A exigência de indicação do motivo justificativo da celebração de contrato a termo só se cumpre se do contrato constar a indicação, em concreto e de forma circunstanciada, dos factos que integram qualquer uma das situações em que é admissível a contratação a termo e que permitam estabelecer a relação entre a justificação invocada e a duração do contrato, não se bastando com a mera reprodução do texto legal ou com a indicações genéricas ou vagas.
Origem: Comarca do Porto, Juízo do Trabalho de Vila Nova de Gaia – J2
Acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto
Relatório
AA intentou a presente ação de processo comum contra A..., S.A., pedindo que a R. seja condenada a: ver reconhecida a ilicitude do despedimento; reintegrar a A.. ou a indemnizá-la em quantia equivalente a três salários-base, no total de € 2.737,59; pagar à A. todas as retribuições que esta deixar de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento; pagar à A. as diferenças nas horas extras, calculadas em € 1.295,97; pagar à A. as horas de formação profissional não prestadas, no valor de € 207,40; pagar à A. € 6.000 de indemnização a título de danos morais; tudo acrescido de juros de mora.
Alegou, em síntese, que foi contratada pela R. para exercer funções de vigilante, tendo sido acordado que tal contrato seria a termo incerto, pelos fundamentos do mesmo constantes, os quais não estão suficientemente concretizados, nem são idóneos a fundamentar a contratação a termo.
Frustrada a conciliação em sede de audiência de partes, a R. contestou a ação, defendendo, em síntese, que existiram motivos válidos para a celebração do contrato a termo em apreço, sendo que a A. foi contratada para exercer um serviço precisamente definido e não duradouro.
Foi proferido despacho saneador, abstendo-se o Mm.º Juiz “a quo” de fixar a base instrutória.
O valor da causa foi fixado em € 10.240,96 (dez mil duzentos e quarenta euros e noventa e seis cêntimos).
Foi realizada audiência de discussão e julgamento, na sequência da qual foi proferida sentença que culminou no seguinte dispositivo:
“a) Declaro nulo o termo aposto no contrato de trabalho firmado entre a A., AA, e a R., A..., S.A., em 6 de junho de 2023 e, sequentemente, declaro ilícito o despedimento da primeira promovido pela segunda;
b) Condeno a R. pagar à A. a quantia de € 2.737,59 (dois mil setecentos e trinta e sete euros e cinquenta e nove cêntimos) relativa a indemnização por despedimento ilícito e em substituição da reintegração;
c) Condeno a R. no pagamento à A. das retribuições que esta deixou de auferir desde 28 de março de 2024 até ao trânsito em julgado da presente decisão, deduzindo-se o montante do subsídio de desemprego e retribuições que a A. entretanto tenha recebido, sem prejuízo do estabelecido nos art.ºs 98.º-N e 98.º-O, ambos do C. P. do Trabalho;
d) Condeno a R. no pagamento à A. o montante de € 126,24 (cento e vinte e seis euros e vinte e quatro cêntimos) a título de crédito de horas de formação não ministradas;
e) Mais condeno a R. a pagar à A. juros de mora, à taxa legal, contados desde o vencimento de cada uma das prestações que integram aqueles montantes, até efetivo e integral pagamento;
f) Absolvo a R. do restante peticionado.”
