I - Na interpretação das cláusulas das convenções coletivas de trabalho deve atender-se às normas referentes à interpretação da lei, nos termos preceituados no artigo 9.º do Código Civil.
II - Constando de cláusula de convenção que o trabalhador que presta trabalho em dia feriado “terá direito, para além do vencimento que lhe caberia se não trabalhasse, à remuneração pelo trabalho efetivamente prestado, acrescida de 100%”, exercendo a empregadora a sua atividade em funcionamento contínuo e não correspondendo o trabalho prestado pelos trabalhadores nos dias feriados a trabalho prestado em dia de descanso, esse trabalho é prestado dentro do cumprimento do horário normal desses trabalhadores, muito embora beneficiando esses daquele acréscimo remuneratório de 100%.
III - Nestas situações em que é prestado trabalho normal em dia feriado, a retribuição diária do dia que corresponde ao dia feriado está já incluída na retribuição mensal que o trabalhador aufere, por correspondência a 30 dias, justamente porque aquele dia “feriado” corresponde a um dia normal de trabalho.
Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Juízo do Trabalho de ...
Autor: AA
Ré: A..., S.A.
António Luís Carvalhão
Teresa Sá Lopes
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto
I - Relatório
1. AA intentou ação de processo comum contra A..., S.A., pedindo a condenação desta no pagamento das seguintes quantias: diferenças salariais relativas à retribuição dos feriados efetivamente trabalhados, no montante de €7.970,03; diferenças salariais devidas pelo descanso compensatório, no montante de €3.527,50; diferenças salariais, resultantes do protocolo de 1994/1995 não cumprido, no montante de €1.881,70; pagamento integral das diuturnidades devidas nos meses de dezembro de 1987 e abril de 1998, no montante de €74,40; o pagamento integral do subsídio de alimentação do mês de janeiro de 2001, no montante de €141,81; pagamento integral do desconto indevido para a quotização sindical, no montante de €117,81; tudo acrescido dos juros vincendos, desde a data de citação até total adimplemento, mais peticionando a condenação da Ré no pagamento das custas e procuradoria.
Alegou, para tanto, muito em síntese, alega que, tendo sido admitido ao serviço da Ré, mediante contrato de trabalho subordinado, a tempo inteiro, sem termo, com salário mensal, para trabalhar no casino de ..., em 01 de Outubro de 1987, referente ao período em que perdurou a relação laboral a Ré não lhe pagou valores que menciona e que lhe eram devidos, para concluir pelo respetivo pagamento.
Não se logrando obter acordo na audiência prévia, depois de notificada apresentou-se a Ré a contestar, pronunciando-se sobre o invocado pelo Autor, para concluir: pela procedência da exceção perentória de prestação de trabalho normal, sendo a absolvida dos pedidos; subsidiariamente, seja a ação julgada improcedente, por não provada, sendo a ré absolvida dos pedidos; subsidiariamente, seja julgada procedente a exceção perentória de prescrição dos juros de mora vencidos há mais de 5 anos, sendo absolvida do pedido de condenação em juros nessa exata medida.
O Autor apresentou resposta à contestação, pronunciando-se quanto às exceções invocadas.
Depois de fixado o valor da ação em €13.713,25, foi proferido despacho saneador tabelar, após o que, invocando-se os “artigos 27.º, n.º 1 e 49.º, n.º 3, do Código de Processo do Trabalho”, se prescindiu da identificação do objeto do litígio e da enunciação dos temas da prova.
2. Realizada a audiência de julgamento foi proferida sentença de cujo dispositivo consta:
“Termos em que, por todo o exposto, julgo a presente ação parcialmente procedente, por provada, em consequência do que:
A) Julgo totalmente improcedente a exceção perentória da prescrição dos juros moratórios vencidos há mais de cinco anos;
B) Condeno a Ré “A..., S.A.” no pagamento ao Autor AA da quantia de € 1.326,94 (mil trezentos e vinte e seis euros e noventa e quatro cêntimos), a título de diferenças salariais relativas à retribuição dos feriados efetivamente trabalhados, acrescida de juros, desde a data do vencimento da cada prestação retributiva e até efetivo e integral pagamento, à taxa legal de 4%;
C) Condeno a Ré “A..., S.A.” no pagamento ao Autor AA da quantia de € 1.107,13 (mil cento e sete euros e treze cêntimos), a título de diferenças salariais resultantes do Protocolo de 1994/1995, acrescida de juros, desde a data do vencimento da cada prestação retributiva e até efetivo e integral pagamento, à taxa legal de 4%;
D) Condeno a Ré “A..., S.A.” no pagamento ao Autor AA da quantia de € 33,42 (trinta e três euros e quarenta e dois cêntimos), relativa ao pagamento integral das diuturnidades devidas nos meses de Dezembro de 1987 e Abril de 1998, acrescida de juros, desde a data do vencimento da cada prestação retributiva e até efetivo e integral pagamento, à taxa legal de 4%;
E) Condeno a Ré “A..., S.A.” no pagamento ao Autor AA da quantia de € 71,33 (setenta e um euros e trinta e três cêntimos), relativa ao pagamento integral do subsídio de alimentação do mês de Janeiro de 2001, acrescida de juros, desde a data do vencimento da cada prestação retributiva e até efetivo e integral pagamento, à taxa legal de 4%;
F) Condeno a Ré “A..., S.A.” no pagamento ao Autor AA da quantia de € 71,53 (setenta e um euros e cinquenta e três cêntimos), relativa ao pagamento integral do desconto indevido para a quotização sindical, acrescida de juros, desde a data do vencimento da cada prestação retributiva e até efetivo e integral pagamento, à taxa legal de 4%;
G) Condeno o Autor e a Ré no pagamento das custas processuais, na proporção do respetivo decaimento.
Registe e notifique.
Abra “vista” ao Ministério Público, a fim de se pronunciar, querendo, quanto à isenção de custas pretendida pelo Autor.”
2.1. Não se conformando com o assim decidido, apresentou o Autor requerimento de interposição de recurso, formulando no final das suas alegações, as conclusões seguintes:
“I. O autor tem um horário de 6 horas efectivas, pelo que o seu horário de trabalho em dia normal ou de feriado é de 6 horas efectivas, o que corresponde a 1 dia de trabalho – cf. a Cláusula 17ª, do CCT publicado no BTE n.º 25, 1.ª Série, de 8-07-1988.
II. A Cláusula 26ª do CCT, na versão de 1981, passou posteriormente, com redacção idêntica, a cláusula 25.ª na versão publicada no BTE n.º 36, de 29/09/1983 e posteriormente e também redacção idêntica, a Cláusula 24.ª da versão publicada no BTE n.º 30, de 15/08/1991, sob a epígrafe “Remuneração em dias de descanso e feriados”, refere o seguinte: “1 – O trabalhador chamado a prestar serviço nos dias de descanso semanal, complementar ou obrigatório terá direito, para além do vencimento que lhe caberia se não trabalhasse, à remuneração pelo trabalho efetivamente prestado, acrescida de 100%.
III. 2- O disposto no número anterior aplica-se também ao trabalho prestado nos feriados obrigatórios.”.
IV. Por força desta Cláusula, se o trabalhador prestar trabalho em dia feriado tem direito a receber, ao contrário do que julgou o tribunal a quo: (i) o que receberia se não prestasse trabalho; (ii) o trabalho efectivamente prestado; e (iii) um acréscimo de 100%, e não, como julgou o tribunal a quo, direito a receber apenas o dia que já integrava o seu vencimento, acrescido de 100%!
V. Se não há diferença na prestação de trabalho, também não deverá existir diferença na forma de o remunerar o trabalho.
VI. Julgando o tribunal a quo “Assim, como nesta cláusula não se faz qualquer distinção entre empresas que estão ou não obrigadas a suspender o seu funcionamento nos dias feriados, não devemos fazer qualquer distinção na sua aplicação” – pág. 34, da Sentença - teve em conta as diferentes terminologias para o cálculo da remuneração do trabalho prestado em dia de feriado em empresa não obrigada a suspender a sua actividade, o que é uma contradição.
