Na fase conciliatória do processo de acidente de trabalho o meio processual adequado para requerer ou fixar uma indemnização ou pensão provisória é o procedimento cautelar de arbitramento de reparação provisória previsto no artigo 388.º e seguintes do Código de Processo Civil.
Origem: Comarca de Aveiro, Juízo do Trabalho de Santa Maria da Feira – J1
Acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto
Relatório
AA, intentou, por apenso aos autos principais de Acidente de Trabalho (Fase Conciliatória), o presente procedimento cautelar de arbitramento de reparação provisória contra a Requerida “A..., S.A.”, requerendo que se fixe a quantia mensal de € 1.000,00 a pagar pela Requerida ao Requerente, com início a partir do próximo mês.
Alegou, para tanto, e em síntese, que exercia a atividade de pedreiro, por ordem, direção e fiscalização da sociedade “B..., Lda”; que na data de 32 de Agosto de 2022, sofreu um acidente no tempo e local de trabalho, e no exercício das suas funções, em consequência do qual sofreu traumatismo da região periorbitária esquerda, punhos e ombro esquerdo; que, à data do acidente, a responsabilidade infortunística por danos emergentes de acidentes de trabalho encontrava-se transferida pela sua entidade patronal para a Requerida “A..., S.A.”, através de contrato de seguro titulado pela apólice n.º ...; que a Requerida lhe prestou assistência até ao dia 19/09/2023, data em que atribuiu alta clínica; que sofreu períodos de incapacidade temporária em consequência do acidente; e que resultaram sequelas, tendo-lhe sido atribuída pela seguradora, uma IPP de 17,91%.
Mais alegou que se encontra incapacitado para o exercício da sua atividade profissional, tendo já sido informado de que não poderá voltar a fazê-lo; que o Requerente auferia a quantia mensal de 860,00€, com a qual fazia face às despesas respeitantes a consumos de água e luz, despendendo mensalmente cerca de 700,00€ em alimentação e higiene pessoal suas e da sua família; que tem a cargo três filhas, duas das quais menores, e uma delas com uma doença crónica, necessitando permanentemente de cuidados; que a sua cônjuge se encontra desempregada, sendo apenas com o seu ordenado que fazia face às despesas do agregado familiar; que necessita de cuidados medicamentosos, despendendo mensalmente cerca de 50,00€ em medicamentos, e que necessita de cuidados médico e de auxílio de terceira pessoa; que mensalmente paga uma prestação de um crédito ao consumo, de um cartão de crédito e de um crédito pessoal; e que, com a privação do seu rendimento, o Requerente e o seu agregado familiar dependem do auxílio de familiares próximos, vendo-se em risco de não subsistir sem tais ajudas; e que tal situação de necessidade decorre dos danos corporais que resultaram do acidente de trabalho, pelo qual é responsável a Requerida.
Foi proferido despacho a designar data para a audiência final, tendo sido apresentada oposição pela Requerida e foi determinada a suspensão da instância até à realização do exame pericial na fase conciliatória dos autos principais.
Na sua oposição, alegou a Requerida que a providência cautelar de arbitramento de reparação provisória não é o meio processual adequado para solicitar a atribuição de uma quantia mensal em consequência de um acidente de trabalho; que o meio processual próprio seria o previsto no artigo 122º do Código de Processo do Trabalho, no entanto, não é possível a aplicação da figura processual da pensão provisória, uma vez que os autos principais de acidente de trabalho ainda se encontram na fase conciliatória, pelo que a Requerida deve ser absolvida do pedido.
Mais alega que ao Requerente foi dada alta clínica a 19/09/023, considerando-o curado com uma IPP de 17,91%; que não resulta do requerimento inicial nem dos documentos que o acompanham que o Requerente esteja impossibilitado de exercer a sua atividade profissional, a qual só pode ser reconhecida em sede de exame pericial; e que o valor peticionado a título de pensão mensal é superior ao rendimento que o Requerente auferia à data do acidente, sendo certo que foi fixada ao requerente uma IPP que representa o limite de uma eventual condenação, assim como o salário anula, pelo qual a Requerida apenas é responsável por 70%.
Dadas as delongas verificadas na conclusão do relatório pericial, foi determinado o prosseguimento dos autos.
Procedeu-se à audiência final na qual não foi possível a conciliação das partes.