“A) O presente recurso, versa sobre matéria de direito, vem interposta da sentença proferida pelo Tribunal a quo, a qual julgou a ação procedente, declarou a ilicitude do despedimento da Recorrida AA e em consequência condenou a R. pagar à A. a quantia de € 2.737,59 (dois mil setecentos e trinta e sete euros e cinquenta e nove cêntimos) relativa a indemnização por despedimento ilícito e em substituição da reintegração; Condenou a R. no pagamento à A. das retribuições que esta deixou de auferir desde 28 de março de 2024 até ao trânsito em julgado da presente decisão, deduzindo-se o montante do subsídio de desemprego e retribuições que a A. entretanto tenha recebido, sem prejuízo do estabelecido nos art.ºs 98.º-N e 98.º-O, ambos do C. P. do Trabalho; Condenou a R. no pagamento à A. o montante de € 126,24 (cento e vinte e seis euros e vinte e quatro cêntimos) a título de crédito de horas de formação não ministradas; Mais condenou a R. a pagar à A. juros de mora, à taxa legal, contados desde o vencimento de cada uma das prestações que integram aqueles montantes, até efetivo e integral pagamento;
B) Não pode a Recorrente concordar com tal decisão, atentos os normativos legais aplicáveis que não foram devidamente interpretados pelo Tribunal a quo, bem assim como as circunstâncias fácticas do caso dos autos.
C) A recorrente discorda do decidido quanto à matéria de direito, em especial quanto à nulidade do contrato de trabalho, pois aplicando-se o direito aos factos apurados, o Tribunal a quo, não poderia ter concluído que se verificou a nulidade do contrato de trabalho.
D) Mais, as testemunhas da Recorrente referiram que o contrato de trabalho era temporário e a denuncia de contrato de trabalho ocorreu na sequência da extinção do posto de trabalho no cliente da Recorrente.
E) O presente recurso é admissível, possuindo a Recorrente legitimidade para interpor o presente recurso.
F) Mais concretamente, a Apelante discorda do decidido quanto à matéria de direito quando o Tribunal a quo refere que “… analisado o teor da cláusula contratual acima transcrita, consideramos, salvo o devido respeito, que a mesma não cumpre os ditames legais para justificar o caráter temporário do contrato de trabalho celebrado...”
G) Quando refere que grande parte do referido naquela cláusula, para além de ser cópia dos termos da lei, reporta-se a conceitos genéricos, vagos, abstratos e de difícil conexão com o caso concreto. Para além de a cláusula em apreço não identificar sequer o cliente que terá implicado um acréscimo de atividade da R. e de que concreta forma tal ocorreu. Será que tal cliente impactou neste concreto contrato e na necessidade apenas temporária do trabalho da A.? E se sim, em que concretos termos? Desconhecemos, pois que o termo aposto não o explica ao nível da concreta factualidade.
H) Andou mal o tribunal a quo quando refere que “…Em conclusão, diremos que o feito constar do contrato celebrado entre as partes como justificação da contratação é uma indicação vaga e genérica que não constitui qualquer concretização das necessidades de contratação, da sua excecionalidade, nem de necessidades temporárias dessa mesma contratação. Sendo que tais omissões não podem ser colmatadas com prova que houvesse sido produzida em audiência final.
I) Mal também andou o Tribunal quando refere que “… Sequentemente, o contrato em apreciação terá de ser considerado sem termo (art.º 147.º n.º 1 c) do C. do Trabalho), pelo que a sua cessação se reconduz a um despedimento ilícito (art.º 338.º do C. do Trabalho)…”
J) Mais uma vez, mal andou o Tribunal “a quo”, quando refere que estando em causa um contrato por tempo indeterminado e não um contrato com termo, a respetiva cessação, da iniciativa do empregador, pressupunha o cumprimento das formalidades do despedimento por facto imputável ao trabalhador, por inadaptação ou por extinção de posto de trabalho, nenhuma delas tendo sido cumprida.
K) Assim, a Recorrente entende, salvo melhor opinião, que ficou provado que no contrato de trabalho é feita suficiente e concreta menção dos factos e circunstâncias que integram o motivo justificativo para a celebração do contrato de trabalho entre o trabalhador e a Ré.
L) Logo, está justificado o nexo de causalidade entre o motivo e o termo estipulado.
M) A fundamentação apresentada tem correspondência com termo aposto, estabelecendo a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado, não havendo violação do artigo 140.º nº. 2 aliena f) do Código do Trabalho.