VII. O tribunal a quo deveria ter concedido no cálculo pedido pelo autor, que foi com base no valor hora, por ser essa a forma correcta de calcular o valor do trabalho prestado em dia de feriado.
VIII. Julgou o tribunal a quo que o trabalho prestado em dia de feriado em empresas não obrigadas a encerrar não é trabalho suplementar e, como tal, não está abrangido pelas normas que até 2012, previam o descanso compensatório.
IX. Admitir este raciocínio seria admitir que o trabalhador de empresa não obrigada a encerrar nos feriados é um trabalhador de segunda categoria que, para além de obrigado a prestar trabalho, quando os outros descansam, ainda seria prejudicado por não ter direito a descanso compensatório que qualquer outro trabalhador teria se, como ele, tivesse trabalhado.
X. Se o autor prestou trabalho num dia de feriado em dia em que a empregadora não está obrigada a encerrar, tal não significa que, esse dia, seja um dia de trabalho normal, sem prestação de trabalho suplementar, em contraponto com o mesmo dia de trabalho prestado em empresa que esteja obrigada a encerrar!
XI. O que difere, verdadeiramente, é apenas o facto de o trabalhador, aqui recorrente, estar obrigado a prestar trabalho nesse dia se não for o seu dia de descanso semanal, o que per se, se comparado com o direito de outros trabalhadores, já tem muito que se lhe diga.
XII. Sendo que o facto de estar obrigado a prestar trabalho nesse dia não poderá resultar em duplo prejuízo: (i) Por um lado, não pode descansar como qualquer outro trabalhador de outro sector de actividade, pois está obrigado à prestação de trabalho; e (ii) Por outro lado, o trabalhador que pode não trabalhar tem direito a descanso compensatório se o fizer e aquele que está obrigado a prestar trabalho, não!
XIII. Tal conclusão é materialmente injusta porque discriminatória, criando trabalhadores de categoria inferior, o que, convenhamos, não é função do Direito.
XIV. Pelo que, ainda que se julgue o dia de feriado em empresa que não esteja obrigada a encerrar como um dia normal de trabalho, o que não se concede, esse, para além de remunerado, deve estar abrangido pelas normas que previam o descanso compensatório.
XV. O acréscimo de 100% previsto na sobredita Cláusula 26ª, depois 24ª, do irct, não é alternativa ao descanso compensatório.”
Conclui, na procedência do recurso, que a sentença seja parcialmente revogada, sendo “substituída por uma outra que julgue o pedido do autor/recorrente procedente na sua totalidade, por provado”.
2.1. Contra-alegou a Ré, apresentando ainda recurso subordinado, concluindo com as conclusões que se seguem:
“1.ª O Tribunal a quo fixou correctamente a matéria de facto e, bem assim, julgou conforme o que é de Direito, pelo que a sentença não merece censura, nem deve ser revogada, com exceção do excerto decisório do qual se recorre subsidiariamente.
EM ESPECIAL, QUANTO AO RECURSO SUBORDINADO
2.ª A Ré, agora Recorrente, recorre, a título subordinado, da sentença proferida pelo Tribunal a quo na parte em que a sentença recorrida condena a Ré – alínea B) do decisório - no pagamento ao Autor da quantia de € 1.326,94, a título de diferenças salariais relativas à retribuição dos feriados efetivamente trabalhados, acrescida de juros, desde a data do vencimento da cada prestação retributiva e até efetivo e integral pagamento, e na parte em que não se pronuncia sobre a forma de cálculo dos juros de mora, mais concretamente se os mesmos devem ser calculados sobre montantes líquidos.
3.ª Sucede que a Recorrente deveria ter sido absolvida do pedido relativo ao pagamento de diferenças salariais relativas ao trabalho normal prestado em dia feriado à luz do entendimento expresso na douta Sentença, não devendo ter sido condenada a pagar qualquer valor a esse título.
4.ª A douta Sentença considera que a referência ao acréscimo de 200% constante do CCT deve ser entendido no sentido de 100% desses 200% já estarem incluídos na retribuição base.
5.ª Ora, consta dos factos provados que a Ré/Recorrente pagou sempre pelo menos 100% da retribuição diária como acréscimo, tendo até pago mais durante largos períodos.
6.ª Não obstante o exposto, a douta Sentença entendeu que, a partir de 2015 e até Outubro de 2022, a Ré/Recorrente devia ter pago valores superiores aos que resultariam da interpretação do CCT defendida na douta sentença.
7.ª Está em causa, com o devido e elevado respeito, oposição entre os fundamentos da douta sentença e a decisão na parte em que ocorre condenação da Ré/Recorrente no pagamento de diferenças salariais referentes ao trabalho prestado em dia feriado, o que constitui nulidade nos termos do disposto nos artigos 613.º, n.º 2, 614.º e 615.º, n.º 1, alínea c), e n.º 4, do CPC (ex vi artigo 1.º, n.º 2, alínea a), do CPT).
8.ª Na Contestação apresentada, mais precisamente nos respetivos artigos 139.º a 146.º, 178.º e 181.º, foi alegado que quaisquer juros que se entendessem ser devidos ao Autor/Recorrido deveriam ser calculados sobre montantes líquidos e não ilíquidos.
9.ª Sucede que a douta sentença recorrida não se pronunciou sobre a questão, limitando-se a condenar no pagamento de “juros, desde a data do vencimento de cada prestação retributiva e até efetivo e integral pagamento, à taxa legal de 4 %”.
10.ª Ao ter omitido qualquer alusão ao referido pedido, o Tribunal a quo deixou de se pronunciar sobre questão que deveria apreciar, o que constitui causa de nulidade, por força do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC.
11.ª Na eventualidade de não ser julgada procedente a nulidade invocada por oposição entre a fundamentação e a decisão da sentença recorrida (no que não se concede e refere por mero dever de patrocínio), vem a Ré/ Recorrente recorrer, por violação de lei substantiva, da decisão a condenou no pagamento de diferenças salariais relativas à retribuição dos feriados efetivamente trabalhados, acrescida de juros.
12.ª A Recorrente fá-lo apesar da manifesta dificuldade em compreender a articulação entre a fundamentação como um todo e o próprio sentido da decisão, circunstância essa que dificulta a interposição do recurso, pelo que a sua fundamentação, conclusões e pedido basear-se-ão em suposições quanto ao sentido da decisão recorrida.
13.ª Supondo, assim, que o Tribunal a quo pretendeu efetivamente condenar a Ré/Recorrente no pagamento de diferenças retributivas, fundadas na aplicação de um acréscimo de 200%, pelo trabalho normal prestado nos feriados trabalhados entre 2015 e Outubro de 2022, não julgou conforme o direito.
14.ª Antes de mais, a Ré/Recorrente entende que o regime aplicável ao trabalho normal prestado em dia feriado não é o previsto no CCT referido na sentença recorrida, mas antes o regime previsto no Código do Trabalho (“CT”).
15.ª Pressuposto prévio de toda a análise é o facto de o trabalho prestado pelo Autor/Recorrido nos feriados que elenca, e em relação aos quais este reclama diferenças salariais, corresponder a trabalho normal, como bem entendeu o Tribunal a quo.
16.ª O Autor/Recorrido insiste na ideia de que o trabalho em causa não tem a natureza de trabalho normal, mas certo é que não impugnou a matéria de facto dada como provada que suporta a conclusão de que está em causa trabalho normal.
17.ª Contrariamente ao que o Autor/Recorrido parece insistir em defender, é pacífico que o trabalho prestado em dias feriados em empresa não dispensada de encerrar nesses dias não segue (nem tem de seguir) o regime jurídico do trabalho suplementar, seja no que respeita ao pagamento da retribuição, seja no que se prende com o descanso compensatório.
18.ª Inexiste e inexistiu durante todo o período a que se reporta a ação qualquer fonte legal, contratual ou convencional de uma alegada obrigação de pagamento do trabalho normal prestado em dias feriados com acréscimo de 200%.
19.ª O CCT identificado pelo Autor/Recorrido não previa nenhuma regra relativa ao regime do trabalho normal prestado em dia feriado em empresa não obrigada a encerrar.