Foi proferido despacho final, no qual foi julgada improcedente a exceção dilatória do erro na forma de processo, tendo a Requerida sido condenada a pagar ao Requerente, a título de reparação provisória, a quantia mensal de 383,00 (trezentos e oitenta e três euros), desde o 1º dia do mês subsequente à data da dedução do pedido, e até à data em que transitar em julgado a decisão proferida sobre a fixação da incapacidade ao Requerente na fase conciliatória.
Inconformada a Requerida interpôs o presente recurso, apresentando alegações que termina com as seguintes conclusões:
«1 - No Processo de Trabalho, que é um processo especial relativamente ao Processo Civil (de natureza comum e subsidiária), e mais concretamente na Sub-Secção específica dos Acidente de Trabalho, apenas está prevista, em sede de reparação provisória, a possibilidade de ser arbitrada uma pensão provisória, mediante determinados requisitos.
2 - Salvo o devido respeito por opinião contrária, entende a requerida que a presente providência cautelar não é o meio processual próprio para o requerente solicitar a atribuição de uma quantia mensal em consequência do acidente de trabalho.
3 - Uma vez que a causa de pedir do requerente radica, por um lado, na verificação de um acidente de trabalho e, por outro, num alegado estado de necessidade, entende a requerida que o meio processual próprio para o requerente reclamar o que aqui reclama seria o que está previsto no artº 122º do Código de Processo do Trabalho, ou seja, pensão ou indemnização provisoria em caso de falta de acordo.
4 - E diz-se, seria, porque, encontrando-se os autos ainda na fase conciliatória, não é possível a aplicação da figura processual da pensão provisória, conforme consta dos autos, ao requerente foi atribuída alta em 19/09/2023, curado com uma IPP de 17,91%.
5 - A partir dessa data, da data da alta, o requerente passou a poder exercer a sua actividade profissional, embora portador dessa IPP de 17,91 que é a que foi fixada pelos Serviços Clínicos da requerida.
6 - Para que o requerente possa solicitar a atribuição de uma pensão provisória, terá que ser realizado o Exame Pericial previsto na fase conciliatória dos autos, o que, tanto quanto se julga saber, ainda não aconteceu.
7 - O requerente não pode, pelos presentes autos, obter indemnizações e meios a que nunca teria direito, caso a requerida não lhe tivesse atribuído alta; curada com uma desvalorização de 17,91%.
8 - O entendimento da requerida é de que não há lugar à fixação de pensão provisória na fase conciliatória dos autos (artigos 121º e seguintes do Código de Processo do Trabalho), sendo que é igualmente este o entendimento da jurisprudência (veja-se o acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 14/09/2017, proferido no processo n.º 328/16.8T8BJA-A El publicado no sítio www.dgsi.pt).
9 - Assim sendo, deverá a requerida ser absolvida do pedido.
10 - Entende a requerida que a eventual impossibilidade de exercício da sua actividade profissional só poderá ser reconhecida em sede de Exame Pericial, não podendo, por conseguinte, ser objecto de prova em sede de prova documental e testemunhal.
11 - O entendimento vertido na Douta Sentença aniquila, na prática, o instituto da pensão provisória, em detrimento do arbitramento de reparação provisória.
12 - A Douta Sentença em recurso violou, pois, os artºs 122º e ss do Código de Processo do Trabalho.»
Não houve resposta ao parecer o Ministério Público.
Resulta do art.º 81.º, n.º 1 do CPT e das disposições conjugadas dos arts. 639.º, nº 1, 635.º e 608.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil (doravante CPC), aplicáveis por força do disposto pelo art.º 1.º, n.º 1 e 2, al. a) do CPT, que as conclusões delimitam objetivamente o âmbito do recurso, no sentido de que o tribunal deve pronunciar-se sobre todas as questões suscitadas pelas partes (delimitação positiva) e, com exceção das questões do conhecimento oficioso, apenas sobre essas questões (delimitação negativa).
Assim, importa decidir se o procedimento cautelar de arbitramento de reparação provisória não é o meio processual próprio para o requerente solicitar a atribuição de uma quantia mensal em consequência do acidente de trabalho.
Está em causa no presente recurso saber se o procedimento cautelar de arbitramento de reparação provisória é admissível no âmbito de um processo emergente de acidente de trabalho, entendendo a recorrente que não há lugar à fixação de pensão provisória na fase conciliatória dos autos.
De facto, importa ter em atenção que o procedimento cautelar foi instaurado na pendência da fase conciliatória do processo de acidente de trabalho, fase na qual, de resto, tanto quanto resulta da consulta no “Citius”, os autos ainda se encontram.
