerimento relativo a pensão por doença profissional, em virtude de não ter apresentado novos exames médicos que permitissem a reapreciação clínica do processo.
8. Nessa sequência, e ao abrigo do estabelecido no artigo 132.º da Lei n. 98/2009, de 4 de setembro, "O direito à indemnização por incapacidade temporária cessa (...) com a certificação da incapacidade permanente”. Ora, não tendo sido caraterizada/certificada a sua doença como doença profissional, não tem direito à indemnização por incapacidade temporária.
9. Por outro lado, não foram apresentados novos exames complementares de diagnóstico, que justifiquem a reapreciação clínica pelo serviço médico deste departamento.
Assim, face ao exposto, mantém-se a decisão de indeferimento anteriormente notificada, considerando como improcedente a reclamação apresentada em 8 agosto de 2023.”
Da factualidade descrita, e analisados os documentos juntos, verificamos que em momento algum foi feita a entrega formal à autora do boletim de alta, em modelo oficialmente aprovado. Isto apesar de as notificações à autora fazerem expressa menção de que iria receber alta.
O documento de fls. 8/9 do processo administrativo é um formulário que tem por epigrafe “PROTECÇÃO NA DOENÇA PROFISSIONAL – certificação de incapacidades”, com um campo destinado a avaliação médica, onde consta que a autora não tem doença profissional.
O documento de fls. 10 – notificação de 28/12/2022 – refere que a autora “irá ter alta clínica em 06/01/2023” e não foi acompanhado de qualquer boletim de alta.
O documento de fls. 11 – notificação de 28/12/2022 – refere que foi indeferido o pedido de pensão por incapacidade para o trabalho em virtude de a autora não estar afetada de doença profissional. Também este documento não foi acompanhado de qualquer boletim de alta.
Com data de 11/1/2023 – fls. 68 do processo administrativo - a autora recebeu email do endereço ISS-DPRP@seg-social.pt contendo em anexo o parecer médico que a autora havia solicitado em 5/1/2023, e que corresponde ao documento de fls. 8/9.
Com data de 9/8/2023 (fls. 79 do processo administrativo) foi enviada à autora notificação com o seguinte teor:
“Assunto: Comunicação de situação - Carta de 17-01-2023 e 24-04-2023
Caro/a senhor/a,
No âmbito da apreciação da carta apresentada por V. Exa., informamos que a sua doença foi avaliada a partir da observação médica e dos elementos clínicos que constam do seu processo. Assim, o perito médico foi de parecer que a sua doença não é de origem profissional por não ter ficado provado o nexo de causalidade entre as queixas que apresenta e a profissão por si exercida.
A carta que nos enviou em nada altera aquele parecer, em virtude de não ter apresentado novos dados clínicos de contestação.
Face ao exposto, informamos que a pretensão apresentada por V. Exa foi considera como não procedente.”
Em 18/10/2023 (fls. 84 do processo administrativo), em resposta a reclamação da autora de 8/8/2023, o Departamento de Proteção contra os Riscos Profissionais remeteu email à autora com o seguinte teor:
“Na sequência da sua reclamação datada de 8 de agosto de 2023, apresentada junto da Direção Geral da Segurança Social, solicitando o deferimento do requerimento de pensão por incapacidade permanente para o trabalho, cumpre informar o seguinte:
1. O processo de certificação de doença profissional teve o seu início no Departamento de Proteção contra os Riscos Profissionais (DPRP) em 9 de dezembro de 2020, com a receção da participação obrigatória e do requerimento com a presunção de patologias relativas a Rizartrose bilateral.
2. Nessa sequência, foi avaliada clinicamente pelo serviço médico do DPRP em 16 de novembro de 2022. tendo o processo sido concluído clinicamente em 22 de novembro de 2022, sem o reconhecimento da existência de doença profissional, com a seguinte fundamentação médica: "Doente de 57 Anos de idade, fazia cultura de células. Apresenta rizartrose das mãos. Não há D.P. Sem rigidez dos dedos". Com base no referido parecer médico, não foi caraterizada/certificada a sua doença como doença profissional pelo DPRP a 2 de dezembro de 2022.
3. Por ofício de 28 de dezembro de 2022, foi-lhe notificada a decisão de intenção de indeferimento do pedido de pensão por incapacidade permanente para o trabalho com a seguinte fundamentação: "Não está afetado par doença profissional nem esteve exposto, no trabalho habitual, aos riscos que causaram a doença" (artigas 95. e 105. da Lei nº 98/2009, de 4 de setembro), na mesma data foi-lhe também enviada notificação da decisão de cessação da incapacidade temporária para o trabalho por doença profissional, com alta clínica a partir de 6 de janeiro de 2023 (artigo 132.º da Lei nº 98/2009, de 4 de setembro);
4. Nos dias 5 e 6 de janeiro de 2023, solicitou através de e-mail o relatório médico que serviu de base à decisão tomada, documento que lhe foi enviado pelo DPRP em 11 de janeiro de 2023.
5. Em 17 de janeiro de 2023, por não concordar com a proposta de indeferimento do requerimento relativo a pensão por doença profissional e com a cessação da incapacidade temporária por doença profissional, apresentou resposta em sede de audiência prévia, solicitando o deferimento do seu pedido. Reiterou pedido de resposta através de carta de 2 de maio de 2023 e por e-mail de 22 de junho de 2023.
6. Por e-mail de 12 de julho de 2023, este DPRP informou que o processo se encontrava pendente de análise.
7. Através de ofício de 9 de agosto de 2023, foi-lhe comunicada a decisão de indeferimento do requerimento relativo a pensão por doença profissional, em virtude de não ter apresentado novos exames médicos que permitissem a reapreciação clínica do processo.
8. Nessa sequência, e ao abrigo do estabelecido no artigo 132.º da Lei n. 98/2009, de 4 de setembro, "O direito à indemnização por incapacidade temporária cessa (...) com a certificação da incapacidade permanente”. Ora, não tendo sido caraterizada/certificada a sua doença como doença profissional, não tem direito à indemnização por incapacidade temporária.
9. Por outro lado, não foram apresentados novos exames complementares de diagnóstico, que justifiquem a reapreciação clínica pelo serviço médico deste departamento.
Assim, face ao exposto, mantém-se a decisão de indeferimento anteriormente notificada, considerando como improcedente a reclamação apresentada em 8 agosto de 2023.”
Da cronologia que antecede resulta que, apesar de a autora ter estado em situação de incapacidade temporária, tem recebido a respetiva indemnização, e não obstante a s notificações que lhe foram feitas a informar que iria ter alta em 6/1/2023, a verdade é que nunca lhe foi entregue formalmente, o boletim de alta, em modelo oficialmente aprovado, como exigem os artigos 132.º e 179.º, n.º 1 da Lei n.º 98/2009, pelo que o prazo de caducidade ainda não se iniciou.

***





DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desembargadores da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto em dar provimento ao recurso interposto, revogando-se a decisão recorrida.

Custas pelo recorrido.

Valor do recurso: o da ação (art.º 12º, nº 2 do RCP).

Notifique e registe.



(texto processado e revisto pelo relator, assinado eletronicamente)











Porto, 2/6/2025

António Costa Gomes (Relator)

Teresa Sá Lopes (1ª adjunta)

António Luís Carvalhão (2º adjunto)