20.ª Com efeito, a sua cláusula 24.ª, na versão publicada no BTE n.º 36, de 29/09/1983 (que passou, posteriormente e também com redação idêntica, a cláusula 23.ª da versão publicada no BTE n.º 30, de 15/08/1991) aplica-se apenas ao trabalho suplementar prestado em dias feriados e já não ao trabalho normal, aqui em causa.
21.ª De facto, nos termos do n.º 1 da referida cláusula, “O trabalhador chamado a prestar serviço nos dias de descanso semanal, completar ou obrigatório, terá direito, para além do vencimento que lhe caberia se não trabalhasse, à remuneração pelo trabalho efetivamente prestado, acrescida de 100%”. (sublinhado nosso) O respetivo n.º 2 prevê que “O disposto no número anterior aplica-se também ao trabalho prestado nos feriados obrigatórios”.
22.ª Ora, como foi já referido, o Autor/Recorrido não foi chamado a prestar trabalho nos dias feriados que indica porquanto estes já integravam o seu horário de trabalho.
23.ª Importa notar que, se o trabalho prestado em dia feriado pode ser considerado trabalho normal ou trabalho suplementar consoante esse dia feriado integre ou não o horário de trabalho do trabalhador em causa, já o trabalho prestado em dia de descanso semanal, seja ele obrigatório ou complementar, é sempre, por definição, trabalho suplementar.
24.ª Não precisavam, assim, os outorgantes do CCT de, na própria cláusula operar qualquer distinção, pois, na remissão, ao mandar aplicar o regime de pagamento do trabalho em dia de descanso (ou seja, um regime de suplementar), pretenderam prever o pagamento de apenas esse trabalho, i.e., apenas o trabalho suplementar.
25.ª É ainda necessário analisar-se a integração destas cláusulas, tendo como pressuposto a organização do sistema, ou seja, as próprias disposições do CT quanto a matéria semelhante.
26.ª Ora, o artigo 269.º do CT constitui uma disposição especial relativa à prestação de trabalho normal em dia feriado. Ora, esta disposição valoriza o tempo de trabalho aí descrito de forma diferente do trabalho suplementar, melhor remunerado e sem possibilidade de substituição por descanso compensatório, devido precisamente a todo o contexto exposto.
27.ª Se assim não se entendesse, o trabalhador iria receber uma retribuição triplamente valorizada, o que causaria uma enorme injustiça e até uma desigualdade entre, por um lado, os trabalhadores que prestam trabalho normal em dia feriado e estão, por isso, a contar em trabalhar em determinado feriado (podendo organizar a sua vida em conformidade, sem impacto ou transtorno) e os trabalhadores que prestam trabalho suplementar nesses dias de forma excecional e sem que tal fosse previsível (o que, naturalmente, provoca um certo impacto na sua vida).
28.ª Nessa medida, e com o devido respeito, a sentença sub judice violou as disposições supra citadas, entendendo a Ré/Recorrente que as cláusulas 24.ª do CCT do Jogo publicado no BTE n.º 36, de 29/09/1983 e 23.ª da versão publicada no BTE n.º 30, de 15/08/1991 devem ser interpretadas no sentido de não se aplicarem à prestação de trabalho normal em dia feriado ou, caso assim não se entenda ser interpretadas no sentido de obrigarem ao pagamento de um acréscimo remuneratório equivalente a 100% da retribuição diária (e não de o valor da retribuição diária incrementado com um acréscimo).
Conclui nos termos seguintes:
Nestes termos, deverá:
(i) Ser negado provimento ao recurso interposto pelo Autor/Recorrente;
(ii) (ii) Ser dado provimento total ao recurso subordinado interposto pela Ré/Recorrente e, em consequência:
a. ser suprida a nulidade da sentença por manifesta contradição/oposição entre os seus fundamentos e respetiva decisão, revogando-se o excerto decisório sob a alínea B) da sentença recorrida;
b. ser suprida a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, pronunciando-se a sentença recorrida se os juros de mora a que foi condenada nas alíneas C) e D) da sentença e também da alínea B), na eventualidade de esta condenação se manter, devem ou não ser calculados sobre montantes líquidos de impostos e contribuições eventualmente aplicáveis;
c. subsidiariamente com ii. a., ser revogado o excerto decisório sob a alínea B) da sentença recorrida, absolvendo-se a Ré/Recorrente desse pedido.”
2.2. Antes da subida dos autos foi proferido despacho com o teor que se segue:
“Por legal e tempestivo, admito o recurso interposto pelo Autor AA, e o recurso subordinado interposto pelo Ré “A..., S.A.”, os quais são de apelação, com efeito meramente devolutivo e subida nos próprios autos, nos termos dos artigos 79.º-A, n.º 1, alínea a), 80.º, n.º 1, 81.º, 83.º, n.º 1, 83.º, n.º 1 e 83.º-A, n.º 1, todos do Código de Processo do Trabalho.
Notifique.”
3. A Exma. Procuradora-Geral Adjunta, no parecer que emitiu, pronuncia-se pela improcedência do recurso, parecer esse ao qual respondeu a Ré.
II – Questões a decidir
Sendo pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso (artigos 635.º, n.º 4, e 639., n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil (CPC) – aplicável “ex vi” do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho (CPT) –, integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, são as seguintes as questões a decidir: (1) invocadas nulidades da sentença (recurso subordinado); (2) ambos os recursos: saber se a sentença recorrida errou na aplicação do direito (ambos os recursos).
A. Fundamentação de facto
Nos termos do disposto no n.º 6 do artigo 663.º do CPC, não tendo sido impugnada, sem que haja ainda lugar a qualquer alteração, remete-se para a sentença no que se refere à matéria de facto nessa considerada.
B. Discussão
1. Nulidade da sentença
Sustenta a Ré que:
- verifica-se oposição entre os fundamentos e a decisão, na parte em que ocorre condenação no pagamento de diferenças salariais referentes ao trabalho prestado em dia feriado, o que constitui nulidade nos termos do disposto nos artigos 613.º, n.º 2, 614.º e 615.º, n.º 1, alínea c), e n.º 4, do CPC (ex vi artigo 1.º, n.º 2, alínea a), do CPT);
- Tendo alegado na contestação que quaisquer juros de mora que se entendessem ser devidos ao Autor deveriam ser calculados sobre montantes líquidos e não ilíquidos, a sentença recorrida não se pronunciou sobre a questão, limitando-se a condenar no pagamento de “juros, desde a data do vencimento de cada prestação retributiva e até efetivo e integral pagamento, à taxa legal de 4 %”, pelo que, diz, ao ter omitido qualquer alusão ao referido pedido, o Tribunal a quo deixou de se pronunciar sobre questão que deveria apreciar, o que constitui causa de nulidade, por força do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC.
Fazendo uma breve abordagem aos vícios invocados pela Recorrente, pode dizer-se, quanto ao primeiro, que a nulidade da sentença, prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC – Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível –, lembrando Alberto dos Reis[1], acontece quando se patenteia que a sentença enferma de vício lógico que a compromete, ou seja, o juiz, escrevendo o que realmente quis escrever, fez todavia uma construção viciosa, já que os fundamentos que invocou conduziriam logicamente, não ao resultado expresso, mas ao oposto. A propósito, refere-se no acórdão do STJ de 26 de Janeiro de 2021[2], “O vício a que se reporta o apontado segmento normativo implica, por um lado, que haja uma contradição lógica no Aresto, o que significa, para a sua ocorrência, que a fundamentação siga um determinado caminho e a decisão opte por uma conclusão completamente diversa, e, por outro, que tal fundamentação inculque sentidos diversos e/ou seja pouco clara ou imperceptível.”