N) Pelo que ficou exposto, entende a Recorrida ter andado mal o Tribunal a quo porquanto dos presentes autos foram carreadas provas bastantes para uma decisão diversa bem como os acórdãos supra mencionados que demonstram que o contrato de trabalho é válido.
O) A fundamentação da douta decisão recorrida sobre a matéria de direito, não especifica os fundamentos que foram decisivos para a convicção do Julgador e nem aprecia criticamente as provas, explicitando os motivos porque determinado meio de prova foi relevante e outro(s) não foi(ram) para formular a sua convicção, conforme consta da douta fundamentação da decisão da matéria de direito.
P) O Tribunal a quo não decidiu com acerto e plena observância da lei, verificando-se que a convicção expressa pelo Tribunal não tem suporte razoável nos demais elementos constantes dos autos merecendo assim censura na parte que condenou a “A... S.A.”
“1 - O termo aposto no contrato não cumpre com a obrigatoriedade legal emergente da al. f) do nº2 do art. 140º LCT
2 - Na verdade, não concretiza e não comprova no texto do contrato as razões de facto quanto à temporalidade e imprevisibilidade que levam à sua celebração em vez dum contrato sem termo.
3 - Não permite que uma “verificação externa” avalie o conteúdo do termo.
4 - Ora, “a indicação do motivo justificativo da celebração de contrato de trabalho a termo constitui uma formalidade ad substantiam” pelo que a usa falta condena o contrato à nulidade.
5 - Pelo que nada há a apontar à sentença recorrida.”
Notificadas as partes, nenhuma se pronunciou sobre o aludido parecer.
Resulta do art.º 81.º, n.º 1 do CPT e das disposições conjugadas dos arts. 639.º, nº 1, 635.º e 608.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis por força do disposto pelo art.º 1.º, n.º 1 e 2, al. a) do CPT, que as conclusões delimitam objetivamente o âmbito do recurso, no sentido de que o tribunal deve pronunciar-se sobre todas as questões suscitadas pelas partes (delimitação positiva) e, com exceção das questões do conhecimento oficioso, apenas sobre essas questões (delimitação negativa).
Ora a recorrente, apesar de no ponto 28 das suas alegações, ter feito constar que «houve erro de valoração pelo tribunal a quo quanto à condenação da Recorrente na quantia de 126,24€ referente à formação profissional, pois a Recorrente juntou os documentos comprovativos do envio da convocatória da Recorrida, embora a Recorrente tenha a obrigatoriedade de proporcionar a Recorrida formação profissional nos termos do artigo 123.º nº.1 d) do código de Trabalho, mas não tem obrigatoriedade de “obrigar” a faze-la se a mesma não quiser ou se recusar que o caso», e de ter pugnado pela revogação da sentença na parte em que a condenou a pagar créditos de horas de formação não ministrada, não só restringiu o âmbito do recurso à matéria de direito, como nas conclusões não faz qualquer referência a esta matéria.
Nesta medida, trata-se de matéria excluída do objeto do recurso (art.º 608.º, n.º 2, 2.ª parte do CPC), sobre a qual o tribunal não se pode pronunciar.
Assim, são as seguintes as questões a decidir:
- se se pode considerar válida a estipulação do termo no contrato celebrado entre as partes;
- se tal contrato cessou licitamente.