A questão foi tratada de forma assertiva e exaustiva no despacho recorrido, com suporte em jurisprudência pertinente, que cremos ser unânime, cujo entendimento perfilhamos.
Na verdade como se pode ler no Ac. RL de 22/06/2022[1], cujo sumário a Mm.ª Juiz “a quo” transcreveu:
«É sabido que o legislador acautela a situação do sinistrado, prevendo a possibilidade de atribuição de pensão ou indemnização provisória nas situações previstas nos artigos 121.º a 123.º do Código de Processo do Trabalho. Sucede, porém, que essa atribuição apenas está contemplada para a fase contenciosa do processo especial emergente de acidente de trabalho (art.º 117.º segs), não se prevendo qualquer tipo de indemnização no domínio da fase conciliatória desse processo (artigos 99.º a 116.º do mesmo diploma).
Não sendo incomum que essa fase possa demorar mais do que seria suposto, pese embora a natureza urgente desse o processo (art.º 26.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo do Trabalho), com as inerentes dificuldades para o sinistrado, que em grande número de casos fica despojado dos necessários meios de subsistência, há muito se vem entendendo que em tais situações pode ser convocada a aplicação do procedimento cautelar de arbitramento e reparação provisória, desde que verificados se mostrem os seus pressupostos. Em tais situações, justificar-se-á a fixação de uma prestação por conta da responsabilidade efetiva a apurar no decurso do processo, “quando pelo tipo de lesão e pelos respetivos reflexos na capacidade de ganho seja legítimo concluir pela necessidade de fixação de uma prestação pecuniária (renda mensal) que restabeleça as condições económicas do lesado” (Vd. Abrantes Geraldes “Suspensão de Despedimento e Outros Procedimentos Cautelares no Processo do Trabalho”, Almedina, fev. 2010, pág. 142 e também o Ac. do TRE de 14-09-2017. Proc. 328/16.8T8BJA-A.E1).
“Não existe nenhuma razão de princípio que rejeite os benefícios que com a medida cautelar mencionada se podem obter. Tendo em conta que o processo especial de acidente de trabalho pode comportar a atribuição ao sinistrado ou aos seus familiares de uma pensão ou indemnização provisória, supostos determinados requisitos, é manifesta a familiaridade da medida provisória com as questões laborais, tornando-se por isso mais fácil estender ao foro laboral o novo instrumento de realização do direito criado pela legislação processual civil”. (Vd. Ac. do TRL de 09.06.2010, proc. 18434/09.3T2SNT-A.L1-4. No mesmo sentido o Ac. do TRE de 14.09.2017, proc. 328/16.8T8BJA-A.E1, in www.dgsi.pt.).»
No mesmo sentido se pronunciaram também os Acs. RL de 09/06/2010[2], da RG de 07/10/2021[3], da RC de 19/03/2021[4] e da RP de 30/05/2018[5].
A recorrente invoca em sentido contrário o Ac. RE de 14/09/2017[6].
Mas, o que ali foi decidido foi exatamente o oposto do propugnado pela recorrente, bastando para tal atentar no sumário do Acórdão, segundo o qual:
“I – Não regulando o Código de Processo do Trabalho a fixação de uma indemnização ou pensão provisória por acidente de trabalho na fase conciliatória do processo, é de aplicar subsidiariamente o disposto no Código de Processo Civil.
II – Por isso, é de concluir que na fase conciliatória do processo de acidente de trabalho o meio processual adequado para requerer ou fixar uma indemnização ou pensão provisória é o previsto no artigo 388.º e seguintes do Código de Processo do Trabalho (“arbitramento de reparação provisória” – no acórdão refere-se por manifesto lapso o art.º 388.º do Código de Processo do Trabalho, quando este preceito pertence ao Código de Processo Civil. (sublinhado nosso).
Assim, sem necessidade de outras considerações que redundariam numa repetição desnecessária dos fundamentos constantes quer do despacho recorrido, quer da jurisprudência citada, conclui-se que, na fase conciliatória do processo emergente de acidente de trabalho, o procedimento cautelar de arbitramento de reparação provisória é o meio processual adequado para acautelar o efeito útil da ação de acidente de trabalho.
Consequentemente o recurso improcede, na íntegra, sendo de manter a decisão recorrida.
Pelo exposto acorda-se julgar o recurso totalmente improcedente, confirmando o despacho recorrido.
Custas pela recorrente.