Por outro lado, a respeito da omissão de pronúncia – alínea d): O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento –, diremos que se trata de vício que tem a ver com os limites da atividade de conhecimento do tribunal, estabelecidos no artigo 608.º, n.º2 do CPC[3], sendo que, a esse respeito continuam mais uma vez plenamente válidos, ainda hoje, os ensinamentos de Alberto dos Reis: “(...) uma coisa é o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questão que devia apreciar, outra invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção” – “são, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer a questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte”.[4] No mesmo sentido, Lebre de Freitas[5] ao referir que “Resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação’ não significa considerar todos os argumentos que, segundo as várias vias, à partida plausíveis, de solução do pleito, as partes tenham deduzido ou o próprio juiz possa inicialmente ter admitido. Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Abril de 2014[6], o juiz “não tem que esgotar a análise da argumentação das partes, mas apenas que apreciar todas as questões que devam ser conhecidas, ponderando os argumentos na medida do necessário e suficiente”. Em traços breves, como no Acórdão desta Relação de 28 de outubro de 2021[7], diremos também que se pretende aqui sancionar, em respeito pelo princípio do pedido e do impulso processual associado ao princípio da contradição, consagrados desde logo no artigo 3.º do CPC, a violação do disposto no artigo 608.º n.º 2 do CPC, sendo assim “em função do objeto processual delineado pelo autor, conformado este pelo pedido e causa de pedir, bem como pelas questões / exceções ao mesmo opostas pelo réu que a atividade do tribunal se desenvolverá, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso” – «o mesmo é dizer que a pronúncia judicial deve recair “sobre a causa de pedir, o pedido, as exceções dilatórias e perentórias invocadas e os pressupostos processuais, se for controvertida a sua verificação”, sob pena de nulidade por omissão ou excesso de pronúncia». Ou seja, para que seja cumprido o dever aí estabelecido é preciso que haja identidade entre a causa petendi e a causa judicandi, entre a questão posta pelas partes e identificada pelos sujeitos, pedido e causa de pedir e a questão resolvida pelo juiz[8].
Pois bem, aplicando ao caso o regime que antes se enunciou, desde já diremos que, não se confundindo a mera leitura e interpretação que a Recorrente parece fazer da sentença a respeito da questão que refere com o que efetivamente resulta da sentença, desde já se dirá que não se vislumbra em que possa sustentar-se que ocorra uma qualquer contradição na sentença, sendo que, pelo contrário, os fundamentos da mesma constantes conduzem, em termos lógicos, à solução a que nessa se chegou. Coisa diversa, mas que extravasa já o âmbito de aplicação do analisado vício, é a de saber se nessa foi ou não aplicado adequadamente o direito, questão esta já de mérito da causa.
Do mesmo modo não ocorre a invocada omissão de pronúncia, pois que, pronunciando-se o Tribunal sobre os juros de mora devidos e desde quando, ocorreu efetiva pronúncia, não havendo mais uma vez que confundir-se o vício em causa com qualquer eventual erro na aplicação do direito.
Improcedem, em face do exposto, os argumentos da Recorrente nesta parte.
2. Dizendo de direito
Não sendo os recursos dirigidos à impugnação da matéria de facto, a factualidade a atender, para dizermos de direito, é a que foi considerada na sentença.
2.1. Introito
Recurso principal:
Em face das conclusões que delimitam o objeto do recurso, nos termos antes ditos, invoca o Autor / recorrente, que, em face do que resulta da cláusula do CCT aplicável, se o trabalhador prestar trabalho em dia feriado tem direito a receber, ao contrário do que julgou o tribunal a quo, (i) o que receberia se não prestasse trabalho, (ii) o trabalho efectivamente prestado e (iii) um acréscimo de 100%.
Invoca, para o efeito, os argumentos seguintes:
- Se não há diferença na prestação de trabalho, também não deverá existir diferença na forma de o remunerar;
- Julgando o tribunal a quo “Assim, como nesta cláusula não se faz qualquer distinção entre empresas que estão ou não obrigadas a suspender o seu funcionamento nos dias feriados, não devemos fazer qualquer distinção na sua aplicação” – pág. 34, da Sentença - teve em conta as diferentes terminologias para o cálculo da remuneração do trabalho prestado em dia de feriado em empresa não obrigada a suspender a sua atividade, o que é uma contradição;
- Julgou o tribunal a quo que o trabalho prestado em dia de feriado em empresas não obrigadas a encerrar não é trabalho suplementar e, como tal, não está abrangido pelas normas que até 2012, previam o descanso compensatório, sendo que, diz, admitir este raciocínio seria admitir que o trabalhador de empresa não obrigada a encerrar nos feriados é um trabalhador de segunda categoria que, para além de obrigado a prestar trabalho, quando os outros descansam, ainda seria prejudicado por não ter direito a descanso compensatório que qualquer outro trabalhador teria se, como ele, tivesse trabalhado – se prestou trabalho num dia de feriado em dia em que a empregadora não está obrigada a encerrar, tal não significa que, esse dia, seja um dia de trabalho normal, sem prestação de trabalho suplementar, em contraponto com o mesmo dia de trabalho prestado em empresa que esteja obrigada a encerrar –, acrescentando que o que difere é apenas o facto de o trabalhador estar obrigado a prestar trabalho nesse dia se não for o seu dia de descanso semanal, sendo que o facto de estar obrigado a prestar trabalho nesse dia não poderá resultar em duplo prejuízo (por um lado, não pode descansar como qualquer outro trabalhador de outro sector de atividade, pois está obrigado à prestação de trabalho, e, por outro lado, o trabalhador que pode não trabalhar tem direito a descanso compensatório se o fizer e aquele que está obrigado a prestar trabalho, não), conclusão que é materialmente injusta porque discriminatória, criando trabalhadores de categoria inferior, o que, convenhamos, não é função do Direito.
Pronuncia-se a Ré / apelada pela improcedência do recurso.
Recurso subordinado.
No recurso subordinado, delimitando o recurso à parte da sentença em que é condenada (alínea B) do decisório) no pagamento ao Autor da quantia de €1.326,94 (a título de diferenças salariais relativas à retribuição dos feriados efetivamente trabalhados, acrescida de juros, desde a data do vencimento da cada prestação retributiva e até efetivo e integral pagamento), sustenta a Ré, designadamente: que as cláusulas 24.ª do CCT do Jogo publicado no BTE n.º 36, de 29/09/1983 e 23.ª da versão publicada no BTE n.º 30, de 15/08/1991 devem ser interpretadas no sentido de não se aplicarem à prestação de trabalho normal em dia feriado ou, caso assim não se entenda ser interpretadas no sentido de obrigarem ao pagamento de um acréscimo remuneratório equivalente a 100% da retribuição diária (e não de o valor da retribuição diária incrementado com um acréscimo), pelo que, acrescenta, supondo que o Tribunal pretendeu efetivamente condenar a Ré/Recorrente no pagamento de diferenças retributivas, fundadas na aplicação de um acréscimo de 200%, pelo trabalho normal prestado nos feriados trabalhados entre 2015 e outubro de 2022, não julgou conforme o direito, pois que, diz, o regime aplicável ao trabalho normal prestado em dia feriado não é o previsto no CCT referido na sentença recorrida, mas antes o regime previsto no Código do Trabalho (“CT”) – o CCT não previa nenhuma regra relativa ao regime do trabalho normal prestado em dia feriado em empresa não obrigada a encerrar, sendo que, diz, a sua cláusula 24.ª, na versão publicada no BTE n.º 36, de 29/09/1983 (que passou, posteriormente e também com redação idêntica, a cláusula 23.ª da versão publicada no BTE n.º 30, de 15/08/1991) aplica-se apenas ao trabalho suplementar prestado em dias feriados e já não ao trabalho normal, aqui em causa, sendo necessário analisar-se a integração das cláusulas, tendo como pressuposto a organização do sistema, ou seja, as próprias disposições do CT quanto a matéria semelhante, assim o que resulta do artigo 269.º do CT, que constitui uma disposição especial relativa à prestação de trabalho normal em dia feriado (esta disposição valoriza o tempo de trabalho aí descrito de forma diferente do trabalho suplementar, melhor remunerado e sem possibilidade de substituição por descanso compensatório) / se assim não se entendesse, o trabalhador iria receber uma retribuição triplamente valorizada, o que causaria uma enorme injustiça e até uma desigualdade entre, por um lado, os trabalhadores que prestam trabalho normal em dia feriado e estão, por isso, a contar em trabalhar em determinado feriado (podendo organizar a sua vida em conformidade, sem impacto ou transtorno) e os trabalhadores que prestam trabalho suplementar nesses dias de forma excecional e sem que tal fosse previsível (o que, naturalmente, provoca um certo impacto na sua vida).