Mostram-se provados os seguintes factos que transcrevemos tal como constam da sentença recorrida:
“1) Com data de 29 de março de 2023 a A. celebrou com a B..., Ld.ª um contrato de trabalho a termo resolutivo incerto, com início a 1 de abril de 2023 e com duração “enquanto se mantiverem as circunstâncias que motivaram a formação da vontade negocial da Primeira Contratante e que se consubstanciam no aumento excepcional de actividade da empresa”, exercendo a função de vigilante na linha da Metro ... entre ... e a extensão de ...;
2) Por sentença de 10 de julho de 2023, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, Juízo do Comércio de Sintra, J3, no processo n.º ..., a B..., Ld.ª foi declarada insolvente;
3) Em 6 de junho de 2023 a A. celebrou com a R. um contrato de trabalho, cujo início ocorreu naquela data, por via do qual se obrigou a desempenhar a atividade de vigilante;
4) Do contrato mencionado em 3), que constitui o documento número três junto com a petição inicial e que aqui se dá por integralmente reproduzido, consta o seguinte: “O presente contrato é firmado a termo resolutivo incerto, merecendo o seu início a 06/06/2023 e perdurará enquanto se mantiverem as circunstâncias que motivaram a formação da vontade negocial da Primeira Contraente e que se consubstanciam no aumento excecional da atividade da Empresa, conforme disposto no artigo 140.º, n.º 2 al.f), do Código do Trabalho.”; “O presente contrato é celebrado pelo prazo estabelecido, de acordo com a alínea f) do n.º 2 do art. 140.º do Código do Trabalho, devido à necessidade da Primeira Contraente em fazer face a acréscimo extraordinário de trabalho, nomeadamente com a celebração de um contrato de prestação de serviços com um cliente da Primeira Contraente, com duração definida e limitada.”;
5) Desde então a A. exerceu as funções de vigilante para a R. em áreas relacionadas com a Metro do Porto e empresas que para ela estavam a trabalhar, auferindo mensalmente o vencimento base de € 912,53, além dos duodécimos de subsídio de férias e de Natal (€ 20,40 + € 20,40) e subsídio de alimentação de € 6,70;
6) Com data de 27 de fevereiro de 2024 a R. enviou à A. uma carta registada com aviso de receção, comunicando “a caducidade do contrato de trabalho que termina a 28 de Março de 2024, cumprindo com o pré-aviso legalmente previsto no nº1 do art. 345º do Código do Trabalho” acrescentando que, como ainda tinha dias de férias por gozar, entraria de férias a 25 de março de 2024;
7) A R. proporcionou à A., entre 15 de junho de 2023 e 31 de julho de 2023, dezasseis horas de formação profissional.”
Antes de entrarmos na apreciação do objeto do recurso tal como o deixámos acima definido, reiterando o que já ali afirmámos, a recorrente restringiu o recurso à matéria de direito, como resulta expressamente da conclusão A) onde se pode ler “O presente recurso, versa sobre matéria de direito (…)”, podendo também ler-se no corpo das alegações que “2. No caso vertente, a Apelante, coloca as suas discordâncias com o decidido na douta sentença recorrida, prendendo-se, no fundo, com o incorreto julgamento da matéria de direito.”, que “5. (…) a Apelante discorda do decidido quanto à matéria de direito e que “11. (…) vem a Apelante impugnar a decisão subscrita pelo Tribunal a quo, por ser sua inabalável e fundada convicção que a mesma decisão labora em erros de direito (…)”.
Apesar disso, veja-se o que consta das seguintes conclusões:
«N) Pelo que ficou exposto, entende a Recorrida ter andado mal o Tribunal a quo porquanto dos presentes autos foram carreadas provas bastantes para uma decisão diversa bem como os acórdãos supra mencionados que demonstram que o contrato de trabalho é válido.
O) A fundamentação da douta decisão recorrida sobre a matéria de direito, não especifica os fundamentos que foram decisivos para a convicção do Julgador e nem aprecia criticamente as provas, explicitando os motivos porque determinado meio de prova foi relevante e outro(s) não foi(ram) para formular a sua convicção, conforme consta da douta fundamentação da decisão da matéria de direito.
P) O Tribunal a quo não decidiu com acerto e plena observância da lei, verificando-se que a convicção expressa pelo Tribunal não tem suporte razoável nos demais elementos constantes dos autos merecendo assim censura na parte que condenou a “A... S.A.”».
Trata-se de questões atinentes ao julgamento da matéria de facto, cuja apreciação apenas poderia ser efetuada no âmbito da impugnação da matéria de facto.
Tal pretensão não foi, contudo, formulada pela recorrente, pelo que este Tribunal não se pronunciará sobre qualquer questão atinente ao julgamento da matéria de facto. Ainda que aquela pretensão impugnatória se pudesse considerar implícita no alegado, sempre seria de rejeitar em absoluto a impugnação por manifesto incumprimento dos ónus a que se refere o art.º 640.º do CPC.
Vejamos, pois, se se pode considerar válida a estipulação do termo no contrato celebrado entre as partes.
Em conformidade com o princípio da segurança no emprego consagrado no artigo 53º da Constituição Portuguesa, só excecionalmente o legislador laboral admite a celebração de contratos a termo.
As exceções àquele princípio são as situações em que está em causa a satisfação de necessidades temporárias da empresa e pelo período estritamente necessário à sua satisfação, tal como estatui o art.º 140º, nº 1 do Código do Trabalho (doravante CT), disposição legal que prevê «um sistema de cláusula geral, que sujeita a admissibilidade de aprazamento do contrato à verificação de uma necessidade temporária, e que é complementada pelo n.º 2 do aludido preceito, através de uma enumeração exemplificativa (…)»[1].
Estão em causa necessidades não permanentes objetivamente definidas pelo empregador, o que não significa que a conformidade legal da contração a termo depende da qualificação pelo empregador das necessidades como temporárias. Significa, antes, que sobre o empregador impende a obrigação de só contratar a termo quando existem razões concretas, exteriorizáveis como tal, que possam ser entendidas (quer pelo contraentes, quer pelo tribunal se chamado a intervir) como transitórias ou passageiras.
Por isso, também, nos termos do art.º 141.º, n.º 1 do CT, o contrato de trabalho a termo está sujeito a forma escrita, devendo ser assinado por ambas as partes e conter entre outras a indicação do termo estipulado e do respetivo motivo justificativo, a qual deve ser feita pela menção expressa dos factos que integram aquele motivo, devendo estabelecer-se a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado (art.º 140º, nº 1, al. e) e nº 3 do C.T.), considerando-se sem termo o contrato celebrado fora dos casos previstos no n.º 1 do art.º 140.º, bem como aquele em que falte ou seja insuficiente, além do mais, a indicação do motivo justificativo (art.º 147, nº 1, als. b) e c) do C.T.).
Trata-se de exigências que visam o controlo externo da legalidade da contratação a termo e cuja justificação última se encontra no citado princípio constitucional.
Tal finalidade só se cumpre, se do contrato constar a indicação, em concreto e de forma circunstanciada, dos factos que integram qualquer uma das situações em que é admissível a contratação a termo, ou seja, uma qualquer situação de necessidades temporárias da empresa e que permita estabelecer a relação entre a justificação invocada e a duração do contrato, não se bastando com a mera reprodução do texto legal ou com a indicação genérica ou vaga (cfr. art.º 141.º, n.º 1, al. e n.º 3 do Código do Trabalho)[2].
Salienta-se que, com a exigência da indicação de factos que consubstanciem a necessidade da contratação e que permitam estabelecer o nexo de causalidade entre o motivo invocado e a duração do contrato, pretende-se evitar a fraude à lei, impondo-se, por isso que a justificação da celebração do contrato a termo transpareça de uma apreciação formal da redação da cláusula contratual relativa à estipulação do termo, para o que não basta a descrição da justificação e a indicação do prazo[3].
Apela-se aqui, pela sua pertinência para a situação dos autos, às sábias palavras de Monteiro Fernandes[4]:
“A exigência legal de justificação da aposição de termo poderia ser facilmente iludida se bastasse incluir no contrato de trabalho, a menção de alguma das fórmulas genéricas que o artigo 140° estabelece. Foi, aliás, esse o expediente utilizado outrora, com enorme frequência, para facilitar a mais ampla utilização deste tipo de contrato no recrutamento corrente de trabalhadores para as empresas.