Conclui que as cláusulas 24.ª do CCT do Jogo publicado no BTE n.º 36, de 29/09/1983 e 23.ª da versão publicada no BTE n.º 30, de 15/08/1991 devem ser interpretadas no sentido de não se aplicarem à prestação de trabalho normal em dia feriado ou, caso assim não se entenda, ser interpretadas no sentido de obrigarem ao pagamento de um acréscimo remuneratório equivalente a 100% da retribuição diária (e não de o valor da retribuição diária incrementado com um acréscimo).
2.2. Apreciação (ambos os recursos)
Pronunciando-se o Ministério Público nesta Relação pela improcedência dos recursos, constata-se que da sentença recorrida se fez constar, no âmbito das questões levantadas, nomeadamente o seguinte:
«(…) Resta, então, analisar se a Cláusula 24ª do CCT celebrado entre a Associação Portuguesa das Empresas Concecionárias das Zonas de Jogo e o Sindicato dos Profissionais de Banca dos Casinos apenas regula o trabalho suplementar prestado em dia feriado, como pretende a Ré, ou se se aplica aos casos em que o trabalhador presta trabalho normal em dia feriado em empresa, não obrigada a suspender o funcionamento nesse dia, como sustenta o Autor.
Entende a Ré que o regime do trabalho normal em dia feriado, isto é, o trabalho prestado em dia feriado por trabalhador de empresa dispensada de suspender a atividade aos feriados, como é o caso da Ré, não está regulado naquele CCT, pelo que o regime a aplicar tem de ser o do Código do Trabalho.
Efetivamente, nos termos do Artigo 28º da Lei do Jogo, os casinos devem funcionar, normalmente, em todos os dias do ano ou em seis meses consecutivos, consoante se trate de zona de jogo permanente ou temporário, podendo estes períodos ser reduzidos até metade, mediante autorização do Governo. Como tal, a Ré é uma empresa dispensada de suspender a atividade em dia feriado.
Vejamos.
Para interpretação das cláusulas de conteúdo regulativo das convenções coletivas de trabalho devemos atender às normas atinentes à interpretação da lei, consignadas em particular, no artigo 9º do Código Civil, visto tais cláusulas serem dotadas de generalidade e abstração e serem suscetíveis de produzir efeitos na esfera jurídica de terceiros.
Como se estabeleceu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nº1/2019, publicado no DR I Série, de 19.03.2019:
“I. Na interpretação das cláusulas de conteúdo regulativo das convenções coletivas de trabalho regem as normas atinentes à interpretação da lei, contidas no artigo 9.º do Código Civil, visto tais cláusulas serem dotadas de generalidade e abstração e serem suscetíveis de produzir efeitos na esfera jurídica de terceiros.
II. Na fixação do sentido e alcance de uma norma, a par da apreensão literal do texto, intervêm elementos lógicos de ordem sistemática, histórica e teleológica.”
Nos termos do artigo 9º do Código Civil, sob a epigrafe “Interpretação da lei”:
“1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”.
Lançando mão de tais critérios, afigura-se-nos ser de concluir que a cláusula 24ª abarca o trabalho prestado em qualquer dia feriado obrigatório e em todo o tipo de empresas, não fazendo qualquer distinção entre aquelas que estão dispensadas de suspender o seu funcionamento nesses dias e aquelas que não estão.
É a letra da cláusula (24ª do CCT) que refere expressamente que o trabalhador que preste trabalho nos dias de descanso semanal, mas também nos feriados obrigatórios (n.º 2), sem qualquer restrição e sem qualquer distinção, terá direito, para além do vencimento que lhe caberia se não trabalhasse, à remuneração pelo trabalho efetivamente prestado, acrescida de 100%.
Note-se que onde a letra da lei não distingue, não é legítimo ao intérprete distinguir - “ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus”-, e quando a lei quis distinguir entre trabalho suplementar prestado em dia feriado e trabalho prestado em dia feriado em empresa não obrigada a encerrar, fê-lo expressamente, como decorre do regime previsto no artigo 269º do Código de Trabalho.
Devemos, assim, considerar, que se o CCT pretendesse operar essa distinção de regimes, tê-lo-ia consagrado expressamente, tanto mais que o âmbito de aplicação deste instrumento de regulação coletiva são precisamente as relações laborais dos trabalhadores das empresas representadas pela Associação Portuguesa das Empresas Concecionárias das Zonas de Jogo, ou seja, casinos que estão abertos todo o ano, com exceção do dia de Natal, como decorre da Lei do Jogo, e das próprias cláusulas do CCT (veja-se a Cláusula 37ª).
Assim, como nesta cláusula não se faz qualquer distinção entre empresas que estão ou não obrigadas a suspender o seu funcionamento nos dias feriados, não devemos fazer qualquer distinção na sua aplicação.
Entendemos que a sua formulação não permite qualquer outra interpretação e nem qualquer distinção entre as empresas em que é prestado, se dispensadas ou se obrigadas a suspender o seu funcionamento nesses dias.
Na cláusula interpretanda está, pois, consagrado um regime único e uniforme para o trabalho prestado em todos os dias feriados e para todas as empresas.
Reitera-se, pois, citando os recentes Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 11/05/2022, proc. 2722/20.0T8CSC.S1 e n.º 3798/20.6T8BRG. G1.S1, ambos acessíveis in www.dgis.pt, que “A letra da lei – aqui a letra da cláusula da convenção – é não apenas o ponto de partida da interpretação, mas o limite da mesma”.
Entendemos, pois, que nada obsta à aplicação do regime previsto naquela cláusula 24ª ao trabalho normal prestado em dia feriado por empresa não obrigada a suspender o funcionamento nesse dia, não se vislumbrando razões para aplicar ao caso o Código do Trabalho, já que não existe qualquer lacuna no CCT sobre tal questão.
É certo que tal cláusula é mais favorável que o previsto no Código do Trabalho, mas a mesma tem plena aplicação e prevalece sobre o disposto no artigo 269º, nº2, do Código do Trabalho, que não tem natureza imperativa.
Ressalva-se apenas o período compreendido entre 01.08.2012 e 31.12.2014, período em que, por imposição legal, se aplica o disposto no artigo 269º, nº2, do Código do Trabalho, como já acima aludimos.
A cláusula da CCT é, no entanto, omissa quanto à fórmula de remuneração do trabalho prestado em dias feriados, colocando-se a questão de saber se o acréscimo de 100% deve ter por base a retribuição diária ou a retribuição horária.
Na Cláusula 22ª encontra-se prevista a fórmula para o cálculo do valor da retribuição diária e horária.
Por sua vez, na Cláusula 23ª está expressamente prevista uma fórmula de cálculo para o trabalho extraordinário, tendo por base a retribuição diária.
Assim, afigura-se-nos que, no que respeita à fórmula de cálculo da retribuição devida para o trabalho prestado em dias feriados, de acordo com a referida cláusula 24ª, devemos atender à retribuição diária e não à retribuição horária, apenas estabelecida de forma expressa para a retribuição do trabalho extraordinário, prevista na cláusula 23ª.
A este respeito pronunciou-se expressamente o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23 de Fevereiro de 2015, proferido no processo n.º 486/13.3TTVNG.P1, disponível em www.dgsi.pt, e assim sumariado:
“I - O trabalhador que prestar serviço nos feriados obrigatórios terá direito, para além do vencimento que lhe caberia se não trabalhasse, à remuneração pelo trabalho efetivamente prestado, acrescida de 100% (n.º 2, da cláusula 24.ª do citado CCT) celebrado entre a Associação Portuguesa das Empresas Concessionárias das Zonas de Jogo, hoje, Associação Portuguesa de Casinos e o Sindicato dos Profissionais de Banca dos Casinos. Ao contrário do que resulta da cláusula 23.ª do mesmo CCT quanto à retribuição do trabalho extraordinário que faz apelo à retribuição horária, no que respeita à remuneração do trabalho prestado nos feriados, nada resulta da cláusula 24.ª no mesmo sentido, sendo certo que, se fosse essa a intenção do legislador teria feito apelo à mesma fórmula de cálculo da retribuição horária, o que não ocorreu.(…)”.