A indicação de que o contrato era celebrado a termo por acréscimo temporário ou excepcional da actividade ou com fundamento na «execução de uma tarefa ocasional ou serviço determinado precisamente definido e não duradouro» era tida por suficiente para «legitimar» esse recurso, e serviu para dar cobertura a uma das grandes vias de precarização das relações de trabalho”.
Ora, o legislador quis pôr termo a tal expediente, que não mais servia do que para contornar a lei – imperativa -, que impede o despedimento sem justa causa – art.º 338º do CT.
Recorde-se que o contrato de trabalho apenas pode cessar nos casos taxativamente fixados no art.º 340º do CT.
Assim, a falta de concretização do motivo justificativo ou a sua insuficiência não pode ser suprida pela alegação dos factos pertinentes na contestação da ação em que a questão se suscite. Na verdade, a indicação do motivo no clausulado contratual constitui uma formalidade “ad substanciam”[5].
A recorrente discorda da decisão da 1.ª instância que considerou que o motivo justificativo da celebração do contrato a termos, não se encontrava suficientemente concretizado, considerando-o um contrato sem termo nos termos do art.º 147.º, n.º 1, al. c) do CT.
Ficou demonstrado que, em 6 de junho de 2023 a autora celebrou com a recorrente um contrato de trabalho, cujo início ocorreu naquela data, por via do qual se obrigou a desempenhar a atividade de vigilante.
Do teor de tal contrato consta o seguinte: “O presente contrato é firmado a termo resolutivo incerto, merecendo o seu início a 06/06/2023 e perdurará enquanto se mantiverem as circunstâncias que motivaram a formação da vontade negocial da Primeira Contraente e que se consubstanciam no aumento excecional da atividade da Empresa, conforme disposto no artigo 140.º, n.º 2 al. f), do Código do Trabalho.”; “O presente contrato é celebrado pelo prazo estabelecido, de acordo com a alínea f) do n.º 2 do art. 140.º do Código do Trabalho, devido à necessidade da Primeira Contraente em fazer face a acréscimo extraordinário de trabalho, nomeadamente com a celebração de um contrato de prestação de serviços com um cliente da Primeira Contraente, com duração definida e limitada.”
Daqui resulta que se pretendeu a celebração do contrato a termo incerto e que a recorrente enquadrou juridicamente o motivo para a sua celebração no art.º 140.º, n.º 2, al. f) do CT.
E, na verdade, trata-se de situação que, a verificar-se, permite a celebração de contrato de trabalho a termo incerto atento o disposto pelo art.º 140.º, n.º 3 do CT.
Porém, analisada a justificação do motivo da celebração do contrato, verifica-se que o mesmo, não satisfaz os requisitos de concretização que acima referimos, já as cláusulas contratuais não permitem perceber qual a concreta situação que esteve na base da contratação a termo, nem qual a relação entre tal situação e a celebração do contrato a termo incerto.
A apreciação feita na sentença recorrida a este respeito foi a seguinte:
«Tal como resulta do contrato escrito celebrado entre as partes e datado de 6 de junho de 2023, aí se fez apelo ao art.º 140.º n.º 2 f) do C. do Trabalho para fundamentar o termo aposto.
Acrescentando que a justificação deste assentará na “necessidade da Primeira Contraente em fazer face a acréscimo extraordinário de trabalho, nomeadamente com a celebração de um contrato de prestação de serviços com um cliente da Primeira Contraente, com duração definida e limitada.”.
Ora, o art.º 140.º n.º 2 f) do C. do Trabalho dispõe que: considera-se, nomeadamente, necessidade temporária da empresa: (…) f) acréscimo excecional de atividade da empresa. O que se impõe analisar é se foi cumprida a exigência de indicação do motivo justificativo, ou seja, se foi feita a indicação expressa no contrato dos concretos factos suscetíveis de se reconduzirem à previsão da citada alínea f) do n.º 2 do art.º 140.º do C. do Trabalho.
Tal preceito refere-se a um acréscimo da atividade da empresa – atividade esta que não se altera, mantendo o seu âmbito – que, por ser excecional e transitório, não justifica o recrutamento de trabalhadores em regime de contrato de trabalho por tempo indeterminado.
Analisado o teor da cláusula contratual acima transcrita, consideramos, salvo o devido respeito, que a mesma não cumpre os ditames legais para justificar o caráter temporário do contrato de trabalho celebrado.
Grande parte do referido naquela cláusula, para além de ser cópia dos termos da lei, reporta-se a conceitos genéricos, vagos, abstratos e de difícil conexão com o caso concreto.
Para além de a cláusula em apreço não identificar sequer o cliente que terá implicado um acréscimo de atividade da R. e de que concreta forma tal ocorreu. Será que tal cliente impactou neste concreto contrato e na necessidade apenas temporária do trabalho da A.? E se sim, em que concretos termos? Desconhecemos, pois que o termo aposto não o explica ao nível da concreta factualidade.
Em conclusão, diremos que o feito constar do contrato celebrado entre as partes como justificação da contratação é uma indicação vaga e genérica que não constitui qualquer concretização das necessidades de contratação, da sua excecionalidade, nem de necessidades temporárias dessa mesma contratação.»
Concordamos na íntegra, acrescentando apenas algumas considerações.
Efetivamente o que se retira da justificação constante do contrato é que a recorrente terá celebrado um contrato de prestação de serviços com um cliente e que, por isso, considera que ocorreu um acréscimo excecional da sua atividade.
Resulta ainda que tal contrato de prestação de serviços terá uma duração definida e limitada.
Ora, para que se pudesse considerar a justificação como bastante, era necessário que do contrato constassem factos que permitissem saber quais os serviços contratados, de modo a perceber em que medida os mesmos determinavam um aumento da atividade da recorrente e em que tal aumento constituía um desvio em relação ao normal desenvolvimento da atividade da empresa.
De facto, «as flutuações de volume de serviço inerentes ao negócio não constituem, por si só, justificativas de recurso a contratação a termo, por falta do requisito geral “necessidade transitória»[6], especialmente quando a atividade a que se dedica a empresa é a prestação de serviços de segurança, a qual, como é sabido, se desenvolve precisamente através da celebração de contratos de prestação de serviço com os clientes.
Também quanto ao estabelecimento do nexo entre o motivo e o prazo da contratação, o contrato dos autos não satisfaz os requisito de concretização. De resto, existe até manifesta contradição, pois por um lado afirma-se que o contrato perdurará enquanto se mantiverem as circunstâncias que motivaram a formação da vontade negocial da recorrente e que se consubstanciam no aumento excecional da atividade da empresa, e por outro lado, afirma-se que tal aumento é consubstanciado pela celebração de um contrato de prestação de serviços com um cliente, com duração definida e limitada.
Ora, se o contrato de prestação de serviços tem duração definida e limitada, não se vislumbra, sem mais, como o mesmo pode justificar a contratação a termo incerto.
Conclui-se, pois, como na sentença recorrida, que o contrato de trabalho celebrado entre as partes em 06/06/2023 tem ser considerado um contrato sem termo, nos termos do disposto pelo art.º 147.º, n.º 1, al. c) do CT, por falta e insuficiente concretização do motivo justificativo.
Acresce que, a cláusula de justificação da duração do contrato, ao referir “a celebração de um contrato de prestação de serviços com um cliente da Primeira Contraente, com duração definida e limitada” poderia ainda remeter-nos para a situação prevista pela al. g) do n.º 2 do art.º 140.º do CT, que igualmente pode constituir fundamento para a celebração do contrato a termo incerto nos termos do n.º 3 da mesma disposição legal.
Mas a conclusão a retirar não seria diferente.
Na verdade, resulta do citado legal que é admissível a celebração do contrato a termo para execução de tarefa ocasional ou serviço determinado precisamente definido e não duradouro.