Por sua vez, a retribuição diária é calculada tendo por base a retribuição mensal acrescida das diuturnidades vencidas, considerando trinta dias de trabalho, conforme previsto na Cláusula 22ª da CCT.
Acrescente-se ainda que, não oferecendo controvérsia a circunstância de o estabelecimento explorado pela Ré – o Casino de ... – se encontrar aberto 365 dias por ano, com exceção do dia 24 de Dezembro (artigo 28.º, da Lei do Jogo – Decreto-Lei n.º 422/89, de 02-12 e contrato de concessão), resultando ainda clarificado da prova produzida em audiência de julgamento que o trabalho prestado pelos trabalhadores da sala de jogos nos dias feriados corresponde a trabalho normal, integrando o horário de trabalho de cada um dos trabalhadores, definido e afixado em cada um dos meses em causa, a retribuição diária que corresponde a esse dia já está incluída na retribuição mensal que o trabalhador aufere, por correspondência a 30 dias, justamente porque aquele dia “feriado” corresponde a um dia normal de trabalho.
E a interpretação que sustentamos ser a correta da referida cláusula 24ª, determina que, nas situações como a dos autos, em que se apurou que o trabalho prestado em dia feriado corresponde a trabalho normal (em empresa não obrigada a suspender o funcionamento nesse dia), o pagamento do dia feriado seja efetuado com um acréscimo de 100%, uma vez que a remuneração mensal já inclui o pagamento desse feriado, que já se deve considerar remunerado, dessa forma, a 200%.
Tendo-se, então, apurado que a Ré exerce a sua atividade de modo contínuo, e que o trabalho prestado pelo Autor nos dias feriados, cujo pagamento das diferenças salariais peticiona, é trabalho prestado dentro do cumprimento do seu horário normal de trabalho, e ainda que o Autor aufere uma retribuição mensal por correspondência a 30 dias, nessa retribuição mensal está incluída a retribuição diária correspondente ao dia feriado.
E, assim sendo, o acréscimo de 100% a que se refere a aludida cláusula 24ª, na situação como a dos autos, (em que o trabalho prestado nos dias feriados corresponde a trabalho normal) há-de corresponder a um, e não a dois, acréscimos daquela retribuição, sob pena de, assim não sendo, o trabalhador receber, pelo trabalho prestado em dia feriado, três vezes a remuneração normal: uma, a que já está incluída na retribuição mensal e, ainda, dois acréscimos de 100% cada um (200%). Ou seja, receberia, na totalidade e pelo feriado trabalhado, o triplo da retribuição diária (a do dia, já incluído na retribuição mensal + 200%).
Conclui-se, assim, na situação dos autos, em que o pagamento do dia feriado já está incluído e englobado na remuneração mensal; se, nesse dia, é prestado trabalho, então o trabalhador, para além do já auferido, que se encontra incluído na retribuição, terá o direito ao referido acréscimo de 100%.
Veja-se, neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 08/02/2019, e o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 08/05/2023, proc. 16800/21.5T8PRT.P1., ambos disponíveis em www.dgsi.pt).
Neste último, pode ler-se: “(…) nestas situações em que é prestado trabalho normal em dia feriado, a retribuição diária do dia que corresponde ao dia feriado está incluída na retribuição mensal que o trabalhador aufere, por correspondência a 30 dias, justamente porque aquele dia “feriado” corresponde a um dia normal de trabalho”. Aliás, como também nessa sentença referido, a interpretação que o Autor faz da aludida cláusula levaria a que as trabalhadoras recebessem um acréscimo de 200% e não de 100% como previsto na cláusula, pois que, como aquela se diz, importará ter presente que nestas situações, em que é prestado trabalho normal em dia feriado, a retribuição diária que corresponde a esse dia já está incluída “na retribuição mensal que o trabalhador aufere, por correspondência a 30 dias, justamente porque aquele dia “feriado” corresponde a um dia normal de trabalho”.
Como se refere no Acórdão desta Relação de 8 de fevereiro de 2019, também a propósito de interpretação de cláusula de CCT muito embora diverso e situação também diversa mas que neste aspeto será aplicável ao caso, “em todas estas normas o padrão é o acréscimo de determinada percentagem sobre a remuneração que o trabalhador aufere normalmente”.
Isto posto, e descendo ao caso concreto, impõe-se verificar se são devidas ao Autor as diferenças salariais peticionadas quanto à remuneração do trabalho prestado em dias feriados.
Ora, no período compreendido entre 01 de Outubro de 1987 e 31 de Agosto de 2012, em que a Ré pagou o trabalho prestado em dias feriados de acordo com a fórmula prevista na cláusula 24ª do CCT, de acordo com a interpretação que sustentamos e atrás referida, isto é, tendo por base a retribuição diária, não vemos razões para reconhecer as diferenças de remuneração reclamadas pelo Autor nesses períodos.
O mesmo se diga quanto ao período compreendido entre 05 de Outubro de 2022 e 01 de Janeiro de 2024, em que a Ré voltou a pagar o trabalho prestado em dias feriados de acordo com a fórmula prevista na cláusula 24ª do CCT, e até de forma mais favorável ao trabalhador.
No que respeita ao período de Novembro de 2012 a dezembro de 2014, importa ter presente que, nos termos do artigo 7º, nº4, da citada Lei nº 23/2012, de 25.06, no período compreendido entre 01.08.2012 e 31 de dezembro de 2014, ficou suspensa aquela disposição do CCT (cláusula 24ª), pelo que a Ré estava obrigada a pagar apenas o valor previsto no artigo 269.º do Código de Trabalho, por força do imposto pelo artigo 7.º, n.º 4, al. b), da Lei n.º 23/2012 de 25, ou seja, um acréscimo de 50% da retribuição correspondente, tendo por base a retribuição diária.
Ora, como resulta dos factos provados, verifica-se que, no lapso temporal referido, a Ré pagou efetivamente o acréscimo devido pelo trabalho prestado em dia feriado de acordo com a imposição legal.
Com efeito, sendo a retribuição mensal auferida pelo Autor a de 710,00€, e a retribuição diária de 23,87€, a Ré pagou ao Autor o acréscimo remuneratório de 11,83€ por cada feriado trabalhado, correspondente a 50% da retribuição correspondente.
A partir de Janeiro de 2015, e até Outubro de 2022, a Ré não pagou ao Autor os valores devidos pelos feriados trabalhados (com acréscimo de 100% da retribuição, de acordo com a cláusula 24ª do CCT).
Com efeito:
- No ano de 2015, a Ré devia ter pago ao Autor, pelos 4 feriados trabalhados (1 pago em Janeiro, 2 pagos em Abril e 1 pago em Maio), a quantia de 190,54€, tendo em conta a retribuição mensal auferida em Janeiro (710,00€:30=23,66; 23,66x2=47,32€) e a retribuição mensal auferida em Abril e Maio (716,00€:30=23,87; 23,87x2=47,74€).
Uma vez que pagou a quantia de 83,49€, é devida ao Autor a diferença, que se cifra em 107,05€.
- No ano de 2016, a Ré devia ter pago ao Autor, pelos 8 feriados trabalhados (2 pagos em Abril, 1 pago em Maio, 2 pagos em Junho, 1 pago em Julho, 1 pago em Novembro e 1 pago em Dezembro), a quantia de 383,52€, tendo em conta a retribuição mensal auferida neste ano (719,00€:30=23,97; 23,97x2=47,94€).
Uma vez que pagou a quantia de 191,80€, é devida ao Autor a diferença, que se cifra em 191,72€.
- No ano de 2017, a Ré devia ter pago ao Autor, pelos 8 feriados trabalhados (1 pago em Janeiro, 1 pago em Abril, 2 pagos em Maio, 1 pago em Agosto, 1 pago em Outubro e 12 pagos em Dezembro), a quantia de 389,12€, tendo em conta a retribuição mensal auferida em Janeiro (719,00€:30=23,97; 23,97x2=47,94€) e a retribuição mensal auferida entre Abril e Dezembro (731,00€:30=24,37; 24,37x2=48,74€).
Uma vez que pagou a quantia de 197,02€, é devida ao Autor a diferença, que se cifra em 192,21€.
- No ano de 2018, a Ré devia ter pago ao Autor, pelos 9 feriados trabalhados (2 pagos em Abril, 1 pago em Maio, 1 pago em Junho, 1 pago em Julho, 1 pago em Outubro, 1 pago em Novembro e 2 pagos em Dezembro), a quantia de 456,66€, tendo em conta a retribuição mensal auferida neste ano (761,00€:30=25,37; 25,37x2=50,74€).
Uma vez que pagou a quantia de 228,31€, é devida ao Autor a diferença, que se cifra em 228,35€.
- No ano de 2019, a Ré devia ter pago ao Autor, pelos 5 feriados trabalhados (1 pago em Junho, 1 pago em Julho, 1 pago em Agosto, 1 pago em Novembro e 1 pago em Dezembro), a quantia de 258,00€, tendo em conta a retribuição mensal auferida neste ano (774,00€:30=25,80; 25,80x2=51,60€).
Uma vez que pagou a quantia de 129,00€, é devida ao Autor a diferença, que se cifra em 129,00€.
- No ano de 2020, a Ré devia ter pago ao Autor, pelos 5 feriados trabalhados (2 pagos em Junho, 1 pago em Julho, 1 pago em Agosto, 1 pago em Outubro e 1 pago em Novembro), a quantia de 258,00€, tendo em conta a retribuição mensal auferida neste ano
(774,00€:30=25,80; 25,80x2=51,60€).
Uma vez que pagou a quantia de 129,00€, é devida ao Autor a diferença, que se cifra em 129,00€.
- No ano de 2021, a Ré devia ter pago ao Autor, pelos 7 feriados trabalhados (1 pago em Maio, 2 pagos em Junho, 1 pago em Agosto, 1 pago em Outubro, 1 pago em Novembro e
1 pago em Dezembro), a quantia de 366,38€, tendo em conta a retribuição mensal auferida neste ano (785,00€:30=26,17; 26,17x2=52,34€).
Uma vez que pagou a quantia de 183,10€, é devida ao Autor a diferença, que se cifra em 183,28€.
- No ano de 2022, a Ré devia ter pago ao Autor, pelos 6 feriados trabalhados até Outubro (2 pagos em Janeiro, 2 pagos em Maio, 1 pago em Julho e 1 pago em Agosto), a quantia de 330,00€, tendo em conta a retribuição mensal auferida neste ano (825,00€:30=27,50; 287,50x2=55,000€).
Uma vez que pagou a quantia de 163,67€, é devida ao Autor a diferença, que se cifra em 166,33€.
São, pois, devidas diferenças salariais que totalizam 1.326,94€, relativas à retribuição do trabalho prestado em dias feriados, entre Janeiro de 2015 e Outubro de 2022.
Procede, pois, parcialmente o pedido formulado pelo Autor a este respeito.
Por referência à citada fundamentação, desde já diremos que essa acompanhamos, não nos merecendo também qualquer censura a conclusão aí afirmada, de resto suportada em adequada interpretação, com respeito pelos critérios aplicáveis, da cláusula do CCT chamada à aplicação – socorrendo-se ainda de Jurisprudência, incluindo desta Secção –, sendo que, com a natural salvaguarda do respeito devido, sequer se tornariam necessárias outras considerações da nossa parte em termos de resposta aos argumentos que, em contrário, são avançados nesse âmbito em ambos os recursos. De resto, como no Acórdão de 8 de maio de 2023 – processo n.º 16800/21.5T8PRT.P1, relatado pelo aqui também relator –, também neste caso que agora se aprecia poderemos dizer que, em face da citada fundamentação, na consideração, também, de que é no quadro factual provado que deve assentar a aplicação do direito no caso, consideramos também que os argumentos avançados pelos Recorrentes se baseiam no essencial em mera discordância quanto ao entendimento aí sufragado, o que, sendo-lhes naturalmente legítima tal discordância, não se configura com o objetivo de que esses pudéssemos ponderar, de efetivos argumentos jurídicos tendentes a infirmar a aplicação do direito resultante da sentença.
Apenas diremos, ainda assim, não obstante risco de repetição, por um lado, tendo presente o que resulta da adequada interpretação da cláusula do CCT que sem dúvidas é de aplicar, como aliás bem se evidencia na sentença, que essa não permite, de modo algum, dar sustentação ao entendimento que é defendido pelo Autor / recorrente, para o que bastará, por nos parecer mais uma vez de mediana facilidade de compreensão, atender ao que, diga-se bem, se refere na sentença, assim que o que determina tal cláusula é que o trabalho prestado em dia feriado seja remunerado com um acréscimo de 100% sobre a remuneração pelo trabalho prestado nesse dia, pelo que, exercendo a Ré a sua atividade em funcionamento contínuo e não correspondendo o trabalho prestado pelos trabalhadores nos dias feriados a trabalho prestado em dia de descanso – pois aqueles feriados não coincidiam com os seus dias de descanso, temos desde logo como seguro que não estamos perante trabalho suplementar, mas trabalho normal prestado em dia feriado –, então, sendo esse trabalho prestado dentro do cumprimento do horário normal desses trabalhadores, muito embora beneficiando esses do acréscimo remuneratório de 100% aí previsto, do que decorre, como dito na sentença, e bem, que “o acréscimo de 100% a que se refere a aludida cláusula 24ª, na situação como a dos autos, (em que o trabalho prestado nos dias feriados corresponde a trabalho normal) há-de corresponder a um, e não a dois, acréscimos daquela retribuição, sob pena de, assim não sendo, o trabalhador receber, pelo trabalho prestado em dia feriado, três vezes a remuneração normal: uma, a que já está incluída na retribuição mensal e, ainda, dois acréscimos de 100% cada um (200%). Ou seja, receberia, na totalidade e pelo feriado trabalhado, o triplo da retribuição diária (a do dia, já incluído na retribuição mensal + 200%)”, para concluir que, “na situação dos autos, em que o pagamento do dia feriado já está incluído e englobado na remuneração mensal; se, nesse dia, é prestado trabalho, então o trabalhador, para além do já auferido, que se encontra incluído na retribuição, terá o direito ao referido acréscimo de 100%.” De resto, tal interpretação está em conformidade com a que foi concretizada, como aliás resulta da sentença, no Acórdão desta Secção de 23 de Fevereiro de 2015[9], resultando precisamente do seu sumário: “I - O trabalhador que prestar serviço nos feriados obrigatórios terá direito, para além do vencimento que lhe caberia se não trabalhasse, à remuneração pelo trabalho efetivamente prestado, acrescida de 100% (n.º 2, da cláusula 24.ª do citado CCT) celebrado entre a Associação Portuguesa das Empresas Concessionárias das Zonas de Jogo, hoje, Associação Portuguesa de Casinos e o Sindicato dos Profissionais de Banca dos Casinos. Ao contrário do que resulta da cláusula 23.ª do mesmo CCT quanto à retribuição do trabalho extraordinário que faz apelo à retribuição horária, no que respeita à remuneração do trabalho prestado nos feriados, nada resulta da cláusula 24.ª no mesmo sentido, sendo certo que, se fosse essa a intenção do legislador teria feito apelo à mesma fórmula de cálculo da retribuição horária, o que não ocorreu.(…)”. Por outro lado, neste caso em contrário do que parece defender a Ré no recurso subordinado para efeitos de ver aplicado o que resulta do CT, assim o artigo que indica, que o regime do CT não é tido como imperativo, podendo assim ser afastado por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho (conforme se dispõe no n.º 1 do artigo 3.º do CT). Acompanhando-se o texto do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de julho de 2018[10], diremos também que, sendo os Instrumentos de Regulamentação Coletiva de Trabalho fonte do direito do trabalho, disciplinadora do contrato de trabalho, que não podem contrariar normas legais imperativas, mas que, em regra, podem afastar as normas legais reguladoras do contrato de trabalho, salvo quando delas resultar o contrário, sendo que, no que se refere às normas que respeitem ao descanso compensatório por trabalho suplementar em dia útil, em dia de descanso semanal complementar ou em feriado e as relativas à remuneração do trabalho prestado em dia feriado em empresa não obrigada a suspender o funcionamento nesse dia, essas “não têm carácter imperativo e delas resulta o seu afastamento”, pelo que, “deste modo, podem ser alteradas por Instrumento de Regulamentação Coletiva de Trabalho por outras que, nomeadamente, sejam mais favoráveis para os trabalhadores, sendo que estando, tais matérias, correlacionadas com os direitos dos trabalhadores ao repouso, à conciliação da sua atividade com a sua vida pessoal e familiar e à proteção da família, são naturalmente mais propensas para serem objeto de negociação coletiva”.