Mas, como se refere no Ac. do STJ de 17/03/2016[7] citando Alice Pereira de Campos[8]: «Estas situações correspondem a todas aquelas em que está em causa uma actividade que não faz parte da actividade normalmente desenvolvida na empresa e que Abílio Neto definiu como trabalho eventual. Estas actividades contrapõem-se às previstas na alínea anterior, na medida em que naquelas está em causa o desenvolvimento da actividade normal da empresa, mas em quantidade anormal, enquanto nestas a própria actividade é anormal, atendendo ao tipo de trabalho habitualmente desenvolvido pelo empregador. Ali está em causa uma alteração quantitativa, aqui uma alteração qualitativa.
Conforme previsto nesta norma, uma vez que a actividade a desenvolver tem um carácter isolado, a mesma deve estar perfeitamente definida no contrato. É necessário identificar com a maior precisão possível a tarefa ou serviço que o trabalhador contratado a termo vai desenvolver na empresa, sob pena de não estar suficientemente relacionada a aposição do termo e a duração do contrato com a actividade contratada, o que levará à nulidade do termo.»
Ora, a justificação inserta no contrato, tal como não concretiza o aumento excecional da atividade, também não concretiza o serviço em causa, nem a sua duração, de modo a permitir perceber se trata ou não de serviço correspondente à normal atividade da empresa, pois, não estão identificados quais os serviços contratados, nem a duração da prestação de serviços, não sendo para o efeito suficiente a afirmação de que o contrato de prestação de serviços tem duração limitada.
Por isso, mesmo que estivesse em causa a celebração do contrato ao abrigo do art.º 140.º, n.º 2, al. g) do CT, ele sempre teria ser considerado um contrato sem termo nos termos do art.º 147.º, n.º 1, al. c) por falta de concretização do motivo justificativo.
Por fim, não podemos deixar de referir que, mesmo que assim não se entendesse, da matéria de facto provada, que não foi objeto de impugnação, não resultam quaisquer factos, que competia à recorrente ter demonstrado (art.º 140.º, n.º 5 do CT), suscetíveis de integrar motivo justificativo para a celebração do contrato a termo, o que sempre levaria à conclusão de que o contrato em causa se considera sem termos nos termos do art.º 140.º, n.º 1, al. b) do CT.
E sendo assim, como também conclui o Mm.º Juiz “a quo”, tratando-se nos autos de um contrato por tempo indeterminado e não de um contrato com termo, a respetiva cessação da iniciativa do empregador pressupunha o cumprimento das formalidades do despedimento por facto imputável ao trabalhador, por inadaptação ou por extinção de posto de trabalho, nenhuma delas tendo sido cumprida.
No caso, ficou provado que, com data de 27/02/2024 a recorrente enviou à autora uma carta registada com aviso de receção, comunicando “a caducidade do contrato de trabalho” com feitos a 28/03/2024, referindo cumprir o pré-aviso legalmente previsto no nº1 do art.º 345º do CT.
A cessação do contrato procedeu, pois, de uma mera comunicação, unilateral, o que se reconduz a um despedimento ilícito (art.º 381.º, al. c) do C.T.) com as consequências previstas pelos arts. 389.º a 392.º do mesmo Código.
De facto, tal como afirmado no citado Ac. STJ de 28/04/2010[9], “Considerando-se o contrato de trabalho sem termo, é o mesmo insusceptível de licitamente cessar por caducidade fundada no decurso do tempo”.
O despedimento da autora foi, pois, ilícito, nos termos dos arts. 338º e 381º, al. c) do Código do Trabalho, com as consequências legais extraídas na sentença recorrida, que, na falta de qualquer outra questão que cumpra apreciar, se confirma na íntegra, improcedendo o recurso.
Por todo o exposto acorda-se julgar o recurso totalmente improcedente, confirmando, na íntegra, a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.