O antes exposto responde já, salvo o devido respeito, ao argumentado pelo Autor no presente recurso sobre diversidades de tratamento, pois que, estando essa diversidade de regimes sustentada no quadro normativo aplicável, tendo por referência situações também diversas. Tal tem sido repetidamente afirmado pela nossa Jurisprudência, incluindo do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) e do Tribunal Constitucional (TC), quando chamada a pronunciar-se sobre questões similares em que tal questão se colocava, apenas se citando, a título exemplificativo, o que resulta do recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de maio de 2025[11], nos termos seguintes:
“(…) O princípio da igualdade, na perspectiva aqui relevante – a salarial: a trabalho igual salário igual -, encontra suporte no artigo 59.º, n.º 1, a), da Constituição da República Portuguesa (CRP), que concretiza especificamente, o princípio programático proclamado no seu artigo 13.º, de que todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a Lei.
O artigo 59.º, n.º 1, a) da CRP preceitua que “todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito à retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência condigna” (negrito nosso).
É pacificamente entendido e aceite na doutrina e na jurisprudência que o princípio da igualdade pressupõe uma igualdade material, reportada à realidade social vivida, e não uma igualdade meramente formal, massificadora e uniformizadora, o que implica que se trate por igual o que é essencialmente igual e desigualmente o que é essencialmente desigual. (…)”
Por sua vez, nesta parte referente ao recurso subordinado apresentado pela Ré,, dirigido à sua condenação no pagamento ao Autor da quantia de €1.326,94, a título de diferenças salariais relativas à retribuição dos feriados efetivamente trabalhados, assim no período compreendido entre janeiro de 2015 e outubro de 2022, sobre o qual se considerou na sentença que “a Ré não pagou ao Autor os valores devidos pelos feriados trabalhados (com acréscimo de 100% da retribuição, de acordo com a cláusula 24ª do CCT)”, partindo a Ré do pressuposto, que afirma, assim conclusão 5.ª, de que consta dos factos provados que “pagou sempre pelo menos 100% da retribuição diária como acréscimo”, a verdade é que, ao tentar evidenciar perante esta Relação, com recurso a cálculos que faz, que seria esse o caso, no entanto, porém, salvo o devido respeito, não é exato o que refere. Na verdade, dizendo, “a título de exemplo, que, se, conforme consta do facto dado como provado sob o n.º 23, “A retribuição mensal (salário base e diuturnidades) do Autor (…) no ano de 2015, era de 710,00€ no mês de Janeiro, e de 716,00€ nos meses de Abril e Maio”, a retribuição diária a partir de Abril equivalia a 23,87 €, pelo que o valor a pagar pelo trabalho realizado em dia feriado não poderia ser o montante de 47,74 € que a douta sentença acaba por indicar”, importa esclarecer, salvo o devido respeito, que o acréscimo de 100%, que se afirmou devido pelo trabalho prestado em dia feriado, se traduz, precisamente, se considerada a remuneração para esse dia sem esse acréscimo, na multiplicação por dois que se fez na sentença – multiplicar por dois um determinado valor traduz-se em acrescer-lhe, precisamente, a percentagem de 100%. Não se verifica, pois, o pressuposto de que parte a Ré, pois que, não apontando designadamente qualquer erro ou inadequada consideração dos valores salariais mensais auferidos pelo Autor nos anos que aqui estão em causa (e que se fizeram constar da sentença), o que se lhe impunha fazer a ser esse o caso, com relativa facilidade se extrai da factualidade provada (nomeadamente, mas não só, o que resulta dos pontos 7.º e 9.º, provados), quanto ao período em causa, que não ficou demostrado que tivesse pago, como bem concluiu a sentença, o acréscimo de valor que, como nessa afirmado, por referência a cada dia feriado, deveria ter pago – utilizando o cálculo que, nos termos que já analisamos anteriormente, deveria ser utilizado / ou seja, sem dúvidas que o valores que pagou não traduzem o acréscimo de 100% que, como antes dito, era devido.
Improcede assim o recurso subordinado quanto a esta questão.
Como improcede, diga-se por último, a respeito da questão que levanta sobre os juros de mora, pois que, salvo o devido respeito, esses juros são devidos desde a data em que a prestação deveria ter sido realizada, como afinal se condenou na sentença, não relevando para a fixação dessa data o argumento, que diz ter avançado na contestação, de apenas se reconhecer “devedora de juros de mora que sejam calculados, à taxa legal, após as deduções fiscais e contributivas (na medida em que estas últimas sejam aplicáveis”. De facto, a constituição em mora ocorre com a violação do dever de cumprimento da obrigação pelo devedor, na data em que o deveria ter feito, sem ser influenciada pela circunstância, que se invoca, de poderem ou não incidir “deduções fiscais e contributivas”, tanto mais que estas, a existirem, deverão ser feitas perante as Entidades competentes.
Por decorrência do exposto, sem necessidade de outras considerações, claudicando todos os argumentos avançados nas conclusões pelos Recorrentes, resta-nos concluir pela improcedência de ambos os recursos.
Custas por cada um dos Recorrentes, por decaimento, quanto ao recurso que interpôs.
……………………………………….
……………………………………….
……………………………………….
Acordam os juízes que integram a Secção social do Tribunal da Relação do Porto em julgar totalmente improcedentes os recursos, principal e subordinado, confirmando-se, por decorrência, a sentença recorrida.
Custas por cada um dos Recorrentes, em relação ao recurso que interpôs.
(acórdão assinado digitalmente)
Nélson Fernandes
António Luís Carvalhão
Teresa Sá Lopes
_____________________________
[1] Código de Processo Civil Anotado, 5º, pág. 143.
[2] Processo 2350/17.8T8PRT.P1.S2, acessível em www.dgsi.pt
[3] “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”
Também na instância recursiva, nesse caso por referência às conclusões da alegação do recorrente, delimitativas do objeto do recurso, conforme resulta dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, do mesmo diploma legal.
[4]Código de Processo Civil Anotado, cit., 5º, pág. 143.
[5] No mesmo sentido, Lebre de Freitas, “A Ação Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil” de 2013, 3ª Edição, Coimbra Editora, pág. 320, e Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, III, Alm. Coimbra, 1982 – Págs. 142,143
[6] In www.dgsi.pt.
[7] Processo 257/19.3T8STS.P1, Relatora Desembargadora Fátima Andrade, in www.dgsi.pt.
[8] Ac. do STJ, de 20/10/2015, Processo 372/10: Sumários, 2015, p.55
[9] proferido no processo n.º 486/13.3TTVNG.P1, disponível em www.dgsi.pt,
[10] Processo n.º 735/17.9T8CBR.C1.S1, Relator Conselheiro Ferreira Pinto, in www.dgsi.pt.
[11] Processo n.º 18993/22.5T8LSB.L1.S1, Relator Conselheiro Domingos José de Morais, in www.dgsi.pt.